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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

BELO HORIZONTE / MG
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO FILOSOFIA ANTIGA ............................................................................................... 3
2 CONTEXTO HISTÓRICO ................................................................................................................ 8
2.1 Polis Grega ...................................................................................................................................8
2.2 Nascimento e Desenvolvimento da Polis .......................................................................................8
2.3 Períodos da Grécia Antiga.............................................................................................................9
2.4 Características do Período Arcaico................................................................................................9
2.5 Características da Polis Grega .................................................................................................... 10
2.6 Origem da Democracia................................................................................................................ 10
2.7 Características da Democracia Ateniense ................................................................................... 11
3 A ORIGEM E O NASCIMENTO DA FILOSOFIA E SUA HERANÇA PARA O MUNDO OCIDENTAL
11
3.1 A História da Filosofia.................................................................................................................. 12
4 FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS ..................................................................................................16
4.1 Filosofia Grega ............................................................................................................................ 17
5 PLATONISMO, A FILOSOFIA DE PLATÃO ....................................................................................18
5.1 Dialética de Platão ...................................................................................................................... 19
6 LÓGICA ARISTOTÉLICA ...............................................................................................................20
7 CONDIÇÕES HISTÓRICAS DO NASCIMENTO DA ANTIGA FILOSOFIA NA GRÉCIA E ROMA
ANTIGAS E A CARACTERÍSTICA GERAL DESSA FILOSO- FIA .....................................................22
8 OS PRIMEIROS MATERIALISTAS DA GRÉCIA ANTIGA E A GERMINAÇÃO DO IDEALISMO .....24
8.1 A Filosofia Naturalista de Mileto .................................................................................................. 24
8.2 A Escola Pitagórica ..................................................................................................................... 27
8.3 Os Eleáticos ................................................................................................................................ 29
9 A LUTA ENTRE O MATERIALISMO E O IDEALISMO DURANTE O PERÍODO DO
FLORESCIMENTO DA GRÉCIA ESCRAVISTA ................................................................................30
9.1 Anaxágoras ................................................................................................................................. 31
9.2 Empédocles ................................................................................................................................ 31
9.3 Demócrito ................................................................................................................................... 32
10 OS SOFISTAS .............................................................................................................................34
11 SÓCRATES .................................................................................................................................35
12 PLATÃO 36
13 ARISTÓTELES ............................................................................................................................37
14 A FILOSOFIA DURANTE O PERÍODO DA DECADÊNCIA DO MUNDO ANTIGO ........................41
15 BIBLIOGRAFIA BÁSICA...............................................................................................................45
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR...................................................................................................45

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

1 INTRODUÇÃO FILOSOFIA ANTIGA interpretativas que só podem acontecer mediante


uma reserva de conhecimentos anteriormente
ALGUNS ASPECTOS DE NATUREZA
adquiridos.
CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA
Aliás, “atraso” é uma maneira de dizer,
A disciplina de Filosofia Antiga tem-se
uma forma de ver, muito mais uma força de
mantido desde sempre no primeiro ano dos
expressão, do que uma firme convicção. De
currículos dos Cursos de Filosofia, constituindo-
facto, para que a disciplina de Filosofia Antiga
se como uma das áreas âncora de qualquer
não surja aos alunos como uma pura abstração à
plano de estudos filosóficos. O primeiro ano
solta num universo de disciplinas que lhes falam
representa assim o lugar adequado e o tempo
de um tempo que lhes é muito mais próximo e
propício a uma iniciação ao estudo das origens
familiar, é necessário que as aulas se constituam,
do pensamento filosófico ocidental.
também, como um certo regresso ao passado,
Todavia, isso não significa que a tarefa um passado que rapidamente se revelará como
não se apresente como de grande complexidade, algo de inesperadamente presente. Esta
a qual só irá sendo ultrapassada através da regressão progressivamente compreensiva na
experiência adquirida ao longo de anos de ordem dos acontecimentos, conduz os alunos até
docência, concretamente de docência da cadeira ao ponto, até ao lugar vivido da filosofia.
de Filosofia Antiga. De facto, o ensino da filosofia
Esta introdução de uma componente,
grega no ensino secundário revela-se
chame-se lhe sensitiva ou afetiva, no interior
extremamente deficiente, uma vez que os
daquilo que se pretende que sejam as origens da
programas não o contemplam ou, se o fazem,
razão, não afeta nem subverte o rigor, a ordem e
realizam-no de uma forma insuficiente porque
a coerência lógica na análise do pensamento dos
demasiado ligeira. Assim, ao docente da cadeira
filósofos. Ao contrário, concomitantemente com o
de Filosofia Antiga, hoje mais do que há décadas
conhecimento dos grandes acontecimentos que
atrás, coloca-se a obrigatoriedade da
determinarão as origens da filosofia, o acesso à
consideração de uma série de fatores sem os
peripécia, ao episódio, ao conto, ao dito, ao lugar,
quais os conteúdos e objetivos fundamentais da
ao traço biográfico daquilo que, numa primeira
disciplina se perdem e se frustram.
análise, seria considerado como marginal à
Nesse sentido, será necessário questão, conduz os alunos, mediante uma certa
sublinhar, por exemplo, que a emergência do razão sentida, à análise metódica e rigorosa do
filosofar não se dá num deserto vazio de fragmento, do testemunho, do texto, do conceito
acontecimentos, ou seja, é necessário identificar ou da teoria, tal como a uma compreensão mais
os alunos não só com o que é contemporâneo à rápida das mesmas.
filosofia, mas também com o que está antes da
Na Filosofia Antiga, as questões, os
própria filosofia. Concretamente, impõe-se a
diferendos que constantemente ocorrem entre os
apresentação dos fatores de ordem histórica,
diferentes intervenientes no processo filosófico
política, social, económica e cultural que
em curso, não podem ser exclusiva e
influenciaram e configuraram o perfil do novo
competentemente resolvidos e compreendidos
filosofar. Esta digressão que a Filosofia Antiga
através de uma única linha explicativa. É
até certo ponto se impõe, por razões de ordem
necessário entender que se está perante uma
científica e pedagógica, uma vez que
trama que como tal representa o cruzamento e o
anteriormente este campo se encontrava
conflito de interesses, de pontos de vista e de
curricularmente coberto pela cadeira, entretanto
interpretações que compete à análise rigorosa e
extinta, de Cultura Clássica, “atrasa”
interessada esclarecer.
necessariamente a entrada na Filosofia Antiga
propriamente dita. A título exemplificativo Tales,
Anaximandro e Anaxímenes não constituíram
Todavia, este atraso não se revelará
escola filosófica nenhuma; Tales, Anaximandro e
tempo perdido. Pelo contrário, os alunos
Anaxímenes não sabiam propriamente a
demonstrarão, posteriormente, uma maior
importância do que andavam a fazer; Tales,
destreza na compreensão e interpretação dos
Anaximandro e Anaxímenes nunca virão a saber
textos, testemunhos ou fragmentos, revelando,
onde virão a ser mais tarde colocados.
inclusive, uma inesperada agilidade na
descoberta de uma segunda linha informativa, A ruptura profunda empreendida por
avançando frequentemente com propostas Aristóteles relativamente a Platão leva-nos a
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

querer ler mais Platão e a procurar saber mais Assim, poder-se-á “adiantar” ou “atrasar”
das razões de Aristóteles. A completa a entrada no programa de Filosofia Antiga
descredibilização da sofística levada a cabo pela conforme o ponto de vista que se adopte sobre o
crítica tenaz e implacável de Platão, logo seguida assunto. Se se considerar que o essencial desse
pela não menos demolidora censura do período da História da Filosofia é Platão e
circunspecto Aristóteles, não deve ser passada Aristóteles, tudo o que sejam considerações mais
como se de mais um ponto do programa se detalhadas sobre os chamados Pré-Socráticos,
tratasse. É altura de dar a palavra aos sofistas, Sofistas ou Sócrates, será considerado como
de voltar a ler o testemunho de Platão, e de fazer uma demora, um dispersar de tempo que deveria
as pazes com os sofistas, e de continuar a ser inteiramente consagrado ao estudo das duas
admirar Platão, uma vez que o seu pensamento grandes referências do pensamento filosófico
vai surgindo cada vez mais pujante e claro à antigo e ocidental.
medida que a reabilitação dos sofistas vai Ao contrário, se se considerar que um
avançando. À primeira vista, poderá parecer programa de Filosofia Antiga nunca poderá
contraditório esta súbita e igual admiração pelo ignorar algumas das mais originais e inesperadas
pensamento dos Sofistas e pelo pensamento de aventuras do espírito representadas por toda a
Platão. Mas não é. Os alunos descobrem-no linha pré-socrática, sofística e socrática, sem a
através de um conhecimento de causa.
qual, aliás, a compreensão segura e consistente
Enfim, a disciplina de Filosofia Antiga é, do pensamento de Platão e Aristóteles nunca
igualmente, um instrumento precioso na seria inteiramente conseguida, tenderá a
abordagem e compreensão da História da considerar que uma linha programática como a
Filosofia passada e futura, ensinando- nós o grau inicialmente referida, representa um falso
de envolvimento e a distância adequada avanço, um salto incorretamente dimensionado,
relativamente a batalhas que são e já não são porque ignora e não preenche uma retaguarda já
nossas. Do encontro e da posse dessa desejável profundamente tocada pelo espírito da Filosofia.
equidistância dependerá a compreensão mais ou
O programa de uma cadeira é algo que é
menos precisa da própria Filosofia Antiga. Ou pensado e redigido em função dos seus
seja, a Filosofia Antiga é, também, uma
destinatários. No caso vertente, os alunos.
introdução à História da Filosofia, uma vez que
Todavia, se é verdade que um programa não
nos dá a percepção aproximada das pode ser totalmente condicionado pelos alunos a
circunstâncias em que devemos abandonar o
quem se dirige, não é menos verdade que não
presente para, colocando-nos do lado do
deve ser pensado nem criado na pura ignorância
passado, melhor o compreendermos ou, ao ou não querer saber do público a que se destina,
contrário, quando nos devemos aproximar do
sob pena de ver a sua efetiva exequibilidade
presente para melhor entendermos o passado. perigosamente ameaçada. Desta maneira, o
Anteriormente, referia-se o atraso, a programa de Filosofia Antiga tem de contemplar
demora da entrada em cena da Filosofia Antiga, conteúdos, no caso em análise, as origens da
decorrente da necessidade de uma filosofia e todo o pensamento filosófico pré-
contextualização prévia à emergência do platónico, que, de antemão, sabe que os alunos
filosofar. Essa questão ocorre novamente desconhecem e cuja compreensão é
quando se trata de saber qual o ponto de partida absolutamente necessária para o entendimento
de um programa de Filosofia Antiga, que peso dos períodos subsequentes. Não é pedagógica
deverá ser atribuído a cada um desses pontos e nem cientificamente correto partir do princípio de
em que medida devem ser mais ou menos que os alunos sabem aquilo que não sabem ou
aprofundados os conteúdos desse programa. A vão por sua livre iniciativa tratar de saber aquilo
resposta à questão não é linear. Ainda que a que qualquer docente com alguns anos de
disciplina de Filosofia Antiga se enquadre num docência da cadeira sabe que dificilmente e só
período bem determinado e claramente datado em casos muito excepcionais será levado a cabo.
da História da Filosofia, o entendimento e a A disciplina de Filosofia Antiga favorece,
apreciação que se podem fazer dos diferentes inclusivamente, a adopção e a prática de um
momentos desse período é tão variável que modelo que contempla e associa de uma forma
consente diferentes pontos de vista sobre a equilibrada a componente teórica e a
questão. componente prática da aula. Existem,

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concretamente, extensas partes do programa praticamente nada no que respeita a fragmentos


onde se consegue uma constante alternância e ou passagens fidedignas e o que existe levanta
circulação pelos dois modelos. Todo o extenso sérias dificuldades de interpretação. Assim, como
período referente ao pensamento pré-platónico é óbvio, temos de nos socorrer de testemunhos
representa um bom exemplo dessa possibilidade. de terceiros e, neste caso, de uma forma muito
Assim, o estudo de qualquer filósofo pré- extensa, do testemunho de Platão. Mas então
socrático deverá partir sempre da distribuição agora, já não se trata unicamente de proceder à
pelos alunos, dos seguintes elementos de reconstituição e compreensão do pensamento do
consulta: um mapa representativo da geografia sofista; trata-se de, prioritariamente, descortinar
o que se oculta por detrás do testemunho de
da filosofia, uma vez que a filosofia pré-socrática
Platão, encontrar através do dito o que não é dito
se distribui ao longo de uma extensa área
e tentar uma aproximação a Protágoras
geográfica com três centros de capital
importância: a Grécia do oriente, a Grécia do exatamente por esse lado não mostrado, oculto.
continente e a Grécia do ocidente ou Grande Igualmente, com Aristóteles, ainda que
Grécia; uma grelha cronológica, uma vez que os de uma forma não tão intensa, uma vez que ele
filósofos ditos pré-socráticos distribuem-se ao não exerce uma pressão tão forte sobre o sofista,
longo de um período que vai do século VII a. C. é necessário um redobrar de cuidados
ao século V a. C.; uma compilação dos interpretativos. Não se trata já de ler por detrás
testemunhos, fragmentos e textos existentes. A do dito o não dito ou de mostrar o
partir daí, é possível passar-se em revista datas, deliberadamente encoberto. Mas, mesmo assim,
vida, obra e pensamento do filósofo em causa. há que ler bem a palavra séria e convicta de
Depois de uma primeira leitura dos diferentes Aristóteles, para, através e além da mesma,
elementos de consulta, passa-se à fase da chegar à palavra igualmente séria, convicta e
marcação do texto. Ou seja, trata-se de uma original de Protágoras.
segunda aproximação ao fundo do texto, Ao contrário, a existência de um conjunto
procurando-se agora proceder a uma triagem,
de passagens de considerável extensão de
separação, escolha ou escrutínio, de modo a algumas obras de Górgias, irá permitir uma
conseguir uma progressiva ordenação temática
abordagem do pensamento do sofista em moldes
em ordem ao estabelecimento de um logos do
bastante diferentes e, cremos, mais seguros.
filósofo. Por logos do filósofo entenda-se o fio Assim, a aproximação ao sofista será feita não só
condutor, o discurso, a razão (de ser), a estrutura
pelo lado dos testemunhos, mas,
do seu pensamento.
essencialmente, pelo centro do seu pensamento.
A partir de agora, é possível olhar o texto A título de exemplo, o Tratado Da Natureza ou
como algo coerentemente articulado e proceder Acerca do Não Ser, tal como o Elogio de Helena,
a uma terceira investida na base de uma análise constituem uma fonte preciosa de informação
diferenciada de cada um dos seus elementos. que permite uma reconstituição do pensamento
Assim, o pensamento do filósofo que, numa do sofista em bases bem mais seguras do que
primeira leitura corrida, tinha surgido como algo aquelas que serviram de apoio à recomposição
que, de tão fragmentado, parecia não dispor dos do pensamento de Protágoras.
meios necessários a uma recomposição Por último, refira-se que, já
verosímil, surge agora dotado de uma clara anteriormente, no capítulo sobre Introdução à
unidade e coerência.
terminologia filosófica, na abordagem do conceito
Esta metodologia é igualmente aplicável de Ser, e na sequência da oposição entre razão
ao estudo do pensamento dos sofistas, através trágica e razão filosófica, a sofística já havia sido
de uma compilação dos testemunhos, convocada tal como a sua relação difícil com
fragmentos, passagens mais ou menos extensas Platão. Na altura, e em termos genéricos, a
dos diálogos de Platão e referências diretas ou questão colocada era seguinte: não haverá uma
indiretas na obra de Aristóteles. É claro que cada relação estreita entre o desprezo e a rapidez com
sofista é um caso e, nessa medida, não há uma que Platão procede à expurgação da tragédia e a
estratégia de aproximação, mas estratégias. violência de que se reveste o seu combate sem
tréguas contra a sofística? Ou seja, Platão ter-se-
Tomando como exemplo os casos de
á dado conta de que, tanto o pensamento trágico
Protágoras e de Górgias, diremos que,
relativamente ao primeiro, não temos como o pensamento dos sofistas, partilhavam de

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

um terreno, de um fundo problemático comum, e iniciamos o estudo do seu pensamento, é como


mais, de que ambos seguiam no sentido de que se, de alguma maneira, o dossier Sócrates não
a solução desse fundo problemático comum era se encontrasse ainda definitivamente encerrado.
insolucionável. Mas, enquanto a tragédia se tinha
Entretanto, relativamente a Platão e a
posicionado de maneira a poder ser arrumada no Aristóteles, adopta-se uma estratégia que, numa
dossier das artes, ficando imediatamente de lado, primeira análise, poderá parecer menos
isto é, do lado das manifestações artísticas aconselhável, senão mesmo pedagogicamente
proibidas, a questão da sofística parecia de incorreta. Tentaremos demonstrar, ao contrário,
solução mais difícil. Não sendo possível ignorar a com base numa continuada prática docente, que
sofística, era necessário arranjar-lhe um lugar,
se trata de uma metodologia não só inteiramente
para, posteriormente, eliminá-lo e, com ele, a
defensável como pedagogicamente indicada.
própria sofística. Ora, a sofística parecia aspirar
ou mesmo estar segura do seu lugar na filosofia. Concretamente, numa primeira fase,
Platão ter-se-á apercebido, então, de uma forma elege-se um conjunto de temas que, não só do
clara, da força e do perigo desta candidatura, nosso ponto de vista como tradicionalmente, são
uma vez que havia ali filosofar, mau, é certo, considerados pilares fundamentais do
segundo o projeto platónico, mas, ainda assim, pensamento desses filósofos, senão mesmo de
filosofar… todo o pensamento que atravessa a História da
Filosofia. Nomeadamente, a teoria do
Entretanto, já relativamente a Sócrates a conhecimento, a teoria do Ser, a teoria das
situação é diferente, uma vez que aí temos de origens, a teoria política e a ética são temas
nos socorrer exclusivamente de fontes indiretas,
sempre presentes ao longo de toda a História da
de testemunhos, concretamente, das fontes
Filosofia.
tradicionalmente consideradas (Aristófanes,
Platão, Xenofonte e Aristóteles), não sem antes Obviamente que, nesta fase, na
ter de proceder a uma análise e discussão sequência da abordagem dessas temáticas,
rigorosa da validade das mesmas. surgem referências a aspectos muito específicos
das doutrinas de cada um dos filósofos: teoria
Assim, relativamente à fonte Aristófanes, das ideias, reminiscência, teologia, intelecto
a leitura e interpretação de algumas passagens
ativo, intelecto passivo, motor imóvel, etc. Trata-
da Comédia As Nuvens revela-se duplamente se de um primeiro contato com o pensamento,
producente. Mostra como, na época, um sector mas não ainda com a obra; pretende-se uma
extremamente influente da opinião pública
aproximação e uma progressiva identificação
ateniense via a filosofia, mas ajuda a
com uma determinada linguagem e terminologia
compreender, também, como a série de específica que favoreça uma crescente
acusações que impendem sobre Sócrates em
compreensão do pensamento dos filósofos e que
399 a. C., já se encontravam formuladas, no
funcione como um primeiro estímulo para a
essencial, anos antes, na peça de Aristófanes.
posterior abordagem das obras.
Por outro lado, Sócrates funciona como uma
primeira introdução a Platão, uma vez que, para Ora, geralmente, esta estratégia, neste
ensaiarmos uma aproximação ao seu momento, já apresenta resultados, uma vez que
pensamento, temos de ler Platão, e, a partir daí os alunos começam a manifestar uma certa
tentar estabelecer a fronteira exequível entre o agitação ou curiosidade, um certo querer saber
Sócrates histórico, autêntico, propriamente mais, ou seja, começam a interrogar-se e a
socrático e o Sócrates visto, sonhado, interrogar: que estatuto atribuir ao mundo das
marcadamente platónico. ideias? E ao mundo sensível?

Em síntese, a tentativa de reconstrução Que tipo de relação/participação se


de um pensamento propriamente socrático estabelece entre ambos? Como articular a teoria
implica, por um lado, a derivação e incursão por do conhecimento com a teoria da reminiscência?
áreas não diretamente contempladas no Até que ponto há pitagorismo a correr nas veias
programa (Aristófanes e Xenofonte), ao mesmo do platonismo? Em que bases e a partir de que
tempo que antecipa outras que hão de vir (Platão pressupostos introduz Platão uma teoria da
e Aristóteles). Assim, quando chegamos a reminiscência? Que tipo de relação se
Platão, é como se, de uma certa forma, já lá estabelece entre o demiurgo e o mundo sensível
tivéssemos estado; e, no momento em que e inteligível? Como compatibilizar a crítica de
Aristóteles à teoria das ideias de Platão e à
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

consequente duplicação dos mundos, com a sua do conhecimento, a importância das diferentes
concepção de Motor Imóvel e da relação deste ciências, o próprio processo do conhecimento,
com o Mundo? Ou seja, como entender e levam-nos a entrar pelo lado das alegorias do
conciliar o carácter transcendente e ignorante do Sol, da Linha Dividida ou da Caverna. Mas
Motor Imóvel, com a crítica de Aristóteles à deriva remete-nos, igualmente, para incursões no
transcendente de Platão patente no mundo das Ménon, Parménides, Teeteto ou Sofista. E, uma
ideias? Qual o estatuto do intelecto activo ou vez que esta abordagem vai suscitar
agente? Trata-se da parte imortal da alma necessariamente a teoria da reminiscência, abre-
racional? Que tipo de relação se pode se uma nova frente que irá incidir no estudo do
estabelecer entre intelecto agente e intelecto papel da alma no processo do conhecimento. Na
paciente? Existe alguma relação entre a ideia decorrência deste processo, verificar-se-á que é
platónica e a forma aristotélica? Por que razão necessário ir mais longe e averiguar qual a
Platão é tão severo com a cultura clássica e com concepção de alma defendida por Platão. O
as artes em geral? E que posição adopta estudo desta questão, entretanto, irá fazer surgir
Aristóteles relativamente à mesma questão? uma outra, que se prende com a compreensão do
Como é que a utopia política de A República, estatuto do mito no contexto da sua produção
ainda que posteriormente temperada pelas Leis, filosófica. Ou seja, nesta altura, uma série de
deve ser considerada como uma obra de um diálogos já terão sido pela primeira vez
cidadão que vive a Cidade não de fora, mas do consultados, enquanto outros terão sido objeto
mais fundo dentro, não concebendo, inclusive, de uma segunda ou terceira leitura. Em concreto,
outro espaço possível de civilidade? E como é verifica-se que foram convocados, novamente, o
que a extrema razoabilidade de A Política de Ménon e a República, enquanto se estabeleceu
Aristóteles é redigida por alguém que, não sendo um primeiro contato com, entre outros, o Fédon,
cidadão, sentindo fundo o seu estatuto de o Fedro ou mesmo o Timeu. Por outro lado, a
estrangeiro, sabe tão bem da Cidade, e que, tal questão das origens conduz-nos novamente ao
como Platão, não admite outro espaço de Timeu, mas sugere, igualmente, uma passagem
civilidade? pelo Crítias e, mais uma vez, um regresso ao
Enfim, estão criadas as condições para Timeu.
pôr em marcha a fase seguinte que consiste A teoria política traz-nos de volta à
numa abordagem direta das obras dos filósofos. República, mas convida, ao mesmo tempo, a um
Ou seja, conseguiu-se, de uma forma rápido regresso e consulta do Protágoras ou do
relativamente próxima, um conhecimento dos Górgias, entre outros, tal como aconselha a ir
aspectos e tendências fundamentais do mais à frente, consultar O Político, e, inclusive, a
pensamento do filósofo. Essa possibilidade ficou ir mais além, até às Leis, para confirmar que, da
a dever-se à abertura ou conquista de um espaço parte de Platão, se procedeu a uma certa revisão
de saber que consente uma determinada tardia de alguns aspectos mais polémicos e
mobilidade ou liberdade de escolha das obras e dificilmente aceitáveis, defendidos,
das respectivas passagens que poderão anteriormente, em A República.
responder às questões inicialmente suscitadas. Entretanto, relativamente a Aristóteles,
Assim, rapidamente, verifica-se a ainda que o seu pensamento e a sua obra
existência de um conjunto de diálogos de Platão signifiquem uma maior estabilidade e clareza de
que se constituem não só obras de consulta procedimentos, ou não estivéssemos perante «o
obrigatória como de consulta recorrente. Ou seja, criador da prosa científica e da forma
podemos ter de abordar determinada parte de um expositiva»1, não decorre daí que, muito
diálogo a propósito de determinada problemática frequentemente, não surja a necessidade de, a
e, logo a seguir, sair para entrar num outro propósito de determinada questão, percorrermos
diálogo que toca a mesma temática; e confrontarmos mais do que uma obra do
posteriormente, outras questões poderão impor filósofo.
um regresso aos diálogos já consultados, através Assim, e a título meramente indicativo, se
de outras passagens. se trata do estudo do pensamento político,
Um só exemplo, A República funciona obviamente que o mesmo remete diretamente
sempre como um ponto de partida e um lugar de para a Política, mas, não dispensa, igualmente,
regresso. A problemática gnosiológica, os níveis uma incursão pela Constituição dos Atenienses

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

ou pelas éticas Nicomachea ou Eudemia. Se a que eles acreditavam conseguir transmitir a


questão se prende com o esclarecimento do mensagem dos deuses. Por esse motivo, no
estatuto do Motor Imóvel, no contexto da filosofia início, a filosofia estava intimamente relacionada
aristotélica, então é necessário recorrer à leitura com a religião: mitos, crenças, etc. Assim, o
da Física e da Metafísica e, posteriormente, pensamento mítico foi dando lugar ao
proceder a um confronto, análise e interpretação pensamento racional, ou ainda, do mito ao logos.
das respectivas passagens, nas duas obras.
2 CONTEXTO HISTÓRICO
Por outro lado, a teoria do conhecimento,
A filosofia antiga surge com a
que remete diretamente para a relação entre
substituição do saber mítico ao da razão e isso
intelecto ativo e intelecto passivo, levanta,
ocor- reu com o surgimento da polis grega
obrigatoriamente, a questão da concepção
(cidade-estado). Com essa nova organização
aristotélica de alma. Esta, por sua vez, suscita
social e política pelo qual a Grécia passava, foi
outras questões que se prendem com a eventual
fundamental para dar lugar a raciona- lidade
separabilidade dos intelectos, a possibilidade da
humana e, com isso, as reflexões dos filósofos.
sobrevivência da alma ou intelecto individual ou,
Mais tarde, as discussões que ocorriam em praça
ainda, a eventual existência/presença de um
pública juntamente com o poder da palavra e da
intelecto divino. Ora, todas estas questões
razão (logos) levaram a criação da democracia.
impõem, necessariamente, uma consulta e
confrontação de diversas passagens de 2.1 Polis Grega
diferentes obras, tais como, o De Anima, a A polis grega eram as cidades estados da
Metafísica, Parva Naturalia, os Analíticos
Grécia Antiga, as quais foram fundamentais para
Posteriores ou, inclusive, a Ética Eudemia. o desenvolvimento da cultura grega no final do
Enfim, é evidente que, pese embora a período homérico, perí- odo arcaico e período
importância e a extensão dos conteúdos clássico. Sem dúvida Atenas e Esparta merecem
abordados, o estudo do pensamento de destaque como as cidades gregas (polis) mais
Aristóteles, através da sua obra, não ficou ainda importantes do mundo grego. O termo “polis” em
concluído, como, aliás, já antes havia sucedido grego significa “cidade”. Note que as polis gregas
com Platão. Mas, como vem sendo salientado ao representam a base do desenvolvi- mento do
longo desta rápida digressão, a qual visava, conceito de cidade tal qual conhecemos hoje.
essencialmente, a apresentação da aplicação
2.2 Nascimento e Desenvolvimento
prática de alguns dos pontos do programa
da Polis
proposto para Filosofia Antiga, trata-se,
simultaneamente, de uma inevitabilidade e de um As polis surgem no século VIII a.C. e
risco ou opção ponderada. atingem seu apogeu nos séculos VI e V a.C.
Anteriormente, as pessoas se reuniam em
De fato, a partir de um núcleo fixo ou
pequenas aldeias (comunidade gentílicas
central de questões de abordagem obrigatória,
agrícolas denominadas “genos”) com terras de
questões que são já em si o resultado de uma
uso coletivo, as quais floresceram durante o
opção de carácter científico- pedagógico, decorre
período homérico. A expansão demográfica e do
o progressivo aparecimento de uma periferia
comércio foram as principais causas para o
temática, a qual remete necessariamente para a
surgimento da Polis, que incluía o campo e a
análise e interpretação de um conjunto de obras
cidade (centro). Foram, portanto, essenciais para
que se vêm a revelar de consulta não só
fortalecer a organização dos membros da
recorrente como igualmente obrigatória.
sociedade grega.
A Filosofia Antiga Corresponde ao
A polis era controlada por uma oligarquia
período do surgimento da filosofia grega no
século VII a.C. Ela surge da necessidade de aristocrática e possuía uma organização própria
e, portanto, independência social, política e
explicar o mundo e encontrar respostas para a
econômica. A organização social da polis era
origem das coisas, dos fenômenos da natureza,
constituída basicamente por homens livres (os
da existência e da racionalidade humana. O
cidadãos gregos) nascidos na polis, mulheres,
termo filosofia é de origem grega e significa “amor
estrangeiros (metecos) e escravos. Sendo assim,
ao saber”, ou seja, a busca pela sabedoria. De tal
em Atenas os denominados Eupátridas ou “Bem-
modo, no momento de sua origem os filósofos
nascidos” pertenciam a pequena classe
possuíam esse dom de interpretação, uma vez

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

dominante que detinham as maiores terras sendo 2.4 Características do Período


responsáveis por administrar a política da polis. Arcaico
Depois deles, estavam os Georgoi,
agricultores proprietários de terra. E, por fim, os
Thetas (ou marginais), os trabalhadores que não
detinham nenhum poder sobre as terras e que
representavam a maior parte da população
grega. Já a sociedade em Esparta era dividida
em Esparciatas (os aristocratas soldados),
responsáveis pelo desenvolvimento da política
da polis. Os denominados Periecos
representavam os homens livres, (comerciantes,
agricultores e artesãos). E por fim, os escravos, As primeiras moedas gregas, como a
chamados de Hilotas, que constituíam a maior dracma, foram cunhadas no Período Arcaico.
parte da polução espartana. As polis gregas eram Com o fim do período homérico e do declínio das
divididas em duas partes: a Ástey (zona urbana) comunidades patriarcas dos genos, a expansão
e a Khora (zona rural), sendo formadas por das cidades-estados dominou esse período da
casas, ruas, muralhas e espaços públicos. história grega. Estudos apontam que nesse
Como espaços públicos, podemos período existiam mais de cem cidades-estados
destacar a Acrópole, ponto mais alto da cidade, na Grécia Antiga. Começa a despontar a
formada por palácios e templos dedicados aos democracia, principalmente na cidade de Atenas,
deuses; e a Ágora, a praça principal donde e também a surgir uma sistematização das
ocorriam as feiras e diversos atos públicos como legislações. Surge o conceito de sociedade
as manifestações cívicas e religiosas. privada na sociedade grega, a qual era
comandada pelos proprietários de terra.
A economia na polis era baseada na
agricultura e no comércio sendo um núcleo ECONOMIA
urbano autossuficiente. Já a política na polis Foi a partir desse período que os antigos
girava em torno da Assembleia do Povo, o genos foram transformados em uni- dades
Conselho Aristocrático e os Magistrados, embora políticas maiores chamadas de polis ou cidade-
em cada local ela apresentasse características estado. Controladas por uma aristocracia
peculiares. Por exemplo, em Atenas o poder proprietária de terras, esses núcleos urbanos,
político provinha da Eclésia, as Assembleias aos poucos se tornaram importantes centros
populares, que em Esparta eram chamadas da comerciais do mundo grego. Cada uma delas
Apela (formado por espartanos acima de 30 possuía autonomia e independência das quais as
anos) e Gerúsia (composto por 28 anciãos com maiores e mais prósperas foram Esparta e
mais de 60 anos). Atenas. Além disso, de uma economia
PERÍODO ARCAICO agropastoril que predominou o período anterior,
o comércio passa a ser uma das mais
O Período Arcaico, entre os anos de 800
importantes fontes econômicas. Como a
a.C. e 500 a.C., corresponde ao terceiro período
população aumentava e as terras cultiváveis
histórico da Grécia Antiga, logo após o período
disponíveis eram limitadas, as cidades-gregas
homérico. Esta época guarda profundas
fundam colônias ao longo do Mar Mediterrâneo.
mudanças políticas e econômicas devido à
consolidação das cidades-estados, das quais se CULTURA E FILOSOFIA
destacam Esparta e Atenas. Nessa fase, a arte grega atinge o apogeu
2.3 Períodos da Grécia Antiga com a construção de templos, a expansão da
pintura, da escultura e do artesanato (sobretudo
Para fins de estudo, a história da
dos objetos de cerâmica). Trata-se de um
sociedade grega, na Antiguidade, está dividida
período crucial para a filosofia, pois os autores
em quatro períodos:
deixam de buscar as explicações em mitos e usar
• Período Pré-Homérico (séculos XX - XII a.C.)
a razão para entender o mundo.
• Período Homérico (séculos XII - VIII a.C.)
• Período Arcaico (séculos VIII - VI a.C.) RELIGIÃO
• Período Clássico (séculos V - IV a.C.)

9
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

O período arcaico é o apogeu das confirmada por meio de votos. Um sistema de


consultas aos deuses, especialmente através governo democrático abrange todos os
dos oráculos. O mais conhecido era o Oráculo de elementos da organização política de um país.
Delfos, onde pessoas de todas as condições Nesse sentido, democracia não é apenas uma
sociais, acudiam para receber mensagens, ditas forma de Estado ou de Constituição, mas a
pelas pitonisas, do próprio deus Apolo. ordem constitucional, eleitoral e administrativa, o
equilíbrio dos poderes e órgãos do Estado, a
2.5 Características da Polis Grega
prioridade política do Parlamento, o sistema
As principais características das polis alternativo de grupos governamentais e de
gregas eram: oposição.
• Possuía autonomia e detinha o poder;
A democracia é uma forma de governo
• Eram autossuficientes (política, social e
que tem como fundamentos uma conjugação de
economicamente);
princípios de organização política, dentro de um
• Tinham leis e organização sociais próprias;
sistema social, em que prevalece a liberdade do
• Propulsionou o surgimento da propriedade
indivíduo diante de todos os representantes do
privada;
poder político, especialmente face ao Estado a
• Possuía Complexidade social.
liberdade de opinião e de expressão da vontade
DEMOCRACIA ATENIENSE política igualdade dos direitos políticos e
A democracia ateniense representou um oportunidades favoráveis para que o povo e os
dos momentos mais emblemáticos da história de partidos se pronunciem sobre todas as decisões
Atenas. Ela foi desenvolvida por meio dos de interesse geral.
legisladores e políticos Dracon e Sólon e 2.6 Origem da Democracia
consolidada por volta de 510 a.C., quando o
político aristocrata Clístenes derrota o tirano O conceito de democracia surgiu na
Grécia Antiga, em 510 a.C., quando Clístenes,
Hípias. Sua implementação foi essencial no
aristocrata progressista, liderou uma rebelião
desenvolvimento das polis gregas, a qual foi
espalhada pelas outras cidades-estados. contra o último tirano, derrubando-o e iniciando
reformas que implantaram a democracia em
POLIS GREGA: FILOSOFIA Atenas. Atenas foi dividida em dez unidades
Uma vez que a polis representava um denominadas chamadas “demos”, que era o
dos modelos de organização social, política e elemento principal dessa reforma. Por isso, o
econômica do mundo grego, ela foi essencial novo regime passou a se chamar “demokratia”,
para o desenvolvimento da sociedade bem como que é formada do radical grego “demo” (povo), e
do pensamento humano, mediados pelos de “kratia” (poder).
processos de socialização que ocorriam entre os DEMOCRACIA ATENIENSE
cidadãos nos locais públicos.
A Democracia Ateniense foi um regime
Foi a partir dessas teias de relações que político criado e adotado em Atenas, no período
a filosofia grega representou uma das da Grécia Antiga. Ela foi essencial para a
importantes vertentes que foram desenvolvidas organização política das cidades-estados grega,
por filósofos que habitavam a polis. sendo o primeiro governo democrático da
Com o advento da democracia, essas história. O termo “Democracia” é formado pelo
relações sociais foram consolidadas pelas re- radical grego “demo” (povo) e de “kratia” (poder),
flexões realizadas pelos cidadãos gregos. Essa que significa “poder do povo”.
evolução racional da mente foi a chave para o Anterior a implementação da Democracia
desenvolvimento da filosofia grega em em Atenas, a cidade-estado era controlada por
detrimento da visão mitológica que dominava a uma elite aristocrática oligárquica denominada de
mentalidade grega anteriormente. “eupátridas” ou “bem-nascidos”, os quais
DEMOCRACIA detinham o poder político e econômico na polis
grega. Entretanto, com o surgimento de outras
Democracia é uma organização social classes sociais (comerciantes, pequenos
em que o controle político é exercido pelo povo.
proprietários de terra, artesãos, camponeses,
É um sistema de governo que resulta da livre
etc.), as quais pretendiam participar da vida
escolha de governantes, a qual é expressa pela
política, a aristocracia resolve rever a
união e a vontade da maioria dos governados,
10
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

organização política das cidades-estados, o que • Reformas políticas e sociais


mais tarde resultou na implementação da • Reformulação da antiga Constituição
“Democracia”. De tal maneira, por volta de 510 • Igualdade perante a lei (isonomia)
a.C. a democracia surge em Atenas através da • Igualdade de acesso aos cargos públicos
vitória do político aristocrata grego Clístenes. (isocracia)
Considerado o "Pai da Democracia", ele liderou • Igualdade para falar nas Assembleias
uma revolta popular contra o último tirano grego, (isegoria)
Hípias, que governou entre 527 a.C. e 510 a.C.. • Direito de voto aos cidadãos atenienses
Após esse evento, Atenas foi dividida em DIFERENÇAS ENTRE A DEMOCRACIA
dez unidades denominadas chamadas “demos”, GREGA E DEMOCRACIA ATUAL
que era o elemento principal dessa reforma e, por A democracia ateniense foi um modelo
esse motivo, o novo regime passou a se chamar político que fora copiado por várias sociedades
“demokratia”. Atenas possuía uma democracia antigas, e que influencia até hoje o conceito de
direta, onde todos os cidadãos atenienses democracia no mundo. No entanto, a democracia
participavam diretamente das questões políticas atual é um modelo mais avançado e moderno da
da polis.
democracia ateniense, em que todos os cidadãos
De tal modo, Clístenes, baseada nas (maiores de 16 ou 18 anos), inclusive mulheres,
legislações anteriormente apresentadas por podem votar e aceder a cargos públicos, sem que
Dracon e Solon, iniciou reformas de ordem seja excludente e limitada.
política e social que resultariam na consolidação Além disso, na democracia ateniense, os
da democracia em Atenas. Como forma de cidadãos tinham uma participação direta na
garantir o processo democrático na cidade, aprovação das leis e nos órgãos políticos da
Clístenes adotou o “ostracismo”, onde os polis, enquanto na democracia atual (democracia
cidadãos que demostrassem ameaças ao regime
representativa) os cidadãos elegem um
democrático sofreriam um exílio de 10 anos. Isso
representante.
impediu a proliferação de tiranos no governo
grego. DEMOCRACIA LIBERAL E DEMOCRACIA
SOCIAL
Sendo assim, o poder não estava
somente concentrado na mão dos eupátridas. As concepções sobre a extensão
Com isso, os demais cidadãos livres maiores de atribuída às garantias de liberdade oscilam entre
18 anos e nascidos em Atenas poderiam dois polos: o da democracia liberal e o da
participar das Assembleias (Eclésia ou democracia social (socialista). Também é o que
Assembleia do Povo), embora as mulheres, acontece com a participação dos cidadãos dos
estrangeiros (metecos) e escravos estavam grupos sociais e do conjunto do povo na
excluídos. Diante disso, podemos intuir que a formação das vontades políticas.
democracia ateniense não era para todos os A democracia liberal é aquela em que o
cidadãos sendo, portanto, limitada, excludente e desenvolvimento das organizações econômicas
elitista. Estima-se que somente 10% da e financeiras não está sujeito a restrições. Nela
população desfrutavam dos direitos os indivíduos desfrutam de completa liberdade de
democráticos. contrato entre si. A democracia liberal se
Além de Clístenes, Péricles deu caracteriza pela não interferência do Estado nos
continuidade à política democrática. Ele foi um assuntos econômicos e financeiros dos cidadãos.
importante democrata ateniense que permitiu Os negócios estão entregues à iniciativa privada
ampliar o leque de possibilidades para os e a produção está sujeita a lei da oferta e da
cidadãos menos favorecidos. Por volta de 404 procura.
a.C., a democracia ateniense sofreu grande 3 A ORIGEM E O NASCIMENTO DA
declínio, quando Atenas foi derrotada por Esparta FILOSOFIA E SUA HERANÇA PARA O
na Guerra do Peloponeso, evento que durou
MUNDO OCIDENTAL
cerca de 30 anos.
A origem da palavra Filosofia é grega e
2.7 Características da Democracia
composta por:
Ateniense
• Democracia direta

11
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

O PENSAMENTO MÍTICO
Em um período anterior ao surgimento
Philo: amizade, amor fraterno dos primeiros filósofos, todas as explicações
Sophia: sabedoria eram dadas pela mitologia, lendas, tradições. Era
em um momento em que o homem estava
fortemente ligados à terra, às arvores, aos rios,
às montanhas, à natureza. O homem vivia em
Atribui-se a Pitágoras a invenção da
tribos. Não se fazia distinção entre o real e o
palavra, no sec. V a. C.. Significa amor e respeito
irreal. A explicação de toda realidade universal
pela sabedoria, desejo pelo saber, vontade de
era baseada na imaginação e no sobrenatural. O
saber e compreender a realidade. Com o tempo
pensamento mítico consiste em uma forma pela
filosofia passou a designar não apenas amor à
qual um povo explica aspectos essenciais da
sabedoria, mas um tipo especial de sabedoria:
realidade em que vive: a origem, o
aquela que nasce do uso metódico da razão.
funcionamento e os processos do mundo e da
3.1 A História da Filosofia natureza, suas origens e seus valores. O mito é
um discurso, uma narrativa imaginaria e ficcional.
Começaremos a estudar Filosofia pela
Pertence às tradições culturais e não são
sua história, caracterizando os diferentes
elaborados por uma pessoa. Faz parte da
períodos dentro do contexto histórico. A Filosofia
tradição cultural e representa a própria visão de
é uma instituição cultural tipicamente grega, que
mundo das pessoas. O mito não tem um
surgiu em um dado momento histórico, a partir de
fundamento, não se submete a críticas e aos
determinadas condições históricas e tornou-se o
questionamentos. São simplesmente aceitos
modo de pensar do mundo ocidental, inicialmente
como parte da experiência real.
na Europa e, com a colonização, expandiu-se
para a América e o mundo. O mito explica a realidade por meio do
sobrenatural, do mistério, do símbolo, do divino.
A Filosofia é apresentada em grandes
O mito é algo aceito e interiorizado pelo povo. É
períodos que correspondem às vezes de modo
preciso lembrar que o pensamento e as
aproximado, aos períodos da história ocidental.
instituições humanas refletem as condições
Principais períodos da história da sociais, econômicas e históricas de uma
Filosofia sociedade em uma determinada época. Na
1º. Filosofia Grega: História do pensamento Grécia daquele momento as explicações sobre
filosófico grego, as origens do mundo e da natureza baseadas na
mitologia já não correspondiam a realidade. A
• Sec. VI ao V a.C. - Período pré-socrático Filosofia surge então como a busca de uma
• Sec. V ao sec. IV a. C. – Período Socrático: explicação racional e ordenada do mundo ou da
Sócrates e Platão natureza: cosmologia.
• Sec. IV ao sec. III a.C. – Período Sistemático O que tornou possível o surgimento da
– Aristóteles Filosofia na Grécia no final do sec. VI antes de
• Sec. III a.C. ao sec. VI d. C. – Período Cristo? Quais as condições sociais, políticas,
Helenístico econômicas e históricas que permitiram o
surgimento da Filosofia?
2º. Filosofia Medieval – sec. I ao sec. XIV
As condições históricas que
3º. Filosofia Moderna - do século XVII ao século
possibilitaram o surgimento da Filosofia na
XVIII
Grécia A mudança de papel do pensamento
4º. Filosofia Contemporânea – do século XX aos mítico resulta de um longo período de transição e
dias atuais. de transformação da própria sociedade grega,
NASCIMENTO tornando possível o surgimento do pensamento
filosófico em VI a.C. As condições históricas que
A Filosofia nasce na Antiguidade, no final favorecem ao surgimento do pensamento
do sec. VI a.C, com Tales de Mileto, nas colônias filosófico-científico:
gregas da Ásia menor, em uma cidade chamada • O comércio e as viagens marítimas levaram à
Mileto. Os pensadores perguntavam sobre o desmitificação do mundo. Revelaram que não
mundo questões como: existiam deuses, monstros, titãs. O homem

12
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

começou a conhecer concretamente o mundo • Período Socrático: Sócrates e Platão - sec. V


e outras culturas. ao sec. IV a. C.
• Invenção do calendário: o tempo deixou de • Período Sistemático: Aristóteles - sec. IV ao
ser incompreensível e divino, passou a ter sec. III a.C.
dias, anos, estações. • Período Helenístico - sec. III a.C. ao sec. VI d.
• Invenção da moeda C.
• Surgimento da vida urbana: predomínio do • Período pré-socrático ou cosmológico, do sec.
comércio e artesanato. Surge uma classe VI ao final do século V a. C.
comerciante que, para se contrapor a É o nascimento da Filosofia, momento
aristocracia da época, vai apoiar as artes, as
em que se investiga o mundo e as
técnicas, o conhecimento e assim a filosofia.
transformações da natureza. Os principais
Surge um novo tipo de organização social.
filósofos foram Tales de Mileto, Anaximandro de
• Invenção da escrita alfabética: a
Mileto, Anaxímenes de Mileto, Pitágoras de
capacidade de abstração se desenvolve. É Samos, Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia,
independente, racional e pode ser usada por e Zenão de Eléia, que fizeram parte de várias
todos. escolas. É denominado período Cosmológico,
• Invenção da política: surge a lei como pois buscava uma visão ordenada do mundo, a
expressão da vontade coletiva humana, o
explicação racional e sistemática sobre origem,
direito de cada um se expressar
ordem e transformação da natureza e seres
racionalmente. Surge o espaço público, onde
humanos. Investigava o princípio universal,
se realizam discussões e tomam-se decisões imutável e eterno que gerou todas as coisas e
racionais. A política valoriza o ser o humano e
seres: de onde tudo vem e para onde tudo
o pensamento.
retorna.
Diante dessa realidade histórica, o mito
como explicação real através do elemento Cosmo=ordem e organização do mundo,
sobrenatural e misterioso é insatisfatório. É lógico=conhecimento racional.
preciso compreender essa nova realidade. Os
filósofos foram reformulando e racionalizando as
O novo pensamento filosófico possui
narrativas míticas e transformando as
características centrais que rompem com a
explicações do mundo em algo novo. Não houve
narrativa mítica. Esses pensadores
uma ruptura brusca nessa passagem do saber
desenvolveram um conjunto de noções que
mítico ao pensamento racional.
constituem o ponto de partida de uma visão de
Em relação aos conhecimentos, os mundo que, apesar de terem sofrido profundas
gregos transformaram em ciência o que era transformações, foram as raízes do nosso
prática para uso na vida: as curas viraram a pensamento filosófico-científico de hoje.
medicina. Criaram a organização social e política • A physis – o mundo natural. A compreensão
que conhecemos hoje, ou seja, as sociedades da realidade natural está nela mesma e não
até então desconheciam a separação entre poder no mundo sobrenatural
público, privado e religioso. Foram os gregos que • A causalidade – tudo tem uma causa natural
fizeram essa separação através da organização e não mais mítica misteriosa.
de leis e instituições como forma de poder e • A arqué – existe um elemento primordial que
governo. Criaram a ideia de justiça e lei, serviria de ponto de partida para todo o
características da organização política atual. processo, o que dá uma unidade à natureza.
Criaram a ideia de que o pensamento segue Ex- água para Tales de Mileto, o ar para
regras, normas e leis universais, ou seja, que o Anaxímenes. Empédocles afirma a existência
pensamento pode ser racional. de 4 elementos: ar, água, terra e fogo... isso
A FILOSOFIA GREGA dá a ideia de caráter geral que inaugura a
ciência.
O marco foi o filósofo Sócrates. A • O cosmo - surge a ideia de ordem, harmonia
Filosofia Antiga, do sec. VI a. C. ao século VI d.C, e beleza. O mundo natural é uma realidade
corresponde à História do pensamento filosófico
ordenada de acordo com os princípios
grego e se divide em quatro grandes momentos: racionais.
• Período pré-socrático - sec. VI ao V a.C. • O logos – não é mais uma narrativa de
caráter poético e mítico logos é a explicação
13
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

fundamentada na razão. É um discurso Os Sofistas


racional.
Os Sofistas ensinavam a arte da oratória,
• O caráter crítico – as verdades não eram
a arte da persuasão. Ensinavam um modo de
apresentadas como verdades absolutas, de
defender uma opinião por meio de argumentos.
forma dogmática, mas passiveis de serem Eram mestres na arte da argumentação. Sofista
discutidas, discordadas, criticadas. Não se significa sábio, entretanto ganhou o sentido de
trata de verdades absolutas, mas da impostor. Eles eram professores que vendiam
construção do pensamento de um filosofo e ensinamentos práticos da filosofia. Os mais
pode e deve ser questionado. Surge a atitude conhecidos sofistas foram Protágoras e Górgias.
crítica em lugar da transmissão dogmática da
verdade. Protágoras afirma que “O homem é a
medida de todas as coisas”, as coisas são como
Os chamados “filósofos pré-socráticos” nos parecem ser, como se mostram a nossa
são os primeiros filósofos que viveram antes de percepção sensorial e não temos nenhum outro
Sócrates, e alguns foram contemporâneos deste. critério para decidir essa questão. Os sofistas
Sócrates é considerado um marco por sua foram criticados principalmente por Platão, que
influência e por introduzir as questões humanas
considerava os sofistas artistas manipuladores
e sociais na discussão filosófica. de raciocínios. Os Sofistas contribuíram para
Período socrático – final do século V e todo desenvolvimento da linguagem na tradição
século IV a. C., em Atenas. cultural grega.
A Filosofia passa a investigar as Nesse contexto, surge então Sócrates,
questões humanas, deixando de se preocupar considerado o patrono da filosofia. Ele
apenas com as questões da natureza e suas discordava dos antigos poetas (mitologia), dos
transformações. Esse período é marcado pela antigos filósofos (cosmologia) e dos sofistas
presença de Sócrates (470-399 a.C), cujo (oradores).
pensamento rompe com a temática central da
Sócrates (470-399 a.C),
realidade natural dos filósofos anteriores e passa
a investigar as questões éticas e políticas. Sócrates nasceu em Atenas e é
considerado um marco divisório da história da
É a época da democracia em Atenas, em
filosofia grega. Seu pensamento marca o
que o cidadão começa a exercer a cidadania,
nascimento da filosofia clássica, que foi
precisa opinar, discutir, falar, persuadir nas
posteriormente desenvolvida por Platão e
assembleias. Surgem os chamados sofistas, que
Aristóteles. É considerado o “patrono da
foram contemporâneos de Sócrates e filosofia”. As divergências inerentes à democracia
compartilharam assim da mesma realidade da época levaram Sócrates a refletir em seu
histórica e, apesar das visões diferentes, tiveram interior. Refletindo sobre si mesmo, Sócrates
o mesmo interesse pela problemática ético- descobriu que apesar da variedade de coisas,
política. somos capazes de criar conceitos universais.
O pensamento de Sócrates e os Sofistas
Ele pensou que poderíamos criar um
deve ser entendido dentro do contexto histórico e conceito universal de justiça que, por ser igual
sociopolítico de sua época, pois tem um para todos, seria capaz de dissolver as
compromisso bastante direto e explicito com divergências e discórdias nas assembleias de
essa realidade. A sociedade grega está
cidadãos. As praças públicas eram suas salas de
estabilizada, com a consolidação de várias
aula.
cidades-estados. Há o enriquecimento através do
comércio, surge uma classe mercantil Buscava conhecer a si próprio e ajudava
politicamente influente. Começam a se introduzir as pessoas a encontrar a verdade das coisas e
as primeiras regras democráticas, há quebra do conceitos, por meio do diálogo. Em um primeiro
poder das oligarquias, quebra da autoridade momento ele interrogava (processo chamado
divina, é o fim das imposições autoritárias. ironia, em grego significa interrogar). Depois ele
Coexistem diferentes interesses e as decisões conduzia o “aluno” a buscar em seu interior os
são tomadas em assembleias. É preciso saber conceitos verdadeiros (processo chamado de
falar bem, persuadir, convencer, argumentar e maiêutica, arte de dar a luz).
justificar as diferentes propostas. É o momento
de passagem da tirania para a democracia.
14
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

Sócrates valorizava o debate e o aparência, das opiniões, da ilusão, imperfeito,


ensinamento oral, sem nunca haver escrito nada. incompleto e o mundo das ideias – eterno,
É Platão quem registra seus ensinamentos. Não essencial, belo, pleno, perfeito. Para se alcançar
existe o registro do pensamento original de o mundo das ideias, é preciso o conhecimento
Sócrates e sim a visão de Platão. Ele buscava a racional e filosófico. Ele explica este pensamento
definição essencial de coragem, virtude, etc. é ir por meio da alegoria O Mito da Caverna.
alem da opinião que se tem a respeito de algo. Para Platão a filosofia é uma forma de
Ele não respondia às perguntas e sim procurava saber que possui um caráter prático ético- político
ensinar um caminho, que é origem de método. e, por outro lado, filosofia é essencialmente teoria
Por isso ele sempre usava o diálogo, pois
capaz de levar a natureza essencial das coisas.
acreditava que pelo diálogo a pessoa começa a
revisar as crenças, opiniões, transformando à Principais obras: Apologia de Sócrates,
sua maneira de ver as coisas. Eutífron, Críton, Laques, Mênon,O Banquete, A
República e Parmênides.
Sócrates desenvolveu o saber filosófico
em praças conversando e mostrando que era Características do período socrático:
preciso unir a vida concreta ao pensamento. Para A filosofia se volta para as questões
ele, o homem é sua alma, a alma é o desejo da humanas: ações, comportamento, crença, valor,
razão, e isso distingue o ser humano de todos os o lugar do homem no mundo.
outros seres da natureza. Ele dialogava com
O homem como ser racional capaz de
ricos e pobres, cidadãos ou escravos e dava
conhecer-se a si mesmo, capaz de refletir e
importância às características internas de cada
estabelecer procedimentos que o levem a
pessoa. Assim, foi considerado uma ameaça a
verdade. Definição das virtudes morais e virtudes
sociedade, pois não fazia distinção de classe ou
políticas. As ideias e práticas que norteiam o
posição social. Ele estava interessado na prática
comportamento dos seres humanos. Encontrar a
da virtude e na busca da verdade, e contrariava
essência dessas virtudes e valores: justiça,
os valores dogmáticos da sociedade ateniense.
coragem, amizade, piedade, amor. A opinião, as
Era considerado um grande sábio e percepções e imagens sensoriais são
contrariou os interesses de muitos poderosos. consideradas falsas, mentirosas, contraditórias
Sócrates, em 399 a.C., é acusado de graves para se conseguir a verdade.
crimes por desrespeito às tradições religiosas e
Período sistemático do final do século IV ao final
por corrupção da juventude, mas na verdade
do século II antes de Cristo
queriam puni-lo por suas críticas à democracia
grega. Ele foi julgado por 501 cidadãos ema Dizemos que sistemático é o que se
Atenas e não se declarou inocente, ao contrário, caracteriza pela organização e articulação,
permanece coerente com suas ideias. É formando um todo coerente. A obra de Aristóteles
condenado à morte, por meio de envenenamento (384 - 322 a..C.) é sistemática. No chamado
– cicuta. período sistemático, seu principal pensador foi
Aristóteles, um dos mais importantes filósofos
Platão ( 428 – 348 a. C.)
gregos da Antiguidade. Ele falou sobre o homem,
A filosofia de Platão desenvolve-se a a alma, classificou animais e plantas, criou o
partir dos ensinamentos de seu mestre Sócrates, método, falou de política, leis, comportamentos.
por meio dos diálogos socráticos. Ainda nesse
Aristóteles nasceu em 384 a.C., em
período, Platão, principal discípulo de Sócrates
Estagira, na Macedônia. Era filho de Nicômaco,
por 10 anos, escreveu sobre os ensinamentos
médico do rei da Macedônia. Ainda muito jovem
dele mesmo e de Sócrates.
foi para Atenas, onde foi para a Academia de
Platão nasceu em Atenas e era de família Platão, tornando-se seu discípulo. Estudou
nobre. Foi um dos maiores pensadores da quase 20 anos na Academia, tornou-se
história da filosofia. Após longas viagens, fundou professor, e, mais tarde, foi professor de
sua própria escola - a Academia, nos jardins Alexandre da Macedônia. Com a morte de Platão
construídos por Acadamus. Era uma espécie de deixou a Academia e sai de Atenas.
universidade de ensino do mundo ocidental.
Mais tarde ele volta para Atenas e funda
Desenvolve sua concepção filosófica que tem
sua própria escola, o Liceu. O pensamento
como núcleo a teoria das ideias ou formas. Para
aristotélico desenvolveu-se a partir de uma crítica
Platão, existia um mundo sensível – da
15
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

tanto aos pré-socráticos quanto a Platão. Sua satisfaz a alguns pensadores gregos. A verdade
principal obra filosófica Metafísica busca elaborar do mundo e dos homens passa a não ser algo
uma concepção filosófica original. Aristóteles secreto e misterioso, torna-se algo que podia ser
redefine a filosofia e apresenta a construção de conhecido por todos através do pensamento, da
um grande sistema de saber, muito influente no sabedoria, do uso metódico da razão. O
desenvolvimento da ciência antiga. Aristóteles momento histórico da Grécia Antiga em que
critica o dualismo representado na teoria das surge a Filosofia está vinculado à organização da
ideias de Platão e vai apresentar sua concepção polis – cidade-estado. A cidade foi criação dos
de real, evitando o dualismo dos dois mundos – homens e não dos deuses e podia se organizada,
sensível e inteligível, e desenvolve uma dirigida e pelos homens, pela razão. Os filósofos
concepção de realidade substancial. queriam uma explicação para o mundo, uma
ordem para o caos.
Aristóteles rompe com os ensinamentos
de seu mestre Platão e desenvolve uma 4 FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS
concepção sistemática de saber. Desenvolve seu
Os filósofos pré-socráticos fazem parte
próprio sistema e propõe uma concepção de real
do primeiro período da filosofia grega. Eles
que parte da substancia individual, composta de
desenvolveram suas teorias do século VII ao V
matéria e forma. Ele valoriza o saber empírico e
a.C. Recebem esse nome, posto que são os
a ciência geral (do ser) e a ciência natural (da
filósofos que antecederam Sócrates. Os filósofos
realidade natural). Valorizou as questões
pré-socráticos buscavam nos elementos
metodológicas e desenvolveu a lógica.
natureza as respostas sobre a origem do ser e do
Aristóteles desenvolveu a lógica para servir de
mundo. Focando principalmente nos aspectos da
ferramenta do raciocínio.
natureza, eram chamados de “filósofos da
A filosofia de Aristóteles é sistemática – physis”.
coerente e precisa integrada, é uma visão
SÓCRATES
integrada de saber, com diversas áreas
especificas. Ele dedicou anos de seus estudos Sócrates (470 a.C-399 a.C.) foi um
para classificar seres da natureza, ao mesmo importante filósofo grego do segundo período da
tempo que se dedicava ao estudo do espírito filosofia. Nasceu em Atenas sendo considerado
humano, do universo interior e exterior do ser um dos fundadores da filosofia ocidental. A
humano, incluindo política, sociedade, etc. filosofia de Sócrates, baseada no diálogo, era
chamada de filosofia socrática. Era marcada pela
Ele desenvolveu o conceito essencial
expressão “conhece-te a ti mesmo”, em virtude
que diferencia o homem de todos os seres no
da busca da verdade através do
mundo: a capacidade de buscar sempre fazer
autoconhecimento. Ademais, da filosofia do
melhor, ser feliz – a ética. Sua obra foi
“diálogo” de Sócrates, destaca-se a
fundamental para a difusão e desenvolvimento
“maiêutica”, que significa literalmente “trazer a
da Filosofia e Ciência, por meio da questão
luz”. Esta faz relação com a iluminação da
metodológica do saber científico, abrangendo a
verdade que, para ele, está contida no próprio
valorização da ciência empírica, a ética, a política
ser. Sócrates nasceu em Atenas, que em
e a estética.
meados do século V a.C tornou-se a metrópole
A HERANÇA DA FILOSOFIA GREGA PARA O da cultura grega. Da sua infância nada se sabe.
OCIDENTE Homem feito, chamava atenção não só pela sua
A Filosofia grega possui características, inteligência, mas também pela estranheza de sua
apresenta formas de pensar e estabelece figura e seus hábitos. Corpulento, olhos saltados,
concepções diferentes das de outros povos e vestes rotas, pés descalços, costumava ficar
culturas. Os gregos instituíram bases e princípios horas mergulhado em seus pensamentos.
fundamentais do que chamamos razão, Quando não estava meditando solitário,
racionalidade, ciência, ética, política, técnica, conversava com seus discípulos, procurando
arte. Essas bases e princípios passaram a ajudá-los na busca da verdade.
influenciar decisivamente o pensamento e as Nessa época teve início a segunda fase
instituições de todo ocidente até os dias atuais. da filosofia grega, conhecida como socrática ou
A Filosofia surge quando a explicação da antropológica, onde Sócrates foi o principal
realidade universal dada pelos mitos já não filósofo desse período. Nessa fase os filósofos
passaram a se preocupar com os problemas
16
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

relacionados ao indivíduo e a organização da Sócrates: o filósofo Platão, seu discípulo, em


humanidade. Passaram a perguntar: O que é cujos Diálogos o mestre figura sempre como
verdade? O que é o bem? O que é a Justiça? personagem central. A segunda fonte é o
Uma vez que na primeira fase da filosofia grega historiador Xenofonte, amigo e frequentador
a preocupação era com a origem do mundo, fase assíduo das reuniões que Sócrates participava.
que ficou conhecida como pré-socrática. O dramaturgo Aristófanes cita Sócrates como
A VERDADE PARA SÓCRATES personagem em algumas de suas comédias, mas
sempre o ridiculariza. A última fonte é Aristóteles,
Para Sócrates existiam verdades discípulo de Platão, e que nasceu 15 anos após
universais, válidas para toda a humanidade em a morte de Sócrates. Essas fontes nem sempre
qualquer espaço e tempo. Para encontrá-las era são coerentes entre si.
necessário refletir sobre elas, descobrir suas
razões. O princípio da filosofia de Sócrates 4.1 Filosofia Grega
estava na frase "Conhece-te a ti mesmo". Antes Para melhor entender a filosofia grega,
de lançar-se em busca de qualquer verdade, o vale lembrar como ela está dividida:
homem precisa auto analisar-se e reconhecer • Período Pré-Socrático: fase naturalista
sua própria ignorância. Sócrates inicia uma • Período Socrático: fase antropológica-
discussão e conduz seu interlocutor a tal metafísica
reconhecimento, através do diálogo: é a primeira • Período Helenístico: fase ética e cética
fase de seu método, chamada de ironia ou
CORRENTES OU ESCOLAS PRÉ-
refutação.
SOCRÁTICAS
Na segunda fase, a "maiêutica" (técnica
Segundo o foco e o local de desenvolvimento da
de trazer à luz), Sócrates solicita vários exemplos
filosofia, o período pré-socrático está dividido
particulares do que está sendo discutido. Por
em Escolas ou Correntes de pensamento, a
exemplo, se está procurando definir a coragem,
saber:
pede descrições de atos considerados corajosos.
• Escola Jônica: desenvolvida na colônia
Em seguida, analisa esses casos com a
grega Jônia, na Ásia Menor (atual Turquia),
finalidade de descobrir o que é comum a todos
seus principais representantes são: Tales de
eles. Esse algo comum é a coragem, a essência
Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro
dos atos heroicos, e existirá em qualquer ato
de Mileto e Heráclito de Éfeso.
corajoso, independente das circunstâncias que o
• Escola Pitagórica: também chamada de
cercarem.
"Escola Itálica", foi desenvolvida no sul da
A "técnica de trazer à luz" pressupõe uma Itália, e recebe esse nome posto que seu
crença de Sócrates, segundo a qual a verdade principal representante foi Pitágoras de
está no próprio homem, mas ele não pode atingi- Samos.
la porque não só está envolto em falsas ideias, • Escola Eleática: desenvolvida no sul da
em preconceitos, como está desprovido de Itália, sendo seus principais representantes:
métodos adequados. Derrubado esses Xenófanes de Colofão, Parmênides de Eléia e
obstáculos, chega-se ao conhecimento Zenão de Eléia.
verdadeiro, que Sócrates identifica como virtude, • Escola Atomista: também chamada de
contraposta ao vício, o qual se deve unicamente “Atomismo”, foi desenvolvida na região da
à ignorância. Daí sua frase famosa: "Ninguém Trácia, sendo seus principais representantes:
faz o mal voluntariamente". Demócrito de Abdera e Leucipo de Abdera.
Por causa do incentivo ao raciocínio, PRINCIPAIS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS
Sócrates foi perseguido pelas autoridades de
Segue abaixo os principais filósofos do
Atenas. Acusado de renegar os Deuses e
período pré-socrático:
corromper os jovens, foi julgado e condenado a
suicidar-se ingerindo cicuta. Tales de Mileto (624 a.C.-548 a.C.): nascido na
cidade de Mileto, região da Jônia, Tales
FONTES PARA O ESTUDO DE SÓCRATES
acreditava que a água era o principal elemento,
Sócrates não deixou obra escrita, achava ou seja, era a essência de todas as coisas.
mais eficiente o intercâmbio de ideias, mediante
Anaximandro de Mileto (610 a.C.-547 a.C.):
perguntas e respostas entre duas pessoas. São
discípulo de Tales nascido em Mileto, para
quatro as fontes básicas para o conhecimento de

17
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

Anaximandro o princípio de tudo estava no sobre os mais diversos temas da filosofia. A


elemento denominado “ápeiron”, uma espécie de Academia de Platão durou cerca de 9 séculos e
matéria infinita. foi encerrado em 529 d.C., pelo imperador
Anaxímenes de Mileto (588 a.C.-524 a.C.): bizantino Justiniano I.
discípulo de Anaximandro nascido em Mileto, PERÍODOS DO PLATONISMO
para Anaxímenes o princípio de todas as coisas
O Platonismo reúne as diversas
estava no elemento ar. abordagens da teoria de Platão: metafísica,
Heráclito de Éfeso (540 a.C.-476 a.C.): retórica, ética, estética, lógica, política, dialética e
considerado o “Pai da Dialética”, Heráclito da dualidade (corpo e alma), sendo classifica em
nasceu em Éfeso e explorou a ideia do devir três períodos, a saber:
(fluidez das coisas). Para ele, o princípio de todas • Platonismo Antigo (século IV a.C. até a
as coisas estava contido no elemento fogo. primeira metade do século I a.C.)
Pitágoras de Samos (570 a.C.-497 a.C.): • Médio Platonismo (séculos I e II d.C.)
• Neoplatonismo (séculos III d.C. e VI d.c)
filósofo e matemático nascido na cidade de
Samos, para ele os números foram seus TEORIA DAS IDEIAS
principais elementos de estudo e reflexão, do Sem dúvida, a Teoria das Ideias ou
qual se destaca o “Teorema de Pitágoras”. Teoria das Formas é a proposição desenvolvida
Xenófanes de Cólofon: (570 a.C.-475 a.C.): por Platão que mais se destaca, posto que dela
nascido em Cólofon, Xenófanes foi um dos surgem vários outros pensamentos relacionados
fundadores da Escola Eleática, se opondo contra com sua filosofia. Para Platão, existem dois
o misticismo na filosofia e o antropomorfismo. mundos, ou seja, a realidade estava dividida em
Parmênides de Eléia (530 a.C.-460 a.C.): duas partes: O mundo sensível (mundo material),
discípulo de Xenófanes, Parmênides nasceu em mediados pelas formas autônomas que
Eléia. Focou nos conceitos de “aletheia” e “doxa”, encontramos na natureza, percebido pelos cinco
donde o primeiro significa a luz da verdade e o sentidos; e o mundo das ideias (realidade
segundo, é relativo à opinião. inteligível) denominado de “mundo ideal”, ou
seja, aproxima-se da ideia de perfeição de algo.
Zenão de Eléia (490 a.C.-430 a.C.): discípulo de Assim, segundo ele a verdade suprema e
Parmênides, Zenão nasceu em Eléia. Foi grande absoluta além da felicidade, somente é possível
defensor das ideias de seu mestre filosofando, encontrar a partir do mundo das ideias, donde
sobretudo, acerca dos conceitos de “Dialética” e localiza-se a essência das coisas.
“Paradoxo”.
De tal maneira, o que percebemos no
Demócrito de Abdera (460 a.C.- 370 a.C.): mundo sensível ou material é enganoso, ilusório
nascido na cidade de Abdera, Demócrito foi e instável, enquanto no mundo das ideais atinge-
discípulo de Leucipo. Para ele, o átomo era o se a felicidade pelo encontro do conhecimento
princípio de todas as coisas, desenvolvendo supremo da realidade, o que correspondente a
assim, a “Teoria Atômica”. ideia de bem.
5 PLATONISMO, A FILOSOFIA DE Em resumo, através do conhecimento é
PLATÃO possível transcender do mundo material ao
ACADEMIA DE PLATÃO mundo das ideais e contemplar as ideias
perfeitas, alcançando assim, a felicidade. Leia
A “Academia de Platão” foi fundada em Mito da Caverna.
Atenas pelo filósofo por volta de 385 a.C.,
TEORIA DAS ALMAS
primeiramente designada para cultuar as Musas
Gregas e o Deus Apolo. Embora ele tenha Na filosofia de Platão encontramos a
fundado com características de culto aos deuses, dualidade entre a alma e o corpo. Segundo ele, o
o local foi considerado a primeira universidade da ser humano era imortal e essencialmente alma,
história do ocidente. De tal modo, na Academia donde ela pertencia ao mundo inteligível
Platônica, os filósofos se reuniam para discutir o (apreendido pelo intelecto) e não o mundo
desenvolvimento da filosofia e do pensamento de sensível (apreendido sobre os sentidos). De
Platão, um dos pilares mais importantes da acordo com o filósofo, a alma estava dividida em
filosofia ocidental. Ocorriam, assim, debates

18
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

três partes e, ao harmonizar essas três partes era Górgias, Filebo, Fédon, República, Protágoras,
possível encontrar a felicidade, o bem: dentre outros.
• Alma Concupiscente: localizada no ventre, a
5.1 Dialética de Platão
alma concupiscente estava relacionada com
os desejos carnais. Platão define a dialética como a arte de
• Alma Irascível: localizada no peito, a alma pensar, questionar e hierarquizar ideias. O termo
irascível estava relacionada às paixões. dialética é utilizado por Platão na referência a
• Alma Racional: localizada na cabeça, a alma qualquer método que possa ser recomendado
racional estava relacionada ao conhecimento. como veículo da filosofia.
Assim, com a elevação da alma ao Para Platão, a dialética é um instrumento
mundo das ideias, através da contemplação das que permite o alcance a verdade. É preciso
ideias perfeitas, seria possível alcançar a ideia ressaltar que sua obra está ligada à preocupação
suprema do bem. com a ciência (considerada o conhecimento
verdadeiro), a moral e a política.
PLATÃO E A POLÍTICA
O trabalho de Platão envolve a função
Na política Platão contribuiu com sua
pedagógica e política quando o assunto é o
maneira humanista de refletir sobre o homem e
conhecimento, considerado a materialização do
uma sociedade justa. Para ele, a Política era
real. A materialização da pedagogia ocorre pelo
considerada uma das mais nobres atividades,
método usado para superar o senso comum.
posto que estava relacionada com a pólis, ou
seja, as cidades gregas e a organização da vida MÉTODO DIALÉTICO DE PLATÃO
dos cidadãos. Em sua obra “A República”, reflete • Opinião x verdade
sobre a construção do bem para todos os • Desejo x razão
cidadãos, a função social de cada um, tal qual • Interesse particular x interesse universal
como as atividades básicas realizadas na pólis. • Senso comum x filosofia
Sendo assim, Platão caracterizou as É o senso comum o ponto de partida da
atividades essenciais da pólis em três instâncias, dialética platônica, não para ser reafirmado, mas
as quais levavam em conta a aptidão de cada um: refutado e que deve ser superado. Platão propõe
• Administração da pólis que o senso comum e a opinião sejam
• Defesa da cidade questionados para a descoberta da verdade a
• Produção de materiais e alimentos partir do indivíduo sem a interferência externa.
Observe abaixo um trecho da Obra “A A hierarquia do método da dialética
República”: platônica tem como objetivo demonstrar a
fragilidade, a falta de fundamentação e os
“Ao fundarmos a cidade, não tínhamos
preconceitos que formam o senso comum. É,
em vista tornar uma única classe
ainda, objetivo, que o indivíduo tenha a
eminentemente feliz, mas, tanto quanto
consciência do funcionamento do método. A
possível, toda a cidade. De fato,
dialética admite as contradições somente como
pensávamos que só numa cidade assim
meio para superá-las, exige atitude crítica,
encontraríamos a justiça e na cidade pior
necessidade de reflexão, questionamento da
constituída, a injustiça. (...). Agora
opinião, da origem e de suas fundamentações.
julgamos modelar a cidade feliz, não
pondo à parte um pequeno número dos CONCEITO DE DIALÉTICA
seus habitantes para torna-los felizes, O termo dialética, do grego dialektké, é o
mas considerando-o como um todo. ” método de discussão de ideias opostas com o
OS DIÁLOGOS DE PLATÃO objetivo de encontrar a verdade. É uma forma de
argumentação lógica, exigindo o debate para a
A maior parte da obra de Platão foi
avaliação sistemática das relações entre
desenvolvida através dos Diálogos, textos em
conceitos específicos gerais.
que ele desenvolve suas ideias, filosofando sobre
a natureza e existência humana, bem como da DIALÉTICA SOCRÁTICA
sociedade que o envolve. Dos diálogos A dialética de Sócrates ocorre em dois
destacam-se: Apologia a Sócrates, O Banquete, momentos, a ironia e a maiêutica. É dessa forma
tem a possibilidade de se conhecer e se

19
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

reconhecer em suas limitações. A ironia e os elementos que constituem uma proposição


aproveita as contradições do discurso do são objetos da lógica.
indivíduo e suas consequências até que o
O silogismo é comparado ao ponto
mesmo chegue à convicção do próprio erro. A
central da lógica aristotélica. Representa a teoria
maiêutica representa o nascimento de um novo que permite a demonstração das provas a que
conhecimento. estão atreladas o pensamento científico e
LÓGICA ARISTOTÉLICA filosófico.
A lógica aristotélica é um instrumento à É marcado por três características
disposição do exercício do pensamento e da principais: é mediato, é demonstrativo (dedutivo
linguagem. É uma ciência da linguagem. ou indutivo), é necessário. Três preposições o
constituem: premissa maior, a premissa menor e
6 LÓGICA ARISTOTÉLICA
a conclusão.
A lógica aristotélica é uma ferramenta em
Exemplo:
favor do exercício do pensamento e da
linguagem. Diferente da dialética platônica, que é O mais aplicado, repetido e difundido
o exercício direto do pensamento e da exemplo do silogismo é:
linguagem, a lógica aristotélica dispõe do aparato Todos os homens são mortais.
para que o conhecimento do discurso seja
realizado. Em resumo, é um instrumento para o Sócrates é homem, Logo,
conhecimento porque se constitui de ciência da Sócrates é mortal.
linguagem.
PROPOSIÇÃO
Oferece elementos que devem ser
A proposição é integrada por elementos
aplicados nos raciocínios direcionados a todas as
que são seus termos. Esses termos são definidos
coisas pelas quais é possível ter o conhecimento
também como categorias e, segundo Aristóteles,
universal e, portanto, necessário. A lógica
representam o que é utilizado para designar uma
aristotélica parte de princípios que regem o
coisa.
pensamento. E como instrumento e não teoria,
nem elemento prático ou produtivo, a lógica está Há dez categorias ou termos:
à serviço da ciência. Obedecendo a esse • Substância
preceito, as obras que versam sobre a lógica • Quantidade
aristotélica recebem o nome de Óragon • Qualidade
(instrumento). • Relação
• Lugar
CARACTERÍSTICAS DA LÓGICA
• Tempo
ARISTOTÉLICA:
• Posição
• Instrumental
• Posse
• Formal
• Ação
• Propenêutica ou preliminar
• Paixão
• Normativa
• Doutrina da prova O que algo ou coisa é e faz é indicado
• Geral e atemporal pelas categorias. Elas refletem o que a
percepção capta de maneira imediata e
Aristóteles define que o fundamento da
diretamente. As categorias ou termos têm duas
lógica é a proposição. Essa usa a linguagem para
propriedades lógicas, que são a extensão e a
expressar os juízos que são formulados pelo
compreensão. A extensão é constituída pelo
pensamento. Proposição atribui um predicado
conjunto de coisas designados por um termo ou
(denominado P) a um sujeito (denominado S).
uma categoria. Já a compreensão representa o
SILOGISMO conjunto de propriedades que foi designado por
Os juízos encadeados por esse esse termo ou essa categoria designa.
segmento são expressados de maneira lógica Pela lógica aristotélica, a extensão de um
por conexões de preposições, o que é conjunto é inversamente proporcional à sua
denominado silogismo. Os princípios que devem compreensão. Por isso, quanto maior for a
ser seguidos para que o silogismo seja extensão de um conjunto, menor será a
verdadeiro, os tipos de proposições de silogismo compreensão dele. E, ao contrário, quanto maior

20
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

for a compreensão de um conjunto, menor será a matemática era uma ciência da verdade absoluta
extensão. Esse comportamento favorece a sem qualquer interferência humana. Todo o
classificação das categorias em gênero, espécie modelo matemático conhecido, constituído por
e indivíduo. operações, o conjunto de regas, princípios,
Quando avaliamos a proposição, a símbolos, figuras geométricas, a álgebra e a
categoria da substância é o sujeito (S). As demais aritmética existiam por si, permanecendo
categorias são os predicados (P) que foram independente da presença ou da ação do
atribuídos ao sujeito. Podemos compreender a homem. Os filósofos consideravam a matemática
predicação ou atribuição pela designação do uma ciência divina.
verbo ser, que é um verbo de ligação. Exemplo: A transformação do pensamento no
século XVIII remodelou o conceito da
O cão é bravo matemática, que passou a ser considerada como
resultado do intelecto humano.
PREPOSIÇÃO George Boole (1815-1864), matemático
Preposição é o enunciado por meio do inglês, é considerado um dos fundadores da
discurso declarativo de tudo o que foi pensado, lógica matemática. Ele acreditava que a lógica
organizado, relacionado e reunido pelo juízo. deveria estar associada à matemática e não à
Representa, reúne ou separa pela demonstração metafísica, como era usual nesta época.
verbal o que foi separado pelo juízo TEORIA DOS CONJUNTOS
mentalmente. A reunião de termos é feita pela
Somente ao fim do século XIX, o
afirmação: S é P (verdade). A separação ocorre
matemático italiano Giussepe Peano (1858 –
pela negação: S não é P (falsidade).
1958) divulgou seus trabalhos sobre a teoria dos
Sob o prisma do sujeito (S), existem dois conjuntos, abrindo um novo ramo na lógica: a
tipos de preposições: preposição existencial e lógica matemática. Peano promoveu um estudo
preposição predicativa. As preposições são demonstrando que os números cardinais finitos
declaradas conforme a qualidade e a quantidade podiam derivar de cinco axiomas ou proporções
e obedecem à divisão por afirmativas e primitivas traduzidas em três termos não
negativas. Sob o prisma da quantidade, as definíveis: zero, número e sucessor de.
preposições se dividem em universais,
A lógica matemática foi aperfeiçoada
particulares e singulares. Já sob o prisma da
pelos estudos do filósofo e matemático
modalidade, se dividem em necessárias, não-
Friedrich Ludwing Gottlob Frege (1848 -
necessárias ou impossíveis e possíveis.
1925) e pelos ingleses Bertrand Russel (1872
LÓGICA MATEMÁTICA - 1970) e Alfred Whiterhard (1861 - 1947).
No século XVIII, o filósofo e matemático A aplicação da lógica ultrapassa o
alemão Leibniz criou o cálculo infinitesimal, que silogismo e as falácias, adentrando a construção
constituía o passo para a encontrar uma lógica e depuração conceitual e, consequentemente, a
que, inspirada na linguagem matemática, diferenciação entre argumentações. É
chegasse à perfeição. A matemática é interessante notar que três conceitos vinculados
considerada uma ciência de linguagem simbólica decorrem da lógica aristotélica: dedução, indução
perfeita porque manifestando-se por meio de e hipótese.
cálculos puros e organizados é retratada por
algoritmos de único sentido. Concepções importantes para a lógica,
mas também para a filosofia em sentido amplo e
Já a lógica descreve as formas é capaz para a ciência. Sem os quais a moderna ciência,
de descrever as relações das proposições tal como entendida hoje, nem sequer existiria. A
lançando mão de um simbolismo regulado criado dedução constitui um método forma de
especificamente para esse fim. Em suma, é verificação da verdade e validade das
servida por uma linguagem construída para ela, conclusões, partindo de premissas verdadeiras
com base do modelo matemático. para chegar, pretensamente, a conclusões,
A matemática passou a constituir um igualmente, verdadeiras.
ramo da lógica a partir da mudança de A dedução parte de premissas
pensamento no século XVIII. Até então, o universalmente aceitas, consideradas como
pensamento grego prevalecia de que a
21
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

comprovadas, para analisar casos particulares, monumentos da literatura da época que


estabelecendo, por inferência, uma relação entre chegaram aos nossos dias. A escravidão é a
os argumentos, tentando evitar os mesmos erros forma mais desumana de exploração. O escravo
do silogismo. Enumera as premissas para é propriedade integral do escravista, uma
construir cadeias de pensamento que permitam "ferramenta animada", semelhante ao animal
conclusões, em concordância com a realidade doméstico.
observável ou perceptível. Ao contrário da "Sob a escravidão, diz Stalin, "a lei"
dedução, a indução parte do particular para autorizava os escravistas a matarem os
chegar ao universal ou a uma generalização, escravos."
valendo- se da probabilidade.
Os escravos não tinham acesso à
O método típico das ciências naturais, atividade social, política e cultural. Não tinham
onde as conclusões são induzidas pela direito algum. Todavia, esse regime da mais cruel
probabilidade, muitas vezes se mostrando agressão e exploração foi a base econômica do
validas, embora nem sempre verdadeiras. No progresso da Grécia e Roma antigas. A classe
entanto, permite criar modelos interpretativos que dos escravistas da Grécia e Roma antigas,
ajudam a sistematizar o conhecimento. Já a
desembaraçando-se de extenuante trabalho
hipótese está vinculada tanto com a dedução físico que descarregou sobre os ombros dos
como com a indução, constitui a suposição de escravos, pôde dedicar-se à criação das obras de
uma verdade, sugerida geralmente pela filosofia, de ciência e de arte que até hoje nos
probabilidade fornecida pela indução. Porém, a despertam o entusiasmo.
hipótese é analisada, embora também possa ser
criada, pela dedução para comprovar sua A princípio, o modo de produção
validade, confirmando ou não sua verdade. escravista favoreceu o desenvolvimento das
forças produtivas, da técnica e da ciência.
7 CONDIÇÕES HISTÓRICAS DO
NASCIMENTO DA ANTIGA FILOSOFIA "A escravidão criou a possibilidade de
uma divisão do trabalho mais amplo
NA GRÉCIA E ROMA ANTIGAS E A
entre a agricultura e a indústria, graças à
CARACTERÍSTICA GERAL DESSA qual foi possível o florescimento do
FILOSO- FIA mundo grego antigo.
A Grécia é o berço da filosofia, o primeiro "Sem a escravidão não teria havido o
país em que nasceram e atingiram um alto grau Estado grego, nem a arte e ciência
de desenvolvimento suas tendências principais. gregas; sem a escravidão, tampouco
A filosofia grega antiga, que serve de base a toda teria existido Roma", disse Engels".
filosofia europeia posterior, nasceu no século VI
A.C., durante o período em que se formou na O aparecimento da escravidão e o
Grécia a sociedade escravista de classes. incremento do comércio, na Grécia e Roma
antigas, contribuíram para a divisão do trabalho
A decomposição do regime da comuna entre a cidade e o campo, fato que por sua vez
primitiva e a passagem da sociedade dessas conduziu à formação das cidades-Estados
comunas sem classe à primeira sociedade (polis). A polis grega era a organização política e
classista — à sociedade escravista — não se econômica dos escravistas, destinada a prender
efetuou pacificamente, mas através de uma e explorar os escravos e mantê-los subordinados
aguda luta de classes. O poeta Teógnis de à classe dos escravistas. Essas cidades eram
Megara (século VI A.C.) recomenda à classe também centros comerciais. A formação e
recém-nascida dos escravistas: crescimento das cidades gregas foi o fator que
favoreceu o desenvolvimento da cultura grega.
Nessas cidades nascem a indústria, os
germes da ciência, da arte, da filosofia. Os
comerciantes da Grécia antiga viajavam por uma
série de países vizinhos (Egito, Pérsia, Síria),
A população do país, anteriormente livre, chegavam até à índia, estenderam sua atividade
opunha-se, por todas as formas, à sua comercial a quase toda a bacia do Mediterrâneo.
escravização. A resistência do povo grego à sua
sujeição está claramente expressa nos
22
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

A vida política da Grécia escravista se posteriores de concepção filosófica. Existia


caracterizava por uma luta de classes cada vez também na Grécia um idealismo muito
mais encarniçada e complexa entre os escravos desenvolvido. No entanto, o materialismo teve
e seus senhores, entre os "livre-nascidos" uma extensão e um desenvolvimento
indigentes (camponeses artesãos) e os ricos. predominantes, particularmente durante o
Existia também uma luta dentro da própria classe período do nascimento e florescimento da
escravista, entre a elite aristocrática e os sociedade escravista grega. Esse fato se explica
escravistas de origem não aristocrática. O pelas necessidades da economia, da navegação
crescimento do comércio e da indústria na Grécia comercial, etc., que obrigavam a classe dos
e em suas colônias contribuiu para aumentar o escravistas a estudar a natureza, encaminhar a
papel econômico dos grupos escravistas não ciência num sentido que contribuísse para o
aristocráticos recém-surgidos (mercadores, desenvolvimento das forças produtivas, isto é,
comerciantes, usurários). A velha aristocracia de por via materialista.
casta opunha-se, por todos os meios, ao "A concepção materialista do mundo —
desenvolvimento desses novos grupos da classe diz Engels — limita-se simplesmente a
dos escravistas, privando-os até de direitos interpretar a natureza tal como é, sem
políticos. Em resposta, os novos círculos nenhuma espécie de acréscimos
escravistas, à medida que crescia seu papel estranhos e, por isso. Essa concepção
econômico, manifestavam-se com mais decisão materialista era absolutamente logica e
contra os aristocratas. natural primitivamente entre os filósofos
Assim, nos séculos VI e V A.C., abre-se gregos."
uma nova época de choques agudos dentro da
O antigo materialismo grego, devido ao
própria classe dos escravistas. No processo
débil e incipiente desenvolvimento das ciências
desta luta, que transcorria com êxitos variáveis
naturais, tinha ainda um caráter primitivo,
para os dois bandos, adveio, em substituição aos espontâneo. As ciências naturais daquele tempo
Estados aristocráticos, o Estado democrático,
ainda não estavam separadas da filosofia; as
característico do período do florescimento da vezes se confundiam. É verdade também que, na
antiga Grécia. Durante este último regime
etapa posterior do seu desenvolvimento,
estabelece-se, de vez em quando, o Poder do
observa-se já na Grécia e Roma antigas certa
tirano (6). É preciso não pensar, porém, que o diferenciação nas ciências. Já se distinguem a
triunfo da democracia significasse liberdade para
matemática (Euclides), a mecânica
toda a população grega. A democracia grega era
(Arquimedes), a astronomia (Eratóstenes,
de caráter escravista. Os escravos não tinham Ptolomeu), a medicina (Hipócrates, Galeno); o
liberdade embora constituíssem nada menos da
engenheiro romano Vitrúvio estabelece os
metade da população da Grécia; também as primeiros fundamentos científicos da arte da
mulheres eram, de fato, escravas dos maridos. construção.
A encarniçada luta que se travou na Em geral, porém, na Grécia e Roma
própria classe dos escravistas, entre a parte
antigas, só existiam os germes dos
aristocrática e a democrática, repercutiu também conhecimentos científicos, ainda não
no terreno da filosofia grega. Na antiga Grécia, diferenciados da filosofia. Em sua maioria, os
como acentuou Lenin, lutavam duas linhas filósofos gregos eram, ao mesmo tempo,
filosóficas: a linha do materialista Demócrito e a
astrônomos, matemáticos, físicos, etc. A
do idealista Platão; a primeira era defendida experimentação científica não ocupava então
principalmente pelos grupos de escravistas
lugar importante. Devido ao débil
democráticos, progressistas para aquela época;
desenvolvimento da técnica e ao menosprezo
a segunda, pela aristocracia escravista. pelo trabalho físico, os filósofos naturalistas
A particularidade principal da antiga gregos assentavam suas conclusões sobre
filosofia grega é que ela foi preferentemente uma conjecturas que, não raro, tinham um caráter
filosofia materialista. A maioria esmagadora das ingênuo. Embora muitas dessas conjecturas
obras filosóficas da Grécia antiga dedica-se ao fossem geniais e posteriormente confirmadas
estudo da natureza. Também é verdade que, em pelas experiências científicas.
múltiplas e variadas formas da filosofia grega se
A segunda particularidade histórica da
acham em embrião quase todos os tipos filosofia da antiga Grécia consiste em seu caráter

23
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

dialético. Os antigos filósofos gregos, diz Engels transformações e concatenações, do que


no "Anti-Dühring", eram todos dialéticos inatos. àquilo que precisamente se move, se
Souberam descobrir a mutabilidade constante na transforma ou se concatena. Essa
natureza, o incessante nascimento e caducidade concepção do mundo, primitiva,
das coisas, tentaram explicar historicamente os simplista, porém no fundo exata, era
fenômenos da natureza. inerente à filosofia da antiga Grécia e, foi
pela primeira vez expressa por Heráclito:
Mas ao mesmo tempo, Engels destaca
tudo existe e ao mesmo tempo nada
que a dialética dos antigos filósofos gregos ainda
existe, posto que tudo flui, tudo muda
era espontânea, não científica. Não se baseava
incessantemente, tudo se acha num
nas ciências naturais e sociais. Os gregos
processo constante de nascimento e
conjecturavam sobre o desenvolvimento dialético
desaparecimento. Embora esta
do mundo, viam o movimento e a mutação
concepção abarque, de uma maneira
ininterrupta da natureza, mas não souberam
exata, o caráter geral do quadro dos
provar cientificamente essa observação. Os
fenômenos, ela não é suficiente,
antigos filósofos gregos compreenderam de uma
contudo, para explicar as
maneira justa o panorama dialético geral do
mundo, porém, devido ao pequeno particularidades que o integram;
enquanto não se conhecerem suas
desenvolvimento da ciência e da técnica, não
particularidades tampouco tornar-se-á
foram capazes de interpretar suas diversas
claro "o quadro geral."
particularidades, nem de demonstrar como,
baseados em que leis, efetuavam-se esse Na dialética antiga, "a conexão geral dos
movimento e essa evolução. Focalizavam a fenômenos no mundo não se comprova nos
natureza como um todo íntegro, pois não sabiam pormenores: para os gregos é o resultado da
ainda efetuar sua desintegração e análise. intuição imediata. E nisto consiste a insuficiência
Isso foi mais tarde realizado pela filosofia da filosofia grega, insuficiência que a fez
posteriormente ceder o lugar a outra classe de
durante os séculos XVII e XVIII de nossa era.
Nesta época, os sábios e filósofos aprofundaram concepções filosóficas do mundo. Mas nisto
simultaneamente radica-se a sua superioridade
mais o estudo das diferentes partes da natureza,
sobre todas as suas posteriores rivais
das diferentes coisas. Então, porém,
semelhantemente, cometeram um grande erro. metafísicas. Se a metafísica tem razão
relativamente aos gregos, nos pormenores, os
Deixaram de perceber a ligação que existe entre
gregos, de seu lado, têm razão relativamente à
as coisas da natureza, deixaram de perceber a
evolução e a mutação da natureza e metafísica em sua visão de conjunto."
converteram-se em metafísicos. 8 OS PRIMEIROS MATERIALISTAS
Também entre os antigos filósofos DA GRÉCIA ANTIGA E A GERMINAÇÃO
gregos havia metafísica. Mas em geral o DO IDEALISMO
materialismo grego tinha um caráter dialético 8.1 A Filosofia Naturalista de Mileto
espontâneo. Engels explica esse fato da seguinte
maneira: A escola filosófica mileteana (Tales,
Anaximandro, Anaxímenes), existiu no século VI
"Quando examinamos com o
A.C.A cidade de Mileto, no litoral jônico da Ásia
pensamento a natureza ou a história
Menor, foi naquela época um dos maiores
humana, ou nossa própria atividade
centros comerciais e industriais da Grécia e
espiritual, a primeira coisa que surge
servia de intermediária no comércio entre a
ante nós é o quadro de um complexo
Grécia, a Pérsia, o Egito e o litoral do mar Negro.
infinito de conjunções e ações mútuas,
Foi também em Mileto, cidade muito
no qual nada permanece imóvel e sem
desenvolvida e florescente, que nasceu a filosofia
modificar-se, mas tudo está movendo-se,
materialista grega.
transformando-se, nascendo e
desaparecendo. Vemos, pois, Tales foi o fundador da escola filosófica
primeiramente, um quadro geral cujas mileteana. Viveu nos fins do seculo VII e no
particularidades desaparecem em grau princípio do século VI A.C. Com razão ele é
maior ou menor; prestamos mais atenção considerado o pai da ciência e da filosofia gregas.
ao curso do movimento, às Tales, tendo em conta a época em que viveu, era

24
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

um homem instruído sob todos os aspectos. de transformação devido à luta dos contrastes
Sendo comerciante, foi simultaneamente, contidos no "apeyron". Anaximandro concebia a
político, filósofo, astrônomo, matemático, etc. Em natureza como um processo dialético
suas viagens comerciais, conheceu a cultura e a espontâneo. Reconhecia a existência de uma
ciência egípcias e babilônicas. Tales predisse um multidão infinita de mundos, que se formavam,
eclipse solar, fenômeno que explicou afirmando por via natural do "apeyron" eterno. Esses
que era resultante da interposição da lua entre o mundos, com o correr do tempo, morrem e em
sol e a terra. Ensinou que a luz da lua era apenas seu lugar nascem outros novos. Embora
a luz solar refletida. Calculou a duração do Anaximandro não negasse a existência dos
movimento anual do sol em 365 dias. Descobriu deuses, esses, na sua opinião, não tomavam
a constelação do Carro (Ursa Menor). Segundo parte na formação e destruição dos mundos.
contam, soube predizer cientificamente o tempo.
Anaximandro enunciava de forma
Cultivava também a geometria e particularmente simplista os germes da concepção evolucionista
o problema da igualdade dos ângulos e da natureza. Dizia que os animais se originavam
triângulos; sabia determinar a altura dos objetos da água e que o homem provinha do peixe. Foi
pela sombra. um grande inventor; confeccionava relógios
Tales considerava a água como o solares; foi o primeiro a traçar um mapa
princípio, o elemento primordial de tudo o que geográfico, etc.
existia. Da água, em sua opinião, formavam-se Anaxímenes (meados do século VI A.C.)
todos os objetos, que em água tornavam a foi discípulo de Anaximandro. Anaxímenes
converter-se. Sendo o princípio e o fundamento
regressa novamente da matéria abstrata de
material de todas as substâncias, a água não era
Anaximandro à forma concreta da matéria,
criada por ninguém e jamais perecia. Mas a água
considerando o ar como seu fundamento
muda constantemente de estado, transformando-
primário. Segundo ele, todas as coisas proveem
se em diversas substâncias diferentes. Ao negar do ar perpetuamente em movimento e em ar
a criação da natureza e do homem pelos deuses,
tornam a converter-se. O ar excitado converte-se
Tales abalou os alicerces da religião grega. em fogo; o ar condensado, em vento, nuvem,
Contudo, não pôde vencer por completo água, ferro, pedras. O ar se condensa, conforme
a religião. Dizia que o mundo era animado, que o a opinião de Anaxímenes, devido ao frio e se
ímã tinha alma, graças à qual atraia o ferro. dilata pela ação do calor. Anaxímenes, sem
Porém os deuses de Tales desempenham negar diretamente a existência dos deuses,
um papel muito insignificante, uma vez que ele representava-os como seres materiais,
considera a natureza eterna e não criada. A afirmando que também eles se originavam do ar.
consciência é inerente à própria natureza e não é
Anaxímenes considerava o céu como
trazida de fora. A natureza inorgânica, segundo
uma abóboda de cristal à qual as estrelas
Tales, possui também uma consciência.
estavam presas. Essa abóboda celeste, de forma
Anaximandro (por volta dos anos 610- cilíndrica, cobre a terra. Entre o céu e a terra
546 A.C.), discípulo de Tales, considerava como flutuam no ar o sol, a lua e os planetas, os quais
princípio primário de tudo o que existia o se diferenciam das estrelas porque estas não têm
"apeyron", uma matéria indefinida, sem forma. um movimento próprio, visto estarem coladas à
Esta matéria indefinida servia para separar os abóboda celeste, com a qual se movem.
contrastes, o calor e o frio, graças aos quais se Anaxímenes explicava o eclipse do sol e da lua
formaram as diferentes substâncias do mundo. de uma forma ingênua, dizendo que o sol e a lua
Da ação mútua do calor e do frio formou-se tinham um lado escuro e o outro luminoso, de
primitivamente a água. A decomposição da água forma que, quando voltavam o lado escuro para
deu lugar ao aparecimento do fogo, do ar e da a terra, produzia-se o eclipse.
terra. As diversas e múltiplas coisas que surgiram A filosofia dos mileteanos tem,
do "apeyron" tornam a converter-se nele mais
incontestavelmente, caráter materialista, uma
tarde, e em seu lugar surgem outras coisas. vez que considera fundamento do mundo um
Anaximandro considerava esse movimento princípio material eterno, que ninguém criou; ela
perpétuo da matéria um fenômeno necessário e
interpreta a natureza e suas leis pela observação
seu processo sujeito a certas leis. O mundo,
da própria natureza, combatendo as
segundo ele, achava-se num estado constante interpretações mitológicas do mundo. Para eles a

25
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

base do mundo é uma matéria concreta: a água, "Não se pode entrar duas vezes no
o ar. Os mileteanos eram dialéticos espontâneos, mesmo rio nem se pode surpreender
concebendo todo o mundo em movimento, em duas vezes a natureza inanimada num
conexão mútua, em transformação recíproca. mesmo estado, uma vez que novas e
novas águas fluem constantemente para
O defeito principal dos filósofos
o rio, isto é, que a natureza se acha em
mileteanos foi o de não terem sabido explicar a
causa do movimento das coisas, a causa das constante mutação".
transformações que se dão no mundo. Mais Ou então: "O sol não só é novo cada dia
próximo da verdade que os mileteanos, esteve como se renova eterna e ininterruptamente".
um dos maiores filósofos da Grécia jônica: Por mutabilidade universal das coisas,
Heráclito. Heráclito entendia sua constante transformação
HERÁCLITO em seu contrário. "O fogo vive graças à morte da
Heráclito, oriundo da cidade de Éfeso, na terra e o ar graças à morte do fogo; a água vive
graças à morte do ar e a terra graças à da água",
Ásia Menor, viveu nos fins do século VI e no
escreve Heráclito.
princípio do V A.C. Pertencia à família real que foi
despojada do Poder e desterrada de Éfeso. Foi o O enorme mérito histórico de Heráclito,
maior filósofo materialista e o representante mais na opinião de Lenin, consiste em que ele soube
notável da dialética grega. Exerceu grande descobrir a causa das transformações da
influência no desenvolvimento da filosofia, não natureza. Esta causa é, segundo o filósofo de
somente na Grécia, mas também na filosofia Éfeso, a contradição interna, a divisão de cada
posterior. Hegel, por exemplo, escrevia: "Não coisa em dois elementos opostos, e a luta que se
existe uma única conclusão de Heráclito que eu estabelece entre esses elementos.
não tenha adotado na minha "lógica".
"Tudo acontece em consequência da
Até nossos dias chegaram cerca de 130 luta", diz Heráclito.
fragmentos dos trabalhos filosóficos do pensador
A luta dos contrários é, segundo
de Éfeso, os quais foram tirados das obras de Heráclito, a causa não só da evolução da
diversos filósofos antigos que o citam, as quais
natureza, mas também da evolução social.
foram conservadas. Heráclito, semelhantemente
aos mileteanos, considerava o fogo como base "A guerra é o pai e o rei de tudo", afirma
primordial e fundamento de toda substância Heráclito, "a alguns fez deuses, a outros,
material concreta. "O mundo, diz, forma uma homens; uns fez escravos, outros, homens
unidade por si mesmo, e não foi criado por livres".
qualquer deus ou homem, mas foi, é e será Qualquer fenômeno, qualquer
eternamente um fogo vivo que se acende e se substância, segundo ele, contém princípios
apaga segundo certas leis". opostos que lutar entre si e que, ao mesmo
Essas palavras de Heráclito, assinala tempo, formam unidade. "O mesmo ser é vivo e
Lenin, são uma "excelente definição dos morto, está acordado e dormindo, é jovem e
princípios do materialismo dialético". Heráclito velho..."
considerava todos os fenômenos e coisas do Achando-se os contrários em estado de
mundo como um fogo de diversos aspectos. luta permanente, transformam-se um no outro:
"Tudo se converte em fogo e o fogo em tudo, da
"O frio se aquece, o calor esfria; a
mesma forma que o ouro se troca por
umidade seca; e o seco se umedece". Heráclito
mercadorias e as mercadorias por ouro".
negava a reconciliação desses contrastes
Também a atividade psíquica dos considerando que o mundo material existe e se
homens era considerada por ele como uma das desenvolve só devido à força dessa luta. Este
manifestações do fogo. Atribui-se a Heráclito a pensamento é por ele expresso claramente:
fórmula:
"É preciso saber que a guerra é universal
e justa; que tudo acontece em con-
"Tudo flui e tudo se transforma". sequência de luta e daí sua
necessidade".
Nos fragmentos que nos chegaram às
mãos, Heráclito desenvolve este pensamento:

26
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

Heráclito denominava "logos" à sujeição condenava claramente a adoração de divindades


do desenvolvimento do mundo, às leis e a existentes entre os gregos.
necessidade. Precisamente no sentido da lei que
"Em vão procuram, tintos de sangue,
rege o desenvolvimento universal, fala do "logos
limpar-se por meio de sacrifícios, como se
que tudo governa" e diz que "tudo se realiza alguém pudesse enxugar-se atirando-se ao
condicionado pelo logos", ou seja de acordo com barro. A pessoa que procede assim devia ser tida
a lei. Heráclito, pois, considerava a evolução da por louca. Ficam orando essas estátuas, como se
natureza resultante das contradições internas quisessem conversar com casas; não sabem
que nela se encontram, como uma evolução distinguir os deuses e os heróis".
necessária, sujeita à uma lei inerente à própria
matéria e não imposta do exterior por um deus. O materialismo e a dialética de Heráclito,
Para ele os próprios homens estão sujeitos à como os dos mileteanos, apesar da sua
essa necessidade, à essa lei. profundeza, tinha um caráter espontâneo,
simplista; não passava de conjecturas sem
"Quando nascem, desejam (os homens confirmação científica. Nas condições do seu
— RED.) viver e, com isso, morrer, então
tempo não teriam podido chegar ao materialismo
se consolam, deixando filhos nascidos
dialético. Os representantes da escola pitagórica
para morrer".
e da eleática foram adversários decididos da
Não só as diferentes substâncias, mas dialética de Heráclito.
também o universo, transforma-se
8.2 A Escola Pitagórica
constantemente, declarou Heráclito. Assim,
Heráclito aproximou-se do princípio dialético da A filosofia de Pitágoras empreendeu os
geração e da morte. Heráclito afirma que a primeiros passos do materialismo para o
finalidade do saber consiste no estudo da própria idealismo. Pitágoras, fundador dessa escola,
natureza: viveu no século VI A.C. Parece que ele não
escrevia pessoalmente suas obras filosóficas,
"Pensar é dignificante, e a sabedoria
limitava-se à prédica verbal das próprias
consiste em dizer a verdade e, ouvindo a
concepções. A doutrina autêntica de Pitágoras
natureza, proceder de acordo com ela".
está conturbada por uma série de lendas
Heráclito concede um grande papel aos inventadas posteriormente por seus discípulos,
órgãos sensoriais na função do pensamento: que o consideravam um "homem-deus", capaz
"Prefiro o que se pode ver, ouvir e estudar". de realizar milagres.
Mas exige, ao mesmo tempo, que o Pitágoras nasceu e viveu durante muito
pensamento não se detenha no testemunho dos tempo na ilha de Samos. Quando, em
sentidos, porém que o reelabore e comprove. Em consequência dum movimento revolucionário, foi
suas opiniões sociais, em compensação, ali derrubado o poder da aristocracia, e
Heráclito foi idealista e reacionário. Segundo ele, implantado o regime democrático, Pitágoras viu-
toda manifestação revolucionária do povo deve se obrigado a fugir e fixou residência na cidade
ser esmagada sem piedade. Sendo partidário da de Crotona (sul da Itália). Nessa cidade fundou
aristocracia escravista, mantinha uma atitude de uma original organização política e filosófica da
desprezo em relação ao povo, à "multidão". Foi aristocracia: a União Pitagórica. Numa série de
adversário furioso da democracia escravista outras regiões da Grécia formaram-se depois
triunfante na sua cidade natal, Éfeso. Assim, secções dessa União. Sua finalidade era a luta
pois, as concepções político-sociais reacionárias pelo Poder, contra a democracia. Mas também
de Heráclito, entraram em contradição com sua em Crotona rebentou uma revolução contra o
dialética revolucionária. partido aristocrático Pitagórico, e seu fundador
Heráclito, ao mesmo tempo que se viu-se, portanto, obrigado a fugir dali, morrendo
manifestava contra a teoria da criação da no desterro.
natureza pelos deuses e proclamava a Pitágoras, baseando-se no fato das
independência da natureza em relação aos substâncias poderem ser matematicamente
deuses, não se tinha emancipado calculadas e medidas, estabeleceu como
completamente da religião, pois referia-se a fundamento de tudo o que existe, não um
deuses e demônios. Ao mesmo tempo, porém, princípio sensorial, material, como tinham feito os
filósofos mileteanos e Heráclito, mas o número, a

27
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

abstração quantitativa, sem qualquer fundo pitagóricos, uma desordem, uma violação do
material. equilíbrio, e, portanto, não deve existir.
Conhecer as coisas e o mundo supõe, Também é verdade que, na doutrina dos
conforme pensavam os pitagóricos, conhecer os pitagóricos, há elementos de dialética. Eles
números, cujas leis regem o mundo. afirmavam que a base de todos os números era
a unidade, por ela conter propriedades
Os pitagóricos punham o número como
fundamento do mundo, porque todos os corpos antagônicas dos números pares e impares. Ao
ajuntar uma unidade ao número par obtém-se um
estão delimitados por superfícies, as superfícies
número ímpar (2 mais 1 são 3), e juntando a
por linhas, as linhas por pontos. Partindo dessa
base, reduziram a essência das substâncias a unidade ao número ímpar obtém-se o número par
número de pontos, número ao qual consideravam (3 mais 1 são 4). Reconheciam a existência do
como o princípio das coisas. Ao tomar o número contraste: o limitado e o ilimitado, ímpar e par,
como o princípio primário de todas as coisas, unidade e multiplicidade, direita e esquerda,
afastaram-se do materialismo, aproximando-se masculino e feminino, repouso e movimento, reta
do idealismo. Esta corrente idealista foi ainda e curva, luz e escuridão, bem e mal, quadrado e
paralelogramo. Mas, contrariamente a Heráclito,
mais acentuada pelos discípulos de Pitágoras, os
quais começaram a abordar os números de uma esses contrastes, na opinião dos pitagóricos, são
maneira mística, divinizando-os. O número dez, de caráter externo: acham-se só frente a frente,
por exemplo, era considerado por eles, divino e sem lutar entre si e sem transformar-se um no
perfeito. outro.

O mérito histórico dos pitagóricos provém Na doutrina dos pitagóricos há elementos


de que, "pela primeira vez emitem o pensamento sobre o caráter materialista na alma.
sobre as leis a que está sujeito o universo", sob a Consideravam, por exemplo, que a alma era um
fragmento de éter, o qual, por sua vez, se
forma de relações numéricas. Os pitagóricos
compunha de poeira solar. Lenin considerava
descobriram a existência dos aspectos
quantitativos no mundo, as relações numéricas essa afirmação dos pitagóricos uma alusão à
estrutura atômica da matéria. Porém Lenin
entre as coisas. Contudo separam esse aspecto
acentua, ao mesmo tempo, que, na doutrina dos
quantitativo da variada forma qualitativa das
coisas, reduzindo todo o mundo a um número pitagóricos, no que se refere à alma, há "ligação
simples e abstrato. Estenderam a mística dos entre os germes do pensamento científico e
fantasias religiosas e mitológicas".
números a todo o universo. Ao redor do fogo, que
serve de centro, segundo a opinião dos Sua mística residia no fato de
pitagóricos, giram dez esferas ou planetas. Em considerarem a alma imortal e acreditarem na
seu movimento cada uma delas emite um som de sua transmigração de um a outro corpo. Os
tonalidade especial de acordo com a grandeza da pitagóricos foram ardentes defensores da
esfera e a velocidade do seu movimento. A religião. A propaganda religiosa e a severa
ressonância das dez esferas em movimento tem prática das cerimônias religiosas estavam entre
um caráter musical, harmônico, que, entretanto, as principais obrigações dos membros da União
por estarmos acostumados a ela, não ouvimos, Pitagórica.
como o ferreiro não percebe o golpe do martelo. Assim começavam os pitagóricos a abrir,
O centro do universo, segundo a doutrina na filosofia, o caminho ao idealismo. Pitágoras e
dos pitagóricos não é a terra e sim o fogo. Dessa seus discípulos, porém, desempenharam ao
forma, a concepção pitagórica do universo, mesmo tempo um papel considerável no
apesar do seu caráter fantástico, dá um passo desenvolvimento da ciência, especialmente das
para o sistema heliocêntrico do mundo (14). A matemáticas. Basta recordar o famoso teorema
existência da harmonia das esferas fala, segundo de Pitágoras: num triângulo retângulo, o
o pensamento dos pitagóricos, da presença de quadrado da hipotenusa é igual à soma dos
uma ordem mundial, de uma lei que a rege, quadrados dos catetos. Outro de seus teoremas
condicionada pela harmonia dos números. Tudo é o que afirma que a soma dos ângulos de um
no mundo acha-se submetido à lei numérica, triângulo é igual a dois ângulos retos. Os
incluindo a própria vida social. Qualquer luta de pitagóricos estudaram o cubo e outras figuras
contrastes é, segundo o ponto de vista dos geométricas. Parece que muitas conclusões
geométricas de Euclides foram copiadas dos

28
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

pitagóricos. A estes correspondem também o Zenon fez reluzir uma série de "aporias"
mérito da descoberta dos números quadrados, (raciocínios), que chegavam a contradições
da proporção, da média aritmética, da tabela de insuperáveis para servir de "refutação" à
multiplicação. realidade do movimento. Por exemplo, na aporia
"Dicotomia" (a divisão em dois), "demonstra" a
8.3 Os Eleáticos
impossibilidade do movimento da seguinte
O passo seguinte do materialismo para o maneira: Antes de chegar a um determinado
idealismo, e da dialética para a metafísica, foi ponto, um objeto deve, primeiramente,
dado pelos filósofos eleáticos ou eleatas. Essa atravessar a metade do caminho. Contudo, para
escola tirou seu nome da cidade — colônia de chegar à metade do caminho, deve, antes,
Eléa (sul da Itália) de onde provinha a maior parte ultrapassar a quarta parte do caminho e assim
de seus pensadores. por diante até o infinito (uma oitava parte, 1/16,
Xenófanes da Ásia Menor (por volta de 1/32, etc.). Quer dizer, conclui Zenon, que o
590-480 A.C.), Parmênides (nascido por volta do objeto jamais começa o movimento, pois disso o
ano 500 A.C.) e Zenon (500 A.C.) de Eléa, foram impede a divisibilidade infinita do caminho que
os representantes principais da escola eleática. tem de percorrer.
Os dois últimos pertenceram inicialmente à União Em sua segunda aporia, "Aquiles e a
Pitagórica. Todos eles foram adeptos da tartaruga", Zenon procura "demonstrar" que
aristocracia escravista e, por consequência, Aquiles, apesar dos pés alados, jamais, poderia,
perseguidos pelos círculos democráticos. Zenon, no entanto, alcançar uma tartaruga. Suponhamos
por exemplo, segundo alguns testemunhos, foi que Aquiles se acha cem passos atrás da
condenado por organizar um "complot" contra o tartaruga e que corre a uma velocidade dez vezes
regime democrático de Eléa. maior que a do animal. Quando Aquiles tiver
Também na filosofia, os eleáticos percorrido os cem passos que o separam da
revelam seu espírito conservador, pregando a tartaruga, ela, por sua vez, terá avançado dez
falta de contrastes e de mobilidade em tudo o que passos. Quando Aquiles tiver percorrido estes
existe. Os eleáticos, adversários dos filósofos dez passos, a tartaruga, por sua vez, terá andado
mileteanos e de Heráclito, consideravam como mais um passo. O tempo que Aquiles empregar
princípio básico do mundo, não a matéria para percorrer este passo, a tartaruga usará para
concreta, perceptível, mas um ser único, avançar uma décima parte do passo e assim
indivisível, imutável, imóvel e de uma só espécie. sucessivamente. A distância entre Aquiles e a
tartaruga diminuirá cada vez mais. Todavia,
Parmênides assim definia o ser: existirá sempre entre eles alguma distância e, por
"Não tem nascimento nem destruição; é conseguinte, Aquiles jamais poderá alcançar a
um todo de uma espécie única, imó- vel tartaruga.
e sem limites". Na aporia "a flecha em voo", Zenon trata
Os eleáticos achavam que o ser possuía também de "demonstrar" a irrealidade do
a forma de uma esfera perfeita, inteiramente movimento. Na sua opinião, a flecha disparada
redonda, e isto, segundo eles, servia para ocupa, em cada instante, um ponto determinado
demonstrar que o ser era perfeito, homogêneo, no espaço e, nesse instante, é como se estivesse
sem princípio nem fim. Negando a existência do parada nesse ponto. Quer dizer, sentencia
espaço vazio, os eleáticos tiravam a conclusão Zenon, o movimento da flecha compõe-se da
errônea de que o movimento era impossível. soma dos seus pontos de repouso. Isto é, uma
contradição e, portanto, Zenon declara
Negavam o caráter sensível do ser;
impossível o movimento.
achavam que o ser só era perceptível para a
razão pura, ideia que servia de base à sua Zenon, adversário de toda a contradição,
interpretação idealista. Porém, ao mesmo tempo, negava-se a reconhecer o caráter contraditório
recusando a possibilidade da criação do ser e do movimento. Entretanto, o movimento é
falando da sua forma perfeitamente esférica, realmente contraditório, pois o corpo em
reconheciam-lhe o caráter material. Os eleáticos, deslocamento acha-se, em cada instante, em um
pois, na sua teoria do ser, ocuparam uma posição ponto determinado do espaço por não ter
intermediária entre o materialismo e o idealismo. passado ainda a outro ponto e, contudo, não se
Na defesa da sua teoria da imobilidade do ser, acha no ponto determinado porque já passou ao

29
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

outro ponto. Zenon, ao contrário, raciocina dos eleáticos perdeu para a filosofia dialética de
metafisicamente, ao afirmar que o corpo em cada Heráclito.
fragmento de tempo tem de achar- se só num
Contra a doutrina eleática do ser único,
ponto determinado e em nenhum outro, o que
imóvel, manifestaram-se os materialistas
consequentemente o leva a afirmar a Anaxágoras, Empédocles e Demócrito.
impossibilidade do movimento em geral.
9 A LUTA ENTRE O MATERIALISMO
Segundo conta a lenda, o filósofo
Diógenes de Sinope, refutou o raciocínio de
E O IDEALISMO DURANTE O PERÍODO
Zenon sobre a irrealidade do movimento, DO FLORESCIMENTO DA GRÉCIA
levantando-se em silêncio e começando a andar ESCRAVISTA
para trás e para diante. Não obstante, Zenon O materialismo dos filósofos mileteanos
tampouco negava que o testemunho dos e de Heráclito surgiu no século VI A.C., quando a
sentidos fala da existência do movimento; sociedade escravista estava em formação na
apenas considerava que esse movimento não Grécia. Em compensação o materialismo dos
podia ser traduzido em ideias lógicas, em filósofos posteriores — Anaxágoras,
raciocínio, porque achava que o testemunho dos Empédocles, Leucipo e Demócrito —
sentidos sobre a existência do movimento não desenvolveu-se no século V A.C., quando a
era verdadeiro, mas ilusório. Os eleáticos sociedade escravista grega já estava formada e
consideravam inverídico, falso, o mundo das atravessava o seu período de maior
múltiplas e variadas coisas mutáveis, desenvolvimento. Naquele tempo Atenas
sensorialmente perceptíveis; só o ser imóvel e desempenhava o papel político básico. As
imutável era verdadeiro. Também neste cidades-Estados gregas, sob a direção de
problema os eleáticos são metafísicos, ao Atenas, tinham conseguido um triunfo decisivo
declarar que o movimento não é verdadeiro, mas sabre os persas que tentaram dominar a Grécia.
apenas aparente. Os dramaturgos mais famosos da Grécia,
Não obstante seus erros, os eleáticos Esquilo, Sófocles, Aristófanes; os escultores
contam, conforme assinala Lenin, com o mérito Policleto, Fídias, Praxíteles e outros, criaram
histórico de ter realizado a primeira tentativa de então as obras universalmente conhecidas que
descobrir o caráter contraditório do movimento e ainda em nosso tempo provocam admiração.
de levantar o problema da necessidade de Nos fins do século V A.C., durante a
expressar o movimento em ideias lógicas. Os década de 30, teve lugar na Grécia a chamada
eleáticos contam também com uma série de guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta.
realizações positivas. Xenófanes, por exemplo, Esta guerra foi, no fundo, uma luta entre os
embora chame de deus ao mundo, manifesta-se escravistas democratas atenienses e a nobreza
ao mesmo tempo contrário às crenças religiosas. de origem que governava em Esparta e outras
Xenófanes emite a opinião de que os cidades que se lhe uniram. O regime aristocrático
homens atribuem aos deuses sua própria de Esparta encontrou também apoio entre a
natureza. Os etíopes imaginam seus deuses aristocracia de origem da própria Atenas. Os
chatos e negros; os tracianos, consideram-nos aristocratas atenienses, relegados a segundo
vermelhos de olhos azuis. Se os animais plano pelo regime democrático triunfante,
tivessem mãos e pudessem criar imagens de organizaram, em união com Esparta, toda
deuses, fá-las-iam à sua imagem e semelhança. espécie de intrigas contra a democracia
Lenin gostou muito dessa obervação de ateniense. Esta luta que crescia constantemente,
Xenófanes, no fundo até, ia sobre a origem entre os aristocratas e os democratas, dividiu
terrena da religião. também os filósofos em dois campos: os filósofos
idealistas de Atenas, Sócrates e Platão,
Os eleáticos, como os demais filósofos simpatizavam abertamente com os espartanos,
gregos, não puderam deixar de perceber a
com a aristocracia, enquanto que os materialistas
dialética da natureza. Mas, em vez de reconhecer atenienses foram adeptos da democracia
caráter real dessa dialética; declararam ilusórios,
escravista, então no governo.
inverossímeis, o movimento e as contradições.
Eis porque Hegel, com toda a razão, os denomina Também o materialista mais notável da
"dialéticos negativistas"; nesse sentido, a filosofia antiguidade, Demócrito, fundador da doutrina
atômica da matéria, foi partidário da democracia.

30
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

As condições para o materialismo atomista de quente e o rarefeito se elevavam; o úmido, o frio


Demócrito foram criadas pelas doutrinas de seus e o escuro convertiam-se em ar.
predecessores — Anaxágoras e Empédocles —,
Segundo Anaxágoras, o papel da
que deram os primeiros passos da dialética
"inteligência" é limitado. Ela não é criadora da
espontânea dos mileteanos e de Heráclito para o matéria. Ninguém criou a matéria que existe
materialismo mecanicista, que se desenvolveu eternamente. A "inteligência" de Anaxágoras é
plenamente nos séculos XVII e XVIII de nossa um pouco semelhante ao "logus" de Heráclito.
era. Tanto aquela, como este, são considerados por
9.1 Anaxágoras eles uma necessidade, uma lei, uma ordem.
Apenas o "logus" de Heráclito é uma propriedade
Anaxágoras (500-428 A.C.) viveu e
intrínseca da primeira matéria, o fogo, enquanto
lecionou em Atenas. Foi íntimo do chefe da
que a "inteligência" de Anaxágoras é uma força
democracia ateniense Péricles, que governou
externa, separada da matéria; com isto abriu-se
Atenas nos seus anos de maior progresso.
de certa forma o acesso ao idealismo.
Anaxágoras, ao contrário dos filósofos
Anaxágoras, porém, concebe a própria
mileteanos, achava que o fundamento do mundo
"inteligência" como uma coisa material, como
não era um elemento primário material único.
uma substância mais sutil e mais fina.
Concebia a matéria como uma multidão infinita
de múltiplas e diversas pequenas partículas, às Anaxágoras foi acusado de ateísmo por
quais chamava "sementes das coisas" (homo seus contemporâneos, por considerar os corpos
emerias). Na sua opinião, cada uma dessas celestes, especialmente o sol, não uma
partículas representa uma cópia pequeníssima divindade, mas apenas uma massa de pedras
das substâncias respectivas. incandescentes. Foi condenado à morte por
"blasfêmia", tendo em seguida, a pena sido
Em cada substância, na doutrina de
comutada para desterro.
Anaxágoras, acham-se partículas de natureza
diferente, porém em número menor, e, por isso, Outro filósofo materialista grego que deu
desempenha um papel secundário na também os primeiros passos para o mecanicismo
substância. Quando, porém, essas partículas de e a metafísica foi Empédocles, contemporâneo
natureza diferente, começam a predominar na de Anaxágoras.
substância, esta converte-se em outra. A neve 9.2 Empédocles
branca, por exemplo, converte-se na água turva,
devido a terem aumentado nela as partículas Nasceu e viveu na cidade grega de
turvas e do líquido diminuído as partículas Agrigento (sul da Itália), aproximadamente desde
brancas sólidas. o ano de 483 até 423 A.C.). Empédocles,
segundo testemunhos chegados até nossos dias,
Anaxágoras foi o primeiro que concebeu desempenhou um grande papel político nos
a matéria como infinitamente divisível, composta
círculos democráticos. Sobre sua vida formaram-
de uma quantidade infinita de elementos se muitas lendas; dizem que se considerava
qualitativamente variados. Mas deu
oráculo e dedicava- se a fazer profecias; que
simultaneamente um passo para a concepção
acreditava na transmigração das almas, etc.
mecanicista da matéria, considerando-lhe os Segundo outra lenda, Empédocles terminou seus
elementos imutáveis e a substância a simples dias com o suicídio, precipitando-se no vulcão
soma desses elementos. Etna. Empédocles era filósofo, poeta, médico,
O germe do mecanicismo na doutrina de físico e um dos melhores oradores gregos.
Anaxágoras provém de que a causa do Considerava como princípios básicos do mundo
movimento das partículas, segundo ele, a causa quatro elementos materiais: o fogo, o ar, a água
da formação das substâncias durante o processo e a terra. Todas as coisas se formam dessas
do movimento, deve-se a um primeiro impulso quatro "raízes". Os germes do mecanicismo e da
exterior engendrado pela "inteligência" ou pelo metafísica na sua doutrina estão no fato dele
"nous", como ele a chama. A "inteligência" considerar cada substância uma simples união
provocou um movimento circular das partículas e quantitativa desses quatro elementos imutáveis.
favoreceu sua diferenciação qualitativa. Separou A formação das diversas substâncias para ele,
o seco do molhado; o frio do quente; o rarefeito deve-se às diversas uniões proporcionais desses
do compacto; as trevas da luz, etc. O seco, o elementos. Se, a juízo de Heráclito, as coisas
nascem por causa de suas contradições internas,
31
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

para Empédocles, os próprios elementos 9.3 Demócrito


materiais são passivos. Há duas forças externas
O maior materialista do mundo antigo foi
que põem esses elementos em movimento: o
Demócrito. Nasceu em Abdera (Trácia), por volta
amor e o ódio. O amor favorece a união e a
do ano 470 A.C. e viveu muitos anos, até 380 ou
formação da substância, o ódio separa-as e lhes
370 A.C. Recebeu uma grande herança do pai e
provoca a destruição.
realizou muitas e longas viagens; segundo
Empédocles, ao contrário dos eleáticos, diversos testemunhos, esteve na Babilônia,
reconhecia a realidade do movimento, o qual Pérsia, Egito. Depois fixou residência em Atenas,
considerava como eternamente existente. Mas onde conheceu a filosofia idealista de Sócrates e
abordou seu estudo de forma mecanicista, se tornou seu adversário mais decidido.
reconhecendo uma única forma de movimento; o Manifestou-se igualmente contra as concepções
deslocamento do corpo no espaço. Considera políticas de Sócrates e de Platão. Demócrito foi
tudo, no processo universal, como um movimento um ardente defensor do regime democrático.
dentro de um círculo fechado no qual Sendo hostil à nobreza escravista, apresenta a
constantemente se repetem os diversos períodos democracia como modelo aos comerciantes e
de desenvolvimento. Empédocles explicava o artesãos avançados.
desenvolvimento e a morte do mundo pelo
Demócrito, no entanto, além de ser
domínio alternativo do amor e do ódio.
adepto da já triunfante democracia escravista, foi
Sua teoria da formação dos organismos simultaneamente contrário à participação das
tem grande interesse. Durante o primeiro camadas indigentes da população no governo
período, para ele, os diversos membros do político do país. Como representante da classe
organismo viviam independentemente, isolados escravista, opôs-se com grande energia às
uns dos outros. camadas populares "de baixo", quando estas
"Assim nasceu uma multidão de cabeças atentavam contra a propriedade privada.
sem pescoço, vagavam braços soltos Considerava os escravos simples ferramentas à
que não tinham ombros; moviam-se disposição de seus amos, os escravistas. Dizia:
olhos sem órbitas". "Devemos empregar os escravos como
Durante o segundo período, essas partes os membros de nosso corpo, usando uns
do organismo, mutuamente atraídas pelo amor, para um fim e outros para outro".
uniram-se de qualquer forma e formaram-se os Dava grande importância ao governo do
monstros. Estado, que servia para impedir a "discórdia"
"Apareceu uma multidão de criaturas entre os homens e ajudar a manter os escravos
com duplo rosto e duplo peito. Nasceram submissos. Demócrito, considerada a época em
touros com cabeças de homem e, vice- que viveu, foi um homem culto em múltiplos
versa, homens com cabeça de touro". aspectos. Escrevia, não só sobre filosofia, como
também sobre matemática, física, técnica,
Os monstros não tinham aptidão para a meteorologia, zoologia, estética, etc. Demócrito,
vida e, em consequência do ódio, pereceram, diz Aristóteles, "entendia de tudo e sabia orientar-
nascendo em seu lugar novos seres. se em qualquer situação".
Empédocles chama-os "seres da natureza pura";
eles ainda não tinham divisão de sexo. Por Os representantes das classes
último, no quarto período, surgem a vegetação, reacionárias governamentais e os filósofos
os animais e os homens do tipo atual, que idealistas (entre eles Platão), sendo inimigos do
nascem pela procriação sexual. materialismo de Demócrito, destruíram lhe quase
todas as obras. Só chegaram até nós alguns
Desta forma ingênua e fantástica, pequenos fragmentos de seus trabalhos.
Empédocles enuncia, pois, o pensamento sobre
a sobrevivência dos seres de maior adaptação e Demócrito, segundo informa Aristóteles,
o desaparecimento dos inaptos. Nesta doutrina já foi discípulo e continuador do filósofo jônico,
existe alguma alusão à seleção natural, teoria Leucipo, que ó considerado o fundador do
que muito mais tarde foi cientificamente atomismo. De Leucipo quase nenhuma
demonstrada por Darwin. informação se conservou.
Demócrito considerava que o princípio
primário do mundo não era, o ser único dos

32
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

eleáticos, mas a multidão dos átomos ("átomo" a vida orgânica não é trazida para o mundo de
em grego significa "indivisível") e o vácuo, no qual fora, por um deus criador, mas que é o resultado
os átomos moviam-se eternamente. Por átomo necessário do próprio movimento mecânico do
entendia as menores partículas materiais, mundo, da concatenação dos átomos,
invisíveis a olho nu, impenetráveis e indivisíveis. pensamento sem dúvida, igualmente ateu.
Os átomos são eternos, imutáveis; seu número é Segundo Demócrito, a alma compõe-se
infinitamente grande. Todos os objetos da de átomos especialmente sutis, que se
natureza, entre os quais o homem, compõem-se distinguem por maior mobilidade, graças à qual
desses átomos. Os átomos distinguem-se uns põem o corpo em movimento. A alma é tão mortal
dos outros pela forma exterior, pela posição no
quanto o corpo.
espaço e pela ordem de distribuição. As
substâncias distinguem-se umas das outras pela Demócrito achava que o mundo exterior
combinação dos átomos. Conforme afirmam era cognoscível, porquanto as coisas que o
diferentes historiadores, Demócrito diferenciava homem ia conhecendo se compunham dos
também os átomos pelo seu peso. Sem saber mesmos átomos que o mundo. Reconhecia a
ainda que no vácuo todos os corpos caem com a importância dos órgãos sensoriais para o
mesma velocidade, achava que os átomos mais conhecimento. Supunha que pequenas imagens
leves caiam mais lentamente no espaço e os materiais emanavam dos objetos, as quais,
pesados com maior rapidez. Era assim, segundo passando para nossos olhos, criavam no homem
dizia, que uns alcançavam os outros, chocavam- a representação do objeto determinado. Contudo
se entre si e se encadeavam mutuamente por desprezava um pouco o papel de testemunha
meio de pequenos ganchos especiais. O dos nossos órgãos dos sentidos.
resultado dessa concatenação dos átomos era a Considerava que os conhecimentos
formação das substâncias. recebidos através das sensações, apenas
Demócrito reconhece a realidade do podiam ser considerados "juízos", quer dizer,
movimento e o considera inerente aos próprios conhecimentos ainda "obscuros", não fidedignos.
átomos, levantando dessa forma um problema Afirmava, erroneamente, que o calor, o cheiro e
muito importante sobre a conexão indissolúvel da o tato não eram inerentes ao objeto. Todas essas
matéria e do movimento. Embora fosse propriedades, segundo achava, só existiam em
verdade que Demócrito ainda entendesse o nossas representações. De fato, existiam apenas
movimento de uma forma mecanicista, como as qualidades "primárias": a figura, a quantidade,
simples deslocamento no espaço de átomos a indivisibilidade e a impenetrabilidade dos
internamente indestrutíveis e imutáveis. átomos. Assim, é Demócritoque começa a teoria
das qualidades primárias e secundárias, a qual é
Para Demócrito, o universo compõe-se
uma concessão ao idealismo, posteriormente
de uma quantidade infinita de mundos, que se
desenvolvida na filosofia por Locke (século
formam em consequência da colisão dos átomos
XVIII). Na verdade, também as qualidades
produzida pelo seu movimento em torvelinho; chamadas "secundárias" são inerentes aos
nesse torvelinho unem-se uns e outros formando
objetos. A sensação da cor não é apenas
grandes aglomerações que, no processo do seu subjetiva como supunha Demócrito, mas também
movimento, adotam a forma esférica. O número objetiva, já que a diferença das cores é
dos mundos, segundo Demócrito, é infinitamente provocada pela diferença das ondas luminosas
grande. No lugar dos mundos que perecem,
que emanam dos objetos.
surgem outros novos. Cada um deles está numa
fase diferente de desenvolvimento. Uns são Quanto às concepções político-sociais, é
povoados e outros não, quer porque a vida preciso notar que Demócrito tentou abordar
orgânica já tenha desaparecido ou por ainda não historicamente a vida social. Em sua opinião, os
ter surgido. Este modo de encarar o universo de homens viviam primeiramente como os animais
Demócrito, não está destituído de certos traços selvagens, e só mais tarde, graças a imitação da
dialéticos. natureza, a humanidade atingiu a cultura.
Considerava que o homem aprendeu a tecer e a
Ao considerar nossa terra apenas uma coser o vestuário com a aranha; a construir casas
pequena parte da multidão infinita dos mundos,
com a andorinha; a cantar com os pássaros, etc.
Demócrito deu um golpe de morte na religião,
coisa que foi também feita pela sua ideia de que Demócrito, como seu sucessor Epicuro,
foi um dos representantes mais notáveis do
33
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

materialismo antigo. Foi ele quem pela primeira Hegel não adotou uma atitude melhor para com
vez emitiu a suposição referente à estrutura esse grande materialista e ateu grego. Lenin
atômica da matéria, posteriormente confirmada escrevia:
cientificamente. É preciso compreender que o "Hegel, fatalmente, considera Demócrito
conceito de Demócrito sobre a estrutura atômica uma madrasta, em quase todas as suas
da matéria, ainda é muito primitiva; os átomos, páginas (17°-272). O idealista não pode
por exemplo, eram considerados indivisíveis e suportar o espírito do materia- lista!".
imutáveis. Hoje a ciência moderna considera a
estrutura do átomo da maneira diversa: o átomo 10 OS SOFISTAS
é decomponível; ele compõe-se de elétrons e A escola sofista é de vários matizes,
prótons, etc. tanto pela sua filiação política quanto por suas
O grande mérito histórico de Demócrito concepções filosóficas. Entre os primeiros
está em reconhecer a existência de uma lei sobre sofistas predomina o materialismo; os posteriores
tudo que se opera no mundo material, bem como deslisam para o idealismo. O próprio significado
da sua necessidade. Exigia a explicação causal da palavra sofista mudou historicamente, com a
de todos os fenômenos da natureza. Não mudança do caráter da atividade dos sofistas. A
obstante, seu modo de encarar a causalidade é princípio os sábios em geral, os pensadores
limitado. Comete o erro de recusar-se a ("Sofos", sábio), eram chamados sofistas na
reconhecer a existência da casualidade, Grécia. Mais tarde Platão e Aristóteles
declarando que os homens consideram casuais denominavam sofista o homem que, mediante
os fenômenos cujas causas desconhecem. uma série de argumentos verbais, dispunha-se,
Demócrito, ao negar a existência da casualidade, por dinheiro, a demonstrar qualquer conclusão.
tampouco foi partidário da existência de alguma Os sofistas foram os primeiros filósofos
vontade divina ou dum destino cego regendo a profissionais, que, perambulando pelas cidades
sorte dos homens e dos mundos. Sem chegar da Grécia, ensinavam por dinheiro, instruindo a
todavia à negação completa da existência dos população. Os sofistas criticavam e
deuses, refutava seu caráter sobrenatural, sua ridicularizavam duramente as concepções
natureza espiritual. Os deuses, para ele, são religiosas e mitológicas do mundo, a moral de
também criações da natureza, porém mais casta, que já tinha se tornado atrasada, etc. Nisso
perfeitas que os homens. Os deuses, e todos os indubitavelmente está seu mérito. Quase nada se
demais corpos, compõem-se de átomos conservou das obras dos sofistas. Na história da
materiais e não interferem nos assuntes do filosofia, os sofistas dividem-se em velhos e
mundo. Os corpos movem-se segundo as jovens. Os maiores representantes da velha
próprias leis mecânicas do movimento dos geração foram Protágoras (481-411 A.C.) e
átomos. Estas leis também servem de base ao Górgias (483-375 A.C.).
mundo material.
Protágoras de Abdera, contemporâneo
Demócrito, adversário da religião, de Demócrito, era partidário da democracia
reconhecia que nem os mundos nem os homens grega. Sua filosofia é, no fundo, materialista.
foram criados. Considerava a alma humana Reconhece a existência do mundo material, a
mortal, e assim minava a mitologia grega. mutabilidade da matéria, sua fluidez. Em sua
Desempenhou um papel considerável no posição de crítica à religião, dizia: "Não sei se
desenvolvimento ulterior do ateísmo. Negava a deus existe ou não".
possibilidade de qualquer milagre. Era adversário
de profecias e bruxarias. Explicava a existência Mas nos problemas do conhecimento
da religião como resultante da ignorância dos inclinava-se para o idealismo dizendo: "O homem
homens, ao seu desconhecimento das leis da é a medida de todas as coisas".
natureza e seu temor aos fenômenos naturais. Cada homem, a juízo de Protágoras,
Eis aqui por que o idealista Platão, que pregava concebe o mundo a seu modo; não pode haver
a origem divina do mundo, a imortalidade da um conhecimento fidedigno do mundo. O que
alma, etc., professava um ódio feroz a Demócrito. pode parecer verdade a um, pode parecer falso a
Platão, segundo afirmam alguns, assenhorou-se outro. Górgias, outro dos representantes da velha
das obras de Demócrito, e queimou-as, geração dos sofistas, aproximou-se mais que
chegando a negar-se a mencionar em suas obras Protágoras do idealismo subjetivo e do ceticismo.
o nome do filósofo que tanto odiava. O idealista Negava a possibilidade de um conhecimento

34
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

autêntico e exato do mundo; também duvidava prestidigitação verbal, que ensinava como vencer
da existência objetiva da natureza. Sua obra o adversário numa disputa, embora não se
principal chama-se: "Sobre o Inexistente ou tivesse razão. Daí nasceu o novo conceito da
Sobre a Natureza". denominação "sofista" que se dá a um charlatão
Os sofistas dedicavam enorme atenção que defende conscientemente uma tese contrária
ao problema das contradições. Mas, à realidade.
contrariamente aos eleáticos, que afirmavam 11 SÓCRATES
serem as contradições imaginárias, ilusórias, os
Sócrates, mestre de Platão, provém da
sofistas demonstravam o caráter contraditório de
escola dos sofistas. Sócrates era idealista:
todos os fenômenos do mundo. Foi dessa forma
considerava a natureza criada pelos deuses, os
que levantaram novamente o problema da
quais prepararam o mundo tendo em vista os
dialética. Contudo, na maioria dos casos, os
interesses do homem, com o fim de satisfazer-lhe
sofistas chegavam a conclusões idealistas,
as necessidades. Achava que estudar a natureza
subjetivas. Em sua opinião qualquer uma de duas
era uma ação contrária a Deus, uma intervenção
conclusões opostas podia ser perfeitamente
do homem nos assuntos divinos, para ele
demonstrada. Partindo daí chegavam a negar a
inacessíveis. O único objeto do conhecimento
verdade objetiva.
deve ser o próprio homem. "Conhece-te a ti
Os jovens sofistas (Antifonte, Crítias, mesmo". Os conceitos do entendimento humano,
Alquidam), que viveram nos fins do século V e ou os "gerais" como os chama, e os problemas
princípios do IV A.C., dedicaram-se de moral, são os únicos objetos do
preferentemente aos problemas de moral. Um conhecimento. O mérito histórico de Sócrates
deles enunciou a ideia do "direito natural", está no fato de ser o primeiro a levantar o
declarando que todos os homens são iguais por problema do papel dos conceitos gerais no
natureza, que não devia haver uma desigualdade conhecimento. Mas considera os próprios
entre os helenos e os bárbaros (Antifonte). O conceitos de forma idealista. Se o materialista
sofista Alquidam mostrou-se partidário da define os conceitos, as abstrações, como reflexo
abolição da escravatura, dizendo:"Os deuses na consciência do homem, daquilo que ocorre no
fizeram-nos livres; a ninguém fizeram escravo". mundo objetivo, na natureza, Sócrates
Outros, em compensação, justificavam a considerava os conceitos o elemento primário, o
escravidão e a opressão, manifestando-se princípio do mundo. Os conceitos, a juízo de
adversários furibundos do regime democrático. Sócrates, engendram as substâncias e não o
Reconheciam a necessidade da religião como contrário. Não reconhecia o conhecimento
meio de manter a massa sob o jugo da "elite" da sensível, as sensações como fonte dos
sociedade; acentuavam o caráter político da conceitos.
religião. Nos fins do século V A.C., o sofista Sócrates desenvolveu sua teoria dos
Crítias (tio de Platão), encabeçou em Atenas um conceitos gerais em luta contra os sofistas. Estes
"complot" aristocrático que desencadeou o terror tratavam de minar a moral religiosa e destruir as
mais cruel durante vários anos. tradições ideológicas do regime aristocrático,
Os pontos de vista contraditórios dos demonstrando que o homem deve tomar seus
jovens sofistas refletiam as tendências interesses pessoais como base de ação, deve
antagônicas existentes no seio da sociedade da aspirar à felicidade. Sócrates, em oposição ao
antiga Grécia, no período do começo de sua individualismo dos sofistas, levanta os conceitos
decadência, no século IV A.C. Alguns elementos do bem, da justiça, da equidade, do dever,
progressistas dessa sociedade chegaram até à aplicáveis a todos os homens (segundo afirma).
ideia de que era necessário abolir a escravidão, Nesses conceitos gerais que todos os homens
que se ia tomando desvantajosa, em vista do seu deviam seguir, procurava encontrar uma base
pequeno rendimento de trabalho. A nobreza firme para a sociedade aristocrática. Por isso
escravista, em compensação, com a esperança considerava uma das principais condições para
de voltar ao governo, era partidária da escravidão volver ao regime aristocrático, a educação moral
e da maior opressão das amplas massas dos homens no espírito conveniente à
populares. aristocracia. Identifica a moral com o
conhecimento, interpretando-a de forma
A escola sofista mais tarde degenerou
definitivamente. A sofistica ficou adstrita a uma
35
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

idealista, como o conhecimento do homem sobre alma imortal, no mundo divino, onde residia antes
sua natureza espiritual, seus conceitos. de encarnar no corpo humano. O conhecimento
sensível não é verídico, é insuficiente; ele apenas
Em seu desprezo ao povo, Sócrates
dá aos homens a percepção das coisas. A
achava que o mesmo não devia possuir
conhecimentos e, em consequência, não podia essência primária das coisas — o mundo das
ser virtuoso; que o povo era viciado por natureza. ideias — só pode ser conhecido pelo
Aqui se revela claramente o caráter aristocrático pensamento teórico, "puro", pela razão. Somente
de sua moral; considera que a tarefa básica da separando-se de tudo que seja sensível,
educação moral consiste em dar ao homem uma tampando os ouvidos e cerrando os olhos, como
diz Platão, o homem começa a recordar
educação que contribua para o advento da
confusamente o que sua alma contemplava no
subida ao poder da aristocracia escravista, para
mundo das ideias. Poucos homens escolhidos,
a eliminação da eletividade dos órgãos do poder,
e para a renúncia à intervenção do povo no ilustres, os aristocratas e os filósofos, são
governo do Estado. Para Sócrates, o capazes de chegar ao conhecimento, ou melhor,
reconhecimento desses princípios era a virtude a recordar o mundo das ideias. As próprias
principal do "homem cidadão". O idealismo de criações do homem, são, para Platão, apenas
Sócrates desenvolveu-se plenamente com cópias das ideias. Por exemplo, a estátua feita
pelo escultor é a imagem imperfeita da ideia que
Platão.
existe eternamente e da qual o escultor genial
12 PLATÃO recordou-se.
Platão, discípulo de Sócrates, é um dos Platão relacionou estreitamente sua
representantes e sistematizadores mais notáveis filosofia com a política, como se observa até pelo
do idealismo da antiga Grécia. Sua filosofia fato de achar que à frente do Estado ideal, por ele
exerceu também grande influência sobre a imaginado, deviam estar os filósofos. No regime
religião cristã. social ideal descrito por Platão, conserva-se a
Platão foi um idealista perigoso. A teoria divisão de classes. A seu ver, a sociedade deve
das Ideias, desenvolvimento ulterior da teoria compor-se de três camadas sociais:
socrática dos "gerais", dos conceitos, é a base da • A camada dos filósofos que governam o
filosofia de Platão. Para ele o princípio de todas Estado;
as coisas é o mundo das ideias supersensíveis. • A dos guerreiros e guardas que defendem o
As coisas percebidas pelos sentidos constituem Estado de ataques externos e levantes
apenas o reflexo, a sombra do mundo das ideias, populares, e
sua cópia imperfeita. As ideias existem • O resto do povo que se dedica a trabalhos
separadas das coisas, noutro mundo. Ali, físicos: artesãos, camponeses.
segundo ele, existem as ideias, por exemplo, da Fora dessas três camadas restavam os
mesa, da casa, dos animais, dos vegetais, etc. escravos. Cada uma das três camadas tem uma
Cada mesa, casa, etc., material, deriva-se virtude especial: os governantes, a sabedoria; os
dessas ideias. Assim também, a beleza terrestre guerreiros, a valentia; o povo, a plena obediência
dos homens e das coisas é apenas o reflexo aos governantes e disposição para trabalhar para
imperfeito da ideia do belo. as primeiras camadas. O Estado ideal de Platão
Platão reconhece, portanto, dois representa um original "comunismo" dos
mundos, separados um do outro: o mundo das escravistas. As primeiras duas camadas,
ideias e o das coisas, no qual vive o homem. As segundo Platão, não têm propriedade privada.
ideias são eternas e imutáveis; possuem uma Para elas existe a propriedade comum do
existência efetiva e geral. Em compensação as Estado. Marx escrevia que o Estado utópico de
coisas sensíveis são mutáveis, inconstantes, Platão representava a idealização do regime de
nascem e morrem. Por isso, Platão declara casta egípcio, o regime da aristocracia de origem
ilusória a existência dessas coisas. A ideia escravista, cuja base econômica era a
suprema é a ideia do bem, é Deus. Aqui se propriedade privada comum dos cidadãos ativos
evidencia, de forma clara, como o idealismo se do Estado "obrigados a conservar essa forma de
entrelaça com a religião. associação naturalmente surgida ante os
escravos”.
Platão concebe o conhecimento como
uma reminiscência das ideias entrevistas pela

36
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

Platão, na sua teoria do Estado, tenta, de mesmo homem é falso e verdadeiro


uma maneira completamente clara, realizar os simultaneamente, etc.
sonhos da aristocracia. O poder ficará a cargo
13 ARISTÓTELES
somente de alguns homens e a escravidão será
conservada. Platão proibiu categoricamente o O cume do desenvolvimento da filosofia
acesso do povo às primeiras camadas. na Grécia antiga está nas doutrinas de
Aristóteles, que sintetizou os resultados
Exigia que toda a vida social estivesse
científicos de seus antecessores, tomando deles
impregnada de religião. A virtude geral inerente a
tudo o que achava positivo e criticando
todas as camadas é, para ele, a adoração de
severamente o que considerava errôneo.
Deus e da equidade. Com isso ele quer dizer que
Introduziu muita novidade numa série de
cada camada social deve dedicar-se a seus
domínios da ciência e da arte, sabendo fazê-las
assuntos, e as camadas inferiores devem
avançar. Particularmente no domínio da filosofia,
obedecer incondicionalmente às superiores.
criou muita coisa valiosa, exercendo uma grande
Platão exige a proibição absoluta do influência sobre o desenvolvimento ulterior do
povo participar no governo do Estado. Julga que pensamento filosófico universal.
o povo é completamente inapto para a filosofia,
Aristóteles viveu no período em que
para o conhecimento; é incapaz de conhecer o
Atenas, em consequência da derrota na
mundo das ideias. Platão foi um reacionário
chamada guerra do Peloponeso com Esparta e
convicto, tanto na filosofia como em seus pontos
de desordens interiores (levantes de escravos e
de vista sociais. Lenin fala da luta entre a linha de
de pobres), debilitou-se ao extremo de perder a
Demócrito e a de Platão como sendo a
independência e ficar submetida, assim como
fundamental entre os partidos filosóficos do
sua vencedora Esparta e quase todas as cidades
mundo antigo.
gregas, ao poderoso Estado Macedônico.
Platão denomina dialética seu método de Aristóteles nasceu no ano 384 A.C. Seu pai,
conhecimento; porém por isto entende a Nicômaco, foi médico da corte do rei da
exposição do assunto sob a forma de perguntas Macedônia. Aristóteles, na juventude, foi para
e respostas, a habilidade de fazer perguntas e Atenas e teve Platão por seu mestre durante
respondê-las, de desenvolver as opiniões em longo tempo.
forma de conversação, de diálogos. Para ele o
No ano 343 A.C., o rei Felipe da
fundamento de tudo o que existe são as ideias
Macedônia confiou a Aristóteles a educação de
eternas e imutáveis, que não nascem nem
seu filho Alexandre. O grande sábio grego soube
morrem e não têm qualquer espécie de
inculcar em seu aluno — posteriormente famoso
contradições internas. Por conseguinte, no fundo,
chefe de exércitos Alexandre Magno — o amor à
Platão foi um metafísico incondicional.
cultura e à ciência grega. Mais tarde, por ordem
Não obstante, pode-se encontrar em sua de Alexandre, durante sua marcha sobre o
filosofia elementos de dialética. O fato, por Oriente, foram reunidas, para Aristóteles, as mais
exemplo, de reconhecer a mutabilidade ricas coleções científicas e culturais. No ano
constante do mundo das substâncias sensíveis, 335, quando Alexandre avançava com seus
embora não considere esse mundo verídico, exércitos na Ásia, Aristóteles regressou à
precisamente devido a sua fluidez. Em seu Atenas onde formou sua escola filosófica, o
diálogo "Elforista", diz: Liceu.
"A dificuldade e a verdade consistem em Depois da morte de Alexandre,
demonstrar que o que é outra coisa é a aumentou em Atenas o mal-estar contra o
mesma coisa, e que o quê é a mesma domínio macedônico, e Aristóteles foi também
coisa é outra, e, precisamente, em um e objeto de perseguição, devido as suas relações
mesmo aspecto". com a corte macedônica, vendo-se obrigado a
Platão aproxima-se aqui do refugiar-se na ilha de Eudéa, onde morreu pouco
reconhecimento do caráter contraditório das depois, no ano 322 A.C.
coisas. Lenin acentuou este ponto de Platão, A maior parte das obras de Aristóteles
anotando-o nos seus "Cadernos Filosóficos". sobre filosofia, história, ciências naturais, arte,
Platão declarou que um homem enfermo que etc., chegaram-nos às mãos. Parece que
sente calor, sente ao mesmo tempo frio; que o Aristóteles não escreveu todas essas obras

37
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

sozinho, mas ajudado por seus discípulos a forma, constitui apenas a possibilidade de
Teofrasto, Eudemo e outros, que, depois da nascimento das coisas.
morte do mestre, tomaram a frente da escola.
Somente quando ela se une à forma,
Na solução do problema fundamental da surgem dela coisas autênticas, reais. A forma,
filosofia, Aristóteles oscila entre o materialismo e como força ativa, converte a matéria duma
o idealismo. Aristóteles "não tem dúvidas a possibilidade, numa realidade, transforma- a num
respeito da realidade do mundo exterior". objeto determinado.
Reconhece a existência objetiva das
A teoria de Aristóteles sobre a forma e a
coisas e critica Platão duramente por seu
matéria também contém traços dialéticos. A
idealismo, por ter concebido a natureza apenas matéria é concebida por ele em mutação
como uma ilusão, como uma sombra imperfeita constante, na qual adquire continuamente novas
do mundo das ideias. Para Aristóteles, é, pois, formas mais perfeitas. Assim Aristóteles
indubitável, evidente, a existência objetiva da aproxima-se do reconhecimento da evolução, da
natureza. "É ridículo tentar, diz Aristóteles, transformação do mundo. Em contradição com o
demonstrar que a natureza não existe". seu dualismo, fala do trânsito mútuo da forma e
Essa declaração do filósofo tem um da matéria, da transformação duma na outra. O
conteúdo absolutamente materialista. que numa fase de desenvolvimento é forma,
Aristóteles, ao combater a favor da realidade da noutra, na fase superior, é matéria. O ladrilho, por
natureza, e ao refutar a existência do mundo exemplo, relativamente à argila, é uma forma e
platônico das ideias divinas, abalou os argila é uma matéria, mas este mesmo ladrilho
fundamentos do idealismo. Contudo, não soube relativamente a uma casa já é uma matéria.
manter uma posição materialista consequente. Aristóteles reconhecia a ligação estreita
Afirma que a base de todas as coisas, sua que existe entre o movimento e as coisas;
essência íntima, e a "forma" que ele entende
afirmava que o movimento não podia existir fora
como um princípio ideal, espiritual e material.
dos objetos, que ele era inerente às coisas da
Para ele, porém, a matéria é outro princípio natureza. Isto constitui o grande mérito científico
primário, outra essência das coisas. Dessa forma
de Aristóteles. Entendia por movimento não
Aristóteles concebe, como fundamento do
apenas o deslocamento no espaço, o aumento
mundo, dois princípios antagônicos, a matéria e ou diminuição quantitativa das coisas como
a forma, ou seja, nesse problema foi dualista. "O também suas modificações qualitativas, sua
homem emaranhou-se", diz Lenin referindo-se a
transformação em seus contrários ou em outros
ele.
objetos, a geração e a morte dos objetos. Por isso
Esses dois princípios, segundo Lenin, transcrevendo uma citação da "Metafísica"
Aristóteles, estão constantemente relacionados de Aristóteles, na qual este diz que "Tudo que é
entre si, no mundo real, não existem material é sempre transitório", escreve por sua
separadamente e, em conjunto, compõem uma conta:
coisa íntegra. Só mentalmente é possível "Aqui há um ponto de vista materialista
concebê-los separados. Assim combateu Platão, dialético, embora seja casual, sem
que separava o mundo das ideias do dos objetos. firmeza, sem desenvolvimento e
Ao contrário de Platão, que reconhecia como passageiro"(23).
essência do mundo o "geral", a ideia,
Aristóteles considera como tal as "substancias", Em Aristóteles pode-se observar
as coisas materiais. algumas insinuações sobre o reconhecimento do
movimento por saltos, quando diz que a troca
Como dualista que era, porém, adotou, qualitativa pode efetuar-se "bruscamente", e dá
em última instância, uma posição idealista, como exemplo a congelação da água”.
concedendo o papel primário à forma, ao
princípio espiritual. A matéria, na sua opinião, é Contudo, Aristóteles interpreta com
uma coisa caótica, bruta, inerte, que só graças ao espírito idealista a causa da transformação dos
princípio ativo — a forma — converte-se em algo objetos. Considera que a coisa morre e se
determinado. O bloco de mármore, por exemplo, transforma em outra devido a mudança das
nas mãos do escultor que o conforma, converte- formas, que são eternas, imutáveis, e que não
se numa estátua. A matéria, sem introduzir nela podem transformar-se uma na outra.

38
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

Tampouco mantém consequentemente sensações. Com a ajuda das sensações, na


sua forma dialética de abordar o movimento, opinião de Aristóteles o homem só adquire
porque subordina todas as formas do movimento conhecimento das coisas ou dos fenômenos
à do deslocamento no espaço. Vê a causa do isolados. E por isso afirma que as pessoas não
movimento na influência de um objeto sobre devem limitar-se ao conhecimento sensível, mas
outro. O movimento das coisas terrestres é, a seu devem ir mais longe, recorrendo ao raciocínio,
ver, provocado pelo movimento do céu, dos que generaliza as coisas singulares, compara-as
planetas, que sendo imutáveis, movem-se entre si, distingue-as uma da outra e cria
mecanicamente, em círculo. O movimento do conceitos gerais sobre a multidão unida dos
céu, por sua vez, é condicionado pela ação de fenômenos.
uma força espiritual externa, que Aristóteles
Aristóteles reconhecia que as sensações
denomina o primeiro motor divino ou,
fornecem o material para o raciocínio; que, sem
simplesmente, Deus. E dessa forma, tendo as sensações, a razão é apenas uma tábua rasa
Aristóteles, no modo de conceber o movimento, onde nada está escrito.
saído fora dos limites do mecanicismo, volta
novamente para ele. Além disso, vê a causa final Menosprezou, porém, as sensações,
do movimento em Deus, que considera imutável. concedendo o papel primário ao raciocínio,
baseando-se em que, por meio das sensações,
De qualquer forma, Aristóteles não não se pode descobrir o princípio ideal geral de
chegou a reconhecer a contradição interna como todas as coisas — a forma — nem conhecer a
causa fundamental de toda espécie de mutações; "forma das formas": Deus. Essa última coisa só é
sob esse aspecto, faz uma concessão a
accessível ao pensamento. Segundo Aristóteles,
Heráclito, com o qual sustentou uma aguda
as sensações são somente o impulso que incita
polêmica sobre o problema. Também é verdade
o homem a pensar. A verdade, pois, não se acha
que em Aristóteles pode-se encontrar, várias
nelas, mas na razão, nos conceitos.
vezes, um reconhecimento do caráter
contraditório das coisas. Por exemplo, na De maneira que Aristóteles, até certo
"metafísica" faz a seguinte pergunta: o homem ponto, separa o conhecimento sensível do
vivo não é um morto eventual? Apesar disso, pensamento. Por isso não encontramos em
porém, seus elementos de dialética não Aristóteles uma explicação científica da maneira
desenvolvidos, apresentados só em forma de por quê as sensações, mediante as quais se
insinuações, entram em choque com a lei das adquire conhecimento das coisas singulares,
contradições, detalhadamente elaborada por ele, ligam-se ao pensamento, aos conceitos gerais
na qual refuta categoricamente a existência de dessas coisas, como o singular passa ao geral.
contradições nas coisas. Nisto se cifra uma séria insuficiência da sua teoria
do conhecimento. Essa separação entre o
Nos problemas do conhecimento
singular e o geral exprime-se também no fato de
Aristóteles revela tendências materialistas
Aristóteles considerar as coisas singulares como
bastante fortes. Lenin diz que aqui "aproxima-se mutáveis, e seu princípio — as formas ideais —,
bastante do materialismo"(25). Se Platão
imutável.
chamava conhecimento a reminiscência na alma
imortal do mundo das ideias, Aristóteles, A lógica criada por Aristóteles teve uma
repelindo esse mundo das ideias, colocava a importância enorme. O conjunto das suas obras
fonte do conhecimento na própria natureza, no lógicas tomou mais tarde o título de "organon"
mundo que envolve o homem; afirmava que este (órgão — método de ciência). Na época de
mundo é cognoscível. Aristóteles a ciência alcançou um tal grau de
desenvolvimento que foi preciso criar um método
Aristóteles concede um grande papel aos
para sintetizar os materiais acumulados, uma
sentidos no conhecimento. A sensação é teoria científica das demonstrações,
provocada pelas coisas que existem julgamentos, deduções. Com tal
objetivamente, independentemente do homem.
método universal, Aristóteles criou sua lógica
Ele compara as percepções sensíveis à dedutiva, segundo a qual, nas indagações e nos
impressão deixada por um anel de ouro na cera: pensamentos dedutivos, deve-se partir das
assim acentua que a sensação não é a própria
conclusões gerais para o caso particular.
coisa, mas sua impressão, sua imagem nos
sentidos do homem. Contudo limita o papel das Todas as conclusões científicas,
segundo Aristóteles, devem ser deduzidas das
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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

premissas gerais imprescindíveis, mediante a a lei da contradição que exclui a contradição


cadeia de deduções imediatas, os silogismos. A interna, tanto das coisas como do juízo feito
forma do silogismo é aproximadamente a sobre elas. Os discípulos e
seguinte, toma-se a conclusão geral admitida comentaristas de Aristóteles acentuaram os
como indiscutivelmente justa e não sujeita à momentos formalistas de sua lógica e
demonstração (o axioma matemático, uma converteram-na numa lógica formal. Os teólogos
síntese demonstrada praticamente, etc.). Por e escolásticos da idade média repeliram
exemplo, "todos os homens são mortais"; em definitivamente o lado materialista e dialético da
seguida toma-se um caso singular, particular, ou lógica de Aristóteles e eternizaram seus aspectos
um juízo sujeito à explicação, e se estabelece a metafísicos e idealistas. Como premissas gerais,
relação existente entre ele e a conclusão geral. às quais se adaptam todos os múltiplos e
Por exemplo: "João é um homem"; finalmente, da variados fenômenos da realidade, começou a
confrontação do juízo geral e do particular, faz-se tomar-se exclusivamente os dogmas religiosos e
uma determinada dedução que estabelece que o as citações das "sagradas escrituras". A
atributo inerente ao fenômeno geral é também escolástica e o obscurantismo clerical tiraram de
extensivo ao particular: "por conseguinte, João Aristóteles o morto e não o vivo: as
também é mortal. interrogações, as pesquisas..."
Aristóteles não foi um espírito dedutivo "A lógica de Aristóteles é uma
limitado; não separava a dedução da indução. interrogação, uma pesquisa, um meio de acesso
Acentuava que as perícias gerais imprescindíveis à lógica de Hegel; dela, da lógica de Aristóteles
(sobretudo a maioria delas) deviam servir à (que em toda parte, a cada passo levanta o
síntese dos dados da experiência. Aristóteles foi problema precisamente da dialética), fizeram
o primeiro dos pensadores antigos que uma escolástica morta, abandonando todas as
pesquisou a forma do pensamento humano. indagações, oscilações, o processo de levantar
Aristótelesestabelece dez formas- problemas"(27).
categorias do pensamento: Também nas suas concepções científico-
• A substancia (ou seja, o objeto que tem uma naturais, Aristóteles aproxima-se
existência independente), consideravelmente do materialismo. Considera
• A quantidade, que a natureza está sempre ligada à matéria.
• A qualidade, Concebe o universo como eternamente
• A relação, existente, nunca tendo sido criado, dando assim
• O lugar, a Deus um papel secundário, isto é, o de ser
• O tempo, apenas motor do mundo e não seu criador.
• A ação,
O universo, na opinião de Aristóteles,
• A paixão (quer dizer, a receptividade da ação
tem a forma mais perfeita, a forma de um globo.
produzida por outro objeto),
O universo divide-se em duas partes, diferentes
• A maneira de ser e em princípio uma da outra: o céu perfeito e
• A situação.
imutável, a terra mutável e imperfeita. Na parte
Aristóteles acentua, entretanto, que mais longínqua do céu estão espalhadas as
essas categorias são inerentes não só à estrelas imutáveis e imóveis. Sob elas está o sol,
consciência como também ao ser; que refletem a lua e cinco planetas que se movem em círculo
em conceitos, o conteúdo, as formas, as leis do fechado ao redor da terra imóvel, os quais têm
mundo objetivo. "Em Aristóteles, escreve Lenin, forma esférica e se encontram a diversas
a lógica objetiva mistura-se em toda a parte com distâncias da terra. Aristóteles considera este
a subjetiva, de modo que, em toda a parte, a movimento dos planetas eternos e imutáveis, em
objetiva é visível. Não tem dúvida do objetivismo círculo fechado, a forma mais perfeita de
do conhecimento. A crença na força da razão, na movimento da qual são incapazes os corpos
força, na potência, na veracidade objetiva do terrestres. A fonte do movimento dos planetas é
conhecimento é ingênua". o céu das estrelas imóveis, o qual por sua vez,
Em sua lógica, Aristóteles, oscila recebeu seu movimento do primeiro motor divino
que se acha atrás dessa esfera celeste.
também entre o materialismo e o idealismo, entre
a dialética e a metafísica. Em sua lógica há
muitos elementos de dialética, porém sua base é

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

Aristóteles considerava que os objetos uma classe, dos escravistas. Aconselha a


terrestres se compunham da combinação de despojar dos direitos políticos, não só os
quatro elementos primários: escravos como também os artesãos e
• O fogo, agricultores, quer dizer, todos que se dediquem a
• A água, trabalho físico. Mas seria injustiça apresentar
• O ar e Aristóteles como partidário exclusivo da
• A terra. aristocracia escravista. No seu Estado ideal
Igualmente a matéria compõe-se desses concede o papel predominante a gente
elementos. Reconhecia a troca, a transformação arremediada. Na opinião do filósofo, para evitar
uma revolução, é preciso impedir, forçando o
desses elementos básicos uns nos outros: do
aumento do número de homens arremediados, a
fogo pode formar-se o ar, do ar a água, etc.
possibilidade de uma profunda miséria de uns e
Reconhecia as constantes mutações existentes
na terra, a geração e a destruição das coisas de uma riqueza desmesurada de outros. Na
terrestres. Mas, ao estabelecer as causas dessa opinião de Aristóteles o Poder deve pertencer a
mutação, oscila de novo entre o materialismo e o esta gente arremediada.
idealismo. De um lado, condiciona a geração e a 14 A FILOSOFIA DURANTE O
destruição das coisas à aproximação e ao PERÍODO DA DECADÊNCIA DO MUNDO
afastamento entre o sol e a terra. E, de outro lado, ANTIGO
explica essa mutação pelo desejo de perfeição
da natureza que aspira atingir a forma mais A decadência da antiga Grécia começou
próxima da "forma suprema", Deus. A matéria — durante a época helênica do seu
princípio inerte, passivo — opõe-se a essa troca; desenvolvimento, a qual durou da segunda
por isso, o movimento das coisas inferiores para metade do século IV A.C., ou seja, do tempo de
o superior efetua-se na natureza, não de súbito, Alexandre Magno, até a perda da independência
mas através de uma série de fases. Aqui política da Grécia e sua conquista, bem como a
Aristóteles revela uma certa tendência a dos demais países helênicos do Oriente pelos
reconhecer a evolução do mundo do inferior para romanos, nos fins do século II e princípios do I
o superior, do inorgânico para o orgânico. A A.C. "A Grécia morreu devido a escravidão", diz
natureza, a juízo de Aristóteles, no seu desejo de Engels na "Dialética da Natureza".
perfeição, atravessou as seguintes fases: corpo O trabalho forçado, pouco produtivo, dos
inorgânico, vegetal, animal e homem. Este é sua escravos começou a frear o desenvolvimento da
criação suprema. economia grega e a luta de classe entre os
Aristóteles e sua escola dedicaram-se escravos e os escravistas, que cada vez se
também ao estudo dos problemas sociais: tornava mais aguda, debilitou politicamente a
política, Estado, economia. Aristóteles chamava Grécia. Também influiu para esse debilitamento
o homem de "animal político", isto é, considerava- a luta dos indigentes "livre-nascidos" contra os
o um ser social. Manifestando-se um ardente ricos, bem como a luta que se travava entre a
defensor do regime escravista, afirmou que a aristocracia e a democracia dentro da própria
própria natureza sempre dividiu os homens em classe escravista. A Grécia, em consequência de
livres e escravos, determinando que os escravos tudo isso, perdeu sua independência política e
trabalhassem para seus senhores e se lhes converteu-se numa colônia romana.
submetessem incondicionalmente. Aristóteles A decomposição do regime escravista
defende a existência da propriedade privada; grego conduziu também à corrupção da filosofia
considera que a mesma brota da própria grega. Isso se traduziu na transformação da
natureza do homem e que existe eternamente filosofia em idealismo e misticismo. Os filósofos
com a sociedade. Também o Estado existe gregos da época da decadência do mundo
eternamente e é determinado pela natureza do antigo, em vez de estudar a natureza e a vida
homem. Aristóteles considerava a submissão dos social, dedicaram atenção especial aos
cidadãos ao Estado, a observância das leis, a problemas de moral e da conduta pessoal dos
obrigação de não se opor ao regime estatal homens. Os filósofos gregos começaram a cingir-
existente, a justiça e a virtude supremas. se ao círculo dos interesses individuais, dando
Muito se aproxima também do atenção exclusivamente ao estudo dos
reconhecimento de que o Estado é o poder de problemas da vida pessoal, da conduta dos
homens. Criaram diferentes "remédios" morais

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

para auxiliar a classe dos escravistas a manter- defende a teoria atômica de Demócrito. Como
se firme, imperturbável e tranquila. este, acha que a única realidade objetiva são os
átomos materiais móveis e o vácuo. Reconhece
Mas não se deve considerar a filosofia
também a diferença dos átomos pelo seu peso. A
grega da época da decadência da sociedade
escravista como uma nódoa, uma repetição esse respeito Engels escreveu que Epicuro, ao
grosseira das mais antigas escolas idealistas atribuir aos átomos não só grandeza diferente,
gregas. À filosofia antiga marchava para seu como também peso desigual, já conhecia de
crepúsculo. Este crepúsculo, contudo, segundo a certo modo, o peso e o volume atômicos.
expressão figurada de Marx, foi como o pôr do Distinguindo-se de Demócrito, Epicuro
sol, semelhante à morte do herói. Durante as acha que todos os átomos, independentemente
épocas helênica e romana e muito tempo depois, de seu peso, movem-se no vácuo com a mesma
continuou o brilhante desenvolvimento científico velocidade. Na opinião de Epicuro, a colisão dos
especialmente na cidade de Alexandria, que se átomos se produz porque eles se movem
converteu no centro comercial e cultural mais obliquamente, desviando-se da linha reta. Assim
importante do mundo antigo. Os sábios provocam sua concatenação e a formação dos
alexandrinos iniciaram o estudo prático, objetos. A causa desse desvio, para Epicuro, é a
experimental, da natureza. Mas esse casualidade e o livre arbítrio do átomo no seu
desenvolvimento foi suspenso pela onda de impulso interno.
decomposição do regime escravista. Também Este pensamento de Epicuro, apesar de
após a morte de Aristóteles, a filosofia antiga, seu caráter de certo modo idealista, é
apoiada no crescimento da ciência, deu mais
positivamente apreciado por Marx e Engels;
alguns passos para diante. A filosofia da época
Epicuro aproxima-se assim, espontaneamente
do helenismo apresenta nomes ilustres que
do reconhecimento da atividade interna do
elevaram o materialismo grego a um nível mais
átomo, do reconhecimento do auto-movimento
elevado. Epicuro é um desses filósofos da matéria. Lenin faz notar que a filosofia de
materialistas.
Epicuro contém uma série de hipóteses geniais.
Epicuro viveu desde o ano 342 até 270 Quanto à teoria do conhecimento,
A.C., e fundou em Atenas sua escola filosófica.
Epicuro diferencia-se de Demócrito por conceder,
Ao travar conhecimento com a filosofia de exclusivamente, uma grande importância às
Demócrito, tornou-se em seu adepto mais sensações, considerando-as a única fonte do
ardente e continuador. As obras de Epicuro não
conhecimento. Lucrécio, comentando esta
chegaram às nossas mãos, exceto alguns
afirmação de Epicuro escreve:
fragmentos soltos e algumas epístolas. É
característico que o idealista Hegel ficasse
"Sabes? Não só teus livros se verão falidos,
contente com a perda das obras desse ateu e
materialista grego. Tua própria vida perecerá fatalmente
As concepções filosóficas de Epicuro Se não ousares confiar em teus sentidos".
estão expostas de forma sintética no poema
"Sobre a natureza das coisas", escrita por seu As sensações jamais nos enganam. Só
sucessor, o filósofo materialista romano Tito pode haver um erro de conhecimento apoiado na
Lucrécio Caro. A tarefa da filosofia, segundo razão quando esta se desliga das sensações.
Epicuro, é ensinar aos homens os meios de Epicuro concebia as sensações de forma
alcançar a felicidade. O estudo da natureza e primitiva: do objeto separam- se pequenas cópias
suas leis é condição indispensável para alcançar invisíveis ao olho, as quais penetram nos poros
a felicidade. Epicuro, de acordo com esta ideia, dos órgãos dos sentidos humanos. A teoria do
divide a filosofia em três partes: conhecimento de Epicuro apesar da sua
• A física que estuda a natureza e suas leis, ingenuidade, tem um caráter absolutamente
• A canônica ou lógica que ensina o meio de materialista.
conhecer a natureza, e Também interpreta de forma
• A ética, na qual se expõe a doutrina da ingenuamente materialista a alma humana,
felicidade humana. afirmando que a mesma se compõe de átomos
Em sua física, ao mesmo tempo redondos, especialmente móveis, e que se
que combate o idealismo de Platão, Epicuro corrompem junto com o corpo humano. "...os que

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

consideram a alma incorpórea, deliram", diz Epicuro, era mesmo criminosa, pois chegava até
Epicuro numa carta à Heródoto. a assassinar homens para oferecer sacrifícios a
Deus. É verdade que não negava completamente
Os conceitos éticos de Epicuro emanam
a existência dos deuses; porém achava que os
de sua física e de sua teoria do conhecimento. Ao
conceber o homem como uma determinada mesmos, por viverem fora dos limites mundiais,
combinação de átomos, como um ser material, não intervinham na vida humana, não eram
Epicuro vê a felicidade do homem no prazer criadores do mundo nem o dirigiam. Com isto
material e espiritual. O homem aspira ao prazer e refutava também a parte da doutrina de
foge aos sofrimentos físicos. A moral de Aristóteles referente ao primeiro motor divino, e
via a causa do movimento dos átomos e das
Epicuro porém, não é, como pintam os filósofos
coisas da natureza nelas próprias, na própria
da Idade Média e burgueses, a prédica da
matéria.
libertinagem e da orgia. Epicuro só admitia os
prazeres materiais que não contradissessem a Epicuro, em seus conceitos sociais,
natureza do homem, que não provocassem parece que sob a influência da decomposição da
sofrimento. Assim escreve: Grécia escravista e da perda da independência
"Pois o que torna a vida maravilhosa, não política de Atenas, aconselhava a renúncia à
é a licenciosidade, não são os pra- zeres atividade política, pondo acima de tudo, os
carnais entre homens e mulheres, não e interesses pessoais do homem. Contudo,
devorar peixes e outras igua- rias duma reconhecia ao mesmo tempo que a felicidade
mesa rica, mas a razão sensata que individual humana era inatingível somente com
conhece o motivo do que se deve as forças individuais. Por isso, os homens uniam-
escolher e do que se deve recusar refuta se voluntariamente em sociedade concordando
as suposições errôneas que provocam em não causar aborrecimentos sensíveis uns aos
uma grande intranquilidade da alma". outros. Devido a isto Marx afirma que já se
descobre em Epicuro a teoria do contrato
Epicuro previne que o prazer é sempre social, que foi muito mais tarde
acompanhado de sofrimento. Por isso, a desenvolvida por Hobbes e Rousseau.
felicidade plena, a tranquilidade e a serenidade
Um fervoroso adepto da filosofia de
(taraxia), só são atingidas pelo homem quando
ele reduz suas inclinações materiais a satisfação Epicuro na antiga Roma foi Tito Lucrécio Caro,
sem as quais é impossível a existência do próprio que viveu nos anos 99-55 A.C. Ele apresenta
seus conceitos filosóficos no poema "Sobre a
homem (a necessidade de alimentar-se, etc.).
Natureza das Coisas".
Uma das condições mais importantes
para atingir a tranquilidade e a serenidade é a Sem repetir os problemas da filosofia de
ciência, mediante a qual o homem se Lucrécio, já explicados quando foram expostos
os pontos de vista de Demócrito e Epicuro,
desembaraça do temor da morte e dos deuses.
Os homens receiam a morte por não saberem o é preciso acentuar que Lucrécio é o
continuador da linha materialista grega. No seu
que os esperam na vida de além-túmulo. Não
ateísmo ainda vai mais longe: exige a eliminação
existe, porém, vida de além-túmulo. A morte do
homem significa decomposição dos átomos que completa da religião por meio da divulgação cada
o conformam e, por conseguinte, o seu vez mais ampla, dos conhecimentos científicos.
desaparecimento total e bem assim o de sua O mundo, para Lucrécio, nada tem a ver com
alma. A filosofia emancipa também o homem do Deus. O mundo existe e se desenvolve segundo
medo aos deuses, demonstrando-lhe que "fora leis próprias. "Do nada, nada se faz": nada é
do universo nada existe que possa intrometer-se criação dos deuses; tudo nasce dos átomos
materiais eternamente existentes. Na doutrina de
nele e provocar qualquer transformação".
Lucrécio pede achar-se também uma série de
Epicuro era, pois, no fundo, ateu. Foi, conclusões dialéticas. Por exemplo, ele tende a
segundo palavras de Marx, o maior educador da reconhecer que os organismos proveem dos
antiguidade: atacava abertamente a religião corpos inorgânicos. Afirma:
antiga, lutava contra a adoração dos deuses,
"Dos corpos insensíveis nasceram os
contra a superstição. Explicava a crença nas
seres vivos".
divindades como uma consequência da
ignorância dos homens, do seu desconhecimento Particularmente interessantes são seus
das leis naturais. A religião, na opinião de pontos de vista político-sociais, nos quais aborda
43
HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

historicamente a vida social, demonstrando sua regime escravista e da perda da independência


evolução progressiva. Os homens achavam-se, política da Grécia, vai-se consumindo cada vez
primeiramente, num estado selvagem idêntico ao mais.
dos animais; viviam em bosques e cavernas, não
Ao submeter a Grécia, Roma apropria-se
tinham roupa nem conheciam o fogo; comiam os também dos seus valores culturais, entre eles a
alimentos em seu estado natural; suas relações filosofia grega. Inicia-se uma peregrinação dos
sexuais eram desordenadas. Em seguida, depois filósofos gregos à Roma. Mas também aqui
de muitos séculos, elevou-se-lhes um pouco o aparece o crepúsculo do regime escravista.
nível cultural. Embora os romanos contassem com uma série
Começaram a confeccionar roupas com de filósofos ilustres, em geral a filosofia romana
peles de animais e a construir casas. Iniciaram o não tinha um caráter original como a da antiga
uso do fogo; aprenderam a empregar os metais; Grécia. Os filósofos romanos, em sua maioria,
criaram a família. Mais tarde, os homens, por livre limitavam-se a reelaborar a filosofia grega. No
e espontânea vontade, uniram-se em clãs e império romano, a filosofia teve um caráter
tribos e criaram o Estado. Por fim, surgiram as predominantemente moral-religioso. A classe
cidades, a propriedade privada, e, derivando-se dominante buscava encontrar, na moral e na
dela, a divisão dos homens em ricos e pobres, os religião o apaziguamento das desordens sociais
quais mantinham-se em luta constante. Lucrécio e um meio de fortalecer a sociedade escravista
via a causa deste movimento histórico da em decomposição. Por isso, com exceção do
sociedade, do crescimento da sua técnica e da materialismo de Lucrécio e de outros discípulos
sua cultura em geral, no progresso do de Epicuro, as escolas filosóficas idealistas
conhecimento da natureza pelo homem e em sua gregas dos históricos, céticos, ecléticos e
aspiração de satisfazer as próprias neoplatônicos tiveram em Roma a maior
necessidades. A filosofia grega, depois de divulgação.
Epicuro, sob a influência da decomposição do

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

15 BIBLIOGRAFIA BÁSICA
CHAUÍ, M., Introdução à História da Filosofia, vol. 1, São Paulo: Companhia das Letras 2008.
REALE, G., ANTISERI, D., História da Filosofia, vol. 1. São Paulo: Paulus 1990
REALE, G., História da Filosofia Antiga, vol. 1 (Pre-socraticos e Orfismo); 3 (Platão), vol. 4 (Aristóteles).
São Paulo: Loyola 1994.
REALE, G., O saber dos Antigos. São Paulo: Loyola 1999.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ARISTÓTELES, Metafísica. Traduzida, comentada e anotada por G. Reale, 3 vols. São Paulo: Edições
Loyola, 2001.
GOLDSCMIDT, V., Os diálogos de Platão: Estrutura e Método dialético. Trad. D. D. Macedo, São Paulo:
Edições Loyola 2002.
PLATÃO, A Republica. A. L. A. A. Prado, São Paulo: Martins Fontes, 2006.
SCOLNICOV, S., Como ler um diálogo platônico, in “Hypnos” 8, n. 11-2 semestre 2003, São Paulo, pp.
49-59.

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