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LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. 4ª. ed. – São Paulo.

Editora WMF Martins


Fontes, 2018.

Capítulo 1: A IMAGEM DO AMBIENTE


“A cidade não é apenas um objeto percebido (e talvez desfrutado) por
milhões de pessoas de classes sociais e características extremamente diversas,
mas também o produto de muitos construtores que, por razões próprias, nunca
deixam de modificar sua estrutura. Se, em linhas gerais, ela pode ser estável por
algum tempo, por outro lado está sempre se modificando nos detalhes. Só um
controle parcial pode ser exercido sobre seu crescimento e sua forma (...)” (LYNCH,
2018, p. 2 – 1º parágrafo)
“Um ambiente urbano belo e aprazível constitui uma singularidade, ou,
como diriam alguns, uma impossibilidade. Nenhuma cidade norte-americana maior
que um vilarejo é consistente em termos de beleza, ainda que algumas delas
contenham um certo número de fragmentos agradáveis. Assim, realmente não
surpreende que a maioria dos norte-americanos tenha uma ideia muito difusa do
que pode significar viver em tal ambiente. (...) Eles podem ter uma consciência
muito tênue daquilo que um determinado espaço pode significar em termos de
prazer cotidiano, ou como um refúgio permanente para as suas vidas, ou, ainda,
como uma extensão do significado e da riqueza do mundo.” (LYNCH, 2018, p. 2 –
2º parágrafo)
“No processo de orientação, o elo estratégico é a imagem ambiental, o
quadro mental generalizado do mundo físico exterior de que cada indivíduo é
portador. Essa imagem é produto tanto da sensação imediata quanto da lembrança
de experiências passadas, e seu uso se presta a interpretar as informações e
orientar a ação. A necessidade de reconhecer e padronizar nosso ambiente é tão
crucial e tem raízes tão profundamente arraigadas no passado, que essa imagem é
de enorme importância prática e emocional para o indivíduo.” (LYNCH, 2018, p. 4 –
1º parágrafo)
“Sem dúvida, uma imagem clara nos permite uma locomoção mais fácil e
rápida (...) Contudo, um ambiente ordenado pode fazer mais do que isso; pode
servir como um vasto sistema de referências, organizador da atividade, da crença
ou do conhecimento. (...) Portanto, uma imagem clara do entorno constitui uma base
valiosa para o desenvolvimento individual.” (LYNCH, 2018, p. 4, 5 – 2º parágrafo)
“Uma boa imagem ambiental oferece a seu possuidor um importante
sentimento de segurança emocional. Ele pode estabelecer uma relação harmoniosa
entre ele e o mundo à sua volta. Isso é o extremo oposto do medo que decorre da
desorientação; significa que o doce sentimento da terra natal é mais forte quando
esta é não apenas familiar, mas característica.” (LYNCH, 2018, p. 5 – 2º parágrafo)
“Na verdade, um ambiente característico e legível não oferece apenas
segurança, mas também reforça a profundidade e a intensidade potenciais da
experiência humana. Embora a vida esteja longe de ser impossível no caos visual
da cidade moderna, a mesma ação cotidiana poderia assumir um novo significado
se fosse praticada num cenário de maior clareza. Potencialmente, a cidade é em si
o símbolo poderoso de uma sociedade complexa. Se bem organizada em termos
visuais, ela também pode ter um forte significado expressivo.” (LYNCH, 2018, p. 5 –
3º parágrafo)
“(...) O observador deve ter um papel ativo na percepção do mundo e uma
participação criativa no desenvolvimento de sua imagem. Deve ser capaz de
transformar essa imagem de modo a ajustá-la a necessidades variáveis. Um
ambiente ordenado em detalhes precisos e definitivos pode inibir novos modelos de
atividade. Uma paisagem na qual cada pedra conta uma história pode dificultar a
criação de novas histórias. Ainda que isso possa não parecer um problema crítico
em nosso caos urbano atual, mesmo assim indica que o que procuramos não é uma
ordem definitiva, mas uma ordem aberta, passível de continuidade em seu
desenvolvimento.” (LYNCH, 2018, p. 6, 7 – 4º parágrafo)
“As imagens ambientais são o resultado de um processo bilateral entre o
observador e seu ambiente. Este último sugere especificidades e relações, e o
observador - com grande capacidade de adaptação e à luz de seus próprios
objetivos - seleciona, organiza e confere significado àquilo que vê. A imagem assim
desenvolvida limita e enfatiza o que é visto, enquanto a imagem em si é testada,
num processo constante de interação, contra a informação perceptiva filtrada.
Desse modo, a imagem de uma determinada realidade pode variar
significativamente entre observadores diferentes.” (LYNCH, 2018, p. 7 – 1º
parágrafo)
“Uma imagem ambiental pode ser decomposta em três componentes:
identidade, estrutura e significado. É conveniente abstraí-los para a análise, desde
que não se perca de vista que sempre aparecem juntos. Uma imagem viável requer,
primeiro, a identificação de um objeto, o que implica sua diferenciação de outras
coisas, seu reconhecimento enquanto entidade separável. A isso se dá o nome de
identidade, não no sentido de igualdade com alguma outra coisa, mas com o
significado de individualidade ou unicidade. Em segundo lugar, a imagem deve
incluir a relação espacial ou paradigmática do objeto com o observador e os outros
objetos. Por último, esse objeto deve ter algum significado para o observador, seja
ele prático ou emocional. O significado também é uma relação, ainda que bastante
diversa da relação espacial ou paradigmática.” (LYNCH, 2018, p. 9 – 1º parágrafo)
“Para ter valor em termos de orientação no espaço ocupado pelas pessoas,
uma imagem precisa ter várias qualidades. Deve ser suficiente, verdadeira em
sentido pragmático, permitindo que o indivíduo atue dentro do seu ambiente na
medida de suas necessidades. O mapa, seja ele exato ou não, deve ser bom o
suficiente para nos conduzir ao nosso destino. Deve ser suficientemente claro e
bem integrado para tornar-se econômico em termos de esforço mental: o mapa
deve ser legível. Deve ser seguro e conter indicações suplementares que tornem
possíveis as ações alternativas, sem grande risco de insucesso. Se uma luz
intermitente é o único sinal existente numa curva perigosa, a falta de energia elétrica
pode provocar um desastre. É preferível que a imagem seja aberta e adaptável à
mudança, permitindo que o indivíduo continue a investigar e organizar a realidade;
deve haver espaços em branco nos quais ele possa ampliar pessoalmente o
desenho. Por último, a imagem deve ser, até certo ponto, comunicável a outros
indivíduos. A importância relativa desses critérios de uma "boa" imagem irá variar
com diferentes pessoas em diferentes contextos; enquanto uma vai louvar um
sistema econômico e suficiente, outra apreciará um sistema aberto e comunicável.”
(LYNCH, 2018, p. 10– 1º parágrafo)
“Uma vez que o desenvolvimento da imagem é um processo interativo entre
observador e coisa observada, é possível reforçar a imagem tanto através de
artifícios simbólicos e do reaprendizado de quem a percebe como através da
reformulação do seu entorno. Podemos oferecer ao observador um diagrama
simbólico de como o mundo forma uma unidade: um mapa ou um conjunto de
instruções escritas. Se ele for capaz de ajustar a realidade ao diagrama, estará de
posse de um indicador da relação entre as coisas.” (LYNCH, 2018, p. 12 – 3º
parágrafo)
Capítulo 2: TRÊS CIDADES

“Para entender o papel desempenhado pelas imagens ambientais em


nossas vidas urbanas foi preciso examinar detalhadamente algumas áreas citadinas
e conversar com seus habitantes (...)” (LYNCH, 2018, p. 17 – 1º parágrafo)
“Assim, foram feitas análises de áreas centrais de três cidades
norte-americanas: Boston (Massachusetts), Jersey City (New Jersey) e Los Angeles
(Califórnia). Boston, o exemplo mais à mão, tem características únicas entre as
cidades norte-americanas: é ao mesmo tempo vigorosa em sua forma e cheia de
dificuldades locais. Jersey City foi escolhida por sua aparente falta de forma, por
aquilo que parecia, a um primeiro exame, seu teor extremamente baixo de
imaginabilidade. Já Los Angeles é uma cidade nova, de escala profundamente
diversa e com uma quadrícula na sua área central. Em cada caso, tomou-se para
estudo uma área central de aproximadamente quatro mil por dois mil e quinhentos
metros.” (LYNCH, 2018, p. 17, 18 – 2º parágrafo)
“1. Um reconhecimento de campo sistemático da área foi feito a pé por um
observador experimentado, que mapeou a presença de diversos elementos, sua
visibilidade, a força ou a fragilidade de sua imagem, suas conexões, desconexões e
outras inter-relações, e registrou quaisquer vantagens ou dificuldades da estrutura
imagística potencial. Foram avaliações subjetivas com base na aparência imediata
desses elementos de campo.” (LYNCH, 2018, p. 18 – 2º parágrafo)
“2. Fez-se uma longa entrevista com uma pequena amostra dos moradores
da cidade, com o objetivo de fazê-los evocar suas próprias imagens do meio físico
em que vivem. A entrevista incluía pedidos de descrições, identificação de lugares e
desenhos; também se pediu aos entrevistados que fizessem passeios imaginários.
As entrevistas foram realizadas com pessoas que já moravam ou trabalhavam havia
muito tempo na área e que tinham suas residências e seus locais de trabalho
distribuídos na zona em questão.” (LYNCH, 2018, p. 18 – 3º parágrafo)
“A área escolhida para o estudo de Boston foi toda aquela parte da
península central dentro da linha da Avenida Massachusetts. Trata-se de uma área
bastante incomum no contexto das cidades norte-americana, por causa da sua
história, idade e sabor um tanto europeu. Inclui o centro comercial da área
metropolitana e vários bairros residenciais de grande densidade populacional,
compreendendo de favelas (slums) a moradias de extremo requinte (...)” (LYNCH,
2018, p. 19, 20 – 5º parágrafo)
“Para quase todos os entrevistados, essa Boston é uma cidade de bairros
muito característicos, ruas tortas e confusas. É uma cidade suja, de edifícios de
tijolos vermelhos, simbolizada pelo espaço aberto do Boston Common, pelo prédio
da Assembleia Legislativa, com sua cúpula dourada, e pela vista do rio Charles a
partir de Cambridge. Quase todos os que participaram da pesquisa acrescentaram
tratar-se de um lugar antigo e histórico, cheio de edifícios velhos, mas com algumas
estruturas recentes entre as antigas. Suas ruas estreitas vivem abarrotadas de
carros e pessoas; não há estacionamentos, mas existem contrastes surpreendentes
entre as amplas ruas principais e as estreitas ruas laterais (...) Uma parte
substancial dos entrevistados acrescentou outras características sobre Boston: a
cidade carece de espaços abertos e de lazer; é uma cidade "individual", pequena ou
média; tem grandes áreas de uso misto; ou é caracterizada por bay windows, cercas
de ferro ou casas com fachadas de arenito pardo.” (LYNCH, 2018, p. 20, 22 – 1º
parágrafo)
“Boston é uma cidade de bairros caracterizados, e na maioria das partes da
área central sabemos onde estamos simplesmente pelas características gerais do
entorno.” (LYNCH, 2018, p. 25 – 1º parágrafo)
“Enquanto os bairros tendem a ser definidos, o sistema viário de Boston é
geralmente confuso. Não obstante, a função de circulação é tão importante que as
vias ainda são dominantes na imagem total, do mesmo modo que nas outras
cidades avaliadas. Não há uma ordem básica entre essas vias, com exceção do
predomínio historicamente condicionado das radiais principais que, a partir da base
da península, correm para o interior. Ao longo de grande parte do centro da cidade,
é mais fácil locomover-se em direção leste-oeste, para a Avenida Massachusetts e a
partir dela, do que deslocar-se perpendicularmente a essa direção. Nesse sentido, a
cidade tem uma espécie de índole que se reflete nas contorções mentais que
acompanham muitos passeios imaginários. No entanto, sua estrutura viária é
excepcionalmente difícil (...)” (LYNCH, 2018, p. 26 – 1º parágrafo)
“Bem ao estilo de Boston, partes individuais do sistema viário podem ter
características marcantes. Contudo, esse sistema extremamente irregular é
constituído de elementos isolados que só são ligados um por um, ou às vezes não
têm ligação alguma. É um sistema difícil de desenhar ou imaginar em sua
totalidade, e, para lidar com ele, geralmente é preciso concentrar-se na sequência
de articulações. Essas articulações ou pontos nodais são, portanto, muito
importantes em Boston, e é comum que regiões inexpressivas, como a "área da
Praça Park", sejam designadas pelo cruzamento que é seu foco organizador.”
(LYNCH, 2018, p. 27 – 1º parágrafo)
“Jersey City, em New Jersey, fica entre Newark e Nova York. É uma área
limítrofe de ambas, e tem pouca atividade central própria. Cruzada por rodovias e
vias elevadas, tem mais a aparência de um lugar de passagem do que de um lugar
para viver. A cidade é dividida em bairros étnicos e de classe, e é cortada pelos
parapeitos do penedio, as Palisades. O que poderia ter sido seu centro comercial
natural acabou sufocado pela criação artificial da Praça Journal na zona alta, de
modo que não existe apenas um centro, mas quatro ou cinco. A confusão total de
um sistema desconexo de ruas vem somar-se à costumeira disformidade do espaço
e à heterogeneidade estrutural que caracterizam a área deteriorada de qualquer
cidade norte-americana. A monotonia, a sujeira e o cheiro da cidade são de início
esmagadores. Esta é sem dúvida, a primeira impressão superficial de quem a ela
chega.” (LYNCH, 2018, p. 28, 29– 2º parágrafo)
“Elaborada a partir do reconhecimento de campo, a estrutura visual de
Jersey City é traçada na mesma escala do diagrama de Boston e usa os seus
mesmos símbolos. A cidade tem um pouco mais de forma e modelo do que poderia
pensar quem vem de fora, algo que, afinal, é imprescindível para que uma cidade
seja plenamente habitável. Mas tem muito menos elementos reconhecíveis do que
os encontrados na mesma área de Boston, e se vangloria de um número ainda
menor. Grande parte da área é obstruída por limites de forte presença.” (LYNCH,
2018, p. 30– 1º parágrafo)
“Pouco mais se pode citar como traço distintivo mais ou menos unânime, a
não ser a majestosa vista dos arranha-céus de Nova York a distância. Os outros
diagramas completam a imagem da cidade, acrescentando em particular as
necessidades práticas, as vias principais, basicamente aquelas pelas quais o
trânsito sito flui bem e que, por sua continuidade, são exceções em comparação
com a maioria das ruas de Jersey City. Há uma escassez de bairros e marcos
reconhecíveis, e uma falta de centros ou pontos nodais conhecidos. Ainda assim, a
cidade é caracterizada pela presença marcante de vários limites: as linhas elevadas
de ferrovias e rodovias, as Palisades e os dois limites aquáticos.” (LYNCH, 2018, p.
31, 32– 2º parágrafo)
“(...) Os mapas eram geralmente fragmentados, com grandes áreas em
branco, quase sempre concentrados em pequenos territórios conhecidos. As
ribanceiras pareciam ser um forte elemento limítrofe, e era comum que um mapa
atribuísse força à parte superior e fragilidade à parte inferior do terreno, ou
vice-versa, como se os dois elementos estivessem ligados por uma ou duas vias
puramente conceituais. A região mais baixa parecia particularmente difícil de
estruturar.” (LYNCH, 2018, p. 32– 1º parágrafo)
“Quando pedíamos uma caracterização geral da cidade, uma das
observações mais comuns era a de que ela não é um todo, que não tem centro,
mas que se trata, antes, de um conjunto de muitos povoados. A pergunta “Qual a
primeira coisa que as palavras "Jersey City' lhe trazem à mente?", que os habitantes
de Boston respondiam tão facilmente quando a formulavam sobre a sua cidade,
mostrou-se de difícil resposta neste caso. Os entrevistados insistiam em repetir que
"nada de especial" lhes ocorria, que a cidade era difícil de simbolizar, que não tinha
partes distintivas.” (LYNCH, 2018, p. 32, 33 – 2º parágrafo)
“A resposta mais comum à pergunta sobre o simbolismo não dizia respeito à
cidade, mas sim à vista dos arranha-céus de Nova York, do outro lado do rio. Em
grande parte, o sentimento característico sobre Jersey City parecia ser o fato de a
cidade estar situada à margem de alguma outra coisa. Uma pessoa disse que, para
ela, os dois símbolos eram a skyline de Nova York, por um lado, e o Pulasky Skyway
de Newark, por outro.” (LYNCH, 2018, p. 33 – 1º parágrafo)
“Seria difícil encontrar uma localidade básica e um exemplo de topografia
mais dramático e imagético do que Jersey City. Mas seu ambiente geral era
continuamente descrito com as palavras "velho", "sujo", "sem vida". As ruas eram
quase sempre descritas como "fragmentadas". As entrevistas eram admiráveis por
sua falta de informações sobre o ambiente e pela qualidade mais conceitual do que
perceptivelmente concreta da imagem da cidade. Ainda mais surpreendente era a
forte tendência a descrever não com imagens visuais, mas com nomes de ruas e
tipos de usos.” (LYNCH, 2018, p. 33 – 2º parágrafo)
“A área de Los Angeles, o coração de uma grande região metropolitana,
apresenta um quadro diferente, que inclusive também difere muito do de Boston.
Ainda que comparável, em tamanho, às zonas de Boston e Jersey City, a área inclui
pouco mais que o centro comercial e seus arredores (...).” (LYNCH, 2018, p. 36 – 2º
parágrafo)
“Como núcleo de uma metrópole, o centro de Los Angeles é um espaço
carregado de significados e atividades, com grandes edifícios que se supõe serem
distintivos e um modelo básico: sua quadrícula quase regular de ruas. Contudo,
alguns fatores atuam de modo a produzir uma imagem diferente – e menos nítida –
que a de Boston. Primeiro, há a descentralização da área metropolitana, o que faz
que a região central continue sendo o "centro", apenas por deferência, mas existem
vários outros núcleos básicos pelos quais as pessoas se orientam. A área central
tem uma atividade comercial intensa, mas já não é o melhor centro de compras. Em
decorrência disso, um grande número de cidadãos fica muito tempo sem passar por
ela. Em segundo lugar, o traçado em si é uma matriz indiferenciada na qual os
elementos nem sempre podem ser localizados com segurança. Por último, as
atividades centrais são especialmente difusas e mutáveis, fato que contribui para a
diluição de seu impacto. A frequência das reconstruções impede a identificação que
se estabelece através do processo histórico. Apesar (e às vezes por causa) das
frequentes tentativas de ostentação, os próprios elementos são muitas vezes
destituídos de características marcantes. Não obstante, não se trata de outra
caótica Jersey City; pelo contrário, estamos diante do centro ativa e ecologicamente
ordenado de uma grande metrópole.” (LYNCH, 2018, p. 36, 37, 38 – 3º parágrafo)
“Quando solicitados a descrever ou simbolizar a cidade como um todo, os
entrevistados usavam certas palavras-padrão: “alastrada”, “espaçosa”, “disforme” ,
“sem centros”. Los Angeles parecia difícil de imaginar ou conceituar como um todo.
Uma interminável extensão, que pode trazer em si agradáveis conotações de
espaço em torno das moradias, ou notas de enfado e desorientação era a imagem
comum (...)” (LYNCH, 2018, p. 44, 45 – 2º parágrafo)
“Ainda assim, houve alguns indícios de que a orientação em escala regional
não era tão difícil. O aparato da orientação regional incluía o oceano, as montanhas
e as colinas, no caso dos moradores mais antigos, as regiões dos vales, como San
Fernando, e os bairros de grande desenvolvimento, como Beverly Hill, o sistema de
autoestradas e bulevares e, por último, um gradiente central de idade de toda a
metrópole, evidenciado na condição estilo e no tipo de estruturas apropriados a
cada época nos sucessivos anéis de crescimento.” (LYNCH, 2018, p. 45 – 1º
parágrafo)
“Los Angeles, uma cidade que vive em função do automóvel, também
oferece os mais expressivos exemplos de resposta ao sistema viário, ao modo
como ele se organiza, à sua relação com outros elementos urbanos, à suas
características internas de espaço, paisagem e movimento. Mas o predomínio visual
do sistema viário e sua importância fundamental enquanto rede a partir da qual a
maioria das pessoas vivencia seu espaço vital também são amplamente
confirmados pelo material relativo a Boston e Jersey City.” (LYNCH, 2018, p. 49 – 2º
parágrafo)

Capítulo 3: A IMAGEM DA CIDADE E SEUS ELEMENTOS


“Parece haver uma imagem pública de qualquer cidade que é a
sobreposição de muitas imagens individuais (...) Essas imagens de grupo são
necessárias sempre que se espera que um indivíduo atue com sucesso em seu
ambiente e coopere com seus concidadãos. Cada imagem individual é única e
possui algum conteúdo que nunca ou raramente é comunicado, mas ainda assim
ela se aproxima da imagem pública que, em ambientes diferentes, é mais ou menos
impositiva, mais ou menos abrangente.” (LYNCH, 2018, p. 51 – 1º parágrafo)
“1. Vias. As vias são os canais de circulação ao longo dos quais o
observador se locomove de modo habitual, ocasional ou potencial. Podem ser ruas,
alamedas, linhas de trânsito, canais, ferrovias. Para muitas pessoas, são estes os
elementos predominantes em sua imagem. Os habitantes de uma cidade
observam-na à medida que se locomovem por ela, e, ao longo dessas vias, os
outros elementos ambientais se organizam e se relacionam.” (LYNCH, 2018, p. 52 –
1º parágrafo)
“2. Limites. Os limites são os elementos lineares não usados ou entendidos
como vias pelo observador. São as fronteiras entre duas fases, quebras de
continuidade lineares: praias, margens de rios, lagos, etc., cortes de ferrovias,
espaços em construção, muros e paredes. São referências laterais, mais que eixos
coordenados. Esses limites podem ser barreiras mais ou menos penetráveis que
separam uma região de outra, mas também podem ser costuras, linhas ao longo
das quais duas regiões se relacionam se encontram. Ainda que possam não ser tão
dominantes quanto o sistema viário, para muitos esses elementos limítrofes são
importantes características organizacionais, sobretudo devido ao seu papel de
conferir unidade a áreas diferentes, como no contorno de uma cidade por água ou
parede.” (LYNCH, 2018, p. 52 – 2º parágrafo)
“3. Bairros. Os bairros são as regiões médias ou grandes de uma cidade,
concebidos como dotados de extensão bidimensional. O observador neles "penetra"
mentalmente, e eles são reconhecíveis por possuírem características comuns que
os identificam. Sempre identificáveis a partir do lado interno, são também usados
para referência externa quando visíveis de fora. Até certo ponto, muitos estruturam
sua cidade dessa maneira, com diferenças individuais em suas respostas a quais
são os elementos dominantes, as vias ou os bairros. Isso não parece depender
apenas do indivíduo, mas também da cidade.” (LYNCH, 2018, p. 52 – 3º parágrafo)
“4. Pontos nodais. Os pontos nodais são pontos, lugares estratégicos de
uma cidade através dos quais o observador pode entrar, são os focos intensivos
para os quais ou a partir dos quais ele se locomove. Podem ser basicamente
junções, locais de interrupção do transporte, um cruzamento ou uma convergência
de vias, momentos de passagem de uma estrutura a outra. Ou podem ser meras
concentrações que adquirem importância por serem a condensação de algum uso
ou de alguma característica física, como um ponto de encontro numa esquina ou
uma praça fechada (...)” (LYNCH, 2018, p. 52, 53 – 4º parágrafo)
“5. Marcos. Os marcos são outro tipo de referência, mas, nesse caso, o
observador não entra neles: são externos. Em geral, são um objeto físico definido
de maneira muito simples: edifício, sinal, loja ou montanha. Seu uso implica a
escolha de um elemento a partir de um conjunto de possibilidades. Alguns marcos
são distantes, tipicamente vistos de muitos ângulos e distâncias, acima do ponto
mais alto de elementos menores e usados como referências radiais. Podem estar
dentro da cidade ou a uma distância tal que, para todos os fins práticos, simbolizam
uma direção constante.” (LYNCH, 2018, p. 53 – 1º parágrafo)
“Os bairros são áreas relativamente grandes da cidade, nas quais o
observador pode penetrar mentalmente e que possuem algumas características em
comum. Podem ser reconhecidos internamente, às vezes usados como referências
externas - como, por exemplo, quando uma pessoa passa por eles ou os atravessa.
(...)” (LYNCH, 2018, p. 74 – 1º parágrafo)
“Quando perguntamos a alguns dos entrevistados em qual cidade achavam
mais fácil orientar-se, muitas foram mencionadas, mas a citação unânime ficou por
conta de Nova York (isto é, Manhattan), que não foi citada por causa de seu traçado,
que não difere muito do de Los Angeles, mas por seu número de bairros com
características bem definidas, ocupando uma moldura ordenada de rios e ruas.”
(LYNCH, 2018, p. 74, 75 – 3º parágrafo)
“As características físicas que determinam os bairros são continuidades
temáticas que podem consistir numa infinita variedade de componentes: textura,
espaço, forma, detalhe, símbolo, tipo de construção, usos, atividades, habitantes,
estados de conservação, topografia. Numa cidade edificada de modo tão fechado e
compacto, como Boston, as homogeneidades de fachada - material, modelos,
ornamentação, cores, a linha do horizonte e, em especial, o modo de dispor as
janelas - eram, todas, indicações básicas para a identificação dos bairros principais.
Beacon Hill e a Avenida Commonwealth são dois exemplos disso. Os indicadores
não eram apenas visuais: o barulho era igualmente importante. Na verdade, às
vezes a própria confusão podia ser um indicador, como no caso de uma mulher para
quem o fato de começar a sentir-se perdida era um sinal de que estava no North
End.” (LYNCH, 2018, p. 75 – 2º parágrafo)
“Em geral, as características típicas eram imaginadas e reconhecidas num
grupo característico: a unidade temática. A imagem de Beacon Hill, por exemplo,
incluía ruas íngremes e estreitas; velhas casas de tijolo, de dimensões médias;
portas brancas bem conservadas; ferragens de portas e janelas pretas; ruas com
calçamento de pedras e tijolos; tranquilidade; pedestres de classe alta. A unidade
temática resultante contrastava com o resto da cidade e podia ser reconhecida de
imediato.” (LYNCH, 2018, p. 76 – 1º parágrafo)
“Contudo, as conotações sociais são muito importantes em regiões
edificadas. (…) Os nomes dos bairros também ajudam a conferir-lhes identidade,
mesmo quando a unidade temática não estabelece um contraste eloquente com
outras partes da cidade. As associações tradicionais podem representar um papel
semelhante.” (LYNCH, 2018, p. 76 – 3º parágrafo)
“Os bairros têm vários tipos de fronteiras. Algumas são sólidas, definidas,
precisas. (...) Outras fronteiras podem ser flexíveis ou incertas, como o limite entre a
parte comercial do centro e o bairro dos escritórios, de cuja existência e localização
aproximada a maior parte dos entrevistados deu testemunho.” (LYNCH, 2018, p. 77
– 2º parágrafo)
“Esses limites parecem ter uma função secundária: podem estabelecer as
regiões limítrofes de um bairro e reforçar sua identidade, mas aparentemente têm
pouco a ver com sua constituição. Os limites podem aumentar a tendência dos
bairros a fragmentar a cidade de um modo desorganizado. Algumas pessoas
percebiam a desorganização como um resultado do grande número de bairros
identificáveis em Boston: ao impedir as transições de um bairro a outro, os limites
fortes podem reforçar a impressão de desorganização.” (LYNCH, 2018, p. 78 – 1º
parágrafo)
“Os pontos nodais são os focos estratégicos nos quais o observador pode
entrar; são, tipicamente, conexões de vias ou concentrações de alguma
característica. Mas, ainda que conceitualmente sejam pequenos pontos na imagem
da cidade, na verdade podem ser grandes praças, formas lineares de uma certa
amplitude ou mesmo bairros centrais inteiros, quando a cidade está sendo
considerada num nível suficientemente amplo. De fato, a cidade inteira pode
tornar-se um ponto nodal, se concebermos o ambiente em nível nacional ou
internacional.” (LYNCH, 2018, p. 80, 81 – 2º parágrafo)
“Alinhadas ao longo de seus sistemas viários invisíveis, as estações do
metrô são pontos nodais importantes (...) Em sua maior parte, essas
estações-chave eram associadas a alguma característica importante da superfície.
Outras, como a de Massachusetts, não tinham importância. Talvez isso se deva ao
fato de que essa transição específica era raramente usada pelos entrevistados, mas
também é possível que a explicação esteja em circunstâncias físicas desfavoráveis:
a falta de interesse visual e a dissociação entre o ponto nodal representado pelo
metrô e o cruzamento das ruas. As próprias estações têm muitas características
individuais: algumas são fáceis de reconhecer (...)” (LYNCH, 2018, p. 82, 83 – 1º
parágrafo)
“As principais estações ferroviárias são quase sempre importantes pontos
nodais urbanos, ainda que sua importância possa estar em declínio.” (LYNCH, 2018,
p. 83 – 2º parágrafo)
“O outro tipo de ponto nodal, a concentração temática, também aparecia
frequentemente. Um exemplo típico é a Praça Pershing, em Los Angeles. Este
talvez seja o ponto mais nítido da imagem da cidade, caracterizado por um espaço
inconfundível, por sua vegetação e pelo tipo de atividade que nele se desenvolve.”
(LYNCH, 2018, p. 84 – 1º parágrafo)
“Assim como os bairros, os pontos nodais podem ser introvertidos e
extrovertidos. A Praça Scollay é introvertida, pois indica muito pouco em termos de
direção quando estamos nela ou em seus arredores. A principal orientação em seus
arredores é em direção a ela ou a partir dela; a principal sensação de localização
que se tem ao chegar a essa praça é, simplesmente, "aqui estou". Um exemplo
contrário, de espaço extrovertido, é a Praça Dewey, em Boston. As direções gerais
são claras e também há uma ótima definição das ligações com o bairro dos
escritórios, o bairro comercial e a zona portuária. Para um dos entrevistados, a
Estação Sul, na Praça Dewey, era uma seta gigantesca que apontava para o
coração da cidade (...)” (LYNCH, 2018, p. 86 – 3º parágrafo)
“Os marcos, pontos de referência considerados externos ao observador, são
apenas elementos físicos cuja escala pode ser bastante variável. Os mais
familiarizados com a cidade pareciam tender a confiar cada vez mais, como guias,
nos sistemas de marcos, a preferir a singularidade e a especialização às
continuidades anteriormente usadas.” (LYNCH, 2018, p. 88 – 1º parágrafo)
“Uma vez que o uso de marcos implica a escolha de um elemento dentre
um conjunto de possibilidades, a principal característica física dessa classe é a
singularidade, algum aspecto que seja único ou memorável no contexto. Os marcos
se tornam mais fáceis de identificar e mais passíveis de ser escolhidos por sua
importância quando possuem uma forma clara, isto é, se contrastam com seu plano
de fundo e se existe alguma proeminência em termos de sua localização espacial. O
contraste entre figura e plano de fundo parece ser o fator principal. O plano de fundo
contra o qual um elemento sobressai não precisa estar restrito aos seus arredores
imediatos (...)” (LYNCH, 2018, p. 88 – 2º parágrafo)
“Em outro sentido, as pessoas podem selecionar os marcos por sua limpeza
numa cidade suja (...), ou por serem elementos novos numa cidade velha (...).”
(LYNCH, 2018, p. 88 – 3º parágrafo)
“As pessoas que usavam marcos distantes só o faziam quando procuravam
uma orientação genérica ou, mais frequentemente, simbólica (...)” (LYNCH, 2018, p.
91 – 1º parágrafo)
“O Duomo de Florença é um exemplo perfeito de marco distante: visível de
perto e de longe, de dia ou de noite; inconfundível; dominante por seus contornos e
suas dimensões; profundamente ligado às tradições da cidade; em harmonia com o
centro religioso e de trânsito; unido ao seu campanário de tal modo que sua direção
pode ser avaliada mesmo a distância.” (LYNCH, 2018, p. 91 – 2º parágrafo)
“Mas os marcos locais, visíveis apenas em lugares restritos, eram usados
com muito maior frequência nas três cidades estudadas. Eles compreendiam toda a
variedade de objetos adequados a tal função. O número de elementos locais que se
tornam marcos parece depender tanto da familiaridade do observador com o seu
ambiente quanto dos elementos em si (...)” (LYNCH, 2018, p. 91 – 3º parágrafo)
“Os marcos podem ser isolados, elementos únicos destituídos de reforço. A
não ser no caso de marcos de grandes dimensões ou muito singulares, eles são
uma referência fraca, uma vez que é fácil perdê-los de vista e requerem uma busca
constante. É preciso concentrar-se para encontrar um semáforo ou um nome de rua.
Os pontos locais eram quase sempre lembrados como grupos nos quais se
reforçavam mutuamente através da repetição, e eram em parte identificáveis pelo
contexto.”(LYNCH, 2018, p. 92 – 1º parágrafo)
“Uma série contínua de marcos, na qual um detalhe cria expectativa com
relação ao próximo e em que os detalhes-chaves desencadeiam movimentos
específicos do observador, parecia constituir uma forma padronizada de como essas
pessoas costumavam locomover-se pela cidade (...) Os observadores que
conhecem bem o espaço em que vivem podem armazenar uma grande quantidade
de imagens pontuais organizadas em sequências conhecidas, ainda que o
reconhecimento possa deixar de existir sempre que a sequência for invertida ou
modificada de modo desordenado.” (LYNCH, 2018, p. 92 – 2º parágrafo)
“Os bairros, que tendem a ser maiores que os outros elementos, contêm em
si próprios um grande número de vias, pontos nodais e marcos, e são, portanto,
ligados. Esses outros elementos não apenas estruturam a região internamente,
como também reforçam a identidade do todo, enriquecendo e aprofundando seu
caráter.” (LYNCH, 2018, p. 93 – 3º parágrafo)
“As vias, que são dominantes em muitas imagens individuais e podem ser o
principal recurso de organização na escala metropolitana, têm estreitas relações
com outros tipos de elementos. Os pontos nodais ocorrem automaticamente nas
interseções e nos terminais mais importantes, e, por sua forma, deveriam reforçar
esses momentos críticos de um trajeto.” (LYNCH, 2018, p. 94 – 1º parágrafo)
“O estudo de várias imagens individuais feitas pelos habitantes de Boston
revelou algumas outras distinções entre eles. Por exemplo, as imagens de um
elemento diferiam entre os observadores em termos de sua densidade relativa, isto
é, mostravam até que ponto eles se apegavam aos pormenores (...).” (LYNCH,
2018, p. 97 – 5º parágrafo)
“Outra distinção podia ser feita entre, de um lado, imagens concretas e
sensorialmente vivas e, de outro, imagens extremamente abstratas, genéricas e
destituídas de conteúdo sensório. Desse modo, a imagem mental de um edifício
podia ser vívida, abrangendo sua forma, cor, textura e detalhe, ou relativamente
abstrata, tendo sua estrutura identificada como um restaurante" ou "o terceiro prédio
a partir da esquina".” (LYNCH, 2018, p. 98 – 1º parágrafo)
“As imagens também podiam ser diferenciadas segundo sua qualidade
estrutural: o modo como suas partes eram dispostas e inter-relacionadas. Eram
quatro os estágios ao longo de um contínuo de precisão estrutural cada vez maior:”
(LYNCH, 2018, p. 98 – 3º parágrafo)
“a. Os diversos elementos eram livres; não havia estrutura ou inter-relação
entre as partes. Não encontramos casos puros desse tipo, mas várias imagens
estavam visivelmente desarticuladas, com grandes lacunas e muitos elementos
desconexos. Nesse caso, o movimento racional era impossível sem ajuda externa, a
menos que se recorresse a uma cobertura sistemática de toda a área (o que
significava a construção de uma nova estrutura no local).” (LYNCH, 2018, p. 98 – 2º
parágrafo)
“b. Em outros casos, a estrutura tornava-se posicional; as partes eram mais
ou menos associadas em termos de sua direção geral e, talvez, até mesmo da
distância relativa entre elas, enquanto ainda se mantivessem desconexas. Uma
entrevistada, em particular, sempre se relacionava com alguns elementos sem
conhecer as ligações concretas entre eles. Ela se movia procurando, deslocando-se
na direção geral correta, mas realizando um vaivém para cobrir um trecho dado e
tendo de avaliar a distância para corrigir o deslocamento.” (LYNCH, 2018, p. 98 – 3º
parágrafo)
“c. Na maior parte dos casos, a estrutura talvez fosse flexível; as partes
eram ligadas entre si, mas de um modo solto e flexível, como se mediante ligações
muito frágeis ou elásticas. A sequência de eventos era conhecida, mas o mapa
mental podia ser distorcido, e sua distorção podia alterar-se em diferentes
momentos. Para citarmos um dos entrevistados: "Gosto de pensar em alguns
pontos locais e em como deslocar-me de um para outro; quanto ao resto, não me
interessa aprender." Com uma estrutura flexível o movimento ficava mais fácil, já
que seguia por vias e sequências conhecidas. Mas o movimento entre pares de
elementos não habitualmente ligados, ou ao longo de ruas e avenidas
desconhecidas, podia ser ainda mais confuso.” (LYNCH, 2018, p. 99 – 1º parágrafo)
“d. À medida que as conexões se multiplicavam, a estrutura tendia a
tornar-se rígida; as partes eram firmemente interligadas em todas as dimensões, e
quaisquer distorções vinham incorporar-se ao padrão geral. O possuidor de tal
mapa pode deslocar-se com muito mais liberdade e tem condições de interligar
novos pontos à vontade. Quando a densidade da imagem aumenta, ela começa a
assumir as características de um campo total onde a interação é possível em
qualquer direção e a qualquer distância.” (LYNCH, 2018, p. 99 – 2º parágrafo)
“Essas características estruturais poderiam aplicar-se de diferentes
maneiras em níveis diversos. Por exemplo, duas regiões de uma cidade podem
possuir estruturas internas rígidas e interligarem-se em alguma costura ou ponto
nodal. Mas essa conexão pode ser incapaz de ligar-se às estruturas internas, de
modo que a conexão em si seja simplesmente flexível (...)” (LYNCH, 2018, p. 80, 81
– 2º parágrafo)
“Para outros, a imagem se formava de um modo mais dinâmico, com as
partes interligadas por uma sequência temporal (mesmo que o tempo fosse breve) e
imaginadas como se vistas através de uma câmera de cinema. Estava mais
estreitamente ligada à experiência concreta de deslocamento ao longo da cidade. A
isso poderíamos chamar "organização contínua", empregando interligações flexíveis
em vez de hierarquias estáticas.” (LYNCH, 2018, p. 100 – 1º parágrafo)
“Com base nisso, pode-se inferir que as imagens de maior valor são
aquelas que mais se aproximam de um forte campo total: densas, rígidas e vivas;
que recorrem a todos os tipos de elementos e características formais sem uma
concentração limitada; e que podem ser agrupadas tanto hierárquica quanto
continuamente, conforme a ocasião exigir.” (LYNCH, 2018, p. 100 – 2º parágrafo)

Capítulo 4: A FORMA DA CIDADE


“Aumentar a imaginabilidade do ambiente urbano significa facilitar sua
identificação e estruturação visuais. Os elementos até aqui isolados - vias, limites,
marcos, pontos nodais e regiões - são os blocos formadores no processo de criação
de estruturas firmes e diferenciadas em escala urbana (...)” (LYNCH, 2018, p. 106 –
1º parágrafo)
“As vias, a rede de linhas habituais ou potenciais de deslocamento através
do complexo urbano são o meio mais poderoso pelo qual o todo pode ser ordenado.
As vias principais devem ter alguma qualidade singular que as diferencie dos canais
de circulação circundantes: uma concentração de algum uso ou alguma atividade
especial ao longo de suas margens; uma qualidade espacial característica; uma
textura especial de pavimento ou fachada; um sistema particular de iluminação; um
conjunto único de cheiros ou sons; um detalhe ou uma vegetação típicos.” (LYNCH,
2018, p. 106 – 2º parágrafo)
“Esses elementos poderiam ser aplicados de modo a dar continuidade à via.
Se um ou mais deles (a arborização de um bulevar, uma cor ou textura especial da
pavimentação, ou a clássica continuidade das fachadas laterais) forem
consistentemente empregados ao longo da linha, a via poderá ser imaginada como
um elemento contínuo e unificado. A regularidade pode ser rítmica, uma repetição
de aberturas espaciais, monumentos ou farmácias de esquina. A própria
concentração de trajetos habituais ao longo de uma via, como também de uma linha
de trânsito, irá reforçar essa imagem familiar contínua.” (LYNCH, 2018, p. 106 – 3º
parágrafo)
“Isso nos leva ao que poderíamos chamar de hierarquia visual das ruas e
dos caminhos, análoga à conhecida recomendação de uma hierarquia funcional:
uma escolha sensória dos canais principais e sua unificação como elementos
perceptivos contínuos. Este é o esqueleto da imagem da cidade.” (LYNCH, 2018, p.
106, 107 – 4º parágrafo)
“Os observadores parecem dotar uma via de um senso de direção
irreversível, e identificar uma rua com a destinação da mesma. Na verdade, uma rua
é percebida como uma coisa que vai dar num determinado lugar. A via deveria
corroborar perceptivamente esse fato por meio de pontos terminais bem definidos e
de um gradiente ou de uma diferenciação direcional, de modo que se lhe atribuísse
um sentido de progressão e às direções opostas fossem claramente distintas. Um
gradiente comum é o de declive do terreno, graças ao qual somos continuamente
instruídos a "subir" ou "descer" uma rua, mas também existem muitos outros.”
(LYNCH, 2018, p. 107 – 2º parágrafo)
“Em geral, uma cidade é estruturada por um conjunto de vias organizadas.
O ponto estratégico de tal conjunto é a interseção, o ponto de ligação e decisão
para a pessoa em movimento. Se isso puder ser claramente visualizado, se a
própria interseção produzir uma imagem viva e se a posição das duas vias for
expressa com nitidez, o observador poderá, então, criar uma estrutura satisfatória.”
(LYNCH, 2018, p. 109 – 1º parágrafo)
“Em geral, a ligação de mais de duas vias é bastante difícil de conceituar.
Uma estrutura de vias deve ter uma certa simplicidade de formas para poder formar
uma imagem clara. É necessária uma simplicidade muito mais topológica do que
geométrica, de modo que um cruzamento irregular, mas mais ou menos em ângulo
reto, é preferível a uma trissecção precisa. São exemplos dessas estruturas simples
os conjuntos paralelos ou os elementos fusiformes: as cruzes de um, dois ou três
braços; os retângulos ou alguns eixos ligados entre si.” (LYNCH, 2018, p. 109 – 2º
parágrafo)
“As vias também podem ser imaginadas não como um modelo específico de
certos elementos individuais, mas como uma rede que explique as relações típicas
entre todas as vias do conjunto sem identificar qualquer via específica. Esse
requisito implica a existência de um traçado que tenha alguma consistência, seja ela
direcional, de inter-relação topológica ou de espaçamento.” (LYNCH, 2018, p. 109,
110 – 3º parágrafo)
“Se um limite importante for dotado de muitas conexões visuais e de
circulação com o restante da estrutura urbana, ele se tornará uma característica
com a qual tudo o mais será facilmente alinhado. Uma maneira de aumentar a
visibilidade de um limite consiste em aumentar seu uso ou suas condições de
acesso, como acontece, por exemplo, quando a parte da cidade à margem das
águas é aberta ao tráfego ou ao lazer. Outra maneira seria a construção de limites
bem altos, visíveis de longe.” (LYNCH, 2018, p. 111, 112 – 2º parágrafo)
“A força da imagem aumenta quando o marco coincide com uma
concentração de associações. Se o edifício que sobressai for o cenário de um fato
histórico ou se a porta em cores vivas for a da sua casa, essas coisas irão
realmente tornar-se marcos. Mesmo a atribuição de um nome confere poder, pois,
em geral, esse nome é conhecido e aceito por todos.” (LYNCH, 2018, p. 113 – 1º
parágrafo)
“Os pontos nodais são os pontos de referência conceituais de nossas
cidades. Nos Estados Unidos, porém, é raro que eles tenham uma forma adequada
para manter esse grau de atenção, a menos que ela seja obtida através da
concentração de algum tipo de atividade local.” (LYNCH, 2018, p. 113 – 3º
parágrafo)
O primeiro requisito para esse apoio perceptivo é a conquista da identidade
por meio da qualidade singular e contínua de paredes, pavimentos, detalhes,
iluminação, vegetação, topografia ou linha de horizonte do ponto nodal. O essencial,
nesse tipo de elemento, é que seja um lugar distinto e inesquecível, impossível de
ser confundido com qualquer outro. Sem dúvida, a intensidade de uso reforça essa
identidade, e às vezes a própria intensidade de uso cria formas visuais de
características únicas, como acontece em Times Square. Mas são inúmeros os
nossos centros comerciais e pontos de interrupção do trajeto que carecem dessa
característica visual.” (LYNCH, 2018, p. 113, 114 – 4º parágrafo)
“Em seu sentido mais simples, um bairro é uma área com características
homogêneas, reconhecido por indicadores que se mantêm contínuos ao longo da
região e descontínuos no restante do espaço urbano.” (LYNCH, 2018, p. 115 – 2º
parágrafo)
“O bairro também pode ser estruturado internamente. Pode haver
subdistritos internamente diferenciados, mas em harmonia com o todo; pontos
nodais que irradiem estrutura por gradientes ou outros indicadores; sistemas de vias
internas.” (LYNCH, 2018, p. 116 – 2º parágrafo)
“Os cinco elementos - via, limite, bairro, ponto nodal e marco devem ser
considerados simplesmente como categorias empíricas apropriadas, dentro e ao
redor das quais foi possível agrupar uma massa de informações.” (LYNCH, 2018, p.
121 – 2º parágrafo)
“Na verdade, a função de um bom ambiente visual pode não ser apenas
facilitar os deslocamentos rotineiros, nem confirmar significados e sentimentos
preexistentes. Seu papel como guia e estímulo de novas explorações pode ter a
mesma importância.” (LYNCH, 2018, p. 122 – 2º parágrafo)
“A cidade não é construída para uma pessoa, mas para um grande número
delas, todas com grande diversidade de formação, temperamento, ocupação e
classe social. Nossas análises apontam para uma substancial variação do modo
como as diferentes pessoas organizam sua cidade, de quais elementos mais
dependem ou em quais formas as qualidades são mais compatíveis com elas.”
(LYNCH, 2018, p. 123 – 1º parágrafo)
“O tamanho cada vez maior de nossas áreas metropolitanas e a velocidade
com que as atravessamos trazem muitos novos problemas à percepção. A região
metropolitana é agora a unidade funcional de nosso ambiente, e é desejável que
essa unidade funcional seja identificada e estruturada por seus habitantes.”
(LYNCH, 2018, p. 125 – 1º parágrafo)
“A imaginabilidade total de uma grande área, como a região metropolitana,
não significaria uma igual intensidade de imagem em qualquer ponto (...) Se
quisermos especular, podemos dizer que as imagens metropolitanas poderiam ser
formadas por elementos como auto estradas, linhas de trânsito ou aéreas, grandes
regiões com limites de água ou espaço aberto, cruzamentos comerciais importantes,
características topográficas básicas, marcos distantes e, talvez, de grandes
dimensões.” (LYNCH, 2018, p. 125 – 2º parágrafo)
“A segunda técnica consiste no uso de um ou dois elementos dominantes
de grandes dimensões, aos quais muitas coisas pequenas podem vir associar-se:
um loteamento ao longo de uma costa marítima, por exemplo, ou a criação de uma
cidade linear dependente de um sistema de comunicação básico.” (LYNCH, 2018, p.
126 – 1º parágrafo)
“Essas duas técnicas parecem um tanto inadequadas para a solução do
problema metropolitano. O sistema hierárquico, ainda que compatível com alguns
de nossos hábitos de pensamento abstrato, pareceria uma negação da liberdade e
da complexidade das conexões de uma metrópole. Toda conexão deve ser feita em
sentido circular, conceitual: subindo até a generalidade para em seguida descer ao
particular, ainda que a generalidade abrangente possa ter pouco a ver com a
conexão real. É a unidade de uma biblioteca, e as bibliotecas precisam do uso
constante de um complexo sistema de referências cruzadas.” (LYNCH, 2018, p. 126
– 2º parágrafo)
“Em outras ocasiões, o designer depara com a criação de uma nova
imagem, como nos casos em que está em andamento uma extensa renovação do
ambiente urbano. Esse problema é particularmente significativo nas extensões
suburbanas de nossas regiões metropolitanas, onde grandes trechos daquilo que é
essencialmente uma nova paisagem devem ser perceptivamente organizados. As
características naturais deixaram de ser um guia adequado para a estrutura, devido
à intensidade e à escala do desenvolvimento que lhes são aplicadas.” (LYNCH,
2018, p. 129 – 2º parágrafo)
“Essas configurações ou reconfigurações devem ser guiadas por aquilo que
poderíamos chamar de "plano visual" para a cidade ou região metropolitana: um
conjunto de recomendações e controles que diriam respeito à forma visual em
escala urbana.” (LYNCH, 2018, p. 129 – 3º parágrafo)
“Uma mudança física substancial pode não se justificar apenas com base
nessas considerações estéticas, a não ser nos pontos estratégicos. Mas o plano
visual poderia influenciar a forma das transformações físicas que ocorrem por outras
razões. Tal plano poderia ajustar-se a todos os outros aspectos do planejamento da
região, tornando-se, naturalmente, uma parte integrante do plano geral. Como todas
as outras partes desse plano, estaria em estado permanente de revisão e
desenvolvimento.” (LYNCH, 2018, p. 131 – 2º parágrafo)

Capítulo 5: UMA NOVA ESCALA


“Essa imagem é o resultado de um processo de mão dupla entre observador
e observado, em que a forma física externa sobre a qual um designer pode operar
representa um papel fundamental. Cinco elementos da imagem urbana foram
isolados, e suas qualidades e inter-relações, discutidas em profundidade.” (LYNCH,
2018, p. 133 – 2º parágrafo)
“No desenvolvimento da imagem, a educação para ver será tão importante
quanto a reformulação do que é visto. Na verdade, educação e reformulação
formam um processo circular, ou, como seria ainda melhor, espiral: a educação
visual impelindo o cidadão a atuar sobre o seu mundo visual, e esta ação fazendo
com que ele veja com maior nitidez ainda.” (LYNCH, 2018, p. 135 – 1º parágrafo)
RESENHA

Escrito por Kevin Lynch e publicado pela primeira vez em 1960, o livro “A
Imagem da Cidade”, que é considerado um dos mais famosos e influentes do
urbanismo, é resultado de cinco anos de estudo sobre três cidades
norte-americanas: Boston, Jersey City e Los Angeles.
O livro faz análise da percepção das pessoas com o meio em que estão
localizadas, mostrando como cada cidadão possui associações com partes da
cidade, e como a imagem que ele possui delas está gravada de memórias e
significados, mostrando que essa percepção é feita aos poucos e que tudo é
experimentado em relação ao seu entorno. O autor identificou e agrupou os
elementos utilizados para as pessoas estruturarem a imagem da cidade, sendo
divididos em: caminhos, limites, bairros, pontos nodais e marcos.
“A Imagem da Cidade” é uma obra clássica que guia até os dias atuais
estudantes e pesquisadores da área de arquitetura e urbanismo. É, sem dúvidas,
um livro essencial para todos que buscam entender melhor o planejamento urbano.

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