Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
L Ú P U S E R I T E M AT O S O S I S T É M I C O
P. Nero, M. Mateus,
M. Cruz,T. Mesquita,
A. Alves de Matos, J.B. Pimentão,
A. Rosa, J.C. Branco
Introdução: O Lúpus Eritematoso Sistémico (LES) é uma doença reumática de carácter imunológico, que
pode envolver qualquer órgão ou sistema.
Objectivos: Caracterizar as complicações e doenças associadas ao LES nos doentes seguidos na Consul-
ta de Reumatologia do Hospital de Egas Moniz, entre 1993 e 2001.
Material e Métodos: Foram revistos os processos dos doentes seguidos na consulta e/ou internados na
Unidade de Reumatologia do Hospital de Egas Moniz, até ao final de Setembro de 2001, compreenden-
do um período de 8 anos.
Resultados: Eram seguidos 34 doentes com o diagnóstico de LES, 31 do sexo feminino e 3 do sexo mas-
culino. Trinta e dois (94,1%), fizeram medicação com corticóides, 31 (91,2%) com AINE’s e 28 (82,4%)
com agentes modificadores da doença. Verificaram-se complicações do LES em 14 doentes e outras
doenças associadas, reumáticas ou autoimunes, em 16 doentes. Alguns doentes tinham outras patolo-
gias, que como factores de risco cardiovascular, aumentam a morbilidade associada ao LES: 11 doentes
eram hipertensos, 7 tinham dislipidemia e 2 tinham diabetes mellitus não insulinodependente. Dezoito
(52,9%) doentes estiveram internados. Não se verificou nenhum óbito nem registámos a ocorrência de
nenhuma neoplasia.
Conclusões: É fundamental conhecer a população de doentes com LES que constitui a nossa experiên-
cia e manter uma vigilância apertada da sua situação clínica.
ABSTRACT
Introduction: Systemic lupus erythematosus (SLE) is a rheumatic disorder that may involve any organ.
Objective: To assess the complications of SLE in patients under long-term follow-up in Hospital de Egas
Moniz, between 1993 and 2001.
Methods: We reviewed the case notes of all patients under long-term follow-up in Hospital de Egas Moniz
and of those patients that were admitted during this period of time.
Results: Thirty-four patients were under follow-up, 31 female and 3 male. Thirty-two were treated with
steroids, 31 were treated with NSAID’s and 28 with a second line agent. Fourteen patients have had com-
plications related to SLE and 16 had other rheumatic or autoimmune diseases. Eleven patients had high
blood pressure, 7 had high cholesterol levels and two were diabetic. Eighteen (52.9%) patients were
admitted to hospital as inpatients. We have no registry of deaths or malignancies.
Conclusions: Knowing our patients with SLE and maintaining a strict surveillance of their disease is
essential to lower it’s potential serious complications.
Ó R G Ã O O F I C I A L D A S O C I E D A D E P O R T U G U E S A D E R E U M AT O L O G I A - A C TA R E U M P O R T . 2 0 0 3 ; 2 8 : 1 4 1 - 1 4 7
142
ARTIGOS ORIGINAIS
Ó R G Ã O O F I C I A L D A S O C I E D A D E P O R T U G U E S A D E R E U M AT O L O G I A - A C TA R E U M P O R T . 2 0 0 3 ; 2 8 : 1 4 1 - 1 4 7
143
LES – COMPLICAÇÕES E DOENÇAS ASSOCIADAS
Ó R G Ã O O F I C I A L D A S O C I E D A D E P O R T U G U E S A D E R E U M AT O L O G I A - A C TA R E U M P O R T . 2 0 0 3 ; 2 8 : 1 4 1 - 1 4 7
144
PAT R Í C I A N E R O E C O L .
sexo masculino. A idade mínima dos doentes in- A terapêutica de fundo deve ser instituída pre-
ternados foi 26 anos e a máxima 84 anos, com cocemente, e a sua escolha depende dos órgãos
uma idade média de 48,44 anos e um desvio pa- envolvidos. Permite não só o controlo da activi-
drão de 8,08, semelhante à da nossa população. dade da doença mas também diminuir a dose de
No total ocorreram 40 internamentos nos corticóides necessária5. Vinte e oito (82,4%) doen-
doentes seguidos na nossa consulta: 32 na nossa tes faziam terapêutica de fundo, na sua maioria
Unidade, 4 no serviço de Medicina Interna, 2 no com antipalúdicos de síntese (24), mas também
serviço de Ortopedia, 1 no serviço de Pneumolo- com metotrexato (4), azatioprina (7), ciclofosfa-
gia e 1 no serviço de Neurologia. Desconhecemos mida (2) e sulfassalazina (1).
a duração dos internamentos no serviço de Orto- Num trabalho recente, a hidroxicloroquina
pedia, mas a duração média dos restantes 38 in- mostrou ser eficaz ao induzir e manter a remissão
ternamentos foi de 8.58 dias, com o mínimo de 1 em doentes com LES ligeiro, sem efeitos secundá-
dia em doentes internados na nossa Unidade rios graves6. No entanto, 3 dos nossos doentes ne-
para realização de pulsos de ciclofosfamida e o cessitaram de suspender esta medicação por
máximo de 35 dias para um internamento no terem ocorrido efeitos adversos: um por hiper-
serviço de Pneumologia numa doente com uma pigmentação cutânea, um por diarreia e outro
síndrome febril indeterminada inaugural de LES por melhoria clínica.
e orientada após a alta para a nossa consulta, com O metotrexato mostrou ser eficaz em doentes
o diagnóstico de LES. Dos internamentos na com LES moderado sem lesão renal ou de órgão
nossa Unidade, 16 (50%) foram electivos (15 para major, sobretudo no tratamento da artrite e do
a realização de pulsos de ciclofosfamida e 1 para rash cutâneo7. Provocou no entanto alterações da
a realização de uma biópsia hepática) e os res- função hepática em vários doentes, embora sem
tantes 16 foram motivados por complicações da necessidade de suspensão da terapêutica em ne-
doença (infecções, poliartrite, anemia, leucope- nhum deles. Um dos nossos quatro doentes me-
nia e vasculite cutânea). dicado com metotrexato teve que o interromper,
O número de fármacos mínimo por doente à por hepatotoxicidade.
data da alta foi 2 e o máximo 12, com uma média A ciclofosfamida tem sido usada, com bons re-
de 7.05 fármacos por doente. sultados, no tratamento de alguns tipos de nefrite
Não se verificou nenhum óbito nos doentes lúpica (classes III e IV da OMS). Dois doentes fo-
que estiveram internados, nem nos doentes se- ram tratados com este fármaco, um já o tinha ter-
guidos na consulta. Não registámos a ocorrência minado após estabilização da função renal e o
de nenhuma neoplasia. outro quase a completar os 24 meses de trata-
mento, como preconizado8.
A azatioprina é utilizada no tratamento da ne-
Discussão frite lúpica e como agente poupador de corticói-
des. Os seus principais efeitos adversos são a
Foi elevado o número de doentes medicados com mielossupressão e a hepatotoxicidade.9 Não en-
AINE’s (88,2%), como seria de prever, se tivermos contrámos, numa revisão da literatura publicada,
em conta que a sua principal indicação nesta pa- nenhum trabalho que relacione o tratamento
tologia é o envolvimento articular e que foi revista com azatioprina nos doentes com LES e o risco de
uma população seguida regularmente numa con- neoplasia e de morte, embora na artrite reuma-
sulta de Reumatologia. Quase metade destes doen- tóide e na síndrome de Sjögren primária tenha si-
tes (44,8%) interromperam a medicação, muitos do associada a uma maior incidência de doenças
por melhoria e 4 por efeitos secundários diversos. linfoproliferativas.10,11 Um estudo por um de nós
Foi ainda mais significativo o número de doen- realizado (P.N.) e que aguarda publicação, não
tes medicados com corticóides, 94,1%, estando mostrou qualquer associação entre o tratamento
ainda 88,2% medicados com estes fármacos. No com azatioprina de 148 doentes com LES e o risco
entanto, tendo em conta que os efeitos secundá- de neoplasia. Um dos nossos 7 doentes medica-
rios são mais frequentes e mais significativos com dos com este fármaco teve que o interromper por
doses elevadas, salientamos que apenas 6 (17,6%) hepatotoxicidade.
dos nossos doentes faziam uma dose diária ≥ 10 As complicações mais frequentes do LES são as
mg de prednisona ou equivalente. infecções, que constituem a principal causa de
Ó R G Ã O O F I C I A L D A S O C I E D A D E P O R T U G U E S A D E R E U M AT O L O G I A - A C TA R E U M P O R T . 2 0 0 3 ; 2 8 : 1 4 1 - 1 4 7
145
LES – COMPLICAÇÕES E DOENÇAS ASSOCIADAS
Ó R G Ã O O F I C I A L D A S O C I E D A D E P O R T U G U E S A D E R E U M AT O L O G I A - A C TA R E U M P O R T . 2 0 0 3 ; 2 8 : 1 4 1 - 1 4 7
146
PAT R Í C I A N E R O E C O L .
mento mais eficaz, podemos tentar minorar a sua infection during treatment with cyclophosphamide and
mortalidade e morbilidade controlando as com- high dose corticosteroids for systemic lupus erythemato-
plicações e doenças associadas, particularmente sus. Arthritis and Rheumatism, 1996; 39: 1475-82.
13. S.Rosners, E.M.Ginzler, M.Weiner, M.Schlesinger, J.F.Fries
as que surgem a longo prazo. Para isso é funda-
et al. A multicenter study of outcome in systemic lupus ery-
mental conhecer a população de doentes com thematosus. II. Causes of death. Arthritis and Rheuma-
LES que constitui a nossa experiência e manter tism, 1982; 25: 612-17.
uma vigilância apertada da sua situação clínica. 14. A.G.Iliopoulos, G.C.Tsokos. Immunopathogenesis and
spectrum of infections in systemic lupus erythematosus.
Morada para contactos: Semminars in Arthritis ans Rheumatism, 1996; 25: 318-
Patrícia Nero -336.
Alameda Roentgen, n 4, 10 B, 1600-503, Lisboa 15. K.E.Moss, Y.Ioannou, S.M.Sultan, I.Haq, D.A.Isenberg. Out-
Tel: 966131386 come of a cohort of 300 patients with systemic lupus ery-
E-mail: patricianero@netcabo.pt thematosus attending a dedicated clinic for over two de-
cades. Annals of the Rheumatic Diseases, 2002; 61: 409-
-413.
Referências Bibliográficas 16. R.Deva Stitunayake, A. Rahman, S.Bowman, D.A.Isenberg
1. M. Merrel, L.E. Shulman, Determination of prognosis in and C.Gordon. Systemic lupus erythematosus into the
chronic disease, illustrated by systemic lupus erythe- next millennium: looking into the crystal ball. Lupus
matosus. J. Chronic Dis., 1955;1:12-32. (1999); 8: 716-722.
2. R. Cervera, M.A. Khamashta, J. Font et al, Morbidity and 17. S.Manzi, E.N.Meilahn, J.E.Rairie et al. Age specific inci-
mortality in systemic lupus erythematosus during a 5-year dence rates of myocardial infarction and angina in women
period: a multicenter prospective study of 1000 patients. with systemic lupus erythematosus: comparison with the
European Working Party on Systemic Lupus Erythemato- Framingham study. American Journal of Epidemiology,
sus. Medicine (Baltimore), 78 (1999), pp. 167-175. 1997; 145: 408-415.
3. M.Abu-Shakra, M.B. Urowitz, D.D. Gladman and J. Gough, 18. M.Petri, S.Perez-Gutthann, D.Spence, M.C.Hochberg. Risk
Mortality studies in systemic lupus erythematosus: results factors for coronary artery disease in patients with sys-
from a single center, II-predictor variables for mortality. J. temic lupus erythematosus. American Journal of
Rheumatol, 22 (1995), pp. 1625-1270. Medicine, 1992; 93: 513-519.
4. C.Gordon. Long term complications of systemic lupus ery- 19. T.Petterson, E.Pukkala, L.Teppo, C.Friman. Increased risk
thematosus. Rheumatology, 2002; 41: 1095-1100. of cancer in patients with systemic lupus erythematosus.
5. M.B. Urowitz, D.D. Gladman, how to improve morbidity Annals of the Rheumatic Diseases, 1992; 51: 437-439.
and mortality in systemic lupus erythematosus. Rheuma- 20. L.Mellemkjaer, V.Andersen, M.S.Linet, G.Gridley, R. Hop-
tology 2000, 39:238-244. ver, J.H.Olsen. Non-Hodgkin lymphoma and other cancers
6. I.M. Meinão, E.I. Sato, L.E.C. Andrade, M.B. Ferraz and E. among a cohort of patients with systemic lupus erythe-
Atra, Controlled trial with chloroquine diphosphate in sys- matosus. Arthritis and Rheumatism, 1997; 40: 761-768.
temic lupus erythematosus, Lupus 5 (1996), pp. 237- 21. R.Ramsey-Goldman, S.A.Mattai, E.Schilling, Y.L.Chiu,
-241. C.J.Alo, H.L.Howe, S.Manzi. Increased risk of malignancy
7. J.R. Carneiro, E.I. Sato, L.E.C. Andrade, M.B. Ferraz and E. in patients with systemic lupus erythematosus. Journal of
Atra, Double blinde, randomized, placebo-controlled cli- Investigation Medicine, 1998; 46:217-222.
nical trial of methotrexate in systemic lupus erythemato- 22. J.Ciber, J.Sibley, M.Haga. Systemic lupus erythematosus
sus. J. Rheumatol. 26 (1999), pp. 1275-1279. and the risk of malignancy. Lupus (2001); 10: 394-400.
8. J.E.Balow. Choosing treatment for proliferative lupus 23. L.Björnådal, B.Löfström, L.Yin, I.Lundberg, A.Ekbom. In-
nephritis. Arthritis and Rheumatism, 2002, August; 46 (8): creased cancer incidence in a Swedish cohort of patients
1981-3. with systemic lupus erythematosus. Scandinavian Journal
9. J.M.H.Moll. Drug Therapy (3): ”specific” drugs, in Manage- of Rheumatology, 2002; 31: 66-71.
ment of rheumatic disorders, first edition, 1983. 24. M.Abu-Shakra, D.D.Gladman, M.B.Urowitz. Malignancy
J.M.H.Moll, Chapman and Hall: Chapter 6, p.169-212. in systemic lupus erythematosus. Arthritis and Rheuma-
10. A.Silman, J.Petrie, B.Hazleman and S.Evans. Lymphopro- tism, 1996; 39: 1050-1054.
liferative cancer and other malignancy in patients with 25. D.M Sweeney, S.Mauzi, J.Janosky et al. Risk of malignan-
rheumatoid arthritis treated with azathioprine: a 20 year cy in women with systemic lupus erythematosus. Journal
follow up study. Annals of the Rheumatic Diseases, 1988; of Rheumatology, 1995; 22: 1478-1482.
47: 988-992. 26. O.Nived, A.Bengtsson, A Jönsen, G.Sturfelt, H.Olsson. Ma-
11. N.Sutcliffe, C.Smith, P.M.Speight and D.A.Isenberg. Mu- lignancies during follow-up in an epidemiologically de-
cosa-associated lymphoid tissue lymphomas in two pa- fined systemic lupus erythematosus inception cohort in
tients with rheumatoid arthritis on second-line agents, Southern Sweden. Lupus (2001); 10: 500-504.
and secondary Sjögren syndrome. Rheumatology 2000; 27. S.M.Sultan, Y.Ioannou, D.A.Isenberg. Is there an association
39:185-188. of malignancy with SLE? An analysis of 276 patients under
12. B.D.Pryor, S.G.Bologna, L.E.Kahl. Risk factors for serious long-term review. Rheumatology, 2000; 39:1147-1152.
Ó R G Ã O O F I C I A L D A S O C I E D A D E P O R T U G U E S A D E R E U M AT O L O G I A - A C TA R E U M P O R T . 2 0 0 3 ; 2 8 : 1 4 1 - 1 4 7
147