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Florianópolis
2021
RAFAEL NIEBUHR MAIA DE OLIVEIRA
Florianópolis
2021
RAFAEL NIEBUHR MAIA DE OLIVEIRA
O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora
composta pelos seguintes membros:
___________________________________________
Prof. Dr. Pedro Miranda de Oliveira
Universidade Federal de Santa Catarina
___________________________________________
Prof. Dr. Orlando Silva Neto
Universidade Federal de Santa Catarina
___________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Talamini
Universidade Federal do Paraná
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado
adequado para obtenção do título de mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação
em Direito.
___________________________________________
Coordenação do Programa de Pós-Graduação
___________________________________________
Prof. Dr. Eduardo de Avelar Lamy
Orientador(a)
Florianópolis
2021
Dedico este trabalho aos grandes amores da minha
vida. Siliana, minha esposa gentil, dedicada, amorosa
e capaz de despertar o que há de melhor em mim.
Obrigado por todo apoio e paciência, não só neste
projeto, mas em todos os outos que decidimos nos
engajar. Sou feliz e realizado por vários motivos, mas
nenhum deles supera a benção de ter encontrado em ti
o amor mais bondoso e carinhoso que poderia existir.
Pipoca, o ser não humano que mais amei na minha
vida. Sei que não podes ler, mas sei também que
podes sentir o quanto eu te amo e o quanto és
importante para nossa família. E, finalmente, a nossa
Helena, que chegou no fim de um ano tão intenso;
você veio para completar as nossas vidas com um
amor incondicional, que traz a paz no meio do caos e
que enche nossos corações de amor e alegria.
AGRADECIMENTOS
The objective of this research, inserted in the research line Private Law, Process and
Information Society, is to investigate the extent to which court decisions that change or
revoke previously fixed astreinants can present retrospective effects, impacting the fine
overdue prior to this decision. It starts with a critical investigation into the possibility of
changing and even suppressing the value of the astreinte, which has been perceived in
judicial practice and which has the potential to directly affect the credibility of the
Judiciary Branch itself, somewhat reducing the coercive force of the astreintes, given the
anti-pedagogical nature of the decision, which reduces its value even after extensive
discussion about it, creating in the debtor - especially the habitual one - the feeling that the
fine imposed, when executed, will be reduced. In this sense, it uses the premise that, even
if the possibility of reviewing the decision is admitted, it is necessary to establish criteria
to substantiate this decision, as well as to define the limits to the retroactive effects that
decisions of this nature can reach. With this aim, the deductive-monographic method is
used, presenting the main aspects related to the institute of astreintes, going through its
historical roots, to identify the main aspects about its legal nature and how it can be
applied depending on the type of obligation aimed at enforcing compliance. Next, the rules
of enforceability of the astreints are examined, starting by reflecting on their relevance as a
procedural instrument capable of providing the right to effective judicial protection,
passing by the definition of the start and end day of the fine, even the definition of
execution rules depending on the nature of the decision that fixed the fine. Finally, the
legal possibility of reducing/abolition of the fine already fixed is addressed, in light of p. 1
of art. 537 of CPC/15 and the recent decisions of the STJ. The issue of the res judicata is
also addressed, considering the incidence of this on the obligations of continued treatment,
in view of the rebus sic stantibus clause. Finally, it is investigated, by a systematic
approach of the CPC/15, which time limits to be observed in the decisions that reduce or
suppress the astreintes, depending on the nature of the decision that has fixed them. As a
result, it is concluded that, in the case of astreinte fixed in provisional guardianship, the
retrospective effects will be unlimited, since precariousness is a specific and core
characteristic of decision of this nature, with no reasonable reasons for aprioristically
excluding the astreinants from this rule. However, in the case of astreinte fixed in a final
and unappealable decision, any subsequent decision that determines its review or
exclusion cannot go back beyond the date of the final and unappealable decision that fixed
it. This is because, as the mutability of astreintes is subject to the finding of a supervening
fact situation, and considering that by the consummative estoppel these issues are no
longer cognizable if they occurred before the final decision, logically, the fact capable of
changing or revoking the astreines must have occurred after the final and unappealable
decision, thus not being able to produce effects beyond its occurrence.
.
Keywords: Civil procedural law. Civil execution. Astreintes. Indirect executive measures.
Res judicata. Rebus sic stantibus. Duty to substantiate court decisions.
LISTA DE SIGLAS
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 14
2.1 CONCEITO.................................................................................................................... 19
OBRIGAÇÕES .................................................................................................................... 94
1 INTRODUÇÃO
vencidas, em face da ofensa ao princípio da coisa julgada1, outra milita a favor de sua
redução e até mesmo exclusão durante o procedimento de cumprimento de sentença, em
nome do igualmente constitucional princípio da proporcionalidade, considerando ainda
que a multa coercitiva não é acobertada pela coisa julgada material porque é meramente
acessória da causa de pedir principal.2
A corrente que defende a possibilidade de revisão das astreintes mesmo após a
formação da coisa julgada material do título judicial que a fixara foi seguida pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do precedente paradigmático – Recurso Especial
n. 705.914 RN –, que deu origem a uma série de decisões no mesmo sentido.
Posteriormente, com a aprovação da Lei nº 13.105/20153, que reformou o Código
de Processo Civil, instituiu-se regramento próprio e inédito à matéria no parágrafo 1º do
artigo 537, que prevê a possibilidade de modificação ou revogação da multa vincenda,
elemento este que aparentemente não foi capaz de gerar mudança de entendimento na
Corte Superior. Além disso, observa-se uma forte tendência de readequação da multa com
base na aplicação abstrata dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e na
vedação ao enriquecimento sem causa do credor..
Diante desse cenário, a pesquisa proposta visa analisar criticamente a
possibilidade de alteração e até mesmo supressão do valor da multa astreinte, que caso
ocorra de forma desordenada e desprovida de técnica processual adequada tem o potencial
de colocar em xeque a credibilidade do Poder Judiciário, diminuindo de certa forma a
força coercitiva das astreintes, em face do caráter antipedagógico da decisão que reduz o
seu valor mesmo após ampla discussão a respeito, criando no devedor – especialmente o
contumaz – a sensação de que a multa hoje cominada, quando executada, será reduzida.
Nesta pesquisa, parte-se da premissa de que ainda que se admita a possibilidade
de revisão das astreintes, é necessário definir os critérios de fundamentação da respectiva
decisão e os limites dos efeitos retroativos que decisões desta natureza possam alcançar.
Assim, a pesquisa estabelece como principal problema a ser elucidado: até que
ponto decisões judiciais que alterem ou revoguem astreintes anteriormente fixadas podem
apresentar efeitos retrospectivos, impactando a multa vencida anteriormente a tal decisão?
1
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.
2
THEODORO JUNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila
Gomes Norato. Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro Rio de Janeiro: Forense,
2015. Não paginado (e-book).
3
Doravante identificado por CPC/15.
16
desenvolvimento, que versa sobre o tema central desta pesquisa, consiste em buscar uma
definição de limites aos efeitos retrospectivos das decisões que revogam ou alteram
astreintes. Para tanto, inicia-se abordando a possibilidade de revogação/alteração da multa
astreinte e os critérios materiais a serem observados nestes casos. Em seguida, enfrenta-se
a questão da ofensa à coisa julgada em razão da revogação/alteração de astreintes fixadas
em títulos judiciais transitados em julgado, enfocando tanto a visão do STJ sobre o tema
como a importante distinção dos efeitos da coisa julgada em face das obrigações de trato
continuado do ponto de vista da cláusula rebus sic stantibus. Por fim, realiza-se uma
análise sistemática do CPC/15 com o escopo de delimitar regras temporais para alteração
das astreintes de acordo com a natureza da decisão que as tenha fixado, para, por fim,
sugerir o procedimento adequado à alteração das astreintes em sede de cumprimento de
sentença.
19
2.1 CONCEITO
4
ACQUAVIVA, Marcus Claudio. Dicionário Jurídico Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira,
1993. p. 181.
5
CROISSANT, Ernest. Des astreintes. Libr. nouv. de droit et de jurisprudence, 1898. p. 11.
6
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994. p.
52.
20
O instituto das astreintes, apesar de ter nascido nos pretórios franceses, foi
adotado em diversos países, chegando ao ordenamento jurídico brasileiro, muito por
7
MAZEAUD, Henry y León y Jean. Leciones de derecho civil: cumplimiento, extinción e transmisión de
las obligaciones. 2ª parte, v. III. Trad. Luis Alcalá-Zamora y Castillo. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas
Europa-América, 1969.
8
RIPERT, Georges; BOULANGER, Jean: Traité de Droit Civil (d'après le Traité de PLANIOL). 1957. t.
II,. Anuario de Derecho Civil, Paris, Libraire Générale de Droit et de Jurisprudence, VIII X, p. 550-552,
1957.
9
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva Livraria Acadêmica, 1946.
10
MORALES, Julio Manrique de Lara. La ejecución forzosa de la obligación de hacer infungible. Anuario
de derecho civil, Madrid, tomo LIV, fascículo III, p. 1165-1224, 2001. p. 1209.
11
PANEBRA ALVAREZ, Janet Ingrid; FERNANDEZ BONIFACIO, Yovana. La ausencia del apremio
civil en la ejecución de las obligaciones dinerarias afecta el derecho a la tutela jurisdiccional efectiva y el
derecho del acreedor reconocidos en el código civil peruano. Repositório Institucional da Universidad
Nacional San Antonio Abad del Cusco, Cusco, 2020.
21
Das medidas necessárias autorizadas pelo Código de Processo Civil como meios
de induzir o obrigado ao adimplemento das obrigações específicas, têm bastante
realce as multas coercitivas, que são a versão brasileira das astreintes concebidas
pelos tribunais franceses com a mesma finalidade. Elas atuam no sistema
mediante o agravamento da situação do obrigado renitente, onerando-o mais e
mais a cada hora que passa, ou a cada dia, mês ou ano, ou a cada ato indevido
12
WATANABE, Kazuo. Tutela antecipada e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e
461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São
Paulo: Saraiva, 1996. p. 25.
13
ASSIS, Araken de. Manual de Execução, 20. ed., p. 821-822.
14
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 383.
15
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.
16
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2014. v. 1. p.
256.
22
que ele venha a repetir, ou mesmo quando com um só ato ele descumprir
irremediavelmente o comando judicial – sempre com o objetivo de criar em seu
espírito a consciência de que lhe será mais gravoso descumprir do que cumprir a
obrigação emergente do título executivo.17
Embora não se possa atribuir aos sistemas jurídicos mais remotos uma
sistematização das medidas coercitivas, é certo que havia mecanismos processuais
semelhantes ao que hoje se conhece por tutela coercitiva.
Desde a pignoris capio do direito romano, que permitia ao credor a alienação dos
bens apreendidos do devedor, passando pela execução direta por meio da autotutela,
própria dos povos germânicos, até a criação no direito intermediário que contemplava
medidas coercitivas indiretas como multas, prisão, possibilidade de execução da obrigação
por terceiro, até a pena de morte para casos mais extremos, pode-se perceber a
preocupação com a criação de medidas aptas a garantir o cumprimento das obrigações.19
A efetividade produzida por essas medidas não demorou a ser confrontada pela
restrição, por vezes excessiva, de direitos do devedor, o que impulsionou a criação de uma
série de exceções que limitavam a sua aplicação, como a proibição de prisão de maiores de
setenta anos e/ou a liberação de devedores de pequenas somas da restrição de liberdade
17
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004. v.
4. p. 469.
18
“Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento,
em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.”
19
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 146-147.
23
20
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 148.
21
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 148.
22
“Toute obligation de faire ou de ne pás faire se résout em dommages et intérêts em cas d’inexécution de la
part du débiteur”.
23
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 2-28.
24
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 110.
25
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 115.
24
podem ser transformados em dinheiro –, não existiria motivo para pensar em tutela
específica”26.
Contudo, o que parecia solucionar os conflitos patrimoniais existentes à época
não mais se tornara capaz de proporcionar uma resposta juridicamente aceitável às novas
lides advindas de uma sociedade mais complexa, especialmente após a progressiva
valorização dos direitos de personalidade, muitos deles impossíveis de serem reparados ou
substituídos pela mera indenização em pecúnia.27
Da necessidade de adequação do processo às necessidades reais de garantia dos
direitos materiais, em especial aqueles mais caros aos indivíduos, é que surgem no começo
do século XIX as astreintes, como resposta do Poder Judiciário francês28, que ao perceber
que tinha um duplo poder, de imperium e de jurisdictio29, suprindo uma anomia, logrou
êxito em equilibrar o direito de liberdade do devedor com o direito de satisfação do direito
material do credor. Esse equilíbrio propiciou a busca pela tutela específica30 por meio da
imposição de multa não violenta à pessoa física do devedor, capaz de ao mesmo tempo
compelir ao cumprimento da obrigação in natura.31
26
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 7. ed. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2020. p. 52.
27
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 13.
28
“1810, Roydet se permit d’injurier de Nervaux d'une manière assez grave. Celui-ci rendit plainte devant le
juge de paix, et demanda que Roydet fût condamné à 1200 fr. de dommages-intérêts.
Debido a una reserva procesal, incluida en la demanda por Nervaux –y cuyo análisis excede a este trabajo- el
juez de paz se declara incompetente. Luego de ello, el 3 de enero 1811 el Tribunal Civil de Gray, sobre la
base de las investigaciones realizadas en ambas partes del proceso, condena a Roydet a pagar la suma de 30
francos a Nervaux por concepto de daños y perjuicios, además de retractarse de las palabras injuriosas que
dirigió contra él. Posteriormente:
Roydet ayant refusé d'exécuter ce jugement, le tribunal de Gray en rendit un second, le 25 mars, par lequel il
le condamna à payer à de Nervaux une somme de trois francs par jour, jusqu'à l'entire exécution de celui du
3 janvier précédent.
Aunque, finalmente la sentencia no se llegó a ejecutar debido a que en casación, el 25 de mayo de 1812, la
Corte Civil indicó –como se encuentra detallado en Le Journal Du Palais (1838)- que ‘les tribunaux civils
sont incompétent pour condamner d'une réparation d’honneur à raison d’injures verbales” 6 (p. 582). Y por
lo tanto ordenó “casse et annulé les deux jugements du tribunal civil de Gray, des 3 janvier et 25 mars 1811’
7 (p. 583).” LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida
conminatoria originada em la jursprudencia francesa. Disponível em:
https://derecho.usmp.edu.pe/sapere/ediciones/edicion_11/articulos_investigadores/3.%20Astreintes.pdf.
Acesso em: 20 maio 2021. p. 86.
29
CHABAS, Francois. L’astreinte em Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994. v.
67. p. 51.
30
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução. Salvador: JusPodivm, 2016. p.
272.
31
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 53.
25
32
NAVARRO, Leticia Eugenia López. Las astreintes: remédio eficaz para la oportuna ejecucíon de las
sentencias, p. 22.
33
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista de Direito da ADVOCEF, Londrina, v. 1,
n. 6, p. 139-168, 2008. p. 144.
34
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista de Direito da ADVOCEF, Londrina, v. 1,
n. 6, p. 139-168, 2008. p. 144.
26
de 20.10.1959, determinou que as astreintes possuíam natureza distinta das perdas e danos,
quando então se resolveu a divergência doutrinária e se consolidou o entendimento que
prossegue até os dias atuais acerca das astreintes.35
A mudança de paradigma foi reconhecidamente salutar para a maior efetividade
dos direitos, como reconhecem Michel Veron e Benoit Nicod:
35
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 28-29.
36
VERON, Michel; NICOD, Benoit. Voies d´exécution et procédures de distribution. 2. ed. Paris:
Armand Colin, 1998.
37
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer. 8. ed. Curitiba: Juruá, 2020.
p. 103-105.
38
Por meio da contempt of court (desrespeito à corte), ou seja, da prisão do destinatário da ordem, no caso
de não cumprimento. Conforme ensina Neil Andrew: “alguém será responsável por contempt of court se
deixar de cumprir uma injunction contra si destinada. [...] A parte que não cumprir uma injunction será
responsabilizada por desacato, mesmo que convença a Corte, posteriormente, a voltar atrás quanto à
concessão da injunction”. OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 172.
27
39
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 105.
40
As Ordenações Afonsinas, editadas em 1446, vigoraram no Brasil desde o seu descobrimento até 1521. As
Ordenações Manuelinas substituíram o antigo regime até o ano de 1603. Em seguida, as Ordenações
Filipinas vigoraram por mais de dois séculos. Cf. PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e
o CPC/2015: visão teórica, prática e jurisprudencial, p. 37.
41
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 41.
42
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 29.
28
43
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 42.
44
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 216,
45
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 41.
46
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 41.
47
REALE, Ana Luísa Fioroni. A multa astreinte como importante medida de apoio, prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, diante do artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil. 2016.
196f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. p. 83.
48
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica, p. 46.
29
para garantia do enforcement das obrigações de fazer e de não fazer decorrentes daquela
lei.49
A novidade legislativa não encontrou correspondente por ocasião da promulgação
do CPC/73, que manteve os entraves à efetividade da multa cominatória encontrados no
código antecessor, que, da mesma forma, vedava a sua imposição de ofício pelo
magistrado, além de reservá-la como medida de implemento de sentenças,
exclusivamente.50
Em um segundo momento, outras legislações esparsas começaram a prever a
possibilidade de cominação de multa coercitiva independentemente da vontade das partes,
originando-se da ordem judicial baseada nesses dispositivos legais. Foi o que ocorreu, por
exemplo, em 1985, por meio da Lei n. 7.347/85, que tratava da tutela dos direitos
ambientais e trazia em seu artigo 1151 previsão legal de cominação de multa por iniciativa
do magistrado, rompendo assim uma das barreiras impostas pela legislação até então.52
Posteriormente, em 1990, a multa astreinte rompeu mais uma barreira no
ordenamento jurídico brasileiro, alcançando outra área do direito com a sua introdução na
Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor (CDC) –, que, dentre outras disposições,
inseriu no artigo 84, parágrafo 4o53, regramento semelhante ao estabelecido na Lei
7.347/85.
Aintrodução desse dispositivo no CDC colaborou para o desenvolvimento do
instituto pois, diferentemente da lei antecessora, passou a prever regras para a definição do
valor da multa (suficiente ou compatível com a obrigação) e do prazo para cumprimento
da obrigação (prazo razoável para o cumprimento do preceito).
49
“Art . 7º No exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o
anonimato. Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes ou origem de informações
recebidas ou recolhidas por jornalistas, radiorrepórteres ou comentaristas.§ 1º Todo jornal ou periódico é
obrigado a estampar, no seu cabeçalho, o nome do diretor ou redator-chefe, que deve estar no gôzo dos seus
direitos civis e políticos, bem como indicar a sede da administração e do estabelecimento gráfico onde é
impresso, sob pena de multa diária de, no máximo, um salário-mínimo da região, nos têrmos do art. 10.”
50
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 45.
51
“Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de
execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível,
independentemente de requerimento do autor.”
52
REALE, Ana Luísa Fioroni. A multa astreinte como importante medida de apoio, prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, diante do artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil, p. 16.
53
“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento. [...] § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação,
fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.”
30
54
“Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento
final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.
§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo
razoável para o cumprimento do preceito.”
55
“Art. 83. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao adimplemento.
§ 1o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento
final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, na forma do art. 273 do
Código de Processo Civil.
§ 2o O juiz poderá, na hipótese do § 1o ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente do
pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o
cumprimento do preceito.”
56
De agora em diante identificado neste trabalho pela sigla CPC.
57
“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...]
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo
razoável para o cumprimento do preceito.”
58
“Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o
disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: [...]
V - nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução,
cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de
inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a
transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução
por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na
execução do julgado; [...].”
31
Com a boa recepção da mudança legislativa, tanto pela doutrina como pela
jurisprudência, a possibilidade de aplicação de multa diária foi estendida às obrigações de
dar coisas, resultado das modificações introduzidas pela Lei 10.444/2002, com a inserção
do artigo 461-A59.
Não obstante o inegável avanço legislativo, questões acessórias mas não menos
importantes não eram contempladas pelo texto legal, como a exequibilidade da multa, o
beneficiário do valor, os termos a quo e ad quem da incidência da penalidade, a
possibilidade de limitação do valor da multa, entre outras questões, que acabavam
definidas pela jurisprudência.
Com o objetivo de resolver algumas dessas celeumas, a nova reforma do Código
de Processo Civil, que resultou na Lei 13.105/15, disciplinou a matéria nos artigos 536 e
537.60 Na nova redação, o legislador tirou do arbítrio jurisprudencial uma série de nuances
acerca do instituto, que na legislação passada era tratada apenas no artigo 461, § 4º, do
CPC.
Assim, positivaram-se entendimentos clássicos acerca das astreintes, como a
titularidade da multa, que se reverte em favor do exequente (§ 2º), além de prever a
59
“Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará
o prazo para o cumprimento da obrigação. § 1 o Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e
quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor
escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. § 2 o Não cumprida a obrigação no
prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse,
conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel. § 3 o Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§
1 o a 6 o do art. 461. “
60
“Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não
fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de
tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa,
a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade
nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial. [...].”
“Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em
tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou
excluí-la, caso verifique que:
I - se tornou insuficiente ou excessiva;
II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o
descumprimento.
§ 2o O valor da multa será devido ao exequente.
§ 3o A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo,
permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência
do agravo fundado nos incisos II ou III do art. 1.042.
§ 4o A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto
não for cumprida a decisão que a tiver cominado.
§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de
fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.”
32
Sua função é eminentemente coercitiva”61. Fica, assim, evidente que seu escopo é “agravar
a pressão psicológica incidente sobre a vontade do sujeito, mostrando-lhe o dilema entre
cumprir voluntariamente o comando contido no direito e sofrer os males que ela
representa”62.
Em rigor, o objetivo da fixação da multa astreinte é fazer com que tal cominação
nunca chegue a incidir.63 Ou seja, a astreinte será tão bem empregada quanto menos
incidir, ou melhor, nem chegue a incidir. Portanto, caso adimplida a obrigação no prazo
fixado, ou na hipótese de o devedor demonstrar ser impossível o seu cumprimento no
modo, forma e tempo determinados, a multa sequer incidirá.
Dessa forma, mais do que a própria ordem judicial ou o anseio do credor, quem
tem o controle sobre a incidência ou não da multa é o próprio devedor, que mesmo
advertido da penalidade, opta pelo descumprimento da ordem judicial.
Importante frisar que ainda que se defenda a possibilidade de execução da multa
fixada, não representa uma forma de compensação por alguma perda eventualmente
sofrida pelo credor, mas apenas um meio de tornar real a pressão que se pretende com a
sua fixação. Em outras palavras, a possibilidade de execução da multa, mais do que
remunerar o credor, tem o objetivo de criar um temor real ao devedor, que sabedor da
possibilidade de que aquela multa fixada pode vir a afetar o seu patrimônio, talvez se sinta
compelido a cumprir a obrigação cominada, o que possivelmente não ocorreria caso a
multa não tivesse sido aplicada, ou caso aplicada não pudesse ser executada, o que, na
prática, representaria basicamente a mesma situação. Por isso, “classificar a natureza
jurídica da medida por seu aspecto acidental, ou seja, caracterizá-la pela forma que assume
justamente quando não cumpre sua função primordial, constituiria equívoco”64.
Além do mais, como medida coercitiva que é, a fixação de multa periódica
independe de dano a ser reparado, uma vez que o que se busca garantir por seu intermédio
é o cumprimento in natura da obrigação convencionada entre as partes ou determinada
pelo juiz/árbitro, independentemente de a inadimplência resultar em dano patrimonial
direto. O que se tutela é o direito de ver cumprida uma obrigação e não a reparação de um
dano, como defende Luiz Guilherme Marinoni:
61
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 273.
62
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 32.
63
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 204.
64
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 85.
34
65
MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 273.
66
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa, p. 44.
67
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 236.
35
68
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 149.
69
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 87.
70
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 79.
71
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução.
72
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 259.
36
73
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória.
Salvador: JusPodivm, 2016. p. 360.
74
GUERRA. Marcelo Lima. Execução Indireta, p. 166.
75
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 225.
76
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
77
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
p. 200.
37
78
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual.
2016. 194f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2016. p. 86.
79
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
88.
38
poderá ser atribuída. Ao credor, por outro lado, cabe a via do cumprimento provisório, que
se manejado será capaz de sujeitar o devedor aos efeitos práticos e nocivos da incidência
da multa, o que fulminaria a conclusão acerca da inutilidade da medida ante a
possibilidade de sua exclusão em caso de improcedência do pedido principal.
A sujeição à expropriação de bens pessoais do devedor bem como a possibilidade
de majoração da multa astreinte rechaçam a conclusão de que esta perderia sua
coercibilidade, uma vez que seria “um mal que não se concretiza” 80. Essa consequência se
deve muito mais às decisões que excluem ou reduzem a multa a qualquer tempo, mesmo
após o trânsito em julgado, do que à vedação de execução de multas cominadas para o
cumprimento de obrigações tidas posteriormente como indevidas pelo Judiciário.
Nesse ponto, é essencial que se atente para a natureza coercitiva e não punitiva da
medida, pois a função punitiva é exercida por meio de sanções processuais específicas
previstas no ordenamento jurídico.81
Tal viés afastaria, assim, a conclusão de autores, como Joaquim Felipe Spadoni,
que veem no descumprimento da multa diária um desrespeito ao Poder Judiciário ao invés
de inadimplemento de uma obrigação.82 Porém, mesmo que assim se considere, tal razão
não bastaria para defender a incidência da multa em caso de improcedência do pedido
principal. Isso porque, caso reconhecida judicialmente a improcedência do pleito da parte,
reconhecida estará, do mesmo modo, que a obrigação cominada era indevida. O
desrespeito, logo, dar-se-ia em face de decisão judicial posteriormente considerada
incorreta ou inadequada. Não se quer dizer com isso que a parte está autorizada a
descumprir determinações judiciais, ainda que baseadas em tutelas provisórias, uma vez
que tal recalcitrância, caso tornada definitiva a tutela provisória, sujeitará o devedor a
consequências prejudiciais, como o pagamento do valor acumulado da multa astreinte.
Outra consequência, inclusive, pode ocorrer por meio da majoração do valor da multa
astreinte, adequada aos casos em que a cominação inicial não tenha surtido efeito. Assim,
caso seja procedente o pedido principal, maior será o prejuízo financeiro a ser suportado
pelo devedor – esse deve ser outro elemento a ser considerado pelo litigante no momento
em que decide cumprir ou não a ordem judicial.
80
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
158.
81
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 204.
82
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução.
39
E aqui não se pode perder de vista que enquanto não transitada em julgado a
decisão judicial acerca da obrigação principal, e consequentemente da multa astreinte
cominada, estar-se-á a tratar de decisão provisória e não definitiva. Essa diferença é clara,
tanto que o CPC/15 estabelece procedimentos diversos para a exigibilidade de decisões
definitivas e provisórias. Justamente pela possibilidade de reversão da decisão provisória,
o credor se sujeita à responsabilidade civil em caso de reversão da decisão e dele se exige
a prestação de caução para levantamento do valor executado. Ou seja, enquanto pendente
recurso, as partes têm plena consciência da precariedade daquela ordem judicial.
Por todas essas razões é que se defende o caráter acessório das astreintes com
relação à obrigação principal cujo cumprimento visa compelir, especialmente no que tange
aos seus efeitos em face da insubsistência ou impossibilidade de cumprimento daquela que
gerará a insubsistência de seu acessório, a multa.
Destaca-se, por fim, que o reconhecimento de caráter acessório da astreinte não
impede a sua exigibilidade independentemente da execução da obrigação principal na
medida em que, caso sejam mantidas a obrigação principal e a multa, ambas podem ser
perseguidas pelo credor, o que se dará, na maioria das vezes – salvo quando a obrigação
principal também apresentar natureza de pagar quantia certa – em procedimentos
apartados.
83
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 83.
84
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001. p. 106.
41
85
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
73.
86
GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 173.
42
87
GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 173.
88
Princípio econômico segundo o qual a sobrevalorização artificial de uma moeda e a desvalorização
artificial de outra pelo governo faz com que a moeda supervalorizada invada o mercado, enquanto a moeda
subavaliada tenha sua circulação drasticamente reduzida, sendo entesourada. Regra geral, usa-se a expressão
“dinheiro ruim expulsa dinheiro bom”. GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 191.
89
GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 191.
90
“Pode-se definir o contempt of court como a ofensa ao órgão judiciário ou à pessoa do juiz, que recebeu o
poder de julgar do povo, comportando-se a parte conforme suas conveniências sem respeitar a ordem
emanada da autoridade judicial.” ASSIS, Araken de. O Contempt Of Court no direito brasileiro. Revista de
Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, jul.-set. 2003. p. 20.
91
SILVA, Luiz Antonio Miranda Amorim. As astreintes e a improcedência da demanda. Revista da AGU,
Brasília, v. 7, n. 15, p. 177-189, 2008. p. 160.
43
Justamente por esse motivo é que autores como Guilherme Rizzo Amaral92 e
Stella Economides Maciel93 rechaçam o que chamam de ideia de eficácia moralizadora das
astreintes, que não se aplicaria, considerando que a medida não tem caráter punitivo e que
tal função já seria exercida por outros mecanismos processuais como a multa por litigância
de má-fé e/ou por ato atentatório à dignidade da Justiça.
O argumento, por si só, não afasta a faceta de instrumento também capaz de
proteger a autoridade e a dignidade das Cortes nacionais. Nesse sentido, quando se
determinam medidas indutivas, coercitivas ou mandamentais, como as astreintes, mais do
que garantir o direito material ali tutelado, está-se a garantir o cumprimento das decisões
judiciais/arbitrais, sejam elas quais forem, proferidas por quem for, o que se faz
principalmente em favor da parte destinatária da tutela jurisdicional, mas também, de
algum modo, como forma de garantir a autoridade e a dignidade da Corte.
92
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 70.
93
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
74.
44
94
“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...]
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo
razoável para o cumprimento do preceito.”
45
origem do instituto, ainda em solo francês95, cenário que só se modificou com a Lei
Francesa 91/650, de 09/07/1991, que em seu artigo 34 afirmou que a “astreinte é
independente da indenização”96.
Disposição semelhante restou inserida no ordenamento jurídico brasileiro com o
advento do CPC/15, que em seu artigo 500 previu que “a indenização por perdas e danos
dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento
específico da obrigação”.
De início, importa destacar a existência de duas espécies de cláusula penal:
compensatória e moratória. Enquanto a cláusula penal compensatória é capaz de, além de
forçar o devedor ao cumprimento da obrigação, antecipar o valor das perdas e danos, a
cláusula penal moratória, embora também tenha o objetivo de pressionar o cumprimento
da medida no tempo e modo convencionados, garante ao credor o direito de exigi-la,
somada à obrigação principal.
A subdivisão entre cláusula penal compensatória e cláusula penal moratória é
realizada pelo próprio Código Civil por meio de previsão expressa nos artigos 409 a 411 97.
Assim, enquanto a multa moratória adere à obrigação principal, mas não a substitui, a
multa compensatória tem o condão de substituir a obrigação principal já não mais em
mora, mas inadimplida. Dessarte, a multa moratória nada mais é do que mais um dos
efeitos pecuniários decorrentes da mora, tal qual o são os juros moratórios; sua aplicação
se dá em dinheiro, somando-se à quantia da dívida principal.
De outro norte, a multa compensatória é definida como “meio intimidativo capaz
de levar o devedor ao cumprimento da obrigação e fixação antecipada de perdas e danos a
serem suportados pela parte inadimplente, em favor do credor”98. Ou seja, a cláusula penal
95
“Henri Lalou (1928) explica la concepción de las astreintes en la jurisprudencia de aquella época:
[L'astreinte], telle que la conçoit la jurisprudence, présente donc une doble face: tantôt c'est une allocation de
dommages-intérêts destinée à réparer un prejudice futur, et alors elle est ferme de telle sorte qu'elle ne peut
être ni remise ni renforcée après coup. Tantôt elle est considérée, comme une voie de contrainte, et alors elle
est conminatoire, de telle sorte qu'elle peut être remise si le débiteur s’exécute, ou renforcée s'il persiste à ne
pas s'exécuter.” LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida
conminatoria originada em la jursprudencia francesa, p. 41-42.
96
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 272.
97
“Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-
se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.
Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta
converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra
cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o
desempenho da obrigação principal.”
98
FINK, Daniel. Alternativa à ação civil pública ambiental (reflexões sobre as vantagens do termo de
46
103
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 147.
104
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 96.
105
CAPPELLI, Silvia. Atuação extrajudicial do Ministério Público, São Paulo, n. 46, p. 230-260,
jan./mar. 2002. p. 241.
106
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. p. 81.
107
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. 2002.
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2904. Acesso em: 12 mar. 2007.
108
MONTEIRO, António Pinto. Cláusula penal e indenização. Coimbra: Almedina, 1990. (Coleção
Teses). p.137.
109
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 93.
48
110
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 102.
111
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. v. 1. p. 248.
49
112
DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 659.
113
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 92.
114
SANTOS JUNIOR, Jamiro Campos dos; ZAGANELLI, Margareth Vetis. Meios de coerção indireta:
Astreinte no processo civil italiano. Derecho y Cambio Social, Lima, Peru, 2016. p. 14.
115
CARMONA, Carlos Alberto. O processo de execução depois da reforma. Revista Forense, São Paulo, v.
50
A posição do autor é combatida por outra parte da doutrina122, que rechaça a ideia
da aplicação de astreinte apenas de modo subsidiário em relação às demais medidas
judiciais postas à disposição do magistrado. Esse parece ser o posicionamento também
defendido por aqueles que consideram inviável a aplicação de astreintes no caso de
obrigações de fazer fungíveis.
Essa mesma conclusão é obtida por Luiz Guilherme Marinoni, que se embasou na
ideia do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional para afirmar, com relação
às astreintes, que “a multa não deve ser pensada como algo que deve incidir no local em
que a execução direta não pode atuar, mas sim como instrumento que tem vinculação
única com a efetividade da tutela”123. O autor relaciona o tema com a virada
principiológica afeta ao cumprimento das obrigações, no momento em que se abandona a
primazia da liberdade do indivíduo, quando se transformava toda obrigação não cumprida
em perdas e danos, para um novo momento em que se busca garantir, sempre que possível
e no interesse do credor, o adimplemento da obrigação pela tutela específica com vistas ao
cumprimento do compromisso de efetividade no acesso à justiça:
122
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 128.
123
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. p. 422.
124
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. p. 308.
125
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
1995. p. 154.
126
GRINOVER, Ada Pallegrini. Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. Revista de
Processo, São Paulo, n. 79, p. 3-14, 1995. p. 70.
127
ASSIS, Araken de. Reforma do Processo Executivo, São Paulo, Saraiva, v. 17, anos XVII e XVIII,
1995-1996. p. 149-150.
128
SOUZA, Karina Resende Miranda de. Astreintes: sua destinação final e o enriquecimento sem
causa. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 8, n. 8, p. 500-538, 2011.
129
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 243.
130
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 114.
131
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil.
52
Outro tema referente ao cabimento das astreintes nas obrigações de fazer diz
respeito às prestações cuja execução demande processo criativo. A respeito, a doutrina
vem defendendo a impossibilidade da aplicação de astreintes, sob pena de se ferir o direito
moral do artista132, o que além de violar o seu direito fundamental seria talvez pouco
interessante ao próprio credor, que estaria sujeito à má realização do serviço133, eis que “o
profissional que se negara a produzir o fato prometido por não encontrar inspiração, pouco
provavelmente encontrá-la-ia por estar sendo admoestado por uma multa pecuniária”134.
No mesmo caminho segue a jurisprudência e a doutrina francesas. 135
Luis Eulalio de Bueno Vidigal, nesse ponto, afirma sua posição de defesa da
impossibilidade de aplicação de medidas coercitivas para as obrigações infungíveis que
exijam predicados especiais do obrigado, por serem estas qualidade “tão eminentemente
próprias, tão eminentemente e irredutivelmente individuais e pessoais, espelhos da
personalidade, que a ameaça coercitiva seria, por um lado, chocante e violadora da
personalidade do devedor e, por outro, ineficaz e até contraproducente para o próprio
credor”136.
Nessas premissas, pode-se perceber que decidir sobre a aplicação de astreintes
para forçar alguém a trabalhar em um ofício que dependa de inspiração, ainda que
respeitando contrato firmado anteriormente, mas contra a sua vontade, envolverá,
inexoravelmente, o sopesamento de princípios constitucionais, figurando de um lado a
liberdade profissional do devedor e de outro o direito à tutela jurisdicional efetiva do
credor.
Embora a opção pela tutela específica da obrigação deva ser priorizada, isso não
pode ocorrer ao arrepio de direitos fundamentais do devedor, como no caso das obrigações
de fazer que demandem inspiração artística, sob pena de se atingir a sua liberdade criativa,
que vai de encontro à própria natureza da prestação, que pressupõe inspiração e
liberdade.137
132
GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta, p. 131.
133
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 98.
134
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 124.
135
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, v. 69, 1994.
136
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 334.
137
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 118.
53
Nesse sentido, disserta Luis Eulalio de Bueno Vidigal: “sempre que esteja em
causa o cumprimento de obrigações que não possa ser seguido de coerção, ainda que
patrimonial, sem violação de direito(s) de personalidade, a sanção pecuniária compulsória
não deve ser aplicada”138.
E como sói ocorrer com relação à resolução de antinomias reais, a solução
passará pela análise do caso concreto, mediante o sopesamento dos direitos postos em
conflito na situação examinada. Por exemplo, ordenar que o único médico especialista em
determinada área da saúde em certa região cumpra o seu contrato até que se possa
encontrar um substituto pode demandar solução diversa da de uma lide cujo magistrado
estabeleca que um atleta profissional tenha de cumprir o seu contrato até o final.
Eduardo Talamini cita dois exemplos interessantes oriundos do Judiciário inglês:
um abordando lide entre uma cantora lírica e um teatro, com quem havia firmado contrato
de exclusividade; outro mencionando processo em que figuravam como partes uma atriz e
uma produtora de cinema.139 Em ambos os casos a solução encontrada foi semelhante. Não
se fixou multa para compelir ambas as artistas a cumprirem os seus contratos, porém,
foram impedidas de exercer seus ofícios em outros lugares que não aqueles onde haviam
firmado compromisso de manter a exclusividade.
Nos casos relatados, as Cortes inglesas parecem ter encontrado uma solução
proporcional na medida em que criaram um mecanismo de pressão psicológica às
devedoras, sem, contudo, obrigá-las a trabalhar contra a sua vontade. Em uma das
situações, inclusive, argumentou-se que aquela decisão não estava impedindo a litigante de
trabalhar, pois poderia buscar outro ofício que não o de atriz.
Em que pese a importância constitucional de garantir uma tutela jurisdicional
efetiva que se materializa pela tutela específica da obrigação, nos casos em que da análise
do caso concreto e do sopesamento de princípios e direitos postos em conflito emergir a
necessidade de preservação dos direitos de personalidade do devedor a solução passaria
pela resolução pelo equivalente em pecúnia, mediante apuração de perdas e danos, ou
execução da cláusula penal, caso pactuada.
138
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 335.
139
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 96.
54
Mesmo antes da mudança legislativa operada pela Lei 10.444/2002, que inseriu o
art. 461-A no CPC/73 e estendeu a possibilidade de cabimento das astreintes também para
as obrigações de dar, parte da doutrina já concebia como possível a sua aplicação por
analogia ao disposto no artigo 461 do Código então em vigor. Um dos precursores dessa
corrente foi Paulo Henrique dos Santos Lucon, que ao analisar a previsão de multa diária
da Lei 9.099/95, que instituiu os juizados especiais, defendia a possibilidade de cominação
de multa para a entrega de coisa, ainda que exclusivamente naquele microssistema
processual. 140
Nessa seara, mesmo entre aqueles que defendiam a aplicação das astreintes nas
obrigações de dar, encontravam-se duas correntes. A corrente dominante defendia a
aplicabilidade da multa cominatória apenas nas obrigações de dar coisa certa, enquanto a
minoria militava a favor da aplicabilidade da astreinte não só neste caso, mas também nas
obrigações de dar coisa incerta.
Basicamente, as obrigações de dar coisa certa diferem das obrigações de dar coisa
incerta: na primeira o bem resta perfeitamente individualizado no momento da formação
do contrato, permitindo que o credor exija a entrega daquele objeto/bem específico; na
segunda o bem é definido com alguma especificidade, mormente quanto à quantidade e à
qualidade, mas sem que se defina o modo e sem que se consiga individualizá-lo em
relação aos demais objetos da mesma espécie.
O cumprimento da obrigação de dar coisa incerta sempre será precedido por uma
escolha, que em regra caberá ao devedor, o que na prática interfere na própria
exigibilidade da coisa, tendo em vista que antes de exigir o cumprimento efetivo/material
o credor deve permitir que o devedor exerça a escolha, sob pena de transferir-lhe tal
faculdade.
Entretanto, o artigo 461-A do CPC/73 – e posteriormente o seu correspondente
artigo 498141 do CPC/15 – pôs fim à celeuma, ao dispor acerca da tutela coercitiva também
140
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Juizados Especiais Civeis: aspectos polêmicos. Revista de
Processo, São Paulo, v. 90, p. 188-192, 1998. p. 186.
141
“Art. 498: Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o
prazo para o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor
individualizá-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará
individualizada, no prazo fixado pelo juiz.”
55
nas obrigações de dar, inclusive nas obrigações com objeto incerto, a exemplo do que
ocorre no direito francês.142 Nesse sentido, “como se depreende do §1º do artigo 461-A, a
multa é cabível não apenas para a tutela das obrigações de entrega de coisa certa, mas
também de coisa incerta, ou determinada pelo gênero e quantidade”143.
Em suma, conforme entendimento da doutrina dominante nacional, ao citar a
expressão “se lhe couber escolha, cabendo ao devedor escolher”, o desejo do legislador foi
contemplar também as obrigações de dar coisa incerta, com a possibilidade de aplicação
do instituto das astreintes. Assim, quando aplicada na obrigação de dar coisa incerta, o fato
de existir uma fase intermediaria ao cumprimento definitivo da obrigação – justamente a
escolha – não impede a aplicação de medidas coercitivas ao cumprimento específico da
obrigação, desde que no interesse do credor, ainda que o devedor não possua o bem que se
comprometeu a entregar, “exatamente porque o lesado tem o direito de preferir o
ressarcimento na forma específica, não há como concluir que a multa não pode ser
utilizada para compeli-lo a entregar a coisa, ainda que tenha que pagar a um terceiro por
ela”144.
De fato, além de a previsão legal indicar tal solução, não faria muito sentido vetar
a aplicabilidade de astreintes na hipótese. A mera existência de uma fase anterior ao
cumprimento efetivo da obrigação não seria óbice suficiente para negar ao credor a
satisfação da obrigação pela tutela específica. O que ocorre é apenas uma singela
adaptação à natureza do direito material posto, de modo que a ordem judicial seria
cominada para forçar o devedor a realizar a escolha, sob pena de multa diária.
Essa é a posição defendida por Guilherme Rizzo Amaral, para quem a ausência
de disposição legal expressa excluindo essa espécie de obrigação das hipóteses de
aplicabilidade das astreintes leva à conclusão de sua viabilidade. Tal providência pode ser
tão útil quanto for difícil ou impossível ao credor exercer a escolha no lugar do devedor,
especialmente quando lhe for franqueado acesso ao acervo patrimonial deste, o que
poderia inviabilizar o ato da escolha e, consequentemente, a entrega do objeto, levando-o
ao caminho da resolução por perdas e danos, ainda que contra a vontade do credor.
142
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994.
143
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 88.
144
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 322.
56
145
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 106.
146
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 128.
147
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
36.
148
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
37.
57
149
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativas aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres
de entrega coisa, p. 160.
150
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 121.
151
“Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou
da coisa, a parte pretendia provar se:
I - o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398;
II - a recusa for havida por ilegítima.
Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-
rogatórias para que o documento seja exibido.”
58
particular, deve ser considerada como possível. 152 No entanto, embora a clareza do texto
do parágrafo único do artigo 400 sirva para esclarecer a questão, não há que falar em
revogação tácita do Enunciado 371 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça,
especialmente depois do esclarecimento de sua incidência pela própria Corte.
O próprio Superior Tribunal de Justiça esclareceu, posteriormente, que o
impedimento de aplicação da multa astreinte às obrigações de exibição de documento se
limitava às situações em que a confissão ficta e a busca e apreensão não se mostrassem
eficientes no caso concreto. E é exatamente isso que consta no artigo 400 do CPC/15, de
modo que medidas coercitivas só serão utilizadas quando aquelas consignadas no caput
não forem úteis, ou seja, quando ineficiente a admissão de veracidade dos fatos que se
pretendia provar com aquele documento.
Assim, segundo José Miguel Garcia Medina, o ponto nevrálgico da questão está
novamente na utilidade da medida. Sendo suficiente a confissão de veracidade dos fatos
que se pretendia provar com o documento que se queria ver exibido, não faz sentido exigir
a sua exibição porque nenhuma vantagem seria maior para o autor do que a veracidade dos
fatos até então controvertidos, algo que talvez não o tivesse conseguido com a própria
exibição do documento.153
A preferência pela ordem de busca e apreensão em comparação com cominação
de astreintes encontra sentido na maior eficiência daquela em face destas, isto é, caso o
credor saiba a localização do documento que necessita ser exibido – vez que a confissão
ficta não lhe serve porque, por exemplo, não sabe o conteúdo do documento –, mais eficaz
seria determinar sua busca e apreensão, medida de cumprimento direto, do que impor
multa diária no afã de pressionar o devedor a exibí-lo, medida de cumprimento indireto, e
portanto, ao menos em tese, de menor eficácia.
Por fim, caso a confissão ficta não seja suficiente à satisfação da pretensão do
credor da obrigação e, por sua vez, as medidas diretas, como a busca e apreensão, não
sejam possíveis, como ocorre quando não se sabe a localização do documento, a multa
astreinte se torna útil por ser a medida mais eficaz ao caso concreto, seja por força do
parágrafo único do artigo 400 do CPC/15, seja pela interpretação correta do Enunciado
371 da súmula do Superior Tribunal de Justiça.
152
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 122.
153
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas
comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 661.
59
154
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 88.
155
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 142.
156
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p. 625.
157
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
46.
60
158
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 299.
159
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 124.
160
MACEDO, Elaine Harzheim; BRAUN, Paola Roos. Jurisdição segundo Giuseppe Chiovenda versus
jurisdição no paradigma do processo democrático de Direito: algumas reflexões. Anima: Revista
Eletrônica do Curso de Direito da Opet, Curitiba, ano VI, n. 12, p. 1-30, jul./dez. 2015.
161
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 17: arts. 824 a 875:
da execução por quantia certa. São Paulo: Saraiva Jurídica, 2018. p. 29.
162
AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015. p. 222.
163
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 151.
61
De todo modo, parece que o cabimento das astreintes nas obrigações de pagar
quantia certa está muito ligado às obrigações processuais acessórias impostas pelo juízo no
bojo do procedimento de cumprimento de sentença, como obrigação de indicar bens
passíveis de penhora, localização de bens penhorados, exibição de documentos, entre
outras, que no fim e ao cabo, em sua natureza, acabam sendo obrigações de fazer, de não
fazer ou de entregar/exibir coisa ou documento. Ou seja, devido à natureza coercitiva da
multa astreinte não faria sentido aplicá-la apenas como consequência do não pagamento da
quantia executada, eis que, se assim o fosse, estar-se-ia diante de uma medida meramente
sancionatória, papel que além de não caber às astreintes ainda é exercido a contento pelo
dispositivo do parágrafo 1º do artigo 523 do CPC/15, que acresce 10% ao valor executado
quando não pago pelo devedor no prazo legal.
O que se pode concluir é que, embora se admita a aplicação de astreintes no curso
do cumprimento de sentença que vise ao pagamento de quantia certa e/ou no processo de
execução de título extrajudicial, tal medida deve estar ligada a alguma obrigação acessória
imposta pelo juízo ao devedor, como forma de facilitar/possibilitar o bom andamento da
execução. Essas obrigações, em regra, consubstanciam-se pela natureza de fazer, de não
fazer ou dar coisa, e caso não cumpridas poderão sujeitar o devedor às astreintes como
forma de compelí-lo a adotar comportamento cooperativo e de boa-fé, que no âmbito do
CPC/15 não é apenas desejável, mas exigível, nos termos dos artigos 5º e 6º.
164
“Art. 537. [...] § 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que
reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.”
63
Poder Judiciário. Caberia então perquirir se o árbitro poderia ser comparado ao juiz, seja
especificamente para esse fim (aplicação de astreintes), ou para todos os demais, desde
que a lide esteja submetida ao procedimento arbitral, a partir da vontade consciente e
prévia dos litigantes.
Para a solução dessa questão, o artigo 18 da Lei da Arbitragem fornece um
elemento interessante ao categorizar que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença
que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
A análise do citado dispositivo legal, porém, não basta para a solução da questão
na medida em que se pretende saber se ao tratar o árbitro pela palavra “juiz” a lei estaria
equiparando-o ao magistrado, ou apenas utilizando uma palavra suficientemente
contundente para esclarecer que sobre aquela lide sua decisão será soberana, até mesmo
para evitar que sentenças arbitrais fossem constantemente questionadas judicialmente, o
que faria com que se perdesse todo o propósito da arbitragem.
Por outro caminho, a lei, pelo menos dois artigos, esclarece que as partes se
submeterão às regras procedimentais do respectivo órgão arbitral, ou àquelas que elas
mesmas estabelecerem (artigos 5º e 21º). Essa disposição de certa forma confere liberdade
procedimental ao árbitro e à câmara de arbitragem ao não estabelecer limites objetivos a
sua aplicação. Isso, contudo, não pode ser interpretado como absoluta ausência de controle
de atividade arbitral, tanto é que as decisões arbitrais estão, embora em situações
específicas, sujeitas à revisão judicial, conforme demonstram os incisos do artigo 32 da
Lei de Arbitragem.
A Lei 13.129 de 2015 parece esclarecer a questão quanto à possibilidade de
aplicabilidade das astreintes no procedimento arbitral quando previu a adoção de medidas
cautelares – até então ausentes da legislação arbitral –, incluindo no artigo 22-B a
possibilidade de os árbitros concederem medidas cautelares ou de urgência (artigo 22-B,
parágrafo único). A lei vai além ao facultar aos árbitros a possibilidade de “manter,
modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário”,
em procedimento preparatório à instalação do procedimento arbitral, conforme previsto no
art. 22-A da mesma lei.
Rafael Caselli Pereira165 destaca que a inovação legislativa altera o sistema
165
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) sob a perspectiva da arbitragem – a possibilidade
de intervenção do Poder Judiciário na modulação do quantum consolidado. Arbitragem: atualidades e
tendências. In: FERREIRA, Olavo A. V. Alves; LUCON, Paulo Henrique dos Santos (coord.). Arbitragem:
atualidades e tendências. Ribeirão Preto, SP: Migalhas, 2019. p. 118.
64
166
CLAY, Thomas. As medidas cautelares requeridas ao árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação.
RArb, São Paulo, v. 12, n. 311, p. 1267-1291, jul. 2008. p. 1277.
167
COELHO, Marcus Filipe. Tutelas cautelares e de urgência na arbitragem: Os limites de atuação do juízo
arbitral. Cadernos de Iniciação Científica, São Bernardo do Campo, n. 13, 2016.
168
CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem. Cláusula compromissória. Cognição e imperium. Medidas
cautelares e antecipatórias. Civil law e common law. Incompetência da justiça estadual. Revista Forense,
São Paulo, v. 375, p. 129-141, 2004. p. 239.
169
CLAY, Thomas. As medidas cautelares requeridas ao árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação -
RArb, São Paulo, v. 12, n. 311, p. 1267-1291, jul. 2008. p. 1271.
170
“CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL – IMPUGNAÇÃO – Decisão judicial que rejeitou
impugnação oferecida – Alegação de que a sentença arbitral seria nula, seja decorrente do não
atendimento ao contraditório, seja por ausência de pedido para condenação em multa por descumprimento
da obrigação, assim como, que não houve apreciação de todo o litígio submetido a arbitragem, a
impossibilidade de o arbitro adotar medidas coercitivas de ofício, e, ainda, ausência de fundamentação,
sendo necessária a ocorrência de julgamento por equidade, e ainda pedido subsidiário, de limitação do
valor da astreintes pelo judiciário – Descabimento – Questões apresentadas devidamente dirimidas e
65
afastadas nas demandas arbitral e declaratória – Hipótese na qual, não havendo nenhum elemento novo
mantido o resultado – Inexistência de nulidade – Agravo de instrumento não provido. CUMPRIMENTO
DE SENTENÇA ARBITRAL – IMPUGNAÇÃO – Decisão judicial que rejeitou a impugnação oferecida–
Alegação de iliquidez do título – Descabimento – A agravante não considerou excesso de execução dos
cálculos apresentados pela parte contrária, mas tão somente as nulidades da decisão arbitral, com o
afastamento do título executivo, e ainda a tentativa de se buscar diminuir as astreintes fixadas na demanda
arbitral, matérias que foram refutadas – Decisão mantida – Agravo de instrumento não provido, com
observação quanto ao não cabimento de verba honorária. Dispositivo: Negam provimento ao recurso, com
observação quanto ao não cabimento de verba honorária.” SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. AI:
21383951120188260000 SP 2138395-11.2018.8.26.0000, Relator: Ricardo Negrão, Segunda Câmara
Reservada de Direito Empresarial. São Paulo, SP, 25 de fevereiro de 2019. Publicação 27/02/2019.
171
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) sob a perspectiva da arbitragem – a possibilidade
de intervenção do Poder Judiciário na modulação do quantum consolidado. Arbitragem: atualidades e
tendências. In: FERREIRA, Olavo A. V. Alves; LUCON, Paulo Henrique dos Santos (coord.). Arbitragem:
atualidades e tendências, p. 119.
172
CLAY, Thomas. As medidas cautelares requeridas ao árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação -
RArb, São Paulo, v. 12, n. 311, p. 1267-1291, jul. 2008. p. 1272.
173
COELHO, Marcus Filipe. Tutelas cautelares e de urgência na arbitragem: os limites de atuação do juízo
arbitral. Cadernos de Iniciação Científica, São Bernardo do Campo, n. 13, 2016. p. 4.
66
174
GUILHARDI, Pedro. Medidas de urgência na arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São
Paulo. v. 49, p. 67-11, 2016. p. 5.
175
MOREIRA, Bianca de Lima. Alterações advindas da Reforma na Lei de Arbitragen 13.129/2015.
Cadernos da Escola de Direito, Curitiba, v. 27, n. 1, p. 67-87, 2017. p. 77.
176
GUILHARDI, Pedro. Medidas de urgência na arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São
Paulo, v. 49, p. 67-101, 2016. p. 13.
67
medidas disponíveis, que estariam limitadas àquelas permitidas pelo Código de Processo
Civil.
Ocorre que com o advento do artigo 139, inciso IV, e a chamada regra geral de
atipicidade da tutela executiva, não há como olvidar o fato de que o próprio CPC/15
passou a permitir a adoção de “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Dessa forma, a melhor resposta para a limitação do poder do árbitro no tocante às
medidas executivas deve ser encontrada em dois lugares: primeiro, nos limites da cláusula
arbitral, que é aquela que legitima, de início, todo o procedimento arbitral; segundo, não
havendo óbice contratual ou institucional (regulamento do tribunal arbitral específico),
deve-se tomar emprestados os limites então adotados para a aplicação do artigo 139, inciso
IV, do CPC/15 nos processos judiciais.
Assim, a astreinte pode ser anulada ou alterada pelo Poder Judiciário quando
constatado que sua aplicação ocorreu fora dos parâmetros da cláusula de compromisso
arbitral ou quando, ainda que prevista esta possibilidade, a aplicação se deu de forma
incompatível com os princípios constitucionais que integram o devido processo legal.
[...] serve apenas para pressionar o réu a adimplir a ordem do juiz, motivo pelo
qual não parece racional a ideia de que ela deva reverter para o patrimônio do
autor, como se tivesse algum fim indenizatório. A multa não se destina a dar ao
autor um plus indenizatório ou algo parecido com isso; seu único objetivo é
68
Seguindo esse entendimento, José Calos Barbosa Moreira defendia que diante do
caráter não ressarcitório da multa astreinte, “não parece razoável que o produto de sua
aplicação seja entregue ao credor, em vez de ser recolhido aos cofres públicos”180.
Muito embora existisse uma grande parcela da doutrina que comungava desse
mesmo pensamento, alguns autores reconheciam que no direito brasileiro, ainda que
inexistente matéria positivada sobre o tema, a jurisprudência caminhava no sentido de
177
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva), p. 179.
178
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 501.
179
BONDIOLI, Luis Guilherme. Tutela Específica: inovações legislativas e questões polêmicas, In: COSTA,
Hélio Rubens Batista Ribeiro; RIBEIRO, José Horácio Halfeld Rezende; DINAMARCO, Pedro da Silva
(org.) A nova etapa da Reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 134.
180
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento. 19. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 207.
69
conferir a legitimidade ativa, nessas situações, à parte contrária, como é o caso de Joaquim
Felipe Spadoni181, que admite que o silêncio até então existente foi interpretado pelos
tribunais em favor do credor da obrigação.
Por outro lado, há autores que mesmo antes da vigência do CPC/15 já defendiam
que a titularidade da multa astreinte deveria ser do credor da obrigação, seja porque teria
sido ele o prejudicado diretamente pela inadimplência do devedor, seja em razão da
inspiração francesa do instituto.
Nessa linha de pensamento, insere-se Eduardo Talamini, que reputa ao direito
comparado, especialmente aos direitos francês e português, tal interpretação:
181
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 504.
182
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativas aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres
de entrega coisa, p. 257-258.
183
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 208-209.
70
184
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativas aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres
de entrega coisa, p. 258.
185
ALVIM, José Eduardo Carreira. O direito na doutrina. Curitiba: Juruá, 1998. p. 42.
186
ALVIM, José Eduardo Carreira. O direito na doutrina, p. 42.
187
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva), p. 180.
188
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 203.
71
titularidade das astreintes no caso de direitos dos idosos. Isso se deve ao disposto no artigo
84 do Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, que dispõe que as multas
previstas naquela lei reverter-se-ão ao Fundo do Idoso ou ao Fundo Municipal de
Assistência em caso de inexistência do primeiro.
Embora as astreintes devam ser excluídas dessa previsão, de modo a serem
redirecionadas aos titulares dos direitos violados individualmente, até porque não se
poderia conceber que todos, menos os idosos, fossem titulares deste direito, precedentes
recentes de tribunais brasileiros tratam a questão da titularidade da astreinte de três formas
diferentes: do idoso prejudicado; do Fundo do Idoso; e uma divisão entre o idoso e o
Fundo194, neste caso, ao arrepio da lei.
Em suma, seja porque as astreintes não se fundam no Estatuto do Idoso – logo
não poderiam ser consideradas multas decorrentes desta lei –, seja porque a disciplina do
Estatuto é anterior ao CPC/15, que disciplinou a questão de forma diversa no artigo 537,
parágrafo 2º, ou ainda pela inaceitável ofensa à isonomia entre idosos e demais
jurisdicionados, entende-se que a melhor opção é garantir a titularidade do crédito das
astreintes ao idoso prejudicado.
primeiro óbice para a Fazenda Pública figurar no polo passivo da exigibilidade da multa
diária, porquanto, neste caso, restaria caracterizado o instituto jurídico da confusão uma
vez que a obrigação teria a mesma pessoa como credora e como devedora.
É bem verdade que mesmo entre aqueles que defendem ser do Estado o direito de
exigir o pagamento da multa diária aplicada e vencida, alguns não encontram neste
argumento uma incompatibilidade com a possibilidade de a Fazenda figurar no polo
passivo da obrigação, justificando que, neste caso, o valor deveria ser revertido para
fundos próprios.195
Para a maior parte da doutrina, que defende que a multa vencida pertence à parte
prejudicada pelo inadimplemento da obrigação196, especialmente após o advento da regra
prevista no parágrafo 2º do artigo 537 do CPC/15, inexistiria óbice para que o Estado
figurasse no polo passivo dessa relação processual.
Há ainda quem encontre nas origens históricas da astreinte, criada para forçar o
cumprimento de prestações de cunho obrigacional, e portanto norma de direito privado, a
impossibilidade de aplicação de astreintes contra o Estado, em razão de sua relação de
direito público em face dos jurisdicionados.197 Esse argumento pode ser refutado, ao
menos no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, no qual as astreintes não estariam
limitadas a obrigações de direito privado, tal qual a medida francesa que serviu como fonte
de inspiração, conforme abordado na seção 2.4.6 desta pesquisa.
Não se pode olvidar que muitas das obrigações mais prementes e rotineiramente
inadimplidas são aquelas cuja prestação é de responsabilidade estatal, como no caso do
dever de prestações relativas à saúde. Assim, impedir a aplicação da multa diária
corresponderia a reduzir a capacidade coercitiva do Poder Judiciário, justamente naqueles
casos em que tal função é mais necessária.
Como assevera Horacio Peix, embora se admitam regras que tratem o Estado e
seus agentes com as peculiaridades que possuem em relação a indivíduos e pessoas
jurídicas de direito privado, isso não pode significar que sobre eles não pesem nenhuma
forma de medida coercitiva, sob pena de se impor aos agentes privados uma assimetria de
195
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva), p. 180.
196
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 154.
197
HUTCHINSON, Tomás. El proceso de ejecución de sentencias contra el Estado. Revista
Latinoamericana de Derecho, Ciudad de México, ano 1, n. 1, p. 289-355, Enero-junio 2004. p. 310.
74
198
PEIX, Horacio A. Obligaciones con cláusula penal y sanciones conminatorias [en línea]. Análisis del
proyecto de nuevo Código Civil y Comercial, Buenos Aires, El Derecho, 2012. p. 370. Disponível em
http://bibliotecadigital.uca.edu.ar/repositorio/contribuciones/obligaciones-clausula-penal-sanciones-
conminatorias.pdf. Acesso em: 15 nov. 2021.
199
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 237.
200
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
107.
201
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. p. 441.
202
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p.
254.
75
203
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016.
204
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 626.
205
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 100.
206
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 133.
207
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 158.
76
do agente público, que tendo condições de cumprir a ordem judicial prefere não fazê-lo
por motivos pessoais ou políticos. Nesses casos, parece que a relação entre o
comportamento processual inadequado do agente e a inadimplência da obrigação
cominada justificaria o direcionamento da ordem e a multa correspondente ao agente
desidioso.
Nesse sentido, conforme alerta Luiz Guilherme Marinoni, “a cobrança da multa
não tem relação com o fato de o inadimplente ser ou não parte, mas com a circunstância de
o inadimplemento ser o responsável pelo cumprimento da decisão”208.
Ainda que se admita tal possibilidade, é indispensável que a consequência reste
claramente demonstrada no momento do recebimento da ordem judicial cominada, não se
podendo admitir que uma ordem judicial dirigida especificamente contra o Estado venha a
desencadear uma execução direta da parte contrária em face do agente público, eis que,
neste caso, estar-se-ia diante de flagrante situação de ilegitimidade passiva ad causam.
Assim, até para que o agente público possa exercer adequadamente o
contraditório e a ampla defesa, caso se pretenda sujeitar o seu patrimônio pessoal a
suportar a possível incidência da multa astreinte cominada, é indispensável que essa
possibilidade conste expressamente na decisão judicial e no mandado de intimação, do
contrário, a sujeição do patrimônio pessoal do agente só seria possível mediante ação de
conhecimento regressiva proposta exclusivamente pelo ente público, nos termos do
disposto no parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal.
Há, por fim, situações em que o agente público figura diretamente no polo
passivo da própria demanda judicial, seja em litisconsórcio passivo, como ente público ou
não. Nesses casos, não haveria óbice quanto ao direcionamento da astreinte em face do
patrimônio pessoal do agente na medida em que, como regra, os motivos que justificam
sua presença no polo passivo da demanda com relação à obrigação principal seriam os
mesmos a justificar que fosse ele o responsável por suportar a multa astreinte acessória.
Esse é o entendimento que vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. 209
O disposto no artigo 139, inciso IV, do CPC/15 elimina a suposta anomia que
208
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 439.
209
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 1728528 PB 2018/0052379-8. Relator: Ministro Herman
Benjamin, T2 – Segunda Turma. Brasília, DF, 24 de abril de 2018. Publicação DJe 08/09/2020.
77
impede a imposição de multas diárias em face de sujeitos que não figuram como partes do
processo210, como defendido por alguns autores até então.211
A expressa previsão da cominação de multa para a garantia do cumprimento de
decisões judiciais amplia o alcance do instituto para além do caráter de medida capaz de
garantir o cumprimento de uma obrigação existente entre as partes, permitindo a sua
aplicação contra qualquer sujeito que descumpra, injustificadamente, determinações
judiciais.
No mesmo sentido, a regra contida no parágrafo único do artigo 403 do
CPC/15212 prevê expressamente a possibilidade de adoção de medidas indutivas,
coercitivas e/ou mandamentais para compelir o terceiro a cumprir a obrigação de exibir
documento que tenha em seu poder.
É verdade que essa regra trata de comando especificamente previsto para a
obrigação de exibição de documento e/ou coisa, o que não impede que se admita a
aplicação de medidas coercitivas em face de terceiros quando a obrigação for de outra
natureza. Isso porque a celeuma que havia centrava-se sobre a possibilidade de terceiro
sofrer consequência negativa decorrente de decisão judicial em processo no qual não
figura como parte, de modo que não seria a natureza da obrigação suficiente para
fundamentar solução jurídica diversa neste particular.
Nesse ponto, a definição da natureza jurídica das astreintes previstas no processo
civil brasileiro tem um papel determinante: ao se limitar sua natureza às astreintes
francesas, ligadas diretamente à obrigação firmada entre as partes, oriunda então do direito
material, seria impossível a aplicação das astreintes em face de terceiros, que não
poderiam ser afetados por um negócio jurídico ao qual não se obrigaram. Por outro lado,
caso se entenda a astreinte brasileira como categoria jurídica própria que, além de servir
para compelir o devedor ao cumprimento de obrigações oriundas de negócios jurídicos
firmados entre as partes, também se destina à coerção de obrigações de natureza legal e/ou
210
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
117.
211
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 156.
212
“Art. 403. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz ordenar-lhe-á que
proceda ao respectivo depósito em cartório ou em outro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias,
impondo ao requerente que o ressarça pelas despesas que tiver.
Parágrafo único. Se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se
necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa
e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a
efetivação da decisão.”
78
judicial – posição que se adota nesta pesquisa. Nesse caso, conceber-se-ia como possível a
cominação de astreintes em face de terceiros, desde que destinatários da ordem judicial
que se deseja compelir ao cumprimento.
É importante perceber, especialmente após o advento da regra do artigo 139,
inciso IV, do CPC, que o comando judicial ao qual se comina a multa astreinte não está
necessariamente vinculado ao devedor original da obrigação principal que objetiva a
demanda, mas àquela pessoa capaz de cumprir o comando judicial, que pode ou não ser
devedora principal e consequentemente parte no processo. Isso não significa abandono
completo às origens francesas do instituto, mas uma adaptação à realidade e à
complexidade próprias do sistema jurídico nacional, que acabara por alargar sua hipótese
de incidência para além do que se desenhara na criação do instituto pelo sistema francês, a
exemplo da própria legislação daquele país, que foi, ao longo dos anos, adaptando as
astreintes às necessidades e às realidades forenses.
Movimento semelhante se observa em outros países que adotam as mesmas
medidas coercitivas, como é o caso da Argentina, cujo ordenamento expressamente prevê
a possibilidade de incidência das astreintes em face de terceiro.213
Com base nesses argumentos, Olavo de Oliveira Neto considera cabível, ainda
que em casos excepcionais, a aplicação de astreintes em face de auxiliares da justiça e até
mesmo de magistrado ou representante do Ministério Público e advogados quando agirem
com excesso ou desvio de finalidade.214
Assim, concebe-se como possível a fixação de multa astreinte em face de
terceiros, desde que sejam os destinatários da obrigação cominada e, naturalmente, desde
que os demais requisitos necessários à aplicação do instituto também estejam presentes.
Evidentemente, nesse caso, o terceiro adquirirá a qualidade de interessado, passando a
ostentar legitimidade recursal para questionar a decisão que lhe imponha tal gravame.
admitam a aplicação de multa em face do autor defendem que, neste caso, não se estaria a
falar de astreinte porque tal multa se prestaria apenas para forçar o cumprimento de tutela
específica da obrigação.
O fato jurídico que deu origem às astreintes é a busca da tutela específica devida
ao autor. As astreintes, como já se definiu anteriormente, constituem técnica de
tutela. Ora, se imposta contra o autor, não estará buscando a tutela para direito
algum, mas tão-somente assegurando (ou buscando assegurar) o cumprimento
de uma decisão judicial, o que não constitui direito do juiz, mas manifestação de
seu poder de imperium. 215
215
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 102.
216
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p.
624.
80
217
“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos
aqueles que de qualquer forma participem do processo: [...] § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI
constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e
processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a
gravidade da conduta.”
“Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado
que: [...] Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa em montante não superior a
vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente,
exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material.”
“Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo
leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados
procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a
possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos. [...]§ 6º Considera-se ato atentatório à dignidade da
justiça a suscitação infundada de vício com o objetivo de ensejar a desistência do arrematante, devendo o
suscitante ser condenado, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, ao pagamento de multa, a ser
fixada pelo juiz e devida ao exequente, em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do
bem.”
218
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 155.
81
diferencial suficiente para permitir a cumulação das medidas: enquanto o crédito resultante
das astreintes cabe ao credor da obrigação cominada, o valor das demais multas, ao menos
em parte, reverte-se ao Estado.219
A situação quanto a perdas e danos não é diferente. O CPC/15, no artigo 500220,
prevê expressamente a possibilidade de cumulação da multa astreinte com indenização por
perdas e danos e/ou a exigência de cláusula penal substitutiva. Essa previsão legal adere às
razões já expostas nesta pesquisa, na seção 2.3.6, quando se demonstrou a possibilidade de
cumulação de astreintes com cláusula penal.
219
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 156.
220
“Art. 500. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para
compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação.”
221
CORIPUNA, Andrea Yahaira Ochoa. Límites de las multas coercitivas en el derecho comparado y su
regulación en el Perú. Revista de la Maestría en Derecho Procesal, Lima, Peru, v. 8, n. 1, p. 217-238,
2020. p. 235.
82
do quantum da multa cominatória, que deve ser suficiente e compatível com a obrigação.
Ao citar o termo “suficiente”, percebe-se que o legislador teve a intenção de fixar um
patamar suficiente para compelir o devedor ao adimplemento da multa cominada, a fim de
que o poder de coerção da medida fosse bastante para não ser ignorada. Quanto à
expressão “compatível com a obrigação”, acredita-se que a intenção seja fixar valor
compatível com a obrigação para não se tornar nem tão ínfimo nem tão excessivo,
proporcionalmente à obrigação principal ensejadora da medida.
Em suma, a exemplo do que ocorre na fixação de danos extrapatrimoniais, a
quantificação das astreintes é deferida ao prudente arbítrio do juízo, consideradas as
características de cada caso concreto, conforme precedentes do Superior Tribunal de
Justiça. 222
A discricionariedade na fixação das astreintes, inclusive, é traço comum na
maioria dos países que preveem multas como meio de pressão ao cumprimento das
obrigações, como na Itália, por exemplo.223
Para poder avaliar com precisão a suficiência do valor da astreinte, o primeiro
ponto a observar talvez seja a capacidade econômica do devedor da obrigação principal
cominada, que se reflete na sua capacidade de resistência à referida medida processual.224
É o que defende Araken de Assis quando assevera que no momento da fixação do valor
deve-se considerar o patrimônio do devedor, de modo que “quanto mais rico, maior o
valor da pena – e a magnitude da provável resistência, preocupando-se apenas em
encontrar um valor exorbitante e despropositado, inteiramente arbitrário, capaz de ensejar
o efeito pretendido pelo credor”225.
Com base na aferição da capacidade de resistência econômica do devedor, pode-
se, além de garantir a efetividade da medida, ou seja, o cumprimento da obrigação
principal, garantir que não se onere o devedor além do necessário, “mesmo porque não
interessa inviabilizar a possibilidade de pagamento, que acabaria desnaturando a natureza
222
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de astreintes no NCPC. In: CAZZARO, Kleber (org.).
Estudos de direito processual à luz da Constituição Federal: em homenagem ao Professor Luiz
Rodrigues Wambier. Erechim: Deviant, 2017. p. 86.
223
SALETTI, Achille. Execução processual indiretra na reforma do Código de Processo Civil italiano desde
2009. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, n. 34, p. 505-
520, 2010.
224
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 137.
225
ASSIS, Araken de. Reforma do processo executivo, p. 498.
83
coercitiva da medida”226.
Além da capacidade financeira do devedor, deve-se atentar, cumulativamente,
para a relevância do bem jurídico227 em questão, o que não significa necessariamente o
valor do objeto da obrigação principal, até porque, tão maior deverá ser o valor fixado
quanto impagável for o bem jurídico que se busca tutelar, como vida, saúde, entre outros
bens não sujeitos à valoração econômica.
Naturalmente, mesmo os bens jurídicos passíveis de aferição econômica, o valor
da multa deve adequar-se ao valor do objeto litigioso, de modo a torná-la proporcional ao
bem a ser tutelado, sem que, contudo, a ele se limite.
Nesse sentido, é necessário que se adeque o valor da multa de modo a não lhe
retirar o poder coercitivo, sem contudo fixar quantia inviável de ser suportada pelo
devedor: “El monto debe ejercer una presión psicológica hacia el deudor, ello con la
finalidad de vencer su resistencia, pero – como se mencionó en la primera consideración-
debe estar dentro de sus posibilidades de pago.”228.
A partir desse binômio – valor da multa/capacidade de coerção –, a quantia a ser
fixada, segundo Araken de Assis, deve ser realmente alta para que tenha força necessária
para atingir o seu escopo.229
Esse posicionamento também é defendido por Nelson Nery Junior e por Rosa
Maria de Andrade Nery230 quando asseveram que “o valor deve ser significativamente
alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o
valor em quantia alta, pensando no pagamento”, sob pena de frustrar a função
intimidatória das astreintes, tornando mais vantajoso para o devedor a desobediência da
ordem cominada.231
Há, por outro lado, doutrinadores mais conservadores que preferem apegar-se a
outro vértice do mencionado binômio, emprestando maior prestígio à compatibilidade da
multa com a obrigação principal, inclusive para não figurar como elemento limitador do
226
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 287.
227
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 184.
228
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa, p. 223.
229
ASSIS, Araken de. Reforma do processo executivo, p. 498.
230
NERY JUNIOR, Nelson e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado. 6.
ed. São Paulo: RT, 2002. p. 764.
231
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil. p. 82.
84
O autor chega a fixar patamar máximo para a multa cominatória com a seguinte
declaração: “atrevo-me, pois, a sustentar que, nas obrigações de fazer ou de não fazer, de
conteúdo patrimonial, não se poderá cobrar do devedor mais do que duas vezes o valor da
obrigação: uma para satisfazer o credor; a outra por sua resistência ao mandado
judicial”233.
Nesses argumentos, ainda que timidamente, percebe-se que há uma comparação
de astreinte com cláusula penal, distinção que já foi realizada neste trabalho, asseverando
que o seu quantum deveria ser limitado ao valor da causa, em análise analógica ao art. 412
do Código Civil.
É bem verdade que no modelo germânico a multa é limitada em 25 mil euros por
pedido. Por outro lado, a recalcitrância do devedor – ao revés do que se observa em países
que adotam a matriz francesa de coercibilidade – pode levá-lo à prisão por até seis meses
ou até que a obrigação seja satisfeita. 234 Assim, a diferença de natureza entre as medidas e
a clara predileção do modelo brasileiro pelo sistema francês afastam a possibilidade de
utilizar o modelo alemão neste particular.
Como defendido anteriormente, a multa astreinte será tão alta ou até nem chegar
a incidir, de modo que se ela está a ser cobrada, salvo o caso de impossibilidade de
cumprimento da medida – que deveria resultar na revogação das astreintes –, a sua
incidência é sintoma de sua ineficiência, o que, na maioria das vezes, está relacionada com
o valor ínfimo que fora fixado.
O que se pode concluir, nessa seara, é que o magistrado deve, atendendo ao
casuísmo de cada situação: (i) estabelecer valor que seja ao mesmo tempo suficiente para
232
TESHEINER, José Maria. Limites da coerção judicial (limites do art. 461 do CPC). Disponível em:
http://www.tex.pro.br/wwwroot/curso/execucao/limitesdacoercaojudicial.htm. Acesso em: 19 jun. 2007.
233
TESHEINER, José Maria. Limites da coerção judicial (limites do art. 461 do CPC). Disponível em:
http://www.tex.pro.br/wwwroot/curso/execucao/limitesdacoercaojudicial.htm. Acesso em: 19 jun. 2007.
234
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 164.
85
235
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 282.
236
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa.
86
priori da quantia não parece ser a melhor alternativa, senão a menos trabalhosa, por assim
dizer.
Não se deve olvidar que, enquanto não transitada em julgada, a decisão, ou ao
menos o capítulo da sentença da decisão que determinou o cumprimento da obrigação
principal, da qual a multa fixada é acessória, as astreintes podem ser ajustadas, reduzidas
ou até mesmo revogadas. Em outras palavras, a limitação das astreintes pode e deve
acontecer em alguns casos, porém de forma retrospectiva, posterior ao acontecimento dos
fatos e após a cognição exauriente, quando o magistrado será capaz de avaliar com mais
aptidão o comportamento processual das partes e a possibilidade de cumprimento da
obrigação cominada.
Limitar o valor final de multa de forma apriorística serve apenas para criar um
mecanismo de segurança capaz de garantir que caso a análise retrospectiva não seja
realizada – seja porque o magistrado entendeu que não deveria fazê-lo, ou por mero
esquecimento – o valor da multa não alcance valores elevados.
Como defendido nesta pesquisa, salvo o caso de impossibilidade de cumprimento
da medida – que deveria resultar na revogação das astreintes – a sua incidência é sintoma
de ineficiência, o que, na maioria das vezes, está relacionada com o valor ínfimo que fora
fixado e não com eventual excesso na fixação. Assim, a limitação a priori do valor final
da multa astreinte atua como espécie de limitador artificial de sua incidência, que além de
desvirtuar o caráter coercitivo da medida prejudica a sua eficácia.237
Nesse sentido, autores como Newton Coca Bastos Marzagão238, Diego Henrique
Nobre de Oliveira239, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel
Mitidiero240, e Antônio Pereira Gaio Junior241 rechaçam a possibilidade de limitação da
multa diária, seja a um valor arbitrado pelo magistrado, seja com base no valor da
obrigação principal.
É justamente o seu caráter coercitivo e acessório, e não indenizatório ou
sancionatório, que fundamenta a sua desvinculação em relação ao valor da obrigação
237
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de astreintes no NCPC. Estudos de Direito
Processual à Luz da Constituição Federal, p. 72.
238
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica– atualizado com o novo
CPC 2015, p. 211.
239
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 276.
240
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 216.
241
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 93.
87
duplicado”249.
Esse é, pois, um expediente cada vez mais comum no dia a dia dos tribunais pois,
“mesmo inexistindo limitação legislativa para a incidência das astreintes, o Superior
Tribunal de Justiça possui entendimentos divergentes sobre o tema”, tanto é que “a 4ª
Turma já referiu, em diversas ocasiões, a necessidade de se fixar um teto máximo para a
cobrança da multa, não devendo o valor total se distanciar do valor da obrigação
principal”250, o que revela certo desapreço por sua natureza jurídica na medida em que
limita o seu poder coercitivo e lhe dá uma feição indenizatória que ela não possui.
249
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 288.
250
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 103.
89
251
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1996. p. 9.
252
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2018. p. 26.
90
253
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria Geral do Processo, p. 26.
254
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica.
255
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 220.
256
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 222.
91
257
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 224.
258
DOUTOR, Maurício. Medidas executivas atípicas na execução por quantia certa: diretrizes e limites
de aplicação. Belo Horizonte: Dialética, 2021.
259
MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos
fundamentais. Revista Peruana de Derecho Procesal, Lima, Peru, n. 7, p. 199-258, 2004. Disponível em:
http://www.marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2012/04/PROF-MARINONI-MARINONI-O-DIREITO-
92
[...] Tal direito fundamental, por isso mesmo, não requer apenas técnicas e
procedimentos adequados à tutela dos direitos fundamentais, mas sim técnicas
processuais idôneas à efetiva tutela de quaisquer direitos. De modo que a
resposta do juiz não é apenas uma forma de se dar proteção aos direitos
fundamentais, mas sim uma maneira de se dar tutela efetiva a toda e qualquer
situação de direito substancial, inclusive aos direitos fundamentais que não
requerem proteção, mas somente prestações fáticas do Estado (prestações em
sentido estrito ou prestações sociais).263
%C3%80-TUTELA-JURISDICIONAL-EFETIVA-NA-PERSPECTIVA-DA-TEORIA-DOS-DIREITOS-
FUNDAMENTAIS.pdf. Acesso em: 6 maio 2020. p. 13.
260
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes: [...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
261
“Art. 8º Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável,
por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações
de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”
262
CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. 1. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1988. p. 11.
263
MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos
fundamentais. Revista Peruana de Derecho Procesal, Lima, Peru, n. 7, p. 199-258, 2004. Disponível em:
http://www.marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2012/04/PROF-MARINONI-MARINONI-O-DIREITO-
%C3%80-TUTELA-JURISDICIONAL-EFETIVA-NA-PERSPECTIVA-DA-TEORIA-DOS-DIREITOS-
FUNDAMENTAIS.pdf. Acesso em: 6 maio 2020. p. 2.
93
direito. Sendo assim, cabe ao Estado garantir a tutela jurisdicional adequada para
viabilizar o alcance do direito reconhecido. Essa ideia encontra correspondência em
ordenamentos estrangeiros, como o mexicano, de onde se extrai a ideia de que “la
sentencia, no sólo como una fuente de obligaciones sino como un mandato que emana de
la autoridad jurisdiccional, debe ser cumplida, y no solamente cumplida sino
oportunamente cumplida”264.
Do ordenamento jurídico peruano também se extrai a ideia de tutela jurisdicional
efetiva enquanto direito fundamental e ela igualmente deve materializar-se no plano
processual:
264
NAVARRO, Leticia Eugenia López. Las astreintes: remédio eficaz para la oportuna ejecucíon de las
sentencias. Mexico: Universidade de Guadalajara, 2011. (Coleção Graduados 2010 – Serie Sociales y
Humanidades). p. 20.
265
PANEBRA ALVAREZ, Janet Ingrid; FERNANDEZ BONIFACIO, Yovana. La ausencia del apremio
civil en la ejecución de las obligaciones dinerarias afecta el derecho a la tutela jurisdiccional efectiva y el
derecho del acreedor reconocidos en el código civil peruano. Repositório Institucional da Universidad
Nacional San Antonio Abad del Cusco, Cusco, 2020. p. 48-49.
266
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos.
267
As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Isso quer dizer não
apenas que os direitos fundamentais não dependem de normas infraconstitucionais, mas também que os
órgãos públicos estão a eles vinculados. Ou melhor, que os órgãos públicos estão vinculados ao conteúdo
dos direitos fundamentais. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos.
94
obrigação assumida e não cumprida, desde que reparasse financeiramente o dano causado
pelo seu inadimplemento. Assim, o devedor “tinha uma espécie de direito de não cumprir
o próprio dever, desde que pagasse por isso. Tinha o direito de, por assim dizer, comprar o
seu dever, como se toda prestação pudesse ser convertida em dinheiro”271.
Esse era o resultado do dogma de origem romana, e que fazia todo sentido na
França pós-revolução, quando se passou a priorizar o bem jurídico da liberdade acima de
quase todas as coisas, e que não poderia ser violado a pretexto de realização de direito
material. Dessa forma, no lugar de se forçar o devedor ao cumprimento de uma obrigação
contra a sua vontade, violando de algum modo a sua liberdade, optava-se pela conversão
das obrigações de conteúdo não pecuniário em perdas e danos; a exigibilidade passava a
recair sobre o patrimônio do devedor por meio de medidas expropriatórias e não mais
sobre a sua pessoa.272
Conforme pontua Eduardo Talamini, justamente por isso é que, naquele sistema,
“não se concebiam condenação e execução específicas. Obrigações de entrega de coisa, de
fazer e de não fazer convertiam-se em pecúnia, através de procedimento intitulado
arbitrium litis aestimandi”273, ou seja, estimando-se o valor da condenação em dinheiro.
Essa forma de encarar a resolução das inadimplências no direito das obrigações
revela, na visão de Luiz Guilherme Marinoni, que o Estado neutraliza o valor dos bens,
incutindo a ideia de que o processo civil se mostra indiferente à vida, às pessoas e aos seus
direitos.274
A complexidade das relações sociais foi gradualmente demonstrando que nem
sempre o direito objeto da obrigação poderia ser recomposto de forma satisfatória com o
seu equivalente em pecúnia. Além disso, chegou-se à conclusão de que a execução forçada
da obrigação anteriormente assumida e inadimplida não representaria ofensa ao direito de
liberdade, mas a certeza de que as declarações de vontade seriam garantidas pelo
Estado.275
271
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 72.
272
CANTOARIO, Diego Martines Fervenza. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer no novo
CPC: primeiras observações. In: JUNIOR DIDIER, Fredie (coord.). Execução. Salvador: JusPodivm, 2016.
p. 210.
273
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 44.
274
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 264.
275
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 12.
96
276
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 264.
277
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 568.
278
MICHELL, M. P. Imperium by the back door: the streinte and the enforcement of contractual obligations
in France. U. Toronto Fac. L. Rev., Toronto, v. 51, p. 250, 1993. p. 250.
279
Essa regra viria a ser relativizada por expressas previsões legais, como nas legislações que concedem
parcelamento de débito tributário e, no âmbito do direito privado, com o parcelamento legal inserido no art.
745-A do CPC/73 pela Lei 11.382/2006, mantido no CPC/15, que permitia ao devedor, ainda que sem aceite
do credor, o pagamento de título executivo extrajudicial mediante o depósito de 30% da quantia, seguida
pelo pagamento do saldo em seis parcelas mensais.
97
280
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2020. v. III. p. 169.
281
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações, p. 173.
282
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 263.
283
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 357.
284
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 286.
98
285
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 230.
286
CANTOARIO, Diego Martines Fervenza. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer no novo
CPC: primeiras observações. In: JUNIOR DIDIER, Fredie (coord.). Execução, p. 211.
287
ZACARELLA, Peterson; COUTO, Mônica Bonetti. Horizontes da prisão civil nas tutelas das obrigações
de fazer, não fazer e entregar coisa certa no direito processual civil brasileiro: esvaziamento ante a súmula
vinculante 25/STF? In: IOCAHAMA, Celso Hiroshi; SALDANHA, Jânia Maria Lopes (coord.). Processo e
jurisdição. Curitiba: Clássica, 2014. v. 31. p. 272.
288
ARENHART, Sérgio Cruz. A intervenção judicial e o cumprimento da tutela específica. Revista
Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco, Recife, p. 261-276, 2013. Disponível em:
https://revista.jfpe.jus.br/index.php/RJSJPE/article/view/30. Acesso em: 2 jun. 2020. p. 263.
289
MEIRELES, Edilton. Medidas sub-rogatórias, coercitivas, mandamentais e indutivas no Código de
Processo Civil de 2015. In: JUNIOR DIDIER, Fredie (coord.). Execução. Salvador: JusPodivm, 2016. p.
196.
99
O autor lembra que a multa (espécie de tutela indireta) pode preferir a busca e
apreensão (espécie de tutela direta), quando, por exemplo, aquela for mais econômica.293
Humberto Theodoro Junior complementa a ideia afirmando que é possível a
cumulação de medidas diretas e indiretas desde que ocorra de forma sucessiva e não
simultânea, pois “não terá sentido persistir a cominação de multa diária depois que a obra
for efetivamente confiada à realização do credor ou de alguém por ele contratado, pela via
da execução específica das obrigações fungíveis” 294.
Cabe frisar que o relativo sucesso das técnicas indiretas quanto à efetividade dos
títulos judiciais motivou a sua ampliação no Código de Processo Civil de 2015. O
290
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Coisa julgada, efeitos da sentença, “coisa julgada inconstitucional”
e embargos à execução do art. 741, par. ún. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa
julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008.
291
CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da patrimonialidade da execução e os meios executivos
atípicos: lendo o art. 139, IV, do CPC. Revista Diálogos, Ceará, v. 2, n. 1, p. 84-94, 2016. Disponível em:
http://ojs.fapce.com.br/index.php/dialjurifap/article/view/36. Acesso em: 2 jun. 2020. p. 87.
292
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 305.
293
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 305.
294
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 30. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2020. p. 827.
100
295
BORGES, Marcus Vinicius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV do CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
296
CARVALHO, Luiz Camargo Pinto de. Saisine e astreinte. Revista da EMERJ. Disponível em:
http://www.emerj.rj.gov.br/estpublic/revista/revista27/rev27.htm. Acesso em: 14 mar. 2007. p. 331.
297
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 101.
298
CANTOARIO, Diego Martines Fervenza. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer no novo
CPC: primeiras observações. In: JUNIOR DIDIER, Fredie (coord.). Execução, p. 232.
299
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 425.
101
300
PANEBRA ALVAREZ, Janet Ingrid; FERNANDEZ BONIFACIO, Yovana. La ausencia del apremio
civil en la ejecución de las obligaciones dinerarias afecta el derecho a la tutela jurisdiccional efectiva y el
derecho del acreedor reconocidos en el código civil peruano. Repositório Institucional da Universidad
Nacional San Antonio Abad del Cusco, Cusco, 2020. p. 105-106.
301
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC, p. 110.
302
Apud MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o
novo CPC 2015, p. 228.
303
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
141.
304
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
73.
102
A juicio de los hermanos Mazeaud (1969), son las Astreintes de menor eficacia,
porque: El deudor sabe que el día en que se decida a cumplir no será condenado
a otra cosa que reparar el daño causado. ¿Por qué se apresurará a cumplir el
deudor? […] Sabe que la conminación es una simple amenaza que no irá
seguida de ejecución (p. 222-223). Para los hermanos Mazeaud (1969), de esta
forma ‘el deudor conoce así el precio de su desobediencia’.306
Com bases nesses argumentos, é natural que a ameaça causada pela imposição
das astreintes, além de real, deva ser iminente para que possa alcançar os fins esperados
com a aplicação da medida. Nesse sentido, a exequibilidade das astreintes encontra estreita
ligação não só com o seu escopo, mas também com o próprio dever de eficiência dos
provimentos jurisdicionais e a ideia de tutela jurisdicional efetiva.
305
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 239.
306
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa, p. 222.
103
Por outro lado, defender a incidência da multa no próprio dia de seu vencimento
contraria, de certo modo, a regra geral de contagem de prazos do direito civil brasileiro, de
307
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 248.
308
WAMBIER, Luis Rodrigues e outros. Curso avançado de processo civil. 13. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. v. 1. p. 280.
309
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 499.
310
ASSIS, Araken de. Reforma do processo executivo, p. 498.
311
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 493.
312
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 112.
313
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do. Agravo de Instrumento nº 598172435.
Relator: Des. Francisco José Moesch, Vigésima Primeira Câmara Civel. Porto Alegre, RS, 28 dezembro
1998. Publicação DJ 10/11/1998.
104
modo a permitir a exigibilidade de uma sanção mesmo antes do prazo final para o
cumprimento da obrigação principal.314
A questão acerca da incidência das astreintes foi prevista expressamente pelo
CPC/15, no parágrafo 4º, do art. 537, nos seguintes termos: “§ 4o A multa será devida
desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for
cumprida a decisão que a tiver cominado”.
A disposição legal mencionada, de certo modo, não serviu para fulminar antigas
celeumas acerca do tema. Isso porque, continua a polêmica acerca da expressão “desde o
dia em que se configurar o descumprimento da decisão”, admitindo-se duas interpretações:
uma, que a configuração do descumprimento se dá no próprio dia em que a obrigação não
restou cumprida; outra que só se poderá configurar descumprida a obrigação no dia
seguinte ao prazo final para o seu cumprimento.
Outro tema que desperta alguma divergência diz respeito ao início da contagem
do prazo para o cumprimento da obrigação principal; se a partir da intimação pessoal do
devedor, ou se a partir da juntada do referido mandado aos autos.
Guilherme Rizzo Amaral315 e Rafael Caselli Pereira316, quanto ao prazo para
cumprimento da obrigação, são favoráveis à aplicação da regra de contagem de prazo
material, que passa a incidir no dia posterior ao recebimento do mandado,
independentemente de ser dia útil. Por outro caminho, segundo André Bragança Brant
Vilanova, o prazo só fluiria no dia útil subsequente à juntada do mandado aos autos.317
O entendimento sustentado pela primeira corrente parece ser o mais adequado,
pois enquanto ordem de natureza material (obrigação de fazer, de não fazer, de entregar
coisa ou pagar), o prazo para o seu cumprimento deve contar a partir do momento em que
o devedor é cientificado, independentemente da juntada do respectivo mandado aos autos.
A data do aporte do mandado aos autos terá efeitos meramente processuais, como no caso
da contagem de prazo recursal, por exemplo, o qual, por ostentar natureza processual, só
teria seu início a partir do dia útil após a juntada do expediente aos autos.
314
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 91.
315
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 145.
316
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 162.
317
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 120.
105
318
Enunciado de Súmula 401 do STJ: “a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária
para a cobrança da multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.” Rel. Ministro Aldir
Passarinho, em 25/11/2009.
319
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 173.
320
“§ 4º Se o requerimento a que alude o § 1º for formulado após 1 (um) ano do trânsito em julgado da
sentença, a intimação será feita na pessoa do devedor, por meio de carta com aviso de recebimento
encaminhada ao endereço constante dos autos, observado o disposto no parágrafo único do art. 274 e no § 3º
deste artigo.”
321
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 181.
106
322
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 181.
323
“Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja
existência supõe a do principal.”
107
324
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 114.
325
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento, p. 223.
326
Assim, durante o prazo para interposição do recurso, já existe, em certa medida, o efeito suspensivo, que
se prolongará até o julgamento do recurso efetivamente interposto, ao qual, a lei confirma efeito suspensivo.
Olhando o fenômeno por outro ângulo, poder-se-ia dizer que o que ocorre durante o prazo que vai da
publicação da decisão até o escoamento do termo para a interposição do recurso é a suspensão dos efeitos da
sentença, não por incidência do efeito suspensivo do recurso, mas porque a eficácia imediata da decisão fica
sob a condição suspensiva de não haver interposição de recurso que deva ser recebido no efeito suspensivo.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 383-384.
108
327
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 112.
328
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 506.
109
em que não chegará sequer a incidir, tendo em vista que mesmo antes do início do seu
termo inicial a obrigação cominada já não era possível de ser cumprida pelo devedor.329 É
importante que tal situação seja devidamente arguida pela parte devedora no bojo da ação
judicial em que a multa astreinte foi fixada, sob pena de ser impedida de alegá-la
posteriormente em face da preclusão consumativa e posterior transformação em coisa
julgada. Exceção a essa regra ocorrerá quando a impossibilidade de cumprimento da
obrigação se der por causa superveniente ao trânsito em julgado, quando tal situação
poderá ser alegada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, conforme prevê
o artigo 525, parágrafo 1º, inciso VII, do CPC/15.
Por fim, cabe analisar se a opção do credor pela resolução da obrigação em
perdas e danos é capaz de interromper a incidência das astreintes. Trata-se de tema em que
se verifica certa discrepância de opiniões na doutrina nacional com uma parte dos juristas
defendendo a ideia de que a opção pela conversão da obrigação em perdas e danos por si
só já implicaria o fim da incidência das astreintes, enquanto outra parcela, formada por
corrente minoritária, assevera que a incidência das astreintes só teria fim após o efetivo
cumprimento da resolução da obrigação em perdas e danos.
Entre os autores que defendem o entendimento dominante, pode-se citar
Humberto Theodoro Junior, para quem a insistência na aplicação das astreintes até o
pagamento das perdas e danos não faria sentido.330
Teoria Albino Zavascki, nesse sentido, sustenta que “a desistência da prestação
importará, também, na desistência do seu meio executivo típico”331, deixando assim de
incidir as astreintes na medida em que a perseguição pelo direito do credor se dará pela via
da liquidação – se necessária – e posterior execução de quantia certa. Guilherme Rizzo
Amaral332 corrobora o ensinamento de Zavascki, mas ressalva a possibilidade de se exigir
o pagamento da multa vencida até a data da conversão da obrigação em pecúnia.
Muito embora, como frisado antes, o entendimento exposto acima venha sendo o
mais adotado pela doutrina pátria há de se destacar o pensamento da outra corrente, que
considera a incidência da astreinte até o alcance efetivo do resultado prático decorrente da
conversão da obrigação em perdas e danos, ou seja, o real pagamento de quantia apurada
329
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 120.
330
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 527.
331
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, p. 505.
332
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 118.
110
em juízo.
Na vanguarda dessa corrente doutrinária, encontra-se José Carlos Barbosa
Moreira333, para quem, mesmo se resolvida a obrigação em perdas e danos, a multa
incidirá “até que o credor embolse o respectivo quantum, como equivalente pecuniário da
prestação originariamente devida”334.
Conforme abordado na seção 2.4.4 desta pesquisa, adota-se aqui o entendimento
de que seria possível a cominação de multa astreinte para compelir o devedor ao
cumprimento de obrigação de pagar quantia certa, o que, em tese, permitiria a incidência
da multa até que fosse adimplida a quantia devida a título de perdas e danos. A questão,
entretanto, é um pouco mais complexa.
De início, não se pode olvidar que quando convertida a obrigação original em
perdas e danos, esta terá sua natureza alterada de obrigação de fazer, de não fazer, de dar
ou prestar declaração de vontade para obrigação de pagar quantia certa. Significa dizer que
a multa fixada para o cumprimento da obrigação originária não se mantém vigente de
forma automática, isso em virtude de sua cominação para o caso de descumprimento da
primeira obrigação (originária) e não da segunda (acessória). Assim, para que se possa
admitir a incidência de astreintes até o pagamento das perdas e danos, entende-se
imprescindível que esta possibilidade conste de decisão expressa nesse sentido, sob pena
de ver-se interrompida a incidência da multa no momento em que for convertida a
obrigação em perdas e danos.
Outra nuance importante se refere ao motivo pelo qual a obrigação se converteu
em perdas e danos. No direito brasileiro, admite-se a conversão em perdas e danos por
dois motivos: aceite do credor ou impossibilidade de cumprimento da obrigação
original.335 Nos demais casos, ou seja, quando a obrigação apesar de inadimplida ainda
puder ser cumprida pelo devedor, é cabível a tutela jurisdicional na forma específica da
obrigação contratual, o que consiste em “dar ao credor o bem que ele contratou, e não o
seu equivalente em pecúnia”336.
Como apresentado anteriormente, a impossibilidade de cumprimento da
obrigação principal leva à paralisação da incidência da multa astreinte, independentemente
333
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento, p. 220.
334
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento, p. 220.
335
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 173.
336
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 263.
111
337
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 215.
338
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 110.
113
341
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, p. 157.
342
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 107.
343
LAMY, Eduardo de Avelar. Tutela provisória.
116
344
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 91.
345
FURTADO, Karine Torres. A possibilidade de concessão de ofício da tutela antecipada diante da
ausência de previsão expressa no art. 273 do CPC. Revista da ESMESC, Florianópolis, v. 17, n. 23, p. 285-
320, 2010.
346
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial (AgRg no RESP) n.
1099103 RJ 2008/0230060-7. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, T1 – Primeira Turma. Brasília,
DF, 10 de agosto de 2010. Publicação DJe 30/08/2010.
347
SOUZA, Caroline Melchiades Salvadego Guimarães de et al. A possibilidade de redução da multa
117
coercitiva com fundamento no duty to mitigate the loss. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de
Janeiro, v. 19, n. 2, p. 67-83, 2018.
348
FRUTUOSO, Cecília Rodrigues. A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda.
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3059. Acesso em: 13 nov. 2020. p. 18.
349
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 205.
118
350
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 228.
351
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
141.
352
GOMES JUNIOR, Luis Manoel. Execução de multa – art. 461, § 4º, do CPC – e a sentença de
improcedência do pedido. In: SHIMURA, Sérgio; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Processo de
execução, p. 137.
353
ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 508.
354
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 500.
119
obrigação cominada uma obrigação autônoma, apta a gerar consequências jurídicas entre
as partes, independentemente da resolução quanto ao objeto principal da lide:
Assim sendo, se o réu não atender à decisão eficaz do juiz, estará desrespeitando
a sua autoridade, ficando submetido ao pagamento da multa pecuniária
arbitrada, independentemente do resultado definitivo da demanda. Em sendo a
decisão que impôs a multa posteriormente revogada, seja por sentença ou por
acórdão, ou mesmo por outra decisão interlocutória, em nada restará
influenciado aquele dever que havia sido anteriormente imposto ao réu. As
ordens judiciais devem ser obedecidas durante o período em que são vigentes, e
as partes que não as obedecerem estarão sujeitas às sanções cominadas.
José Roberto dos Santos Bedaque também defendia que a astreinte fixada
liminarmente pode ser executada de pronto, mesmo que o processo principal ainda esteja
em curso. Isso porque, “embora inexistente a tutela final, a multa está vinculada ao
provimento antecipatório e pode ser exigida desde logo, pois decorre objetivamente do não
atendimento ao comando nele contido”355.
Nesse diapasão, colhem-se os ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira, que
assim disserta sobre a exigibilidade das multas cominatórias:
355
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de
urgência (tentativa de sistematização). São Paulo: Malheiros, 1998. p. 367.
356
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento, p. 220.
357
GOMES JUNIOR, Luis Manoel. Execução de multa – art. 461, § 4º, do CPC – e a sentença de
improcedência do pedido, p. 137.
120
O juiz concedeu uma liminar, determinando que essa decisão fosse cumprida e a
parte não cumpriu. Se, posteriormente, chegou-se à conclusão que não era caso
de cumprimento, que a ação foi julgada improcedente, não importa no momento.
O importante é que o juiz deu uma liminar e a parte descumpriu, quando tinha
que cumprir, sob pena de prisão, porque estava desobedecendo a uma ordem
judicial.359
358
BUENO, Cassio Scarpinella Bueno. Curso sistematizado de direito processual civil 3 - Tutela
jurisdicional executiva. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 551.
359
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 220.982/RS. . 1999/0057692-6.
Relator: José Delgado, T1 – Primeira Turma. Brasília, DF, 22 de fevereiro de 2000.
Publicação 03/04/2000. O mesmo entendimento foi adotado por um bom tempo pelo STJ,
como observado nos julgamentos dos seguintes casos: AgRg no Ag 1025234/SP, DJ de
11/09/2008; AgRg no Ag 1040411/RS, DJ de 19/12/2008; REsp 1067211/RS, DJ de
23/10/2008; REsp 973.647/RS, DJ de 29.10.2007; REsp 689.038/RJ, DJ de 03.08.2007: REsp
719.344/PE, DJ de 05.12.2006; e REsp 869.106/RS, DJ de 30.11.2006.
360
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, p. 158.
361
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC, p. 110.
121
impôs. Essa visão se baseia no caráter acessório da astreinte, o que, segundo esses autores,
impediria que fosse exigida quando atrelada a uma obrigação principal passível ainda de
reforma.362
Nesse diapasão, a multa cominada liminarmente só seria exigível do réu após o
trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, ainda que se admita que tal obrigação é
devida desde o dia em que restou configurado o descumprimento 363
Como forma de refutar os argumentos sustentados pelos defensores da primeira
corrente aqui apresentada no sentido de que a efetividade da multa astreinte seria perdida
caso não admitida a sua execução de imediato, Luiz Guilherme Marinoni sustenta que não
seria exatamente a possibilidade de execução imediata o fator de coerção das astreintes:
362
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 227.
363
POP, Carlyle. Execução de obrigação de fazer. Curitiba, Juruá, 1995. p. 128.
364
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC, p. 110.
365
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: eexecução, p. 86.
122
A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que
configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela,
somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela
sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja
recebido com efeito suspensivo.368
Por fim, essa foi a tese que prevaleceu por ocasião controvérsia analisada pela
Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo
1.200.856/RS, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, que gerou o Tema n. 743/STJ:
A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que
configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela,
somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela
sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja
recebido com efeito suspensivo (REsp nº 1.200.856, Rel. Min. Sidnei Beneti,
DJe 17/9/2014).369
366
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 208.
367
“PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER EXECUÇÃO PROVISÓRIA. ASTREINTES.
POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
SÚMULA 83/STJ. 1. Verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, no
sentido da possibilidade de se proceder à execução provisória de astreintes. 2. ‘É desnecessário o trânsito em
julgado da sentença para que seja executada a multa por descumprimento fixada em antecipação de tutela.’
(AgRg no AREsp 50.816/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/8/2012, DJe
22/8/2012.) Agravo regimental improvido.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp.
1365017 RS 2013/0025575-1. Relator: Ministro Humberto Martins, Segunda Turma. Brasília, DF, 4 de abril
de 2013. Publicação DJe 15/04/2013.
368
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1183339 AM 2010/0032108-1. Relator: Ministro Marco
Aurélio Bellizze. Brasília, DF. Publicação: DJ 13/11/2014.
369
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE MULTA COMINATÓRIA FIXADA POR DECISÃO
123
370
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/2015, 3. ed., p. 311.
125
multa”371.
Por todos esses argumentos, come se suspeitou por ocasião do projeto desta
dissertação, as novas previsões legislativas inseridas no texto do CPC/15 atinentes à
matéria contribuiram para a superação do Tema 743 do STJ, ao menos no que tange às
ações analisadas sob a égide do CPC/15, conforme se verifica na decisão proferida pela
Terceira Turma, no bojo do REsp 1.958.679, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi:
Portanto, é forçoso reconhecer que, à luz do novo Código de Processo Civil, não
se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1200856/RS, porquanto o novo
Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa
cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito.373
Nesse ponto, vale ressaltar que o próprio STJ ao definir a tese menciona
expressamente o dispositivo que tratava do tema no Código revogado (artigo 461,
parágrafo 4º do CPC/73). Assim, a revisão do texto legal deve levar, inexoravelmente, à
revisão do tema, observadas as mudanças operadas pelo legislador.
Mesmo antes dessa decisão paradigmática, não obstante não se tivesse ainda
nenhum julgado da Corte Superior dedicado a rever o Tema 743 – ainda que para mantê-
lo, mesmo diante das novas evidências legais –, em julgados posteriores a 2016 a tese vem
sendo aplicada a casos em que a questão é analisada.374 O argumento é que se deve aplicar
371
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 636.
372
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 219.
373
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (RESP) n. 1.958.679 GO. Relatora: Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 25/11/2021. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/stj-admite-execucao-provisoria.pdf. Acesso em: 23 dez. 2021.
374
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp: 773941 SP 2015/0223811-7. Relator:
Ministro Antônio Carlos Ferreira, T4 – Quarta Turma. Brasília, DF, 9 de setembro de 2019. Publicação
DJe 12/09/2019; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp: 1540391/SP 2015/0152396-9.
Relator: Ministro Marco Buzzi, T4 – Quarta Turma. Brasília, DF, 16 de outubro de 2018. Publicação DJe
23/10/2018; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp: 1393844 SP 2013/0225571-5.
126
ao caso concreto a regra processual vigente à época – valendo lembrar que nos casos
analisados pela Corte vigia o CPC/73.
Da mesma forma, a superação desse precedente, por força da substancial
modificação legislativa aplicável ao tema, já ocorreu em tribunais estaduais, como no caso
de Santa Catarina, como se percebe no recente julgado de setembro de 2020, proveniente
da 6ª Câmara de Direito Civil:
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, T4 – Quarta Turma. Brasília, DF, 11 de junho de 2019. Publicação
DJe 27/06/2019.
375
“APELAÇÃO CÍVEL. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE DECISÃO. INTERLOCUTÓRIO
EXEQUENDO QUE IMPÔS À EXECUTADA OBRIGAÇÃO DE BAIXA DE NEGATIVAÇÃO DO
NOME DA PARTE AUTORA JUNTO A CADASTRO DE INADIMPLENTES. EXECUÇÃO DA
MULTA COMINATÓRIA. SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTA A EXECUÇÃO, SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO, DIANTE DA AUSÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO DA ANTECIPAÇÃO
DOS EFEITOS DA TUTELA POR JULGAMENTO DE MÉRITO. RECURSO DO EXEQUENTE.
ALEGADA PRESCINDIBILIDADE DA CONFIRMAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA PARA
EMPRESTAR EXEQUIBILIDADE AO TÍTULO. SUBSISTÊNCIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE
ASTREINTES QUE, NA VIGÊNCIA DO CPC/1973, PRESSUPUNHA A CONFIRMAÇÃO DA
TUTELA PROVISÓRIA POR SENTENÇA E A NÃO CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS
RECURSOS SUBSEQUENTES. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO TEMA DE RECURSOS
ESPECIAIS REPETITIVOS N. 743/STJ. EXEGESE SUPLANTADA, CONTUDO, COM A ENTRADA
EM VIGOR DA LEI ADJETIVA CIVIL DE 2015. NOVEL LEGISLAÇÃO QUE PREVÊ,
EXPRESSAMENTE, A EXEQUIBILIDADE IMEDIATA DA DECISÃO QUE ARBITRA MULTA
COMINATÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 537, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. EXEQUIBILIDADE PROVISÓRIA DAS
ASTREINTES RECONHECIDA. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS à ORIGEM PARA
RETOMADA DO ANDAMENTO DA EXECUÇÃO.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” SANTA
CATARINA. Tribunal de Justiça. APL: 00000258920208240059 TJSC 0000025-89.2020.8.24.0059.
Relatora: Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil. Florianópolis, SC, 15 de setembro de 2020.
Publicação DJ 16/09/2020.
127
376
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 223.
377
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
144.
378
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de
urgência (tentativa de sistematização), p. 372.
379
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 207.
380
“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a
agravo. [...] § 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da
decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.”
381
“Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento. [...] § 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da
sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.”
128
3.4.2 Sentença
382
BUENO, Cassio S. Curso sistematizado de direito processual civil 3 - Tutela jurisdicional executiva, p.
551.
383
AMARAL, Guilherme Rizzo apud PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o
CPC/2015: visão teórica, prática e jurisprudencial, p. 223.
129
André Bragança Brant Vilanova chama atenção para o necessário respeito aos
princípios democráticos do processo quando assevera que para que se fixem as astreintes
na sentença é necessário que se tenha permitido às partes manifestarem-se especificamente
sobre a multa384, o que se faz em compasso com o disposto no artigo 9º do CPC/15385, que
positivou a chamada vedação à decisão surpresa.
A mesma visão não é partilhada por autores como Luiz Guilherme Marinoni, para
quem as astreintes figuram como exceção à regra do princípio dispositivo, porquanto mero
acessório do pedido principal, de modo que estaria dispensado o contraditório efetivo para
a fixação de astreintes.386
Nesse ponto, é importante manter a coerência da análise: se o intuito é
compreender que as astreintes formam um capítulo próprio da decisão judicial – ainda que
com raiz acessória a um pedido principal –, raciocínio que permite que figure como único
ponto definido pelo recorrente como extensão do efeito devolutivo, ou que possa criar um
crédito autônomo exequível, não se pode, ao mesmo tempo, enxergá-la como mero
acessório, sobre o qual as partes não poderão manifestar-se processualmente, formando o
contraditório efetivo.
Por essas razões, parece correto o raciocínio segundo o qual deve o magistrado
permitir a participação das partes por meio do contraditório efetivo antes da aplicação da
multa astreinte em sentença. Isso se mantém ainda que as astreintes sejam fixadas de
ofício, tal qual deve ocorrer, ao menos a partir do advento do CPC/15, em outras
declarações judiciais sem a provocação da parte, como na prescrição e na decadência.
No que tange à exequibilidade das astreintes fixadas em sentença, a divergência é
menor do que aquela apresentada quando sua fixação se dá em tutela provisória, conforme
abordado na seção anterior. No caso de a fixação ser determinada em sentença, a
divergência reside apenas na necessidade ou não do trânsito em julgado da decisão final
que fixou tal instrumento processual.
Salienta-se que essa discussão não ocorre em caso de sentença transitada em
julgado, quando não há dúvida quanto à possibilidade de ação de execução definitiva. A
384
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 133.
385
“Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III ;
III - à decisão prevista no art. 701.”
386
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva, p. 15.
130
387
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC, p. 110-111.
388
DINAMARCO, Candido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, p. 158.
131
389
CARVALHO, Fabiano. Execução da multa prevista (astreintes) no art. 461 do Código de Processo
Civil. Disponível em: http://www2.oabsp.org.br/asp/esa/comunicacao/esa1.2.3.1.asp?id_noticias=61. Acesso
em: 2 out. 2020.
390
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no RESP n. 1.365.017 RS. Relator: Min.
Humberto Martins. Brasília, DF. Publicação DJU 15/04/2013; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg
no AREsp: 421057 GO 2013/0356842-0. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF. Publicação DJe
27/08/2014.
132
Com esse novo entendimento, observa-se que o STJ não só impedia a execução
de astreintes fixadas em sede de tutela antecipada – tema já abordado na seção anterior –
como impedia a sua execução provisória quando a sentença que as fixou tivesse sua
exequibilidade suspensa.
Assim, definiu-se que, em se tratando de decisão judicial definitiva (sentença ou
acordão) sobre a qual ainda penda recurso, mas que não esteja com sua exigibilidade
suspensa ante a não atribuição de efeito suspensivo, a execução se torna possível, restando
definir o procedimento, se mediante cumprimento provisório ou definitivo.
Defendendo a primeira tese, Eduardo Talamini disserta que em virtude do caráter
provisório da imposição da multa cominatória a sua execução também deverá ser
provisória, em razão de que a ameaça de agressão imediata ao patrimônio do cominado já
é, por si só, o fator de influência psicológica que a lei busca.392
De outro norte, há outra parcela da doutrina que defende a possibilidade de
manejo do procedimento executivo definitivo. É o que sustenta Marina Vezzonni:
A provisoriedade da decisão, por igual não exclui a sua viabilidade, vez que o
fato gerador da cobrança é o descumprimento da medida judicial, nada tendo a
ver com a existência ou não do direito material declarado na sentença. Um
decorre de uma obrigação processual, outro de um dever material.393
391
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1336053 AM 2012/0156866-5. Relator: Ministro João
Otávio de Noronha. Brasília, DF. Publicação: DJ 07/05/2015.
392
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC, art. 84.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 254.
393
VEZZONNI, Marina. Execução da multa diária: a efetivação das astreintes como medida executiva
coercitiva inominada. 2010. Disponível em: www.professoramorim.com.br/amorim/dados/anexos/251.doc.
Acesso em: 20 out. 2020.
133
credor, que ficariam, estes sim, condicionados ao trânsito em julgado da decisão que
serviu de título para o cumprimento da sentença.
De mais a mais, carece de fundamento jurídico a ideia de que a execução das
astreintes deva receber tratamento prioritário em relação à execução de outros créditos que
podem ser tão ou mais relevantes para as partes envolvidas e, porque não dizer, para a
própria sociedade. Importante observar, nesse ponto, que quando essa foi a intenção do
legislador, ele assim procedeu de maneira expressa, como se percebe no regramento
previsto no título II, capítulo IV, em que a execução de crédito alimentar mereceu
tratamento específico, inclusive, com relação a esta matéria específica, quando no caput do
art. 528 do CPC/15394 se previram expressamente as decisões interlocutórisa que fixam
alimentos como títulos hábeis a aparelhar procedimento de cumprimento definitivo.
Tal distinção é possível justamente por se reconhecer que títulos de natureza
alimentar mereceriam tratamento diferenciado, colocando os interesses dos alimentados
acima do direito de ampla defesa e contraditório dos alimentantes, que ainda que se possa
provar posteriormente que os alimentos eram indevidos, não ficam dispensados de pagá-
los, por meio de cumprimento definitivo, mesmo que o título se baseie em decisão
provisória.
As astreintes não merecem tratamento dessa magnitude. O rito do cumprimento
provisório é bastante para atender à efetividade necessária da medida; primeiro porque é
capaz de gerar temor real no devedor ao ver seu patrimônio constrito e expropriado;
segundo porque lhe garante a efetivação de eventual direito de restituição ao status quo
ante, tendo em vista que o produto da expropriação ficará retido aos autos.
Essa foi a solução adotada pelo CPC/15 ante a regra prevista no parágrafo 3º do
artigo 537, que assim dispõe: “§3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento
provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o
trânsito em julgado da sentença favorável à parte”.
Da leitura do texto legal, o qual não encontra correspondência no CPC/73,
denota-se claramente a intenção do legislador de permitir o cumprimento provisório da
decisão que fixa a astreinte.
Nesse ponto, é importante ressaltar que a definição da extensão do efeito
394
“Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de
decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o
executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a
impossibilidade de efetuá-lo [Grifo nosso].”
134
395
MORAES, Arthur Bobsin de. Julgamento antecipado parcial de mérito: a aplicação do artigo 356 do
CPC/2015 na prática forense. 1. ed. Florianópolis: EMais, 2020. p. 76.
396
MORAES, Arthur Bobsin de. Julgamento antecipado parcial de mérito: a aplicação do artigo 356 do
CPC/2015 na prática forense, p. 104.
135
397
MIRANDA, Diego Cabral. O efeito expansivo rescindente na formação progressiva da coisa julgada.
Dissertação. (Mestrado em Direito) - Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2016.
136
caso a decisão já tenha sido cumprida pelo devedor, razões estas que indicam que ao se
vislumbrar a possibilidade hipotética de a decisão, quanto aos pedidos remanescentes,
interfir necessariamente nos pedidos aptos a julgamento antecipado, a melhor alterrnativa
seria postergar tal decisão para a sentença, evitando a necessidade de relativização da
coisa julgada.
Nesse caso, portanto, a integridade do sistema e a manutenção da segurança
jurídica parecem prevalecer sobre as ideias de eficiência e de celeridade que motivaram a
instituição da decisão prevista no artigo 356, desideratos que, de todo modo, podem ser
alcançados, ainda que de forma precária, por meio da concessão de tutelas provisórias de
urgência ou de evidência.
No que se refere à exequibilidade de astreintes fixadas em sede de decisão parcial
de mérito, deve-se aplicar, supletivamente, as regras previstas para a sua execução quando
fixadas em sentença, exatamente pelo caráter definitivo que caracteriza o comando judicial
contido nesta espécie de decisão judicial.
Assim, com otrânsito em julgado da decisão parcial de mérito, a execução se dará
por meio de cumprimento definitivo, da mesma forma que as demais cominações
eventualmente constantes do título judicial. No caso de ainda pender recurso em face da
decisão, a sua exequibilidade ficará condicionada a seguir a regra do parágrafo 2º do artigo
356398, que permite, de forma imediata, a execução provisória da decisão parcial nesta
hipótese.
O procedimento recursal previsto para decisões parciais de mérito – contra a qual
cabe o agravo de instrumento – não escapa de críticas e este é um dos pontos desta
controvérsia. Isso porque, embora a possibilidade de execução imediata possa fazer
sentido considerando que ao agravo de instrumento não é atribuído o efeito suspensivo
automático, o que possibilitaria o cumprimento provisório nos termos do artigo 520, tal
previsão gera uma desconfortável contradição quando se verifica que a parcela dos
pedidos que forem julgados apenas na sentença – que só diferem quanto aos pedidos
julgados antecipadamente em relação ao momento em que foram julgados – não poderão
ser executados de pronto, eis que ao recurso de apelação, em regra, é atribuível o efeito
suspensivo automático, nos termos do art. 1.012 do CPC/15.
Desse modo, enquanto os pedidos julgados em decisão parcial de mérito serão –
398
“Art. 356. [...] § 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão
que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa
interposto.”
137
em regra – exequíveis pela via provisória desde já, aqueles julgados em sentença terão de
aguardar ao menos o julgamento do recurso de apelação para poder produzir efeitos. É o
que destaca Daniel Assumpção Neves quando se pronuncia sobre essa aparente
contradição:
Há, entretanto, uma gritante contradição entre qualquer decisão que resolva o
mérito e seja recorrível por apelação e a decisão que julga antecipadamente
parcela do mérito. Enquanto no primeiro caso será inviável, ao menos em regra,
a execução em razão do efeito suspensivo do recurso, no segundo será cabível a
execução provisória. A distinção de tratamento não tem qualquer justificativa
lógica ou jurídica plausível, porque trata julgamentos de mérito de maneira
distinta quanto à sua eficácia imediata sem nada que justifique o tratamento
desigual, em nítida ofensa ao princípio da isonomia. Sou um crítico do efeito
suspensivo como regra na apelação, mas, uma vez sendo essa a opção
legislativa, realmente fica complicado compreender por que a decisão que julga
antecipadamente parcela do mérito pode ser executada provisoriamente.399
399
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC: Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p. 261.
138
mérito, “não cabe novo juízo a ser efetivado pelo mesmo órgão prolator do ato judicial,
tanto que fará coisa julgada material caso o recurso não seja interposto ou não haja mais
possibilidade de mudança”400, embora – como mencionado – o Código tenha preferido não
nomeá-la como sentença e preveja que deva ser impugnada por meio de agravo de
instrumento (art. 356, §5º).
400
SILVA, Blecaute Oliveira; SILVA, Ivan Luiz da; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Eficácia do agravo de
instrumento na decisão antecipada parcial de mérito. Revista Eletrônica de Direito Processual – RED, Rio
de Janeiro, ano 10, v. 17, n. 2, p. 57-75, julho a dezembro 2016. p. 59.
401
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UnB, 1999. p. 102.
139
402
“Art. 932. Incumbe ao relator:
II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;
[...].”
403
BORGES, Marcus Vinicius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, p. 89.
140
404
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 106.
405
“[...] o efeito substitutivo dos recursos: a decisão reformada pelo órgão julgador do recurso (ou
confirmada) fica no lugar da decisão impugnada, ou seja, a substituiu.” ALVIM, Teresa Arruda. O destino
do agravo depois de proferida a sentença. Cadernos da Escola de Direito, Curitiba, v. 1, n. 4, 2004. p. 105.
141
que tenha fixado astreintes em sede de tribunal, se a este recurso foi atribuído, de forma
extraordinária, efeito suspensivo, o que suspenderia a possibilidade de cumprimento
provisório até que nova decisão fosse proferida sustando a suspensão da exigibilidade do
título.
406
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 211.
407
REIS, Sérgio Cabral dos. Cognição, mérito e coisa julgada material na execução? Revista da ESMAT,
Palmas, ano V, n. 5, p. 120-149, dez. 2012. p. 134.
142
408
REIS, Sérgio Cabral dos. Cognição, mérito e coisa julgada material na execução? Revista da ESMAT,
Palmas, ano V, n. 5, p. 120-149, dez. 2012. p. 139.
409
“Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se,
tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito,
caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos
em lei.”
410
GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo
Civil de 2015. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. p. 354.
411
GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no código de processo
civil de 2015, p. 338.
144
rol do artigo 505 do CPC, para que se possa determinar se sua fixação se dá em caráter
precário ou definitivo.
Em princípio, decisões dessa natureza poderiam enquadrar-se tanto no inciso I do
artigo 505 quanto na regra geral do inciso II, por aplicação conjunta do disposto no artigo
527, parágrafo 1º, do CPC/15. Quanto à aplicação do disposto no inciso I, a multa
astreinte, de incidência periódica – diária, mensal ou em outra unidade de tempo – sempre
se caracterizará como relação de trato continuado e, assim, sujeita-se a mudanças
supervenientes. No que tange ao disposto no inciso II, a aplicação conjunta do parágrafo 1º
do artigo 537 evidencia a possibilidade de o juiz, de ofício ou a requerimento, a qualquer
tempo, modificar ou até mesmo excluir a multa astreinte.
Dessas premissas, poder-se-ia, a partir de uma constatação apressada, concluir
pela natureza precária da multa fixada em sede de decisão interlocutória no bojo de feito
de caráter executivo, o que impediria o seu cumprimento definitivo.
Contudo, outra questão merece atenção e alude ao caráter retroativo ou não da
decisão que, seja com base no inciso I, ou no inciso II do artigo 527, parágrafo 1º, do
CPC/15 modifica ou exclui a multa. No caso do inciso I, quando trata dos elementos
supervenientes a decisão que fixou a multa, deve-se concluir que por serem supervenientes
estes fatos não podem retroagir para além de sua ocorrência. Ou seja, ainda que
reconhecidos após o seu acontecimento, a capacidade de a decisão que os reconheça
retroagir é limitada à data em que tal fato superveniente tenha ocorrido. Assim, da data do
acontecimento superveniente para trás a multa permanecerá intacta, eis que sem a
ocorrência de fato superveniente não haverá que falar em aplicação do disposto no inciso I
do artigo 505. Quanto ao inciso II, combinado com o artigo 527, parágrafo 1º, é
importante que se observe no texto legal a presença da palavra “multa vincenda”,
indicando que a redução ou exclusão se operará sobre as multas vincendas, o que exclui
logicamente as multas vencidas.
Aqui emerge outra importante discussão que será o centro da análise do
derradeiro capítulo desta pesquisa e se refere à data a partir da qual se poderá afastar as
multas, ou seja, se vincendas se consideram aquelas vencidas após a decisão que as tenha
reduzido, ou aquelas que tenham vencido após a ocorrência dos motivos que autorizaram a
sua redução/exclusão, conforme os incisos do mesmo dispositivo legal.
De qualquer sorte, o fato é que a capacidade de retroagir não será indeterminada,
de modo que, além daquele marco temporal máximo a multa será considerada
145
412
“Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15
(quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos
próprios autos, sua impugnação.
§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:
[...]
VII - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação,
transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.”
413
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 224.
146
414
GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR.,
Zulmar Duarte de. Execução e recursos: comentários ao CPC. 2. ed. São Paulo: Método, 2018. p. 64.
415
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 95.
416
“Art. 780. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando
o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o
procedimento.”
417
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11 ed. São Paulo: RT, 2008. p. 299.
147
418
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 97.
419
“Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-
se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens
penhorados.”
148
420
TARTUCE, Fernanda; DELLORE, Luiz. Do CPC/73 ao novo CPC. In: TARTUCE, Fernanda; MAZZEI,
Rodrigo; CARNEIRO, Sérgio Barradas (coord.). Famílias e sucessões.
421
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp: 1749569 GO 2020/0219159-0. Relatora: Ministra
Maria Isabel Gallotti. Brasília, DF. Publicação DJ 11/02/2021.
149
Uma última questão que desperta interesse no tocante à exequibilidade das multas
astreintes em face da natureza da decisão que as tenha fixado diz respeito à competência
do juizado especial civil para a execução de multas estabelecidas em procedimento que
tenha tramitado no âmbito de sua competência, especialmente quando o montante da multa
tenha ultrapassado o valor de alçada de quarenta (40) salários mínimos.
A celeuma se originou da antinomia aparente entre os artigos da Lei 9.099/95,
422
BORGES, Marcus Vinicius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015.
150
que trata dos juizados especiais: o artigo 3º, parágrafo 1º, inciso I, que confere aos
juizados especiais a competência para executar os seus próprios julgados, e o artigo 3º,
inciso I, que limita a competência do juizado especial cível a causas que não excedam o
valor de quarenta salários mínimos.
Diante desses dispositivos legais, questionou-se por algum tempo se o juizado
especial manter-se-ia competente para o cumprimento de sentença quando o valor do
crédito decorrente da aplicação de astreintes excedesse quarenta salários mínimos.
A questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça em 2013, quando, na decisão
do Recurso em Mandado de Segurança nº 38.884 – AC (2012/0175027-3), de relatoria da
Ministra Nancy Andrighi423, estabeleceu-se o entendimento de que na hipótese de fixação
de multa diária em razão de descumprimento de tutela provisória confirmada em sentença
que ultrapasse o teto de quarenta salários mínimos, a correspondente execução deve ser no
próprio juizado especial sem implicar renúncia do excedente.
Segundo os ministros, o fato de o valor da multa superar o montante de quarenta
salários mínimos não é suficiente para que se afaste a competência do juizado especial.
Para chegar a tal conclusão, comparou-se essa situação com aquela cujo valor da execução
também excede o valor de alçada em razão dos efeitos da mora, como juros e/ou aplicação
de cláusula penal.424
Assim, se a unidade da multa fixada for inferior a quarenta salários mínimos, a
superação do valor de alçada pelo acúmulo de sua incidência em face da inércia do
devedor não será suficiente para deslocar a competência para a vara comum. Esse
entendimento, inclusive, restou consolidado no Enunciado 144 do Fórum Nacional de
423
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA.
JUIZADO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE SEUS JULGADOS. VALOR SUPERIOR A 40 SALÁRIOS
MÍNIMOS. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ admite a impetração de mandado de segurança
perante os Tribunais de Justiça desde que o objetivo seja unicamente o de exercer o controle da competência
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, vedada a análise do mérito do processo subjacente.2. A
competência do Juizado Especial é verificada no momento da propositura da ação. Se, em sede de execução,
o valor ultrapassar o teto de 40 salários mínimos, em razão do acréscimo de encargos decorrentes da própria
condenação, isso não será motivo para afastar a competência dos Juizados e não implicará a renúncia do
excedente.3. A multa cominatória, que, na hipótese, decorre do descumprimento de tutela antecipada
confirmada na sentença, inclui-se nessa categoria de encargos da condenação e, embora tenha atingido
patamar elevado, superior ao teto de 40 salários mínimos, deve ser executada no próprio Juizado Especial.4.
Recurso ordinário em mandado de segurança desprovido.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso
em Mandado de Segurança - RMS nº 38884, AC 2012/0175027-3. Relatora: Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma. Brasília, DF, 7 de maio de 2013. Publicação DJe 13/05/2013.
424
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 229.
151
425
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 349.
426
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer.
427
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994.
428
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 209.
429
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 211.
430
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativas aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres
de entrega coisa, p. 256.
152
de interferir na incidência da multa, especialmente quanto ao seu termo a quo, o que, por
interferir diretamente no valor do crédito, interfeririam na liquidez do título. No entanto, o
autor discorda da posição dissonante, argumentando que, nesses casos, eventual alegação
de fatores externos capazes de interferir na incidência do crédito deverá ser sustentada
pelo devedor em sede de impugnação ao cumprimento de sentença. 431
Humberto Theodoro Junior apresenta outra solução quando defende a adoção de
procedimento semelhante ao cumprimento de sentença para pagamento de alimentos:
O executado será intimado, no prazo que lhe for assinado, a pagar o débito,
provar que já o fez ou justificar porque não está sujeito a fazê-lo. Se o devedor
nada alegar, ou se sua justificativa não for acolhida pelo juiz, a decisão sobre o
incidente aperfeiçoará o título executivo judicial para sustentar a execução da
multa. Se a defesa for acatada, o título executivo não terá se configurado e
nenhuma execução forçada terá lugar.432
431
GUERRA, Marcelo Lima apud AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil
brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras, p. 212.
432
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 830.
153
433
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de “astreintes” no NCPC. Estudos de Direito
Processual à luz da Constituição Federal, p. 87.
434
DOUTOR, Maurício. Medidas executivas atípicas na execução por quantia certa: diretrizes e limites
de aplicação.
435
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
154
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 150.
442
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
40.
443
ALVES, Marcus Vinicius Soares. Breve exame das tutelas de urgência. Disponível em:
http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina165.doc. Acesso em: 14 ago. 2021.
444
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 178.
156
O dever de motivar imposto aos julgadores, por algum tempo, foi uma garantia
relegada a segundo plano na medida em que representava mera manifestação “de
autoridade e de poder”445.
445
LUCCA, Rorigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais: Estado de direito, segurança
jurídica e teoria dos precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 90.
446
LUCCA, Rorigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais: Estado de direito, segurança
jurídica e teoria dos precedentes, p. 90.
447
MOTTA, Sylvio. Direito constitucional. 27. ed. São Paulo: Método, 2018. p. 210.
157
448
OLIVEIRA, L. A. DE. A sétima dimensão dos direitos fundamentais. Revista Bonijuris, Curitiba, v.
654, p. 145–158, 2018. p. 8.
449
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria Geral do Processo, p. 240.
450
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais: Estado de direito,
segurança jurídica e teoria dos precedentes, p. 82.
451
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria Geral do Processo, p. 240.
158
452
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 18.
453
DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p.
621.
454
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 364.
455
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 266.
159
sem que haja fundamentação específica e substancial que justifique a aplicação desta
hipótese – que deve ser excepcional – ao caso concreto:
456
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 166.
457
“Art. 489. São elementos essenciais da sentença: § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: III - invocar motivos que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão.”
458
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, p. 278.
459
THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil anotado. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007. p. 190.
160
premissa maior (norma) e da premissa menor (fato), das quais resultaria a decisão judicial
por meio de dedução lógica.
O advento do Estado Social e a maior liberdade interpretativa dos órgãos
judiciais permitem uma maior amplitude de aplicação da norma na solução dos problemas
sociais, que muitas vezes escapam à previsão do legislador e, ao mesmo tempo, incumbe-
lhes de dar maior atenção ao dever de fundamentação na medida em que toda decisão se
fundamenta, de algum modo, no caráter discricionário de todo processo de
produção/aplicação jurídica.460
No caso das astreintes, sua aplicação está repleta de discricionariedade porque
sua natureza é de cláusula aberta – própria das medidas coercitivas contemporâneas –, o
que permite ao magistrado uma aplicação relativamente desprendida de limites legais,
notadamente quanto a sua forma de aplicação, periodicidade, valor, sujeito passivo, entre
outras características. Aliás, assim como ocorre com as medidas atípicas, de cuja natureza
se extrai uma “exigência de um (b)ônus argumentativo na aplicação das medidas
assecuratórias, cuja finalidade – a despeito de suas inúmeras diferenças – é controlar a
legitimidade da decisão judicial exigência de um maior” 461
, nas astreintes, embora
tipicamente previstas no ordenamento de maneira genérica, sua aplicação envolve elevado
grau de discricionariedade e isso, por si só, justifica uma maior preocupação com a
fundamentação da decisão dessa natureza.
Considerando que ao magistrado caberá sopesar no caso concreto os interesses do
credor e do devedor, ambos em princípio legítimos, a exigência de fundamentação se torna
imprescindível no âmbito de um processo civil constitucional e democrático, “mormente
em casos de cláusulas abertas como a do inciso IV, artigo 139, CPC, e que restringem
direitos fundamentais”462.
Em sentido semelhante, e considerando que os interesses contrapostos em casos
como esses merecem igual proteção constitucional, Marcus Vinicius Motter Borges
adverte para a necessidade de o magistrado, na aplicação das medidas atípicas, basear a
460
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 270.
461
ALCÂNTARA, Guilherme Gonçalves; RODRIGUES, Daniel Colnago. O (B) Ônus argumentativo
necessário à aplicação das medidas executórias atípicas – Notas para um instrumentalismo processual
constitucionalmente adequado. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, 2017.
p. 237.
462
ALCÂNTARA, Guilherme Gonçalves; RODRIGUES, Daniel Colnago. O (B) Ônus argumentativo
necessário à aplicação das medidas executórias atípicas – Notas para um instrumentalismo processual
constitucionalmente adequado. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, 2017.
p. 238.
161
463
BORGES, Marcus Vinicius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, p. 318.
464
“Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento,
em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício ou
a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I -
se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da
obrigação ou justa causa para o descumprimento.”
465
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 281.
162
cognição sumária, havia estabelecido a multa em patamar que, embora naquele momento
parecesse adequado, agora se revela irrisório ou excessivo.
Assim, da mesma forma que é possível que esteja a exaurir-se o prazo para
cumprimento específico da obrigação ou o valor fixado da multa não tenha sido alto o
suficiente para compelir o devedor ao cumprimento, devendo a multa ser majorada; pode
haver a necessidade de se reduzir o valor da multa ou aumentar a sua periodicidade na
hipótese de que aquelas anteriormente fixadas tenham tornado-se inadequadas ou que se
revele circunstância desfavorável ao cumprimento da ordem judicial.466
Humberto Theodoro Júnior corrobora quando aduz que é o caráter coercitivo e
acessório das astreintes que autoriza o juiz, a qualquer tempo e de ofício, a modificar o
valor ou a periodicidade da astreinte vincenda caso verifique que se tornou insuficiente ou
excessiva.467
No que tange às hipóteses do inciso II do dispositivo mencionado linhas atrás, a
adequação da multa se fundamenta na demonstração de cumprimento parcial da obrigação;
ou ainda em caso de demonstração de justa causa que esteja a dificultar o cumprimento da
ordem judicial. No primeiro caso, embora o cumprimento parcial da obrigação não sirva
para obstar a mora do devedor, a quem cabia o cumprimento total, este pode servir para
amenizar a incidência da multa, seja porque o prejuízo ao credor restou reduzido, ou ainda
por existir certa presunção de boa-fé do devedor, ao menos quando comparada a outros
devedores que não cumpriram sequer parcialmente obrigações semelhantes.
Assim, tem-se por cumprido parcialmente o escopo coercitivo da medida porque,
com o cumprimento parcial da obrigação, a resistência do devedor pode já ter sido
superada de algum modo, ou seja, sinaliza que “provavelmente irá cumprir integralmente a
decisão, ainda que de forma mais lenta”, caso em que, “a redução do valor se mostra
possível e até mesmo recomendada”.468
Outra hipótese de redução/supressão de astreintes inserida no inciso II do referido
artigo é a justa causa que esteja a dificultar o cumprimento da ordem judicial. Aqui, como
se trata de responsabilidade contratual, caberá ao devedor o ônus probatório acerca da
exceção ao cumprimento, a exemplo do que ocorre no regime do direito das obrigações.
466
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 614.
467
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 172.
468
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 291.
163
Assim, a justa causa, que deverá ser demonstrada pela parte ré, é invocada como
justificativa para o descumprimento da obrigação469.
Nesses casos, é essencial a aferição da intensidade da justificativa da resistência
ao cumprimento da obrigação. Se a justificativa decorrer da impossibilidade completa do
cumprimento, a multa deixa de incidir pois não deveria ter sido cominada, eis que como
medida acessória e coercitiva não tem lugar quando a prestação que visa forçar o
cumprimento tem seu adimplemento obstado por circunstâncias alheias à vontade do
devedor. Por outro lado, quando a justificativa servir para demonstrar apenas uma
dificuldade acima da ordinária e não a impossibilidade completa do adimplemento da
obrigação, não há que falar em supressão, mas tão somente em adequação do montante
e/ou periodicidade da multa, para que seja fixada proporcionalmente ao grau de
recalcitrância do devedor.
Nesse cenário da comprovação da justa causa, entre outras circunstâncias, torna-
se essencial a análise do comportamento processual das partes. Se de um lado é possível a
redução da multa em casos em que o devedor buscou de algum modo o cumprimento da
decisão, que não se concretizou por motivos alheios a sua vontade, “por outro lado,
observado o seu desinteresse no cumprimento da ordem, a redução ou exclusão do
montante da multa implicaria verdadeiro prêmio à sua torpeza”470.
Além da intensidade da dificuldade de cumprimento da obrigação, é importante a
aferição da sua temporalidade. Isso porque, caso a impossibilidade seja contemporânea à
fixação da multa, a decisão que venha a suprimí-la gerará efeitos retroativos à data em que
se configurou a impossibilidade do cumprimento, não chegando, portanto, a incidir. Por
outro lado, diante de causa de impossibilidade temporária, a multa apenas deixará de
incidir enquanto durar/durou a causa que tornou impossível o cumprimento, excluindo-se
este interim do período de incidência da multa.471
Motivo semelhante é utilizado para a redução ou supressão da multa astreinte no
ordenamento matriz do instituto, como demonstra François Chabas:
Podemos então temer que a pena, mesmo definitiva está sujeita a ser reduzida se
o devedor tiver encontrado uma dificuldade que não tenha todos as
características de força maior, ou seja, as circunstâncias que apenas diminuíram
469
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 173.
470
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 620.
471
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 615.
164
a gravidade sem culpa dele. É todo o espírito da penalidade final que está
comprometido e, como resultado, sua eficiência.472
472
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil. São Paulo, v. 69, 1994.
473
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa, p. 64.
474
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994.
475
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994.
476
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa.
165
Em que pese a expressa previsão legal sobre os motivos pelos quais a multa
astreinte pode ser alterada ou suprimida, a doutrina e a jurisprudência trazem outros
elementos a serem analisados para este desiderato, seja porque complementam as
hipóteses dos incisos do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, com fundamento legal em
outros dispositivos legais/constitucionais, ou porque auxiliam na interpretação das causas
descritas nos próprios incisos.
Nesse sentido há, por exemplo, quem defenda a readequação da multa com base
na aplicação abstrata dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e na vedação
ao enriquecimento sem causa do credor477.
Para Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, apesar
de existirem posicionamentos doutrinários pautados em princípios de proporcionalidade,
razoabilidade e vedação ao enriquecimento sem causa defendendo a mutabilidade das
astreintes vencidas, o advento do artigo em análise condiciona a alteração ou exclusão da
periodicidade ou do quantum das astreintes pelo magistrado somente com relação a
astreintes vincendas quando: “em primeiro lugar, se entender que o valor anterior se
tornou insuficiente ou excessivo. O outro caso ocorre se o ordenado evidenciou
cumprimento parcial superveniente da prestação ou justa causa para o não
cumprimento”478.
Não obstante, mesmo que se limite a possibilidade de mutabilidade das astreintes
aos casos previstos no parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, ainda assim, encontrar-se-á
espaço para interpretação, especialmente considerando que a aferição daquelas hipóteses
dependerá das circunstâncias do caso concreto.
Rafael Caselli Pereira, nessa linha, pontua critérios para análise da modulação do
quantum alcançado pela multa, como: a) duty to mitigate the loss; b) capacidade de
resistência do devedor; c) capacidade econômica do devedor da obrigação; d) benefício do
devedor da obrigação com o descumprimento da ordem judicial; e) se houve cumprimento
parcial superveniente da obrigação; ou ainda, f) se a obrigação deixou de ser cumprida por
se tratar de medida impossível de ser atendida.479
477
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 617.
478
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 387.
479
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 322.
166
480
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 36.
481
“Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé;
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.”
482
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Aexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 62.
167
483
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 623.
484
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 838.
485
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista de Direito da ADVOCEF, Londrina, v. 1,
n. 6, p. 139-168, 2008.
486
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Aexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 179.
168
confiança, sinalizando que os demais atos por ela praticados seguirão a mesma linha
indicada pelo comportamento original:
487
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Aexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 181.
488
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 620.
489
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 332.
490
LIMA, Caroline Melchiades Salvadego Guimarães de Souza; MARQUESI, Roberto Wagner. A
possibilidade de redução da multa coercitiva com fundamento no duty to mitigate the loss. Revista
Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 67-83, 2018. Disponível em:
https://www.e-104 publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/36487/25847. Acesso em: 13 ago. 2021.
p. 79.
491
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Aexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 183.
169
mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss) o credor abusou de seu direito e,
assim, ao menos enquanto perdurar o ato ilícito, haverá a perda do direito ao valor da
multa.492
Essa análise temporal é de grande importância para que se possa realizar uma
adequação proporcional da multa astreinte. Assim, caso o abuso de direito do credor não
seja contemporâneo à fixação da multa, a supressão ou redução da multa não deverá
retroagir para além da data em que se verificou tal ilícito processual, de modo a se
estabelecer uma consequência jurídica diversa para cada período: (i) da fixação da multa
até a verificação do comportamento processual inadequado do credor, a multa é devida e
será mantida no mesmo patamar, salvo se presente outro motivo capaz de gerar a sua
redução/supressão; (ii) da data em que teve início o comportamento processual inadequado
em diante, a multa deve ser reduzida, quando não suprimida.
Outro tema que desperta interesse quanto à influência do comportamento
processual do credor em face da multa fixada diz respeito à ausência de cumprimento
provisório da multa, diante da inadimplência imediata do devedor.
Não se olvida que é lícito o cumprimento provisório da multa, mesmo que fixada
em sede de tutela de urgência. Porém, há quem defenda que mais do que possível, o
cumprimento provisório é, de certo modo, exigível do credor, sob pena de a inércia ser
considerada uma espécie de aquiescência com o descumprimento da obrigação. É o que
aponta, por exemplo, Rafael Caselli Pereira, que considera possível a redução da multa por
violação ao princípio da boa-fé quando se verificar que o credor deixou de exercer o seu
direito processual por elevado lapso temporal, aquiescendo por significativo período
acerca da cobrança da multa coercitiva, causando propositadamente o aumento do
montante das astreintes.493
Nesse ponto, adota-se entendimento divergente: primeiro porque não parece que
a ausência do exercício do direito de execução imediata da multa seja suficiente para que o
devedor não esteja ciente das consequências financeiras de sua recalcitrância; segundo, e
mais importante, porque diante do evidente cenário de insegurança jurídica que permeia a
questão da redução/supressão da multa diária no Brasil, não parece correto obrigar o
credor a se submeter a esta verdadeira aventura jurídica para que seja considerado
492
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
173.
493
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 326.
170
Código Civil de 2002 disciplinou o instituto, dedicando-lhe o capítulo IV494 do título VII
do Livro I (Direito das Obrigações).495
Para a configuração do instituto do enriquecimento sem causa, conquanto
algumas diferenças possam ser encontradas na doutrina, vale apresentar aqui os cinco
requisitos arrolados por Bruno Miragem: “(a) de que se demonstrem o empobrecimento e
o enriquecimento correlativos; (b) a ausência de culpa pelo empobrecimento; (c) ausência
de interesse pessoal que se vincule ao empobrecimento; (d) ausência de uma causa de
enriquecimento; (e) que tenha caráter subsidiário”496.
Nesse ponto, aqueles que defendem a redução/supressão das astreintes com base
na vedação ao enriquecimento sem causa consideram presentes todos os requisitos
mencionados linhas atrás, pois “uma vez que o ordenamento já lhe assegura o direito à
reparação integral de todo e qualquer dano que lhe cause a parte ré, não encontra
fundamento nos princípios que informam o sistema jurídico a premiação do credor com o
montante decorrente da multa”497.
Na interpretação de Paulo Franco Lustosa, correto seria que a multa ficasse
depositada em juízo como garantia de pagamento de eventual indenização, caso se
comprove o dano suportado pelo credor em razão da inércia do devedor, valendo lembrar
que a comprovação deve operar-se mediante procedimento “cognitivo simples voltado à
demonstração do dano e do nexo de causalidade, sendo a parcela excedente revertida ao
Estado ou a algum fundo público”498.
Alexandre Freitas Câmara, contrariamente, aponta que “o enriquecimento do
credor que, eventualmente ocorra, não é sem causa. Trata-se de enriquecimento com
494
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a
restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi
exigido.
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas
também se esta deixou de existir.
Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se
ressarcir do prejuízo sofrido.”
495
BRASIL, Código Civil de 2002.
496
MIRAGEM, Bruno. Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 74.
497
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista da ADVOCEF, Londrina, v. 1, n. 6, p.
139-168, 2008.
498
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista da ADVOCEF, Londrina, v. 1, n. 6, p.
139-168, 2008. p. 167.
172
Cada vez que um tribunal reduz uma multa, a mensagem que passa é clara: ‘não
nos levem tão a sério’. É o Judiciário contra si mesmo. Curioso que essas
reduções premiadas (prêmio para quem intencionalmente errou) são dadas pelos
mesmos magistrados que reclamam maior respeito dos demais poderes. Como
querer respeito quem, de sua própria lavra, premia aqueles que não levam a
sério as determinações do próprio Judiciário? Mais estranho ainda é que, em
geral, o Judiciário ignora que o desrespeito generalizado aos consumidores,
praticado por muitos, enriquece-os ilicitamente. Ignora que a punição didática
evitará tal tipo de cultura. No final, para não ‘enriquecer’ um consumidor
lesado, protege exageradamente o economicamente mais forte. Age, portanto,
com graves erros: a) não resolve a tempo o problema de fundo, a violação do
mérito; b) não resolve a recalcitrância, premiando-a (a demora é um segundo
dano ao consumidor); c) não desestimula o ofensor, nem na questão de fundo; d)
499
CÂMARA, Alexandre Freitas. Redução do valor da astreinte e efetividade do processo. In: ASSIS,
Araken de et al. (coord.). Direito civil e processo: estudos em homenagem ao professor Arruda Alvim. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1569.
500
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
158-167, jan./abr. 2017. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista78/revista78.pdf#pa ge=159>.
Acesso em: 20 jul. 2020. p. 166.
501
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativo aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, art. 461, CDC, art. 84,
p. 252.
502
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 321.
173
Com base nesse provável efeito prospectivo sobre devedores e outros litigantes
em demandas futuras, pode-se concluir que o reexame da multa com base no mero
enriquecimento do credor sem a observância das circunstâncias do caso concreto que
causaram a elevação do saldo devedor serve como estímulo ao descumprimento dos
comandos judiciais, vez que ao ter conhecimento de orientação jurisprudencial no sentido
de adequação da multa com fulcro nesses argumentos, a parte “se sentirá tentada a
desobedecer às ordens judiciais”504.
Além disso, não se pode olvidar que “a atuação do tempo não só prejudica o
credor, que se queda mais tempo sem obter a obrigação desejada, como beneficia o
inadimplente que dá causa à cumulação da multa, mas que, ao final, a vê reduzida a
valores substancialmente menores”505.
De mais a mais, o credor que litiga de má-fé sempre estará sujeito a sanções
processuais cabíveis, não se podendo cair na generalização de tratar todos os credores
como transgressores das normas processuais e todos os devedores como vítimas da
situação, que não teria sido criada caso a prestação devida tivesse sido cumprida de forma
voluntária. Justamente por isso é que no âmbito do STJ, ao menos na Terceira Turma, tem
prevalecido o entendimento sobre a necessidade de analisar o valor e a periodicidade da
multa astreinte de forma retrospectiva, com vistas a verificar se foi estipulada em valor
compatível com a prestação imposta pela decisão judicial. Em caso positivo, “eventual
obtenção de valor final expressivo decorrente do decurso do tempo associado à inércia da
parte em cumprir a determinação não enseja a sua redução”506.
503
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de “astreintes” no NCPC. Estudos de Direito
Processual à luz da Constituição Federal, p. 75.
504
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
173.
505
SOUZA, Karina Resende Miranda de. Astreintes: sua destinação final e o enriquecimento sem
causa. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 8, n. 8, 2011. p. 534-535.
506
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 161.
174
507
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 148.
508
THEODORO JUNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila
Gomes Norato. Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro, não paginado (e-book).
509
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 836.
175
impede, mesmo quando imposta na sentença, a sua imunização pela coisa julgada
material”510.
Rafael Caselli Pereira, por seu turno, adota posição intermediária ao defender a
ideia de que a redução das astreintes na fase de cumprimento de sentença só seria possível
quando fundada em fatos ocorridos posteriormente à formação da coisa julgada.511 Esse
argumento é refutado por Luiz Guilherme Marinoni, para quem pouco importa o momento
em que ocorreram os fatos que fundamentaram a redução da multa.512 Para esclarecer a
sua posição, o autor interpreta a literalidade do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC,
extraindo deste dispositivo a seguinte conclusão:
510
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 354.
511
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 329.
512
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 354.
513
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 329.
514
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer.
515
MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. Tutela antecipada. 3. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
p. 576-577.
516
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial.
176
Eduardo Talamini afirma que a coisa julgada decorre de opção política entre o
ideal de justiça – podendo ser alcançado enquanto permitido o reexame da matéria – e a
segurança jurídica, configurada pela inalterabilidade do ato proferido.521
A coisa julgada gerará a imutabilidade e a impossibilidade de rediscussão da
decisão, tornando-se um preceito inalterável tanto na demanda judicial em que foi
517
THEODORO JUNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila
Gomes Norato. Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro, não paginado (e-book).
518
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 587.
519
CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie
(org.). Relativização da coisa julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008. p. 21.
520
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria geral do processo, p. 243.
521
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 47.
177
proferida quanto em processos subsequentes que venham a tratar sobre a mesma relação
jurídica, sendo assim, “para a situação específica, a lei do caso concreto”522.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery consideram a coisa julgada
um “elemento de existência do Estado democrático de direito” 523 na medida em que o
instituto é acolhido na Constituição Federal de 1988524 ao lado do direito adquirido e do
ato jurídico perfeito, todos elementos intrínsecos ao princípio da segurança jurídica.
A segurança jurídica garante o mínimo de previsibilidade, tanto obrigatória
quanto necessária, que um Estado Democrático de Direito deve ofertar aos seus
jurisdicionados. A coisa julgada opera como forma de garantia do direito à segurança
jurídica, sendo, por conseguinte, atributo inerente ao Estado Democrático de Direito525 e à
efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário. É a segurança jurídica
que garante às partes não só o acesso à justiça, mas também a certeza de uma decisão
imutável – e, porque imutável, é indiscutível.526
A formação da coisa julgada promoverá efeitos positivos e negativos: negativo
por obstar a propositura de novas demandas judiciais que possuam objeto idêntico ao já
acobertado pela autoridade da coisa julgada; positivo por sua vinculação a órgãos
jurisdicionais, que em futuras demandas judiciais devem tomar por pressuposto absoluto a
solução jurídica decidida no processo anterior.527
Além da previsão constitucional, o instituto da coisa julgada está previsto nos
artigos 502 a 508 do CPC. Conforme a redação do artigo 502: “Denomina-se coisa julgada
material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais
sujeita a recurso.”.
522
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 588.
523
NERY JUNIOR Nelson Nery e NERY Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 55-56.
524
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada.”
525
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Relativização da coisa julgada. In:
DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008. p. 385.
526
VIEIRA, Artur Diego Amorim. O processo justo e a coisa julgada: breve análise quanto à inviabilidade
de sua desconsideração. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v 11, n. 11, p. 4-33,
2013. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/18061/13315.
Acesso em: 13 ago. 2021. p. 27.
527
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo
civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 201.
178
Uma análise comparativa entre o artigo 467 do CPC/73 e o artigo 502 do novo
Código processual civil evidencia a substituição do termo sentença por decisão de mérito.
O legislador, além disso, simplificou o texto em sua parte final quando substituiu “recurso
ordinário ou extraordinário” por “recurso”, tornando mais amplo o seu alcance.
Ao estabelecer o conceito legal e a extensão do instituto, a legislação processual
civil preconizou que a coisa julgada não decorre necessariamente da natureza processual
do pronunciamento judicial, se sentença ou decisão interlocutória, especialmente porque
há a possibilidade de a coisa julgada recair sobre atos decisórios que solucionem parcial
ou totalmente o mérito, sendo possível afirmar que a res iudicata é qualidade aplicável às
decisões de mérito.528
Desse modo, a configuração do instituto da coisa julgada material advém da
natureza de questões decididas, existindo sempre que o magistrado enfrentar questões de
mérito, ainda que pronunciadas em caráter incidental, sem a configuração de sentença.529
A análise da disciplina das astreintes à luz da coisa julgada leva ao raciocínio de
que a multa desta natureza fixada em sentença transitada em julgado também é afetada
pela coisa julgada material, o que impediria sua revisão, salvo nos casos em que se admite
a chamada relativização da coisa julgada.
528
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 1124.
529
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 100.
530
ALMEIDA, Odete Batista Dias. Ações autônomas de impugnação: ação rescisória e querela nullitatis
insanabilis. Revista ESMAT, Palmas, Escola Superior da Magistratura Tocantinense, ano 3, n. 3, 2011. p.
128.
531
DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional. São Paulo, SaraivaJur,
2019. p. 38.
179
532
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria geral do processo, p. 247.
533
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p.
631.
534
DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional, p. 38.
535
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 528.
536
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 315.
180
537
VIEIRA, Artur Diego Amorim. O processo justo e a coisa julgada: breve análise quanto à inviabilidade
de sua desconsideração. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v 11, n. 11, p. 4-33,
2013. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/18061/13315.
Acesso em: 13 ago. 2021. p. 26.
538
NERY JUNIOR Nelson Nery e NERY Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante, p. 72-73.
539
DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista da Procuradoria Geral
do Estado de São Paulo, São Paulo, Governo do Estado de São Paulo, n. 55/56, jan./dez. 2001. Disponível
em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/Revista%20PGE%2055- 56.pdf#page=25.
Acesso em: 20 ago. 2021. p. 67.
540
WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, v. 1, p. 635.
181
Outra parte da doutrina alerta que admitir a relativização da coisa julgada com
base na injustiça da decisão pode dar margem a diversas interpretações, o que prejudicaria
541
LAMY, Eduardo de Avelar. Considerações sobre a influência dos valores e direitos fundamentais no
âmbito da teoria processual. Sequência, Florianópolis, v. 35, p. 301-325, 2014.
542
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria geral do processo, p. 254.
543
DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p.
632.
544
WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, v. 1, p. 636.
182
545
DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p.
633.
546
VIEIRA, Artur Diego Amorim. O processo justo e a coisa julgada: breve análise quanto à inviabilidade
de sua desconsideração. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v 11, n. 11, p. 4-33,
2013. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/18061/13315.
Acesso em: 13 ago. 2021. p. 26.
547
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada
material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm,
2008. p. 246.
548
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada
material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada, p. 246.
549
MARINONI, Luiz Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da
relativização da coisa julgada material). In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa
julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008. p. 267.
183
afastar o império da coisa julgada”, tendo em vista que a justiça não é um valor absoluto,
ou seja, o seu conceito poderá variar dentro de uma sociedade pluralista.
Nesse viés, ao criticar a tese defendida por Humberto Theodoro Júnior, o autor
questiona o que seria direito justo se não o direito positivo? É por isso que aceitar a
premissa de relativização da coisa julgada faz com que nada mais reste do instituto. Com
essa afirmação o doutrinador segue questionando: “o que seria uma ‘grave’ injustiça,
capaz de autorizar que a coisa julgada não fosse observada?”, ou ainda “que sentença não
poderia ser acusada de ‘injusta’; e qual a injustiça que não poderia ser tida como ‘grave’
ou ‘séria’?”550.
Essas considerações explicam porque a “relativização [da coisa julgada] deve ser
aplicada em situações muito excepcionas. Do contrário, colocar-se-ia em risco a
estabilidade e a segurança das decisões judiciais”551.
Alexandre Freitas Câmara, sobre o tema, opina:
Penso assim, que apenas seria possível a relativização da coisa julgada material
quando houvesse fundamento constitucional para tanto. Em outros termos,
apenas seria possível desconsiderar-se a coisa julgada quando a mesma tenha
incidido sobre uma sentença inconstitucional. Trata-se, em outros termos, de
reconhecer o fenômeno que em doutrina tem sido chamado de ‘coisa julgada
inconstitucional, mas que bem se chamaria sentença inconstitucional transitada
em julgado’.552
A opção pelo fortalecimento da coisa julgada não ignora o ideal de justiça, mas
reconhece que o sistema de justiça, por ser formado por seres humanos, eventualmente
pode proferir decisões consideradas injustas e que a melhor alternativa que esse mesmo
sistema pode oferecer é a que garante segurança jurídica aos indivíduos. Assim, no
entendimento dos opositores da relativização da coisa julgada, admitir tal possibilidade
seria eliminar a essência do instituto e, por conseguinte, o princípio fundamental da
segurança jurídica.
Não obstante, o fato é que na práxis jurídica tem-se admitido a relativização da
coisa julgada, especialmente a chamada coisa julgada inconstitucional, o que se faz por
meio da ponderação entre o princípio da segurança jurídica e aquele eventualmente
violado pela decisão tida por inconstitucional. Entretanto, é necessário ter cautela na
análise de situações dessa natureza, visto que a sua proliferação desenfreada nos tribunais
550
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Coisa julgada material? In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.).
Relativização da coisa julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008. p. 312.
551
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: processo de
conhecimento (2ª parte) e procedimentos especiais. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. v. 2. p. 438.
552
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, p. 466.
184
pode causar insegurança jurídica aos jurisdicionados, que terão de conviver ad eternum
com a incerteza de uma futura desconstituição de uma decisão transitada em julgado.
553
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 214.
554
“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSUAL CIVIL.
EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES. DESCABIMENTO. COISA JULGADA.
INOCORRÊNCIA. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. ‘Descabimento de multa cominatória na
exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível.’ 1.2. ‘A decisão que comina
astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada.’ 2. Caso concreto: Exclusão das astreintes. 3.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.” BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial (REsp) nº
1333988 SP 2012/0144161-8. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção. Brasília,
DF, 9 de abril de 2014. Publicação DJe 11/04/2014.
185
modificada pelo magistrado, para mais ou para menos, em seu valor ou sua periodicidade,
conforme seja insuficiente ou excessiva, com fundamento no Art. 460, § 6º, do CPC.”555.
Essa máxima se repetiu em centenas de julgados oriundos da Corte Superior,
onde, com o passar do tempo, à ideia de insujeitabilidade das astreintes aos efeitos da
coisa julgada, somou-se a fundamentação com o argumento de que a multa deveria ser
reduzida ou excluída com base no primado da proporcionalidade. É o que se observou em
um dos precedentes mais citados pelos ministros à época, o Recurso Especial n.
914389/RJ, de relatoria do Ministro José Delgado, em acórdão assim ementado:
O entendimento do STJ ganhou mais força após ser objeto de análise do Recurso
Especial Repetitivo 1.333.988 (j. 09.04.2014), de relatoria do Ministro Luís Felipe
Salomão, julgado pela 2ª Seção. Com votação unânime, o julgamento acabou
consolidando a seguinte tese (Tema 706)557: “a decisão que comina astreintes não preclui,
tampouco faz coisa julgada”.
Saliente-se que o Superior Tribunal de Justiça, ao definir o Tema 706, evitou
enfrentar diretamente a questão da superação da coisa julgada, limitando-se a reproduzir
ementas de casos passados. Com exceção das ementas reproduzidas, os seguintes trechos
do voto foram os únicos que trataram do tema da sujeição das astreintes à coisa jugada:
555
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial (Ag) n. 853065. Relator: Ministro
Humberto Gomes de Barros. Brasília, DF. Publicação DJ 04/05/2007.
556
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 914389 RJ 2007/0001237-7.
Relator: Ministro José Delgado, T1 – Primeira Turma. Brasília, DF, 10 de abril de 2007. Publicação DJ
10/05/2007.
557
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tese firmada (Tema Repetitivo 706): “A decisão que
comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada”.
186
558
“PROCESSO CIVIL - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ASTREINTES - ALTERAÇÃO DO VALOR -
EXECUÇÃO - COISA JULGADA - ART. 461, § 6º, CPC, POSSIBILIDADE. - O valor das astreintes pode
ser alterado a qualquer tempo, quando se modificar a situação em que foi cominada a multa.” BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 705914 RN 2004/0032928-0. Relator: Ministro
Humberto Gomes de Barros, T3 – Terceira Turma. Brasília, DF, 15 de dezembro de 2005. Publicação DJ
06/03/2006.
559
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 705914 RN 2004/0032928-0.
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros, T3 – Terceira Turma. Brasília, DF, 15 de dezembro de
2005. Publicação DJ 06/03/2006.
560
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 214.
187
561
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº
627.474/RJ. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma. Brasília, DF, 14 de abril de 2015.
Publicação DJe 17/04/2015; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1507955/RS.
Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma. Brasília, DF, 7 de abril de 2015. Publicação
DJe 14/04/2015; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração
no Recurso Especial nº 1099928/PR. Relator: Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma. Brasília, DF, 11 de
novembro de 2014. Publicação DJe 17/11/2014.
188
pode, e em muitos casos deve sofrer essa mutabilidade para se adequar ao escopo da
medida, compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, de forma eficaz e igualmente
razoável e proporcional. Da leitura sistemática do Código, infere-se que essa possibilidade
não se estende ao procedimento de cumprimento de sentença por quantia certa, que
pretende exigir apenas o pagamento do valor constante em título judicial, no caso, a
sentença transitada em julgado.
Em que pese a decisão de que as astreintes seriam mero acessório da obrigação
principal, não se pode negar que constituem capítulo próprio do pedido e da decisão
judicial, tanto que podem delimitar o único elemento a ser impugnado em eventual recurso
do devedor, por exemplo. Assim, embora dependente de uma obrigação principal, as
astreintes podem ser amplamente debatidas pelas partes durante o processo de
conhecimento, podendo ser reduzidas ou até excluídas por qualquer dos magistrados
envolvidos, em qualquer grau, a qualquer tempo, até o seu trânsito em julgado, quando
passa a ostentar natureza de crédito judicial como qualquer outro.
Diante desses argumentos, pode-se dizer que a redução do valor ou da
periodicidade da astreinte no curso da fase de cumprimento de sentença pelo simples
argumento de que poderia ser revista a qualquer tempo ofende o princípio da coisa julgada
e, como consequência, a segurança jurídica.
Por outro lado, não se está a sustentar que a multa astreinte é absolutamente
imutável, conforme se pretende demonstrar ao longo desta pesquisa. Todavia, para que se
reduza/revogue a astreinte no curso de uma execução não basta, ao que parece, lançar mão
da máxima de que esta multa não faz coisa julgada, evitando tão relevante discussão. É
preciso que se demonstre a presença dos requisitos legais que autorizam tal procedimento,
por meio dos quais, aí sim, não se estaria a ofender a coisa julgada.
recepcionadas pelo Poder Judiciário brasileiro, desde o Supremo Tribunal Federal até as
sessões judiciárias de primeira instância.
Em conjunto com as regras jurídicas – tidas como mandamentos impositivos de
conduta social –, os princípios, enquanto regras de alta carga axiológica, complementam o
sistema jurídico, pois se referem a espécies de normas jurídicas que se inter-relacionam na
criação, na interpretação e na aplicação do direito.
Os princípios se distinguem das regras em razão de seu grau de generalidade
elevado, o que faz com que não se tenham hipóteses de aplicação pré-determinadas562,
refletindo a estrutura ideológica do Estado por meio dos valores consagrados por aquela
sociedade563, o que faz com que sejam considerados como o ponto mais importante do
sistema normativo na medida em que são capazes de dar estrutura e coesão a todo o
ordenamento.564
No caso do ordenamento jurídico brasileiro, os princípios, na maioria das vezes,
encontram-se positivados como regras jurídicas e mesmo quando não o são encontram sua
base legal no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 565. Esse
dispositivo legal prevê a utilização dos princípios gerais do direito como fonte normativa
apta a solucionar situações de anomia.
Se o caráter abstrato, genérico e axiológico dos princípios permite a aplicação do
direito ao caso concreto de forma adequada, de modo a proporcionar a solução jurídica
que mais se amolda ao sistema de valores que sustenta todo o sistema jurídico, a
adaptabilidade das normas de maneira menos vinculada ao texto pré-determinado pode
levar à fragilização do direito, como advertem Lênio Streck566 e Eros Grau:
562
HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense,
2001. p. 16.
563
DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
1995. p. 59.
564
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina
e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 37.
565
“Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.”
566
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 573.
567
GRAU. Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes? A interpretação/aplicação do direito e os
princípios. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 119.
190
Vale ressaltar que mesmo entre os autores que demonstram preocupação com a
utilização inadequada dos princípios como forma de negar o direito posto ao invés de
buscar seu melhor sentido, a sua importância como fonte normativa não é negada como
elemento capaz de garantir a aplicação adequada do direito ao caso concreto, sem que,
com isso, despreze-se o valor da segurança jurídica e da confiabilidade nas relações
sociais.
No que se refere ao instituto das astreintes, por mais que diversos princípios
sejam importantes para a sua compreensão e aplicação, as máximas da proporcionalidade e
da razoabilidade parecem ocupar um lugar de destaque nos debates acadêmicos e forenses,
especialmente quando o assunto trata da valoração e da adequação dessa modalidade de
multa.
Importante destacar que a proporcionalidade e a razoabilidade são tratadas como
máximas e não como princípios “já que não entra[m] em conflito com outras normas-
princípios, não é concretizado em vários graus ou aplicado mediante criação de regras de
prevalência diante do caso concreto”568. Ao revés, essas máximas servem justamente à
aplicação dos princípios quando colidentes.
No que tange às astreintes, muitas vezes a sua aplicação envolverá o confronto
entre princípios, entre os quais a segurança jurídica, a eficiência, o direito à tutela
jurisdicional efetiva, a propriedade, a dignidade humana, a menor onerosidade ao devedor
e outros valores de elevada grandeza, que comumente se chocam em situações envolvendo
a sua aplicação.
Essa é uma preocupação que remonta às origens históricas do instituto, como
relata M. P. Michell, quando lembra os maiores pontos de tensão sobre as astreintes no
direito francês: “1) arbitrariedade e discricionariedade; 2) problemas de
desproporcionalidade e de compensação acima do adequado; 3) risco de a Corte se
apropriar do direito de cominar penalidades em uma disputa privada”569.
Sobre as funções dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade no
âmbito do direito brasileiro, lecionam Horácio Wanderley Rodrigues e Eduardo de Avelar
Lamy:
568
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 326.
569
MICHELL, M. P. Imperium by the back door: the streinte and the enforcement of contractual obligations
in France. U. Toronto Fac. L. Rev., Toronto, v. 51, p. 250, 1993. p. 250.
191
570
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria geral do processo. p. 231.
571
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Celso
Bastos Editor, 1999. p. 245.
572
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2011. p. 116.
573
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle constitucional das leis
restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003. p. 27.
574
ENGEL, Ricardo José. O jus variandi no contrato individual de trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 51.
192
preservar a igualdade, impedindo que a previsão geral seja aplicada com desconsideração
das peculiaridades do caso”575.
Luis Roberto Barroso576, por sua vez, estabelece uma ligação entre a máxima da
razoabilidade e o valor da justiça. Segundo o autor, é com base na razoabilidade que se
pode aferir se os atos do Poder Público estão contemplados pelo valor da justiça.
Alexandre de Moraes577 complementa a análise afirmando que pela razoabilidade se
poderá encontrar a proporcionalidade, a justiça e a adequação entre meios e fins praticados
pelo Poder Público, pelos critérios racionais e coerentes.
Como mencionado antes, mais do que princípios gerais do direito,
proporcionalidade e razoabilidade são considerados critérios que auxiliam o intérprete na
aplicação da norma, especialmente quando estiver diante de antinomias reais. Desse modo,
assim como a proporcionalidade e a razoabilidade podem garantir a correta aplicação da
norma ao caso concreto, também podem expor o jurisdicionado a uma aplicação deturpada
dessa mesma norma. Isso porque esses primados podem ser utilizados como meros “topos,
com caráter meramente retórico, e não sistemático”, como alertava Luis Eulálio de Bueno
Vidigal, no ano de 1965.578
Reconhecendo a aplicação da proporcionalidade e da razoabilidade como
métodos hermenêuticos e também o perigo em sua utilização inadequada, o legislador do
CPC/15 inovou quando estabeleceu, no artigo 489, § 2º579, o critério de ponderação como
forma de solução de antinomias, não sem destacar a importância de esclarecer os motivos
que levaram o juízo àquela opção, como forma de cumprir outro importante mandamento
constitucional: o dever de fundamentação.
Ao tratar da aplicação desses primados para a adequada aplicação do instituto das
astreintes, Humberto Theodoro Júnior afirma que a sua utilização é essencial para que só
se defiram “medidas necessárias e que não submetam o devedor a constrangimentos
injustificáveis, diante do objetivo da tutela específica” 580.
575
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 195.
576
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
p. 219.
577
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 906.
578
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 199.
579
“Art. 489. [...] §2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da
ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas
fáticas que fundamentam a conclusão.”
580
THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil anotado, p. 13.
193
581
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 265.
582
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 104.
583
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 206.
584
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 282.
585
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 282.
194
586
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle constitucional das leis
restritivas de direitos fundamentais, p. 25.
587
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de “astreintes” no NCPC. Estudos de direito
processual à luz da Constituição Federal, p. 89.
195
sentença, mesmo quando o título executivo judicial havia passado em julgado 588. Tal
posição se fundava – e ainda se funda, para aqueles que entendem que o advento do
CPC/15 não foi capaz de alterar esse paradigma589 – na ideia de que a astreinte, ao
contrário do objeto principal da ação, não faz coisa julgada, razão pela qual poderia ser
modificada sem qualquer limite temporal, quando em razão do decurso de tempo se
mostrar desproporcional e/ou irrazoável.
Luiz Guilherme Marinoni, por exemplo, considerando a finalidade coercitiva e
não indenizatória da multa, afirma que “a possibilidade de o juiz aumentar ou diminuir o
valor da multa é inerente a essa modalidade executiva” e completa dizendo que, “diante da
natureza da multa, torna-se fácil concluir que a sua fixação é feita sempre em caráter
provisório, o que impede, mesmo quando imposta na sentença, a sua imunização pela
coisa julgada material”590.
A imunidade das astreintes à coisa julgada é ainda defendida com o argumento de
que não integrariam originalmente o crédito da parte, servindo de mero instrumento
acessório à perseguição do cumprimento da tutela principal almejada591, que como tal
pode ser readequado, a qualquer tempo, para que atinja o seu escopo592. Por essa razão,
nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, “não há de pensar-se em coisa julgada na
decisão que a impõe ou que lhe define o valor, ou lhe determina a periodicidade”593.
É bem verdade que essa posição não é uníssona, havendo outra vertente
doutrinária que rechaça a ideia de mutabilidade temporal irrestrita das astreintes. O
argumento apresentado é no sentido de que embora a mutabilidade das astreintes seja
inerente a sua própria natureza acessória/coercitiva não pode ocorrer de maneira ilimitada
do ponto de vista temporal, sob pena de se ferir a coisa julgada.
Berardo Annes Dias e Alexandre Flexa, por exemplo, analisam que o crédito
resultante da multa astreinte fixada em decisão transitada em julgada ostenta status de
direito adquirido, não comportando, portanto, que posteriormente, “por mero alvitre do
órgão judicial e com base em interpretações exclusivamente subjetivas, fundada no
588
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 279.
589
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016; THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e
cumprimento de sentença. 30 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
590
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 354.
591
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 172.
592
REALE, Ana Luísa Fioroni. A multa astreinte como importante medida de apoio, prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, diante do artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil, p. 119.
593
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 172.
196
594
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
158-167, jan./abr. 2017. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista78/revista78.pdf#pa ge=159>.
Acesso em: 20 jul. 2020. p. 167.
595
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 339.
596
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
173.
597
CÂMARA, Alexandre Freitas. Redução do valor da astreinte e efetividade do processo. In: ASSIS,
Araken de et al. (coord.). Direito civil e processo: estudos em homenagem ao professor Arruda Alvim, p.
1565.
197
598
WAMBIER. Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada.
Hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 169.
599
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 195.
600
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 192.
198
seu direito à obtenção da tutela específica, retirando do devedor a livre escolha pela
conversão da obrigação em pecúnia, que, conforme o direito material, não lhe cabe.601
Anos depois, por meio da Lei 10.444/2002, que teve como principal escopo a
extensão das astreintes para além das obrigações de fazer e de não fazer, passando a
abarcar as hipóteses de obrigações de dar, por meio da inserção do artigo 461-A no CPC
de 1973, também inseriu o parágrafo 6º ao artigo 461 do CPC/1973, segundo o qual: “O
juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se
tornou insuficiente ou excessiva.”.
Percebe-se que o legislador, embora tenha resolvido a anomia acerca da
possibilidade ou não da revisão das astreintes fixadas, acabou por criar outra anomia
acerca dos limites e dos critérios para que assim se procedesse.
Esse cenário, em que uma norma incompleta encontra na sua interpretação a
convergência de interesses/princípios legítimos – notadamente, de um lado, a coisa julgada
e o ato jurídico perfeito; de outro, a proporcionalidade, a razoabilidade e a vedação ao
enriquecimento sem causa – deu ensejo a essa relevante divergência doutrinária.
Em que pese a existência de algumas vozes dissonantes, a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça permitiu a revisão das astreintes a qualquer tempo e com
efeito retroativo, com fundamento nas razões bem explicadas por Humberto Theodoro
Júnior:
601
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 163.
602
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 177.
199
606
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 165.
607
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
201
Desse modo, pelo novo regramento legal, parece ter-se definido que a
possibilidade de alteração/revogação das astreintes deve ter eficácia prospectiva608-609, não
se cogitando que decisões desta natureza atingissem as chamadas multas vencidas,
expressamente excluídas tal possibilidade por clara disposição legal.
A alteração na legislação processual civil em tela levou importante parcela da
doutrina a concluir que o §1º do artigo 537 do Código de Processo Civil “modificaria o
regime jurídico, alterando de forma definitiva nossa jurisprudência, até então em vigor,
sobre a possibilidade de alteração da astreinte vencida, a qualquer momento e em qualquer
fase do processo”610.
Por essa mesma linha segue José Miguel Garcia Medina, para quem a clareza do
dispositivo legal não deixa dúvida acerca da impossibilidade de revisão da multa
vencida.611 Da mesma forma, Guilherme Rizzo Amaral, comentando a alteração legal,
afirma que eventual inadequação no valor da multa – para mais ou para menos – somente
poderá sofrer alterações com efeitos para o futuro,612
Assim também entende Stella Economides Maciel, para quem as astreintes já
incidentes não podem ser afetadas por decisões futuras, que teriam seus efeitos adstritos a
modificar o valor da multa em relação às prestações vincendas.613
Misael Montenegro Filho, no mesmo sentido, assevera que eventual decisão que
venha a modificar as astreintes terá efeitos “da data da redução em diante, sem impactar
no valor acumulado, resultante do descumprimento do pronunciamento”614.
Outros autores que já se posicionavam contrários à modulação da multa com
efeito ex tunc, como Alexandre Freitas Câmara615, encontraram no novo dispositivo legal
616
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
158-167, jan./abr. 2017. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista78/revista78.pdf#pa ge=159>.
Acesso em: 20 jul. 2020. p. 165.
617
ASSIS, Araken. Manual da execução, 20. ed.
618
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 835-838.
619
RODRIGUES, Marcelo Abelha. O novo CPC e a tutela jurisdicional xecutiva (parte 1) Revista de
Processo, São Paulo, RT, v. 244, p. 87-151, jun. 2015.
203
avaliação: “A retirada da expressão ‘sem eficácia retroativa’ do texto final do art. 537, §
1º, do Novo CPC continua a permitir a redução do valor consolidado da multa”620.
Há ainda autores que defendem a relativização da regra em face do possível
choque entre princípios. É o caso de Humberto Thedoro Júnior, que mesmo admitindo que
a mudança legislativa exclua, ao menos em regra, a possibilidade de alteração da multa
vencida, evoca a necessidade da análise casuística para que o citado dispositivo seja
aplicado de forma “justa e razoável”:
Fredie Didier Júnior, Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael
Alexandria de Oliveira também saem em defesa da possibilidade de superação da regra
geral de impossibilidade de redução da multa vencida com base na existência de eventual
choque entre a efetividade da tutela jurisdicional e a vedação ao enriquecimento sem causa
do credor.622
Dessa forma, constata-se que nem mesmo a ressalva legal do artigo 537,
parágrafo 1º, do Código de Processo Civil acerca da multa vencida foi capaz de resolver a
celeuma em torno da mutabilidade das astreintes na fase executória na medida em que
parte da doutrina ainda defende a possibilidade de redução do montante final alcançado
pela multa em sede de execução, por considerar que o instituto da coisa julgada não se
opera na parte da decisão que fixa as astreintes.
620
NEVES, Daniel Assumpção. Novo CPC - Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015, p. 352.
621
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 835-838.
622
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 617.
204
julgados em que referido valor alcance patamar bem superior ao da obrigação principal.623
E não são poucas as decisões dessa natureza que passam ao largo da análise da
significativa alteração legislativa em comento na medida em que se observa a adoção dos
mesmos argumentos utilizados para fundamentar decisões sob a égide do Código de
Processo Civil de 1973.624
Por outro lado, alguns julgados de Tribunais de Justiça de estados da federação,
como Rio de Janeiro625 e Rio Grande do Sul626627, mostram-se atentos à alteração
legislativa, passando a decidir sobre a impossibilidade de alteração da multa vencida.628
No Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a definição da questão por se tratar
de regra expressa em lei federal, embora ainda não se tenha enfrentado especificamente o
tema pelo prisma da evolução legislativa aqui debatida, pode-se vislumbrar que a questão
vem sendo analisada por duas perspectivas diferentes quando comparadas às das Turmas
que integram a Segunda Seção daquela Corte, embora ambas admitam que as astreintes
não estejam sujeitas à coisa julgada e que, portanto, podem ser reduzidas a qualquer
tempo.
623
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 289.
624
BEN, Angélica Caetano. Astreintes: possibilidade de redução de ofício pelo magistrado após o trânsito
em julgado da decisão. 2017. 58f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade
de Santa Cruz do Sul, Capão da Canoa, 2017. p. 38.
625
“Agravo de instrumento. Execução de astreintes. Redução de ofício com fundamento no artigo 461, §6ª
do CPC/1973. Decisão agravada proferida já sob a égide do Novo Código de Processo Civil. Lei processual
que tem aplicação imediata. Impossibilidade de redução de multa vencida, fixada em sentença já transitada
em julgado, e contra a qual a parte ré sequer interpôs recurso. Vedação contida no artigo 537, §1ª, I do
NCPC. A multa por descumprimento é instrumento que visa dar efetividade ao processo, e se, no caso
concreto, atingiu valor expressivo, isto se deveu à própria conduta desidiosa da parte que se furtou ao
cumprimento de comando judicial. Restabelecimento do valor fixado em sentença. Jurisprudência do TJ/RJ.
Recurso provido.” RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0030602-
13.2016.8.19.0000. Relator: Desembargador Pedro Saraiva de Andrade Lemos, Décima Câmara Cível.
Brasília, DF, 28 de setembro de 2016. Publicação DJe 03/10/2016.
626
“RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. TELEFONIA. COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO
DAS FATURAS. SUSPENSÃO INDEVIDA DO SERVIÇO. ASTREINTES MANTIDAS.
OBSERVÂNCIA AO §1º DO ART. 537 DO NOVO CPC. DANO MORAL AFASTADO. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DE ABALO A ATRIBUTO DA PERSONALIDADE DA AUTORA. INEXISTÊNCIA
DE PREVISÃO LEGAL PARA IMPOR DANOS MORAIS COM CARÁTER MERAMENTE PUNITIVO.
RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDO.” RIO GRANDE DO SUL.
Tribunal de Justiça. Turmas Recursais. Recurso Cível nº 71005776208. Relator: Luís Francisco Franco,
Terceira Turma Recursal Cível. Porto Alegre, RS, 28 de julho de 2016. Publicação DJe 02/05/2016.
627
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 281.
628
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
158-167, jan./abr. 2017. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista78/revista78.pdf#pa ge=159>.
Acesso em: 20 jul. 2020. p. 167.
205
Devem ser erigidos pelos tribunais ao menos vetores para uma mais adequada
fixação da multa e ainda para eventual limitação do quantum eventualmente
acumulado: i) o valor e a importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo e
periodicidade adequados para cumprimento; iii) capacidade econômica e de
resistência do devedor; iv) viabilidade de adoção de outras medidas e o dever do
credor de mitigar o próprio prejuízo.631
629
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 158.
630
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 159.
631
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 1733695 SC 2018/0077019-7.
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Publicação DJ 02/02/2021.
206
632
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 160.
633
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 161
634
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 1714990 (MG) 2017/0101471-4.
Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 18/10/2018.
635
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 1714990 (MG) 2017/0101471-4.
Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 18/10/2018.
207
636
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial
(EAREsp) n. 650536 RJ 2015/0006850-7. Relator: Ministro Raul Araújo, CE – Corte Especial. Brasília,
DF 7 de abril de 2021. Publicação DJe 03/08/2021.
208
637
Quanto ao mérito, os Srs. Ministros João Otávio de Nunes, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge
Mussi, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator. Vencidos os
Srs. Ministros Herman Benjamin e Laurita Vaz, que negavam provimento aos embargos de divergência.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros
Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Og Fernandes e Paulo de Tarso Sanseverino.
638
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial
(EAREsp) n. 650536 RJ 2015/0006850-7. Relator: Ministro Raul Araújo, CE – Corte Especial. Brasília,
DF, 7 de abril de 2021. Publicação DJe 03/08/2021.
209
Seguindo essa mesma linha de intelecção, conclui-se que, ainda que já tenha
havido redução anterior do valor da multa cominatória, não há vedação
legal a que o magistrado, amparado na constatação de que o total devido
a esse título alcançou montante elevado, reexamine a matéria novamente,
caso identifique, diante de um novo quadro, que a cominação atingiu
patamar desproporcional à finalidade da obrigação judicial imposta.
Nesse diapasão, em atenção aos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, é recomendável a redução, quantas vezes forem
necessárias, do valor das astreintes, sobretudo nas hipóteses em que a sua
fixação ensejar valor superior ao discutido na ação judicial em que foi
imposta, a fim de evitar eventual enriquecimento sem causa [Grifos do
autor]. 639
639
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial
(EAREsp) n. 650536 RJ 2015/0006850-7. Relator: Ministro Raul Araújo, CE – Corte Especial. Brasília,
DF, 7 de abril de 2021. Publicação DJe 03/08/2021.
210
640
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial
(EAREsp) n. 650536 RJ 2015/0006850-7. Relator: Ministro Raul Araújo, CE – Corte Especial. Brasília,
DF, 7 de abril de 2021. Publicação DJe 03/08/2021.
211
No caso dos autos, não vislumbro exorbitância no valor das astreintes, tendo em
vista a conduta da ora agravante que não trouxe provas do cumprimento a
contento da decisão. Ao revés, consta dos autos a mora de 38 dias da parte para
fornecer o medicamento, o que evidencia a sua recalcitrância no cumprimento
da determinação judicial.642
641
Ag Int. no Ig Int. no RESP n. 1769708/PR; Ag Int no EDcl no RESP n. 1716234/PE; AgInt no Edcl no
ARESP n. 1808921/PI; AgInt no ARESP n. 1309837/RS; AgInt no Edcl no RESP n. 1841809/AM; AgInt
no ARESP n. 1353907/PR; AgInt no ARESP n. 1479019/SP; AgInt no ARESP n. 1500279/RS; AgInt no
ARESP n. 1569696/RJ; AgInt no ARESP n. 1638130/SP; AgInt no ARESP n. 1758478/SP; AgInt no
ARESP n. 1726726/PE; AgInt no ARESP n. 1805732/RJ; AgInt no ARESP n. 1786526/PR; AgInt no
ARESP n. 1807418/RJ; AgInt no RESP n. 1824152/PR; AgInt no RESP n. 1920817/SP; AgInt no Ag Int no
ARESP n. 951419/AC; AgInt no ARESP n. 1.880.329/RJ; RESP n. 1.840.280/BA; e RESP 1.778.885/DF.
642
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Agravo em Recurso Especial (AgInt no
AResp) n. 1758478 (SP) 2020/0236692-2-7. Relator: Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma. Publicação DJ
04/06/2021.
212
alcançado pela multa, apenas constando a sua redução unitária de R$1.000,00 para
R$300,00 por dia, sem limitador final de incidência.
No caso do AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1500279/RS, analisado pela
Quarta Turma, sob a relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, a multa unitária de
R$1.000,00 aplicada para forçar o cumprimento de obrigação principal avaliada em
R$19.930,68, alcançou, diante do inadimplemento da obrigação, o valor de R$342.370,00,
o que levou o juízo de primeiro grau a reduzi-la para a quantia de um (1) salário mínimo,
limitada a trinta (30) dias de incidência – ainda que o descumprimento tenha durado um
ano – totalizando R$28.140,00. Diante disso, em sede de agravo de instrumento, no
Tribunal de origem, revogou-se parcialmente a decisão de primeiro grau para reduzir a
multa ao valor unitário de R$500,00, que no caso geraria um crédito de R$182.500,00. Em
sede de recurso especial, o STJ, considerando principalmente o valor da obrigação
principal, reformou o acordão do TJRS, mantendo incólume a decisão de primeiro grau
que reduzira a multa para R$28.140,00.
Em outro caso analisado pela Quarta Turma, sob a relatoria do Ministro Antônio
Carlos Ferreira, a causa fora valorada em R$200.000,00 e a multa astreinte fixada no valor
unitário de R$10.000,00 no ano de 2011. As credoras, no entanto, só informaram o
descumprimento da decisão seis anos depois, em 2017, apresentando planilha de cálculo
no valor de R$34.760.000,00. No caso, provocado mediante agravo de instrumento, o
TJSP deu provimento ao recurso, porém postergou para momento futuro a quantificação
das astreintes, eis que “diante da ausência de elementos suficientes para analisar a
ocorrência ou não ao enriquecimento sem causa das agravadas, prudente aguardar-se, ao
menos, a apuração do montante principal”. Dessa decisão o credor interpôs recurso
especial, admitido e não provido, especialmente em razão da quebra do seu dever de boa-
fé, que deixou de observar o princípio do duty to mitigate the loss.
Ainda na Quarta Turma, porém sob a relatoria do Ministro Marcos Buzzi,
examinou-se o AgInt no AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 951419/AC. Entre os
acórdãos analisados, esse foi o que demonstrou com maior clareza os critérios utilizados
para fundamentar a decisão. Tratava-se de multa fixada em valor diário de R$1.000,00,
posteriormente majorada para R$2.000,00, que diante da recalcitrância do devedor
alcançara a monta de R$492.000,00. O juízo de primeiro grau, na fase de execução,
reduziu o montante para R$30.000,00. Em sede de agravo de instrumento interposto no
tribunal de origem, o valor foi majorado para R$150.000,00.
214
Por ocasião da análise dos ministros, o valor foi novamente readequado, agora
para R$64.000,00, com a justificativa de que o valor unitário deveria ser ajustado para
R$200,00, considerando que situações de recalcitrância na exclusão do nome do devedor
de serviços de proteção ao crédito, com base nos precedentes da Corte, as multas deveriam
ser aplicadas de R$200,00 a R$500,00 por dia, a depender do período de duração da
desobediência judicial.
Por fim, no caso do AgInt nos Edcl no Recurso Especial n. 1716234/PE, julgado
pela Quarta Turma, também sob a relatoria do Ministro Antônio Carlos Ferreira, adotou-se
posição sui generis na medida em que do reconhecimento da possibilidade jurídica de
redução das astreintes não resultou a adequação do valor pelo próprio Tribunal, que
determinou o retorno dos autos a sua origem para que o juízo da causa realizasse eventual
adequação.
No que tange aos acórdãos que negaram a redução das astreintes, adentrando o
mérito, dois chamam atenção, em razão da fundamentação utilizada pelos ministros.
O primeiro acórdão se refere ao RESP n. 1.840.280/BA, julgado na Terceira
Turma, sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, cujo voto restou vencido
com a divergência inaugurada pela Ministra Nancy Andrighi, divergência esta que acabou
por formar maioria. No caso, buscava-se a revisão de multa diária fixada em R$1.000,00
para o cumprimento de obrigação médica, cuja recalcitrância causara o óbito do autor,
acarretando consequentemente a interrupção da contagem da multa quando esta alcançou o
valor de R$365.000,00.
Para negar provimento ao recurso, a ministra definiu critérios que podem ser
observados em casos semelhantes, como se nota do item 5 da ementa:
643
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial (REsp) n. 1840280 (BA) 2019/0155135-1.
Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 09/09/2021.
215
644
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial (REsp) n. 1778885 (DF) 2018/0295739-5.
Relator: Ministro Og Fernandes, Segunda Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 21/06/2021.
216
645
SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Compreendendo os "precedentes" no Brasil: fundamentação de decisões
com base em outras decisões. Revista de Processo, São Paulo, v. 226, p. 349-370, dez. 2013. p. 1.
217
646
GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 173.
647
COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos: o sistema de precedentes
vinculantes do common law. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 752, p. 11-21, jun. 1998. p. 17.
648
RE, Edward De. Stare decisis. Revista de Processo, São Paulo, v. 73, p. 47-54, jan.-mar. 1994. p. 47.
649
LAMY, Eduardo de Avelar. Aspectos polêmicos do novo CPC. Florianópolis: Empório do Direito,
2016. p. 217-218.
218
direito costumeiro pode criá-lo, acreditando “que a certeza jurídica apenas poderia ser
obtida mediante o stare decisis”650.
Pedro Miranda de Oliveira afirma que “o distanciamento entre esses dois
modelos teóricos tem diminuído ao longo dos tempos” e que enquanto a jurisprudência
ganha destaque nos países que adotam o sistema codicista, nos países de origem anglo-
saxônica tem-se evidenciado um movimento de positivação.651
Embora a ideia original proveniente do sistema de civil law pressuponha um juiz
limitado à aplicação da norma positivada ao caso concreto, uma série de fatos sociais,
políticos e econômicos fizeram com que, ao longo do tempo, a atividade jurisdicional
ganhasse maior protagonismo e o Judiciário paulatinamente passasse, utilizando técnicas
de interpretação, a criar normas ao invés de apenas aplicá-las ao caso concreto por meio de
um processo de subsunção.
Como assevera Leonard Schmitz, “os Tribunais Superiores passaram a ser os
produtores iniciais e finais dos sentidos e significações da lei. O direito passa a ser – quase
que exclusivamente – aquilo que é dito e repetido pelos pretórios” 652.
Novamente, invocando a doutrina de Pedro Miranda de Oliveira, “o direito vivo
se exercita diuturnamente nos juízos e tribunais, primeiro com o embate entre as diversas
teses sustentadas pelos patronos das partes, depois quando estas mesmas teses são
examinadas na fundamentação das sentenças e acórdãos”653. Assim, não há como negar a
importância dos precedentes para a melhor implementação do sistema jurídico,
especialmente no contexto brasileiro.
Nesse sentido, embora não vinculantes, os precedentes jurisprudenciais já
evidenciavam uma carga persuasiva significativa, capaz de fundamentar decisões judiciais
mesmo contra texto expresso de lei. Tal atividade legiferante presente nos tribunais
superiores começa a ser observada também nos tribunais locais e até mesmo na atividade
de cada magistrado na vara em que atua, que se sentindo responsável por “fazer justiça”,
envereda-se para o ativismo judicial, seja aplicando ao caso concreto normas que destoam
650
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/2015, 3. ed., p. 155-156.
651
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis. 1. ed. São Paulo: Tirant Lo Blanch,
2021. p. 546.
652
SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Compreendendo os "precedentes" no Brasil: fundamentação de decisões
com base em outras decisões. Revista de Processo, São Paulo, v. 226, p. 349-370, dez. 2013. p. 2.
653
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis, p. 544-545.
219
654
FREIRE, Alexandre. Precedentes judiciais: conceito, categorias e funcionalidade. In: LUCON, Paulo
Henrique dos Santos; MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro (coord.). Panorama atual do CPC. Florianópolis:
Empório do Direito, 2017. v. 2. p. 13-42. p. 14.
655
SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. Precedentes e jurisprudência: uma distinção necessária no sistema
jurídico brasileiro. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v. 10, n. 3, 2º quadrimestre 2015. Disponível em:
www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em: 25/05/2021. ISSN 1980-7791. p. 5.
220
489, parágrafo 1º, incisos V e VI, 926 e 927, criando um verdadeiro sistema fundado em
precedentes.
Embora se possa concordar que o sistema de precedentes brasileiro buscou
inspiração em outros modelos, como na common law americana656, é praticamente
consenso entre os doutrinadores que a evolução legislativa que culminou no Código de
Processo Civil de 2015 criou um modelo próprio, que alguns chamam de “precedentes à
brasileira”.657
A positivação da necessidade de respeito aos precedentes no CPC/15 pode ser
considerada um marco no processo de legitimação de determinados precedentes judiciais
como instrumento normativo apto a eliminar a ambiguidade na interpretação/aplicação das
normas abstratas, no afã de gerar segurança jurídica, isonomia e utilização mais racional
do direito ao acesso ao Judiciário, emprestando mais integridade ao sistema de justiça
brasileiro, que nem por isso perde sua matriz de civil law.
Mesmo quando adota os precedentes como fundamento de decisões judiciais, o
CPC/15 o faz de maneira completamente diferente da técnica adotada tradicionalmente
nos países de common law, onde a decisão anterior é utilizada como pressuposto do
processo de formação da norma para o caso concreto, diferentemente do previsto no
sistema brasileiro atual, que permite que a decisão paradigmática sirva como norma
abstrata a ser aplicada ao caso concreto, desempenhando papel muito semelhante ao que
tradicionalmente sempre coube à lei.658
Assim, a mudança, relacionada ao sistema, dar-se-ia em razão da premissa maior
a ser utilizada no sistema de subsunção, em que a lei seria substituída por determinadas
decisões judiciais dotadas previamente de eficácia vinculante.
O sistema de precedentes formais do Código de Processo Civil de 2015 pode ser
assim chamado em razão da definição de uma série de instrumentos processuais que se
ligam entre si, em torno da ideia de simplificação procedimental com relação a casos que
envolvam a aplicação de precedentes formalmente vinculantes, assim definidos a priori
pelos tribunais competentes, mediante mecanismos processuais próprios.
656
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis, p. 543.
657
MEDEIROS, Isabela Pinheiro; FAVERO, Gustavo Henrichs. Racionalidade ética dos precedentes: uma
crítica ao critério formal adotado no CPC/2105. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; MIRANDA DE
OLIVEIRA, Pedro (coord.). Panorama atual do CPC 2. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. v. 2. p.
239.
658
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis, p. 557.
221
659
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/2015, 3. ed.
660
KREBS, Hélio Ricardo Diniz. A importância dos direitos fundamentais para o sistema de
precedentes. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2015.
222
661
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro.
662
SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. Precedentes e jurisprudência: uma distinção necessária no sistema
jurídico brasileiro. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v. 10, n. 3, 2º quadrimestre 2015. Disponível em:
www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em: 25/05/2021. ISSN 1980-7791. p. 24.
663
SARTORI, Ellen Carina Mattias; SCHNEIDER, Caroline. O Novo Código de Processo Civil e os
precedentes vinculantes: Reflexões em busca de uma aplicação adequada. Revista de Processo, Jurisdição
e Efetividade da Justiça, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 66-86, 2016.
223
signifique ofensa à coisa julgada material. Recentemente, a Corte Superior manteve essa
mesma posição quando analisou o recurso Embargos de Divergência EAREsp n. 650036.
Esse julgamento serviu para reforçar a antiga jurisprudência da Corte quanto à matéria.
À parte da questão acerca do acerto da decisão quanto à possibilidade jurídica de
redução/exclusão da multa vencida decorrente de título judicial transitado em julgado,
outra questão chama atenção: a falta de critérios mínimos para instruir a adequada
aplicação da norma pelos magistrados e pelos tribunais inferiores.
Da forma como vêm sendo proferidas, as decisões do Superior Tribunal de
Justiça pouco ou nada colaboram para a pacificação da questão no país. Na verdade, a
Corte Superior apenas declara, de maneira abstrata, a possibilidade de redução/revogação
das astreintes mesmo após o trânsito em julgado, a depender do caso concreto, sem, no
entanto, definir os critérios a serem observados pelo magistrado na execução deste mister.
É o que, inclusive, observou-se na breve pesquisa jurisprudencial realizada nos acórdãos
do próprio STJ, que mesmo proferidos após a definição do tema em sede de embargos de
divergência, continuam a tratar a questão de forma absolutamente casuística e desprovida
de qualquer critério minimamente objetivo. Desse modo, quando, por algum motivo
subjetivo, o magistrado entende que a multa deve ser reduzida, assim procede evocando os
citados precedentes sem a devida explicação das razões pelas quais decidiu aplicá-los ao
caso concreto. Por outro lado, quando entende, também por motivos pouco declinados nas
decisões, não ser o caso de alteração da multa, o julgador costuma evocar o Enunciado 7
da Súmula do STJ para negar admissibilidade ao recurso.
Dessas constatações, extrai-se que a situação, como está posta, permite ao STJ e
consequentemente aos demais órgãos fracionários uma margem discricionária tão extensa
quanto insuportável, prática esta que caminha na contramão dos objetivos claramente
instituídos pela jurisdição brasileira nas últimas décadas, especialmente após o advento do
CPC/15.
Em contraponto à ideia de definição de regras por meio de precedente, poder-se-
ia dizer que a questão se mostra predominantemente fática, o que tornaria impossível a
definição de critérios jurídicos capazes de, a priori, balizar a aplicação da norma em casos
semelhantes. Todavia, adianta-se, não parece ser esse o caso.
De início, é importante frisar que inexistem questões meramente de fato,
tampouco meramente de direito. Fato e direito se entrelaçam no momento da intepretação
224
664
“Desaparece, portanto, a idéia de independência entre quaestio facti e quaestio juris, que resultam em
estreita conexão, no sentido de progressiva e reciprocamente determinarem-se: a aplicação da norma ao fato
consiste na determinação (na descoberta) da sua coincidência, através de um movimento circular de
compreender, que procede a uma pluralidade de níveis sucessivos: ‘é o direito que define e determina aquilo
que no processo constitui o fato’.” KNIJNIK, Danilo. Os standards do convencimento judicial: paradigmas
para o seu possível controle. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 353, n. 353, p. 15-52, 2001. p. 19-20.
225
665
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 322.
226
666
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 337).
667
ZAVASCKI, Teori Albino. Coisa julgada em matéria constitucional: eficácia das sentenças nas relações
jurídicas de trato continuado. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. 2001. Disponível em:
http://www. abdpc. org. br/abdpc/artigos/Teori%20Zavascki. Acesso em: 13 ago. 2021. p. 7.
668
ZAVASCKI, Teori Albino. Coisa julgada em matéria constitucional: eficácia das sentenças nas relações
jurídicas de trato continuado. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. 2001. Disponível em:
http://www. abdpc. org. br/abdpc/artigos/Teori%20Zavascki. Acesso em: 13 ago. 2021. p. 10.
227
669
AMERICANO, Jorge. Cláusula "Rebus Sic Stantibus". Revista da Faculdade de Direito de São Paulo,
São Paulo, v. 29, p. 345-351, 1933.
670
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 112.
671
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão, p. 90.
228
stantibus, esta seria adaptada ao estado de fato superveniente, o que não atingiria a coisa
julgada, mas a reconheceria como tal”672.
Teori Zavascki, sobre o tema, sustentava que a coisa julgada, especialmente em
situações de trato continuado, pressupõe a inclusão implícita da cláusula rebus sic
stantibus:
672
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil, p. 212.
673
ZAVASCKI, Teori Albino. Coisa julgada em matéria constitucional: eficácia das sentenças nas relações
jurídicas de trato continuado. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. 2001. Disponível em:
http://www. abdpc. org. br/abdpc/artigos/Teori%20Zavascki. Acesso em: 13 ago. 2021. p. 9-10.
674
YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória – juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005.
p. 174.
229
conjectura em vista da qual foi proferida”675, sem que contudo tenha produzido eficácia
sobre a nova situação fática apresentada após o trânsito em julgado da decisão anterior.
Da mesma forma, para que o respeito à coisa julgada material formada até então
se materialize, é essencial proceder à correta definição dos efeitos temporais da nova
decisão proferida diante do novo contexto fático/jurídico.
O marco temporal a ser observado não é a data em que se formou a coisa julgada,
tampouco a data em que se tenha proferido a nova decisão, mas sim a data em que tenham
ocorrido as modificações de fato ou de direito que deram azo à nova decisão. É até aquela
data e somente até aquele momento que a nova decisão deve retroagir; antes disso,
consequentemente, manter-se-ão imutáveis os efeitos da coisa julgada com relação à
decisão anterior, que será até aquele momento exigível.
Por último, ressalte-se que ao aplicar instituto da cláusula rebus sic stantibus não
se estará a provocar choque com a dogmática da coisa julgada, especialmente pelo caráter
ex nunc desta modulação do julgado. Dessa maneira, resguarda-se o instituto da coisa
julgada da primeira decisão até o momento ensejador da alteração do julgado e “não se
estaria violando a coisa julgada da primeira sentença quando advir uma nova regra a partir
da revisão, já que a revisão não tem efeito ex tunc (com efeito retroativo)”676.
675
NETTO, Nelson Rodrigues. Notas sobre a coisa julgada no processo individual e no processo
coletivo. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, Oliveira Rocha, n. 34, p. 91-130, 2006. p. 17.
676
MELO, Ana Carolina Santana de. A influência das decisões do Supremo Tribunal Federal e seus
reflexos sobre a coisa julgada tributária das relações jurídicas do tipo continuado. 2018. 42f. Trabalho
de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018. p. 15.
230
constitucional da res iudicata, forte na noção de que a multa coercitiva não faz coisa
julgada material por representar mero acessório do comando judicial. A segunda corrente,
reconhecendo a mudança promovida pelo Código de Processo Civil de 2015,
especificamente prevista no §1º do artigo 537, ou ainda por motivos que já embasavam
entendimento em sentido semelhante mesmo sob a égide do CPC/73, entende que eventual
modificação das astreintes só poderia atingir parcelas vincendas.
Para os adeptos da segunda corrente, uma vez transitada em julgado a decisão que
fixara as astreintes, operar-se-ia, ao menos quanto às parcelas vencidas até aquele
momento, a coisa julgada material, impedindo a sua modulação na fase de cumprimento
de sentença.
Entre os que rechaçam a redução da multa vencida, há aqueles que embora
admitam a operação da coisa julgada sobre esta parcela da decisão reconhecem a
possibilidade de aplicação da cláusula rebus sic stantibus, considerando a natureza
continuada da obrigação principal e, consequentemente, da multa que lhe é acessória.
Nesse caso, seria possível a modificação da multa mesmo após o trânsito em julgado da
decisão que a fixou caso sobrevenha fato superveniente ao trânsito em julgado, situação na
qual a decisão que reduziu ou excluiu a astreinte poderá retroagir até a data em que se
materializou a nova circunstância.
Diante desse cenário, a resposta jurídica adequada para a definição de uma
convenção operativa no tocante à mutabilidade da multa astreinte não parece passar pela
simples análise da relativização ou não da coisa julgada, mas pela natureza da decisão que
fixa as astreintes, de modo que para cada espécie de decisão haverá uma possibilidade
jurídica distinta.
A par das dissonâncias verificadas, objetiva-se na presente pesquisa apontar
critérios para solucionar a problemática acerca da coisa julgada em relação às astreintes,
tarefa que será realizada por meio de uma interpretação sistemática do Código de Processo
Civil de 2015, a partir da premissa de que não há como vislumbrar uma única resposta
possível para o caso, considerando que as astreintes são arbitradas em momentos
processuais distintos, o que pode gerar efeitos processuais também distintos.
Assim, nas seções seguintes, pretende-se investigar se os efeitos temporais da
mutabilidade das astreintes podem variar de acordo com a natureza da decisão que as
tenha fixado, apresentando qual seria a solução mais adequada para cada hipótese.
231
Toda vez que uma relação jurídica é levada a juízo ela se torna objeto de
cognição judicial, que conforme a divisão estrutural do Código de Processo Civil se divide
em duas categorias: cognição exauriente, que resulta na tutela definitiva, e cognição
sumária, que se manifesta por meio de tutela provisória. 677
Na cognição exauriente, procede-se a aprofundado debate processual acerca do
objeto da demanda por meio do exame minucioso dos fatos e do direito evocado pelos
litigantes. Dessa maneira, permite-se uma “maior perspectiva de acerto quanto à solução
de mérito, desaguando-se na imutabilidade da solução pela formação da coisa julgada. Daí
também a indicação doutrinária de que se trata de tutela definitiva”678.
A tutela jurisdicional definitiva, predisposta a produzir resultados imutáveis
cristalizados pela coisa julgada material, encontra previsão no artigo 487 do Código de
Processo Civil, sendo prestada “pela execução da decisão jurisdicional final de mérito,
portanto após o seu trânsito em julgado com resolução versando sobre os temas de
mérito”679.
A cognição sumária, por outro lado, consiste na tutela jurisdicional não definitiva
cuja prestação se dá “a título de tutela de urgência (arts. 300 a 310), de tutela de evidência
(art. 311) ou de cumprimento provisório da sentença (art. 520 a 522, além da
provisoriedade de decisões liminares fundadas nos art. 536 a 538)”680, situação na qual se
situa o cumprimento provisório das astreintes fixadas em decisão interlocutória.
A decisão proferida em sede de cognição sumária resulta na tutela provisória e se
perfectibiliza sem um profundo debate sobre o objeto da decisão, sendo, então, uma tutela
precária fundada na urgência ou na evidência. Quando tal tutela é concedida, as partes e o
juiz devem estar cientes da possibilidade intrínseca de a decisão ser revogada ou
modificada a qualquer tempo, pois enquanto perdurar o desenvolvimento do
procedimento, “é possível às partes trazer novos elementos capazes de alterar a convicção
677
LAMY, Eduardo de Avelar. Tutela provisória, p. 1.
678
NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência
antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. Revista do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 56, p. 63-91, 2015. Disponível em:
http://www.mprj.mp.br/documents/20184/1282730/Dierle_Nunes_&_Erico_Andr de.pdf. Acesso em: 2
set. 2021. p. 65.
679
LAMY, Eduardo de Avelar. Tutela provisória, p. 1.
680
LAMY, Eduardo de Avelar. Tutela provisória, p. 1.
232
681
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; SILVA, Larissa Clare Pochmann da. A tutela provisória no
ordenamento jurídico brasileiro: a nova sistemática estabelecida pelo CPC/2015 comparada às previsões do
CPC/1973. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Tutela provisória. Bahia: JusPodivm, 2019. p. 33.
682
NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência
antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. Revista do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 56, p. 63-91, 2015. Disponível em:
http://www.mprj.mp.br/documents/20184/1282730/Dierle_Nunes_&_Erico_Andr de.pdf. Acesso em: 2
set. 2021. p. 65.
683
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 225.
233
pelo que a nova decisão judicial que revogar ou modificar, a qualquer tempo, a
tutela provisória, ocorre tendo em vista novos fatos que impliquem alteração
sobre a convicção formada a respeito dos requisitos que ampararam
anteriormente a decisão sobre a tutela provisória. Lado outro, inexistindo
alteração no cenário fático, tendo por base, então, os mesmos fatos, não é
possível nova decisão sobre a tutela provisória, porquanto implicaria ofensa à
preclusão pro iudicato. 684
684
THEODORO JUNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila
Gomes Norato. Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro, não paginado (e-book).
685
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 178.
686
ALVIM, Teresa Arruda. Da liberdade do juiz na concessão de liminares. In: ALVIM, Teresa Arruda
(coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 543.
687
ALVIM, Teresa Arruda. Da liberdade do juiz na concessão de liminares. In: ALVIM, Teresa Arruda
(coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, p. 544.
234
688
NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência
antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. Revista do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 56, p. 63-91, 2015. Disponível em:
http://www.mprj.mp.br/documents/20184/1282730/Dierle_Nunes_&_Erico_Andr de.pdf. Acesso em: 2
set. 2021. p. 65.
689
SOUZA, Artur César de; SORRILHA, Rubia Cristina. A estabilização da tutela provisória de urgência
antecipada no novo código de processo civil. Revista de Processo, Jurisdição e Efetividade da Justiça,
Brasília, v. 3, p. 137-157, 2017. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/210566418.pdf. Acesso em:
2 set. 2021. p. 138.
690
SOUZA, Artur César de; SORRILHA, Rubia Cristina. A estabilização da tutela provisória de urgência
antecipada no novo código de processo civil. Revista de Processo, Jurisdição e Efetividade da Justiça,
Brasília, v. 3, p. 137-157, 2017. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/210566418.pdf. Acesso em:
2 set. 2021. p. 153.
691
REALE, Ana Luísa Fioroni. A multa astreinte como importante medida de apoio, prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, diante do artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil, p. 95.
235
não se pode olvidar que dado o escopo das astreintes, que se consubstancia no auxílio à
efetivação da prestação principal devida pelo devedor ao credor. E na hipótese der não ser
reconhecido o direito do credor à pretensão principal, não há motivo para a manutenção
das astreintes, que devem ser suprimidas quando a decisão final de mérito for de
improcedência, ou seja, nos casos em que a tutela provisória que as fixou não for
confirmada por ser julgado improcedente o pedido principal.692-693
Dessa relação de prejudicialidade da multa em relação à obrigação principal
advém a conclusão de que, se eventualmente o autor for vencido em seu pedido principal
no fim da demanda, restará inexigível a multa fixada antecipadamente. Ou seja, “cassada a
liminar ou a sentença em decisão de improcedência – sempre de caráter declaratório
negativo – o seu efeito é ex tunc, isto é, revoga-se o que foi concedido”. Tanto é verdade
que a exequibilidade da decisão que fixa as astreintes em sede de tutela provisória só se
perfectibiliza por meio do cumprimento provisório de sentença, por conta e risco do
exequente.694
Por tudo isso, e especialmente levando-se em conta a característica acessória das
astreintes, conclui-se que “revogado o principal (que é o provimento), revoga-se o
acessório (que é a multa)”695.
Diferente situação ocorre na confirmação ou arbitramento das astreintes na
sentença definitiva de mérito, após a cognição exauriente do magistrado, com o posterior
trânsito em julgado da demanda, conforme se demonstrará adiante.
Com relação à limitação da redução da multa vencida, nos termos do artigo 537,
§1º, do Código de Processo Civil e de uma interpretação sistemática do Código, entende-
se que o reconhecimento da multa vencida fica condicionado a sua fixação em sede de
decisão (judicial ou arbitral) transitada em julgado.
Desse modo, a redução ou revogação das astreintes fixadas em tutela provisória
não sofreriam qualquer limitação temporal até o trânsito em julgado do processo que as
tenha fixado. Isso ocorre porque as astreintes fixadas liminarmente são revestidas de
provisoriedade, portanto incompatível com o termo vencida, que revela caráter definitivo.
692
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 166.
693
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 209.
694
FUX, Luiz. A reforma do processo civil, comentários e análise crítica da reforma
infraconstitucional do Poder Judiciário e da reforma do CPC. Niterói: Impetus, 2006. p. 153.
695
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 231.
236
Assim, embora seja permitida a sua exigibilidade imediata, será de maneira precária,
condicionada ao procedimento de cumprimento provisório que por sua própria natureza se
reserva às hipóteses de cumprimento de decisões cuja possibilidade de modificação com
efeito retroativo é possível e até esperada pelas partes. E se assim não fosse e se não se
admitisse a possibilidade de revogação e/ou redução da multa fixada em sede de tutela
provisória com eficácia retroativa não haveria razão para que se condicionasse a sua
exigibilidade, nesta fase, ao rito do cumprimento provisório.
Cabe pontuar ainda que a tutela provisória, embora tenha sua eficácia contida,
uma vez confirmada em decisão judicial (sentença/acórdão) transitada em julgado, o
reconhecimento será de eficácia plena desde o dia em que foi provisoriamente fixada,
sendo, pois, exigível daquela data em diante.
Por fim, Julio Manrique de Lara Morales traz importante observação do ponto de
vista consequencialista, quando afirma que a possibilidade de redução das astreintes em
sentença pode fazer com que um devedor, antes recalcitrante, repense a sua atitude e
cumpra com a obrigação, visando, também, a redução ou até mesmo a supressão das
astreintes.696
Em resumo, pode-se concluir que a astreinte fixada em sede de tutela provisória
pode ser revista a qualquer tempo até a prolação de decisão definitiva a seu respeito. A
provisoriedade inerente a decisões dessa natureza afasta a limitação do parágrafo 1º do
artigo 537 do CPC/15, não se podendo considerar vencida –não de maneira plena – a
multa que, embora incida imediatamente, dependa de decisão judicial posterior – de
caráter definitivo – para ter a sua eficácia confirmada.
697
GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil - Recursos e processos da competência originária dos
tribunais. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2015, v. III.
698
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis.
699
DONIZETTI, Elpídio. Curso de direito processual civil. Disponível em: Minha Biblioteca, (24th
edição). Grupo GEN, 2021.
700
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro.
238
coisa julgada se opera por capítulos701, de modo que o capítulo não impugnado pelo
recorrente restará acobertado pela coisa julgada, segundo o princípio do tantum devolutum
quantum appellatum.
Dessa forma, o capítulo da decisão que fixou as astreintes e suas características,
como valor e periodicidade, se não impugnado pelo recorrente, transitará em julgado,
permitindo a execução definitiva desta parcela do título judicial702, como garante
expressamente o artigo 523 do CPC703. Porquanto definitiva, a multa fixada nessas
circunstâncias, ao menos aquelas vencidas até o momento do trânsito em julgado, será tida
por vencida e, portanto, inalterável, nos termos do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15.
Neste ponto importa ressaltar a questão do efeito expansivo objetivo dos
recursos, que consiste na capacidade, extraordinária, que o “efeito da decisão resultante do
recurso interposto seja mais abrangente do que o reexame da matéria impugnada”704.
Nesses casos, certos “atos ou decisões posteriores à decisão impugnada poderão deixar de
produzir seus efeitos pela incompatibilidade que terão com a decisão proferida no
recurso”705.
Ainda que não impugnado o capítulo da decisão que tenha tratado da fixação das
astreintes – o que, em tese, importaria no seu trânsito em julgado deste –, a iniciativa da
parte devedora em delimitar o efeito devolutivo de seu recurso com relação à obrigação
principal alvo das astreintes cominadas evitará que a parcela da decisão sobre tais multas
passe em julgado. A não sujeição desse capítulo à coisa julgada, mesmo não tendo sido
impugnado especificamente no recurso, é resultante da prejudicialidade lógica existente
entre ambas as questões.
Como as astreintes servem de acessório a algum pedido principal, e sendo este
pedido considerado improcedente, não há como se defender a subsistência das astreintes,
que não existem por si sós. Dessa interdependência necessária é que se extrai a aplicação
do efeito expansivo objetivo à espécie.
701
CARBONI, Fernando Machado. Coisa julgada parcial de capítulos de sentença. Revista do
CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, Florianópolis, v. 1, n. 3, p. 138-160, 2015.
702
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro.
703
“Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão
sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente,
sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se
houver.”
704
SHIMURA, Seiji et al. Curso de direito processual civil. 3. ed. Disponível em: Minha Biblioteca,
Grupo GEN, 2013.
705
SHIMURA, Seiji et al. Curso de direito processual civil.
239
Ao contrário do que ocorre com as decisões não acobertadas pelo manto da coisa
julgada, as tutelas provisórias ou até mesmo decisões de natureza definitiva – sentença e
acórdão – sobre as quais ainda pendem recursos, uma vez transitada em julgado a decisão
que tenha fixado as astreintes, sua rediscussão é, em regra, vedada pela imutabilidade
inerente ao instituto da coisa julgada. Ao magistrado caberá, no curso da execução, exigir
o cumprimento da multa, sem que lhe seja, regra geral, autorizado alterar ou suprimir o
que já se acha assentado na decisão.706
Nesta pesquisa, é importante salientar, parte-se do pressuposto de que não há
disposição legal – seja sob a égide do CPC/15 ou até mesmo no âmbito do CPC/73 – que
autorize a interpretação segundo a qual as astreintes não fariam coisa julgada porque são
meros acessórios processuais: primeiro, pela absoluta ausência de previsão legal para
sustentar essa afirmação; segundo, pelo fato de que outros tantos institutos jurídicos de
cunho acessório não receberam o mesmo tratamento do legislador, solidificando-se como
imutáveis quando houver o trânsito em julgado da decisão que tenha fixado a multa, como
ocorre em relação a honorários sucumbenciais, multa por litigância de má-fé ou por ato
atentatório da justiça, por exemplo.
Dizer que a astreinte é instrumento processual de caráter acessório significa
aceitar o fato de que depende do principal. Assim, na hipótese de a decisão principal ser
afastada, afastada também deve ser a incidência da multa que lhe é acessória. Isso não
significa que apenas por ser acessória a astreinte não sofre os efeitos de todas as outras
disposições constantes de um título judicial, especialmente quando mantida incólume a
obrigação principal cujo cumprimento busca servir.
706
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 80.
240
Porém, para se admitir eventual óbice de coisa julgada, é preciso admitir que a
modificação do valor da multa pode se dar independentemente de alteração na
situação de fato, uma vez que, existindo tal alteração, não se pode pensar em
barreira de coisa julgada, já que a sentença e, por consequência, a coisa julgada
espelham uma situação jurídica e fática que existia em determinado instante. Ou
seja, a coisa julgada, formada a partir de determinada situação de fato, jamais
impedirá outra ação, fundada em ‘fatos novos’, já que esta ação necessariamente
fará surgir outra coisa julgada, que, assim, nada tem a ver com a anteriormente
fundada com base em ‘fatos velhos’.709
707
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 336.
708
TALAMINI, Eduardo. A coisa julgada no tempo: os ‘limites temporais’ da coisa julgada. Revista do
Advogado, São Paulo, ano XXVI, n. 88, p. 56-63, novembro 2006. p. 21.
709
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 805.
710
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 238.
241
711
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 337.
712
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 387.
713
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 338.
714
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, art. 461; CDC, art 84,
p. 245.
242
715
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 615.
716
DIAS, Maria Berenice. Princípio da proporcionalidade para além da coisa julgada. 2010. Disponível
em:
http://mariaberenicedias.com.br/manager/arq/(cod2_530)10__principio_da_proporcionalidade_para_alem_d
a_coisa_julgada.pdf. Acesso em: 2 set. 2021. p. 1.
243
juízo da execução, a quem cabe, naquela fase processual, adotar os meios necessários à
satisfação do crédito.
Esse exemplo guarda outra semelhança com o tema das astreintes: a construção
de uma falácia. Nas ações de alimentos é comum que se repita que “alimentos não fazem
coisa julgada”, o que não é necessariamente verdade, uma vez que, por clara imposição
legal constante do artigo 1.699 do Código Civil717, a revisão da verba alimentar está
necessariamente condicionada à alteração da situação fática. Assim, não poderá o
magistrado alterar o valor dos alimentos, e por analogia o valor das astreintes, apenas
porque entende que a decisão anterior os fixou em valor muito elevado ou diminuto, sob
pena de ferir a coisa julgada.
A afirmação de que as astreintes fixadas em decisão transitada em julgado fazem
coisa julgada, podendo ser alteradas exclusivamente se comprovados fatos supervenientes,
é embasada no artigo 505, inciso I, do Código de Processo Civil e reforçada por uma
interpretação sistemática da inovação legislativa advinda do Código de Processo Civil
acerca da multa coercitiva, especialmente no que tange ao contido no artigo 537, §1º, do
mesmo Código, que limitou a possibilidade de alteração ou revogação da multa vincenda,
revelando a existência da “coisa julgada material na multa vencida, aquela já consolidada
no tempo em que a medida judicial restou descumprida”718.
No momento da definição final das astreintes na sentença/acórdão, vale lembrar,
o julgador tem a sua disposição todos os elementos de fato e de direito disponíveis até
então e, certamente, leva-os em consideração para manter/reduzir/majorar/revogar as
astreintes, estabelecendo sobretais elementos um juízo de mérito especificamente
fundamentado, cuja eficácia deve ser protegida, ao menos daquele momento para trás.
Esse, inclusive, é outro argumento apto a afastar a possibilidade de redução da multa
vencida, por ter alcançado valor elevado. Na verdade, se o valor é alto, ele já o era no
momento da prolação da sentença/acórdão e isso não foi elemento suficiente para alterar o
provimento judicial, não se admitindo sua alteração em sede de cumprimento de sentença,
sob pena de ofensa à coisa julgada material.
717
“Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na
de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução
ou majoração do encargo.”
718
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 280.
244
719
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 338.
720
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: execução, processos nos
tribunais e meios de impugnação das decisões, p. 213.
245
721
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Do agravo de instrumento. In: FREIRE, Alexandre (coord.).
Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1377.
722
GOUVÊA, de José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Guilherme Aidar; FONSECA, João Francisco Naves
da (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil (arts. 994-1044), p. 132.
246
723
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: execução, processos nos
tribunais e meios de impugnação das decisões, p. 213.
248
crédito ora executado, os meios de defesa dispostos ao devedor são reduzidos quando
comparado com o procedimento reservado à execução dos títulos extrajudiciais.
As matérias de defesa admitidas no procedimento de impugnação estão adstritas
às hipóteses do artigo 525 do CPC/15. Na impugnação, o executado poderá alegar: I -
falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; II -
ilegitimidade de parte; III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; IV -
penhora incorreta ou avaliação errônea; V - excesso de execução ou cumulação indevida
de execuções; VI - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VII -
qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação,
compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.
Ao comparar os embargos à execução com a impugnação ao cumprimento de
sentença, percebe-se que as matérias alegáveis naquele recurso são muito mais amplas,
conforme rol previsto no artigo 917724 do Código de Processo Civil, como assenta
Marcelo Abelha:
Assim, justamente pelo fato de não ter havido um prévio processo cognitivo, já
que a eficácia abstrata do título decorre da lei processual, o legislador conferiu
ao executado a possibilidade de que este, por via de embargos à execução,
utilizasse como fundamento não só os elementos constantes no art. 525 (rol
taxativo para os casos de impugnação à execução fundada em título judicial)
como qualquer outro que lhe seria lícito deduzir como defesa em um processo
de conhecimento (art. 917, VII).725
Observa-se ainda que o último inciso do artigo 917 do Código de Processo Civil
dá uma amplitude muito maior aos meios de defesa do executado nos embargos à
execução quando comparado ao rol restritivo da impugnação ao cumprimento de
sentença. Daí se pode concluir que nos embargos é licito ao embargante alegar qualquer
meio de defesa que lhe seria permitido apresentar em um processo de conhecimento. Essa
amplitude se justifica pelo fato de o título executivo ter sido formado sem ter passado
pelo crivo da cognição judicial, ao contrário dos títulos executivos judiciais, que se
originam da fase cognitiva anterior, seja ela judicial ou arbitral.
Quanto à alterabilidade das astreintes por força de fato superveniente, a hipótese
legal a permitir a sua alegação em sede de impugnação ao cumprimento de sentença
724 “
Art. 917. Nos embargos à execução, o executado poderá alegar: I - inexequibilidade do título ou
inexigibilidade da obrigação; II - penhora incorreta ou avaliação errônea; III - excesso de execução ou
cumulação indevida de execuções; IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução
para entrega de coisa certa; V - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VI - qualquer
matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.”
725
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 586.
249
parece estar disposta no artigo 525, §1º, inciso VII, do Código de Processo Civil, que
permite ao devedor a arguição de “qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação,
como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que
supervenientes à sentença”. É com base no citado inciso que se admite que o executado
sustente “em sua defesa, qualquer fato modificativo ou extintivo da obrigação, seja uma
exceção substancial, como a prescrição, seja uma objeção substancial, como o
pagamento”726.
Assim, podem ser alegadas por via da impugnação causas extintivas da
obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, ou ainda
causas modificativas, como as possíveis alterações no quadro fático e/ou jurídico aptas a
interferir na decisão acerca da fixação das astreintes e/ou de suas características, como
periodicidade e valor, desde que supervenientes à formação do título executivo. “Há de se
ressaltar que nem precisaria dizer ter ocorrido supervenientemente à sentença, uma vez
que, se foi anterior àquela, é sinal de que a matéria já tenha sido alegada e repelida pelo
órgão jurisdicional”727.
Embora não se olvide a possibilidade de alegação de situações supervenientes em
sede de impugnação ao cumprimento da sentença, o fato é que há divergências quanto ao
marco temporal, ou seja, a partir de quando as circuntâncias supervenientes podem
ocorrer.
De acordo com Fredie Didier Júnior, em atenção à eficácia preclusiva da coisa
julgada, o fato novo deve ser superveniente ao trânsito em julgado da decisão exequenda.
Nesse sentido, “a redação do inciso é equívoca, pois fala em ‘superveniente à sentença’,
quando deveria deixar claro que a superveniência deve ser em relação ao trânsito em
julgado da sentença – há uma elipse na frase”728.
Por outro lado, segundo Cassio Scarpinella Bueno, a exigência de superveniência
à sentença deve ser lida de maneira ampla, considerando o último momento em que, na
etapa de conhecimento, for possível ao réu alegar fato novo na demanda. Nesse caso,
mesmo que já tenha sido proferida a sentença, sendo possível ao réu alegar aqueles fatos
em sede recursal para que o tribunal, apreciando-os, verifique de que maneira sua
726
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 552.
727
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil, p. 582.
728
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 553.
250
ocorrência afeta o direito do autor, “não poderá o executado lançar mão da iniciativa na
impugnação”. Contudo, “na impossibilidade de fazê-lo, é evidente que o executado poderá
valer-se da impugnação para aquele fim” 729.
Com base nessa premissa, com a qual se concorda, o que importa é a inércia
culpável ou não do devedor; se teve a oportunidade de alegar o fato na fase de
conhecimento e não o fez deve suportar os efeitos da preclusão consumativa; caso
contrário, deve-se permitir que busque a revisão do julgado diante dos novos fatos,
considerando que não pôde fazê-lo na fase de conhecimento do respectivo processo.
Outro ponto relevante alude à eficácia preclusiva do próprio cumprimento de
sentença, no sentido de que cabe ao devedor o ônus de arguir as matérias aptas a opor a
execução na primeira oportunidade de manifestação posterior à sentença, sob pena de
preclusão, com exceção das nulidades absolutas, que poderiam ocorrer a qualquer
tempo.730
Com base nessa premissa, não tendo o devedor apresentado impugnação ao
cumprimento de sentença no prazo legal, ou se a apresentou sem sustentar determinada
causa de pedir, o pedido (de impugnação) restará fulminado pela preclusão, ficando
vedada a sua posterior suscitação, salvo nos casos de questões de ordem pública.
Essa regra, contudo, precisa ser temperada com a situação da cláusula rebus sic
stantibus. Causas supervenientes estão sujeitas a ocorrer conforme a variação temporal do
mundo real, que não necessariamente respeita os prazos do processo civil. Assim, é
possível que um fato superveniente ocorra após o prazo fixado para apresentação de
impugnação ao cumprimento de sentença pelo devedor. Essa circunstância não poderá
impossibilitar a arguição da matéria pelo devedor, sob pena de se permitir que uma
decisão continue a viger de forma indefinida sem que as bases fáticas e jurídicas que lhe
deram sustentação continuem a existir.
Dessas considerações resulta a importância da definição do tempo em que os
fatos supervenientes alegados ocorreram e quando puderam ser conhecidos pelo devedor.
Isso porque, caso o devedor tenha tomado conhecimento do fato superveniente após o
prazo que lhe fora assinalado para impugnação ao cumprimento de sentença, poderá arguí-
729
BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao Código de Processo Civil: da liquidação e do
cumprimento de sentença (arts. 509-538). In: GOUVÊA, de José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luis
Guilherme Aidar; FONSECA, João Francisco Naves da (coord.). São Paulo: Saraiva, 2018.
730
DIDDIER JUNIOR, Freddie. Novo CPC doutrina selecionada. E x e c u ç ã o . 2. ed. Salvador:
Juspodvim, 2016. v. V.
251
lo, mesmo após o referido prazo. A decisão que eventualmente reconhecer a situação
superveniente poderá retroagir até a data em que tiver ocorrido.
Por outro lado, se o fato novo ocorreu e o devedor dele tinha conhecimento até o
término do prazo previsto para apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença,
é seu dever fazê-lo no prazo legal, sob pena de ter de assumir os efeitos da preclusão,
salvo em caso de matérias de ordem pública. Nesse segundo caso, restará ao devedor
buscar a revogação/modulação das multas vincendas, visto que expressamente permitidas
pelo parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, mediante petição avulsa nos próprios autos,
desde que demonstre não restarem mais satisfeitas as condições fáticas e jurídicas para a
sua incidência.
A situação é diferente quando não se vislumbrar hipótese de superveniência fática
ou jurídica da relação jurídica, pois não se pode deferir a modulação de astreinte na
impugnação ao cumprimento de sentença baseada em fatos ocorridos antes do trânsito em
julgado. Isso porque, como analisado, caso o executado não tenha inferido toda a matéria
de defesa na fase de conhecimento, as exceções então existentes não são mais passíveis de
análise, diante da eficácia preclusiva da coisa julgada disposta no artigo 508 do Código de
Processo Civil.
Nesses casos, diante de uma causa existente anteriormente ao título judicial que
deseja desconstituir, com vistas à modulação/revogação das astreintes, restará ao devedor
buscar a superação ou relativização da coisa julgada, utilizando os instrumentos
permitidos, seja por meio da ação rescisória, da querela nullitatis insanabilis, ou de outro
meio cabível para este desiderato. A procedência dessas ações, vale lembrar, poderá
afastar a coisa julgada, retirando assim o óbice processual-constitucional de análise sobre a
questão.
Em suma, o instrumento processual mais adequado para que a parte executada
requeira a revisão das astreintes após a propositura do cumprimento de sentença parece ser
a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença, fundado no artigo 525, §1º,
inciso VII, do Código de Processo Civil, exclusivamente na hipótese de sobrevir
comprovada causa modificativa ou extintiva no estado de fato ou de direito, apta a permitir
a aplicação da cláusula rebus sic stantibus e, assim, modular/revogar os efeitos das
astreintes com efeito retroativo até a data em que os fatos supervenientes tenham ocorrido,
ainda que anteriormente à propositura do cumprimento de sentença, porém limitados à
data do trânsito em julgado da decisão que serve de título judicial.
252
5 CONCLUSÃO
execução de decisões confirmadas por sentença (§ 3º); e, por fim, a determinação dos
termos inicial e final da exequibilidade da multa (§ 4º).
Quanto à natureza jurídica das astreintes no direito brasileiro, é importante
destacar o seu caráter coercitivo, não sancionador, ao não permitir a aplicação de astreintes
para compelir o devedor ao cumprimento de obrigação impossível, ainda que seja ele o
responsável por tornar irrealizável o seu adimplemento. Isso porque a medida de viés
coercitivo deve ser útil, não se admitindo a adoção de medidas executivas que visem
apenas prejudicar/penalizar o devedor, sem que isso represente um real benefício em favor
do credor, no sentido do cumprimento efetivo da obrigação a qual faz jus.
Ainda, com relação à natureza jurídica, é importante destacar o caráter acessório
da astreinte em relação à obrigação principal. Em outras palavras, a insubsistência ou
impossibilidade de cumprimento da obrigação principal gerará, por conseguinte, a
insubsistência da medida coercitiva acessória, a multa.
Do caráter patrimonial das astreintes, extrai-se a possibilidade de sua conversão
em crédito em favor do credor da obrigação. Essa medida é essencial para a seriedade do
instituto, o que acaba por originar uma das maiores inquietudes na prática forense,
especialmente nos casos em que o crédito resultante da aplicação da multa atinge valores
muito elevados.
A maior aproximação das astreintes brasileiras com o modelo francês, em
oposição ao modelo da contempt of court, rechaça, a princípio, a ideia de multa astreinte
como medida protetora da dignidade dos tribunais, ante o seu caráter não punitivo, função
esta já exercida por outros mecanismos processuais como a multa por litigância de má-fé
e/ou por ato atentatório à dignidade da justiça, o que, no entanto, não afasta a função de
instrumento também capaz de proteger a autoridade e a dignidade das Cortes nacionais.
Assim, quando se determinam medidas indutivas, coercitivas ou mandamentais
como as astreintes, mais do que garantir o direito material tutelado naquele caso concreto,
está-se a garantir o cumprimento das decisões judiciais/arbitrais. Significa dizer que para
atingir esse desiderato não importa o tipo de decisão nem quem a proferiu, mas sim, e
principalmente, atuar em favor da parte destinatária da tutela jurisdicional e garantir de
algum modo a autoridade e a dignidade da Corte.
Por serem ambas tratadas como multas, as astreintes podem ser confundidas com
a cláusula penal, valendo salientar que há mais divergências do que semelhanças.
Enquanto a astreinte possui natureza pública advinda de determinação judicial com o
255
escopo de garantir a efetividade de decisão judicial, a cláusula penal surge da livre vontade
de particulares, que a estipulam prevendo um montante indenizatório capaz de suportar
possíveis perdas e danos advindos de eventual inadimplemento contratual.
Ao contrário da cláusula penal, que atua em face do inadimplemento visando
compensar o dano já causado, as astreintes têm visão prospectiva no sentido de inibir que
algum ilícito ocorra, mediante pressão psicológica sobre aquele que pode evitá-lo. Nessa
perspectiva, as astreintes não podem ser vistas como medida de caráter compensatório,
pois o que se busca, precipuamente, é evitar que o dano ocorra ou, tendo havido prejuízo,
que a reparação se dê de forma in natura.
Dessa conclusão, emergem duas importantes implicações práticas: primeiro, não
se deve limitar o valor da astreinte ao valor da obrigação principal porque o artigo 412 do
Código Civil é inaplicável à espécie; segundo, é perfeitamente cabível a cumulação de
astreintes com a cláusula penal, não se configurando bis in idem, porque ambos os
institutos, embora apresentem alguma semelhança, fundamentam-se em escopos
inconfundíveis.
Embora as astreintes tenham surgido no direito brasileiro limitadas às obrigações
de fazer infungíveis, as sucessivas mudanças legislativas foram, paulatinamente, alargando
a sua hipótese de cabimento para obrigações de outra natureza, tanto que hoje já é possível
admitir a sua aplicação para obrigações de fazer e de não fazer, mesmo as fungíveis, de
dar coisa certa ou incerta e até mesmo para o caso de obrigação pecuniária.
No tocante às obrigações de fazer e de não fazer, o direito à tutela jurisdicional
efetiva indica que as astreintes, assim como as demais medidas executivas indiretas, não
devem ser pensadas como instrumento subsidiário às medidas de execução direta.
Portanto, ao optar por uma dessas duas medidas, o magistrado deve previamente
considerar as peculiaridades do caso, buscando a satisfação do crédito da forma mais
efetiva possível. Entretanto, embora a opção pela tutela específica da obrigação deva ser
priorizada, não significa que possa ocorrer ao arrepio de direitos fundamentais do devedor,
como no caso de obrigações de fazer que demandem inspiração artística, sob pena de se
atingir a sua liberdade criativa, que vai de encontro à própria natureza da prestação que
justamente pressupõe inspiração e liberdade.
Assim, em que pese a importância constitucional de garantir uma tutela
jurisdicional efetiva, que se materializa pela tutela específica da obrigação, se no momento
da análise do caso concreto e do sopesamento de eventuais princípios e direitos postos em
256
eficaz ao caso concreto, seja por força do parágrafo único do artigo 400 do CPC/15, ou
pela interpretação correta do Enunciado 371 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Sobre as obrigações de pagar quantia certa, a regra prevista no inciso IV do artigo
139 do CPC/15 é suficiente para afastar a resistência jurisprudencial que até então havia
quanto à possibilidade de aplicação de astreintes como técnica apta a compelir o devedor
ao cumprimento de obrigação pecuniária. Contudo, não se pode olvidar o caráter
coercitivo e não penalizador do instituto, de modo que não se deve admitir a aplicação de
astreintes para compelir o devedor ao pagamento quando não existir patrimônio suficiente
para tal.
Admite-se ainda a aplicação de astreintes no procedimento arbitral, uma vez que
a Lei de Arbitragem permite à parte o requerimento da tutela liminar diretamente no
procedimento arbitral (art. 22), desde que, naturalmente, a convenção arbitral não crie
óbice a esta segunda opção, seja porque a exclui expressamente, ou porque o regramento
do tribunal arbitral escolhido não preveja esta possibilidade.
Examinando os sujeitos dessa relação processual e suas características, tem-se
que o sujeito ativo, credor da multa astreinte, é aquele em favor de quem a obrigação
principal deveria ser cumprida. Esse assunto, é bem verdade, apresenta divergência.
Na discussão da PL 16/2010, que resultou no CPC/15, o Ministro do Superior
Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, capitaneou uma corrente que defendia a
destinação dupla da multa, dividindo-a entre Estado e credor, como ocorre em países como
Uruguai, Espanha e Portugal, o que inclusive já havia sido defendido pelo mesmo Ministro
em voto vencido quando se discutiu a matéria diante da anomia do então artigo 461 do
CPC/73. No entanto, esse não foi o entendimento adotado pelo legislador ao editar o
Código de Processo Civil vigente, quando incluiu a seguinte ordem no parágrafo 2º do
artigo 537: “§ 2o o valor da multa será devido ao exequente”.
Assim, restou consignado que cabe ao prejudicado a titularidade da multa, o que
fulmina a celeuma outrora existente, evidenciando uma opção pelo caminho que mais se
adequa à finalidade das astreintes e ao princípio constitucional da efetividade.
A questão continua tormentosa quando as astreintes são fixadas no bojo do
processo coletivo, como no caso de ações civis públicas. Sobre esse aspecto, percebe-se
que as regras acerca da titularidade das astreintes devem seguir aquelas estabelecidas para
a titularidade dos danos a serem reparados em ações desta natureza.
258
731
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 131.
261
aquelas capazes de legitimamente atingir a tutela pleiteada, e idôneas no que tange à sua
eficácia, ou seja, devem produzir a “menor restrição possível à esfera jurídica do réu”732.
Diante do cenário atual, no qual a obrigação não pode ser simplesmente
transformada em pecúnia, levando aos meios expropriatórios típicos, tendo em vista que
ao credor é garantido o direito de exigir a obrigação in natura, surge a necessidade de
aperfeiçoamento de técnicas processuais aptas a garantir o cumprimento das prestações
obrigacionais, especialmente quando se referirem à natureza outra que não a de pagar
quantia certa.
Entre as técnicas de execução indireta, o instituto das astreintes é um importante
elemento que atua para auxiliar a consecução das obrigações, especialmente na sua forma
in natura Por seu papel essencial no enforcement das obrigações, a multa astreintes é uma
das técnicas processuais mais utilizadas como medidas de execução indireta ma medida
em que é capaz de atuar sobre a vontade do obrigado e, ao mesmo tempo, garantir
proteção à sua liberdade, eis que a coerção se dá por meio de pressão financeira.
A mera fixação de astreintes não será capaz de gerar o efeito que dela se espera
caso o devedor não as reconheça como ameaça real e iminente, o que só ocorrerá se a sua
exequibilidade for garantida pelo sistema jurídico vigente. Caso contrário, a multa não
passará de mera promessa vã de ameaça de um mal que o destinatário sabe que nunca
chegará a atormentá-lo.
Adentrando as regras práticas de exequibilidade da quantia resultante da astreinte,
a definição do termo inicial da incidência possui importante papel no estabelecimento da
quantia devida. Neste ponto, defende-se que a multa incide a partir do dia posterior ao
descumprimento do prazo fixado para o cumprimento da obrigação, contado desde a
efetiva intimação do devedor da obrigação.
Esse vencimento independe de nova intimação, conforme posição adotada por
Rafael Caselli Pereira, que defende a superação do Enunciado 401 da Súmula do STJ em
razão da Lei 11.232/2005, que instalou o procedimento sincrético, por meio do qual a
execução do julgado passou a caracterizar nova fase de um mesmo processo, motivo pelo
qual a interpelação para cumprimento não mais se daria pela via da citação pessoal, mas
pela intimação do advogado do obrigado, no diário oficial.
Outro tema polêmico no tocante ao início da incidência das astreintes alude à
multa aplicada em sentença. Como a decisão é passível de recurso de apelação com efeito
732
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 145.
262
suspensivo, logo, referida multa não seria exigível, o que acabaria por impedir a sua
incidência, que passará a contar após o prazo para interposição deste recurso.
Como a sentença, em regra, possui eficácia contida até que o seu trânsito em
julgado, ou a eventual recurso interposto não se confira efeito suspensivo, não há que falar
em exigibilidade da multa astreinte durante esse interim. Não obstante, uma vez exigível a
obrigação, seja pelo trânsito em julgado ou pela prolação de decisão que, por sua natureza,
permita o cumprimento provisório, a multa será contada desde a data da publicação da
sentença, incidindo, portanto, de forma retroativa.
Na prática, o escopo da concessão do efeito suspensivo ao recurso não é impedir
a incidência da decisão judicial até que o recurso seja por fim julgado, mas apenas impedir
a possibilidade de execução provisória da decisão e com isso sustar de forma temporária e
precária os seus efeitos até que se chegue a uma definição final do recurso. Portanto, é a
definição sobre o provimento ou não do recurso que terá a capacidade de interferir na
incidência da decisão judicial no período de tempo entre a interposição e o julgamento.
Quanto à apreciação do recurso, vale lembrar: se alcançar provimento, não haverá
incidido nenhum dia e caso algum valor tenha sido adimplido, deverá ser ressarcido; por
outro lado, não restando provido, todo o valor será devido ao credor, incluindo aquele
referente aos dias em que se aguardava o julgamento do recurso, independentemente de
haver sido concedido efeito suspensivo ou não.
A preocupação quanto à definição do termo final da multa astreinte se mostra
relevante na medida em que determina até quando poderá ser exigida do devedor,
limitando assim a quantidade de dias que poderão ser multiplicados pela multa estipulada.
Para além do óbvio encerramento da incidência da astreinte com o cumprimento da
obrigação, existem outras nuances que merecem atenção.
A questão do termo final de incidência da multa astreinte pode ser analisada pelo
prisma de duas características do instituto já abordadas nesta pesquisa, quais sejam: o seu
caráter coercitivo e o seu caráter acessório.
A propósito, pode-se traduzir o mencionado binômio da seguinte maneira:
existência de obrigação principal a ser adimplida e possibilidade real de seu cumprimento.
O primeiro vértice do binômio do término de incidência da multa astreinte pode ser
exemplificado a partir do adimplemento da obrigação quanto ao prazo e ao modo
determinados pelo juízo, ou seja, quando a multa cominatória atingir o seu fim – compelir
o devedor ao cumprimento da obrigação no prazo legal –, obviamente, ela não terá mais
263
733
“Portanto, é forçoso reconhecer que, à luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada
no julgamento do REsp 1200856/RS, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução
provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito.” BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial (RESP) n. 1.958.679 GO. Relatora: Min. Nancy Andrighi, Terceira
Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 25/11/2021.
265
multa por estes argumentos terá poucos incentivos para cumprir ordens judiciais em
demandas futuras.
A alteração/supressão das astreintes fixadas em decisão transitada em julgado
enfrenta ainda a questão da ofensa à coisa julgada: enquanto uma corrente advoga a
impossibilidade em face da ofensa ao princípio da coisa julgada; outra milita a favor de
sua redução e até mesmo exclusão durante o procedimento de cumprimento de sentença,
em nome da máxima da proporcionalidade, considerando ainda não ser a multa coercitiva
acobertada pela coisa julgada material, porquanto meramente acessória da causa de pedir
principal.
A análise da disciplina das astreintes à luz da coisa julgada leva ao raciocínio de
que uma vez fixada em sentença transitada em julgado a astreinte também seria afetada
pela coisa julgada material, o que impediria sua revisão, salvo nos casos em que se admite
a chamada relativização da coisa julgada.
Não obstante, o fato é que na práxis jurídica tem-se admitido a relativização da
coisa julgada, especialmente a chamada coisa julgada inconstitucional, o que se faz por
meio da ponderação entre o princípio da segurança jurídica e aquele eventualmente
violado pela decisão tida por inconstitucional. Entretanto, é necessário cautela na análise
de situações dessa natureza, visto que a sua proliferação desenfreada nos tribunais pode
causar insegurança jurídica aos jurisdicionados, que terão de conviver ad eternum com a
incerteza de uma futura desconstituição de uma decisão transitada em julgado.
A visão do STJ sobre o tema sofreu alterações com o passar do tempo, desde o
Leading Case REsp 705.914/RN até resultar na consolidação da tese pelo Tema 706,
quando a Corte interpretou a questão, passando a permitir que o magistrado, na fase de
cumprimento de sentença da obrigação de fazer, alterasse ou excluísse o valor da multa
aplicada ante o argumento de que sobre ela não haveria a incidência da coisa julgada,
devendo-se modulá-la de acordo com os primados da razoabilidade e da
proporcionalidade.
Com base nessa conclusão, pode-se dizer que as astreintes, não obstante sua
gênese acessória, quando fixadas em decisão transitada em julgado passam a integrar o
título judicial, como capítulo autônomo, não havendo razão para que a coisa julgada não
se opere sobre este capítulo. Assim, tal parcela da decisão também ostentará força de coisa
julgada, não podendo o Poder Judiciário examinar novamente a questão já decidida, ao
menos não de forma retroativa.
270
tema pelo prisma da evolução legislativa aqui debatida, pode-se vislumbrar que a questão
vem sendo analisada por duas perspectivas diferentes quando comparadas às turmas que
integram a Segunda Seção daquela Corte, embora ambas admitam que as astreintes não se
sujeitam à coisa julgada e que, portanto, podem ser reduzidas a qualquer tempo. A
primeira posição, comumente adotada na Terceira Turma, entende ser possível reduzir a
astreinte quando o valor fixado se mostrar excessivo em relação à obrigação principal,
considerado o momento da fixação da multa, rechaçando, assim, a possibilidade da
redução pela mera desproporção entre o valor final alcançado pela recalcitrância do
devedor. A posição que costuma ser aplicada pela Quarta Turma se ancora nas máximas
da proporcionalidade e da razoabilidade, em conjunto com a vedação ao enriquecimento
sem causa. Por esse entendimento, pode-se dizer que é possível reduzir a multa levando
em conta o montante acumulado, sendo irrelevante a adequação dos valores impostos
inicialmente.
Em 7 de abril de 2021, a Corte Especial do STJ julgou o EARESP 650.536/RJ,
interposto em face de acordão proferido pela Quarta Turma do STJ. Ao analisar o recurso,
a Corte Especial do STJ decidiu, por maioria, que a multa do artigo 537 do CPC/15 pode
ser modificada inclusive de ofício, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão que a
fixou, ainda que sobre esta já tenha havido pronunciamento judicial, até mesmo na fase de
cumprimento de sentença.
Visando investigar o impacto desse precedente na Corte, utilizou-se o sítio
eletrônico do tribunal para pesquisar todos os acórdãos proferidos sobre o tema, desde a
data do julgamento dos Embargos de Divergência 650.536/RJ (07 de abril de 2021) até a
data de 20 de setembro de 2021, compreendendo assim um período de aproximadamente
cinco meses e meio.
Merece destaque o fato de que dos 21 julgados selecionados apenas três foram
proferidos por câmaras de direito público (um da Primeira Turma e dois da Segunda).
Embora se reconheça a possibilidade de redução das astreintes sem a limitação da coisa
julgada, em dois julgados negou-se provimento aos recursos pelo impeditivo da Súmula 7
do STJ; em outro o entendimento foi oposto ao afirmar ser inviável a revisão da multa
vencida.
Quanto ao comportamento das Turmas de direito privado da Corte Superior,
cujas distinções acerca da análise dessa matéria já restaram retratadas no desenvolvimento
do trabalho, não é demais lembrar que, enquanto na Quarta Turma metade dos casos
272
resultaram na redução das astreintes (4 em 8), na Terceira Turma tal provimento ocorreu
em 20% dos casos (2 em 10).
O que se pode extrair dos julgados analisados é que há pouca padronização
acerca dos critérios utilizados pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça, tanto no
que se refere ao conhecimento do recurso quanto à análise do mérito propriamente dito.
Certamente a utilização de termos demasiadamente abertos como “desproporcional” e
“excessivo”, e a indefinição de regras claras quanto à matéria – especialmente após os
embargos de divergência em que se afastou qualquer limite objetivo para revisão da multa
–, não contribuem para a desejável previsibilidade das decisões judiciais.
Ao menos neste momento histórico, nota-se um considerado déficit de
fundamentação na maioria das decisões, o que indica que a redução das astreintes se dá
por critérios absolutamente subjetivos, a depender de cada ministro e/ou turma que analisa
o processo.
Da forma como vêm sendo proferidas, as decisões do Superior Tribunal de
Justiça em pouco ou nada colaboram para a pacificação da questão no país na medida em
que apenas se declara, de maneira abstrata, a possibilidade de redução/revogação das
astreintes mesmo após o trânsito em julgado, a depender do caso concreto, sem, no
entanto, definir os critérios que deveriam ser observados pelo magistrado ao proferir a
sentença. É o que, inclusive, pode-se observar na breve pesquisa jurisprudencial dos
acórdãos do próprio STJ, que mesmo proferidos após a definição do tema em sede de
embargos de divergência, continuam a tratar a questão de forma absolutamente casuística
e desprovida de qualquer critério minimamente objetivo.
Desse modo, quando se entende, por algum motivo subjetivo, que a multa deve
ser reduzida, assim se procede evocando os citados precedentes sem a devida explicação
das razões que levaram os magistrados a aplicá-los ao caso concreto. Por outro lado,
quando se entende, também por motivos pouco declinados nas decisões, não ser o caso de
alteração da multa, costuma-se evocar o Enunciado 7 da Súmula do STJ para negar
admissibilidade ao recurso.
Se a redução/revogação das astreintes continuará a ser admitida no direito
brasileiro, a despeito da redação do parágrafo 1º do art. 537 do CPC, deve-se ao menos
estabelecer critérios claros, garantindo maior previsibilidade ao credor e efetividade à
medida ao afastar a confiança do devedor de que a multa, em algum momento, será
fatalmente reduzida. Esses critérios podem ser definidos, especialmente diante da atual
273
ordem constitucional e processual brasileira, que oferece instrumento adequado para tanto,
por meio do sistema de precedentes, sem falar que o tema necessita, como poucos, alguma
racionalidade jurisprudencial.
Na tentativa de preenchimento desse vácuo legislativo-jurisprudencial, buscou-se
nesta pesquisa, mediante um aprofundamento do tema, propor regras capazes de balizar a
aplicação do direito à matéria da forma mais previsível possível, em respeito à segurança
jurídica, à coisa julgada e à tutela jurisdicional efetiva.
Diante desse cenário, a resposta jurídica adequada para a definição de uma
convenção operativa no tocante ao instituto não parece passar pela simples análise da
relativização ou não da coisa julgada, mas sim pela natureza da decisão que fixa as
astreintes, de modo que para cada espécie de decisão haverá uma possibilidade jurídica
distinta.
A par das dissonâncias verificadas, a presente pesquisa objetivou apontar critérios
para solucionar a problemática acerca da coisa julgada em relação às astreintes por meio
de uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil de 2015. Para tanto, partiu-
se da premissa de que não há como vislumbrar uma única resposta possível para o caso,
uma vez que as astreintes são arbitradas em momentos processuais distintos, o que pode
gerar efeitos processuais também distintos.
A astreinte fixada em sede de tutela provisória poderá ser revista a qualquer
tempo até a prolação de decisão definitiva a seu respeito. A provisoriedade inerente a
decisões dessa natureza afasta a limitação do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, não se
podendo considerar vencida – ao menos não de maneira plena – a multa que embora incida
imediatamente dependa de decisão judicial posterior – de caráter definitivo – para ter sua
eficácia confirmada.
A astreinte fixada em sentenças ou acordãos não transitadas em julgado,
exequíveis de imediato ou não – a depender do efeito do recurso interposto contra elas –,
guardam como ponto de semelhança o fato de serem precárias e, portanto, sujeitas, por sua
própria natureza, às modificações realizadas pelos orgãos julgadores, a quem compete
analisar os recursos porventura interpostos.
O capítulo não impugnado da decisão que fixou as astreintes, com suas
características, como valor e periodicidade, em regra, transitará em julgado, permitindo a
execução definitiva desta parcela do título judicial, como garante expressamente o artigo
523 do CPC. Por essa mesma razão, porquanto definitiva, a multa fixada nessas
274
proferida anteriormente. Assim, para que se mantenha o respeito à coisa julgada material
formada anteriormente à alteração fática e/ou jurídica, os efeitos da nova decisão estarão
limitados à data em que tenham ocorrido as modificações de fato ou de direito que a
fundamentaram. É até aquela data e somente até aquele momento que a nova decisão
poderá retroagir, de modo a preservar a imutabilidade da multa vencida até então.
A afirmação de que as astreintes fixadas em decisão transitada em julgada fazem
coisa julgada, podendo ser alteradas exclusivamente se comprovados fatos supervenientes,
é embasada no artigo 505, inciso I, do Código de Processo Civil e reforçada por uma
interpretação sistemática da inovação legislativa advinda do mesmo Código acerca da
multa coercitiva, especialmente no que tange ao contido no seu artigo 537, §1º, que
limitou a possibilidade de alteração ou revogação da multa vincenda, mantendo a multa
vencida sob o manto da coisa julgada material.
Da interpretação sistematizada da legislação processual civil acerca dos institutos
da coisa julgada e das astreintes, extrai-se que a multa vencida após cognição exauriente é
indiscutível e inalterável na fase de cumprimento de sentença por fazer coisa julgada. No
entanto, a multa vencida após o trânsito em julgado do título judicial pode ser
modulada/revogada, nos termos do inciso I do artigo 505 do Código de Processo Civil,
quando sobrevier comprovada modificação no estado de fato ou de direito apto a
configurar a hipótese da cláusula rebus sic stantibus. Os efeitos da nova decisão, nessa
hipótese, deverão retroagir até a data da superveniência.
No caso de a astreinte ser fixada em sede de cumprimento de sentença ou em
processo de execução, diferentemente do processo de conhecimento, como a sentença que
extingue procedimentos desta natureza é meramente terminativa, cujo único escopo é
extinguir o feito por satisfação ou extinção da obrigação, não haveria razão para se
condicionar a eficácia plena das astreintes à sua confirmação em sentença transitada em
julgado.
Portanto, uma vez arbitrada a multa astreinte em decisão interlocutória proferida
na fase de cumprimento de sentença, ou em processo de execução de título executivo
extrajudicial, cabe à parte contrária interpor agravo de instrumento, sob pena de preclusão,
tornando assim, como preconiza o artigo 537, §1º, do Código de Processo Civil,
impossível a modulação das astreintes vencidas.
Observa-se, contudo, que incidem sobre as astreintes as mesmas regras acerca da
cláusula rebus sic stantibus aplicáveis aos títulos judiciais transitados em julgado em
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revogar as astreintes deve ter ocorrido após o trânsito em julgado, não podendo, assim,
produzir efeitos para além de sua ocorrência.
Por fim, com relação ao período de tempo entre a data do trânsito em julgado da
decisão que fixou as astreintes e a data que determinou a sua redução ou exclusão, é
possível a sua aplicação retroativa, uma vez que em se tratando de relação de trato
continuado, é provável que aconteçam situações de fato supervenientes ao trânsito em
julgado, capazes de alterar a relação jurídica, como o próprio cumprimento da obrigação
principal. Nesse caso, o dies ad quem da incidência da multa será a data em que se
considerar ocorrida a alegada situação superveniente, considerando a natureza declaratória
dessa decisão.
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