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Revista das crianças No.

Dezembro de 2011
MST

índice
Editorial
O PERIGO
4
Olá Sem Terrinha!

A quarta edição da Revista das crianças Sem Terrinha


dos venenos

o
pg.

i
veio recheada de novidades para nós!

B al a
A nossa revista, desde sua primeira edição, vem

8
ficando cada vez mais bonita e colorida, nos detalhes que
os desenhos mostram, na nossa organização coletiva,
nas brincadeiras, nos jogos que todo mundo gosta! As pg .
historinhas têm contado sobre nossa vida, a realidade do
nosso país, a organização dos nossos assentamentos e
acampamentos...
CANTINHO DA

12
Nesta edição vamos fazer um passeio com Flora e Vital, conhecendo a
LEITURA
Agroecologia e sua importância para a nossa agricultura. No nosso

J
assentamento quais são os tipos de produção que existem? E como pg.
plantamos e cuidamos das nossas produções? Vamos conhecer

13 do Mico
ogo
também a cartinha que o Nonno (é como chamam avô, nos estados do
sul) enviou para nós sobre o perigo dos venenos para nossa vida e para
o planeta. pg.
E sabe o que tem mais? Um jogo de cartas! Vamos aproveitar o momento
de leitura da Revista para marcar um encontro! Também tem ditos populares, “Caranguejo
r
quadrinhas, adivinhas, que também podemos criar brincando e enviar para o Jornal e a ou , po AGRO + não é peixe,
r
Revista Sem Terrinha - que são nosso espaço nacional de comunicação no MST. n oa vi
a ” ECOLOGIA caranguejo peixe é...”
“A c virar...
ela

18
ar
Sabia que esse ano o nosso movimento organizou muitas atividades culturais deix
com as crianças Sem Terrinha? Você participou de alguma atividade de teatro,
de musica, de arte e brincadeiras? As meninas e meninos Sem Terrinha cantam e pg.
encantam nos assentamentos e acampamentos, temos nossas músicas, brincadeiras
e poesias que as outras crianças do Brasil precisam conhecer! Escrevam pra gente
contando o que anda acontecendo.

Boa leitura... e até a próxima!


MST

Cartinha do Nonno:

O PERIGO
Acontece que esse veneno é feito numa fábrica, e é um produto que não
desaparece na natureza. E, mesmo depois de matar algum inseto ou alguma
plantinha, ele fica lá. Os venenos ficam dentro dos

dos venenos
alimentos, escondidos: no óleo de soja, na polenta, no mingau
do milho... Até no leite das vacas! Se no pasto tinha
veneno, a vaca come o pasto, leva o veneno pra
dentro de si, e depois despeja junto com o leite.
Quando vamos tomar o leite, tem lá um
pouquinho de veneno. Nas frutas, então...
Amiguinhos e amiguinhas, Cada vez que colocam veneno para
espantar mosca, o veneno mata
a mosca, mas fica lá dentro da
Cada um de nós, nas nossas casas ou na escola, já viu alguma formiguinha e
maçã, da uva, do pêssego, do
teve vontade de matá-la, não é? Uma mosca ou um mosquito que nos azucrina,
tomate. Tudo isso vai pra
logo queremos dar um tapa. Uma barata, então, deus me livre! Claro, sempre
dentro do nosso estômago,
que, em um ambiente, tem muitos insetos, eles podem ser prejudiciais e até
lá dentro de nosso
afetar a higiene de nossos alimentos. Mas, a existência deles faz parte do
organismo mata nossas
grande mundo dos seres vivos que habitam, nossa casa comum: a Terra.
células e provoca doenças,
que podem até matar as
Cada ser vivo, uma plantinha, uma flor, uma abelha, uma mosca, uma
pessoas também! Algumas
formiguinha, tem sua função. Um ajuda ao outro. Mesmo quando um come
doenças aparecem logo; o
o outro, está contribuindo para o equilíbrio entre todas as espécies. Mas,
sujeito começa a ter dor
o danado do ser humano, em muitas regiões, resolveu viver sozinho. Não
de cabeça, se sentir tonto.
quer companhia de mais ninguém... E por isso inventou o veneno agrícola,
Mas, as piores doenças são
que também é chamado de agrotóxico, que mata a vida na agricultura.
aquelas que vão se acumulando
No início, usávamos o veneno apenas para acabar com alguns insetos
na pessoa e, depois, viram
mais chatos. Mas, de uns tempos para cá, estamos usando veneno
um câncer. Você conhece algum
para matar muita coisa; tudo o que não queremos perto: matamos
parente, vizinho que já teve câncer?
ervinhas, matamos bactérias e outros seres vivos que não
Pergunte a eles. No fundo, podem
enxergamos, mas que vivem na Terra. Matamos até as
crer que isso pode ter ligação com o uso de
abelhas! Tudo isso para que só fiquem vivos o homem
veneno na plantação, ou com o consumo de comida
e alguma planta com a qual queira ganhar dinheiro,
tratada com veneno.
como por exemplo,
a soja, o milho etc.

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MST

Imaginem que as fábricas de veneno só querem ganhar dinheiro, vendendo


cada vez mais veneno. O fazendeiro ou agricultor desavisado quer usar mais
veneno para salvar a lavoura. E assim, o Brasil virou o país que mais consome
veneno no mundo. Em média, daria 5 litros de venenos por pessoa num ano.
Já viu que desgraça? Então, vocês que são sabidos, que sabem ler, que estudam
bastante na escola, que querem ter uma vida saudável, sem doença, precisam
ajudar na campanha contra o uso de venenos! Cada um de vocês pode se
transformar num vigilante contra o uso de veneno.

Ficar atento se, em casa, os pais estão usando veneno agrícola e avisálos do
perigo. Nós sobrevivemos mais de 10 mil de anos nesse planeta sem venenos.
Apenas de 50 anos para cá as empresas, para ganhar dinheiro, inventaram
o veneno. Mas a gente pode e deve produzir alimentos sem isso! Mesmo que
a fruta não fique tão grande, nem tão lisinha, será muito melhor para nossa
saúde.

Nosso movimento está fazendo uma Campanha Permanente Contra os


Agrotóxicos e Pela Vida. Vamos fazer uma brigada das crianças, contra
o veneno e por uma vida saudável. Cada vez que vocês descobrirem que
alguém esta usando veneno na agricultura falem para a professora, comentem
em casa. Vão visitar o agricultor que está usando e contar para ele sobre a
nossa campanha. Vamos salvar a vida de muitas plantas e animais. Vamos
ajudar a salvar a vida de muita gente.

VENENO, NUNCA MAIS!


MST

Balaio o que é o que é:


é duro, gordo e careca
é branquinho, sim senhor
sua mãe é desdentada
e seu pai é cantador?
é o ovo!
O mosquito escreve
você me mandou cantar (Ceília Meireles) não há tinta nes
sa rua
nem papel nessa
pensando que eu não sabia cidade
O mosquito pernilongo nem caneta que
pois eu sou que nem cigarra dê conta
trança as pernas, faz um M,
canto sempre todo dia de escrever minh
depois, treme, treme, treme, a saudade
faz um O bastante oblongo,
faz um S.
nas
ce despedida
o eu vou dar a
quero-quero
d m O mosquito sobe e desce.
uan jardi ndo
seir
a q o a como deu o
Você conhece a Mafalda? ta d
a ro a con ndo b e mim
usc Com artes que ninguém vê,
po is d a fe s ta acabada
de
tom bém a onta d faz um Q,
a s p ra q u e te quero
m ec faz um U, e faz um I. per n
e u ta tom
A Mafalda é uma garotinha muito esperta m
que
e curiosa, que sempre está pensando sobre
como o mundo funciona! Ela foi criada por Este mosquito
um desenhista argentino, chamado Quino. esquisito
cruza as patas, faz um T.
Que tal procurar saber mais sobre ela? E aí,
se arredonda e faz outro O, o que é o que é:
mais bonito. não tem boca e sempre morde
o que é o que é: não engole , nem tem peito
Oh! só na corda entra na água
que coisa, que coisa é passa a vida na janela e mesmo Já não é analfabeto,
dentro de casa está sempre fora dela? esse inseto,
sendo torto está direito?
Anzol
é o botão! pois sabe escrever seu nome.

Mas depois vai procurar


alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
Já dizia o ditado...
LARANJA MADURA, NA BEIRA DA ESTRADA, OU TÁ BICHADA OU
não é, criança?
TEM MARIMBONDO NO PÉ!
MST
MST

Vamos JOGAR?

CANTINHO DA
Jogo do Mico
Uma pessoa começa embaralhando
e distribuindo as cartas, uma por
LEITURA uma, da direita para a esquerda
até acabar. Inicia o jogo quem
está do lado esquerdo de quem
SEMENTE distribuiu as cartas. Ela vê se
(MST – Fazendo história nº 6) tem algum par. Se tiver,
Este livrinho traz poesias lindas, para
gente pequena e gente grande. Falam das põe na sua frente,
sementes, das plantas, dos bichos, da vida e passa uma carta
ao nosso redor. Foi um presente do nosso para a esquerda. A próxima
amigo, o escritor Carlos Rodrigues Bran- pessoa faz a mesma coisa, e
dão, para as crianças Sem Terrinha.
assim por diante. Quando
“Você já pensou alguém tiver abaixado todas as
(e pensou por que) suas cartas, termina a partida.
Que uma semente Quem estiver com a carta do
Algum dia
Já foi...você?” agrotóxico na mão terá que
pagar uma prenda!

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MST

Cole esta página


numa cartolina ou
outro papel mais
resistente, para
durar mais.
Recorte as
cartinhas e leia as
instruções para
jogar!
MST

AGROECOLOGIA COMO
ALTERNATIVA
(ANCA/AIN)
Nesta cartilha vamos entender através
dos versos de Fabio de Carvalho e dos
desenhos de Wilsom Gomes como foi que
algumas tecnologias, que foram avançando
com a promessa de melhorar a produção
dos alimentos e a vida das pessoas, acaba-
ram contribuindo para a destruição da na-
tureza e o envenenamento dos alimentos.

“Preservar espécies nativas,


Não devastar o terreno,
Manter a água limpa
E cultivar sem veneno!”
AGRO ECOLOGIA
MST

Dona Irene observava Flora e Vital, que olhavam pela janela do ônibus, com a ansiedade Ao chegar na casa de seus tios, parecia tudo muito bonito e organizado: tinha muitas árvores,
estampada nos rostos. Era grande a expectativa das crianças, pois já fazia algum tempo que sombra, clima agradável; pássaros e insetos que vinham buscar a doçura das frutas e flores.
não visitavam seus tios. Assim como eles, tio Zeca e tia Clara moravam num assentamento, mas Se escutava ao longe o barulhinho das águas de um pequeno rio, que não se podia ver dali,
em outro estado; por isso não iam visitá-los mais vezes, como porque tinha suas margens protegidas por uma bonita floresta.
gostariam.
Tio Zeca e tia Clara os esperavam na frente da casa.
Como já não se lembravam da última viagem que haviam feito para lá, eram muitas as no-
vidades que percebiam na paisagem, no jeito das pessoas, nas cidades pequenas e grandes - Nossa! Como vocês cresceram! - comentou a tia.
pelas quais passavam. Quando chegaram ao assentamento em que viviam seus tios, repararam
no entorno da agrovila, com árvores frutíferas nas entradas. - Sejam bem vindos! - falou Zeca, abraçando sua irmã
e depois seus sobrinhos. Estávamos com saudades.
Apenas acomodaram sua bagagem e já foram recebi-
dos com um belo café da manhã, com muitas frutas.

- Tudo está muito gostoso, obrigada! - comentou


Flora. Vital concordou balançando a cabeça, sem
parar de se deliciar com tudo aquilo.

- Vocês podem comer sossegados, disse a tia. Os


alimentos que produzimos aqui são agroecológicos.
Os que comemos e também os que trocamos ou
vendemos, porque todos merecem comer bem e ter
saúde. Temos muito orgulho disto. Infelizmente, sa-
bemos que a maioria das pessoas, em muitos países
do mundo, compra nos supermercados comida cada
vez mais contaminada com agrotóxicos. Por isso
também o número de doenças e pessoas doentes é
cada vez maior...

- Mas o que é mesmo “agroecológico”? - perguntou


Vital.

- Bem, posso tentar te responder, disse tio Zeca,


mas acho mais fácil fazer isso enquanto caminhamos
pela área da produção. Pode ser?
- Siiiiiiim! Vamos!!! - concordaram as
crianças.

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MST

o que gostavam de cultivar.


Descobrindo - Esta horta serve mais para o nosso consumo, plantamos aqui muitos tipos de verduras e legu-

a agroecologia mes que gostamos, para termos diversidade o ano todo. - contou tia Clara.

- Mas parece que está tudo meio misturado! - se admirou Vital, vendo que nos canteiros haviam
também flores e outras ervas para temperos e chás.
Saíram então para conhecer o assentamento. Zeca levou-os até pertinho da floresta, e começou
a comentar: - Na natureza, meu querido, não tem cultivos separados como nós costumamos fazer; pelo con-
trário, quanto maior a diversidade de vida (que chamamos biodiversidade) mais tem interação
- De modo bem simples, a própria palavra nos ajuda a responder tua pergunta, Vital. Agroe- entre as espécies das plantas, animais e microorganismos. Aí estão os seres vivos que se alimen-
cologia vem de AGRO + ECO + LOGIA tam das plantas, mas também outros que se alimentam deles, então tem condições de haver um
maior equilíbrio.
As duas crianças franziram as sobrancelhas, com aquela expressão de “entendi... mas não com-
preendi”. - Este é um bom exemplo, interveio tio Zeca, daquilo que nós falávamos antes. A biodiversidade
que existe nos ambientes naturais é uma lição que podemos aprender da natureza, e deve ser
- Agro ou agri, continuou o tio, vem da palavra agricultura ou agropecuária, que quer dizer um princípio para utilizarmos na horta e em qualquer cultivo.
cultivo dos campos, isto é, trabalho humano para cultivar a terra e produzir aquilo que as pes-
soas necessitam. Eco + logia significa o estudo dos seres vivos e as relações deles com o am- - Bacana! E fica mesmo até mais bonito. Pelo menos eu acho! - comentou Flora.
biente. Então juntando isto, podemos dizer que seria o estudo das formas de como organizamos
as relações entre as pessoas e a natureza, para produzir aquilo que necessitamos. Ou de forma
mais simples, Agroecologia é um jeito de pensar e de produzir alimentos e o que mais precisa-
mos para viver, mas respeitando a natureza, sem destrui-la.

- Acho que compreendi, disse Flora. É sermos companheiros e companheiras da natureza...

- Isso mesmo, concordou tio Zeca. E só conseguimos


isso quando conhecemos melhor a natureza, ou seja,
sabemos como ela se comporta, seus tempos... Por
isso uma floresta, que é um ambiente natural,
pode nos ensinar várias lições sobre a natu-
reza. Essa lições nós chamamos de “princípios”,
que precisamos buscar quando cultivamos
a terra e criamos animais. E quanto mais
parecido com o jeito de ser da natureza
for nosso jeito de produzir, de comer,
de viver, menos nós vamos agredir
a Mãe Natureza e teremos mais
equilíbrio e menos dificuldades
com a agricultura.

As crianças ficaram ca-


ladas, pensativas. Conti-
nuaram a caminhada, e
encontraram a mãe e tia
Clara na horta, conversan-
do sobre como plantavam e

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MST

Seguiram para ver a lavoura, que o tio mostrava com entusiasmo. - Ah...Mas o que são esses tais venenos químicos, tio? - quis saber Vital.

- Aqui temos plantado feijão, mandioca e abóbora... - continuava tio Zeca. - São os produtos químicos industrializados que se usa na agricultura, como os agrotóxicos
e adubos químicos. Esses produtos contaminam e matam a vida da terra, as águas, os
- Tio, eu não me lembrava destas coisas aqui... Vocês já faziam agroecologia antes? - Flora, animais e as pessoas. Além do mais, são caros para comprar, fazendo com que se preci-
curiosa, perguntou. se pegar financiamento no banco, e depois é difícil sair das dívidas.

- Nós podemos dizer que começamos já faz uns quatro anos. Mas de certo modo, muitas práti-
cas já fazíamos antes, desde o tempo dos seus avós e bisavós, quando se vivia sem achar que - Mas se são tão ruins, porque as empresas usam tanto veneno químico para produzir? -
havia necessidade de venenos químicos. Aliás, nem sabíamos o que era isso! Também ajudaram perguntou Flora.
muito o incentivo da nossa coordenação do MST, e dos companheiros e companheiras que já
faziam produção agroecológica no assentamento. - Quando se faz monocultura, ou seja, se cultiva em uma grande área uma única espécie,
se destrói todo equilíbrio que a biodiversidade oferecia. Geralmente,
quem faz isso não é um pequeno produtor, mas uma ou mais em-
presas que só vêem na terra a chance de ganhar muito dinheiro,
o que chamamos de agronegócio. O agronegócio precisa de gran-
des extensões de monocultura, e um campo vazio de gente, para
ter lucro.

Vital lembrou da grande plantação de cana no caminho de vinda


e da sensação ruim que sentira.... Tinha ouvido falar de “deserto
verde”, e foi exatamente o que lhe pareceu; uma sensação de va-
zio... Nem as plantas que estavam ali pareciam realmente vivas.

- Então, prosseguiu tio Zeca, não resta outra alternativa para


os insetos e microorganismos a não ser se alimentar da única
coisa que existe ali. Por isso passam a ser vistos como “pra-
gas”, como nossos inimigos, que têm que morrer. A mesma coisa
acontece com outras plantas que aparecerem.

- Mas eles não vão mesmo prejudicar? Tem algum outro jei-
to? - Vital quis saber.

- Sim, claro que tem! O princípio é valorizar a vida, então


buscamos primeiro conviver: apenas espantar, fazer arma-
dilhas ou outras formas de controlar somente os seres que
mais prejudicarão os cultivos e as criações. Mas principal-
mente, temos que reconstruir a biodiversidade, porque ela
ajudará no equilíbrio.

- Zeca, a prosa está boa mas a caminhada foi longa,


essas crianças precisam comer! - alertou dona Irene.

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MST

Agroecologia vai ganhar força junto com Reforma Agrária! Bom, o principal vocês já têm, que é
a terra e a capacidade de trabalhar. Mas tem outra coisa fundamental. A agente faz agroeco-

Fome de logia quando tem conhecimento. Por isso é preciso aprender (ou reaprender) a observar a natu-
reza e tirar aprendizados, resgatar os conhecimentos tradicionais, das gerações passadas, porque
elas também aprenderam muito com a natureza e já fizeram muitos testes de coisas que deram
aprender certo e outras não.

- Puxa, a gente tem que conversar com as pes-


soas mais antigas lá do assentamento, antes
que elas fiquem velhinhas e não consigam lem-
Depois do almoço, as crianças descansaram um brar pra contar pra gente! - concluiu Vital.
pouquinho nas redes da varanda. Estavam encan-
tados com o que tinham visto até ali. Sua mãe os - Isso mesmo, vocês devem aproveitar cada
observava da soleira da porta, com a certeza de chance que tiverem de aprender com os mais
que tinha feito certo em trazê-los. A viagem longa velhos sobre as formas mais antigas de lidar
e as passagens caras eram dificuldades que esta- com a natureza. Mas também é preciso buscar
vam valendo a pena; seus filhos estavam finalmente novos conhecimentos, estudar, conhecer outras
conhecendo de perto as possibilidades de um futuro experiências. Dizem que a agroecologia é isto
digno no campo. Quando Zeca e Clara vieram para mesmo, o resultado do diálogo da sabedoria po-
fora, comentou: pular e o conhecimento das escolas e universida-
des, que ajuda a conhecer melhor onde vivemos,
- Gente, vocês sabem que eu não vim antes não é para viver melhor, e por muitas gerações. Por
porque não tive saudade. Mas enquanto a gente não isso a cultura popular e camponesa é tão impor-
conquistou a terra, não dava para deixar o acam- tante.
pamento... Além disso, eu precisava trazer esses dois
comigo. Quanta alegria, quanta curiosidade! Nem sei Tia Clara convidou todos para ver a criação de
como agradecer, viu... gado para produção de leite. Ela explicou que
parte do leite era para o consumo, mas a maior
- Ora, mana, o que é isso... Nós também passamos parte da produção era vendida através da pró-
por toda essa luta, sabemos das dificuldades. Ficamos pria cooperativa do MST da região. E que traba-
muito felizes quando saiu o assentamento de vocês, e lhar com cooperação e não depender do mercado
mais felizes ainda de poder ter vocês aqui conosco! - do agronegócio faz parte da Agroecologia.
disse Zeca, de pronto.
- Ah, eu já tava achando que era só não usar os
Logo as crianças se espreguiçaram, e quiseram con- venenos e ter diversidade...- reclamou Flora.
tinuar a conversa de onde haviam parado. - Isso também, querida. Aliás não há agroecologia
sem essas condições. Mas não é só isso. - disse
- Tio, o que precisa para começar? - pergun- Tia Clara. Nós temos outra proposta da forma
tou Flora. de organizar a produção e a vida como um
- Começar o que, menina? Já acorda matu- todo. Os camponeses e camponesas são
tando! - Zeca deu risada. muito importantes, porque somos nós que
- Começar a agroecologia num lugar, podemos produzir alimentos saudáveis e
né! - respondeu Vital, num pulo. sem veneno para toda a população,
com diversidade, aproveitando sem
- Entendi, meus sobrinhos estão abusar dos recursos que a na-
querendo levar logo a agroeco- tureza mais o trabalho humano
logia para o assentamento novo... oferecem. Mas não adianta a
Por isso que eu acredito que a gente produzir sem destruir o
ambiente, se for viver da ex-
24
MST

ploração do trabalho dos outros! lá do assentamento onde eu moro”? - Flora começava a imaginar.
- Como assim, exploração do trabalho dos
outros? - Vital quis saber. - É, além de trabalhar junto, também necessita organi-
- Quer dizer que agroecologia de verdade zação... - começava a falar tio Zeca, quando viram
também não tem patrão? - Flora se espan- chegar alguém.
tava cada vez mais.
- Isso mesmo. Vocês estão ligeiros, hein? Era Joel, o coordenador do Núcleo de Base de
Nós seres humanos às vezes nos es- que tia Clara e tio Zeca faziam parte. Ele veio
quecemos que também somos parte da chamar as famílias para uma reunião
natureza. Você por acaso já viram no dia seguinte: o fazendeiro vizi-
por acaso um animal mandando o nho estava pulverizando agro-
outro trabalhar para ele? Claro que tóxicos de avião sobre
não. O equilíbrio também vem da suas lavouras, atingin-
gente viver e trabalhar em co- do as plantações no
letivo. Cada pessoa fazendo uma assentamento.
parte, ensinando aquilo que sabe,
aprendendo com o outro, todo - É, como vocês po-
mundo ajudando na construção: dem ver, a luta não
de uma horta, de uma casa, uma para nunca! Essa
escola, uma festa... e assim por construção precisa,
diante. Ninguém é mais do que além de tudo, de
ninguém; todo mundo tem sua persistência. -
função. - tia Clara explicou. comentou Irene.

- Que nem era lá no acam- - Vamos entrar, Joel,


pamento... - lembrou Flora. vamos tomar um café?
- convidou Clara.
- Então a gente não vai co-
meçar do zero! - comemorou Todos ficaram conver-
Vital. sando até o anoitecer,
contanto histórias daquele
- Claro que não, crianças. - assentamento, do assen-
emendou tia Clara. - Vocês tamento onde viviam Flora
estão aprendendo a planejar e rea- e Vital, e muitas outras histórias. Não
lizar as coisas coletivamente desde pequeninos, na demorou muito, foram chegando outras pessoas. Seu Joca puxou uma viola, ele e
Ciranda Infantil... a sobrinha Matilde começaram uma cantoria de dar gosto.

- Isso é mesmo... são Sem Terrinha muito organizados, esses daí - brincou, orgulhosa, dona Ire- Naquela noite, Vital e Flora foram se deitar, mas demoraram um pouco para dormir. Pensavam
ne. Mas digam, vocês estão já conseguindo viver dessa produção? no dia seguinte, em como seria gostoso tomar banho de rio e brincar com as outras crianças
que iriam com suas famílias para a reunião. Pensavam também em como fazer Agroecologia
- Veja, a gente teve muita dificuldade no começo. Porque vocês sabem, tem muito mais recurso quando voltassem para casa...
que vai para os grandes produtores do que para os pequenos, e além disso não tem apoio para
quem produz sem veneno... os próprios técnicos às vezes duvidam que é possível! Esse ano o que
nós conseguimos, que foi muito bom, foi firmar a venda da produção para as escolas aqui da A Revista Sem Terrinha foi elaborada coletivamente Endereço: Alameda Barão de Limeira, 1232 - Campos
região. - contou tio Zeca. pelos Setores de Educação, Comunicação e Cultura. Elíseos - São Paulo /SP
Os desenhos foram feitos por crianças CEP: 012020-002 - Tel/Fax: 11 3362.3866
- Nossa! Que legal! - comemorou Vital. Sem Terrinha de todo o Brasil. Correio eletrônico: revistasemterra@mst.org.br
Agradecemos a todas as pessoas que de alguma forma con-
tribuíram para este trabalho! 2011
- Já pensou, a gente almoçar na escola e poder dizer assim “esse alimento é sem veneno, vem
MST

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