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Qual é o sinal clínico

clássico da coarctação de
aorta?

1.1 CIRCULAÇÃO FETAL


Para compreender a dinâmica das cardiopatias congênitas, é
importante recordar alguns aspectos da circulação fetal (Figura
1.1).
Figura 1.1 - Circulação fetal
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

O sangue oxigenado retorna da placenta pela veia umbilical. Cerca


de metade do sangue proveniente da placenta passa através dos
sinusoides hepáticos, enquanto o restante é desviado do fígado e
segue pelo ducto venoso para a veia cava inferior. Fluindo por
esta veia, o sangue entra no átrio direito do coração. A maior
parte do sangue que penetra no átrio direito é dirigida pela crista
dividens para o orifício forame oval, chegando, então, ao átrio
esquerdo. Do átrio esquerdo, o sangue passa ao ventrículo
esquerdo por meio da válvula mitral e a partir dessa cavidade é
ejetado através da aorta ascendente.
O coração, a cabeça e o membro superior direito recebem sangue
com maior teor de oxigênio do que o restante do corpo. Cerca de
40 a 50% do sangue da aorta descendente passam pelas artérias
umbilicais e retornam à placenta para reoxigenação. O restante
suprirá as vísceras e a metade inferior do corpo. Como os
pulmões do feto não são responsáveis pela oxigenação do sangue
fetal e pelo fato de as artérias pulmonares serem extremamente
sensíveis à hipóxia do ambiente intrauterino reagindo com
vasoconstrição, existe grande resistência à circulação
proveniente do ventrículo direito. Assim, as paredes deste
ventrículo são hipertrofiadas na vida fetal.
O sangue que chega ao átrio direito pela veia cava superior é
proveniente da cabeça e dos membros superiores, além de ser
pouco oxigenado. Esse volume de sangue passa
preferencialmente através da válvula tricúspide, chegando ao
ventrículo direito. Deste, é ejetado na artéria pulmonar. Em função
da extrema vasoconstrição a que a artéria pulmonar e seus
principais ramos estão submetidos, esse volume de sangue será
desviado em cerca de 90%, por meio do canal arterial para a
aorta, antes da saída da artéria subclávia esquerda. Isto levará a
uma mistura de sangue a partir deste ponto da aorta, o que torna
este sangue menos oxigenado.
Dessa forma, o sangue com maior oxigenação do feto é o que
irriga o próprio coração e o cérebro. Tal fato e a própria dinâmica
da circulação fetal dependem das três estruturas próprias da
circulação fetal: ducto venoso, forame oval e canal arterial —
ducto arterioso.
Com o nascimento, após o clampeamento do cordão umbilical e a
ventilação pulmonar, ocorrem alterações importantes na
circulação descrita anteriormente. Ao ser ventilado — e insuflado
— o pulmão, a sua resistência vascular cai expressivamente, e a
circulação no ducto arterial é reduzida quase completamente.
O ducto arterioso geralmente deixa de ser funcional nas primeiras
10 a 15 horas pós-parto, exceto em prematuros e naqueles com
hipóxia persistente, situações em que pode permanecer aberto
por mais tempo.
O oxigênio constitui o fator mais importante do controle do
fechamento do ducto arterioso. Durante a vida fetal, a abertura
deste é controlada pelo baixo nível de oxigênio no sangue, já que
o feto vive em ambiente com baixo teor de oxigênio, mantendo,
então, o ducto pérvio. O ducto arterial também é mantido pérvio
por meio da produção de prostaglandinas durante a vida
intrauterina, assim alguns inibidores da síntese de
prostaglandinas, como a indometacina, são usados para
promover o fechamento do ducto arterioso que persiste pérvio
após o nascimento. Em algumas semanas ou meses processa-se
o fechamento anatômico, e o ducto arterial se oblitera e passa a
constituir o ligamento arterioso fibroso.
A oclusão da circulação placentária provoca queda imediata da
pressão sanguínea na veia cava inferior e no átrio direito. Em
razão do fluxo sanguíneo pulmonar aumentado, a pressão no
interior do átrio esquerdo fica maior que a do átrio direito, e essa
pressão acarreta fechamento funcional do orifício do forame oval.
Já o fechamento anatômico acontece mais tardiamente.
Entendendo a circulação fetal, pode-se observar que o coração
fetal funciona praticamente como bomba única, pois a
oxigenação sanguínea se apresenta na placenta e os pulmões
fetais não são funcionantes, ocorrendo um shunt direito-
esquerdo por meio do forame oval e do ducto arterial. Com o
nascimento, ocorrem as alterações descritas e fundamentais para
o acoplamento cardíaco à necessidade de oxigenação sanguínea
nos alvéolos pulmonares (Figura 1.2). A maioria das malformações
cardíacas é bem tolerada durante a vida intrauterina, produzindo
sinais após o nascimento.
Figura 1.2 - Circulação do recém-nascido
Legenda: (A) circulação pré-natal; (B) circulação pós-natal.

1.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA


A incidência da cardiopatia congênita na população geral é de 1 a
2:1.000 nascidos vivos, distribuída de acordo com o exposto no
Quadro 1.1. Trinta por cento dos casos recebem alta da
maternidade sem esse diagnóstico.
Durante as primeiras horas após o nascimento, o Recém-Nascido
(RN) deve permanecer em observação quanto a qualquer sinal ou
sintoma que possa gerar suspeita, embora, com a utilização
rotineira da ultrassonografia obstétrica, especialmente a
morfológica, cada vez menos cardiopatas têm nascido sem um
diagnóstico durante a vida intrauterina. De qualquer forma, deve-
se suspeitar de cardiopatia congênita sempre que o RN apresente
quaisquer dos sinais que seguem:
▶ Taquipneia, cansaço ou cianose às mamadas;
▶ Qualquer tipo de sopro cardíaco ou alteração de bulhas
cardíacas;
▶ Alteração de pulsos e/ou hipertensão arterial sistêmica ou,
ainda, diferença sensível da pressão arterial sistêmica entre os
membros superiores e os inferiores;
▶ Arritmias — tais manifestações chamam atenção em qualquer
RN.
Com o passar dos dias, após o nascimento, é possível observar
manifestações nos recém-nascidos cardiopatas, como impulsão
torácica, precórdio hiperdinâmico e dificuldade de ganhar peso,
hiperfluxo pulmonar ou, ainda, sinais de hipertensão pulmonar.
Quadro 1.1 - Distribuição da incidência na população
Em função dos tipos de repercussões presentes nas
malformações congênitas cardíacas, classificam-se tais
repercussões considerando ou não a presença de cianose. A
cianose da criança com cardiopatia congênita é do tipo central,
quase sempre generalizada; entretanto, em alguns casos, pode
ser evidente no dimídio inferior (MMII) e ausente no dimídio
superior (MMSS) e mucosas, ou vice-versa, a qual é denominada
de cianose diferencial. A título de recordação, a cianose não se
refere diretamente à oxigenação sanguínea, mas à relação de
É
hemoglobina oxidada em comparação à reduzida. É observada
quando a hemoglobina reduzida no sangue circulante é igual ou
superior a 5 g/dL. Casos em que há déficit de oxigenação podem
produzir cianose; contudo, em casos de anemia associada à má
oxigenação, pode não haver. Casos em que a circulação e a
perfusão estão diminuídas em uma parte do corpo e a oxigenação
sanguínea não está prejudicada podem, igualmente, apresentar
ausência de cianose, à medida que o pouco sangue que chega
àquela área tem relação favorável de hemoglobina oxidada em
relação à reduzida.
1.3 AVALIAÇÃO DA CRIANÇA COM
CARDIOPATIA CONGÊNITA
A avaliação inicial tem três aspectos: cianóticas versus
acianóticas, radiografia de tórax e eletrocardiograma (ECG) e
diagnóstico realizado por meio de ecocardiograma (ECO).
Os defeitos cardíacos congênitos podem ser divididos em dois
grandes grupos, com base na presença ou ausência de cianose.
Em seguida, podem, ainda, ser subdivididos conforme o fluxo
pulmonar (normal, aumentado ou diminuído) observado na
radiografia de tórax. O ECG pode ser usado para determinar a
existência de hipertrofia das câmaras cardíacas. As
características dos sons cardíacos e de sopros ajudam a estreitar
o diagnóstico diferencial, e o diagnóstico final é confirmado por
ECO, cateterismo cardíaco ou ambos.
1.3.1 Teste do coraçãozinho
O teste de oximetria de pulso — teste do coraçãozinho — (Figura
1.3) é um método de triagem de cardiopatias consideradas
críticas no período neonatal. Deve-se realizar aferição da
oximetria de pulso em todo RN aparentemente saudável com
idade gestacional maior que 34 semanas, antes da alta da
unidade neonatal. Deve-se realizar aferição no membro superior
direito e em um dos membros inferiores, entre 24 e 48 horas de
vida.

#importante
O teste da oximetria de pulso tem
sensibilidade de 75% e especificidade de
99% para triagem de cardiopatias
congênitas críticas em recém-nascidos
com idade gestacional maior de 34
semanas.

O resultado normal evidencia saturação periférica maior que 95%


em ambas as medidas, membro superior direito e membro
inferior, e diferença menor do que 3% entre as medidas do
membro superior direito e membro inferior. Quanto ao resultado
anormal, caso qualquer medida da SpO2 seja menor do que 95%
ou haja diferença igual ou superior a 3% entre as medidas do
membro superior direito e membro inferior, uma nova aferição
deverá ser realizada após 1 hora. Caso o resultado se confirme,
um ECO deverá ser feito dentro das 24 horas seguintes (Figura
1.4).
Figura 1.3 - Teste do coraçãozinho
Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2012.

Figura 1.4 - Triagem neonatal de cardiopatia congênita crítica


Fonte: elaborado pelo autor.
1.4 CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
ACIANÓTICAS
As lesões mais comuns são as que produzem carga excessiva de
volume. Entre elas, as mais frequentes são lesões com shunt
esquerdo-direito: CIV, CIA e PCA.
A segunda maior classe de lesões acianóticas corresponde às que
provocam aumento da carga pressórica, secundárias à obstrução
do fluxo de saída ventricular — estenose pulmonar, estenose
aórtica — ou ao estreitamento de grandes vasos Coarctação da
Aorta (CoAo).
No caso de lesões com sobrecarga de volume — CIV, CIA, PCA —,
a fisiopatologia comum é a comunicação entre as circulações
sistêmica e pulmonar, resultando em um shunt de sangue rico em
oxigênio de volta para os pulmões. Esse shunt pode ser
quantificado por meio do cálculo da razão do fluxo sanguíneo
pulmonar pelo fluxo sistêmico (Qp:Qs). Um shunt 2:1 significa que
o fluxo pulmonar está duas vezes maior do que o normal. O
remodelamento do coração ocorre com predomínio de dilatação
e, em menor grau, hipertrofia. Caso a doença não seja tratada, há,
progressivamente, aumento da resistência vascular pulmonar que
pode reduzir o shunt ou mesmo inverter o seu sentido, passando
a ser direito-esquerdo (fisiologia ou síndrome de Eisenmenger).
Na síndrome de Eisenmenger, a resistência vascular pulmonar
após o nascimento permanece alta ou aumenta depois de ter
diminuído durante a lactância. Os principais fatores que levam a
essa síndrome são pressão pulmonar aumentada, fluxo pulmonar
aumentado, hipóxia e hipercapnia.
No caso de lesões com sobrecarga de pressão, como: estenose
pulmonar, estenose aórtica, CoAo; a fisiopatologia nessas lesões
é uma obstrução do fluxo normal do sangue. As mais comuns são
as obstruções do fluxo de saída dos ventrículos. Mecanismos de
compensação levam a hipertrofia ventricular e dilatação em
estágios mais avançados.
1.4.1 Comunicação interventricular (CIV)
A CIV é a cardiopatia congênita mais comum. Nessa malformação
congênita, há passagem de sangue do ventrículo esquerdo para o
direito através de uma abertura no septo interventricular; em
alguns casos, todo o septo interventricular está ausente. O shunt
esquerdo-direito ocorre por diferença de pressão; como a
pressão sistêmica (pós-carga) é maior do que a encontrada na
circulação pulmonar, o sangue dirige-se do local de maior pressão
para o de menor pressão. Como resultado, parte do sangue já
oxigenado e que está no ventrículo esquerdo é devolvida ao
ventrículo direito e novamente impulsionada aos pulmões,
determinando sobrecarga ventricular direita e aumento do
trabalho cardíaco.
Figura 1.5 - Comunicação interventricular
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

1.4.1.1 Diagnóstico

Eventualmente, as manifestações de insuficiência cardíaca,


sobrecarga de volume, decorrentes da CIV só se manifestam de
dois a três meses após o nascimento, quando os níveis de pressão
na circulação pulmonar declinam. Nesse momento, como a
diferença das pressões entre os dois ventrículos é grande, o fluxo
esquerdo-direito pela CIV é máximo, exigindo trabalho cardíaco
acima das suas capacidades.
As manifestações clínicas iniciais podem restringir-se a apenas
sopro holossistólico na borda paraesternal esquerda,
acompanhado ou não de frêmito. De acordo com a dimensão da
CIV e/ou, em razão da queda da pressão pulmonar, podem advir
as manifestações da insuficiência cardíaca, como dispneia,
taquicardia e sudorese, dificuldade para mamar, infecções
respiratórias, hipertensão pulmonar e sibilância.
A radiografia de tórax pode ser normal na CIV pequena ou
evidenciar área cardíaca aumentada (Figura 1.6), principalmente o
ventrículo esquerdo, mas também da artéria pulmonar e do
ventrículo direito, além do aumento da trama vascular. O ECG
pode mostrar alterações elétricas indicativas de sobrecarga de
ventrículo esquerdo ou biventricular, onda T invertida em V-1 ou
onda T ascendente.
O ecocardiograma, exame mais importante para a definição
diagnóstica de comunicação interventricular e para a conduta
clínica, evidencia o defeito anatômico, bem como o fluxo, se
associado ao Doppler. Este também faz uma estimativa da
hipertensão pulmonar caso ela esteja presente.
Figura 1.6 - Radiografia de tórax com área cardíaca aumentada
1.4.1.2 Tratamento

O tratamento medicamentoso (diuréticos, digital,


vasodilatadores) deve ser iniciado em todo paciente que evoluir
com sinais de insuficiência cardíaca. Caso o paciente não
responda ao tratamento medicamentoso, opta-se pela cirurgia.
Com exceção das CIVs muito pequenas, que podem regredir
espontaneamente, todas as demais devem ser operadas, de
preferência durante os dois primeiros anos de vida. Quanto a
crianças com repercussões hemodinâmicas precoces, a correção
deve ser feita precocemente, a fim de evitar lesão da vasculatura
com consequente hipertensão pulmonar.
Figura 1.7 - Melhora radiológica após cirurgia

Fonte: Anesthetic management of children with congenital heart diseases


presented for non cardiac surgery, 2009.

1.4.2 Comunicação interatrial (CIA)


Nesse tipo de defeito, também não ocorre cianose; pois, à medida
que a pressão atrial esquerda é maior do que a direita, há shunt
esquerdo-direito. Novamente, aqui há recirculação de sangue já
oxigenado. O fechamento inicial do forame oval é de natureza
funcional, como se a valva fosse empurrada contra o “batente”,
impedindo fluxo da esquerda para a direita. O fechamento
anatômico do forame oval ocorre até o primeiro ano de vida.
Defeitos na valva ou no próprio forame oval podem originar a CIA
após o nascimento (Figura 1.8). Lembrando que, durante a vida
intrauterina, há comunicação fisiológica entre os dois átrios,
embora o fluxo durante a vida fetal seja da direita para a esquerda.
Figura 1.8 - Defeito do septo atrial
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

1.4.2.1 Diagnóstico

A sintomatologia depende do grau de shunt esquerdo-direito.


A maioria dos pacientes é assintomática, raramente se
manifestando no lactente. Usualmente as manifestações da
comunicação interatrial são mais comuns por volta dos 3 ou 4
anos de vida, época em que as pressões intracavitárias cardíacas
estão sujeitas a algumas alterações e resultam em maior shunt
esquerdo-direito, aumento do átrio e ventrículo direitos, podendo
chegar à dilatação da artéria pulmonar.
Os sintomas mais frequentes, quando ocorrem, são dispneia,
palpitações e fadiga. Infecções respiratórias e déficit ponderal
podem acontecer, e a insuficiência cardíaca é um evento tardio.
Ao exame físico cardíaco, podem ser auscultados desdobramento
fixo de B2, que é típico dessa anomalia e ocorre pelo retardo no
esvaziamento do ventrículo direito, o qual apresenta volume
sanguíneo aumentado, sopro sistólico e, algumas vezes, sopro
diastólico. À radiografia de tórax, pode-se observar aumento da
área cardíaca, do tronco da artéria pulmonar e da trama vascular
pulmonar. O ECG pode apresentar alterações de condução
decorrentes da remodelação cardíaca, como QRS aumentado, e,
em 50% dos pacientes, observa-se mudança na onda P,
sugerindo aumento atrial direito. O cateterismo cardíaco aponta
aumento da saturação do oxigênio nas amostras de sangue do
átrio direito, ventrículo direito e artérias pulmonares quanto às
saturações de veias cavas superiores e inferiores.
O ecocardiograma confirma o diagnóstico.
Figura 1.9 - Ressonância magnética cardíaca que evidencia a comunicação
interatrial
1.4.2.2 Tratamento

A correção cirúrgica da CIA é indicada para os casos sintomáticos


e àqueles referentes ao fluxo pulmonar-sistêmico maior que 1,5:1.
A correção cirúrgica deve ser realizada eletivamente por volta dos
2 anos, para evitar aumento crônico do átrio e do ventrículo
direitos. O procedimento é simples e praticamente sem
mortalidade.
1.4.3 Persistência do Canal Arterial (PCA)
O canal arterial (Figura 1.10) desempenha função primordial
durante a vida intrauterina, com fluxo da artéria pulmonar para a
artéria aorta. Com a aeração e a expansão pulmonares, há queda
da resistência vascular pulmonar, de forma que, quando há fluxo
residual pelo canal arterial, ele ocorre no sentido aorta-artéria
pulmonar, desde que não exista associação a hipertensão
pulmonar. O fechamento funcional do canal arterial acontece
fisiologicamente por volta das primeiras 10 a 15 horas de vida no
RN a termo e, mais tardiamente, no pré-termo, entre o 14º e o 20º
dia de vida.
Figura 1.10 - Persistência do canal arterial
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

#importante
A PCA pode estar relacionada a um
quadro de síndrome da rubéola
congênita.

1.4.3.1 Diagnóstico

Vale lembrar que o RN prematuro responde mais


satisfatoriamente às medidas farmacológicas para fechamento
de um canal arterial persistente do que o nascido a termo. No
entanto, no pré-termo, a descompensação cardíaca pode ser
muito mais precoce quando comparada ao RN a termo. Na
ausculta cardíaca, pode-se encontrar um sopro sistólico clássico
em região infraclavicular e esquerda, descrito como sopro “em
maquinaria” ou “em trovoada”. Também podem ser encontrados
pulsos periféricos amplos e ampla pressão de pulso.

#importante
Os achados de exame físico da PCA são
sopro contínuo, tipo maquinaria, no foco
pulmonar, pressão arterial divergente
(“fuga” da aorta → pulmonar), pulsos
periféricos amplos.

Em casos de PCA de pequeno fluxo, normalmente não há


repercussões nas pressões do átrio direito e do ventrículo direito,
ao passo que PCA de fluxo mais expressivo acaba gerando
aumento considerável nas pressões dessas duas câmaras, bem
como na artéria pulmonar. Nesse caso, a PCA pode levar a doença
vascular pulmonar caso a doença de base não seja corrigida.
Com o aumento da pressão na artéria pulmonar e as alterações
anatômicas no leito arterial (muscularização), há elevação da
pressão no leito, podendo levar a inversão do fluxo no ducto
arterial e, consequentemente, cianose.
Na radiografia de tórax, pode-se observar aumento (hipertrofia)
das câmaras cardíacas esquerdas (Figura 1.11), pois o coração
bombeia mais sangue do que o volume circulante pelo hiperfluxo,
embora ocorra também aumento do ventrículo direito, da trama
vasobrônquica e da aorta ascendente.
Figura 1.11 - Radiografia de tórax que mostra aumento das câmaras cardíacas
esquerdas
Fonte: Conexão anômala parcial de veias pulmonares em átrio direito com
ausência de comunicação interatrial, 2007.

O ECG pode evidenciar alterações compatíveis com sobrecarga


biventricular ou predomínio do ventrículo direito, uma vez que ela
é mais precoce. O ECO com Doppler é o exame padrão-ouro, pois
evidencia a própria persistência do canal e é possível que também
evidencie o fluxo sanguíneo local. Pode, ainda, estimar a
hipertensão pulmonar quando ela está presente. As complicações
são insuficiência cardíaca congestiva, endarterite e doença
vascular pulmonar — Eisenmenger.
1.4.3.2 Tratamento

A abordagem inicial da PCA baseia-se em restrição hídrica,


diuréticos, visando diminuir o trabalho cardíaco, e ventilação
mecânica, quando necessário. Tal abordagem visa promover o
fechamento da PCA, tanto por medidas farmacológicas —
indometacina, ibuprofeno; esperam-se de 48 a 72 horas, com
fechamento em 80% dos casos — como por procedimentos
cirúrgicos (toracotomia ou cateterismo). Nos prematuros, o
tratamento medicamentoso é a primeira opção.

#importante
O tratamento é feito com drogas
(indometacina ou ibuprofeno), cirurgia e
cateterismo (“coils”).

Figura 1.12 - Cateterismo com “coil”


São contraindicações do uso do inibidor da prostaglandina E:
▶ Sepse;
▶ Plaquetopenia — menor que 80.000;
▶ Hemorragia intracraniana;
▶ Hiperbilirrubinemia;
▶ Sangramento renal ou enteral;
▶ Creatinina maior que 1,8 ou débito urinário menor que 1
mL/kg/h.
1.4.4 Retorno venoso anômalo parcial das veias
pulmonares
A síndrome da cimitarra é uma anomalia parcial da drenagem
venosa do pulmão direito para a veia cava inferior, associada à
hipoplasia pulmonar direita, anormalidade na árvore brônquica,
dextrocardia, suprimento arterial sistêmico para o pulmão direito
originário da aorta ou artérias braquiais. À radiografia de tórax, vê-
se sombra de densidade vascular na silhueta cardíaca direita.
Figura 1.13 - Cimitarra
Fonte: site Worldantiques, 2014.

Figura 1.14 - Síndrome da cimitarra

Fonte: JVinocur, 2010.

1.4.5 Estenose pulmonar


Tal cardiopatia diz respeito a defeitos na valva pulmonar e em seu
anel, na região infundibular ou acima do anel pulmonar. Pode-se
apresentar da forma clássica, com espessamento da válvula ou
também como displasia, esta última forma presente na síndrome
de Noonan.
A estenose pulmonar também pode estar associada à rubéola
congênita e a síndrome de Williams quando há associação a
estenose aórtica supravalvar, hipercalcemia idiopática, “fácies de
elfo” (Figura 1.15) e retardo mental.
Figura 1.15 - “Fácies de elfo”

Fonte: Williams Syndrome As a Model for Elucidation of the Pathway Genes — the
Brain — Cognitive Functions: Genetics and Epigenetics, 2013.

1.4.5.1 Diagnóstico

Classicamente, está qualificada entre as cardiopatias acianóticas;


no entanto, quando o grau de estenose é importante, pode
apresentar-se com cianose, dispneia e fadiga, que pioram ao
esforço físico. Outros achados ao exame físico incluem primeira
bulha acentuada na área tricúspide e segunda bulha na área
pulmonar, estalido protossistólico pulmonar e sopro sistólico em
ejeção no segundo espaço intercostal esquerdo irradiado para a
região infraclavicular esquerda e, algumas vezes, o pescoço.
Eventualmente, o sopro pode ser de tal intensidade que encobre
as bulhas. O ventrículo direito trabalha contra um obstáculo: a
pressão em seu interior apresenta-se aumentada, podendo haver
hipertrofia concêntrica, ou seja, aumento da espessura de suas
paredes maior do que o aumento do volume de seu interior. Essa
hipertrofia pode ser observada por radiografia de tórax, ECO ou
ECG. Este pode evidenciá-la de forma indireta, por meio das
alterações elétricas que gera desvio do eixo para a direita, ondas
T positivas em derivações direitas e onda Q em V1 associada a
sobrecarga atrial direita.
O ECO demonstra, morfologicamente, estenose, mobilidade e
espessura dos folhetos valvares, tamanho do anel valvar,
dilatação pós-estenótica e gradiente transvalvar.
Figura 1.16 - Radiografia de tórax mostrando trama vascular pulmonar diminuída
na presença de aumento das cavidades direitas
Nota: o arco médio retificado orienta para a presença de obstrução da via de saída
do ventrículo direito.
Fonte: Caso 1/2007 — Criança de três anos com Estenose Pulmonar Infundibular,
2007.

1.4.5.2 Tratamento

O objetivo do tratamento é a correção da estenose por meio de


valvoplastia com cateter e balão cirúrgico precoce seguido de
profilaxia para endocardite. Quando há estenose pulmonar com
cianose, o uso de prostaglandina E-1 pode proporcionar melhora
do quadro.
1.4.6 Estenose aórtica
Somente obstruções mais graves causam sintomas na infância.
No quadro clínico, o aumento da obstrução resulta em aumento
da área cardíaca, hipertrofia do ventrículo esquerdo, e diminuição
do pulso.
1.4.6.1 Diagnóstico

Evolui com aparecimento súbito de insuficiência cardíaca


congestiva, edema pulmonar e, algumas vezes, colapso periférico.
Além disso, ocorre aparecimento de frêmito sistêmico sobre a
área aórtica, fúrcula e cervical, com estalido protossistólico
aórtico e mitral e sopro rude em ejeção de máxima intensidade
sobre o rebordo esternal direito. A radiografia revela área cardíaca
normal nas estenoses discretas e dilatação aórtica e hipertrofia
de ventrículo esquerdo nas estenoses graves. No ECG, há desvio
de eixo para a esquerda, aparecimento de onda R em V5 e V6,
profunda em V1 e V2, com padrão de “strain”, e alteração de
repolarização ventricular. O ECO serve para análise da válvula,
mobilidade, espessura, tamanho do anel, dilatação pós-
estenótica, gradiente transvalvar, hipertrofia do ventrículo
esquerdo e obstruções subvalvares e supravalvares.
Figura 1.17 - Radiografia de tórax que salienta a dilatação do arco superior à direita
correspondente à aorta ascendente dilatada
Fonte: Caso 7/2003 - Instituto do coração do hospital das Clínicas da FMUSP, 2003.

1.4.6.2 Tratamento

Compreende seguimento do paciente assintomático e profilaxia


de endocardite. Nos casos críticos, trata-se primeiramente a
insuficiência cardíaca congestiva e prepara-se para a cirurgia.
1.4.7 Coarctação da aorta
Trata-se de um estreitamento ou de obstrução do arco aórtico
que pode ocorrer antes da emergência do canal arterial, na
própria junção da aorta com este ou mesmo após a emergência
deste, porém ainda no arco. Pode, também, ser classificada
quanto à emergência da artéria subclávia esquerda; 98% dos
casos ocorrem abaixo dela, na posição justaductal ou mesmo pré-
ductal. Em 98% dos casos a coarctação é justaductal. Está
associada à síndrome de Turner e à válvula bicúspide em mais de
70% dos casos.

#importante
Trata-se de uma cardiopatia congênita
crítica, pouco diagnosticada na triagem
neonatal com o teste do coraçãozinho,
por isso o exame físico com a palpação
dos pulsos nos quatro membros é de
grande importância.

Figura 1.18 - Coarctação da aorta


Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

Lembrando da circulação fetal e da posição do ducto arterial,


note-se que o ducto arterial se insere na aorta após a emergência
das artérias subclávias. Por isso, nos casos em que o
estreitamento acontece antes do ducto arterial, a circulação para
os órgãos abdominais e para os membros inferiores ocorre por
intermédio da manutenção da permeabilidade desse ducto. O
sangue proveniente do ventrículo direito é desviado para a aorta
descendente através do ducto arterial, e, dessa forma, é garantida
a circulação abaixo da coarctação, embora com baixa
concentração de oxigênio.
1.4.7.1 Diagnóstico

O quadro clínico pode variar desde totalmente assintomático até


com manifestação clara de insuficiência cardíaca.

#importante
O sinal clínico de maior expressão de
coarctação da aorta é a diferença de
pulsos e de pressão arterial entre os
membros inferiores e superiores.

Os pulsos femorais, poplíteos, tibiais posteriores e pediosos são


mais fracos quando comparados aos braquiais, radiais e
carotídeos. Tal diferença varia na dependência da circulação pelas
artérias mamárias internas e intercostais oriundas das subclávias
ou, até mesmo, das artérias frênicas e vertebrais.
A diferença nas pressões sistólicas pode variar entre 145 mais ou
menos 12 mmHg nos membros superiores e 70 mais ou menos 10
mmHg nos membros inferiores. Precórdio pulsátil ou
hiperdinâmico não é raro, bem como a presença de frêmitos. À
ausculta, verifica-se sopro sistólico na borda esternal esquerda
entre o terceiro e o quarto espaços intercostais, que se irradiam
para o dorso e o pescoço. Em alguns casos, pode haver sopro
sistólico audível na região interescapular, na altura
correspondente à coarctação. Na coarctação de aorta crítica,
pode-se ter a presença de cianose diferencial (Figura 1.19).
Figura 1.19 - Cianose diferencial

Atualmente, o diagnóstico é obtido, em especial, por meio de ECO.


Entretanto, outros exames podem contribuir, como o ECG, que
pode mostrar alterações importantes no seguimento ST e ondas
T negativas em V5 e V6. As alterações na radiografia de tórax
dependem da idade do paciente, dos efeitos da hipertensão
arterial e da circulação colateral. Entre os lactentes, verificam-se
aumento de área cardíaca e congestão pulmonar e, nas crianças
maiores, aumento acentuado do ventrículo esquerdo. A partir da
primeira década, acentua-se tal aumento, e a artéria subclávia
aumentada é visualizada com uma sombra no mediastino
superior. Eventualmente, verifica-se imagem de dilatação da aorta
descendente. Utilizando-se de radiografia de esôfago
contrastado, pode-se encontrar uma imagem de três “invertido”,
com espessamento das bordas inferiores das costelas com
erosão central — sinal de Röesler.
Figura 1.20 - Sinal de Röesler (setas)
1.4.7.2 Tratamento
No tratamento inicial do RN em estado grave, administra-se
prostaglandina até a avaliação do grau de comprometimento da
circulação e, se necessário, manutenção da medicação até
correção cirúrgica. Em alguns casos, pode-se fazer correção
eletiva, desde que o RN se encontre assintomático. Em casos de
RN com sinais de insuficiência cardíaca, esta deve ser
primeiramente compensada para, em seguida, ser realizado
procedimento cirúrgico. Entretanto, um ótimo momento para a
correção cirúrgica está entre o 2º e o 4º ano. As complicações
aumentam com a idade, podendo ocorrer, nos adultos não
tratados, hipertensão arterial, encefalopatia hipertensiva,
coronariopatia, além de endarterite e endocardite.
1.4.8 Defeito do septo atrioventricular
É uma anormalidade do desenvolvimento dos coxins
endocárdicos que resulta em uma CIA tipo ostium primum, uma
CIV e uma única valva atrioventricular.
Comporta-se mecanicamente como uma grande CIV. O shunt
ocorre da esquerda para a direita e pode haver aumento da
resistência pulmonar. É a anomalia cardíaca mais frequente nos
pacientes com síndrome de Down.
Clinicamente manifesta-se por dispneia, baixo desenvolvimento
ponderoestatural e infecções respiratórias de repetição.
Ao exame, o sopro pode ser discreto pois as pressões nos átrios e
ventrículos é equilibrada. A segunda bulha é hiperfonética e pode
ser desdobrada.
Quando a hipertensão pulmonar se desenvolve com hiper-
resistência vascular pulmonar, aparece a cianose generalizada,
que é mais precoce nos pacientes com síndrome de Down.
O exame-padrão ouro para seu diagnóstico é o ecocardiograma
com Doppler.
O tratamento é sempre cirúrgico.
1.5 PROLAPSO MITRAL
Anormalidade valvar mais comum, ocorre geralmente por
degeneração mixomatosa na valva e nas cordoalhas. A valva fica
espessada e alargada, e, quando o ventrículo esquerdo se contrai,
os folhetos da valva se projetam para dentro do ventrículo,
permitindo refluxo do sangue para dentro do átrio esquerdo.
Quando o prolapso é significativo pode causar insuficiência
cardíaca e arritmia.
A causa da degeneração mixomatosa é desconhecida, mas tem
um forte componente hereditário. É especialmente frequente na
síndrome de Marfan.
A maioria dos pacientes é assintomática, porém, quando há
queixa, o cansaço e a palpitação são as mais frequentes. Quando
intenso, o prolapso se manifesta com sinais de insuficiência
cardíaca.
Ao exame físico ocorre estalido mitral característico seguido por
um ruído ou sopro.
O exame padrão-ouro é o ecocardiograma com Doppler.
O tratamento não é necessário na maioria dos pacientes.
Pacientes com regurgitação mitral ou evidência de degeneração
mixomatosa devem receber profilaxia com antibiótico antes de
qualquer procedimento que possa causar bacteriemia.
Qual é o sinal clínico
clássico da coarctação de
aorta?
O sinal clínico clássico da coarctação de aorta é a
diferença de pulso e pressão de membros superiores e
inferiores. Por meio da palpação simultânea de pulsos,
será verificado o atraso radial-femoral.

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