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BELO HORIZONTE / MG
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO FILOSOFIA ANTIGA ............................................................................................... 3
2 CONTEXTO HISTÓRICO ................................................................................................................ 8
2.1 Polis Grega ...................................................................................................................................8
2.2 Nascimento e Desenvolvimento da Polis .......................................................................................8
2.3 Períodos da Grécia Antiga.............................................................................................................9
2.4 Características do Período Arcaico................................................................................................9
2.5 Características da Polis Grega .................................................................................................... 10
2.6 Origem da Democracia................................................................................................................ 10
2.7 Características da Democracia Ateniense ................................................................................... 11
3 A ORIGEM E O NASCIMENTO DA FILOSOFIA E SUA HERANÇA PARA O MUNDO OCIDENTAL
11
3.1 A História da Filosofia.................................................................................................................. 12
4 FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS ..................................................................................................16
4.1 Filosofia Grega ............................................................................................................................ 17
5 PLATONISMO, A FILOSOFIA DE PLATÃO ....................................................................................18
5.1 Dialética de Platão ...................................................................................................................... 19
6 LÓGICA ARISTOTÉLICA ...............................................................................................................20
7 CONDIÇÕES HISTÓRICAS DO NASCIMENTO DA ANTIGA FILOSOFIA NA GRÉCIA E ROMA
ANTIGAS E A CARACTERÍSTICA GERAL DESSA FILOSO- FIA .....................................................22
8 OS PRIMEIROS MATERIALISTAS DA GRÉCIA ANTIGA E A GERMINAÇÃO DO IDEALISMO .....24
8.1 A Filosofia Naturalista de Mileto .................................................................................................. 24
8.2 A Escola Pitagórica ..................................................................................................................... 27
8.3 Os Eleáticos ................................................................................................................................ 29
9 A LUTA ENTRE O MATERIALISMO E O IDEALISMO DURANTE O PERÍODO DO
FLORESCIMENTO DA GRÉCIA ESCRAVISTA ................................................................................30
9.1 Anaxágoras ................................................................................................................................. 31
9.2 Empédocles ................................................................................................................................ 31
9.3 Demócrito ................................................................................................................................... 32
10 OS SOFISTAS .............................................................................................................................34
11 SÓCRATES .................................................................................................................................35
12 PLATÃO 36
13 ARISTÓTELES ............................................................................................................................37
14 A FILOSOFIA DURANTE O PERÍODO DA DECADÊNCIA DO MUNDO ANTIGO ........................41
15 BIBLIOGRAFIA BÁSICA...............................................................................................................45
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR...................................................................................................45
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
querer ler mais Platão e a procurar saber mais Assim, poder-se-á “adiantar” ou “atrasar”
das razões de Aristóteles. A completa a entrada no programa de Filosofia Antiga
descredibilização da sofística levada a cabo pela conforme o ponto de vista que se adopte sobre o
crítica tenaz e implacável de Platão, logo seguida assunto. Se se considerar que o essencial desse
pela não menos demolidora censura do período da História da Filosofia é Platão e
circunspecto Aristóteles, não deve ser passada Aristóteles, tudo o que sejam considerações mais
como se de mais um ponto do programa se detalhadas sobre os chamados Pré-Socráticos,
tratasse. É altura de dar a palavra aos sofistas, Sofistas ou Sócrates, será considerado como
de voltar a ler o testemunho de Platão, e de fazer uma demora, um dispersar de tempo que deveria
as pazes com os sofistas, e de continuar a ser inteiramente consagrado ao estudo das duas
admirar Platão, uma vez que o seu pensamento grandes referências do pensamento filosófico
vai surgindo cada vez mais pujante e claro à antigo e ocidental.
medida que a reabilitação dos sofistas vai Ao contrário, se se considerar que um
avançando. À primeira vista, poderá parecer programa de Filosofia Antiga nunca poderá
contraditório esta súbita e igual admiração pelo ignorar algumas das mais originais e inesperadas
pensamento dos Sofistas e pelo pensamento de aventuras do espírito representadas por toda a
Platão. Mas não é. Os alunos descobrem-no linha pré-socrática, sofística e socrática, sem a
através de um conhecimento de causa.
qual, aliás, a compreensão segura e consistente
Enfim, a disciplina de Filosofia Antiga é, do pensamento de Platão e Aristóteles nunca
igualmente, um instrumento precioso na seria inteiramente conseguida, tenderá a
abordagem e compreensão da História da considerar que uma linha programática como a
Filosofia passada e futura, ensinando- nós o grau inicialmente referida, representa um falso
de envolvimento e a distância adequada avanço, um salto incorretamente dimensionado,
relativamente a batalhas que são e já não são porque ignora e não preenche uma retaguarda já
nossas. Do encontro e da posse dessa desejável profundamente tocada pelo espírito da Filosofia.
equidistância dependerá a compreensão mais ou
O programa de uma cadeira é algo que é
menos precisa da própria Filosofia Antiga. Ou pensado e redigido em função dos seus
seja, a Filosofia Antiga é, também, uma
destinatários. No caso vertente, os alunos.
introdução à História da Filosofia, uma vez que
Todavia, se é verdade que um programa não
nos dá a percepção aproximada das pode ser totalmente condicionado pelos alunos a
circunstâncias em que devemos abandonar o
quem se dirige, não é menos verdade que não
presente para, colocando-nos do lado do
deve ser pensado nem criado na pura ignorância
passado, melhor o compreendermos ou, ao ou não querer saber do público a que se destina,
contrário, quando nos devemos aproximar do
sob pena de ver a sua efetiva exequibilidade
presente para melhor entendermos o passado. perigosamente ameaçada. Desta maneira, o
Anteriormente, referia-se o atraso, a programa de Filosofia Antiga tem de contemplar
demora da entrada em cena da Filosofia Antiga, conteúdos, no caso em análise, as origens da
decorrente da necessidade de uma filosofia e todo o pensamento filosófico pré-
contextualização prévia à emergência do platónico, que, de antemão, sabe que os alunos
filosofar. Essa questão ocorre novamente desconhecem e cuja compreensão é
quando se trata de saber qual o ponto de partida absolutamente necessária para o entendimento
de um programa de Filosofia Antiga, que peso dos períodos subsequentes. Não é pedagógica
deverá ser atribuído a cada um desses pontos e nem cientificamente correto partir do princípio de
em que medida devem ser mais ou menos que os alunos sabem aquilo que não sabem ou
aprofundados os conteúdos desse programa. A vão por sua livre iniciativa tratar de saber aquilo
resposta à questão não é linear. Ainda que a que qualquer docente com alguns anos de
disciplina de Filosofia Antiga se enquadre num docência da cadeira sabe que dificilmente e só
período bem determinado e claramente datado em casos muito excepcionais será levado a cabo.
da História da Filosofia, o entendimento e a A disciplina de Filosofia Antiga favorece,
apreciação que se podem fazer dos diferentes inclusivamente, a adopção e a prática de um
momentos desse período é tão variável que modelo que contempla e associa de uma forma
consente diferentes pontos de vista sobre a equilibrada a componente teórica e a
questão. componente prática da aula. Existem,
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consequente duplicação dos mundos, com a sua do conhecimento, a importância das diferentes
concepção de Motor Imóvel e da relação deste ciências, o próprio processo do conhecimento,
com o Mundo? Ou seja, como entender e levam-nos a entrar pelo lado das alegorias do
conciliar o carácter transcendente e ignorante do Sol, da Linha Dividida ou da Caverna. Mas
Motor Imóvel, com a crítica de Aristóteles à deriva remete-nos, igualmente, para incursões no
transcendente de Platão patente no mundo das Ménon, Parménides, Teeteto ou Sofista. E, uma
ideias? Qual o estatuto do intelecto activo ou vez que esta abordagem vai suscitar
agente? Trata-se da parte imortal da alma necessariamente a teoria da reminiscência, abre-
racional? Que tipo de relação se pode se uma nova frente que irá incidir no estudo do
estabelecer entre intelecto agente e intelecto papel da alma no processo do conhecimento. Na
paciente? Existe alguma relação entre a ideia decorrência deste processo, verificar-se-á que é
platónica e a forma aristotélica? Por que razão necessário ir mais longe e averiguar qual a
Platão é tão severo com a cultura clássica e com concepção de alma defendida por Platão. O
as artes em geral? E que posição adopta estudo desta questão, entretanto, irá fazer surgir
Aristóteles relativamente à mesma questão? uma outra, que se prende com a compreensão do
Como é que a utopia política de A República, estatuto do mito no contexto da sua produção
ainda que posteriormente temperada pelas Leis, filosófica. Ou seja, nesta altura, uma série de
deve ser considerada como uma obra de um diálogos já terão sido pela primeira vez
cidadão que vive a Cidade não de fora, mas do consultados, enquanto outros terão sido objeto
mais fundo dentro, não concebendo, inclusive, de uma segunda ou terceira leitura. Em concreto,
outro espaço possível de civilidade? E como é verifica-se que foram convocados, novamente, o
que a extrema razoabilidade de A Política de Ménon e a República, enquanto se estabeleceu
Aristóteles é redigida por alguém que, não sendo um primeiro contato com, entre outros, o Fédon,
cidadão, sentindo fundo o seu estatuto de o Fedro ou mesmo o Timeu. Por outro lado, a
estrangeiro, sabe tão bem da Cidade, e que, tal questão das origens conduz-nos novamente ao
como Platão, não admite outro espaço de Timeu, mas sugere, igualmente, uma passagem
civilidade? pelo Crítias e, mais uma vez, um regresso ao
Enfim, estão criadas as condições para Timeu.
pôr em marcha a fase seguinte que consiste A teoria política traz-nos de volta à
numa abordagem direta das obras dos filósofos. República, mas convida, ao mesmo tempo, a um
Ou seja, conseguiu-se, de uma forma rápido regresso e consulta do Protágoras ou do
relativamente próxima, um conhecimento dos Górgias, entre outros, tal como aconselha a ir
aspectos e tendências fundamentais do mais à frente, consultar O Político, e, inclusive, a
pensamento do filósofo. Essa possibilidade ficou ir mais além, até às Leis, para confirmar que, da
a dever-se à abertura ou conquista de um espaço parte de Platão, se procedeu a uma certa revisão
de saber que consente uma determinada tardia de alguns aspectos mais polémicos e
mobilidade ou liberdade de escolha das obras e dificilmente aceitáveis, defendidos,
das respectivas passagens que poderão anteriormente, em A República.
responder às questões inicialmente suscitadas. Entretanto, relativamente a Aristóteles,
Assim, rapidamente, verifica-se a ainda que o seu pensamento e a sua obra
existência de um conjunto de diálogos de Platão signifiquem uma maior estabilidade e clareza de
que se constituem não só obras de consulta procedimentos, ou não estivéssemos perante «o
obrigatória como de consulta recorrente. Ou seja, criador da prosa científica e da forma
podemos ter de abordar determinada parte de um expositiva»1, não decorre daí que, muito
diálogo a propósito de determinada problemática frequentemente, não surja a necessidade de, a
e, logo a seguir, sair para entrar num outro propósito de determinada questão, percorrermos
diálogo que toca a mesma temática; e confrontarmos mais do que uma obra do
posteriormente, outras questões poderão impor filósofo.
um regresso aos diálogos já consultados, através Assim, e a título meramente indicativo, se
de outras passagens. se trata do estudo do pensamento político,
Um só exemplo, A República funciona obviamente que o mesmo remete diretamente
sempre como um ponto de partida e um lugar de para a Política, mas, não dispensa, igualmente,
regresso. A problemática gnosiológica, os níveis uma incursão pela Constituição dos Atenienses
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O PENSAMENTO MÍTICO
Em um período anterior ao surgimento
Philo: amizade, amor fraterno dos primeiros filósofos, todas as explicações
Sophia: sabedoria eram dadas pela mitologia, lendas, tradições. Era
em um momento em que o homem estava
fortemente ligados à terra, às arvores, aos rios,
às montanhas, à natureza. O homem vivia em
Atribui-se a Pitágoras a invenção da
tribos. Não se fazia distinção entre o real e o
palavra, no sec. V a. C.. Significa amor e respeito
irreal. A explicação de toda realidade universal
pela sabedoria, desejo pelo saber, vontade de
era baseada na imaginação e no sobrenatural. O
saber e compreender a realidade. Com o tempo
pensamento mítico consiste em uma forma pela
filosofia passou a designar não apenas amor à
qual um povo explica aspectos essenciais da
sabedoria, mas um tipo especial de sabedoria:
realidade em que vive: a origem, o
aquela que nasce do uso metódico da razão.
funcionamento e os processos do mundo e da
3.1 A História da Filosofia natureza, suas origens e seus valores. O mito é
um discurso, uma narrativa imaginaria e ficcional.
Começaremos a estudar Filosofia pela
Pertence às tradições culturais e não são
sua história, caracterizando os diferentes
elaborados por uma pessoa. Faz parte da
períodos dentro do contexto histórico. A Filosofia
tradição cultural e representa a própria visão de
é uma instituição cultural tipicamente grega, que
mundo das pessoas. O mito não tem um
surgiu em um dado momento histórico, a partir de
fundamento, não se submete a críticas e aos
determinadas condições históricas e tornou-se o
questionamentos. São simplesmente aceitos
modo de pensar do mundo ocidental, inicialmente
como parte da experiência real.
na Europa e, com a colonização, expandiu-se
para a América e o mundo. O mito explica a realidade por meio do
sobrenatural, do mistério, do símbolo, do divino.
A Filosofia é apresentada em grandes
O mito é algo aceito e interiorizado pelo povo. É
períodos que correspondem às vezes de modo
preciso lembrar que o pensamento e as
aproximado, aos períodos da história ocidental.
instituições humanas refletem as condições
Principais períodos da história da sociais, econômicas e históricas de uma
Filosofia sociedade em uma determinada época. Na
1º. Filosofia Grega: História do pensamento Grécia daquele momento as explicações sobre
filosófico grego, as origens do mundo e da natureza baseadas na
mitologia já não correspondiam a realidade. A
• Sec. VI ao V a.C. - Período pré-socrático Filosofia surge então como a busca de uma
• Sec. V ao sec. IV a. C. – Período Socrático: explicação racional e ordenada do mundo ou da
Sócrates e Platão natureza: cosmologia.
• Sec. IV ao sec. III a.C. – Período Sistemático O que tornou possível o surgimento da
– Aristóteles Filosofia na Grécia no final do sec. VI antes de
• Sec. III a.C. ao sec. VI d. C. – Período Cristo? Quais as condições sociais, políticas,
Helenístico econômicas e históricas que permitiram o
surgimento da Filosofia?
2º. Filosofia Medieval – sec. I ao sec. XIV
As condições históricas que
3º. Filosofia Moderna - do século XVII ao século
possibilitaram o surgimento da Filosofia na
XVIII
Grécia A mudança de papel do pensamento
4º. Filosofia Contemporânea – do século XX aos mítico resulta de um longo período de transição e
dias atuais. de transformação da própria sociedade grega,
NASCIMENTO tornando possível o surgimento do pensamento
filosófico em VI a.C. As condições históricas que
A Filosofia nasce na Antiguidade, no final favorecem ao surgimento do pensamento
do sec. VI a.C, com Tales de Mileto, nas colônias filosófico-científico:
gregas da Ásia menor, em uma cidade chamada • O comércio e as viagens marítimas levaram à
Mileto. Os pensadores perguntavam sobre o desmitificação do mundo. Revelaram que não
mundo questões como: existiam deuses, monstros, titãs. O homem
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tanto aos pré-socráticos quanto a Platão. Sua satisfaz a alguns pensadores gregos. A verdade
principal obra filosófica Metafísica busca elaborar do mundo e dos homens passa a não ser algo
uma concepção filosófica original. Aristóteles secreto e misterioso, torna-se algo que podia ser
redefine a filosofia e apresenta a construção de conhecido por todos através do pensamento, da
um grande sistema de saber, muito influente no sabedoria, do uso metódico da razão. O
desenvolvimento da ciência antiga. Aristóteles momento histórico da Grécia Antiga em que
critica o dualismo representado na teoria das surge a Filosofia está vinculado à organização da
ideias de Platão e vai apresentar sua concepção polis – cidade-estado. A cidade foi criação dos
de real, evitando o dualismo dos dois mundos – homens e não dos deuses e podia se organizada,
sensível e inteligível, e desenvolve uma dirigida e pelos homens, pela razão. Os filósofos
concepção de realidade substancial. queriam uma explicação para o mundo, uma
ordem para o caos.
Aristóteles rompe com os ensinamentos
de seu mestre Platão e desenvolve uma 4 FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS
concepção sistemática de saber. Desenvolve seu
Os filósofos pré-socráticos fazem parte
próprio sistema e propõe uma concepção de real
do primeiro período da filosofia grega. Eles
que parte da substancia individual, composta de
desenvolveram suas teorias do século VII ao V
matéria e forma. Ele valoriza o saber empírico e
a.C. Recebem esse nome, posto que são os
a ciência geral (do ser) e a ciência natural (da
filósofos que antecederam Sócrates. Os filósofos
realidade natural). Valorizou as questões
pré-socráticos buscavam nos elementos
metodológicas e desenvolveu a lógica.
natureza as respostas sobre a origem do ser e do
Aristóteles desenvolveu a lógica para servir de
mundo. Focando principalmente nos aspectos da
ferramenta do raciocínio.
natureza, eram chamados de “filósofos da
A filosofia de Aristóteles é sistemática – physis”.
coerente e precisa integrada, é uma visão
SÓCRATES
integrada de saber, com diversas áreas
especificas. Ele dedicou anos de seus estudos Sócrates (470 a.C-399 a.C.) foi um
para classificar seres da natureza, ao mesmo importante filósofo grego do segundo período da
tempo que se dedicava ao estudo do espírito filosofia. Nasceu em Atenas sendo considerado
humano, do universo interior e exterior do ser um dos fundadores da filosofia ocidental. A
humano, incluindo política, sociedade, etc. filosofia de Sócrates, baseada no diálogo, era
chamada de filosofia socrática. Era marcada pela
Ele desenvolveu o conceito essencial
expressão “conhece-te a ti mesmo”, em virtude
que diferencia o homem de todos os seres no
da busca da verdade através do
mundo: a capacidade de buscar sempre fazer
autoconhecimento. Ademais, da filosofia do
melhor, ser feliz – a ética. Sua obra foi
“diálogo” de Sócrates, destaca-se a
fundamental para a difusão e desenvolvimento
“maiêutica”, que significa literalmente “trazer a
da Filosofia e Ciência, por meio da questão
luz”. Esta faz relação com a iluminação da
metodológica do saber científico, abrangendo a
verdade que, para ele, está contida no próprio
valorização da ciência empírica, a ética, a política
ser. Sócrates nasceu em Atenas, que em
e a estética.
meados do século V a.C tornou-se a metrópole
A HERANÇA DA FILOSOFIA GREGA PARA O da cultura grega. Da sua infância nada se sabe.
OCIDENTE Homem feito, chamava atenção não só pela sua
A Filosofia grega possui características, inteligência, mas também pela estranheza de sua
apresenta formas de pensar e estabelece figura e seus hábitos. Corpulento, olhos saltados,
concepções diferentes das de outros povos e vestes rotas, pés descalços, costumava ficar
culturas. Os gregos instituíram bases e princípios horas mergulhado em seus pensamentos.
fundamentais do que chamamos razão, Quando não estava meditando solitário,
racionalidade, ciência, ética, política, técnica, conversava com seus discípulos, procurando
arte. Essas bases e princípios passaram a ajudá-los na busca da verdade.
influenciar decisivamente o pensamento e as Nessa época teve início a segunda fase
instituições de todo ocidente até os dias atuais. da filosofia grega, conhecida como socrática ou
A Filosofia surge quando a explicação da antropológica, onde Sócrates foi o principal
realidade universal dada pelos mitos já não filósofo desse período. Nessa fase os filósofos
passaram a se preocupar com os problemas
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três partes e, ao harmonizar essas três partes era Górgias, Filebo, Fédon, República, Protágoras,
possível encontrar a felicidade, o bem: dentre outros.
• Alma Concupiscente: localizada no ventre, a
5.1 Dialética de Platão
alma concupiscente estava relacionada com
os desejos carnais. Platão define a dialética como a arte de
• Alma Irascível: localizada no peito, a alma pensar, questionar e hierarquizar ideias. O termo
irascível estava relacionada às paixões. dialética é utilizado por Platão na referência a
• Alma Racional: localizada na cabeça, a alma qualquer método que possa ser recomendado
racional estava relacionada ao conhecimento. como veículo da filosofia.
Assim, com a elevação da alma ao Para Platão, a dialética é um instrumento
mundo das ideias, através da contemplação das que permite o alcance a verdade. É preciso
ideias perfeitas, seria possível alcançar a ideia ressaltar que sua obra está ligada à preocupação
suprema do bem. com a ciência (considerada o conhecimento
verdadeiro), a moral e a política.
PLATÃO E A POLÍTICA
O trabalho de Platão envolve a função
Na política Platão contribuiu com sua
pedagógica e política quando o assunto é o
maneira humanista de refletir sobre o homem e
conhecimento, considerado a materialização do
uma sociedade justa. Para ele, a Política era
real. A materialização da pedagogia ocorre pelo
considerada uma das mais nobres atividades,
método usado para superar o senso comum.
posto que estava relacionada com a pólis, ou
seja, as cidades gregas e a organização da vida MÉTODO DIALÉTICO DE PLATÃO
dos cidadãos. Em sua obra “A República”, reflete • Opinião x verdade
sobre a construção do bem para todos os • Desejo x razão
cidadãos, a função social de cada um, tal qual • Interesse particular x interesse universal
como as atividades básicas realizadas na pólis. • Senso comum x filosofia
Sendo assim, Platão caracterizou as É o senso comum o ponto de partida da
atividades essenciais da pólis em três instâncias, dialética platônica, não para ser reafirmado, mas
as quais levavam em conta a aptidão de cada um: refutado e que deve ser superado. Platão propõe
• Administração da pólis que o senso comum e a opinião sejam
• Defesa da cidade questionados para a descoberta da verdade a
• Produção de materiais e alimentos partir do indivíduo sem a interferência externa.
Observe abaixo um trecho da Obra “A A hierarquia do método da dialética
República”: platônica tem como objetivo demonstrar a
fragilidade, a falta de fundamentação e os
“Ao fundarmos a cidade, não tínhamos
preconceitos que formam o senso comum. É,
em vista tornar uma única classe
ainda, objetivo, que o indivíduo tenha a
eminentemente feliz, mas, tanto quanto
consciência do funcionamento do método. A
possível, toda a cidade. De fato,
dialética admite as contradições somente como
pensávamos que só numa cidade assim
meio para superá-las, exige atitude crítica,
encontraríamos a justiça e na cidade pior
necessidade de reflexão, questionamento da
constituída, a injustiça. (...). Agora
opinião, da origem e de suas fundamentações.
julgamos modelar a cidade feliz, não
pondo à parte um pequeno número dos CONCEITO DE DIALÉTICA
seus habitantes para torna-los felizes, O termo dialética, do grego dialektké, é o
mas considerando-o como um todo. ” método de discussão de ideias opostas com o
OS DIÁLOGOS DE PLATÃO objetivo de encontrar a verdade. É uma forma de
argumentação lógica, exigindo o debate para a
A maior parte da obra de Platão foi
avaliação sistemática das relações entre
desenvolvida através dos Diálogos, textos em
conceitos específicos gerais.
que ele desenvolve suas ideias, filosofando sobre
a natureza e existência humana, bem como da DIALÉTICA SOCRÁTICA
sociedade que o envolve. Dos diálogos A dialética de Sócrates ocorre em dois
destacam-se: Apologia a Sócrates, O Banquete, momentos, a ironia e a maiêutica. É dessa forma
tem a possibilidade de se conhecer e se
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for a compreensão de um conjunto, menor será a matemática era uma ciência da verdade absoluta
extensão. Esse comportamento favorece a sem qualquer interferência humana. Todo o
classificação das categorias em gênero, espécie modelo matemático conhecido, constituído por
e indivíduo. operações, o conjunto de regas, princípios,
Quando avaliamos a proposição, a símbolos, figuras geométricas, a álgebra e a
categoria da substância é o sujeito (S). As demais aritmética existiam por si, permanecendo
categorias são os predicados (P) que foram independente da presença ou da ação do
atribuídos ao sujeito. Podemos compreender a homem. Os filósofos consideravam a matemática
predicação ou atribuição pela designação do uma ciência divina.
verbo ser, que é um verbo de ligação. Exemplo: A transformação do pensamento no
século XVIII remodelou o conceito da
O cão é bravo matemática, que passou a ser considerada como
resultado do intelecto humano.
PREPOSIÇÃO George Boole (1815-1864), matemático
Preposição é o enunciado por meio do inglês, é considerado um dos fundadores da
discurso declarativo de tudo o que foi pensado, lógica matemática. Ele acreditava que a lógica
organizado, relacionado e reunido pelo juízo. deveria estar associada à matemática e não à
Representa, reúne ou separa pela demonstração metafísica, como era usual nesta época.
verbal o que foi separado pelo juízo TEORIA DOS CONJUNTOS
mentalmente. A reunião de termos é feita pela
Somente ao fim do século XIX, o
afirmação: S é P (verdade). A separação ocorre
matemático italiano Giussepe Peano (1858 –
pela negação: S não é P (falsidade).
1958) divulgou seus trabalhos sobre a teoria dos
Sob o prisma do sujeito (S), existem dois conjuntos, abrindo um novo ramo na lógica: a
tipos de preposições: preposição existencial e lógica matemática. Peano promoveu um estudo
preposição predicativa. As preposições são demonstrando que os números cardinais finitos
declaradas conforme a qualidade e a quantidade podiam derivar de cinco axiomas ou proporções
e obedecem à divisão por afirmativas e primitivas traduzidas em três termos não
negativas. Sob o prisma da quantidade, as definíveis: zero, número e sucessor de.
preposições se dividem em universais,
A lógica matemática foi aperfeiçoada
particulares e singulares. Já sob o prisma da
pelos estudos do filósofo e matemático
modalidade, se dividem em necessárias, não-
Friedrich Ludwing Gottlob Frege (1848 -
necessárias ou impossíveis e possíveis.
1925) e pelos ingleses Bertrand Russel (1872
LÓGICA MATEMÁTICA - 1970) e Alfred Whiterhard (1861 - 1947).
No século XVIII, o filósofo e matemático A aplicação da lógica ultrapassa o
alemão Leibniz criou o cálculo infinitesimal, que silogismo e as falácias, adentrando a construção
constituía o passo para a encontrar uma lógica e depuração conceitual e, consequentemente, a
que, inspirada na linguagem matemática, diferenciação entre argumentações. É
chegasse à perfeição. A matemática é interessante notar que três conceitos vinculados
considerada uma ciência de linguagem simbólica decorrem da lógica aristotélica: dedução, indução
perfeita porque manifestando-se por meio de e hipótese.
cálculos puros e organizados é retratada por
algoritmos de único sentido. Concepções importantes para a lógica,
mas também para a filosofia em sentido amplo e
Já a lógica descreve as formas é capaz para a ciência. Sem os quais a moderna ciência,
de descrever as relações das proposições tal como entendida hoje, nem sequer existiria. A
lançando mão de um simbolismo regulado criado dedução constitui um método forma de
especificamente para esse fim. Em suma, é verificação da verdade e validade das
servida por uma linguagem construída para ela, conclusões, partindo de premissas verdadeiras
com base do modelo matemático. para chegar, pretensamente, a conclusões,
A matemática passou a constituir um igualmente, verdadeiras.
ramo da lógica a partir da mudança de A dedução parte de premissas
pensamento no século XVIII. Até então, o universalmente aceitas, consideradas como
pensamento grego prevalecia de que a
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um homem instruído sob todos os aspectos. de transformação devido à luta dos contrastes
Sendo comerciante, foi simultaneamente, contidos no "apeyron". Anaximandro concebia a
político, filósofo, astrônomo, matemático, etc. Em natureza como um processo dialético
suas viagens comerciais, conheceu a cultura e a espontâneo. Reconhecia a existência de uma
ciência egípcias e babilônicas. Tales predisse um multidão infinita de mundos, que se formavam,
eclipse solar, fenômeno que explicou afirmando por via natural do "apeyron" eterno. Esses
que era resultante da interposição da lua entre o mundos, com o correr do tempo, morrem e em
sol e a terra. Ensinou que a luz da lua era apenas seu lugar nascem outros novos. Embora
a luz solar refletida. Calculou a duração do Anaximandro não negasse a existência dos
movimento anual do sol em 365 dias. Descobriu deuses, esses, na sua opinião, não tomavam
a constelação do Carro (Ursa Menor). Segundo parte na formação e destruição dos mundos.
contam, soube predizer cientificamente o tempo.
Anaximandro enunciava de forma
Cultivava também a geometria e particularmente simplista os germes da concepção evolucionista
o problema da igualdade dos ângulos e da natureza. Dizia que os animais se originavam
triângulos; sabia determinar a altura dos objetos da água e que o homem provinha do peixe. Foi
pela sombra. um grande inventor; confeccionava relógios
Tales considerava a água como o solares; foi o primeiro a traçar um mapa
princípio, o elemento primordial de tudo o que geográfico, etc.
existia. Da água, em sua opinião, formavam-se Anaxímenes (meados do século VI A.C.)
todos os objetos, que em água tornavam a foi discípulo de Anaximandro. Anaxímenes
converter-se. Sendo o princípio e o fundamento
regressa novamente da matéria abstrata de
material de todas as substâncias, a água não era
Anaximandro à forma concreta da matéria,
criada por ninguém e jamais perecia. Mas a água
considerando o ar como seu fundamento
muda constantemente de estado, transformando-
primário. Segundo ele, todas as coisas proveem
se em diversas substâncias diferentes. Ao negar do ar perpetuamente em movimento e em ar
a criação da natureza e do homem pelos deuses,
tornam a converter-se. O ar excitado converte-se
Tales abalou os alicerces da religião grega. em fogo; o ar condensado, em vento, nuvem,
Contudo, não pôde vencer por completo água, ferro, pedras. O ar se condensa, conforme
a religião. Dizia que o mundo era animado, que o a opinião de Anaxímenes, devido ao frio e se
ímã tinha alma, graças à qual atraia o ferro. dilata pela ação do calor. Anaxímenes, sem
Porém os deuses de Tales desempenham negar diretamente a existência dos deuses,
um papel muito insignificante, uma vez que ele representava-os como seres materiais,
considera a natureza eterna e não criada. A afirmando que também eles se originavam do ar.
consciência é inerente à própria natureza e não é
Anaxímenes considerava o céu como
trazida de fora. A natureza inorgânica, segundo
uma abóboda de cristal à qual as estrelas
Tales, possui também uma consciência.
estavam presas. Essa abóboda celeste, de forma
Anaximandro (por volta dos anos 610- cilíndrica, cobre a terra. Entre o céu e a terra
546 A.C.), discípulo de Tales, considerava como flutuam no ar o sol, a lua e os planetas, os quais
princípio primário de tudo o que existia o se diferenciam das estrelas porque estas não têm
"apeyron", uma matéria indefinida, sem forma. um movimento próprio, visto estarem coladas à
Esta matéria indefinida servia para separar os abóboda celeste, com a qual se movem.
contrastes, o calor e o frio, graças aos quais se Anaxímenes explicava o eclipse do sol e da lua
formaram as diferentes substâncias do mundo. de uma forma ingênua, dizendo que o sol e a lua
Da ação mútua do calor e do frio formou-se tinham um lado escuro e o outro luminoso, de
primitivamente a água. A decomposição da água forma que, quando voltavam o lado escuro para
deu lugar ao aparecimento do fogo, do ar e da a terra, produzia-se o eclipse.
terra. As diversas e múltiplas coisas que surgiram A filosofia dos mileteanos tem,
do "apeyron" tornam a converter-se nele mais
incontestavelmente, caráter materialista, uma
tarde, e em seu lugar surgem outras coisas. vez que considera fundamento do mundo um
Anaximandro considerava esse movimento princípio material eterno, que ninguém criou; ela
perpétuo da matéria um fenômeno necessário e
interpreta a natureza e suas leis pela observação
seu processo sujeito a certas leis. O mundo,
da própria natureza, combatendo as
segundo ele, achava-se num estado constante interpretações mitológicas do mundo. Para eles a
25
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
base do mundo é uma matéria concreta: a água, "Não se pode entrar duas vezes no
o ar. Os mileteanos eram dialéticos espontâneos, mesmo rio nem se pode surpreender
concebendo todo o mundo em movimento, em duas vezes a natureza inanimada num
conexão mútua, em transformação recíproca. mesmo estado, uma vez que novas e
novas águas fluem constantemente para
O defeito principal dos filósofos
o rio, isto é, que a natureza se acha em
mileteanos foi o de não terem sabido explicar a
causa do movimento das coisas, a causa das constante mutação".
transformações que se dão no mundo. Mais Ou então: "O sol não só é novo cada dia
próximo da verdade que os mileteanos, esteve como se renova eterna e ininterruptamente".
um dos maiores filósofos da Grécia jônica: Por mutabilidade universal das coisas,
Heráclito. Heráclito entendia sua constante transformação
HERÁCLITO em seu contrário. "O fogo vive graças à morte da
Heráclito, oriundo da cidade de Éfeso, na terra e o ar graças à morte do fogo; a água vive
graças à morte do ar e a terra graças à da água",
Ásia Menor, viveu nos fins do século VI e no
escreve Heráclito.
princípio do V A.C. Pertencia à família real que foi
despojada do Poder e desterrada de Éfeso. Foi o O enorme mérito histórico de Heráclito,
maior filósofo materialista e o representante mais na opinião de Lenin, consiste em que ele soube
notável da dialética grega. Exerceu grande descobrir a causa das transformações da
influência no desenvolvimento da filosofia, não natureza. Esta causa é, segundo o filósofo de
somente na Grécia, mas também na filosofia Éfeso, a contradição interna, a divisão de cada
posterior. Hegel, por exemplo, escrevia: "Não coisa em dois elementos opostos, e a luta que se
existe uma única conclusão de Heráclito que eu estabelece entre esses elementos.
não tenha adotado na minha "lógica".
"Tudo acontece em consequência da
Até nossos dias chegaram cerca de 130 luta", diz Heráclito.
fragmentos dos trabalhos filosóficos do pensador
A luta dos contrários é, segundo
de Éfeso, os quais foram tirados das obras de Heráclito, a causa não só da evolução da
diversos filósofos antigos que o citam, as quais
natureza, mas também da evolução social.
foram conservadas. Heráclito, semelhantemente
aos mileteanos, considerava o fogo como base "A guerra é o pai e o rei de tudo", afirma
primordial e fundamento de toda substância Heráclito, "a alguns fez deuses, a outros,
material concreta. "O mundo, diz, forma uma homens; uns fez escravos, outros, homens
unidade por si mesmo, e não foi criado por livres".
qualquer deus ou homem, mas foi, é e será Qualquer fenômeno, qualquer
eternamente um fogo vivo que se acende e se substância, segundo ele, contém princípios
apaga segundo certas leis". opostos que lutar entre si e que, ao mesmo
Essas palavras de Heráclito, assinala tempo, formam unidade. "O mesmo ser é vivo e
Lenin, são uma "excelente definição dos morto, está acordado e dormindo, é jovem e
princípios do materialismo dialético". Heráclito velho..."
considerava todos os fenômenos e coisas do Achando-se os contrários em estado de
mundo como um fogo de diversos aspectos. luta permanente, transformam-se um no outro:
"Tudo se converte em fogo e o fogo em tudo, da
"O frio se aquece, o calor esfria; a
mesma forma que o ouro se troca por
umidade seca; e o seco se umedece". Heráclito
mercadorias e as mercadorias por ouro".
negava a reconciliação desses contrastes
Também a atividade psíquica dos considerando que o mundo material existe e se
homens era considerada por ele como uma das desenvolve só devido à força dessa luta. Este
manifestações do fogo. Atribui-se a Heráclito a pensamento é por ele expresso claramente:
fórmula:
"É preciso saber que a guerra é universal
e justa; que tudo acontece em con-
"Tudo flui e tudo se transforma". sequência de luta e daí sua
necessidade".
Nos fragmentos que nos chegaram às
mãos, Heráclito desenvolve este pensamento:
26
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
abstração quantitativa, sem qualquer fundo pitagóricos, uma desordem, uma violação do
material. equilíbrio, e, portanto, não deve existir.
Conhecer as coisas e o mundo supõe, Também é verdade que, na doutrina dos
conforme pensavam os pitagóricos, conhecer os pitagóricos, há elementos de dialética. Eles
números, cujas leis regem o mundo. afirmavam que a base de todos os números era
a unidade, por ela conter propriedades
Os pitagóricos punham o número como
fundamento do mundo, porque todos os corpos antagônicas dos números pares e impares. Ao
ajuntar uma unidade ao número par obtém-se um
estão delimitados por superfícies, as superfícies
número ímpar (2 mais 1 são 3), e juntando a
por linhas, as linhas por pontos. Partindo dessa
base, reduziram a essência das substâncias a unidade ao número ímpar obtém-se o número par
número de pontos, número ao qual consideravam (3 mais 1 são 4). Reconheciam a existência do
como o princípio das coisas. Ao tomar o número contraste: o limitado e o ilimitado, ímpar e par,
como o princípio primário de todas as coisas, unidade e multiplicidade, direita e esquerda,
afastaram-se do materialismo, aproximando-se masculino e feminino, repouso e movimento, reta
do idealismo. Esta corrente idealista foi ainda e curva, luz e escuridão, bem e mal, quadrado e
paralelogramo. Mas, contrariamente a Heráclito,
mais acentuada pelos discípulos de Pitágoras, os
quais começaram a abordar os números de uma esses contrastes, na opinião dos pitagóricos, são
maneira mística, divinizando-os. O número dez, de caráter externo: acham-se só frente a frente,
por exemplo, era considerado por eles, divino e sem lutar entre si e sem transformar-se um no
perfeito. outro.
28
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
pitagóricos. A estes correspondem também o Zenon fez reluzir uma série de "aporias"
mérito da descoberta dos números quadrados, (raciocínios), que chegavam a contradições
da proporção, da média aritmética, da tabela de insuperáveis para servir de "refutação" à
multiplicação. realidade do movimento. Por exemplo, na aporia
"Dicotomia" (a divisão em dois), "demonstra" a
8.3 Os Eleáticos
impossibilidade do movimento da seguinte
O passo seguinte do materialismo para o maneira: Antes de chegar a um determinado
idealismo, e da dialética para a metafísica, foi ponto, um objeto deve, primeiramente,
dado pelos filósofos eleáticos ou eleatas. Essa atravessar a metade do caminho. Contudo, para
escola tirou seu nome da cidade — colônia de chegar à metade do caminho, deve, antes,
Eléa (sul da Itália) de onde provinha a maior parte ultrapassar a quarta parte do caminho e assim
de seus pensadores. por diante até o infinito (uma oitava parte, 1/16,
Xenófanes da Ásia Menor (por volta de 1/32, etc.). Quer dizer, conclui Zenon, que o
590-480 A.C.), Parmênides (nascido por volta do objeto jamais começa o movimento, pois disso o
ano 500 A.C.) e Zenon (500 A.C.) de Eléa, foram impede a divisibilidade infinita do caminho que
os representantes principais da escola eleática. tem de percorrer.
Os dois últimos pertenceram inicialmente à União Em sua segunda aporia, "Aquiles e a
Pitagórica. Todos eles foram adeptos da tartaruga", Zenon procura "demonstrar" que
aristocracia escravista e, por consequência, Aquiles, apesar dos pés alados, jamais, poderia,
perseguidos pelos círculos democráticos. Zenon, no entanto, alcançar uma tartaruga. Suponhamos
por exemplo, segundo alguns testemunhos, foi que Aquiles se acha cem passos atrás da
condenado por organizar um "complot" contra o tartaruga e que corre a uma velocidade dez vezes
regime democrático de Eléa. maior que a do animal. Quando Aquiles tiver
Também na filosofia, os eleáticos percorrido os cem passos que o separam da
revelam seu espírito conservador, pregando a tartaruga, ela, por sua vez, terá avançado dez
falta de contrastes e de mobilidade em tudo o que passos. Quando Aquiles tiver percorrido estes
existe. Os eleáticos, adversários dos filósofos dez passos, a tartaruga, por sua vez, terá andado
mileteanos e de Heráclito, consideravam como mais um passo. O tempo que Aquiles empregar
princípio básico do mundo, não a matéria para percorrer este passo, a tartaruga usará para
concreta, perceptível, mas um ser único, avançar uma décima parte do passo e assim
indivisível, imutável, imóvel e de uma só espécie. sucessivamente. A distância entre Aquiles e a
tartaruga diminuirá cada vez mais. Todavia,
Parmênides assim definia o ser: existirá sempre entre eles alguma distância e, por
"Não tem nascimento nem destruição; é conseguinte, Aquiles jamais poderá alcançar a
um todo de uma espécie única, imó- vel tartaruga.
e sem limites". Na aporia "a flecha em voo", Zenon trata
Os eleáticos achavam que o ser possuía também de "demonstrar" a irrealidade do
a forma de uma esfera perfeita, inteiramente movimento. Na sua opinião, a flecha disparada
redonda, e isto, segundo eles, servia para ocupa, em cada instante, um ponto determinado
demonstrar que o ser era perfeito, homogêneo, no espaço e, nesse instante, é como se estivesse
sem princípio nem fim. Negando a existência do parada nesse ponto. Quer dizer, sentencia
espaço vazio, os eleáticos tiravam a conclusão Zenon, o movimento da flecha compõe-se da
errônea de que o movimento era impossível. soma dos seus pontos de repouso. Isto é, uma
contradição e, portanto, Zenon declara
Negavam o caráter sensível do ser;
impossível o movimento.
achavam que o ser só era perceptível para a
razão pura, ideia que servia de base à sua Zenon, adversário de toda a contradição,
interpretação idealista. Porém, ao mesmo tempo, negava-se a reconhecer o caráter contraditório
recusando a possibilidade da criação do ser e do movimento. Entretanto, o movimento é
falando da sua forma perfeitamente esférica, realmente contraditório, pois o corpo em
reconheciam-lhe o caráter material. Os eleáticos, deslocamento acha-se, em cada instante, em um
pois, na sua teoria do ser, ocuparam uma posição ponto determinado do espaço por não ter
intermediária entre o materialismo e o idealismo. passado ainda a outro ponto e, contudo, não se
Na defesa da sua teoria da imobilidade do ser, acha no ponto determinado porque já passou ao
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
outro ponto. Zenon, ao contrário, raciocina dos eleáticos perdeu para a filosofia dialética de
metafisicamente, ao afirmar que o corpo em cada Heráclito.
fragmento de tempo tem de achar- se só num
Contra a doutrina eleática do ser único,
ponto determinado e em nenhum outro, o que
imóvel, manifestaram-se os materialistas
consequentemente o leva a afirmar a Anaxágoras, Empédocles e Demócrito.
impossibilidade do movimento em geral.
9 A LUTA ENTRE O MATERIALISMO
Segundo conta a lenda, o filósofo
Diógenes de Sinope, refutou o raciocínio de
E O IDEALISMO DURANTE O PERÍODO
Zenon sobre a irrealidade do movimento, DO FLORESCIMENTO DA GRÉCIA
levantando-se em silêncio e começando a andar ESCRAVISTA
para trás e para diante. Não obstante, Zenon O materialismo dos filósofos mileteanos
tampouco negava que o testemunho dos e de Heráclito surgiu no século VI A.C., quando a
sentidos fala da existência do movimento; sociedade escravista estava em formação na
apenas considerava que esse movimento não Grécia. Em compensação o materialismo dos
podia ser traduzido em ideias lógicas, em filósofos posteriores — Anaxágoras,
raciocínio, porque achava que o testemunho dos Empédocles, Leucipo e Demócrito —
sentidos sobre a existência do movimento não desenvolveu-se no século V A.C., quando a
era verdadeiro, mas ilusório. Os eleáticos sociedade escravista grega já estava formada e
consideravam inverídico, falso, o mundo das atravessava o seu período de maior
múltiplas e variadas coisas mutáveis, desenvolvimento. Naquele tempo Atenas
sensorialmente perceptíveis; só o ser imóvel e desempenhava o papel político básico. As
imutável era verdadeiro. Também neste cidades-Estados gregas, sob a direção de
problema os eleáticos são metafísicos, ao Atenas, tinham conseguido um triunfo decisivo
declarar que o movimento não é verdadeiro, mas sabre os persas que tentaram dominar a Grécia.
apenas aparente. Os dramaturgos mais famosos da Grécia,
Não obstante seus erros, os eleáticos Esquilo, Sófocles, Aristófanes; os escultores
contam, conforme assinala Lenin, com o mérito Policleto, Fídias, Praxíteles e outros, criaram
histórico de ter realizado a primeira tentativa de então as obras universalmente conhecidas que
descobrir o caráter contraditório do movimento e ainda em nosso tempo provocam admiração.
de levantar o problema da necessidade de Nos fins do século V A.C., durante a
expressar o movimento em ideias lógicas. Os década de 30, teve lugar na Grécia a chamada
eleáticos contam também com uma série de guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta.
realizações positivas. Xenófanes, por exemplo, Esta guerra foi, no fundo, uma luta entre os
embora chame de deus ao mundo, manifesta-se escravistas democratas atenienses e a nobreza
ao mesmo tempo contrário às crenças religiosas. de origem que governava em Esparta e outras
Xenófanes emite a opinião de que os cidades que se lhe uniram. O regime aristocrático
homens atribuem aos deuses sua própria de Esparta encontrou também apoio entre a
natureza. Os etíopes imaginam seus deuses aristocracia de origem da própria Atenas. Os
chatos e negros; os tracianos, consideram-nos aristocratas atenienses, relegados a segundo
vermelhos de olhos azuis. Se os animais plano pelo regime democrático triunfante,
tivessem mãos e pudessem criar imagens de organizaram, em união com Esparta, toda
deuses, fá-las-iam à sua imagem e semelhança. espécie de intrigas contra a democracia
Lenin gostou muito dessa obervação de ateniense. Esta luta que crescia constantemente,
Xenófanes, no fundo até, ia sobre a origem entre os aristocratas e os democratas, dividiu
terrena da religião. também os filósofos em dois campos: os filósofos
idealistas de Atenas, Sócrates e Platão,
Os eleáticos, como os demais filósofos simpatizavam abertamente com os espartanos,
gregos, não puderam deixar de perceber a
com a aristocracia, enquanto que os materialistas
dialética da natureza. Mas, em vez de reconhecer atenienses foram adeptos da democracia
caráter real dessa dialética; declararam ilusórios,
escravista, então no governo.
inverossímeis, o movimento e as contradições.
Eis porque Hegel, com toda a razão, os denomina Também o materialista mais notável da
"dialéticos negativistas"; nesse sentido, a filosofia antiguidade, Demócrito, fundador da doutrina
atômica da matéria, foi partidário da democracia.
30
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
eleáticos, mas a multidão dos átomos ("átomo" a vida orgânica não é trazida para o mundo de
em grego significa "indivisível") e o vácuo, no qual fora, por um deus criador, mas que é o resultado
os átomos moviam-se eternamente. Por átomo necessário do próprio movimento mecânico do
entendia as menores partículas materiais, mundo, da concatenação dos átomos,
invisíveis a olho nu, impenetráveis e indivisíveis. pensamento sem dúvida, igualmente ateu.
Os átomos são eternos, imutáveis; seu número é Segundo Demócrito, a alma compõe-se
infinitamente grande. Todos os objetos da de átomos especialmente sutis, que se
natureza, entre os quais o homem, compõem-se distinguem por maior mobilidade, graças à qual
desses átomos. Os átomos distinguem-se uns põem o corpo em movimento. A alma é tão mortal
dos outros pela forma exterior, pela posição no
quanto o corpo.
espaço e pela ordem de distribuição. As
substâncias distinguem-se umas das outras pela Demócrito achava que o mundo exterior
combinação dos átomos. Conforme afirmam era cognoscível, porquanto as coisas que o
diferentes historiadores, Demócrito diferenciava homem ia conhecendo se compunham dos
também os átomos pelo seu peso. Sem saber mesmos átomos que o mundo. Reconhecia a
ainda que no vácuo todos os corpos caem com a importância dos órgãos sensoriais para o
mesma velocidade, achava que os átomos mais conhecimento. Supunha que pequenas imagens
leves caiam mais lentamente no espaço e os materiais emanavam dos objetos, as quais,
pesados com maior rapidez. Era assim, segundo passando para nossos olhos, criavam no homem
dizia, que uns alcançavam os outros, chocavam- a representação do objeto determinado. Contudo
se entre si e se encadeavam mutuamente por desprezava um pouco o papel de testemunha
meio de pequenos ganchos especiais. O dos nossos órgãos dos sentidos.
resultado dessa concatenação dos átomos era a Considerava que os conhecimentos
formação das substâncias. recebidos através das sensações, apenas
Demócrito reconhece a realidade do podiam ser considerados "juízos", quer dizer,
movimento e o considera inerente aos próprios conhecimentos ainda "obscuros", não fidedignos.
átomos, levantando dessa forma um problema Afirmava, erroneamente, que o calor, o cheiro e
muito importante sobre a conexão indissolúvel da o tato não eram inerentes ao objeto. Todas essas
matéria e do movimento. Embora fosse propriedades, segundo achava, só existiam em
verdade que Demócrito ainda entendesse o nossas representações. De fato, existiam apenas
movimento de uma forma mecanicista, como as qualidades "primárias": a figura, a quantidade,
simples deslocamento no espaço de átomos a indivisibilidade e a impenetrabilidade dos
internamente indestrutíveis e imutáveis. átomos. Assim, é Demócritoque começa a teoria
das qualidades primárias e secundárias, a qual é
Para Demócrito, o universo compõe-se
uma concessão ao idealismo, posteriormente
de uma quantidade infinita de mundos, que se
desenvolvida na filosofia por Locke (século
formam em consequência da colisão dos átomos
XVIII). Na verdade, também as qualidades
produzida pelo seu movimento em torvelinho; chamadas "secundárias" são inerentes aos
nesse torvelinho unem-se uns e outros formando
objetos. A sensação da cor não é apenas
grandes aglomerações que, no processo do seu subjetiva como supunha Demócrito, mas também
movimento, adotam a forma esférica. O número objetiva, já que a diferença das cores é
dos mundos, segundo Demócrito, é infinitamente provocada pela diferença das ondas luminosas
grande. No lugar dos mundos que perecem,
que emanam dos objetos.
surgem outros novos. Cada um deles está numa
fase diferente de desenvolvimento. Uns são Quanto às concepções político-sociais, é
povoados e outros não, quer porque a vida preciso notar que Demócrito tentou abordar
orgânica já tenha desaparecido ou por ainda não historicamente a vida social. Em sua opinião, os
ter surgido. Este modo de encarar o universo de homens viviam primeiramente como os animais
Demócrito, não está destituído de certos traços selvagens, e só mais tarde, graças a imitação da
dialéticos. natureza, a humanidade atingiu a cultura.
Considerava que o homem aprendeu a tecer e a
Ao considerar nossa terra apenas uma coser o vestuário com a aranha; a construir casas
pequena parte da multidão infinita dos mundos,
com a andorinha; a cantar com os pássaros, etc.
Demócrito deu um golpe de morte na religião,
coisa que foi também feita pela sua ideia de que Demócrito, como seu sucessor Epicuro,
foi um dos representantes mais notáveis do
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
materialismo antigo. Foi ele quem pela primeira Hegel não adotou uma atitude melhor para com
vez emitiu a suposição referente à estrutura esse grande materialista e ateu grego. Lenin
atômica da matéria, posteriormente confirmada escrevia:
cientificamente. É preciso compreender que o "Hegel, fatalmente, considera Demócrito
conceito de Demócrito sobre a estrutura atômica uma madrasta, em quase todas as suas
da matéria, ainda é muito primitiva; os átomos, páginas (17°-272). O idealista não pode
por exemplo, eram considerados indivisíveis e suportar o espírito do materia- lista!".
imutáveis. Hoje a ciência moderna considera a
estrutura do átomo da maneira diversa: o átomo 10 OS SOFISTAS
é decomponível; ele compõe-se de elétrons e A escola sofista é de vários matizes,
prótons, etc. tanto pela sua filiação política quanto por suas
O grande mérito histórico de Demócrito concepções filosóficas. Entre os primeiros
está em reconhecer a existência de uma lei sobre sofistas predomina o materialismo; os posteriores
tudo que se opera no mundo material, bem como deslisam para o idealismo. O próprio significado
da sua necessidade. Exigia a explicação causal da palavra sofista mudou historicamente, com a
de todos os fenômenos da natureza. Não mudança do caráter da atividade dos sofistas. A
obstante, seu modo de encarar a causalidade é princípio os sábios em geral, os pensadores
limitado. Comete o erro de recusar-se a ("Sofos", sábio), eram chamados sofistas na
reconhecer a existência da casualidade, Grécia. Mais tarde Platão e Aristóteles
declarando que os homens consideram casuais denominavam sofista o homem que, mediante
os fenômenos cujas causas desconhecem. uma série de argumentos verbais, dispunha-se,
Demócrito, ao negar a existência da casualidade, por dinheiro, a demonstrar qualquer conclusão.
tampouco foi partidário da existência de alguma Os sofistas foram os primeiros filósofos
vontade divina ou dum destino cego regendo a profissionais, que, perambulando pelas cidades
sorte dos homens e dos mundos. Sem chegar da Grécia, ensinavam por dinheiro, instruindo a
todavia à negação completa da existência dos população. Os sofistas criticavam e
deuses, refutava seu caráter sobrenatural, sua ridicularizavam duramente as concepções
natureza espiritual. Os deuses, para ele, são religiosas e mitológicas do mundo, a moral de
também criações da natureza, porém mais casta, que já tinha se tornado atrasada, etc. Nisso
perfeitas que os homens. Os deuses, e todos os indubitavelmente está seu mérito. Quase nada se
demais corpos, compõem-se de átomos conservou das obras dos sofistas. Na história da
materiais e não interferem nos assuntes do filosofia, os sofistas dividem-se em velhos e
mundo. Os corpos movem-se segundo as jovens. Os maiores representantes da velha
próprias leis mecânicas do movimento dos geração foram Protágoras (481-411 A.C.) e
átomos. Estas leis também servem de base ao Górgias (483-375 A.C.).
mundo material.
Protágoras de Abdera, contemporâneo
Demócrito, adversário da religião, de Demócrito, era partidário da democracia
reconhecia que nem os mundos nem os homens grega. Sua filosofia é, no fundo, materialista.
foram criados. Considerava a alma humana Reconhece a existência do mundo material, a
mortal, e assim minava a mitologia grega. mutabilidade da matéria, sua fluidez. Em sua
Desempenhou um papel considerável no posição de crítica à religião, dizia: "Não sei se
desenvolvimento ulterior do ateísmo. Negava a deus existe ou não".
possibilidade de qualquer milagre. Era adversário
de profecias e bruxarias. Explicava a existência Mas nos problemas do conhecimento
da religião como resultante da ignorância dos inclinava-se para o idealismo dizendo: "O homem
homens, ao seu desconhecimento das leis da é a medida de todas as coisas".
natureza e seu temor aos fenômenos naturais. Cada homem, a juízo de Protágoras,
Eis aqui por que o idealista Platão, que pregava concebe o mundo a seu modo; não pode haver
a origem divina do mundo, a imortalidade da um conhecimento fidedigno do mundo. O que
alma, etc., professava um ódio feroz a Demócrito. pode parecer verdade a um, pode parecer falso a
Platão, segundo afirmam alguns, assenhorou-se outro. Górgias, outro dos representantes da velha
das obras de Demócrito, e queimou-as, geração dos sofistas, aproximou-se mais que
chegando a negar-se a mencionar em suas obras Protágoras do idealismo subjetivo e do ceticismo.
o nome do filósofo que tanto odiava. O idealista Negava a possibilidade de um conhecimento
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
autêntico e exato do mundo; também duvidava prestidigitação verbal, que ensinava como vencer
da existência objetiva da natureza. Sua obra o adversário numa disputa, embora não se
principal chama-se: "Sobre o Inexistente ou tivesse razão. Daí nasceu o novo conceito da
Sobre a Natureza". denominação "sofista" que se dá a um charlatão
Os sofistas dedicavam enorme atenção que defende conscientemente uma tese contrária
ao problema das contradições. Mas, à realidade.
contrariamente aos eleáticos, que afirmavam 11 SÓCRATES
serem as contradições imaginárias, ilusórias, os
Sócrates, mestre de Platão, provém da
sofistas demonstravam o caráter contraditório de
escola dos sofistas. Sócrates era idealista:
todos os fenômenos do mundo. Foi dessa forma
considerava a natureza criada pelos deuses, os
que levantaram novamente o problema da
quais prepararam o mundo tendo em vista os
dialética. Contudo, na maioria dos casos, os
interesses do homem, com o fim de satisfazer-lhe
sofistas chegavam a conclusões idealistas,
as necessidades. Achava que estudar a natureza
subjetivas. Em sua opinião qualquer uma de duas
era uma ação contrária a Deus, uma intervenção
conclusões opostas podia ser perfeitamente
do homem nos assuntos divinos, para ele
demonstrada. Partindo daí chegavam a negar a
inacessíveis. O único objeto do conhecimento
verdade objetiva.
deve ser o próprio homem. "Conhece-te a ti
Os jovens sofistas (Antifonte, Crítias, mesmo". Os conceitos do entendimento humano,
Alquidam), que viveram nos fins do século V e ou os "gerais" como os chama, e os problemas
princípios do IV A.C., dedicaram-se de moral, são os únicos objetos do
preferentemente aos problemas de moral. Um conhecimento. O mérito histórico de Sócrates
deles enunciou a ideia do "direito natural", está no fato de ser o primeiro a levantar o
declarando que todos os homens são iguais por problema do papel dos conceitos gerais no
natureza, que não devia haver uma desigualdade conhecimento. Mas considera os próprios
entre os helenos e os bárbaros (Antifonte). O conceitos de forma idealista. Se o materialista
sofista Alquidam mostrou-se partidário da define os conceitos, as abstrações, como reflexo
abolição da escravatura, dizendo:"Os deuses na consciência do homem, daquilo que ocorre no
fizeram-nos livres; a ninguém fizeram escravo". mundo objetivo, na natureza, Sócrates
Outros, em compensação, justificavam a considerava os conceitos o elemento primário, o
escravidão e a opressão, manifestando-se princípio do mundo. Os conceitos, a juízo de
adversários furibundos do regime democrático. Sócrates, engendram as substâncias e não o
Reconheciam a necessidade da religião como contrário. Não reconhecia o conhecimento
meio de manter a massa sob o jugo da "elite" da sensível, as sensações como fonte dos
sociedade; acentuavam o caráter político da conceitos.
religião. Nos fins do século V A.C., o sofista Sócrates desenvolveu sua teoria dos
Crítias (tio de Platão), encabeçou em Atenas um conceitos gerais em luta contra os sofistas. Estes
"complot" aristocrático que desencadeou o terror tratavam de minar a moral religiosa e destruir as
mais cruel durante vários anos. tradições ideológicas do regime aristocrático,
Os pontos de vista contraditórios dos demonstrando que o homem deve tomar seus
jovens sofistas refletiam as tendências interesses pessoais como base de ação, deve
antagônicas existentes no seio da sociedade da aspirar à felicidade. Sócrates, em oposição ao
antiga Grécia, no período do começo de sua individualismo dos sofistas, levanta os conceitos
decadência, no século IV A.C. Alguns elementos do bem, da justiça, da equidade, do dever,
progressistas dessa sociedade chegaram até à aplicáveis a todos os homens (segundo afirma).
ideia de que era necessário abolir a escravidão, Nesses conceitos gerais que todos os homens
que se ia tomando desvantajosa, em vista do seu deviam seguir, procurava encontrar uma base
pequeno rendimento de trabalho. A nobreza firme para a sociedade aristocrática. Por isso
escravista, em compensação, com a esperança considerava uma das principais condições para
de voltar ao governo, era partidária da escravidão volver ao regime aristocrático, a educação moral
e da maior opressão das amplas massas dos homens no espírito conveniente à
populares. aristocracia. Identifica a moral com o
conhecimento, interpretando-a de forma
A escola sofista mais tarde degenerou
definitivamente. A sofistica ficou adstrita a uma
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idealista, como o conhecimento do homem sobre alma imortal, no mundo divino, onde residia antes
sua natureza espiritual, seus conceitos. de encarnar no corpo humano. O conhecimento
sensível não é verídico, é insuficiente; ele apenas
Em seu desprezo ao povo, Sócrates
dá aos homens a percepção das coisas. A
achava que o mesmo não devia possuir
conhecimentos e, em consequência, não podia essência primária das coisas — o mundo das
ser virtuoso; que o povo era viciado por natureza. ideias — só pode ser conhecido pelo
Aqui se revela claramente o caráter aristocrático pensamento teórico, "puro", pela razão. Somente
de sua moral; considera que a tarefa básica da separando-se de tudo que seja sensível,
educação moral consiste em dar ao homem uma tampando os ouvidos e cerrando os olhos, como
diz Platão, o homem começa a recordar
educação que contribua para o advento da
confusamente o que sua alma contemplava no
subida ao poder da aristocracia escravista, para
mundo das ideias. Poucos homens escolhidos,
a eliminação da eletividade dos órgãos do poder,
e para a renúncia à intervenção do povo no ilustres, os aristocratas e os filósofos, são
governo do Estado. Para Sócrates, o capazes de chegar ao conhecimento, ou melhor,
reconhecimento desses princípios era a virtude a recordar o mundo das ideias. As próprias
principal do "homem cidadão". O idealismo de criações do homem, são, para Platão, apenas
Sócrates desenvolveu-se plenamente com cópias das ideias. Por exemplo, a estátua feita
pelo escultor é a imagem imperfeita da ideia que
Platão.
existe eternamente e da qual o escultor genial
12 PLATÃO recordou-se.
Platão, discípulo de Sócrates, é um dos Platão relacionou estreitamente sua
representantes e sistematizadores mais notáveis filosofia com a política, como se observa até pelo
do idealismo da antiga Grécia. Sua filosofia fato de achar que à frente do Estado ideal, por ele
exerceu também grande influência sobre a imaginado, deviam estar os filósofos. No regime
religião cristã. social ideal descrito por Platão, conserva-se a
Platão foi um idealista perigoso. A teoria divisão de classes. A seu ver, a sociedade deve
das Ideias, desenvolvimento ulterior da teoria compor-se de três camadas sociais:
socrática dos "gerais", dos conceitos, é a base da • A camada dos filósofos que governam o
filosofia de Platão. Para ele o princípio de todas Estado;
as coisas é o mundo das ideias supersensíveis. • A dos guerreiros e guardas que defendem o
As coisas percebidas pelos sentidos constituem Estado de ataques externos e levantes
apenas o reflexo, a sombra do mundo das ideias, populares, e
sua cópia imperfeita. As ideias existem • O resto do povo que se dedica a trabalhos
separadas das coisas, noutro mundo. Ali, físicos: artesãos, camponeses.
segundo ele, existem as ideias, por exemplo, da Fora dessas três camadas restavam os
mesa, da casa, dos animais, dos vegetais, etc. escravos. Cada uma das três camadas tem uma
Cada mesa, casa, etc., material, deriva-se virtude especial: os governantes, a sabedoria; os
dessas ideias. Assim também, a beleza terrestre guerreiros, a valentia; o povo, a plena obediência
dos homens e das coisas é apenas o reflexo aos governantes e disposição para trabalhar para
imperfeito da ideia do belo. as primeiras camadas. O Estado ideal de Platão
Platão reconhece, portanto, dois representa um original "comunismo" dos
mundos, separados um do outro: o mundo das escravistas. As primeiras duas camadas,
ideias e o das coisas, no qual vive o homem. As segundo Platão, não têm propriedade privada.
ideias são eternas e imutáveis; possuem uma Para elas existe a propriedade comum do
existência efetiva e geral. Em compensação as Estado. Marx escrevia que o Estado utópico de
coisas sensíveis são mutáveis, inconstantes, Platão representava a idealização do regime de
nascem e morrem. Por isso, Platão declara casta egípcio, o regime da aristocracia de origem
ilusória a existência dessas coisas. A ideia escravista, cuja base econômica era a
suprema é a ideia do bem, é Deus. Aqui se propriedade privada comum dos cidadãos ativos
evidencia, de forma clara, como o idealismo se do Estado "obrigados a conservar essa forma de
entrelaça com a religião. associação naturalmente surgida ante os
escravos”.
Platão concebe o conhecimento como
uma reminiscência das ideias entrevistas pela
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA
sozinho, mas ajudado por seus discípulos a forma, constitui apenas a possibilidade de
Teofrasto, Eudemo e outros, que, depois da nascimento das coisas.
morte do mestre, tomaram a frente da escola.
Somente quando ela se une à forma,
Na solução do problema fundamental da surgem dela coisas autênticas, reais. A forma,
filosofia, Aristóteles oscila entre o materialismo e como força ativa, converte a matéria duma
o idealismo. Aristóteles "não tem dúvidas a possibilidade, numa realidade, transforma- a num
respeito da realidade do mundo exterior". objeto determinado.
Reconhece a existência objetiva das
A teoria de Aristóteles sobre a forma e a
coisas e critica Platão duramente por seu
matéria também contém traços dialéticos. A
idealismo, por ter concebido a natureza apenas matéria é concebida por ele em mutação
como uma ilusão, como uma sombra imperfeita constante, na qual adquire continuamente novas
do mundo das ideias. Para Aristóteles, é, pois, formas mais perfeitas. Assim Aristóteles
indubitável, evidente, a existência objetiva da aproxima-se do reconhecimento da evolução, da
natureza. "É ridículo tentar, diz Aristóteles, transformação do mundo. Em contradição com o
demonstrar que a natureza não existe". seu dualismo, fala do trânsito mútuo da forma e
Essa declaração do filósofo tem um da matéria, da transformação duma na outra. O
conteúdo absolutamente materialista. que numa fase de desenvolvimento é forma,
Aristóteles, ao combater a favor da realidade da noutra, na fase superior, é matéria. O ladrilho, por
natureza, e ao refutar a existência do mundo exemplo, relativamente à argila, é uma forma e
platônico das ideias divinas, abalou os argila é uma matéria, mas este mesmo ladrilho
fundamentos do idealismo. Contudo, não soube relativamente a uma casa já é uma matéria.
manter uma posição materialista consequente. Aristóteles reconhecia a ligação estreita
Afirma que a base de todas as coisas, sua que existe entre o movimento e as coisas;
essência íntima, e a "forma" que ele entende
afirmava que o movimento não podia existir fora
como um princípio ideal, espiritual e material.
dos objetos, que ele era inerente às coisas da
Para ele, porém, a matéria é outro princípio natureza. Isto constitui o grande mérito científico
primário, outra essência das coisas. Dessa forma
de Aristóteles. Entendia por movimento não
Aristóteles concebe, como fundamento do
apenas o deslocamento no espaço, o aumento
mundo, dois princípios antagônicos, a matéria e ou diminuição quantitativa das coisas como
a forma, ou seja, nesse problema foi dualista. "O também suas modificações qualitativas, sua
homem emaranhou-se", diz Lenin referindo-se a
transformação em seus contrários ou em outros
ele.
objetos, a geração e a morte dos objetos. Por isso
Esses dois princípios, segundo Lenin, transcrevendo uma citação da "Metafísica"
Aristóteles, estão constantemente relacionados de Aristóteles, na qual este diz que "Tudo que é
entre si, no mundo real, não existem material é sempre transitório", escreve por sua
separadamente e, em conjunto, compõem uma conta:
coisa íntegra. Só mentalmente é possível "Aqui há um ponto de vista materialista
concebê-los separados. Assim combateu Platão, dialético, embora seja casual, sem
que separava o mundo das ideias do dos objetos. firmeza, sem desenvolvimento e
Ao contrário de Platão, que reconhecia como passageiro"(23).
essência do mundo o "geral", a ideia,
Aristóteles considera como tal as "substancias", Em Aristóteles pode-se observar
as coisas materiais. algumas insinuações sobre o reconhecimento do
movimento por saltos, quando diz que a troca
Como dualista que era, porém, adotou, qualitativa pode efetuar-se "bruscamente", e dá
em última instância, uma posição idealista, como exemplo a congelação da água”.
concedendo o papel primário à forma, ao
princípio espiritual. A matéria, na sua opinião, é Contudo, Aristóteles interpreta com
uma coisa caótica, bruta, inerte, que só graças ao espírito idealista a causa da transformação dos
princípio ativo — a forma — converte-se em algo objetos. Considera que a coisa morre e se
determinado. O bloco de mármore, por exemplo, transforma em outra devido a mudança das
nas mãos do escultor que o conforma, converte- formas, que são eternas, imutáveis, e que não
se numa estátua. A matéria, sem introduzir nela podem transformar-se uma na outra.
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para auxiliar a classe dos escravistas a manter- defende a teoria atômica de Demócrito. Como
se firme, imperturbável e tranquila. este, acha que a única realidade objetiva são os
átomos materiais móveis e o vácuo. Reconhece
Mas não se deve considerar a filosofia
também a diferença dos átomos pelo seu peso. A
grega da época da decadência da sociedade
escravista como uma nódoa, uma repetição esse respeito Engels escreveu que Epicuro, ao
grosseira das mais antigas escolas idealistas atribuir aos átomos não só grandeza diferente,
gregas. À filosofia antiga marchava para seu como também peso desigual, já conhecia de
crepúsculo. Este crepúsculo, contudo, segundo a certo modo, o peso e o volume atômicos.
expressão figurada de Marx, foi como o pôr do Distinguindo-se de Demócrito, Epicuro
sol, semelhante à morte do herói. Durante as acha que todos os átomos, independentemente
épocas helênica e romana e muito tempo depois, de seu peso, movem-se no vácuo com a mesma
continuou o brilhante desenvolvimento científico velocidade. Na opinião de Epicuro, a colisão dos
especialmente na cidade de Alexandria, que se átomos se produz porque eles se movem
converteu no centro comercial e cultural mais obliquamente, desviando-se da linha reta. Assim
importante do mundo antigo. Os sábios provocam sua concatenação e a formação dos
alexandrinos iniciaram o estudo prático, objetos. A causa desse desvio, para Epicuro, é a
experimental, da natureza. Mas esse casualidade e o livre arbítrio do átomo no seu
desenvolvimento foi suspenso pela onda de impulso interno.
decomposição do regime escravista. Também Este pensamento de Epicuro, apesar de
após a morte de Aristóteles, a filosofia antiga, seu caráter de certo modo idealista, é
apoiada no crescimento da ciência, deu mais
positivamente apreciado por Marx e Engels;
alguns passos para diante. A filosofia da época
Epicuro aproxima-se assim, espontaneamente
do helenismo apresenta nomes ilustres que
do reconhecimento da atividade interna do
elevaram o materialismo grego a um nível mais
átomo, do reconhecimento do auto-movimento
elevado. Epicuro é um desses filósofos da matéria. Lenin faz notar que a filosofia de
materialistas.
Epicuro contém uma série de hipóteses geniais.
Epicuro viveu desde o ano 342 até 270 Quanto à teoria do conhecimento,
A.C., e fundou em Atenas sua escola filosófica.
Epicuro diferencia-se de Demócrito por conceder,
Ao travar conhecimento com a filosofia de exclusivamente, uma grande importância às
Demócrito, tornou-se em seu adepto mais sensações, considerando-as a única fonte do
ardente e continuador. As obras de Epicuro não
conhecimento. Lucrécio, comentando esta
chegaram às nossas mãos, exceto alguns
afirmação de Epicuro escreve:
fragmentos soltos e algumas epístolas. É
característico que o idealista Hegel ficasse
"Sabes? Não só teus livros se verão falidos,
contente com a perda das obras desse ateu e
materialista grego. Tua própria vida perecerá fatalmente
As concepções filosóficas de Epicuro Se não ousares confiar em teus sentidos".
estão expostas de forma sintética no poema
"Sobre a natureza das coisas", escrita por seu As sensações jamais nos enganam. Só
sucessor, o filósofo materialista romano Tito pode haver um erro de conhecimento apoiado na
Lucrécio Caro. A tarefa da filosofia, segundo razão quando esta se desliga das sensações.
Epicuro, é ensinar aos homens os meios de Epicuro concebia as sensações de forma
alcançar a felicidade. O estudo da natureza e primitiva: do objeto separam- se pequenas cópias
suas leis é condição indispensável para alcançar invisíveis ao olho, as quais penetram nos poros
a felicidade. Epicuro, de acordo com esta ideia, dos órgãos dos sentidos humanos. A teoria do
divide a filosofia em três partes: conhecimento de Epicuro apesar da sua
• A física que estuda a natureza e suas leis, ingenuidade, tem um caráter absolutamente
• A canônica ou lógica que ensina o meio de materialista.
conhecer a natureza, e Também interpreta de forma
• A ética, na qual se expõe a doutrina da ingenuamente materialista a alma humana,
felicidade humana. afirmando que a mesma se compõe de átomos
Em sua física, ao mesmo tempo redondos, especialmente móveis, e que se
que combate o idealismo de Platão, Epicuro corrompem junto com o corpo humano. "...os que
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consideram a alma incorpórea, deliram", diz Epicuro, era mesmo criminosa, pois chegava até
Epicuro numa carta à Heródoto. a assassinar homens para oferecer sacrifícios a
Deus. É verdade que não negava completamente
Os conceitos éticos de Epicuro emanam
a existência dos deuses; porém achava que os
de sua física e de sua teoria do conhecimento. Ao
conceber o homem como uma determinada mesmos, por viverem fora dos limites mundiais,
combinação de átomos, como um ser material, não intervinham na vida humana, não eram
Epicuro vê a felicidade do homem no prazer criadores do mundo nem o dirigiam. Com isto
material e espiritual. O homem aspira ao prazer e refutava também a parte da doutrina de
foge aos sofrimentos físicos. A moral de Aristóteles referente ao primeiro motor divino, e
via a causa do movimento dos átomos e das
Epicuro porém, não é, como pintam os filósofos
coisas da natureza nelas próprias, na própria
da Idade Média e burgueses, a prédica da
matéria.
libertinagem e da orgia. Epicuro só admitia os
prazeres materiais que não contradissessem a Epicuro, em seus conceitos sociais,
natureza do homem, que não provocassem parece que sob a influência da decomposição da
sofrimento. Assim escreve: Grécia escravista e da perda da independência
"Pois o que torna a vida maravilhosa, não política de Atenas, aconselhava a renúncia à
é a licenciosidade, não são os pra- zeres atividade política, pondo acima de tudo, os
carnais entre homens e mulheres, não e interesses pessoais do homem. Contudo,
devorar peixes e outras igua- rias duma reconhecia ao mesmo tempo que a felicidade
mesa rica, mas a razão sensata que individual humana era inatingível somente com
conhece o motivo do que se deve as forças individuais. Por isso, os homens uniam-
escolher e do que se deve recusar refuta se voluntariamente em sociedade concordando
as suposições errôneas que provocam em não causar aborrecimentos sensíveis uns aos
uma grande intranquilidade da alma". outros. Devido a isto Marx afirma que já se
descobre em Epicuro a teoria do contrato
Epicuro previne que o prazer é sempre social, que foi muito mais tarde
acompanhado de sofrimento. Por isso, a desenvolvida por Hobbes e Rousseau.
felicidade plena, a tranquilidade e a serenidade
Um fervoroso adepto da filosofia de
(taraxia), só são atingidas pelo homem quando
ele reduz suas inclinações materiais a satisfação Epicuro na antiga Roma foi Tito Lucrécio Caro,
sem as quais é impossível a existência do próprio que viveu nos anos 99-55 A.C. Ele apresenta
seus conceitos filosóficos no poema "Sobre a
homem (a necessidade de alimentar-se, etc.).
Natureza das Coisas".
Uma das condições mais importantes
para atingir a tranquilidade e a serenidade é a Sem repetir os problemas da filosofia de
ciência, mediante a qual o homem se Lucrécio, já explicados quando foram expostos
os pontos de vista de Demócrito e Epicuro,
desembaraça do temor da morte e dos deuses.
Os homens receiam a morte por não saberem o é preciso acentuar que Lucrécio é o
continuador da linha materialista grega. No seu
que os esperam na vida de além-túmulo. Não
ateísmo ainda vai mais longe: exige a eliminação
existe, porém, vida de além-túmulo. A morte do
homem significa decomposição dos átomos que completa da religião por meio da divulgação cada
o conformam e, por conseguinte, o seu vez mais ampla, dos conhecimentos científicos.
desaparecimento total e bem assim o de sua O mundo, para Lucrécio, nada tem a ver com
alma. A filosofia emancipa também o homem do Deus. O mundo existe e se desenvolve segundo
medo aos deuses, demonstrando-lhe que "fora leis próprias. "Do nada, nada se faz": nada é
do universo nada existe que possa intrometer-se criação dos deuses; tudo nasce dos átomos
materiais eternamente existentes. Na doutrina de
nele e provocar qualquer transformação".
Lucrécio pede achar-se também uma série de
Epicuro era, pois, no fundo, ateu. Foi, conclusões dialéticas. Por exemplo, ele tende a
segundo palavras de Marx, o maior educador da reconhecer que os organismos proveem dos
antiguidade: atacava abertamente a religião corpos inorgânicos. Afirma:
antiga, lutava contra a adoração dos deuses,
"Dos corpos insensíveis nasceram os
contra a superstição. Explicava a crença nas
seres vivos".
divindades como uma consequência da
ignorância dos homens, do seu desconhecimento Particularmente interessantes são seus
das leis naturais. A religião, na opinião de pontos de vista político-sociais, nos quais aborda
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15 BIBLIOGRAFIA BÁSICA
CHAUÍ, M., Introdução à História da Filosofia, vol. 1, São Paulo: Companhia das Letras 2008.
REALE, G., ANTISERI, D., História da Filosofia, vol. 1. São Paulo: Paulus 1990
REALE, G., História da Filosofia Antiga, vol. 1 (Pre-socraticos e Orfismo); 3 (Platão), vol. 4 (Aristóteles).
São Paulo: Loyola 1994.
REALE, G., O saber dos Antigos. São Paulo: Loyola 1999.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ARISTÓTELES, Metafísica. Traduzida, comentada e anotada por G. Reale, 3 vols. São Paulo: Edições
Loyola, 2001.
GOLDSCMIDT, V., Os diálogos de Platão: Estrutura e Método dialético. Trad. D. D. Macedo, São Paulo:
Edições Loyola 2002.
PLATÃO, A Republica. A. L. A. A. Prado, São Paulo: Martins Fontes, 2006.
SCOLNICOV, S., Como ler um diálogo platônico, in “Hypnos” 8, n. 11-2 semestre 2003, São Paulo, pp.
49-59.
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