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UFF Cinema e Audiovisual

Preservação Audiovisual 2021.1


Letícia Marques Pinto

Análise crítica de “Dawson City: frozen time” de Bill Morrison

“Dawson City: frozen time” (2016) é um documentário americano, escrito e dirigido por Bill
Morrison, que relata a descoberta de 533 latas de filmes de 35mm e filmagens de noticiário
datadas de 1910 a 1920, que estavam perdidas a mais de cinquenta anos.
O filme inicia abordando a situação em que essas imagens foram encontradas. Assim,
aprendemos que uma equipe de construção atuava em um novo centro recreativo, quando,
durante a escavação, vários rolos de filme foram encontrados.
Além disso, o documentário também descreve o processo de criação dos rolos de filme, que
nasceu de um explosivo. O filme de nitrato ou celulóide, como também era chamado,
possuía uma emulsão sensível à luz, capturando imagens. No entanto, também entrava em
combustão espontânea caso armazenado de forma imprópria. Assim, depois de anos de
incêndios em armazéns, em 1949, foi introduzido o estoque de segurança de acetato. Visto
isso, o documentário estima que 75% dos filmes silenciosos foram perdidos. Desse modo,
vemos a importância da preservação audiovisual para resguardar o patrimônio histórico e
cultural para gerações futuras.
Ademais, um dos principais pontos abordados pelo filme é a apresentação de dados
detalhados sobre a área em que os rolos de filme foram encontrados, Dawson City, traçando
uma linha do tempo minuciosa e descrevendo aspectos históricos e culturais da região
canadense.
Um dos acontecimentos mais importantes dessa região foi a Corrida do Ouro de Klondlike,
migração de cerca de 100.000 garimpeiros que ocorreu em Dawson City de 1896 a 1899.
Visto isso, Bill Morrison busca demonstrar, ao longo do documentário, os aspectos
econômicos e culturais que foram consequências dessa situação.
Também é interessante apontar que as informações trazidas pelo filme são intercaladas com
as imagens que foram encontradas, criando uma atmosfera de mergulho ao passado e
estabelecendo a estética visual do longa-metragem. Além disso, a trilha sonora também
contribui para a ambientação do documentário, trazendo um aspecto de fantasia, assim,
colaborando para a imersão do espectador.
A falta de narração adotada por Bill Morrison também foi uma escolha fundamental para a
composição da estética sensível que observamos no documentário, além de criar uma ponte
com os filmes silenciosos encontrados, que possuíam intertítulos para transmitir o que seria
falado ou clarificar situações para os espectadores.
Outro ponto importante do documentário foi a abordagem dos diversos incêndios que
ocorreram durante os anos e levaram à perda de muitas películas. A descrição dessas
ocorrências, em acompanhamento a trilha sonora, traz um sentimento de melancolia e luto
por algo que poderíamos ter acesso.
Além disso, o longa-metragem de Bill Morrison demonstra o processo de descobrimento e
investigação das películas encontradas, descobrindo que gerente do Banco de Comércio do
Canadá de 1928 a 1932, que também era responsável pela distribuição de filmes da região,
foi instruído que os filmes acumulados em Dawson City fossem destruídos, assim, alguns
foram jogados no rio Yukon, outros foram armazenados no porão da biblioteca e outros
jogados em um buraco de natação, na lama e na sujeira, mas, mesmo sofrendo alguns danos
por conta da água, surpreendentemente, os recipientes preservaram os rolos de filme em boas
condições.
Assim, após transportados pela força aérea, restaurados e catalogados por arquivistas, os
filmes encontrados em Dawson City apresentaram muitos tesouros, que ainda estão sendo
redescobertos hoje. Isso porque, segundo o texto “O audiovisual como patrimônio: questões”
de José Quental, ao serem conservados, restaurados e exibidos, esses filmes passam a fazer
parte de uma coleção, podem representar uma cinematografia, um estilo, um gênero ou uma
etapa da história do cinema.
Desse modo, vemos que o acesso a esses rolos de filmes, de mais de cem anos atrás, é muito
significativo historicamente e culturalmente, pois, ainda de acordo com José Quental, ao
serem inscritos em uma história, esses filmes deixam de ser objetos ordinários para se
tornarem bens culturais, que representam uma comunidade em um determinado momento.
Dessa maneira, notamos que eles se transformaram em registros históricos e artísticos.
Então, podemos concluir, a partir da análise do texto de Quental e do documentário “Dawson
City: frozen time”, que o audiovisual é uma importante parte do patrimônio cultural. No
entanto, infelizmente, no dia a dia das atividades em instituições patrimoniais é necessário
reafirmar de forma constante a importância da preservação ou barganhar recursos mínimos
para realizar serviços corriqueiros, pois as atividades de preservação lidam com a escassez de
recursos e com a indiferença dos poderes públicos, confirmando a fragilidade do estatuto
patrimonial do audiovisual.
Assim, é necessário enfatizar a importância da preservação audiovisual, para que as próximas
gerações também possam analisar e estudar as imagens produzidas agora. Dessa forma, é
necessário que os poderes públicos invistam na significação desses objetos culturais, além de
contribuir financeiramente, valorizando os espaços patrimoniais e aqueles que trabalham na
área, com o objetivo de manter a produção artística audiovisual em boas condições.

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