ARTIGOS ORIGINAIS
MIOPERICARDITE – CASUÍSTICA
DE UM HOSPITAL CENTRAL
MYOPERICARDITIS - CASE SERIES OF A CENTRAL HOSPITAL
Carmo Ferreira1, João Antunes Sarmento1
1. Serviço de Cardiologia Pediátrica do Centro Hospital Universitário São João
RESUMO
Introdução: Miopericardite é uma doença in-
flamatória do pericárdio e miocárdio. Diagnóstico
definitivo histológico, podendo ser inferido por cri-
térios clínicos, analíticos e imagiológicos. A etiolo-
gia é variada, estando muito associada a infeções
víricas.
Objetivo: Descrever a apresentação clínica,
etiologia e abordagem em contexto de Miopericar-
dite, avaliando preditores precoces de disfunção
ventricular.
Métodos: Estudo retrospetivo dos doentes pe-
diátricos internados com Miopericardite entre julho
2012 e janeiro 2019, num Hospital Central. O diag-
nóstico baseou-se na presença de dor torácica e
pelo menos um: padrão eletrocardiográfico suges-
tivo, elevação de troponina I ou alterações da con-
tractilidade cardíaca. Na ausência de dor torácica,
o diagnóstico foi inferido se pelo menos dois dos
critérios supracitados. Apresentação, etiologia e
abordagem foram analisadas, tendo sido estudada
a correlação entre disfunção sistólica do ventrículo
Os autores não beneficiaram de qualquer subsídio ou bolsa para a realização deste trabalho
esquerdo e variáveis analíticas e etiológicas através
deTeste Qui-quadrado e t-teste.
Resultados: Identificaram-se 39 internamentos,
35 doentes, 97,1% do género masculino, com idade
mediana de 15 anos (mínima16 meses e máxima17
anos).
O principal sintoma foi dor precordial (97,4%).
Um caso desenvolveu choque cardiogénico e todos
apresentaram elevação da troponina I. O eletrocar-
diograma demonstrava alterações em 92,3% e o
ecocardiograma em 35,9%, com disfunção sistólica
em 15,4%. A ressonância magnética cardíaca con-
firmou o diagnóstico em 83,3% dos casos quando
realizada na primeira semana. Constatou-se corre-
lação entre disfunção ventricular e elevação de BNP
(p=0,022) ou Mioglobina (p=0,001).O diagnóstico de
miocardite infeciosa foi estabelecido em 25,6% dos
casos, 69,2% classificada como idiopática. O trata-
mento mais frequente foi repouso e anti-inflamató-
rios não esteróides. Dois doentes necessitaram de
suporte ventilatório e um suporte inotrópico. Todos
apresentaram boa evolução com resolução da dis-
função ventricular.
35
 ASSOCIAÇÃO PEDIÁTRICA DO MINHO
Discussão e conclusão: A MP teve apresentação
clínica variável e foi frequente a associação com
infeção. A correlação de elevação de BNP e mio-
globina com disfunção ventricular reforça a utili-
dade destes biomarcadores na avaliação inicial do
doente.
Palavras-chave: miocardite, pericardite, tropo-
nina I, disfunção ventricular
ABSTRAT
Introduction: Myopericarditis is an inflammatory
disease of the myocardium and pericardium. The
diagnostic gold standard is histological, but can be
inferred by clinical, analytical and imaging param-
eters. Aetiology is variable, with viral infections be-
ing frequent.
Objective: To describe the clinical presentation,
aetiology, diagnostic and therapeutic approach of
myopericarditis and evaluate early predictors of
ventricular dysfunction.
Methods: Retrospective study of paediatric pa-
tients admitted with myopericarditis between July
2012 and January 2019 at a Central Hospital. Diag-
nosis was based on the presence of chest pain and
at least one of the following: electrocardiogram
changes, elevations of myocardial markers, injury
and cardiac motion abnormalities. The presen-
tation, aetiology and clinical approach were also
analysed. A correlation between left ventricular
systolic dysfunction and analytical and etiological
variables was carried by Chi-square test and t-test.
Results: We identified 39 hospitalizations (35 pa-
tients), with 97.1% being male and with a median
age of 15 years(minimum 16 months and maximum
17 years old).
The main symptom was precordial pain (97.4%
of cases).One patient developed cardiogenic shock
and all cases presented a rise in troponin I levels.
Electrocardiogram changes were found in 92.3%
of patients and echocardiogram changes in 35.9%,
with systolic dysfunction found in 15.4%. Cardiac
magnetic resonance imaging confirmed the diag-
nosis in 83.3% of cases when performed during
the first week after admission. A correlation be-
tween ventricular dysfunction and BNP (p = 0.022)
or myoglobin (p = 0.001) elevation was also found.
36
An infectious aetiology was established in 25,6%
of patients, with 69,2% of cases being classified as
idiopathic. The most frequent treatment was rest
and non-steroidal anti-inflammatory drugs. Two
patients required ventilatory support and one ino-
tropic support. All cases presented good evolution
with resolution of ventricular dysfunction.
Discussion and conclusion: MP had a variable
clinical presentation and was frequently associated
with viral infections. The correlation between BNP/
myoglobin elevation and ventricular dysfunction
highlights the usefulness of these biomarkers in the
initial patient assessment.
Keywords: myocarditis, pericarditis, troponin I,
systolic dysfunction
INTRODUÇÃO
A miopericardite (MP) é uma doença caracteriza-
da por inflamação do pericárdio e miocárdio, pouco
frequente. Casos de miocardite isolada contam com
0,05% das admissões hospitalares e uma incidência
de 2/100000, sendo que o atingimento concomitan-
te do pericárdio é ainda menos frequente.1,2As duas
entidades (miocardite e pericardite) podem ocorrer
de forma independente. A MP ocorre mais frequen-
temente no género masculino acima dos 6 anos de
idade, não se verificando predomínio de género em
crianças mais pequenas.2
A apresentação clínica é variável, desde sinto-
mas inespecíficos com evolução aguda ou subagu-
da, até insuficiência cardíaca grave e risco de morte
elevado.3,4,5,6A mortalidade na fase aguda é cerca
de 7-15%.5É também importante causa de morbi-
lidade pelas possíveis sequelas cardíacas a longo
prazo.2,3Cerca de 80% dos transplantes cardíacos
em crianças sem cardiopatia congénita serão no
contexto de miocardite prévia.5
A etiologia é variada, estando bem definida a as-
sociação com infeções víricas, nomeadamentepor
enterovírus como Coxsackie grupo B, Parvovírus
B19, herpes virus humano tipo 6 e adenovírus.3,4,5,6 Di-
versas bactérias como Mycobacterium tuberculosis,
pneumococos ou Borrelia burgdorferi, assim como
protozoários (Toxoplasma e Trypanosomacruzi)
são agentes mais raramente identificados.5,6Doentes
imunocomprometidos poderão apresentar infeção

fúngica.5,6 MP recorrente pode ainda associar-se
a patologias autoimunes ou metabólicas.5Causas
mais raras de MP são as neoplasias ou agentes tó-
xicos.2,7 Apesar dos inúmeros agentes causais já
identificados, a forma idiopática continua a ser a
mais frequente.2,3,4,5
A MP evolui habitualmente em 3 fases que se
podem sobrepor.8,9 A primeira fase é caracterizada
pela invasão e destruição celular direta pelo agente
agressor.8 No caso dos vírus, estes podem apresen-
tar tropismo específico para o sistema de condução
elétrico (como os herpes vírus), para os cardiomió-
citos (como enterovírus e Parvovirus B19), ou para
células do endotélio vascular.2,6,8 A segunda fase,
com duração de dias a meses, é caracterizadapela
resposta inflamatória, com expressão de citocinas e
infiltrado inflamatório.8,9 Se esta reação for susten-
tada e auto-perpetuada, pode ser responsável por
maior dano cardíaco. A terceira fase pode ser de
resolução da infeção e resposta inflamatória com
presença ou não de deposição de colagénio e fibro-
se difusa.8,9
O diagnóstico definitivo de MP é histológico mas
pode ser inferido por critérios clínicos, analíticos e
imagiológicos.2,5,9Assim, existe presunção de MP no
contexto de dor torácica aguda associada apelo
menos um dos seguintes parâmetros: alteração ele-
trocardiográfica compatível,nomeadamente supra-
desnivelamento ou elevação do segmento ST, in-
versão da onda T ou bloqueio Auriculo-ventricular
(BAV); elevação dos biomarcadores de necrose mio-
cárdica, sobretudo troponina I; alterações da con-
tractilidade cardíaca.2,5 Na ausência de dor torácica
sugestiva, o diagnóstico é ponderado na presença
de pelo menos dois dos critérios supracitados.2,3,5
De acordo com as recomendações da Socie-
dade Europeia de Cardiologia,deve ser feita uma
investigação inicial com níveis de biomarcadores
(Troponina I, Creatinoquinase Músculo-cérebro
(CK-MB), Peptídeo natriurético tipo B (BNP) ou
Mioglobina), Eletrocardiograma, Ecocardiograma
e Radiografia de tórax.3,5,6 A realização de Res-
sonância magnética cardíaca tem importância
diagnóstica e prognóstica, sendo compatível com
o diagnóstico de MP na presença de pelo menos
dois de três critérios de Lake Louise (LL): Hipersi-
nal global ou regional do miocárdio em sequen-
cias T2-weighted, hipersinal global do miocárdio
nas sequencias de realce precoce com Gadolíneo,
ARTIGOS ORIGINAIS
e presença de pelo menos 1 lesão focal com pa-
drão não isquémico nas sequencias de realce tar-
dio com Gadolíneo (RTG).8,10
O presente estudo teve como objetivo descrever
a apresentação clínica, etiologia, abordagem diag-
nóstica e terapêutica em contexto de Miopericar-
dite num Hospital Central de Portugal, descrever a
evolução da doença e avaliar eventuais preditores
precoces de disfunção ventricular.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospetivo trans-
versal, num Centro de Referência em Cardiologia
Pediátrica.
Analisaram-se os processos dos doentes com
idade inferior a 18 anos e com diagnóstico de Mio-
pericardite, internados entre julho de 2012 e janeiro
de 2019.
O diagnóstico de Miopericardite foi realizado por
Cardiologista Pediátrico com base nos critérios de
diagnóstico: Dor torácica aguda compatível, asso-
ciada a pelo menos um dos seguintes critérios: Al-
teração eletrocardiográfica compatível (suprades-
nivelamento ou elevação do segmento ST, inversão
da onda T ou BAV),elevação dos biomarcadores de
necrose miocárdica ou alterações da contractilida-
de cardíaca. Na ausência de dor torácica sugestiva,
a MP foi considerada na presença de pelo menos
dois dos critérios diagnósticos supracitados.
Descreveram-se os dados demográficos dos
doentes, características clínicas, dados laborato-
riais, exames de imagem realizados, terapêuticas
instituídas e orientação dos doentes.
Considerou-se disfunção sistólica do ventrículo
esquerdo se a sua fração de ejeção (FEVE) avaliada
por ecocardiografia era inferior a 50%.Considerou-
-se elevação significativa de Troponina I se superior
a 80 ng/L, CK-MB se superior a 6,4ng/ml, Mioglobina
se superior a 147ng/mL, BNP se superior a 100pg/
ml e Proteína C-reativa(PCR) se superior a 2,9 mg/L.
Os dados foram apresentados por descrição
da sua frequência e percentagem para variáveis
qualitativas. As variáveis quantitativas foram apre-
sentadas sob a forma mediana e valor máximo e
mínimo. Analisou-se a correlação entre a presença
de disfunção sistólica do VE e as variáveis analíticas
recorrendo a Teste Qui-quadrado e t-teste.
37
 ASSOCIAÇÃO PEDIÁTRICA DO MINHO

RESULTADOS Todos os casos apresentaram elevação da

troponina I com valor mediano 10100ng/L (míni-
Identificaram-se 39 internamentos por mioperi- mo de 145 e máximo 83718,8ng/L). Verificou-se
cardite, num total de 35 doentes, com média de 6 elevação de CK-MB em 84,6% dos exames,com
internamentos por ano. Houve predomínio de gé- valor mediano 43,6 ng/mL(mínimo 0,8 e máxi-
nero masculino (97,1%), com idade mediana de 15 mo 472ng/mL). Houve elevação de mioglobina
anos, mínima 16 meses e máxima 17 anos. Houve em 16,1% dos doseamentos, com valor media-
recorrência do quadro condicionando novo inter- no de 43,6 ng/mL(mínimo 10 e máximo 1499ng/
namento em dois doentes (5.7%), um dos quais mL); elevação doBNP em 33,3% dos estudos,
com 4 internamentos. Não foram registadas comor- com valor mediano 61,3pg/mL(mínimo 10 e
bilidades relevantes para o quadro. máximo 7470ng/mL). Em todas as admissões
Previamente ao internamento em Cardiologia pe- foi doseada a PCR, com elevação em 87,2% dos
diátrica, 35,9% doentes permaneceram internados casos(valor mediano 33,9mg/L, mínimo 0,2 e
em Unidade de Observação do Serviço de Urgência, máximo 155 mg/L). O leucograma foi realizado
com duração mediana de 1 dia e máxima de 4 dias. em todos os internamentos, com valor variável
Houve necessidade de internamento em Unidade de conforme tabela 1.
Cuidados Intensivos em 5,1% dos casos, durante um
mínimo de 11 dias e máximode 32 dias.No global, os
doentes foram admitidos ao internamento de Car-
diologia Pediátrica durante um período mediano de
5dias(mínimo 2 dias e máximo 9 dias).
O principal sintoma à admissão foi dor precor-
dial(97,4% das admissões), sendo infrequentes a
presença de dispneia(5,1%) ou palpitações(2,6%)
(Ver gráfico 1). A maioria dos doentes apresentava
pluralidade de sintomas, frequentemente inespecí-
ficos, como febre (23,1%), astenia (12,8%),ou quei-
xas gastrointestinais de vómitos e diarreia (17,9% e
15,4%, respetivamente). Uma criança de 16 meses
apresentou choque cardiogénico à admissão. Em
apenas 30,8% das admissões não houve referência Gráfico 1: Queixas na admissão de doentes com miopericardite, em per-
a intercorrência infeciosa recente. centagem do total de admissões

Troponina CKMB Mioblobina

BNP PCR Leucócitos Neutrófilos Linfócitos
ng/L ng/ml ng/mL
pg/ml (N<2,9) /uL /uL /uL
(N<80) (N<6,4) (N<147)

Mediana 10100 35,2 43,6 61,3 33,9 7995 4060 2295

Máximo 83718,8 472 1499 7470 155 17200 13244 7000

Mínimo 145 0,8 10 10 0,2 6,638 1200 920

Tabela 1: Valores absolutos dos parâmetros analíticos na admissão dos doentes com miopericardite

38

A Radiografia de tórax foi realizada em 74,4%
das admissões, estando descrito um índice cardio-
torácico aumentado em 2,6% dos casos
O eletrocardiograma, realizado em todos os in-
ternamentos, apresentava-se alterado em 92,3%,
com supra-desnivelamento do segmento ST em
87% dos casos, 12,8% apresentando alterações da
onda T (negativa ou bifásica) e 2,6% casos com pro-
longamento dointervalo QTc.
O ecocardiograma, realizado em todos os in-
ternamentos, apresentava alterações em 35,9%
dos casos, com disfunção sistólica do ventrículo
esquerdo (VE) em 15,4% dos exames, hipocinésia
da parede posterior do VE em 2,6%, dilatação do
VE em 7,7%, dilatação do VD em 2,6% e insuficiên-
cia mitral ligeira em 5,2%. A presença de derrame
pericárdico de pequeno volume foi constatada em
5,2% dos casos
Foi realizada ressonância magnética cardíaca
(RMC) em 28,6% dos doentes, tendo um doente rea-
lizado 4 exames e outro 2. A primeira RMC foi rea-
lizada em média 6 dias após a admissão(mínimo
de 2 e máximo de 240 dias), apresentando sempre
alterações:derrame pericárdico pequeno e não cir-
cunferencial em 70% dos casos; realce pericárdico
sugestivo de pericardite em 50%; hipocinésia seg-
mentar em 30% e redução da função sistólica do
VE em 10%. Após administração de gadolíneo, não
foram descritos sinais compatíveis com hiperemia
na primeira RM, mas edema foi descrito em 60% e
Tipo de lesão
Hiperemia – 0
Edema – 60,0%
Fibrose – 90,0%
Tabela 2: Distribuição das lesões verificadas em Ressonância Magnética, dos doentes com miopericardite
ARTIGOS ORIGINAIS
fibrose (realce tardio com gadolíneo) em 90% dos
exames, com a extensão e distribuição apresentada
na tabela 2. Assim, a primeira RM apresentou crité-
rios Lake Louise positivos em 60%, duvidosos em
30% e negativos em 10%. Se realizados na primeira
semana após admissão, a RM identificou MP com
critérios LL positivos em 83,3% dos doentes.
Não se realizou biópsia endomiocárdica em ne-
nhum caso.
Não se verificou relação entre disfunção ventri-
cular e valor absoluto de Troponina I, Mioglobina,
CK-MB, BNP, ou proteína C reativa. Constatou-se
correlação entre a presença de disfunção ventricu-
lar e elevação dos níveis de BNP (p=0,022) ou Mio-
globina (p=0,001).
Em 82,1% dos internamentos foram realizadas
serologias para vírus, com estudo de autoimunida-
de a ser realizado em 53,8% e estudo metabólico
em 7,7% dos casos. Foi estabelecida causa infeciosa
em 25.6% dos casos, com 69.2% dos casos classifi-
cados como MP idiopática. Houve 1 caso de miope-
ricardite associada ao consumo de canabinóides.
Não se identificaram distúrbios metabólicos ou au-
toimunes causais. O agente infecioso mais frequen-
temente identificado foi o vírus Ebstein Barr(12,8%).
Outros agentes reportados foram o Parvovírus B19
(10,3%), Herpes simplex 2, Enterovírus e Toxoplas-
ma(2,6% dos internamentos).
O tratamento mais frequentemente instituído foi
repouso e terapêutica com ibuprofeno(89,7% dos
Extensão Localização
Subepicardico (40,0%) Segmentos basais (50,0%)
Intramiocardico (20,0%) Segmentos médios (70,0%)
Transmural (10,0%) Segmentos apicais (20,0%)
Subepicardico (90,0%) Segmentos basais (50,0%)
Intramiocardico (30,0%) Segmentos médios (70,0%)
Transmural (10%) Segmentos apicais (40,0%)
39
 ASSOCIAÇÃO PEDIÁTRICA DO MINHO
internamentos, ver gráfico 2). Em todos estes ca-
sos foi igualmente prescrito inibidor da bomba de
protões. Em 20,5% dos internamentos foram insti-
tuídos Inibidores da enzima de conversão de angio-
tensina (IECA), e em 12,8% diuréticos: 10,2% furose-
mida e 2,6% espironolactona. Ácido acetilsalicílico
(AAS) ou colchicina foram prescritos em 7,75% dos
casos. Antibioterapia com ceftriaxone, ampicilina
ou azitromicina foi utilizada em 5,1%, por sobrein-
feção bacteriana. Dois doentes necessitaram de su-
porte ventilatório e um de suporte inotrópico.
Durante o internamento verificou-se uma redu-
ção marcada dos níveis de marcadores de necrose
miocárdica,troponina I em 97% (para valores nor-
mais em 13,2%), CKMB em 95,7% (para valores nor-
mais em todos os doentes), Mioglobina em 38,1%
(para valores normais em todos os doentes) e PCR
em 73,5% (para valores negativos em 13,2%). Todos
os casos apresentaram boa evolução, com ausên-
cia de mortes e resolução da disfunção ventricular.
Na data de alta todos os doentes foram encami-
nhados para consulta de Cardiologia Pediátrica.
Num dos casos, o mesmo doente realizou RMC
por 4 vezes(3 dias, 2 meses, 15 meses e 3,5 anos
após data da primeira admissão por MP). Foi possí-
vel constatar a resolução da hipocinésia segmentar
e redução da extensão da fibrose na segunda RM,
resolução do edema miocárdico no quarto exame,
mantendo-se ainda imagem compatível com fibro-
se subepicárdica residual no último exame.
Gráfico 2: Tratamento administrado durante o internamento dos doen-
tes com miopericardite, em percentagem do total de internamentos
40
DISCUSSÃO
A série apresentada confirma o predomínio da
incidência de MP no género masculino (97,1%),
apesar de ser um valor superior a outras séries, des-
crito como cerca de 66% 1,2
O pico de incidência de MP descrito na literatura
em lactentes não se verificou no presente estudo,
apresentando este uma idade mediana elevada(15
anos). 1,10
Os autores sugerem que o número de MP diag-
nosticadas poderá ser inferior ao real, tendo em
conta os casos que se apresentam como morte sú-
bita ou como miocardiopatia dilatada idiopática,
sobretudo em idadesmais jovens, onde a gravidade
da apresentação tende a ser superior. De facto, a
MP é responsável por 46% das cardiomiopatias di-
latadas de causa identificada, mas frequentemente
não é possível estabelecer a relação causal.2
O estudo realizado comprova a apresentação
clínica variável da MP, sendo o mais frequente a
presença de precordialgia e sintomas inespecífi-
cos.1,6 Em alguns casos pode apresentar-se como
insuficiência cardíaca ou choque cardiogénico.
Segundo outros estudos, dos casos de mortalida-
de em contexto de miocardite, 57% tiveram mor-
te súbita como primeira e única manifestação da
doença.1
O estudo etiológico foi realizado na generalida-
de dos casos, não se encontrando agente causal
evidente na sua maioria. Este estudo é importante,
já que a MP se encontra frequentemente associada
a intercorrências infeciosas. Está documentado o
atingimento regional diferencial pelos diferentes
agentes patogénicos, o que não foi possível tes-
tar dada a amostra insuficiente. Os vírus mais fre-
quentemente implicados são os enterovirus (14-
33%), adenovirus (8-23%), parvovirus B19 (37%),
HVH 6 e adenovirus.6Neste estudo tiveram mais
expressão as infeções agudas por EBV e parvovi-
rus B19. De realçar que infeções por protozoários
ou toxoplasma, apesar de raras, devem ser sempre
consideradas.2,6
O consumo de tóxicos como cannabis é causa
rara de miocarditee foi detetada nesta série, real-
çando a importância da história clínica, suspeita
diagnóstica e pesquisa etiológica dirigida.2,6A re-
corrência de MP é muito rara, tendo sido reporta-
da em 2 doentes. Nestes casos torna-se ainda mais

premente a pesquisa de infeções crónicas, causas
autoimunes ou distúrbios metabólicos.7
Em relação aos biomarcadores, e apesar da ele-
vação de troponina I não ser essencial para diag-
nóstico, todos os doentes desta série apresentavam
elevação deste marcador. A elevação de Troponina I
apresenta especificidade documentada de 86% e
sensibilidade de 71% em crianças.2,9
O valor de BNP à admissão parece correlacio-
nar-se com disfunção do VE e prognóstico.2Neste
estudo, o valor contínuo de BNP, Troponina I ou
Mioglobina não apresentou correlação com a pre-
sença de disfunção ventricular. No entanto, verifi-
cou-se correlação positiva entre a elevação de BNP
e mioglobina e a presença de disfunção ventricular
significativa, o que reforça a importância destes
biomarcadores na avaliação inicial do doente.
A RMC tem importante papel diagnóstico e prog-
nóstico, com acuidade esperada de 78%.6,10,11 Nesta
série, a RMC apresentou superior capacidade de de-
teção de MP em relação ao descrito, sobretudo se
realizada na 1ª semana após admissão, com positi-
vidade em 83% dos casos e recorrendo aos critérios
de LL. A afetação regional detetada por RMC foi a
esperada. Este exame permitiu ainda documentar
resolução/estabilização de lesões quando reali-
zados exames sequenciais, apesar de não ter sido
realizado por rotina. De facto, as indicações para
realização de ressonância e o seu timing não são
muito claros, continuando ainda a tratar-se de um
exame caro, prolongado e muitas vezes difícil de
realizar em doentes mais jovens. De acordo com a
Sociedade Americana de Cardiologia o exame deve
ser realizado em pacientes sintomáticos, se há clí-
nica de miocardite e se o resultado da RMC prova-
velmente afetar a abordagem clínica (por exemplo,
a evidência de edema e ausência de RTG sugere
ARTIGOS ORIGINAIS
lesão reversível e boa resposta a anti-inflamató-
rios10,11).Deve ainda ser considerada em indivíduos
com possível miocardite expostos a exercício físico
extenuante ou com achados eletrocardiográficos
inexplicáveis ​​compatíveis com miocardite, mesmo
na ausência de sintomas. Se realizada na primeira
semana após o início dos sintomas, a RMC pode
não detetar lesões, sugerindo-se nestes casos, a sua
repetição.8 A localização do RTG auxilia também no
prognóstico, já que o atingimento septal se associa
a evolução menos benigna, com eventos cardíacos
adversos precoces e tardios.10,11
O tratamento instituído foi o recomendado, sen-
do sobretudo de suporte, estando recomendado
tratamento específico se for identificado o agente
causal. A sua duração é variável, sendo decidida
caso a caso pelo clínico assistente.
O prognóstico da MP é muito variável de acordo
com a apresentação clínica inicial, estando descrita
correlação com a FEVE na admissão, BNP e idade.2
A série estudada apresentou idade mediana supe-
rior ao habitualmente descrito, o que, associado
ao correto tratamento e vigilância de todos os ca-
sos, terá contribuído para uma evolução favorável,
com ausência de mortes e recuperação da função
ventricular.
MENSAGENS CHAVE
• Importância da suspeita diagnóstica sobre-
tudo nos SU dos Hospitais periféricos
• Severidade variável, podendo evoluir para
disfunção cardíaca
• Importância do estudo etiológico
• Contacto precoce com Cardiologia pediátri-
ca, instituição terapêutica e vigilância clínica
41
 ASSOCIAÇÃO PEDIÁTRICA DO MINHO

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