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sem autorização por escrito dos editores.
l" Edição
2003

1 • Edição Revisada
2004

2ª Edição
2007
3• Edição Revisada
2011

Editores
Jngo Bernd Güntert e Juliana de Vi/lemor A. Güntert

Assistente Editorial
Aparecida Ferraz da Silva

Editoração Eletrônica
Sergio Gzeschenik

Produção Gráfica
Fabio Alves Melo

Capa
Nuovo Design

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Comportamento humano no trânsito / Organizadores
Maria Helena Hoffmann, Roberto Moraes Cruz, João Carlos Alchieri. -- 3. ed. -- São
Paulo : Casa do Psicólogo® , 2011.

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-62553-46-2

1. Motoristas - Psicologia 2. Motoristas - Testes 3. Trânsito - Aspectos psicológicos


1. Hoffmann, Maria Helena. II. Cruz, Roberto Moraes. III. Alchieri, João Carlos.
10-06726 CDD-155.92

Índices para catálogo sistemático:


1. Comportamento humano no trânsito: Psicologia 155.92
2. Trânsito: Comportamento humano: Psicologia 155.92

Impresso no Brasil
Printed in Brazi/

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não necessariamente correspondendo ao ponto de vista da editora.
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ão em língua portuguesa à

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ÁMBIENTE, TRÂNSITO E PSICOLOGIA
Reinier J. A. Rozestraten

1. INTRODUÇÃO

Discutir as inter-relações entre o Ambiente, o Trânsito e a Psicologia significa


dem onstrar o quão são abrangentes os elementos envolvidos na caracterização dos pro­
cessos de trânsito. Começamos com o Ambiente e a Psicologia Ambiental, depois com
o que o homem inventou - o Trânsito e o Ambiente dele - e, por fim, a Psicologia de
Trânsito, sua interface com a Psicologia Ambiental e suas tarefas atuais e potenciais.

2. Ü AMBIENTE

O homem sem o ambiente é quimérico. Nossa existência é impensável sem ambiente,


pois somos vivos graças ao ambiente. Começamos no ambiente dentro da nossa mãe.
Entramos mais ou menos traumaticamente num outro ambiente, com luz, com formas,
cores e movimento, com ar para respirar, com leite para nossa nutrição. A partir de então,
viver é uma constante exploração do ambiente.
Mais do que um ser social o ser humano é um ser ambiental, ligado tão inti­
mamente com seu ambiente que cinco minutos fora dele, cinco minutos sem ar, ele
morre. O ambiente é tudo para nós. Funcionamos em um ambiente onde recebemos os
estímulos para nossos órgãos de sentidos, as imagens visuais, sonoras e táteis (Lévy­
Leboyer, 1980).
Nossos pensamentos referem-se a coisas do ambiente, nossa vontade somente age
dentro dele e nosso comportamento sempre se processa nele. Todas as nossas ações
realizam-se no ambiente, permitindo trabalhar, cantar, construir (Rozestraten, 1988). A
dependência do ambiente mantém os seres humanos num tipo de inserção tal como um
peixe no oceano. Espaço e tempo, oxigênio e alimento. Não apenas vivemos no ambiente,
mas pertencemos a ele. Vivemos no ambiente e, ao mesmo tempo, somos parte dele. O
ambiente determina-nos, pois somos frutos de uma longa evolução ambiental, desde o
Big Bang. Esse ambiente, através de bilhões de anos, se construiu até chegarmos a con­
dição intelectual de pensarmos a superação das dificuldades de sobrevivência.
É fato que com o homem o ambiente mudou. Enquanto os outros animais se satis­
faziam com seus abrigos em cavernas, cavando suas pequenas tocas, construindo seus
ninh os nas árvores, o homem começou a cultivar a terra, domesticar os animais, construir
suas habitações. Com o homem, a terra começou a mudar, transformando o ambiente
para servir às suas necessidades.
COMPORTAMENTO HUMANO NO TRÂNSITO

A noção de ambiente permite distinguir: um ambiente material natural consti.


tuído por toda matéria que nos cerca - o céu, o sol, a lua, os astros, o cosmos, 0 vento
as chuvas e todos os fenômenos climatológicos, os oceanos, rios, praias, montanhas �
planícies e milhões de outras coisas mais; um ambiente material construído, quer dizer,
tudo o que a cultura humana construiu em habitações, palácios, monumentos, edificios
e vias; um ambiente vivo, com centenas de milhares de espécies de plantas, de insetos
de peixes, de aves, de mamíferos. Dentro deste último, temos o ambiente social, cons.
tituído por bilhões de pessoas, que percebem, sentem, pensam, desejam e que buscam
o equilíbrio entre o que se é e o que pode fazer, uma espécie de homeostase somática e
psíquica. De toda a forma, assim como os outros fazem parte do nosso ambiente social
nós fazemos parte do ambiente social dos outros: somos ambiente.
A sociedade humana tomou-se evolutivamente mais complexa em termos da relação
entre os diversos ambientes, particularmente em defesa das necessidades humanas, seja
em busca de uma paz ecológica, seja de manutenção de instintos egoístas que preju.
dicam a convivência no ambiente.
Muitas vezes, no trânsito, surgem conflitos de interesses de um grupo na socie­
dade contra outro (Vasconcelos, 1985). Criam-se leis, normas e regras para o respeito e
para a convivência. Não há sociedade humana que não possua formas de controle para
o comportamento social, da mesma forma que é possível afirmar que não há nenhuma
atividade humana, com algum grau de importância, que não tenha regras para exercê-la.
Até para assoar o nariz ou para tossir temos regras.
O ser humano construiu uma imensa constelação de leis que constituem o ambiente
normativo. Vivemos num ambiente que solicita uma adaptação constante - exigências
mais gerais ou específicas sobre como ser, a conduta individual, mesmo considerando
os diferentes graus de isolamento aos quais os indivíduos possam ser submetidos.
Quase toda a nossa educação é voltada ao ensino de regras: de como falar, de como
se comportar nas diversas situações, na igreja, na festa, na empresa, ao fazer compras em
um supermercado. A criança é educada para a cidadania, quer dizer, para se comportar
conforme as condições que o ambiente oferece para o exercício do seu potencial de aprendi­
zagem e ação. Somos cercados por normas, assim como somos cercados pelo ar. Entramos
em pânico quando essas regras são quebradas por meios violentos. É pelo ambiente nor­
mativo, que às vezes nos sufoca, que procuramos segurança e bem-estar.

3. A PSICOLOGIA .ÁMBIENTAL
Se a Psicologia Ambiental estudasse o homem como um ser ambiental seria urna
espécie de psicologia geral dando conta de todos os ambientes que estão em relação corn
o homem. Porém, em primeiro lugar, é uma psicologia e, como tal, se ocupa do com­
portamento e suas causas, com as capacidades perceptivas, cognitivas, volitivas e

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CAJ>{TIJLO 2 - AMBIENTE, TRÂNSITO E PSICOWGIA

emocionais. Em segundo lugar, não interessam à Psicologia Ambiental todos os


ambientes. O ambiente material interessa muito aos engenheiros, arquitetos e urbanistas
e somente nos interessa à medida que possa influenciar nosso comportamento ou ser
influenciado por ele. O ambiente social constituído pelos comportamentos, especial­
mente dos seres humanos, é também o campo dos psicólogos sociais. A interação dos
animais dentro do seu ambiente, sua maneira de agir sobre este ambiente vivo é de inte­
resse dos etólogos. O campo da Psicologia Ambiental restringe-se mais à maneira como
os ambientes material e vivo agem sobre o homem e como o comportamento do homem
influencia esses ambientes.
É muito dificil dizer onde corre exatamente a linha divisória entre a psicologia
social, a psicologia ambiental e a ciência dos urbanistas, arquitetos e engenheiros, naquilo
que se refere aos conhecimentos do ambiente social. As diferentes disciplinas da Psi­
cologia, apesar de procurarem distinguir seus campos teóricos e metodológicos, devem
satisfazer a condição inequívoca de compreender o complexo do ambiente social. É do
interesse dessa compreensão até mesmo fomentar o diálogo e a reflexão com outros
campos da ciência no sentido de afirmar promover a reflexão sobre a realidade que nos
cerca e a qual influenciamos.
A verdade, pela qual se orienta o espírito reflexivo humano, é construída na histori­
cidade dos eventos do ambiente. Para as diferentes ciências que estudam a inter-relação
homem-ambiente, as verdades são hipóteses que pretendem ser confirmadas ou refutadas
pelo conhecimento permanentemente construído. Talvez seja por isso que é possível
afirmar que a ciência progride. Um grande passo dado foi à constatação da relatividade
das verdades - a ideia de que a ciência deva se orientar pela avaliação das tendências
dos acontecimentos ou pelo seu futuro provável (Seminério, 1977; Cruz, 2002).

4. Ü TRÂNSITO E O AMBIENTE

Muito antes de inventar a roda - mais ou menos 5000 anos a.e. -, os comerciantes
do Oriente levavam seus produtos no lombo de animais por longas jornadas, para efetuar
trocas nas aldeias. Ao compararmos esses comerciantes com o automobilista, hoje, que
dirige seu automóvel sobre autoestradas, podemos ver que há três elementos essenciais
no trânsito ou no transporte: a) o homem que dirige e que busca alcançar um objetivo;
b) algo que se move e carrega, seja veículo ou animal; e c) uma via que permite ir de
um lugar para o outro. Homem, veículo e via são os elementos essenciais, todo o resto
provém do desenvolvimento cultural e econômico.
O que o ambiente tem a ver com isto? O homem que é transportado se serve de
um elemento do ambiente; um animal ou um automóvel constitui seu ambiente em
mov!mento, seu ambiente mais próximo. Mais claro, talvez, é o ambiente do carro, um
ambiente que protege, mas que também se movimenta, segundo as condições de direção

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COMPORTAMENTO HUMANO NO TRÂNSITO

comandadas pelo próprio homem. Condições essas que podem facilitar ou dificultar 0
comportamento de dirigir, pelo grau de conforto, de segurança ou de eficácia.
O condutor, com seu ambiente ambulante ou rolante, se movimenta num outro
ambiente, a via; e, para o seu próprio bem -estar, deve obedecer às características da via,
seguir as curvas, subir aclives, regular a velocidade do veículo, conforme o estado de
conservação da via e do veículo. As diferentes condições da via dimensionam o com­
portamento de dirigir. Basta imaginar um condutor dirigindo sozinho em uma estrada
tranquila ou no meio da via Anhangüera ou da via Dutra, em pleno rush. Evidenciam- se,
então, e de fonna instantânea ' um ambiente social e o ambiente normativo. O condutor
deve saber em que pista deve ficar, deve saber como ultrapassar um carro à sua frente e
dar passagem a outros carros, não pode ficar ziguezagueando à vontade ou dirigir a 150
km/h, quando não é possível realizar essa operação.
O ambiente material também se modifica e se especializa em termos de sinalização
vertical - indicação de limite de velocidade, semáforos, placas regulamentares, de adver­
tência, indicativas de direção e serviços auxiliares - e horizontal - desenho de linhas
divis órias no chão, "DEVAGAR, ESCOLA", indicação do limite lateral da estrada.
A via é um ambiente de trânsito, indicando ao condutor do veículo o que ele pode
e não pode fazer, o que ele deve e não deve fazer. Apesar disso, a circulação nas vias
não flui tranquilamente e, apesar de serem sinalizadas para conferir maior grau de segu­
rança para condutores e passageiros, dezenas de milhares de pessoas morrem todo ano
no trânsito brasileiro, pois a sinalização, mesmo que eficiente, não garante o controle
do conjunto dos comportamentos que compõe a atividade de dirigir. Um deles é parti­
cularmente importante: a tomada de decisão frente às condições adversas, inusitadas ou
emergentes à situação de trânsito.
Há, porém, no ambiente, uma série de condições adversas que facilmente podem
provocar um acidente (DETRAN/DF, 1994):
- condições de luz: luz solar intenso contrário, ofuscamento à noite, passar de um
ambiente de luz para escuro (como por exemplo, num túnel).
- condições de tempo: chuvas com pista alagada ou poças de água com perigo de
hidroplanagem, ventos fortes depois de barrancos, neblina, serração e nevoeiro.
- condições de via: aclives e declives com muitas curvas fechadas, pista mal sina ­
lizad�, pista estreita ou escorregadia, pontes e viadutos, túneis e áreas urbanas.
- condições de trânsito: engarrafamento, carros em alta velocidade, "costuradores",
entre meia noite de sábado e quatro horas de madrugada de domingo.
- condições de veículo no seu ambiente mais interior: nível de combustível, de
água, de óleo e de fluido de freio, correias, freios, pneus, excesso de carga.
O condutor, com o seu carro, em um ambiente que exige atenção, concentração e
direção segura, entra, inevitavelmente, em conflito com as características desse ambi ente
ao dirigir sob influência de substâncias psicoativas, estressado, emocionado, fatigado
ou sonolento.
CAPÍTULO 2 - AMBIENTE, TRÂNSITO E PSICOLOGIA

5. A PSICOLOGIA DO TRÂNSITO E AS POSSIBILIDADES


DE INTERFACE COM A PSICOLOGIA .AMBIENTAL

A Psicologia do Trânsito tem por seu objeto o comportamento dos cidadãos que
participam do trânsito. Ela procura entender esse comportamento pela observação e
experimentação, do inter-relacionamento com outras ciências que estudam o trânsito
e ajudar, por meio de métodos científicos e didáticos, na formação de comportamentos
mais seguros e condizentes com o exercício de uma perfeita cidadania.
A Psicologia do Trânsito nasceu em 191O. Seu precursor foi Hugo Münsterberg,
aluno de Wundt, que a convite de William James foi para os Estados Unidos para ser o
diretor do laboratório de demonstração de psicologia experimental da Universidade de
Harvard. Inicialmente se opondo à tendência americana de tirar a psicologia dos labo­
ratórios e mostrar sua aplicabilidade na sociedade, alguns anos após, se tomou o arauto
da psicologia aplicada. Criou a Psicologia Forense e foi o primeiro psicólogo a submeter
os motoristas dos bondes de Nova York a uma bateria de testes de habilidade e de inte­
ligência (Schultz & Schultz, 1999).
O sucesso dos testes Army Alpha e Army Beta, durante a Primeira Guerra Mun­
dial, de certa forma facilitou a introdução das técnicas psicométricas (os chamados testes
psicológicos) nas indústrias com o fim de diminuir os acidentes e aumentar a produtivi­
dade. Das indústrias, os testes psicológicos invadiram mais e mais o campo do trânsito.
O objetivo era diminuir os acidentes por intermédio da testagem dos candidatos a moto­
rista em geral e de candidatos a motoristas nas empresas, selecionando os indivíduos que
apresentavam capacidades atualizadas para desempenho intelectual, motor, reacional e
emocional satisfatórios e necessários à operação de transitar.
A interface da Psicologia do Trânsito com a Psicologia Ambiental está exatamente
no próprio ambiente. Sem ambiente não há trânsito. O trânsito desenrola-se no ambiente
do veículo e da via, sendo que ambos influenciam e determinam o comportamento do
condutor, dado que qualquer mudança na via provoca alterações no seu comportamento.,
O ambiente da via e, também, o ambiente especializado do trânsito constrangem o com­
portamento do condutor a produzir ações seguras.
Infelizmente, o automóvel não é muito grato ao ambiente em que ele se movimenta,
haja vista a poluição provocada pela combustão e pelo ruído provocado por milhões
de carros que trafegam nas cidades e o modo como afetam os seres vivos e os recursos
naturais (Bormans & Hamers, 1985).
Dirigir um automóvel ou mesmo andar na calçada são comportamentos conti­
nuamente regulados e orientados pelo ambiente. Podemos dizer que existem poucos
comportamentos que são tão continuamente e completamente regidos pelo ambiente
como os comportamentos no trânsito. Um momento de distração poderá ser fatal. Existem
poucos comportamentos tão estreitamente ancorados no ambiente. Isso apenas quando
se fala do ambiente material ou o ambiente mais específico de trânsito, com semáforos,
faixas e placas.

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COMPORTAMENTO HUMANO NO TRÂNSITO

O comport amento no trânsito e sua convivência com ambiente so�ial e o ambiente


normativo não podem ser considerados de fácil dimensão e controle. E o que pode se r
verific ado anualmente nas estatísticas comunicadas nos relatórios dos órgãos gove rna­
mentais e veiculadas nos meios de comunicação de massa, algo em tomo, atualmente,
de meio milhão de pessoas que morrem no trânsito, no mundo.
Por tudo isso, é papel da Psicologia Ambiental colaborar para fazer um ambient e
no qual o homem se sinta bem para desenvolver suas diversas tarefas.
É fato, também, que não houve mudanças significativas depois de ter entrado em
vigor o Código Brasileiro de Trânsito - CTB (aprovado em 1997 e em vigor desde
l 998� DENATRAN-MJ, 1997). Apesar de uma série de infrações diferenciadas no
CTB, não se promoveu ainda uma política e uma ação eficazes para intensificar a fis­
calização e a promoção de cidadania no trânsito. A lombada eletrônica, por exemplo,
apesar de ter provocado uma diminuição momentânea do excesso de velocidade, tem
trazido, em contrapartida, um aumento nas infrações e na indústria das multas, que
acaba por distorcer os possíveis efeitos e beneficios idealizados.
Há, porém, um aspecto relevante: finalmente o DENATRAN vai começar um estudo
prévio para introduzir a Educação de Trânsito nas escolas de Ensino Fundamental, o
que pode contribuir para reduzir as tristes estatísticas de mortes de crianças em idade
escolar que não aprenderam a conviver com as regras do trânsito.
As calçadas continuam problemáticas, em função dos buracos e dos aclive1) e
declives mal dimensionados para as entradas e saídas de veículos, tomando-as um
verdadeiro enduro para os pedestres. Tudo isso por causa de uma lei que transferiu a
responsabilidade sobre um espaço público, que é a calçada, para o proprietário parti­
cular do lote, sem nenhuma restrição. Consequência: o pedestre vai andar na rua onde
ele pode se acidentar.
Podemos dizer que o ambiente material adequado é a primeira condição para um
trânsito seguro. Um ambiente bem cuidado, onde os buracos feitos para fazer consertos
em sistemas de escoamento de água, esgoto ou de distribuição elétrica não precisam
esperar meses para serem tampados. Em países como a Holanda, as calçadas são da
responsabilidade da prefeitura e se usam pequenas lajotas de cimento nas calçadas que
podem ser removidas e recolocadas imediatamente após os consertos necessários. Ati­
tude simples, mas que toma as calçadas "andáveis".

6. ÁÇÕES QUE PODEM SER REALIZADAS PELO


PSICÓLOGO DE TRÂNSITO

A história da atuação do psicólogo do trânsito no Brasil normalmente está asso­


ciada ao período em que se tomou obrigatório o exame psicológico para os candidatos
a moto ristas profissionais (1953), mas que, em 1962, se estendeu a todos os candida­
tos a motorista (Hoffmann, 1995).

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CAPÍTULO 2 - AMBIENTE, TRÂNSITO E PSICOLOGIA

Apesar desta atuação ser a face mais visível da contribuição dos psicólogos ao
estudo do comportamento no trânsito é a partir dela que pode se afirmar que nos últimos
40 anos pouco mudou na atuação do psicólogo de trânsito. Há uma desatualização em
relação ao uso de materiais de testagem (os processos de validação e padronização para
a realidade de trânsito são ainda escassos), os programas de capacitação profissional
pa ra a atuação na área do trânsito são raros, assim como a participação de psicólogos
brasi leiros nos congressos internacionais de trânsito 1 •
Uma proposta para introduzir o sistema francês de avaliação psicológica do moto­
rista acidentado foi mal interpretada e levou à eliminação do exame psicológico pelo
veto do presidente Fernando Henrique Cardoso, quando da assinatura da nova legislação
de trânsito (Código de Trânsito Brasileiro, 1997), mas que foi Jogo em seguida revo­
gado, graças à mobilização política dos psicólogos psicotécnicos e do Conselho Federal
de Psicologia. Apesar de vencida a batalha, resta continuar questionando: como avaliar
a eficácia dos exames psicológicos obrigatórios para candidatos a motoristas, tendo em
vista os diferentes perfis profissionais e objetivos de uso dos veículos? O exame psico­
lógico tem contribuído para evitar ou reduzir os acidentes no trânsito?2
Esses questionamentos nos levam a avaliar as possíveis ações que podem ser desen­
volvidas por psicólogos em relação ao trânsito, para além dos recursos usuais:
-trabalhar com as fobias de pessoas que, apesar de possuírem a Carteira Nacional
de Habilitação e terem carro na garagem, não têm coragem de trafegar na via pública.
Já existem métodos psicoterapêuticos realizados no próprio carro ou em situações simi­
lares que procuram dessensibilizar comportamentos fóbicos e suas variantes;
- propor intervenções com alcoólicos, dado que eles frequentemente se envolvem
em acidentes e que estatisticamente 50% dos acidentes fatais nas rodovias ocorrem em
virtude da ingestão de álcool. Não é à toa que em alguns países motorista alcoolizado
perde a carteira de habilitação;
- desenvolver atividades e estudos com viciados em drogas. Ainda que os efeitos
das drogas sobre o comportamento no trânsito não sejam totalmente conhecidos, sem
dúvida os efeitos de euforia e o aumento de traços de agressividade têm reflexos evi­
dentes sobre o comportamento do adieto ao volante, com consequências inevitavelmente
desagradáveis;
- trabalhar nas comunidades de bairro, avaliando com a população quais as difi­
culdades enfrentadas em relação ao trânsito, de que forma ocorrem os acidentes, como
é o serviço dos transportes coletivos;

1 Para outros detalhes


históricos sobre a participação dos psicólogos no trânsito e sobre a construção da disciplina Psi­
cologia do Trânsito, ver o capítulo primeiro deste livro: "Síntese histórica da Psicologia do Trânsito no Brasil''.
2
E sses question amentos não são objeto de nosso artigo. Porém, muitos aspectos sobre as competências dos psicólogos
que realizam avaliação psicológica para o trânsito e sobre o uso e validade dos instrumentos psicológicos, atualmente
comerci ali zados, são objeto de discussão em vários capítulos deste livro.

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COMPORTAMENTO HUMANO NO TRÂNSITO

- trabalhar junto às empresas que operam ônibus e outros veículos que atendem à
população. Munir-se de vídeos e outros meios para mostrar as situações e as manobras
perigosas, nas quais muitos motoristas e pedestres morreram ou se acidentaram;
- promover a educação e motivar os professores a falar sobre o trânsito; organizar
conferências ou discussões sobre o CTB nas últimas séries do Ensino Fundamental ou
no Ensino Médio de forma a preparar os jovens para O trânsito. A maioria das vítimas
fatais de trânsito está numa faixa de 17 a 28 anos·'
- ajudar na promoção da educação ambiental na qual também deve ser incluída a
educação ambiental para o trânsito (Abreu, 200 I );
- promover, na área da psicologia hospitalar, terapia de apoio para os aciden­
tados de trânsito. Os eventos traumáticos associados ao luto (perda de entes queridos)
e a sequelas de acidentes não têm merecido o tratamento devido. Quem está cuidando
disso e de que forma tem atuado?
- lutar pela introdução ou reintrodução de medidas que mundialmente são reconhe­
cidas como boas, como a colocação das luzes vermelhas que acusam frenagem à altura dos
olhos do motorista.que segue. A frenagem correta é, às vezes, questão de segundos;
- lutar pelo melhoramento das calçadas nas nossas cidades, sobre o qual já falamos
neste texto, e de acostamentos nas estradas e rodovias;
- pesquisar, junto a grupos ativos de cidadãos e profissionais, quais os pontos de
alto risco na cidade e movimentar os órgãos e instâncias oficiais a tomarem medidas
para sanar e prevenir os problemas detectados;
- formar, nas universidades, núcleos interdisciplinares de estudo sobre os pro­
blemas do trânsito, de forma a conduzir pesquisas avançadas e a contribuir com cursos
e palestras sobre as responsabilidades das universidades para o bem-estar da sociedade
frente à problemática do trânsito;
- promover o intercâmbio entre núcleos e laboratórios de estudos e pesquisa na
área do trânsito visando intensificar trabalhos conjuntos e a acelerar a difusão dos resul­
tados de pesquisas. Criar um espaço virtual (site na Internet) que possa congregar esses
núcleos e laboratórios e no qual se possa publicar artigos e informar a respeito de co�­
gressos nacionais ou internacionais da área. Com um mínimo de coordenação pode-se
pensar em organizar uma associação de pesquisadores do trânsito, que possa ser interli­
gada a professores, profissionais e estudantes de graduação e de pós-graduação. Existem
espaços em congressos nacionais que podem ser utilizados, como por exemplo, aquele
que nos oferece anualmente a Sociedade Brasileira de Psicologia para fazer workshop,
simpósio ou outro tipo de reunião científica na qual todos possam se conhecer e trocar
experiências.

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CAPfTUW 2 - AMBIENTE, TRÂNSITO E PsICOWGIA

7. CONCLUSÃO

A Psicologia do Trânsito está ligada ao tema de saúde em geral e a saúde mental


em particular. A Psicologia de Trânsito nasceu do estudo do acidente, mas avançou na
direção da avaliação dos fatores que levam ao acidente e, em particular, dos conflitos
associados.
Esperamos que esse texto possa proporcionar uma leitura orientadora aos interes­
sados em se dedicar à Psicologia do Trânsito, que deverão acentuar cada vez mais os
vínculos teórico-metodológicos com a Psicologia Ambiental, a Psicologia Social, a Psi­
cologia do Trabalho e a Ergonomia, sem se esquecer da pesquisa básica em Psicologia.
Esse conjunto de contribuições certamente auxiliará no aperfeiçoamento do diagnós­
tico e da intervenção sobre a complexidade dos aspectos comportamentais do trânsito
e, desta forma, poder colaborar no aumento da segurança para o trânsito.

REFERÊNCIAS

Abreu, 1. S. (2001). Educación ambiental: interdisciplinaridad o necesidad. Habana:


IPLAC.
Bormans, P. & Hamers T. (1985). Milieukunde. Utrecht/Antwerpen: Het Spectrum.
Conselho Federal de Psicologia (2000). Caderno de Psicologia do Trânsito e Compro­
misso Social. Brasília, DF: CFP.
Cruz, R. M. (2002). O processo de conhecer em avaliação psicológica. ln: Cruz, R. M.,
Alchieri, J. M. & Sardá, J. J. Avaliação e medidas psicológicas-produção do conheci­
mento e da intervenção profissional. (pp. 173-179). São Paulo: Casa do Psicólogo,
Departamento Nacional de Trânsito (1997). Trânsito Livre à Vida: Código de Trânsito
Brasileiro, Brasília: DENATRAN, MJ.
DETRAN-DF - Departamento de Trânsito (1994). Escola pública de trânsito: manual
do aluno, Brasília: DETRAN-DF, GEDUC.
Hoffmann, M. H. (1995). El modelo de evaluación psicológica de conductores: estudio
transcultural Espafia-Brasil. Tese (Doutorado em Psicologia). Universidad de
Valencia, Espanha.
Lévy-Leboyer, C. (1980). Psychologie et environnement. Paris: Presses Universitaires
de France.
Rozestraten, R. J. A. (1988). A Psicologia do Trânsito - conceitos e processos básicos.
São Paulo: EPU/EDUSP.

37
COMPORTAMENTO HUMANO NO TRÂNSITO

Schultz D. P. & Schultz S. E. (1999). História da Psicologia Moderna. (16. ed.). São
Paulo: Cultrix.
Seminério. F. L. P. (1977). Diagnóstico psicológico - técnicas do exame psicológico e
fundamentos epistemológicos. São Paulo: Atlas.
Vasconcelos, E. A. (1985). O que é Psicologia. São Paulo: Brasiliense.

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