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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

RAFAEL NIEBUHR MAIA DE OLIVEIRA

LIMITES AOS EFEITOS RETROSPECTIVOS DAS DECISÕES QUE


REVOGAM OU ALTERAM ASTREINTES

Florianópolis
2021
RAFAEL NIEBUHR MAIA DE OLIVEIRA

LIMITES AOS EFEITOS RETROSPECTIVOS DAS DECISÕES QUE


REVOGAM OU ALTERAM ASTREINTES

Dissertação submetida ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Universidade Federal
de Santa Catarina para obtenção do título de
Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo de Avelar Lamy.

Florianópolis
2021
RAFAEL NIEBUHR MAIA DE OLIVEIRA

LIMITES AOS EFEITOS RETROSPECTIVOS DAS DECISÕES QUE


REVOGAM OU ALTERAM ASTREINTES

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora
composta pelos seguintes membros:

___________________________________________
Prof. Dr. Pedro Miranda de Oliveira
Universidade Federal de Santa Catarina

___________________________________________
Prof. Dr. Orlando Silva Neto
Universidade Federal de Santa Catarina

___________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Talamini
Universidade Federal do Paraná

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado
adequado para obtenção do título de mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação
em Direito.

___________________________________________
Coordenação do Programa de Pós-Graduação

___________________________________________
Prof. Dr. Eduardo de Avelar Lamy
Orientador(a)

Florianópolis
2021
Dedico este trabalho aos grandes amores da minha
vida. Siliana, minha esposa gentil, dedicada, amorosa
e capaz de despertar o que há de melhor em mim.
Obrigado por todo apoio e paciência, não só neste
projeto, mas em todos os outos que decidimos nos
engajar. Sou feliz e realizado por vários motivos, mas
nenhum deles supera a benção de ter encontrado em ti
o amor mais bondoso e carinhoso que poderia existir.
Pipoca, o ser não humano que mais amei na minha
vida. Sei que não podes ler, mas sei também que
podes sentir o quanto eu te amo e o quanto és
importante para nossa família. E, finalmente, a nossa
Helena, que chegou no fim de um ano tão intenso;
você veio para completar as nossas vidas com um
amor incondicional, que traz a paz no meio do caos e
que enche nossos corações de amor e alegria.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Rafael Francisco Dominoni, meu companheiro de jornada, que de


companheiro de advocacia se tornou sócio, antes de se transformar de um irmão de
coração com quem sei que posso contar para tudo em minha vida, em nome de quem
agradeço a todos aqueles que me proporcionaram a alegria de ensinar e de aprender a arte
da advocacia no escritório Dominoni e Maia Advogados.
Agradeço, em nome de minhas queridas e doces amigas Dra. Claudia Prudência e
Dra. Ildete Regina Vale da Silva, a todos os meus amigos oabeanos, responsáveis por
despertar em mim um amor intenso e dedicado às causas da advocacia, que neste percurso
me proporcionaram ensinamentos valiosos e momentos extretamente felizes.
Agradeço, em nome da querida e doce professora Adriana Bina da Silveira, às
Instituições de Ensino que me permitiram exercer um dos mais belos ofícios que a
humanidade já conheceu; os colégios estaduais, onde pude sentir pela primeira vez a
magia de estar diante de uma classe atenta; a UniSociesc, que me permitiu o ingresso no
ensino superior; o Instituto Valor Humano, onde iniciei minha carreira na Pós-Graduação
(Especialização) e, por fim, a Unifebe, minha alma mater, de onde vim e para onde voltei,
com muito orgulho, para devolver tudo aquilo que aprendi.
Agradeço, de maneira geral, a todos os meus alunos e ex-alunos, pela dedicação,
carinho e amizade e principalmente pelo privilégio de poder compartilhar momentos tão
importantes de vossa formação. Cada um de vocês me fez e me faz ser, além de um jurista,
um ser humano melhor.
Agradeço, em nome dos amigos Roberto Nasato Kaestner e Luan Eduardo
Stefller, aos colegas de Pós-Graduação, especialmente àqueles com quem tive o prazer de
compartilhar a sala de aula, que embora virtual em razão da pandemia da Covid-19, não se
tornou menos interessante, muito em razão da gentileza, do carisma e do brilhantismo de
cada um de vocês.
Agradeço, em nome do professor Dr. Pedro Miranda de Oliveira, a todo o Corpo
Docente e Diretivo do PPGD da UFSC, pelos conhecimentos compartilhados. Levo, com
muito carinho, cada momento desfrutado de tão elevado saber.
Agradeço, de maneira muito especial, ao meu brilhante orientador, Prof. Dr.
Eduardo de Avelar Lamy, dono de uma mente jurídica genial, que além da sapiência
técnica por mim esperada, ainda me proporcionou ensinamentos humanos de elevador
valor, que só fizeram aumentar a admiração que carregarei para o resto da vida. Tenho
extremo orgulho em dizer que fui seu orientando e que sou e sempre serei seu aprendiz.
E, por fim, porém não menos importante, agradeço, em nome de meus pais, Deisi
Niebuhr e José Carlos Maia de Oliveira (in memoriam), a minha família, por todo carinho,
suporte e amor, sem os quais, estou certo, nenhuma das minhas conquistas teria sido
possível.
A todos vocês, e também àqueles que esqueci de nomear, muito obrigado!
“É preciso força para sonhar e perceber
que a estrada vai além do que se vê.”
(Marcelo de Souza Camelo)
RESUMO

Objetiva-se com a presente pesquisa, inserida na linha de pesquisa Direito Privado,


Processo e Sociedade da Informação, perquirir até que ponto decisões judiciais que
alterem ou revoguem astreintes anteriormente fixadas podem apresentar efeitos
retrospectivos, impactando a multa vencida anteriormente a esta decisão. Parte-se de uma
investigação crítica sobre a possibilidade de alteração e até mesmo supressão do valor da
multa astreinte, o que se tem percebido na prática judicial e que tem o potencial de afetar
diretamente a credibilidade do próprio Poder Judiciário, diminuindo de certa forma a força
coercitiva das astreintes em face do caráter antipedagógico da decisão que reduz o seu
valor mesmo após ampla discussão a respeito, criando no devedor - especialmente o
contumaz - a sensação de que a multa cominada, quando executada, será reduzida. Nesse
sentido, utiliza-se da premissa de que, ainda que se admita a possibilidade de revisão das
astreintes, é necessário que se estabeleçam critérios de fundamentação desta decisão e que
se definam os limites aos efeitos retroativos que decisões desta natureza podem alcançar.
Com esse desiderato, utiliza-se do método dedutivo-monográfico, apresentando-se os
principais aspectos relacionados ao instituto das astreintes, passando por suas raízes
históricas, para identificar os principais aspectos acerca de sua natureza jurídica e de que
forma pode ser aplicado, a depender da espécie de obrigação que visa cominar o
cumprimento. Na sequência, examinam-se as regras de exequibilidade das astreintes,
iniciando-se pela reflexão acerca de sua relevância como instrumento processual apto a
proporcionar o direito à tutela jurisdicional efetiva, passando pela definição de dia de
início e de término da incidência da multa, até a definição de regras de execução, a
depender da natureza da decisão que tenha fixado a multa. Por fim, aborda-se a
possibilidade jurídica de redução/supressão da multa já fixada, à luz do § 1º do art. 537 do
CPC/15 e das recentes decisões do STJ. Aborda-se ainda a questão da ofensa à coisa
julgada, ponderando-se a sua incidência sobre as obrigações de trato continuado, em face
da cláusula rebus sic stantibus. Derradeiramente, por uma abordagem sistemática do
CPC/15, investigam-se quais os limites temporais a serem observados em decisões que
reduzam ou suprimam as astreintes, a depender da natureza da decisão que as tenha
fixado. Como resultado, conclui-se que, em se tratando de astreinte fixada em tutela
provisória, os efeitos retrospectivos serão ilimitados, uma vez que a precariedade é
característica própria e nuclear das tutelas desta natureza, não havendo motivos razoáveis
para que se excluam aprioristicamente as astreintes desta regra. Todavia, no caso de
astreinte fixada em decisão transitada em julgado, eventual decisão posterior que
determine sua revisão ou exclusão não poderá retroagir para além da data do trânsito em
julgado da decisão que a fixara. Isso pois, como a mutabilidade das astreintes está
condicionada à constatação de situação de fato superveniente, e considerando que pela
preclusão consumativa estas questões não são mais cognoscíveis se ocorreram antes do
trânsito em julgado, logicamente, o fato capaz de alterar ou revogar as astreintes deve ter
ocorrido após o trânsito em julgado, não podendo, assim, produzir efeitos para além de sua
ocorrência.
.
Palavras-chave: Direito processual civil. Execução civil. Astreintes. Medidas executivas
indiretas. Coisa julgada. Rebus sic stantibus. Dever de fundamentação das decisões
judiciais.
ABSTRACT

The objective of this research, inserted in the research line Private Law, Process and
Information Society, is to investigate the extent to which court decisions that change or
revoke previously fixed astreinants can present retrospective effects, impacting the fine
overdue prior to this decision. It starts with a critical investigation into the possibility of
changing and even suppressing the value of the astreinte, which has been perceived in
judicial practice and which has the potential to directly affect the credibility of the
Judiciary Branch itself, somewhat reducing the coercive force of the astreintes, given the
anti-pedagogical nature of the decision, which reduces its value even after extensive
discussion about it, creating in the debtor - especially the habitual one - the feeling that the
fine imposed, when executed, will be reduced. In this sense, it uses the premise that, even
if the possibility of reviewing the decision is admitted, it is necessary to establish criteria
to substantiate this decision, as well as to define the limits to the retroactive effects that
decisions of this nature can reach. With this aim, the deductive-monographic method is
used, presenting the main aspects related to the institute of astreintes, going through its
historical roots, to identify the main aspects about its legal nature and how it can be
applied depending on the type of obligation aimed at enforcing compliance. Next, the rules
of enforceability of the astreints are examined, starting by reflecting on their relevance as a
procedural instrument capable of providing the right to effective judicial protection,
passing by the definition of the start and end day of the fine, even the definition of
execution rules depending on the nature of the decision that fixed the fine. Finally, the
legal possibility of reducing/abolition of the fine already fixed is addressed, in light of p. 1
of art. 537 of CPC/15 and the recent decisions of the STJ. The issue of the res judicata is
also addressed, considering the incidence of this on the obligations of continued treatment,
in view of the rebus sic stantibus clause. Finally, it is investigated, by a systematic
approach of the CPC/15, which time limits to be observed in the decisions that reduce or
suppress the astreintes, depending on the nature of the decision that has fixed them. As a
result, it is concluded that, in the case of astreinte fixed in provisional guardianship, the
retrospective effects will be unlimited, since precariousness is a specific and core
characteristic of decision of this nature, with no reasonable reasons for aprioristically
excluding the astreinants from this rule. However, in the case of astreinte fixed in a final
and unappealable decision, any subsequent decision that determines its review or
exclusion cannot go back beyond the date of the final and unappealable decision that fixed
it. This is because, as the mutability of astreintes is subject to the finding of a supervening
fact situation, and considering that by the consummative estoppel these issues are no
longer cognizable if they occurred before the final decision, logically, the fact capable of
changing or revoking the astreines must have occurred after the final and unappealable
decision, thus not being able to produce effects beyond its occurrence.
.
Keywords: Civil procedural law. Civil execution. Astreintes. Indirect executive measures.
Res judicata. Rebus sic stantibus. Duty to substantiate court decisions.
LISTA DE SIGLAS

CPC/15 – Código de Processo Civil de 2015


CPC/39 – Código de Processo Civil de 1939
CPC/73 – Código de Processo Civil de 1973
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJRJ – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 14

2 ASTREINTES: NATUREZA JURÍDICA E APLICABILIDADE ................................ 19

2.1 CONCEITO.................................................................................................................... 19

2.2 NOÇÕES HISTÓRICAS ................................................................................................ 22

2.3 NATUREZA JURÍDICA ................................................................................................ 32

2.3.1 Caráter coercitivo ...................................................................................................... 32

2.3.2 Caráter acessório ....................................................................................................... 35

2.3.3 Caráter patrimonial ................................................................................................... 39

2.3.4 Astreinte como protetora da dignidade dos tribunais .............................................. 41

2.3.5 Diferenças para multa cominatória........................................................................... 43

2.3.6 Diferenças para cláusula penal .................................................................................. 45

2.4 HIPÓTESES DE CABIMENTO ..................................................................................... 48

2.4.1 Obrigações de fazer e de não fazer ............................................................................ 48

2.4.2 Obrigação de dar coisa .............................................................................................. 54

2.4.3 Obrigação de prestar declaração de vontade ............................................................ 56

2.4.4 Obrigação de exibir documento ................................................................................ 57

2.4.5 Obrigação de pagar quantia certa ............................................................................. 59

2.4.6 Deveres de natureza não obrigacional ...................................................................... 61

2.4.7 Aplicabilidade no procedimento arbitral .................................................................. 62

2.5 SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA ................................................................. 67

2.5.1 Sujeito ativo................................................................................................................ 67

2.5.2 Sujeito passivo ............................................................................................................ 72

2.5.2.1 A Fazenda Pública como sujeito passivo da multa ..................................................... 72

2.5.2.2 O terceiro como sujeito passivo da multa .................................................................. 76

2.5.2.3 O próprio autor como sujeito passivo da multa .......................................................... 78


2.6 POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE ASTREINTES COM OUTRAS
SANÇÕES/MEIOS DE COERÇÃO ..................................................................................... 80

2.7 CRITÉRIO PARA QUANTIFICAÇÃO DE ASTREINTES ........................................... 81

2.7.1 Análise da possibilidade de limitação a priori do valor da multa ............................. 85

3 ASPECTOS DESTACADOS ACERCA DA EXEQUIBILIDADE DO CRÉDITO


RESULTANTE DAS ASTREINTES ................................................................................. 89

3.1 O DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA.................................................. 89

3.2 A IMPORTÂNCIA DA EXEQUIBILIDADE DAS ASTREINTES COMO FATOR

DE EFICÁCIA PARA A VIABILIDADE DA TUTELA ESPECÍFICA DAS

OBRIGAÇÕES .................................................................................................................... 94

3.3 CRITÉRIOS TEMPORAIS DE EXIGIBILIDADE E INCIDÊNCIAS DAS

ASTREINTES .................................................................................................................... 102

3.3.1 Termo inicial ............................................................................................................ 103

3.3.2 Termo final............................................................................................................... 107

3.3.3 Incidência de astreinte durante o período de tempo em que a decisão

restou suspensa por efeito suspensivo concedido a recurso ............................................ 112

3.4 A EXEQUIBILIDADE DA MULTA ASTREINTE DE ACORDO COM

A NATUREZA DA DECISÃO QUE A TENHA FIXADO ................................................ 113

3.4.1 Tutela provisória ...................................................................................................... 114

3.4.2 Sentença ................................................................................................................... 128

3.4.3 Decisão parcial de mérito ........................................................................................ 134

3.4.4 Decisão proferida nos tribunais............................................................................... 139

3.4.5 Decisão em processo de execução ou cumprimento de sentença ............................ 140

3.4.6 Exequibilidade nos juizados especiais ..................................................................... 149

3.5 ANÁLISE DA NECESSIDADE DE LIQUIDAÇÃO ANTERIOR À EXECUÇÃO

DA MULTA ASTREINTE ................................................................................................. 150


4 LIMITES AOS EFEITOS RETROSPECTIVOS DAS DECISÕES QUE

REVOGAM OU ALTERAM ASTREINTES .................................................................. 153

4.1 POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO/ALTERAÇÃO DE ASTREINTES ................... 153

4.1.1 Dever de fundamentação na decisão que revoga/altera astreintes ......................... 156

4.1.2 Critérios materiais para revogação/alteração de astreintes ................................... 161

4.1.3 Influência do comportamento da parte, boa-fé processual e duty to mitigate

the loss ............................................................................................................................... 166

4.1.4 Enriquecimento sem causa como motivo de redução de astreintes........................ 180

4.2 REVOGAÇÃO/ALTERAÇÃO DE ASTREINTES FIXADAS EM DECISÃO

TRANSITADA EM JULGADO E OFENSA À COISA JULGADA ................................... 174

4.2.1 Coisa julgada: relativização? .................................................................................. 174

4.2.1.1 Coisa julgada .......................................................................................................... 176

4.2.1.2 Relativização da coisa julgada ................................................................................. 178

4.2.2 Análise do Leading Case REsp 705.914/RN e do Recurso Especial Repetitivo

1.333.988/SP ...................................................................................................................... 184

4.2.3 Impossibilidade de redução de astreinte com base unicamente na razoabilidade

e na proporcionalidade em face da coisa julgada ............................................................ 188

4.2.4 Cenário jurídico após o advento do CPC/15 e o disposto no parágrafo 1º do

artigo 537 .......................................................................................................................... 197

4.2.5 Análise da jurisprudência pós-vigência do CPC/15................................................ 203

4.2.6 Possibilidade de resolução do problema da redução de astreintes por meio do

sistema de precedentes ..................................................................................................... 216

4.3 A ALTERABILIDADE DE ASTREINTE FUNDADA EM ALTERAÇÃO FÁTICA


EM FACE DE OBRIGAÇÕES DE TRATO CONTINUADO – INCIDÊNCIA DA

CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS .............................................................................. 226


4.4 ANÁLISE SISTEMÁTICA DO ARTIGO 537, PARÁGRAFO 1º, DO CPC/15
RELATIVAMENTE À DELIMITAÇÃO DE REGRAS TEMPORAIS PARA
ALTERAÇÃO DE ASTREINTE, DE ACORDO COM A NATUREZA JURÍDICA DA
DECISÃO QUE A TENHA FIXADO ............................................................................... 229

4.4.1 Astreintes fixadas em tutela provisória ................................................................... 231

4.4.2 Astreintes fixadas em sentença/acordão não transitada em julgado...................... 236

4.4.3 Astreintes fixadas em sentenção/acordão transitada em julgado........................... 239

4.4.4 Astreintes fixadas em processo de execução ou cumprimento de sentença ........... 244

4.5 SUGESTÃO DE PROCEDIMENTO PARA ALTERAÇÃO DE ASTREINTE

EM SEDE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ........................................................... 247

5 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 252

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 280


14

1 INTRODUÇÃO

O reconhecimento da tutela jurisdicional efetiva como garantia constitucional é


essencial ao desenvolvimento do direito. Isso porque decorre da garantia constitucional de
acesso à justiça, que deve ser interpretada além do mero direito de postular em juízo,
abarcando também o direito de receber uma prestação jurisdicional célere e capaz de
entregar ao postulante exatamente a obrigação a qual faz jus.
No que tange às técnicas executivas, estas devem ser adequadas, assim
compreendidas como aquelas capazes de legitimamente atingir a tutela pleiteada, de forma
in natura, ao mesmo tempo em que se espera que sejam idôneas no que tange à sua
eficácia, proporcionando a menor restrição possível à esfera jurídica do devedor.
A multa astreinte, uma das mais relevantes medidas executivas indiretas, é um
importante elemento de auxílio à consecução das obrigações, especialmente na sua forma
in natura, uma vez que cumpre papel essencial no enforcement das obrigações, porquanto
é capaz de atuar sobre a vontade do obrigado e ao mesmo tempo garantir proteção à sua
liberdade, eis que a coerção se dá por meio de pressão financeira.
A mera fixação da multa astreinte, contudo, não será capaz de gerar o efeito que
dela se espera caso o devedor não a enxergue como uma ameaça real e iminente, o que,
conforme se observa, só ocorrerá caso a sua exequibilidade seja garantida pelo sistema
jurídico vigente; caso contrário, a multa não passará de promessa vã de ameaça de um mal
que o destinatário sabe que nunca chegará a atormentá-lo.
Inspirada nas astreintes do direito francês, a astreinte foi consolidada como regra
geral no processual civil brasileiro no ano de 1994, pela Lei nº 8.952, com a nova redação
dada aos parágrafos 3º e 4º do art. 461 do Código de Processo Civil então em vigor.
Em que pese o importante avanço quanto à efetividade da prestação jurisdicional
nas ações que tutelam obrigações de fazer e de não fazer, a incompleta previsibilidade
legal acerca de nuances da astreinte, especificamente quanto aos procedimentos de
exigibilidade da multa, quando aplicada, acabou possibilitando muitas interpretações
divergentes acerca do instituto, precisamente quanto à sua exequibilidade. nquanto uma
corrente advoga no sentido da impossibilidade de redução ou revogação de astreintes já
15

vencidas, em face da ofensa ao princípio da coisa julgada1, outra milita a favor de sua
redução e até mesmo exclusão durante o procedimento de cumprimento de sentença, em
nome do igualmente constitucional princípio da proporcionalidade, considerando ainda
que a multa coercitiva não é acobertada pela coisa julgada material porque é meramente
acessória da causa de pedir principal.2
A corrente que defende a possibilidade de revisão das astreintes mesmo após a
formação da coisa julgada material do título judicial que a fixara foi seguida pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do precedente paradigmático – Recurso Especial
n. 705.914 RN –, que deu origem a uma série de decisões no mesmo sentido.
Posteriormente, com a aprovação da Lei nº 13.105/20153, que reformou o Código
de Processo Civil, instituiu-se regramento próprio e inédito à matéria no parágrafo 1º do
artigo 537, que prevê a possibilidade de modificação ou revogação da multa vincenda,
elemento este que aparentemente não foi capaz de gerar mudança de entendimento na
Corte Superior. Além disso, observa-se uma forte tendência de readequação da multa com
base na aplicação abstrata dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e na
vedação ao enriquecimento sem causa do credor..
Diante desse cenário, a pesquisa proposta visa analisar criticamente a
possibilidade de alteração e até mesmo supressão do valor da multa astreinte, que caso
ocorra de forma desordenada e desprovida de técnica processual adequada tem o potencial
de colocar em xeque a credibilidade do Poder Judiciário, diminuindo de certa forma a
força coercitiva das astreintes, em face do caráter antipedagógico da decisão que reduz o
seu valor mesmo após ampla discussão a respeito, criando no devedor – especialmente o
contumaz – a sensação de que a multa hoje cominada, quando executada, será reduzida.
Nesta pesquisa, parte-se da premissa de que ainda que se admita a possibilidade
de revisão das astreintes, é necessário definir os critérios de fundamentação da respectiva
decisão e os limites dos efeitos retroativos que decisões desta natureza possam alcançar.
Assim, a pesquisa estabelece como principal problema a ser elucidado: até que
ponto decisões judiciais que alterem ou revoguem astreintes anteriormente fixadas podem
apresentar efeitos retrospectivos, impactando a multa vencida anteriormente a tal decisão?

1
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.
2
THEODORO JUNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila
Gomes Norato. Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro Rio de Janeiro: Forense,
2015. Não paginado (e-book).
3
Doravante identificado por CPC/15.
16

A hipótese definida para o problema apresentado passa, necessariamente, pela


natureza da decisão que tenha fixado as astreintes, as quais, por suas características,
afetarão os efeitos retrospectivos de decisões que posteriormente alterem ou revoguem a
multa fixada.
Assim, no caso de astreinte fixada em tutela provisória, os efeitos retrospectivos
serão ilimitados, uma vez que a precariedade é característica própria e nuclear de tutelas
dessa natureza, não havendo motivos razoáveis para que se excluam aprioristicamente as
astreintes dessa regra. Todavia, em se tratando de astreinte fixada em decisão transitada
em julgado, eventual decisão posterior que determine a sua revisão ou exclusão não
poderá retroagir para além da data do trânsito em julgado da decisão que a fixou. Isso
porque, como a mutabilidade das astreintes está condicionada à constatação de situação de
fato superveniente, e considerando que pela preclusão consumativa essas questões não
serão mais cognoscíveis se ocorreram antes do trânsito em julgado, logicamente, o fato
capaz de alterar ou revogar a respectiva multa deve ter ocorrido após o trânsito em
julgado, não podendo, assim, produzir efeitos para além de sua ocorrência.
Por fim, com relação ao ínterim entre a data do trânsito em julgado da decisão
que fixou as astreintes e a data que determinou a sua redução ou exclusão, poderá ocorrer
a sua aplicação retroativa, uma vez que, em se tratando de relação de trato continuado, é
possível que aconteçamm situações de fato supervenientes ao trânsito em julgado capazes
de alterar a relação jurídica, como o próprio cumprimento da obrigação principal. Nesse
caso, o dia ad quem da incidência da multa será a data em que se considerar ocorrida tal
situação superveniente, considerando a natureza declaratória da decisão.
Dessas considerações, extrai-se o objetivo geral da presente investigação:
identificar os limites dos efeitos retrospectivos da decisão judicial que altera ou revoga
astreintes anteriormente fixadas. O segundo objetivo, de caráter institucional, é obter o
título de Mestre em Direito, a ser conferido pelo Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Para atingir esse desiderato, alguns objetivos específicos foram traçados: (i)
identificar a origem histórica do instituto das astreintes; (ii) delimitar a natureza jurídica
das astreintes; (iii) pesquisar como se dá a aplicação das astreintes nas diversas fases e
espécies processuais; (iv) examinar os aspectos destacados da exequibilidade do crédito
resultante das astreintes; (v) analisar a importância da exequibilidade das astreintes como
fator de eficácia para a viabilidade da tutela específica das obrigações; (vi) analisar a
17

posição do STJ sobre a matéria antes do advento do CPC/15, verificando se as premissas


utilizadas em seus julgamentos foram adequadas ao sistema procedimental civil brasileiro;
(vii) averiguar se algumas das modificações inseridas pelo CPC/15 são capazes, por si sós,
de fundamentar a superação da jurisprudência do STJ; (viii) investigar os fundamentos
jurídicos que embasam a tese de que a decisão transitada em julgado que fixa astreintes em
sentença não faz coisa julgada; (ix) examinar o modo como se deve interpretar o termo
“vincendas” descrito no parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, a fim de descobrir o
período que eventual decisão que reduza ou revogue astreintes produzirá efeito; (x)
investigar a posição do STJ acerca da matéria nos julgados proferidos após a vigência do
CPC/15; (xi) observar de que forma a natureza da decisão judicial que tenha fixado
astreinte pode interferir quanto aos efeitos retrospectivos da decisão que posteriormente a
reduza ou revogue; e, por fim, (xii) analisar qual o procedimento adequado à alteração das
astreintes em sede de cumprimento de sentença.
No plano metodológico, para a realização deste estudo, pretende-se lançar mão
do método dedutivo. O método de procedimento a ser adotado será o monográfico. A
técnica de pesquisa será a bibliográfica, mediante consulta à documentação indireta,
constituída por fontes teóricas e jurisprudenciais e outras que se fizerem necessárias e
pertinentes para demonstrar a hipótese de pesquisa.
No que tange à apresentação deste relatório de pesquisa, o primeiro capítulo
inicia com o estudo das astreintes, debruçando-se especificamente sobre conceito, noções
históricas, natureza jurídica e aplicabilidade do instituto. Na sequência, analisam-se as
hipóteses de cabimento das astreintes, a depender da espécie de obrigação cujo
cumprimento se busca cominar. Com esse mister, passa-se primeiro pela abordagem dos
sujeitos processuais envolvidos nessa obrigação acessória e também pela verificação da
possibilidade de sua cumulação com outros meios de coerção, para, finalmente, identificar
quais os critérios que devem ser utilizados para a sua quantificação. No capítulo seguinte,
foca-se na exequibilidade do crédito resultante das astreintes. A abordagem inicial recai
sobre a tutela jurisdicional efetiva como direito fundamental e a ligação da exequibilidade
das astreintes como fator de eficácia deste direito no plano prático-processual. Em
seguida, apresentam-se os critérios temporais de exigibilidade e de incidência das
astreintes, necessários para analisar as regras de exequibilidade do instituto, a depender da
natureza da decisão que a tenha cominado. Por fim, aborda-se a necessidade ou não de
liquidação prévia ao cumprimento de sentença da multa vencida. O último capítulo de
18

desenvolvimento, que versa sobre o tema central desta pesquisa, consiste em buscar uma
definição de limites aos efeitos retrospectivos das decisões que revogam ou alteram
astreintes. Para tanto, inicia-se abordando a possibilidade de revogação/alteração da multa
astreinte e os critérios materiais a serem observados nestes casos. Em seguida, enfrenta-se
a questão da ofensa à coisa julgada em razão da revogação/alteração de astreintes fixadas
em títulos judiciais transitados em julgado, enfocando tanto a visão do STJ sobre o tema
como a importante distinção dos efeitos da coisa julgada em face das obrigações de trato
continuado do ponto de vista da cláusula rebus sic stantibus. Por fim, realiza-se uma
análise sistemática do CPC/15 com o escopo de delimitar regras temporais para alteração
das astreintes de acordo com a natureza da decisão que as tenha fixado, para, por fim,
sugerir o procedimento adequado à alteração das astreintes em sede de cumprimento de
sentença.
19

2 ASTREINTES: NATUREZA JURÍDICA E APLICABILIDADE

Com o escopo de apresentar as questões mais relevantes acerca do instituto das


astreintes, busca-se, neste primeiro capítulo, apresentá-las de maneira geral, passando pela
definição de seu conceito, pela investigação dos elementos históricos mais marcantes e
pela delimitação de sua natureza jurídica, até chegar a noções de sua aplicabilidade e
exequibilidade na práxis processual. Tudo isso visa estabelecer conceitos básicos acerca
das astreintes e que servirão para compreender melhor os capítulos subsequentes da
pesquisa.

2.1 CONCEITO

Na perspectiva etimológica, o signo astreinte tem raiz no latim astringere, de ad e


stringere, que significa apertar, compelir, pressionar, de onde derivaria a palavra francesa
“astreinte” e a vernácula estringente.4
A gênese da multa coercitiva moderna remonta à astreinte do direito francês,
criada com apoio na experiência da prática forense francesa e positivada com o objetivo de
constranger a parte recalcitrante a adimplir uma obrigação.
Na literatura francesa, Ernest Croissant descreve a multa como “une mesure
destinée à opérer une contrainte, une pression sur un débiteur, pour l'amener à exécuter
son obligation”5.
François Chabas assim conceitua o instituto: “l’astreinte est une condamnation
pécuniaire prononcée par le juge et destinée à vaincre la résistance d’un débiteur
récalcitrant; elle est l’accessoire de la condamnation principale dont elle tend à amener
l’exécution”6.
Jean Henry e León Mazeaud sustentam que a astreinte “consiste en una condena
pecuniaria, pronunciada por un juez con el objeto de vencer la resistencia del deudor

4
ACQUAVIVA, Marcus Claudio. Dicionário Jurídico Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira,
1993. p. 181.
5
CROISSANT, Ernest. Des astreintes. Libr. nouv. de droit et de jurisprudence, 1898. p. 11.
6
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994. p.
52.
20

recalcitrante, y llevarlo a cumplir una resolución judicial”7.


Na mesma linha, Georges Ripert e Jean Boulanger conceituam a referida multa
como “una condena pecuniaria pronunciada a razón de tanto por día de atraso [...],
destinada a obtener del deudor de una obligación de hacer y en ciertos casos una
obligación de dar, mediante la amenaza de una pena considerable, susceptible de aumentar
indefinidamente” 8.
Considerando a raiz gaulesa do instituto, Enrico Tullio Liebman traz a tradução
literal do conceito do jurista francês Marcel Planiol, que define astreinte como espécie de
“condenação pecuniária proferida em razão de tanto por dia de atraso (ou por qualquer
unidade de tempo conforme as circunstâncias), destinada a obter do devedor o
cumprimento de obrigação de fazer pela ameaça de uma pena suscetível de aumentar
indefinitivamente” 9.
Para o jurista espanhol Julio Manrique de Lara Morales: “La astreinte es una
condena pecuniaria, dictada em función de uma cierta cantidad por día de retraso em el
cumplimiento de la prestación, o por otra unidad de tempo, contra un concreto deudor, si
no ejecuta la conducta debida en el plazo señalado para ello por el Juez.”10.
Do plano jurídico sul-americano, extrai-se o seguinte conceito defendido pelas
juristas peruanas Janet Ingrid Panebra Alvarez e Yovana Fernandez Bonifacio:

La astreinte es la amenaza de una sanción pecuniaria de carácter provisorio,


calculada en relación con al retardo en el cumplimiento que impone el Juez, para
conminar al deudor, al acatamiento de la prestación a que ha sido condenada en
la sentencia y cuyo importe se entrega al acreedor; esta condena pecuniaria,
pronunciada a razón de tanto por día de atraso, y destinada a obtener del deudor
el cumplimiento de una obligación de hacer, de dar, mediante la amenaza, de
una pena considerable, susceptible de aumentar indefinidamente.11

O instituto das astreintes, apesar de ter nascido nos pretórios franceses, foi
adotado em diversos países, chegando ao ordenamento jurídico brasileiro, muito por

7
MAZEAUD, Henry y León y Jean. Leciones de derecho civil: cumplimiento, extinción e transmisión de
las obligaciones. 2ª parte, v. III. Trad. Luis Alcalá-Zamora y Castillo. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas
Europa-América, 1969.
8
RIPERT, Georges; BOULANGER, Jean: Traité de Droit Civil (d'après le Traité de PLANIOL). 1957. t.
II,. Anuario de Derecho Civil, Paris, Libraire Générale de Droit et de Jurisprudence, VIII X, p. 550-552,
1957.
9
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva Livraria Acadêmica, 1946.
10
MORALES, Julio Manrique de Lara. La ejecución forzosa de la obligación de hacer infungible. Anuario
de derecho civil, Madrid, tomo LIV, fascículo III, p. 1165-1224, 2001. p. 1209.
11
PANEBRA ALVAREZ, Janet Ingrid; FERNANDEZ BONIFACIO, Yovana. La ausencia del apremio
civil en la ejecución de las obligaciones dinerarias afecta el derecho a la tutela jurisdiccional efectiva y el
derecho del acreedor reconocidos en el código civil peruano. Repositório Institucional da Universidad
Nacional San Antonio Abad del Cusco, Cusco, 2020.
21

intermédio dos ensinamentos de Kazuo Watanabe, de quem se extrai o seguinte conceito:

A multa é medida de coerção indireta imposta com o objetivo de convencer o


demandado a cumprir espontaneamente a obrigação. Não tem a finalidade
compensatória, de sorte que, ao descumprimento da obrigação, é ela devida
independentemente da existência, ou não, de algum dano. E o valor desta não é
compensado com o valor da multa que é devido pelo só fato do descumprimento
da medida coercitiva.12

Ainda, na linha da doutrina nacional, Araken de Assis assevera que a multa


coercitiva “consiste na condenação do obrigado ao pagamento de uma quantia, de regra
por cada dia de atraso [...] no cumprimento da obrigação livremente fixada pelo juiz e sem
relação objetiva alguma com a importância econômica da obrigação ou da ordem
judicial”13.
Segundo ensinamento de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e
Daniel Mitidiero, a multa corresponde a um mecanismo destinado a constranger a vontade
do executado, por meio da qual “o juiz impõe o pagamento de uma soma em dinheiro para
a hipótese de não cumprimento da decisão ou da sentença” 14.
Olavo de Oliveira Neto, ao tratar da astreinte como tutela coercitiva clássica,
conceitua-a como “medida patrimonial coercitiva (multa) fixada pelo julgador, autônoma e
acessória da obrigação principal, que incide de modo repetitivo pelo período de tempo
estabelecido na decisão (hora, dia, mês etc.), suscetível de crescer indefinidamente”15.
Na visão de Alexandre Freitas Câmara, as astreintes podem ser compreendidas
como multa periódica decorrente do inadimplemento da obrigação, “que cumpre função de
pressionar psicologicamente o executado para que cumpra sua prestação”16.
Cândido Rangel Dinamarco remonta às origens do instituto para conceituar e
definir sua função dentro do sistema jurídico pátrio:

Das medidas necessárias autorizadas pelo Código de Processo Civil como meios
de induzir o obrigado ao adimplemento das obrigações específicas, têm bastante
realce as multas coercitivas, que são a versão brasileira das astreintes concebidas
pelos tribunais franceses com a mesma finalidade. Elas atuam no sistema
mediante o agravamento da situação do obrigado renitente, onerando-o mais e
mais a cada hora que passa, ou a cada dia, mês ou ano, ou a cada ato indevido

12
WATANABE, Kazuo. Tutela antecipada e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e
461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São
Paulo: Saraiva, 1996. p. 25.
13
ASSIS, Araken de. Manual de Execução, 20. ed., p. 821-822.
14
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 383.
15
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.
16
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2014. v. 1. p.
256.
22

que ele venha a repetir, ou mesmo quando com um só ato ele descumprir
irremediavelmente o comando judicial – sempre com o objetivo de criar em seu
espírito a consciência de que lhe será mais gravoso descumprir do que cumprir a
obrigação emergente do título executivo.17

No direito positivo nacional, embora se possam encontrar previsões semelhantes


em leis esparsas, as astreintes encontram previsão expressa na regra geral definida no
artigo 537 do Código de Processo Civil18.
Para efeito de compreensão da presente pesquisa, astreinte é uma medida
coercitiva indireta operacionalizada em forma de multa progressiva imposta ao devedor de
uma obrigação, por meio de decisão judicial ou arbitral devidamente fundamentada, com o
intuito de pressionar o seu adimplemento por meio de coação pecuniária sobre o seu
patrimônio. Caso a medida seja cumprida no tempo e modo determinados, constituir-se-á
crédito em favor do credor da obrigação, que poderá ser por este exigida, sem prejuízo da
exigibilidade da obrigação principal.

2.2 NOÇÕES HISTÓRICAS

Embora não se possa atribuir aos sistemas jurídicos mais remotos uma
sistematização das medidas coercitivas, é certo que havia mecanismos processuais
semelhantes ao que hoje se conhece por tutela coercitiva.
Desde a pignoris capio do direito romano, que permitia ao credor a alienação dos
bens apreendidos do devedor, passando pela execução direta por meio da autotutela,
própria dos povos germânicos, até a criação no direito intermediário que contemplava
medidas coercitivas indiretas como multas, prisão, possibilidade de execução da obrigação
por terceiro, até a pena de morte para casos mais extremos, pode-se perceber a
preocupação com a criação de medidas aptas a garantir o cumprimento das obrigações.19
A efetividade produzida por essas medidas não demorou a ser confrontada pela
restrição, por vezes excessiva, de direitos do devedor, o que impulsionou a criação de uma
série de exceções que limitavam a sua aplicação, como a proibição de prisão de maiores de
setenta anos e/ou a liberação de devedores de pequenas somas da restrição de liberdade

17
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004. v.
4. p. 469.
18
“Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento,
em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.”
19
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 146-147.
23

para datas festivas.20


O advento do direito liberal, devido a sua inspiração político-filosófica,
representou um freio na adoção dessas medidas, que passaram a ser limitadas por motivos
humanitários/religiosos até serem banidas, ante a ideia de que o ressarcimento pecuniário
seria suficiente à satisfação de qualquer direito, tornando as medidas coercitivas inúteis e,
portanto, injustificada a lesão que elas inexoravelmente causavam aos direitos individuais
do devedor.21 Essa ideia inclusive é impressa no Código de Napoleão, especialmente no
disposto no artigo 1.14222, criando uma excessiva proteção ao devedor, de modo a se
considerar a obrigação de fazer ou de não fazer como “juridicamente não obrigatória”,
podendo o obrigado optar por cumpri-la ou pagar o equivalente pecuniário.23
No âmbito do direito liberal, Paulo Eduardo D´Arce Pinheiro24 aponta para uma
posição divergente da doutrina tradicional, quando assevera que a lógica do nemo praecise
cogi potest ad factum imposta pelo citado artigo 1.142 não representava a impossibilidade
de adoção de medidas coercitivas lato senso, mas tão somente vedação à violência física
do obrigado. Assim, a lógica não era “a absoluta conversibilidade das obrigações
específicas em perdas e danos, mas sim evitar a coação física do devedor”25.
A opção pela solução dos conflitos obrigacionais por meio da reparação por
perdas e danos foi a que acabou vingando, até por conta de sua estreita ligação com as
raízes políticas da época, coadunando-se com a ideia de liberdade pelo ponto de vista
liberal-burguês, sobre o qual se ergueram as condições sócio-políticas que culminaram na
Revolução Francesa.
Nesse contexto, compelir um indivíduo ao cumprimento in natura de uma
obrigação, mesmo que tivesse sido originariamente contraída por ele próprio, não
combinava com a ideia de liberdade individual, que mais do que um direito natural e
individual era vista pelo prisma da liberação do indivíduo econômico das limitações
impostas pelo Estado.
Como destaca Luiz Guilherme Marinoni, “a sanção pecuniária teria a função de
igualizar os bens e as necessidades, pois, se tudo é igual, inclusive os bens – os quais

20
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 148.
21
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 148.
22
“Toute obligation de faire ou de ne pás faire se résout em dommages et intérêts em cas d’inexécution de la
part du débiteur”.
23
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 2-28.
24
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 110.
25
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 115.
24

podem ser transformados em dinheiro –, não existiria motivo para pensar em tutela
específica”26.
Contudo, o que parecia solucionar os conflitos patrimoniais existentes à época
não mais se tornara capaz de proporcionar uma resposta juridicamente aceitável às novas
lides advindas de uma sociedade mais complexa, especialmente após a progressiva
valorização dos direitos de personalidade, muitos deles impossíveis de serem reparados ou
substituídos pela mera indenização em pecúnia.27
Da necessidade de adequação do processo às necessidades reais de garantia dos
direitos materiais, em especial aqueles mais caros aos indivíduos, é que surgem no começo
do século XIX as astreintes, como resposta do Poder Judiciário francês28, que ao perceber
que tinha um duplo poder, de imperium e de jurisdictio29, suprindo uma anomia, logrou
êxito em equilibrar o direito de liberdade do devedor com o direito de satisfação do direito
material do credor. Esse equilíbrio propiciou a busca pela tutela específica30 por meio da
imposição de multa não violenta à pessoa física do devedor, capaz de ao mesmo tempo
compelir ao cumprimento da obrigação in natura.31

26
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 7. ed. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2020. p. 52.
27
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 13.
28
“1810, Roydet se permit d’injurier de Nervaux d'une manière assez grave. Celui-ci rendit plainte devant le
juge de paix, et demanda que Roydet fût condamné à 1200 fr. de dommages-intérêts.
Debido a una reserva procesal, incluida en la demanda por Nervaux –y cuyo análisis excede a este trabajo- el
juez de paz se declara incompetente. Luego de ello, el 3 de enero 1811 el Tribunal Civil de Gray, sobre la
base de las investigaciones realizadas en ambas partes del proceso, condena a Roydet a pagar la suma de 30
francos a Nervaux por concepto de daños y perjuicios, además de retractarse de las palabras injuriosas que
dirigió contra él. Posteriormente:
Roydet ayant refusé d'exécuter ce jugement, le tribunal de Gray en rendit un second, le 25 mars, par lequel il
le condamna à payer à de Nervaux une somme de trois francs par jour, jusqu'à l'entire exécution de celui du
3 janvier précédent.
Aunque, finalmente la sentencia no se llegó a ejecutar debido a que en casación, el 25 de mayo de 1812, la
Corte Civil indicó –como se encuentra detallado en Le Journal Du Palais (1838)- que ‘les tribunaux civils
sont incompétent pour condamner d'une réparation d’honneur à raison d’injures verbales” 6 (p. 582). Y por
lo tanto ordenó “casse et annulé les deux jugements du tribunal civil de Gray, des 3 janvier et 25 mars 1811’
7 (p. 583).” LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida
conminatoria originada em la jursprudencia francesa. Disponível em:
https://derecho.usmp.edu.pe/sapere/ediciones/edicion_11/articulos_investigadores/3.%20Astreintes.pdf.
Acesso em: 20 maio 2021. p. 86.
29
CHABAS, Francois. L’astreinte em Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994. v.
67. p. 51.
30
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução. Salvador: JusPodivm, 2016. p.
272.
31
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 53.
25

Os dois primeiros casos de revelaram a aplicação de astreintes pelas cortes


francesas datam de 1809 e de 1811. Conforme relata Leticia Eugenia López Navarro: “En
este último caso, el tribunal de Gray impuso una astreinte de tres francos por día de
demora para que quien había sido condenado a retractarse públicamente, lo hiciera.”. A
autora aponta outro precedente de 1824, em que as astreintes foram novamente aplicadas
“cuando un tribunal condenó a un litigante a restituir una documentación a su cliente y
como se negaba a ello, le aplicó una astreinte de diez francos por día de atraso en la
entrega de la documentación”32.
A criação pretoriana das astreintes em territórios franceses fez com que o instituto
fosse objeto de severas críticas por parte da doutrina do país. Dizia-se que as astreintes,
criadas daquela forma, representavam ofensa ao princípio da separação de poderes – tão
caro naquele contexto histórico – e feriam o brocardo nulla poena sine lege, pois se tratava
de uma pena civil sem previsão legal. Além da esperada crítica, havia também
contrariedade ao adágio nemo ad factum praecise cogi potest do artigo 1.142 do Código
Napoleônico.33
A jurisprudência francesa respondeu inicialmente às críticas aplicando a medida
com a nomenclatura de perdas e danos, embora não vinculada ao valor do prejuízo.
Alguns críticos assim se posicionavam:

Justificando que a astreinte não se dirige à pessoa do devedor mas a seu


patrimônio, alegou-se que a medida não se constitui em pena que haveria de ser
prevista em lei, bastando a autorização genérica de que o tribunal, atendendo às
circunstâncias, pode aplicar a injunções. Assegurando que o brocardo nemo
potest cogi proecise ad factum proíbe injunções contra a pessoa e não contra os
bens, os tribunais admitiram a aplicação das astreintes.34

A verdade é que, além das críticas, as astreintes tiveram de vencer algumas


batalhas jurídicas até obter a sua solidificação no ordenamento jurídico francês, em
especial porque parte da doutrina inicialmente a considerava a medida contra legem.
Posteriormente, a Lei de 21.07.1949 atingiu a eficácia do instituto ao limitar as astreintes
nas ações de despejo ao valor do inadimplemento do locatário, vigorando dessa forma por
algum tempo e descaracterizando assim o seu caráter coercitivo.
Esse cenário perdurou até que a Corte de Cassação francesa, em decisão datada

32
NAVARRO, Leticia Eugenia López. Las astreintes: remédio eficaz para la oportuna ejecucíon de las
sentencias, p. 22.
33
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista de Direito da ADVOCEF, Londrina, v. 1,
n. 6, p. 139-168, 2008. p. 144.
34
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista de Direito da ADVOCEF, Londrina, v. 1,
n. 6, p. 139-168, 2008. p. 144.
26

de 20.10.1959, determinou que as astreintes possuíam natureza distinta das perdas e danos,
quando então se resolveu a divergência doutrinária e se consolidou o entendimento que
prossegue até os dias atuais acerca das astreintes.35
A mudança de paradigma foi reconhecidamente salutar para a maior efetividade
dos direitos, como reconhecem Michel Veron e Benoit Nicod:

E o mérito deve ser creditado, em grande parte, à abertura do sistema para os


meios executivos atípicos, os quais, efetivamente, contribuíram para a mais
frequente consecução da tutela específica ou do resultado prático equivalente. O
implemento de mecanismos de estímulo ou de pressão psicológica representou
um largo passo para a conquista de resultados mais exitosos na perseguição de
tais prestações.36

Além do direito francês, medidas semelhantes começaram a ser adotadas em


outros sistemas jurídicos europeus, como no caso da Alemanha, que desde 1974 prevê em
seu Código de Processo Civil (ZPO) meios coercitivos aplicáveis às obrigações de fazer
infungíveis (§ 887) e às obrigações de não fazer (§ 888), em que se contempla, além da
coerção patrimonial, que lá se destina ao Estado, a própria coerção pessoal, como sanções
privativas de liberdade pessoal.37
De maneira semelhante, porém com importantes traços distintivos, surge o
modelo da common law de tutelas coercitivas, fundado na ideia da contempt of court38,
que entendia o Estado, representado pela Corte, como o sujeito a ser protegido pela
medida, e o credor, portanto, um beneficiário indireto, ao reverso da ideia que
fundamentava as astreintes francesas.
Posteriormente, a doutrina veio a reconhecer esses sistemas como os três modelos
de medidas coercitivas indiretas – francês, germânico e da common law. Esses modelos
passaram a influenciar a legislação de outros países, com destaque, ao menos nos países de
tradição civil law, para o modelo francês, cujos traços se mostram mais presentes quando
comparados aos seus equivalentes, sem contudo excluir por completo inspirações dos
outros modelos em algumas situações.

35
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 28-29.
36
VERON, Michel; NICOD, Benoit. Voies d´exécution et procédures de distribution. 2. ed. Paris:
Armand Colin, 1998.
37
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer. 8. ed. Curitiba: Juruá, 2020.
p. 103-105.
38
Por meio da contempt of court (desrespeito à corte), ou seja, da prisão do destinatário da ordem, no caso
de não cumprimento. Conforme ensina Neil Andrew: “alguém será responsável por contempt of court se
deixar de cumprir uma injunction contra si destinada. [...] A parte que não cumprir uma injunction será
responsabilizada por desacato, mesmo que convença a Corte, posteriormente, a voltar atrás quanto à
concessão da injunction”. OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 172.
27

Em Portugal, por exemplo, a multa astreinte tem clara inspiração no direito


francês, com a especificidade de prescindir de requerimento expresso do credor para ser
deferida. Quanto ao destinatário da multa, esta parece encontrar alguma inspiração na
contempto of court quando define a divisão do produto da multa em partes iguais para o
credor e para o Estado.39 Na Itália, a astreinte foi definitivamente inserida no ordenamento
como regra geral na reforma processual de 2009, com a inclusão do artigo 614 bis no
Código de Processo Civil italiano, também com forte influência da legislação francesa. No
Brasil, as raízes do instituto remontam às três Ordenações Portuguesas que vigeram no
país40, todas prevendo a então denominada ação cominatória, por meio da qual, em sede de
cognição sumária, mediante requerimento da parte e desde que demonstrada a
verossimilhança das alegações e a razoabilidade do pedido, poderia o juiz ordenar a
expedição de mandado a fim de determinar o cumprimento específico da prestação
cominando pena ao devedor em eventual descumprimento.41
Nessas notas históricas, pode-se observar que, ao contrário do direito civil
francês, o direito lusitano visava privilegiar as tutelas específicas ao permitir, ainda que de
maneira rudimentar, que o credor exigisse o cumprimento da obrigação in natura, ao invés
de ter de se contentar com a sua resolução pelo equivalente.
Mais tarde, já livre da imposição legal portuguesa, o aclamado sucesso da
astreinte em terras europeias, somado às consequências nocivas da morosidade da justiça
que se instalava no ordenamento jurídico nacional, criou-se um ambiente perfeito para que
o instituo se expandisse para o Brasil, o que ocorreu inicialmente por meio do direito
material. 42
O Código de Processo Civil de 1939 regulamentou a possibilidade de imposição
de sanção pecuniária como instrumento coercitivo voltado ao cumprimento da obrigação
exigível quando estabeleceu a chamada ação cominatória em seu artigo 302, que em
conjunto com o disposto no artigo 999 permitia a cominação de multa na execução de
obrigações de fazer e de não fazer, desde que requerida pelo autor e desde que tivesse sido

39
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 105.
40
As Ordenações Afonsinas, editadas em 1446, vigoraram no Brasil desde o seu descobrimento até 1521. As
Ordenações Manuelinas substituíram o antigo regime até o ano de 1603. Em seguida, as Ordenações
Filipinas vigoraram por mais de dois séculos. Cf. PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e
o CPC/2015: visão teórica, prática e jurisprudencial, p. 37.
41
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 41.
42
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 29.
28

convencionada pelas partes.


Pelas previsões dispostas na legislação processual civil, “a multa cominatória
tinha lugar somente nas obrigações infungíveis e resultava do contrato ou da sentença
proferida através do procedimento cominatório”43. O que se percebe é queC/39, apesar de
tratar genericamente de uma espécie de pena contratual, não poderia tê-la confundido com
as astreintes, “uma vez que se tratava de uma multa fixa e com seu patamar máximo
limitado ao montante da execução”44.
Essa previsão legal foi propulsora dos primeiros entendimentos doutrinários
acerca da adoção das astreintes na legislação processual civil. 45 O diploma legal, cabe
ressaltar, previa a possibilidade de cominação de pena pecuniária em procedimentos
específicos, como na ação possessória (art. 378), na ação de nunciação de obra nova (art.
385, parágrafo único) e na execução de fazer infungível (art. 1.005).
A eficácia da cominação pecuniária, à época, era limitada na medida em que
bastava ao devedor insurgir-se quanto à determinação cominatória, por meio de oposição
aos chamados embargos à primeira, que a demanda se resolvia em mera citação,
retornando o feito ao procedimento comum.46
Além de entrave à efetividade da medida, a redação do CPC/39 limitava o valor
da multa ao valor da obrigação cominada e impedia a sua fixação de ofício.47 Na verdade,
esses limitadores de efetividade das multas cominatórias acabavam por gerar a sua
subutilização, levando os credores a optar pela tradicional via da resolução pelo
equivalente, por meio das perdas e danos.48
Em 1967, surgiu um ensaio legislativo a favor da adoção das astreintes no
sistema jurídico nacional, quando a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/1967), posteriormente
declarada não recepcionada pela Constituição Federal de 1988 pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130,
em abril de 2009, trouxe em seu artigo 7º, parágrafo 1º, previsão de utilização de astreintes

43
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 42.
44
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 216,
45
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 41.
46
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 41.
47
REALE, Ana Luísa Fioroni. A multa astreinte como importante medida de apoio, prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, diante do artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil. 2016.
196f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. p. 83.
48
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica, p. 46.
29

para garantia do enforcement das obrigações de fazer e de não fazer decorrentes daquela
lei.49
A novidade legislativa não encontrou correspondente por ocasião da promulgação
do CPC/73, que manteve os entraves à efetividade da multa cominatória encontrados no
código antecessor, que, da mesma forma, vedava a sua imposição de ofício pelo
magistrado, além de reservá-la como medida de implemento de sentenças,
exclusivamente.50
Em um segundo momento, outras legislações esparsas começaram a prever a
possibilidade de cominação de multa coercitiva independentemente da vontade das partes,
originando-se da ordem judicial baseada nesses dispositivos legais. Foi o que ocorreu, por
exemplo, em 1985, por meio da Lei n. 7.347/85, que tratava da tutela dos direitos
ambientais e trazia em seu artigo 1151 previsão legal de cominação de multa por iniciativa
do magistrado, rompendo assim uma das barreiras impostas pela legislação até então.52
Posteriormente, em 1990, a multa astreinte rompeu mais uma barreira no
ordenamento jurídico brasileiro, alcançando outra área do direito com a sua introdução na
Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor (CDC) –, que, dentre outras disposições,
inseriu no artigo 84, parágrafo 4o53, regramento semelhante ao estabelecido na Lei
7.347/85.
Aintrodução desse dispositivo no CDC colaborou para o desenvolvimento do
instituto pois, diferentemente da lei antecessora, passou a prever regras para a definição do
valor da multa (suficiente ou compatível com a obrigação) e do prazo para cumprimento
da obrigação (prazo razoável para o cumprimento do preceito).

49
“Art . 7º No exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o
anonimato. Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes ou origem de informações
recebidas ou recolhidas por jornalistas, radiorrepórteres ou comentaristas.§ 1º Todo jornal ou periódico é
obrigado a estampar, no seu cabeçalho, o nome do diretor ou redator-chefe, que deve estar no gôzo dos seus
direitos civis e políticos, bem como indicar a sede da administração e do estabelecimento gráfico onde é
impresso, sob pena de multa diária de, no máximo, um salário-mínimo da região, nos têrmos do art. 10.”
50
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 45.
51
“Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de
execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível,
independentemente de requerimento do autor.”
52
REALE, Ana Luísa Fioroni. A multa astreinte como importante medida de apoio, prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, diante do artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil, p. 16.
53
“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento. [...] § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação,
fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.”
30

Disposições muito similares foram inseridas em outras leis especiais, como no


caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990 (art.
213, § 2º54), e do Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741 de 1º de outubro de 2003 (art. 83, §
2º55).
A presença episódica da multa astreinte em leis esparsas e o seu relativo sucesso
na prática forense pavimentaram o caminho para que o instituto fosse transformado em
regra geral no direito processual civil, o que ocorreu por intermédio da reforma
instrumental civil nacional, em 1994, quando, por meio da Lei 8.952/94, é acrescida ao
Código de Processo Civil56 disposição idêntica à adotada com sucesso no Código de
Defesa do Consumidor, precisamente em seu artigo 461, parágrafo 4o57, embora limitando-
a às obrigações de fazer e de não fazer. Pouco tempo depois, dispositivo semelhante é
introduzido ao recém-criado Juizado Especial, instituído por meio da Lei 9.099 de 26 de
setembro de 199558, quando então se inserem as astreintes naquele microssistema
processual (art. 52, inc. V).

54
“Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento
final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.
§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo
razoável para o cumprimento do preceito.”
55
“Art. 83. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao adimplemento.
§ 1o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento
final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, na forma do art. 273 do
Código de Processo Civil.
§ 2o O juiz poderá, na hipótese do § 1o ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente do
pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o
cumprimento do preceito.”
56
De agora em diante identificado neste trabalho pela sigla CPC.
57
“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...]
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo
razoável para o cumprimento do preceito.”
58
“Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o
disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: [...]
V - nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução,
cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de
inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a
transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução
por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na
execução do julgado; [...].”
31

Com a boa recepção da mudança legislativa, tanto pela doutrina como pela
jurisprudência, a possibilidade de aplicação de multa diária foi estendida às obrigações de
dar coisas, resultado das modificações introduzidas pela Lei 10.444/2002, com a inserção
do artigo 461-A59.
Não obstante o inegável avanço legislativo, questões acessórias mas não menos
importantes não eram contempladas pelo texto legal, como a exequibilidade da multa, o
beneficiário do valor, os termos a quo e ad quem da incidência da penalidade, a
possibilidade de limitação do valor da multa, entre outras questões, que acabavam
definidas pela jurisprudência.
Com o objetivo de resolver algumas dessas celeumas, a nova reforma do Código
de Processo Civil, que resultou na Lei 13.105/15, disciplinou a matéria nos artigos 536 e
537.60 Na nova redação, o legislador tirou do arbítrio jurisprudencial uma série de nuances
acerca do instituto, que na legislação passada era tratada apenas no artigo 461, § 4º, do
CPC.
Assim, positivaram-se entendimentos clássicos acerca das astreintes, como a
titularidade da multa, que se reverte em favor do exequente (§ 2º), além de prever a

59
“Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará
o prazo para o cumprimento da obrigação. § 1 o Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e
quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor
escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. § 2 o Não cumprida a obrigação no
prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse,
conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel. § 3 o Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§
1 o a 6 o do art. 461. “
60
“Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não
fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de
tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa,
a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade
nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial. [...].”
“Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em
tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou
excluí-la, caso verifique que:
I - se tornou insuficiente ou excessiva;
II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o
descumprimento.
§ 2o O valor da multa será devido ao exequente.
§ 3o A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo,
permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência
do agravo fundado nos incisos II ou III do art. 1.042.
§ 4o A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto
não for cumprida a decisão que a tiver cominado.
§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de
fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.”
32

possibilidade de cumprimento provisório, excetuando a regra que só permitia execução de


decisões confirmadas por sentença (§ 3º) e, por fim, determinação dos termos inicial e
final da exequibilidade da multa (§ 4º).
Notável também foi a previsão inserida no artigo 139, inciso IV, do Código
processual civil vigente, ao estabelecer expressamente que incumbe ao juiz, entre outras
providências, “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-
rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Tal disposição legal acabou por
estender também a aplicabilidade das medidas indutivas e coercitivas – entre as quais se
encontram as astreintes – para as obrigações de prestação pecuniária, abrindo, pelo menos
em tese, a possibilidade de cominação de astreintes para forçar o cumprimento de
obrigações desta natureza.
Conforme se verifica, a mais recente reforma na legislação processual civil não
trouxe grandes modificações práticas à aplicabilidade das astreintes na medida em que as
lacunas até então existentes vinham sendo preenchidas pela doutrina e pela jurisprudência.
Não obstante, a positivação de alguns primados parece ser bem-vinda, justamente para
conferir maior segurança jurídica aos jurisdicionados.

2.3 NATUREZA JURÍDICA

A correta compreensão da natureza jurídica dos institutos é fundamental para que


se possa interpretar melhor as situações em que sua aplicação se mostre tortuosa. Buscar a
compreensão da essência do instituto desde o seu escopo costuma trazer bons resultados
hermenêuticos. É com esse afã que se abordarão nas seções seguintes as questões mais
tormentosas acerca da natureza jurídica da multa diária “astreinte” no direito brasileiro.

2.3.1 Caráter coercitivo

Traço marcante da astreinte e de suma importância para que se possa diferenciá-


la quando comparada com institutos similares é o seu escopo coercitivo e, portanto, não
indenizatório ou compensatório.
É nesse sentido que se posiciona Luiz Guilherme Marinoni quando afirma que “a
multa não tem nada a ver com o valor da prestação inadimplida ou com as perdas e danos.
33

Sua função é eminentemente coercitiva”61. Fica, assim, evidente que seu escopo é “agravar
a pressão psicológica incidente sobre a vontade do sujeito, mostrando-lhe o dilema entre
cumprir voluntariamente o comando contido no direito e sofrer os males que ela
representa”62.
Em rigor, o objetivo da fixação da multa astreinte é fazer com que tal cominação
nunca chegue a incidir.63 Ou seja, a astreinte será tão bem empregada quanto menos
incidir, ou melhor, nem chegue a incidir. Portanto, caso adimplida a obrigação no prazo
fixado, ou na hipótese de o devedor demonstrar ser impossível o seu cumprimento no
modo, forma e tempo determinados, a multa sequer incidirá.
Dessa forma, mais do que a própria ordem judicial ou o anseio do credor, quem
tem o controle sobre a incidência ou não da multa é o próprio devedor, que mesmo
advertido da penalidade, opta pelo descumprimento da ordem judicial.
Importante frisar que ainda que se defenda a possibilidade de execução da multa
fixada, não representa uma forma de compensação por alguma perda eventualmente
sofrida pelo credor, mas apenas um meio de tornar real a pressão que se pretende com a
sua fixação. Em outras palavras, a possibilidade de execução da multa, mais do que
remunerar o credor, tem o objetivo de criar um temor real ao devedor, que sabedor da
possibilidade de que aquela multa fixada pode vir a afetar o seu patrimônio, talvez se sinta
compelido a cumprir a obrigação cominada, o que possivelmente não ocorreria caso a
multa não tivesse sido aplicada, ou caso aplicada não pudesse ser executada, o que, na
prática, representaria basicamente a mesma situação. Por isso, “classificar a natureza
jurídica da medida por seu aspecto acidental, ou seja, caracterizá-la pela forma que assume
justamente quando não cumpre sua função primordial, constituiria equívoco”64.
Além do mais, como medida coercitiva que é, a fixação de multa periódica
independe de dano a ser reparado, uma vez que o que se busca garantir por seu intermédio
é o cumprimento in natura da obrigação convencionada entre as partes ou determinada
pelo juiz/árbitro, independentemente de a inadimplência resultar em dano patrimonial
direto. O que se tutela é o direito de ver cumprida uma obrigação e não a reparação de um
dano, como defende Luiz Guilherme Marinoni:

61
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 273.
62
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 32.
63
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 204.
64
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 85.
34

Existindo direito à prestação e probabilidade do seu não cumprimento, há direito


à tutela inibitória. [...] No caso em que se teme apenas o inadimplemento, não há
que se falar em probabilidade do dano, mas sim em probabilidade do
inadimplemento. Apenas na hipótese em que o adimplemento pode gerar dano é
que, por uma razão lógica, a probabilidade de dano precisa ser invocada.65

Essa compreensão é importante, seja para a fixação do valor da multa, que


justamente por isso não tem relação direta com o valor da obrigação principal, seja para
que não haja dúvida sobre a possibilidade de cumulação da execução da multa diária com
a condenação em perdas e danos, caso tenha decorrido da recalcitrância do devedor.
A caracterização da astreinte como medida coercitiva é, pois, importante para que
se afaste a possibilidade de vê-la encarada como medida de cunho indenizatório em face
de perdas e danos experimentados pelo credor. Isso porque, enquanto medida coercitiva, a
astreinte visa evitar o cometimento de ilícito/dano, diferente da indenização, que visa
reparar prejuízo já causado pelo ilícito/dano provocado.
Julio Lora, analisando o instituto no direito francês, aponta quatro pontos
distintivos entre as astreintes e a indenização por perdas e danos: i) a desnecessidade de
existência de dano para aplicação de astreintes; ii) a finalidade da multa de forçar o
cumprimento da obrigação e não de reparar o dano; iii) a multa busca o cumprimento da
obrigação in natura, não importando, assim, na modificação da natureza da prestação
originária; e iv) as astreintes não estão limitadas ao valor do dano.66
Justamente pela natureza coercitiva e não sancionadora não se permite a
aplicação de astreintes para compelir o devedor ao cumprimento de obrigação impossível,
ainda que seja ele próprio o responsável por tornar impossível o seu adimplemento. Isso
porque a medida, enquanto coercitiva, deve ser útil, afinal “não se admite atividade
executiva que sirva apenas para prejudicar o responsável executivo, sem que haja real
benefício no mundo empírico para o exequente”67.
Luiz Guilherme Marinoni, por fim, alerta para o fato de que a aplicação da multa
deve levar em conta a situação patrimonial do devedor no momento de sua fixação e não
em potencial acréscimo patrimonial futuro: afinal não haveria racionalidade alguma
admitir que “o valor da multa possa ser retirado de patrimônio que venha a ser adquirido
pelo devedor, pois a multa tem por objetivo convencer o devedor a pagar – considerando o
seu patrimônio atual – e não castigar o devedor que não possui patrimônio no momento

65
MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 273.
66
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa, p. 44.
67
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 236.
35

em que o crédito é exigido”68.

2.3.2 Caráter acessório

O princípio que determina que o acessório deve seguir o principal – antes


presente literalmente no artigo 59 do Código Civil de 1916 – apesar de não ter sido
repetido no Código Civil de 2002, ao menos não de forma literal, continua presente na
interpretação do direito nacional, seja porque se tornou um princípio geral do direito, ou
ainda pela expressão positivada no artigo 92 do Código Civil de 2002, quando aponta que
“principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja
existência supõe a do principal”.
Embora se trate de regra com raízes no direito material, o debate acerca dos
efeitos processuais da astreinte, especialmente a respeito da sua acessoriedade com relação
à obrigação principal, divide a doutrina em duas correntes: de um lado aqueles que
concebem as astreintes como obrigação autônoma da obrigação principal, que visa
cominar o seu cumprimento; de outro aqueles que entendem que a multa astreinte encontra
sua razão de existir na obrigação principal, sendo, portanto, desta acessória.
A relevância prática dessa categorização do instituto da astreinte possui ligação
direta com relação “aos efeitos que alterações no status quo da obrigação principal ou na
possibilidade de seu cumprimento podem provocar na eficácia da decisão que as fixa, bem
como na incidência e exigibilidade das mesmas” 69.
A corrente que se apresenta majoritária é defendida por autores como Guilherme
Rizzo Amaral, para quem as astreintes possuem natureza “técnica de tutela e, portanto,
acessória, não subsiste a decisão que a fixa se o devedor, por exemplo, foi exonerado da
obrigação por força de posterior decisão judicial”70. No mesmo sentido, encontram-se
posicionamentos de Diego Henrique Nobre de Oliveira71, Eduardo Talamini72 e Paula

68
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 149.
69
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 87.
70
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 79.
71
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução.
72
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 259.
36

Sarno Braga, Rafael Oliveira e Fredie Diddier Jr.73


Marcelo Lima Guerra, por seu turno, diferencia a acessoriedade da condenação
com a acessoriedade da obrigação. Segundo o autor, diante da natureza processual das
astreintes a acessoriedade ocorre em face do ato da autoridade judicial e não da obrigação
em si, de modo que se deve concebê-la como condenação acessória e não como obrigação
acessória. 74
Luiz Guilherme Marinoni, dissertando sobre o tema, aponta a falta de
congruência lógica que haveria em se admitir a execução de uma tutela acessória quando a
tutela principal é considerada indevida, especialmente em um sistema que destina ao
credor o valor da multa:

Se o nosso sistema confere ao autor o produto da multa, é completamente


irracional admitir que o autor possa ser beneficiado quando a própria jurisdição
chega à conclusão de que ele não possui o direito que afirmou estar presente ao
executar (provisoriamente) a sentença ou a tutela antecipatória. Se o processo
não pode prejudicar o autor que tem razão, é ilógico imaginar que o processo
possa beneficiar o autor que não tem qualquer razão, apenas porque o réu deixou
de adimplir uma ordem do Estado-juiz.75

Por outro lado, dentre os defensores da corrente minoritária que rechaçam a


acessoriedade das astreintes com relação à obrigação e, consequentemente, defendem a
possibilidade de sua execução ainda que o pedido relacionado à obrigação principal seja
por fim julgado improcedente, destaca-se Joaquim Spadoni, para quem a multa serve não
só para atender o direito material almejado pela parte, mas também para garantir o
interesse público decorrente da efetividade das decisões judiciais e o respeito à autoridade
dos tribunais.76 Vale salientar aui a coerência do autor mostra coerência em seu
posicionamento quando também defende que, até em razão desta natureza, a quantia
resultante da multa incidente deveria ser revertida em favor do Estado e não da parte.
Em sentido semelhante, encontra-se a posição de Sérgio Cruz Arenhart, quando
defende que da autonomia do instituto é que se deve extrair a possibilidade de sua
execução, independentemente do resultado da ação com relação ao pedido principal.77

73
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória.
Salvador: JusPodivm, 2016. p. 360.
74
GUERRA. Marcelo Lima. Execução Indireta, p. 166.
75
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 225.
76
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
77
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
p. 200.
37

Autores como Stella Economides Maciel, embora compreendam que a


acessoriedade da astreinte decorra do fato de que a medida se constitua em “um meio que
serve ao atingimento de um fim, qual seja, o cumprimento da obrigação”78, discordam de
sua inexigibilidade diante da improcedência superveniente do pedido principal.79 Segundo
a autora, pensar diferente seria reduzir a eficácia psicológica da medida em face do
devedor.
Nesse aspecto, não se pode olvidar que a multa astreinte é uma entre outras
medidas inibitórias/coercitivas e que não há razão para que o seu tratamento, neste ponto,
se dê de forma diferente daquele aplicado às demais medidas da mesma natureza.
Como qualquer técnica processual, a multa astreinte, enquanto não transitar em
julgado a decisão que a fixou, está sub judice e, portanto, sujeita à revisão judicial. Não à
toa, enquanto não transitada em julgado a exigibilidade do crédito da multa deve ocorrer
por meio do cumprimento provisório, o que, por certo, pressupõe a possibilidade de
redução ou até de exclusão do crédito com a consequente assunção de riscos por parte do
credor que opta por tal procedimento.
Também é importante frisar que a reversibilidade das tutelas provisórias, com
seus consectários legais, além de garantir que a parte não seja definitivamente prejudicada
por uma decisão judicial proferida em sede de cognição sumária, posteriormente revertida
quando diante dos demais elementos decorrentes da cognição exauriente, permite que o
julgador as profira com maior tranquilidade. Em outras palavras, advogar contrariamente à
reversibilidade das tutelas provisórias e/ou de seus efeitos teria o efeito psicológico de
desencorajar o seu deferimento por magistrados, que ficariam justificadamente temerosos
de prejudicarem determinada parte por meio de uma decisão proferida sem o
conhecimento de todos os elementos que envolvem a lide. Situação mais crítica poderia
ocorrer nos casos de pedido de tutela provisória inaudita altera pars.
Nesse cenário, o devedor que opta por não cumprir a determinação judicial à qual
se comina a multa astreinte está voluntariamente sujeitando-se ao seu adimplemento caso
seja mantida a sua cominação em decisão transitada em julgado. Por outro lado, caso
prove, ao final, que lhe assistia razão, logicamente nenhuma consequência negativa lhe

78
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual.
2016. 194f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2016. p. 86.
79
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
88.
38

poderá ser atribuída. Ao credor, por outro lado, cabe a via do cumprimento provisório, que
se manejado será capaz de sujeitar o devedor aos efeitos práticos e nocivos da incidência
da multa, o que fulminaria a conclusão acerca da inutilidade da medida ante a
possibilidade de sua exclusão em caso de improcedência do pedido principal.
A sujeição à expropriação de bens pessoais do devedor bem como a possibilidade
de majoração da multa astreinte rechaçam a conclusão de que esta perderia sua
coercibilidade, uma vez que seria “um mal que não se concretiza” 80. Essa consequência se
deve muito mais às decisões que excluem ou reduzem a multa a qualquer tempo, mesmo
após o trânsito em julgado, do que à vedação de execução de multas cominadas para o
cumprimento de obrigações tidas posteriormente como indevidas pelo Judiciário.
Nesse ponto, é essencial que se atente para a natureza coercitiva e não punitiva da
medida, pois a função punitiva é exercida por meio de sanções processuais específicas
previstas no ordenamento jurídico.81
Tal viés afastaria, assim, a conclusão de autores, como Joaquim Felipe Spadoni,
que veem no descumprimento da multa diária um desrespeito ao Poder Judiciário ao invés
de inadimplemento de uma obrigação.82 Porém, mesmo que assim se considere, tal razão
não bastaria para defender a incidência da multa em caso de improcedência do pedido
principal. Isso porque, caso reconhecida judicialmente a improcedência do pleito da parte,
reconhecida estará, do mesmo modo, que a obrigação cominada era indevida. O
desrespeito, logo, dar-se-ia em face de decisão judicial posteriormente considerada
incorreta ou inadequada. Não se quer dizer com isso que a parte está autorizada a
descumprir determinações judiciais, ainda que baseadas em tutelas provisórias, uma vez
que tal recalcitrância, caso tornada definitiva a tutela provisória, sujeitará o devedor a
consequências prejudiciais, como o pagamento do valor acumulado da multa astreinte.
Outra consequência, inclusive, pode ocorrer por meio da majoração do valor da multa
astreinte, adequada aos casos em que a cominação inicial não tenha surtido efeito. Assim,
caso seja procedente o pedido principal, maior será o prejuízo financeiro a ser suportado
pelo devedor – esse deve ser outro elemento a ser considerado pelo litigante no momento
em que decide cumprir ou não a ordem judicial.

80
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
158.
81
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 204.
82
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução.
39

E aqui não se pode perder de vista que enquanto não transitada em julgado a
decisão judicial acerca da obrigação principal, e consequentemente da multa astreinte
cominada, estar-se-á a tratar de decisão provisória e não definitiva. Essa diferença é clara,
tanto que o CPC/15 estabelece procedimentos diversos para a exigibilidade de decisões
definitivas e provisórias. Justamente pela possibilidade de reversão da decisão provisória,
o credor se sujeita à responsabilidade civil em caso de reversão da decisão e dele se exige
a prestação de caução para levantamento do valor executado. Ou seja, enquanto pendente
recurso, as partes têm plena consciência da precariedade daquela ordem judicial.
Por todas essas razões é que se defende o caráter acessório das astreintes com
relação à obrigação principal cujo cumprimento visa compelir, especialmente no que tange
aos seus efeitos em face da insubsistência ou impossibilidade de cumprimento daquela que
gerará a insubsistência de seu acessório, a multa.
Destaca-se, por fim, que o reconhecimento de caráter acessório da astreinte não
impede a sua exigibilidade independentemente da execução da obrigação principal na
medida em que, caso sejam mantidas a obrigação principal e a multa, ambas podem ser
perseguidas pelo credor, o que se dará, na maioria das vezes – salvo quando a obrigação
principal também apresentar natureza de pagar quantia certa – em procedimentos
apartados.

2.3.3 Caráter patrimonial

Outra característica marcante do instituto das astreintes no ordenamento jurídico


brasileiro é o seu caráter patrimonial na medida em que, a partir de sua incidência, cria-se
um crédito pecuniário em favor do credor da obrigação inadimplida independentemente de
eventual crédito representado pela obrigação principal. Consequentemente, para o
devedor, a quem caberá o pagamento da multa, a medida representará uma diminuição
patrimonial na mesma proporção.
A pressão exercida pelo instituto da astreinte, ao invés de se direcionar à pessoa
do devedor da obrigação, volta-se contra o seu patrimônio, potencialmente atingido por
sua inadimplência.
A aludida pressão exercida pela astreinte, é importante ressaltar, apenas se
concretizará caso o devedor se omita ao cumprimento da obrigação com relação ao prazo e
ao modo cominados pela decisão judicial. Assim, o objetivo primário da astreinte não é a
40

criação de um crédito em favor do credor da obrigação principal, mas sim compelir o


devedor ao respectivo cumprimento.83 E é justamente a possibilidade real de que tal
ameaça se concretize que tem o poder de influenciar na tomada de decisão do devedor
entre cumprir ou não a obrigação determinada.
Partindo dessa premissa, a astreinte será adequadamente fixada quando não
chegar a incidir, de modo que o seu caráter patrimonial deve ser considerado acidental em
relação à sua verdadeira função e natureza.84
A possibilidade de conversão das astreintes em crédito em benefício do credor da
obrigação, essencial para a seriedade da medida, é um dos pontos que originam maior
inquietude na prática forense, especialmente nos casos em que o crédito resultante da
aplicação da multa atinge valores muito elevados. Nessas situações aparecem alegações
de enriquecimento ilícito ou enriquecimento sem causa do credor, além de interpretações
elastecidas dos primados da proporcionalidade e da razoabilidade, elementos chamados à
interpretação da norma, geralmente com o fito de reduzir ou até extinguir a multa aplicada,
mesmo quando oriunda de decisão judicial transitada em julgado.
Se, por um lado, interpretações a favor da redução ou até mesmo exclusão da
multa quando atinge valor elevado possam conferir uma aparência de aplicação justa do
direito ao caso concreto; por outro, basta um pequeno afastamento daquela lide para se
perceber, em uma análise macrossocial, que representa um desincentivo ao cumprimento
de ordens judiciais futuras, deste ou de outros litigantes – especialmente considerando a
velocidade que as informações se dissipam atualmente –, na medida em que algum
jurisdicionado, confiando na redução da multa no momento de sua execução terá poucos
motivos para se sentir amedrontado pela multa coercitiva contra si arbitrada.
Dessa situação, inclusive, é que se originam o problema e a justificativa de
realização da presente pesquisa, por meio da qual se pretenderá analisar, com a maior
acuidade possível, os elementos jurídicos que permeiam a interpretação da norma neste
particular.

83
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 83.
84
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001. p. 106.
41

2.3.4 Astreinte como protetora da dignidade dos tribunais

Além de buscar a garantia do cumprimento das obrigações pela via específica,


servindo, portanto, às partes de um processo judicial, as astreintes apresentam
paralelamente outra característica, qual seja a da garantia do cumprimento das ordens
judiciais, como forma de proteger a dignidade do próprio Poder Judiciário e de seus órgãos
fracionários prolatores das decisões.
Vale salientar o fato de que “se até mesmo qualquer razão prosaica ou vulgar
pode servir ao não cumprimento de ordens judiciais, elas não estão dotadas da força
intimidatória que deviam ter”85, de modo que até prestação de pouca complexidade são
comumente desobedecidas.
Diante desse quadro, não se pode olvidar que a efetividade jurisdicional e até
mesmo a percepção social desta efetividade são essenciais para a garantia de uma
sociedade que aceite viver em um Estado de Direito, optando por solucionar suas
contendas por meio da jurisdição – ainda que fora do Estado, como no caso da arbitragem,
mas que nem por isso deixa de ter a sua chancela estatal, como se verifica pela existência
da Lei da Arbitragem, diploma legal que valida juridicamente este método extrajudicial de
solução de conflitos.
A descrença na solução de contendas por meio da jurisdição, dentro ou fora do
Estado – mas por este chancelada – leva, inexoravelmente, a uma busca de solução mais
primitiva, da autotutela.
Analisando o tema por uma perspectiva econômica do direito, Ivo Teixeira Gico
Jr estabelece uma relação direta entre a descrença da solução de conflitos por meio do
Judiciário e a busca pela autotutela.86
Nesse contexto, gera-se o chamado “problema de seleção adversa” na medida em
que os indivíduos que desejam esquivar-se de suas obrigações encontram incentivo na
litigância, seja diante do benefício que a morosidade do processo lhes trará, seja pela
possibilidade de êxito decorrente da imprevisibilidade das decisões judiciais no Brasil:

Em outras palavras, o incentivo isolado à litigância pela redução de custos de


litigar (acesso ao Judiciário), ceteris paribus, induz à morosidade judicial que,
por sua vez, reduz a utilidade real dos direitos. Além disso, um grupo marginal

85
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
73.
86
GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 173.
42

de usuários potenciais do Judiciário deixará de usá-lo para fazer valer seus


direitos, porque não compensará. Esses titulares legítimos de interesses
juridicamente protegidos, na prática, não poderão exercer seus direitos, o que é
um resultado oposto ao inicialmente pretendido com a política de acesso ao
Judiciário. Novamente, temos uma tragédia do Judiciário em que o livre acesso
ao principal (resource system), incentivado por subsídios públicos, leva a uma
sobreutilização que, a seu turno, leva à exclusão de usuários pela rivalidade e
que não deveriam ser excluídos.87

O autor ainda estabelece uma relação entre os efeitos da crise de ineficiência do


Poder Judiciário e o primado econômico da “Lei de Gresham”88, explicando que o excesso
de litigância produz resultados que atraem os litigantes ruins, que se aproveitarão da
morosidade e da ineficiência dos processos judiciais para resistir às pretensões legítimas
da parte contrária, enquanto se expulsa o litigante bom, desestimulado por essas mesmas
questões. 89
Por essa perspectiva, mais do que defender a imagem do Poder Judiciário como
instituição de Estado e de seus membros enquanto autoridades públicas, a defesa da
dignidade da jurisdição é essencial para a garantia de algum nível de paz social, mantendo-
se os indivíduos crentes na solução de seus conflitos, resistindo, assim, aos impulsos
primitivos do retorno à autotutela.
Não obstante, vale destacar que a multa periódica brasileira não pode ser
confundida com o instituto do contempt of court90, do direito anglo-saxão, especialmente
em razão de seu caráter patrimonial, como abordado antes, que permite que o valor
eventualmente resultante da multa astreinte se incorpore ao patrimônio do credor.91

87
GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 173.
88
Princípio econômico segundo o qual a sobrevalorização artificial de uma moeda e a desvalorização
artificial de outra pelo governo faz com que a moeda supervalorizada invada o mercado, enquanto a moeda
subavaliada tenha sua circulação drasticamente reduzida, sendo entesourada. Regra geral, usa-se a expressão
“dinheiro ruim expulsa dinheiro bom”. GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 191.
89
GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 191.
90
“Pode-se definir o contempt of court como a ofensa ao órgão judiciário ou à pessoa do juiz, que recebeu o
poder de julgar do povo, comportando-se a parte conforme suas conveniências sem respeitar a ordem
emanada da autoridade judicial.” ASSIS, Araken de. O Contempt Of Court no direito brasileiro. Revista de
Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, jul.-set. 2003. p. 20.
91
SILVA, Luiz Antonio Miranda Amorim. As astreintes e a improcedência da demanda. Revista da AGU,
Brasília, v. 7, n. 15, p. 177-189, 2008. p. 160.
43

Justamente por esse motivo é que autores como Guilherme Rizzo Amaral92 e
Stella Economides Maciel93 rechaçam o que chamam de ideia de eficácia moralizadora das
astreintes, que não se aplicaria, considerando que a medida não tem caráter punitivo e que
tal função já seria exercida por outros mecanismos processuais como a multa por litigância
de má-fé e/ou por ato atentatório à dignidade da Justiça.
O argumento, por si só, não afasta a faceta de instrumento também capaz de
proteger a autoridade e a dignidade das Cortes nacionais. Nesse sentido, quando se
determinam medidas indutivas, coercitivas ou mandamentais, como as astreintes, mais do
que garantir o direito material ali tutelado, está-se a garantir o cumprimento das decisões
judiciais/arbitrais, sejam elas quais forem, proferidas por quem for, o que se faz
principalmente em favor da parte destinatária da tutela jurisdicional, mas também, de
algum modo, como forma de garantir a autoridade e a dignidade da Corte.

2.3.5 Diferenças para multa cominatória

Conforme demonstrado na seção 2.2 desta pesquisa, a multa cominatória


enquanto técnica processual própria da ação cominatória surge no direito brasileiro após a
influência das Ordenações Portuguesas, expressamente por meio do Código de Processo
Civil de 1939, que regulamentou a possibilidade de imposição de sanção pecuniária como
instrumento coercitivo voltado ao cumprimento da obrigação exigível, como prevê o seu
artigo 302, que em conjunto com o disposto no artigo 999, permitia a cominação de multa
na execução de obrigações de fazer ou de não fazer, desde que requerido pelo autor e
quando a multa tivesse sido convencionada pelas partes.
Essa tendência permaneceu na redação original do Código de Processo Civil de
1973, que manteve a multa cominatória incidindo apenas nas obrigações infungíveis,
quando resultante da vontade prévia das partes estabelecidas em contrato, marcando,
assim, a sua clara origem no direito material.
Apenas em um segundo momento, legislações esparsas começaram a prever a
possibilidade de cominação de multa coercitiva independentemente da vontade das partes,
originando-se da ordem judicial baseada em dispositivos legais, primeiramente pela Lei

92
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 70.
93
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
74.
44

7.347/85, depois com o aperfeiçoamento do instituto no Código de Defesa do Consumidor,


para, por fim, transformá-la em regra geral como multa, agora de origem processual, por
meio da Lei 8.952/94, que acresce ao Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo
461, parágrafo 4o94, disposição idêntica à adotada com sucesso no Código de Defesa do
Consumidor.
Percebe-se, assim, que o direito brasileiro, antes de admitir o instituto das
astreintes em 1985, adota a multa cominatória desde o Código de Processo Civil de 1939.
A distinção é importante na medida em que, embora ambas sejam multas de aplicação
periódica em desfavor daquele que se nega ao cumprimento de determinada obrigação, a
multa cominatória se origina da vontade das partes, integrando, pois, a esfera do direito
material; as astreintes, por sua vez, têm origem na decisão judicial a partir de dispositivo
legal expresso, que permite ao magistrado a imposição da lei mesmo que as partes não
tenham assim convencionado. Ou seja, a partir de então, anexo ao dever de cumprir uma
prestação obrigacional está a possibilidade jurídica de o obrigado ser compelido a adimpli-
la, sob pena de multa. Daí em diante, diminui a importância acerca da origem da multa, se
convencional ou se imposta pelo juiz, pois são semelhantes os seus efeitos. Desse
processo, inclusive, resulta a circunstância de que ambas as multas passam a ser tratadas
pelo mesmo nome de astreintes, o que contribuiu bastante para que seja dada menor
importância à distinção entre essas espécies de obrigação.

2.3.6 Diferença para cláusula penal

Um dos maiores pontos nevrálgicos relativos à natureza jurídica da multa diária


astreinte diz respeito à sua diferenciação em relação à multa penal ou cláusula penal,
decorrente da interpretação da linha tênue entre a astreinte prevista no artigo 537 do CPC e
a cláusula penal elencada no Código Civil, em seu título IV, capítulo V.
Como destaca Luiz Guilherme Marinoni, trata-se de confusão que remonta à

94
“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...]
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo
razoável para o cumprimento do preceito.”
45

origem do instituto, ainda em solo francês95, cenário que só se modificou com a Lei
Francesa 91/650, de 09/07/1991, que em seu artigo 34 afirmou que a “astreinte é
independente da indenização”96.
Disposição semelhante restou inserida no ordenamento jurídico brasileiro com o
advento do CPC/15, que em seu artigo 500 previu que “a indenização por perdas e danos
dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento
específico da obrigação”.
De início, importa destacar a existência de duas espécies de cláusula penal:
compensatória e moratória. Enquanto a cláusula penal compensatória é capaz de, além de
forçar o devedor ao cumprimento da obrigação, antecipar o valor das perdas e danos, a
cláusula penal moratória, embora também tenha o objetivo de pressionar o cumprimento
da medida no tempo e modo convencionados, garante ao credor o direito de exigi-la,
somada à obrigação principal.
A subdivisão entre cláusula penal compensatória e cláusula penal moratória é
realizada pelo próprio Código Civil por meio de previsão expressa nos artigos 409 a 411 97.
Assim, enquanto a multa moratória adere à obrigação principal, mas não a substitui, a
multa compensatória tem o condão de substituir a obrigação principal já não mais em
mora, mas inadimplida. Dessarte, a multa moratória nada mais é do que mais um dos
efeitos pecuniários decorrentes da mora, tal qual o são os juros moratórios; sua aplicação
se dá em dinheiro, somando-se à quantia da dívida principal.
De outro norte, a multa compensatória é definida como “meio intimidativo capaz
de levar o devedor ao cumprimento da obrigação e fixação antecipada de perdas e danos a
serem suportados pela parte inadimplente, em favor do credor”98. Ou seja, a cláusula penal

95
“Henri Lalou (1928) explica la concepción de las astreintes en la jurisprudencia de aquella época:
[L'astreinte], telle que la conçoit la jurisprudence, présente donc une doble face: tantôt c'est une allocation de
dommages-intérêts destinée à réparer un prejudice futur, et alors elle est ferme de telle sorte qu'elle ne peut
être ni remise ni renforcée après coup. Tantôt elle est considérée, comme une voie de contrainte, et alors elle
est conminatoire, de telle sorte qu'elle peut être remise si le débiteur s’exécute, ou renforcée s'il persiste à ne
pas s'exécuter.” LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida
conminatoria originada em la jursprudencia francesa, p. 41-42.
96
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 272.
97
“Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-
se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.
Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta
converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra
cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o
desempenho da obrigação principal.”
98
FINK, Daniel. Alternativa à ação civil pública ambiental (reflexões sobre as vantagens do termo de
46

tem o escopo de pressionar o devedor ao cumprimento da obrigação cominada e, ao


mesmo tempo, pré-estabelecer as perdas e danos a serem suportados em caso de
inadimplemento.99
Por meio da pré-fixação das perdas e danos futuros, em caso de inadimplemento
contratual por alguma das partes, a quantia pré-fixada poderá ser exigida pelo credor caso
opte pela resolução em perdas e danos, ou caso o inadimplemento seja absoluto, tornando
impossível o cumprimento da obrigação cominada.100
Nesse sentido, ainda que o credor não seja prejudicado pelo inadimplemento da
parte, ou na hipótese de obter lucro pelo não cumprimento de um contrato que não mais
lhe interessava, ou, ao revés, caso o prejuízo seja superior ao fixado na cláusula penal, tais
situações não serão capazes de alterar o valor devido a título de perdas e danos, salvo
disposição expressa em contrário, conforme o artigo 416 e seu parágrafo único.101
A cláusula penal, além de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação para
que não esteja sujeito à penalidade contratual fixada, tem o condão de pré-fixar o valor do
prejuízo futuro em caso de inadimplemento contratual, evitando que as partes tenham de
se submeter a procedimento jurisdicional para definição do valor exato do prejuízo que
tiveram com aquele inadimplemento, o que acaba por simplificar a execução do contrato.
Estabelecida a finalidade das espécies de cláusula penal, passa-se a analisar a
diferença em relação à astreinte. De início, merece destaque a posição de Silvia Cappelli:

Tanto a cláusula penal como a astreinte têm finalidade compulsória. A astreinte,


entretanto, visa também a obter o acatamento das decisões judiciais, revestindo-
se de natureza pública ou sendo fixada por lei. A cláusula penal se insere nas
medidas de coerção privada, resultando de convenção das partes e seu valor é
estabelecido pelos contratantes. Outra diferença entre elas é a de que a cláusula
penal tem função de determinação prévia do montante indenizatório, já a
astreinte judicial ou legal é cumulada à indenização, é independente desta. 102

A partir do entendimento exposto, pode-se dizer que há diferenças claras entre os


dois institutos: a astreinte possui natureza pública advinda de determinação judicial com o

ajustamento de conduta), Ação Civil. São Paulo: RT, 2001. p. 125-126.


99
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva,
2019. v. 2. p. 425.
100
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 120.
101
“Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir
indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da
indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.”
102
CAPPELLI, Silvia. Atuação extrajudicial do Ministério Público. Revista do Ministério Público, São
Paulo, n. 46, p. 230-260, jan./mar. 2002. p. 240.
47

escopo de garantir a efetividade de decisão judicial103; a cláusula penal surge da livre


vontade de particulares, que a estipulam prevendo um montante indenizatório capaz de
suportar possíveis perdas e danos advindos de eventual inadimplemento contratual.
No caso das astreintes, não é sequer necessário que haja relação contratual entre
as partes envolvidas, eis que, mesmo diante de uma lide que apure eventual
responsabilidade extracontratual, sua cominação é perfeitamente possível. Ao contrário da
cláusula penal que atua em face do inadimplemento visando compensar o dano já causado,
“a multa não compensa o dano, mas sim intimida a possibilidade do ilícito que, se
praticado, será compensado com a indenização”104.
Nessa perspectiva, as astreintes não podem ser vistas como tendo caráter
compensatório105 pois o que se busca, precipuamente, é evitar que o dano ocorra ou, tendo
havido prejuízo, que a reparação se dê de forma in natura.106
Humberto Theodoro Júnior, ao esclarecer que “enquanto for viável obter-se a
prestação in natura, continuará cabível a multa, ainda que ultrapasse o valor da dívida,
porque a astreinte não é meio de satisfação da obrigação, mais simples meio de
pressão”107, reforça o caráter persuasivo e não satisfatório das astreintes.
Justamente em decorrência das diferenças existentes é que um instituto não anula
o outro, ou seja, a cláusula penal e a astreinte podem conviver e mesmo na hipótese de o
credor optar pela pactuação da cláusula penal não estará afastada a incidência de
astreinte.108
Assim, em razão dessa natureza diversa é que se considera perfeitamente possível
a cumulação dos institutos: as astreintes, pelo descumprimento da ordem judicial no tempo
e modo determinados judicialmente; a indenização por perdas e danos provocados pela
conduta lesiva do devedor109, seja esta pré-fixada em cláusula penal ou aferida mediante

103
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 147.
104
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 96.
105
CAPPELLI, Silvia. Atuação extrajudicial do Ministério Público, São Paulo, n. 46, p. 230-260,
jan./mar. 2002. p. 241.
106
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. p. 81.
107
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. 2002.
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2904. Acesso em: 12 mar. 2007.
108
MONTEIRO, António Pinto. Cláusula penal e indenização. Coimbra: Almedina, 1990. (Coleção
Teses). p.137.
109
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 93.
48

processo de conhecimento ou liquidação de sentença.


Dessa conclusão, extraem-se duas importantes implicações práticas: primeiro,
não se deve limitar o valor das astreintes ao valor da obrigação principal porque
inaplicável o artigo 412 do Código Civil à espécie; segundo, é perfeitamente cabível a
cumulação de astreintes com a cláusula penal, não se configurando bis in idem, pois
ambos os institutos, embora apresentem alguma semelhança, fundamentam-se em escopos
inconfundíveis.110

2.4 HIPÓTESES DE CABIMENTO

Embora as astreintes tenham surgido no direito brasileiro limitadas às obrigações


de fazer infungíveis, sucessivas mudanças legislativas já relatadas nesta pesquisa foram
paulatinamente alargando a sua hipótese de cabimento para obrigações de outra natureza,
tanto que hoje já é possível falar na sua aplicação para obrigações de fazer e de não fazer,
mesmo as fungíveis, de dar coisa certa ou incerta, e até mesmo para o caso de obrigação
pecuniária. As peculiaridades da aplicação das astreintes em cada uma dessas hipóteses
são o objeto de estudo das seções seguintes.

2.4.1 Obrigações de fazer e de não fazer

Para uma melhor compreensão acerca do cabimento das astreintes em relação às


obrigações de fazer e de não fazer, deve-se primeiro estabelecer a distinção entre a
fungibilidade das obrigações.
Sobre o conceito jurídico de fungibilidade, elucidativo é o posicionamento do
jurista Orlando Gomes:

A noção de fungibilidade estende-se ao objeto das obrigações de fazer. A


prestação pode consistir, realmente, em serviço fungível, ou não. Serviço
fungível é o que pode ser prestado por outra pessoa que não o devedor. O credor
tem a faculdade de mandar executá-lo por substituto, às exigências da outra
parte. Serviço não-fungível, o que se contrata intuitu personae, isto é, em
atenção às qualidades pessoais do devedor. Sua execução por terceiro ou é
impossível ou desinteressante ao credor. A distinção interessa no que concerne
ao cumprimento das obrigações.111

110
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 102.
111
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. v. 1. p. 248.
49

As qualidades pessoais do obrigado são peças chave para a caracterização da


infungibilidade da obrigação, pois, “ter-se-á obrigação de fazer infungível se consistir seu
objeto num facere que só poderá, ante a natureza da prestação ou por disposição
contratual, ser executado pelo próprio devedor, sendo, portanto, intuitu personae”112. Por
outro lado, será fungível a obrigação quando a prestação puder ser realizada tanto pelo
devedor quanto por terceiro, sem que isso traga nenhum prejuízo ao credor.
Especificamente quanto à obrigação de não fazer, anota-se que são naturalmente
infungíveis na medida em que se presume a impossibilidade de um terceiro deixar de fazer
algo pelo devedor. Ou seja, a prestação negativa dificilmente poderá ser imputada a
terceiro; o seu objeto constitui, assim, uma obrigação de abstenção do devedor principal,
seja de forma direta ou indireta, nas hipóteses em que este se obriga pela abstenção de
terceiros, como uma espécie de promessa de fato de terceiro.113
Estabelecido um conceito básico da fungibilidade nas obrigações de fazer e de
não fazer, cabe abordar agora a sua relação com o cabimento ou não das astreintes, tema
que gera visões doutrinárias diferentes. Enquanto uma corrente doutrinária defende que as
astreintes só devem ser aplicadas nos casos de obrigação de fazer infungíveis; outra
vertente, dominante, assevera que as astreintes também podem ser aplicadas em casos de
obrigação de fazer fungível.
Esse tema é recorrente em outros ordenamentos jurídicos, que contemplam, de
algum modo, multas coercitivas, como no caso da Itália, que por meio da reforma
processual de 2015 disciplinou a questão, aumentando as hipóteses de incidência das
astreintes com o escopo de albergar também as hipóteses de obrigações fungíveis. 114
Representando a primeira corrente, encontra-se o entendimento de Carlos Alberto
Carmona, que ao comentar a reforma processual civil trazida pela Lei 8.953/94 assim
escreveu:
[...] reservaram-se as astreintes – a meu ver – apenas para as obrigações de fazer
e não fazer infungíveis, onde a multa teria o condão de pressionar o devedor
para que a obrigação fosse cumprida, sendo certo que o Estado, em tais
hipóteses, não consegue substituir a vontade do inadimplente no plano dos fatos:
se o devedor recusar-se a cumprir a obrigação, fracassa a tentativa de execução
específica, sendo de rigor a conversão de perdas e danos.115

112
DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 659.
113
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 92.
114
SANTOS JUNIOR, Jamiro Campos dos; ZAGANELLI, Margareth Vetis. Meios de coerção indireta:
Astreinte no processo civil italiano. Derecho y Cambio Social, Lima, Peru, 2016. p. 14.
115
CARMONA, Carlos Alberto. O processo de execução depois da reforma. Revista Forense, São Paulo, v.
50

Nessa linha de pensamento, defende-se que, como a obrigação de fazer fungível


poderia ser realizada por terceiro, a astreinte não teria razão de existir, haja vista que a
obrigação poderia ser resolvida por outros meios, como perdas e danos, em homenagem ao
princípio da menor onerosidade possível ao devedor. Essa, inclusive, é a regra aplicada
nos ordenamentos jurídicos português116 e argentino117.
Essa posição, embora remonte às origens do instituto no Brasil, atualmente
caminha na contramão da maior parcela da doutrina nacional, que diante do ordenamento
jurídico atual admite o cabimento das astreintes nos casos de obrigações fungível e
infungível.
O primeiro representante dessa segunda corrente jurídica é Eduardo Talamini,
que assevera que “embora a multa assuma especial relevância na tutela de deveres
infungíveis, é cabível também sua cominação para o cumprimento de deveres de fazer
fungíveis”118. ´
Guilherme Rizzo Amaral, corroborando o entendimento supra, assevera que “[...]
o fato de determinada obrigação poder ser cumprida por terceiro que não o próprio
devedor, não afasta a possibilidade de aplicação da multa diária como meio de coerção” 119.
Esse posicionamento também é adotado por Antônio Pereira Gaio Junior.120
Mesmo no campo da doutrina que entende ser possível a aplicação de astreintes
como medida idônea para forçar o cumprimento de obrigações fungíveis, há aqueles que
defendem ser esta possibilidade limitada à ineficiência ou impossibilidade de outros meios
processuais, como João Calvão da Silva, para quem a subsidiariedade das medidas
coercitivas deve ser a ultima ratio:

Se a grande questão é a efectivação do cumprimento, temos que reconhecer que


o mais lógico e o mais natural é conseguir, em primeiro lugar, o cumprimento
espontâneo (nos termos devidos); quando assim não suceda, retardado
cumprimento coercitivo e, só no terceiro e último lugar, a execução específica.
Por isso, no jogo dialético da técnica coercitiva e da execução sub-rogatória,
aquela é prioritária e esta a ultima ratio.121

333, p. 39-49, 2000. p. 77.


116
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa.
117
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 178.
118
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 239.
119
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 96.
120
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 94.
121
SILVA, João Calvão da. Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. 2. ed. Coimbra.
Universidade de Coimbra, 1997. p. 504.
51

A posição do autor é combatida por outra parte da doutrina122, que rechaça a ideia
da aplicação de astreinte apenas de modo subsidiário em relação às demais medidas
judiciais postas à disposição do magistrado. Esse parece ser o posicionamento também
defendido por aqueles que consideram inviável a aplicação de astreintes no caso de
obrigações de fazer fungíveis.
Essa mesma conclusão é obtida por Luiz Guilherme Marinoni, que se embasou na
ideia do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional para afirmar, com relação
às astreintes, que “a multa não deve ser pensada como algo que deve incidir no local em
que a execução direta não pode atuar, mas sim como instrumento que tem vinculação
única com a efetividade da tutela”123. O autor relaciona o tema com a virada
principiológica afeta ao cumprimento das obrigações, no momento em que se abandona a
primazia da liberdade do indivíduo, quando se transformava toda obrigação não cumprida
em perdas e danos, para um novo momento em que se busca garantir, sempre que possível
e no interesse do credor, o adimplemento da obrigação pela tutela específica com vistas ao
cumprimento do compromisso de efetividade no acesso à justiça:

Entendia-se simplesmente, não ter fundamentação constranger alguém a fazer


algo que pode ser feito por terceiro, uma vez que tal maneira de proceder, por
não se apresentar como necessária, atentar contra a liberdade do réu. Acontece
que essa conclusão é própria de uma época em que se frisava o valor da não
interferência do Estado na esfera jurídica do particular.124

Destaca-se, nesse particular, o posicionamento de Marinoni, também defendido


por outros tantos doutrinadores, como Candido Rangel Dinamarco125, Ada Pellegrini
Grinover126, Araken de Assis127, Karina Resende Miranda de Souza128, Olavo de Oliveira
Neto129 e Newton Coca Bastos Marzagão 130. A legislação francesa atual, da mesma forma,
rechaça a ideia de subsidiariedade das astreintes.131

122
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 128.
123
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. p. 422.
124
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. p. 308.
125
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
1995. p. 154.
126
GRINOVER, Ada Pallegrini. Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. Revista de
Processo, São Paulo, n. 79, p. 3-14, 1995. p. 70.
127
ASSIS, Araken de. Reforma do Processo Executivo, São Paulo, Saraiva, v. 17, anos XVII e XVIII,
1995-1996. p. 149-150.
128
SOUZA, Karina Resende Miranda de. Astreintes: sua destinação final e o enriquecimento sem
causa. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 8, n. 8, p. 500-538, 2011.
129
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 243.
130
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 114.
131
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil.
52

Outro tema referente ao cabimento das astreintes nas obrigações de fazer diz
respeito às prestações cuja execução demande processo criativo. A respeito, a doutrina
vem defendendo a impossibilidade da aplicação de astreintes, sob pena de se ferir o direito
moral do artista132, o que além de violar o seu direito fundamental seria talvez pouco
interessante ao próprio credor, que estaria sujeito à má realização do serviço133, eis que “o
profissional que se negara a produzir o fato prometido por não encontrar inspiração, pouco
provavelmente encontrá-la-ia por estar sendo admoestado por uma multa pecuniária”134.
No mesmo caminho segue a jurisprudência e a doutrina francesas. 135
Luis Eulalio de Bueno Vidigal, nesse ponto, afirma sua posição de defesa da
impossibilidade de aplicação de medidas coercitivas para as obrigações infungíveis que
exijam predicados especiais do obrigado, por serem estas qualidade “tão eminentemente
próprias, tão eminentemente e irredutivelmente individuais e pessoais, espelhos da
personalidade, que a ameaça coercitiva seria, por um lado, chocante e violadora da
personalidade do devedor e, por outro, ineficaz e até contraproducente para o próprio
credor”136.
Nessas premissas, pode-se perceber que decidir sobre a aplicação de astreintes
para forçar alguém a trabalhar em um ofício que dependa de inspiração, ainda que
respeitando contrato firmado anteriormente, mas contra a sua vontade, envolverá,
inexoravelmente, o sopesamento de princípios constitucionais, figurando de um lado a
liberdade profissional do devedor e de outro o direito à tutela jurisdicional efetiva do
credor.
Embora a opção pela tutela específica da obrigação deva ser priorizada, isso não
pode ocorrer ao arrepio de direitos fundamentais do devedor, como no caso das obrigações
de fazer que demandem inspiração artística, sob pena de se atingir a sua liberdade criativa,
que vai de encontro à própria natureza da prestação, que pressupõe inspiração e
liberdade.137

132
GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta, p. 131.
133
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 98.
134
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 124.
135
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, v. 69, 1994.
136
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 334.
137
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 118.
53

Nesse sentido, disserta Luis Eulalio de Bueno Vidigal: “sempre que esteja em
causa o cumprimento de obrigações que não possa ser seguido de coerção, ainda que
patrimonial, sem violação de direito(s) de personalidade, a sanção pecuniária compulsória
não deve ser aplicada”138.
E como sói ocorrer com relação à resolução de antinomias reais, a solução
passará pela análise do caso concreto, mediante o sopesamento dos direitos postos em
conflito na situação examinada. Por exemplo, ordenar que o único médico especialista em
determinada área da saúde em certa região cumpra o seu contrato até que se possa
encontrar um substituto pode demandar solução diversa da de uma lide cujo magistrado
estabeleca que um atleta profissional tenha de cumprir o seu contrato até o final.
Eduardo Talamini cita dois exemplos interessantes oriundos do Judiciário inglês:
um abordando lide entre uma cantora lírica e um teatro, com quem havia firmado contrato
de exclusividade; outro mencionando processo em que figuravam como partes uma atriz e
uma produtora de cinema.139 Em ambos os casos a solução encontrada foi semelhante. Não
se fixou multa para compelir ambas as artistas a cumprirem os seus contratos, porém,
foram impedidas de exercer seus ofícios em outros lugares que não aqueles onde haviam
firmado compromisso de manter a exclusividade.
Nos casos relatados, as Cortes inglesas parecem ter encontrado uma solução
proporcional na medida em que criaram um mecanismo de pressão psicológica às
devedoras, sem, contudo, obrigá-las a trabalhar contra a sua vontade. Em uma das
situações, inclusive, argumentou-se que aquela decisão não estava impedindo a litigante de
trabalhar, pois poderia buscar outro ofício que não o de atriz.
Em que pese a importância constitucional de garantir uma tutela jurisdicional
efetiva que se materializa pela tutela específica da obrigação, nos casos em que da análise
do caso concreto e do sopesamento de princípios e direitos postos em conflito emergir a
necessidade de preservação dos direitos de personalidade do devedor a solução passaria
pela resolução pelo equivalente em pecúnia, mediante apuração de perdas e danos, ou
execução da cláusula penal, caso pactuada.

138
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 335.
139
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 96.
54

2.4.2 Obrigações de dar coisa

Mesmo antes da mudança legislativa operada pela Lei 10.444/2002, que inseriu o
art. 461-A no CPC/73 e estendeu a possibilidade de cabimento das astreintes também para
as obrigações de dar, parte da doutrina já concebia como possível a sua aplicação por
analogia ao disposto no artigo 461 do Código então em vigor. Um dos precursores dessa
corrente foi Paulo Henrique dos Santos Lucon, que ao analisar a previsão de multa diária
da Lei 9.099/95, que instituiu os juizados especiais, defendia a possibilidade de cominação
de multa para a entrega de coisa, ainda que exclusivamente naquele microssistema
processual. 140
Nessa seara, mesmo entre aqueles que defendiam a aplicação das astreintes nas
obrigações de dar, encontravam-se duas correntes. A corrente dominante defendia a
aplicabilidade da multa cominatória apenas nas obrigações de dar coisa certa, enquanto a
minoria militava a favor da aplicabilidade da astreinte não só neste caso, mas também nas
obrigações de dar coisa incerta.
Basicamente, as obrigações de dar coisa certa diferem das obrigações de dar coisa
incerta: na primeira o bem resta perfeitamente individualizado no momento da formação
do contrato, permitindo que o credor exija a entrega daquele objeto/bem específico; na
segunda o bem é definido com alguma especificidade, mormente quanto à quantidade e à
qualidade, mas sem que se defina o modo e sem que se consiga individualizá-lo em
relação aos demais objetos da mesma espécie.
O cumprimento da obrigação de dar coisa incerta sempre será precedido por uma
escolha, que em regra caberá ao devedor, o que na prática interfere na própria
exigibilidade da coisa, tendo em vista que antes de exigir o cumprimento efetivo/material
o credor deve permitir que o devedor exerça a escolha, sob pena de transferir-lhe tal
faculdade.
Entretanto, o artigo 461-A do CPC/73 – e posteriormente o seu correspondente
artigo 498141 do CPC/15 – pôs fim à celeuma, ao dispor acerca da tutela coercitiva também

140
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Juizados Especiais Civeis: aspectos polêmicos. Revista de
Processo, São Paulo, v. 90, p. 188-192, 1998. p. 186.
141
“Art. 498: Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o
prazo para o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor
individualizá-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará
individualizada, no prazo fixado pelo juiz.”
55

nas obrigações de dar, inclusive nas obrigações com objeto incerto, a exemplo do que
ocorre no direito francês.142 Nesse sentido, “como se depreende do §1º do artigo 461-A, a
multa é cabível não apenas para a tutela das obrigações de entrega de coisa certa, mas
também de coisa incerta, ou determinada pelo gênero e quantidade”143.
Em suma, conforme entendimento da doutrina dominante nacional, ao citar a
expressão “se lhe couber escolha, cabendo ao devedor escolher”, o desejo do legislador foi
contemplar também as obrigações de dar coisa incerta, com a possibilidade de aplicação
do instituto das astreintes. Assim, quando aplicada na obrigação de dar coisa incerta, o fato
de existir uma fase intermediaria ao cumprimento definitivo da obrigação – justamente a
escolha – não impede a aplicação de medidas coercitivas ao cumprimento específico da
obrigação, desde que no interesse do credor, ainda que o devedor não possua o bem que se
comprometeu a entregar, “exatamente porque o lesado tem o direito de preferir o
ressarcimento na forma específica, não há como concluir que a multa não pode ser
utilizada para compeli-lo a entregar a coisa, ainda que tenha que pagar a um terceiro por
ela”144.
De fato, além de a previsão legal indicar tal solução, não faria muito sentido vetar
a aplicabilidade de astreintes na hipótese. A mera existência de uma fase anterior ao
cumprimento efetivo da obrigação não seria óbice suficiente para negar ao credor a
satisfação da obrigação pela tutela específica. O que ocorre é apenas uma singela
adaptação à natureza do direito material posto, de modo que a ordem judicial seria
cominada para forçar o devedor a realizar a escolha, sob pena de multa diária.
Essa é a posição defendida por Guilherme Rizzo Amaral, para quem a ausência
de disposição legal expressa excluindo essa espécie de obrigação das hipóteses de
aplicabilidade das astreintes leva à conclusão de sua viabilidade. Tal providência pode ser
tão útil quanto for difícil ou impossível ao credor exercer a escolha no lugar do devedor,
especialmente quando lhe for franqueado acesso ao acervo patrimonial deste, o que
poderia inviabilizar o ato da escolha e, consequentemente, a entrega do objeto, levando-o
ao caminho da resolução por perdas e danos, ainda que contra a vontade do credor.

142
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994.
143
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 88.
144
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 322.
56

2.4.3 Obrigação de prestar declaração de vontade

A maioria da doutrina nacional se filia ao pensamento de que quando o objeto da


prestação se tratar de obrigação de prestar declaração de vontade não há que falar em
aplicação de astreinte porque, na existência de ação de adjudicação compulsória, este
instituto não haveria razão de ser aplicado uma vez que a sentença que defere o pedido de
adjudicação compulsória alcança todos os efeitos da declaração de vontade.145
Nesse sentido é o posicionamento de Newton Coca Bastos Marzagão:

Não se faz necessário, pois, nem se mostra processualmente adequado, solicitar


que a declaração denegada seja forçosamente emitida pelo próprio devedor, sob
pena de multa cominatória. O credor prejudicado com uma declaração não
emitida deve, apenas e tão somente, pleitear a declaração substitutiva a ser
outorgada pelo magistrado nos termos dos arts. 466-A, 466-B ou 466-C do
Código Processual (solução mais ágil e eficaz).146

Mais do que a natureza fungível ou infungível da obrigação, o que impediria a


aplicação da multa astreinte nesse caso, seria a sua desnecessidade, pois a prolação da
decisão adjudicatória já faria as vezes de declaração de vontade.147
Stella Economides Maciel destaca, contudo, a possibilidade de aplicação da
medida na hipótese em que “não há possibilidade do mero suprimento judicial da
declaração que deveria ser prestada pelo réu”, como ocorre no caso em que a outorga de
escritura definitiva não demande apenas de ato de vontade do réu, mas de terceiro, como
um credor hipotecário.148
Percebe-se, pois, que o elemento determinante para a aplicabilidade das astreintes
em obrigações dessa natureza é o exame de utilidade da medida, o que remonta à própria
natureza do instituto, que enquanto medida coercitiva só tem razão de existir quando for
capaz de, em tese, forçar o devedor ao cumprimento de determinada obrigação que não
possa, sem a sua contribuição, ser alcançada sem prejuízo ao credor.

145
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 106.
146
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 128.
147
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
36.
148
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
37.
57

Assim, havendo obrigações conexas à manifestação de vontade149, sejam de


responsabilidade do devedor ou de terceiros, possível será a aplicação da multa astreinte,
não como forma de compelir o cumprimento da obrigação de manifestação de vontade em
si, mas como forma de compelir o cumprimento da obrigação acessória, possibilitando que
a decisão judicial de substituição desta declaração surta o efeito prático pretendido pelo
credor.

2.4.4 Obrigação de exibir documento

No que tange à obrigação de exibir documento, em que pese tratar-se de espécie


de obrigação de fazer, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento contrário à
aplicabilidade de astreintes, o que o fez por meio do Enunciado 371 de sua súmula, que
prevê que “na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa
cominatória”.
A posição do Superior Tribunal de Justiça encontrava justificativa na figura da
confissão ficta em matéria de prova documental, que quando insuficiente ao fim
pretendido pela parte, sujeitava-a à única alternativa: a busca e apreensão.150
É bem verdade que, mesmo antes da vigência do CPC/15, o próprio Superior
Tribunal de Justiça esclareceu a abrangência do citado enunciado de sua súmula quando
explicou que o impedimento de aplicação de astreinte não se aplicaria aos casos em que a
busca e apreensão de documentos e a confissão ficta não surtissem os efeitos esperados.
Com o advento do CPC/15, essa medida sofreu sensível impacto, especialmente
diante do disposto no parágrafo único do artigo 400151, que permite ao magistrado, a
exemplo do que já fez o artigo 139, inciso IV, a adoção de medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.
O Código de Processo Civil vigente permite a aplicação das astreintes como uma
das espécies de medidas coercitivas, que por não estar expressamente vedada neste

149
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativas aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres
de entrega coisa, p. 160.
150
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 121.
151
“Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou
da coisa, a parte pretendia provar se:
I - o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398;
II - a recusa for havida por ilegítima.
Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-
rogatórias para que o documento seja exibido.”
58

particular, deve ser considerada como possível. 152 No entanto, embora a clareza do texto
do parágrafo único do artigo 400 sirva para esclarecer a questão, não há que falar em
revogação tácita do Enunciado 371 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça,
especialmente depois do esclarecimento de sua incidência pela própria Corte.
O próprio Superior Tribunal de Justiça esclareceu, posteriormente, que o
impedimento de aplicação da multa astreinte às obrigações de exibição de documento se
limitava às situações em que a confissão ficta e a busca e apreensão não se mostrassem
eficientes no caso concreto. E é exatamente isso que consta no artigo 400 do CPC/15, de
modo que medidas coercitivas só serão utilizadas quando aquelas consignadas no caput
não forem úteis, ou seja, quando ineficiente a admissão de veracidade dos fatos que se
pretendia provar com aquele documento.
Assim, segundo José Miguel Garcia Medina, o ponto nevrálgico da questão está
novamente na utilidade da medida. Sendo suficiente a confissão de veracidade dos fatos
que se pretendia provar com o documento que se queria ver exibido, não faz sentido exigir
a sua exibição porque nenhuma vantagem seria maior para o autor do que a veracidade dos
fatos até então controvertidos, algo que talvez não o tivesse conseguido com a própria
exibição do documento.153
A preferência pela ordem de busca e apreensão em comparação com cominação
de astreintes encontra sentido na maior eficiência daquela em face destas, isto é, caso o
credor saiba a localização do documento que necessita ser exibido – vez que a confissão
ficta não lhe serve porque, por exemplo, não sabe o conteúdo do documento –, mais eficaz
seria determinar sua busca e apreensão, medida de cumprimento direto, do que impor
multa diária no afã de pressionar o devedor a exibí-lo, medida de cumprimento indireto, e
portanto, ao menos em tese, de menor eficácia.
Por fim, caso a confissão ficta não seja suficiente à satisfação da pretensão do
credor da obrigação e, por sua vez, as medidas diretas, como a busca e apreensão, não
sejam possíveis, como ocorre quando não se sabe a localização do documento, a multa
astreinte se torna útil por ser a medida mais eficaz ao caso concreto, seja por força do
parágrafo único do artigo 400 do CPC/15, seja pela interpretação correta do Enunciado
371 da súmula do Superior Tribunal de Justiça.

152
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 122.
153
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas
comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 661.
59

2.4.5 Obrigações de pagar quantia certa

A aplicabilidade da multa astreinte como acessória das obrigações de natureza


pecuniária é outro tema que desperta divergência doutrinária. Até o advento do CPC/15, a
ausência de previsão expressa levava autores como Guilherme Rizzo Amaral154 e Newton
Coca Bastos Marzagão155 a rechaçarem a cominação de astreintes como meio de compelir
a obrigação de pagar quantia certa. De outro lado, autores como Marcelo Lima Guerra 156
já defendiam a aplicação nesses casos, em defesa da isonomia entre credores de
obrigações dessa natureza quando comparados com credores de obrigações de fazer, de
não fazer e de entrega de coisa.
Com o advento do CPC/15, especialmente em razão do disposto no artigo 139,
inciso V, inaugura-se uma nova fase dessa celeuma pois embora possa parecer que a
questão estaria legalmente definida pela previsão expressa de aplicabilidade de medidas
coercitivas para o cumprimento de obrigações de pagar quantia não significa,
necessariamente, que as astreintes sejam aplicáveis a todos os casos da mesma natureza.
Isso porque, como a astreinte representa apenas uma das medidas indutivas/coercitivas
postas à disposição do julgador, não se pode afirmar que será sempre aplicável à espécie, o
que, na prática, mantém acesa a discussão acerca do tema.
Parte da doutrina é formada por autores que entendem não fazer sentido
pressionar pecuniariamente alguém a pagar uma quantia que ele já não está honrando; quer
dizer, se não se obtém êxito no pagamento do principal, pouco provável seria obtê-lo no
pagamento do acessório. Nesse sentido, “se alguém, mesmo sendo devedor de quantia, ou
seja, já havendo expectativa de diminuição patrimonial, não cumprir com sua obrigação,
por que haveria de ser intimidado por uma ameaça idêntica?” 157.
De outro lado, há quem entenda que, a depender do caso concreto, seria possível
a cominação de multa diária ao pagamento de quantia, especialmente quando há fundada
suspeita da existência de patrimônio e a inadimplência se deve a ardis do devedor no afã
de ocultar sua situação patrimonial.

154
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 88.
155
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 142.
156
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p. 625.
157
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
46.
60

Luiz Guilherme Marinoni, ao defender a possibilidade de aplicação de astreintes


para compelir o cumprimento de obrigação de pagar quantia certa lembra que antes de se
transformar em pecúnia, regra geral, esta obrigação já tivera outra natureza, que ao ser
descumprida gerou a obrigação de pagar, representando na realidade a obrigação de
reparar, ou seja, a verdadeira obrigação do infrator.158
Essa possibilidade deve ser atribuída à atipicidade das medidas executivas
presentes no CPC/15 ao romper-se a ideia de que “a cada direito corresponderia uma ação
que lhe assegure (art. 75 do CC/1916), a partir de técnicas típicas e rígidas de execução
(CPC/73), para um sistema em que toda e qualquer técnica processual idônea é permitida
para a realização de todo e qualquer direito”159.
No cenário atual do processo civil brasileiro, abandonou-se parte da influência de
Giuseppe Chiovenda no ponto em que se defendia a universalização da sentença
condenatória, que independentemente da natureza da obrigação perseguida exigia sempre
uma demanda executória posterior ao processo de conhecimento e prejuízo à efetividade
do processo, especialmente quanto às obrigações não pecuniárias160, quando se passou a
entender que a tutela executiva deve adequar-se ao direto material perseguido.
Esse mesmo fundamento serve para sustentar que o advento da regra prevista no
inciso IV do artigo 139 do CPC/15 é suficiente para afastar a resistência jurisprudencial
que até então havia quanto à possibilidade de aplicação de astreintes como técnica apta a
compelir o devedor ao cumprimento de obrigação pecuniária.161 Tal mudança no estado de
coisas promovida pelo CPC/15 foi suficiente, inclusive, para que Guilherme Rizzo Amaral
revisse sua posição neste particular.162 Ademais, não se pode olvidar o caráter coercitivo e
não penalizador do instituto, de modo que não se deve admitir a aplicação de astreintes
para compelir o devedor ao pagamento quando não houver patrimônio suficiente para
tal.163

158
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 299.
159
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 124.
160
MACEDO, Elaine Harzheim; BRAUN, Paola Roos. Jurisdição segundo Giuseppe Chiovenda versus
jurisdição no paradigma do processo democrático de Direito: algumas reflexões. Anima: Revista
Eletrônica do Curso de Direito da Opet, Curitiba, ano VI, n. 12, p. 1-30, jul./dez. 2015.
161
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 17: arts. 824 a 875:
da execução por quantia certa. São Paulo: Saraiva Jurídica, 2018. p. 29.
162
AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015. p. 222.
163
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 151.
61

De todo modo, parece que o cabimento das astreintes nas obrigações de pagar
quantia certa está muito ligado às obrigações processuais acessórias impostas pelo juízo no
bojo do procedimento de cumprimento de sentença, como obrigação de indicar bens
passíveis de penhora, localização de bens penhorados, exibição de documentos, entre
outras, que no fim e ao cabo, em sua natureza, acabam sendo obrigações de fazer, de não
fazer ou de entregar/exibir coisa ou documento. Ou seja, devido à natureza coercitiva da
multa astreinte não faria sentido aplicá-la apenas como consequência do não pagamento da
quantia executada, eis que, se assim o fosse, estar-se-ia diante de uma medida meramente
sancionatória, papel que além de não caber às astreintes ainda é exercido a contento pelo
dispositivo do parágrafo 1º do artigo 523 do CPC/15, que acresce 10% ao valor executado
quando não pago pelo devedor no prazo legal.
O que se pode concluir é que, embora se admita a aplicação de astreintes no curso
do cumprimento de sentença que vise ao pagamento de quantia certa e/ou no processo de
execução de título extrajudicial, tal medida deve estar ligada a alguma obrigação acessória
imposta pelo juízo ao devedor, como forma de facilitar/possibilitar o bom andamento da
execução. Essas obrigações, em regra, consubstanciam-se pela natureza de fazer, de não
fazer ou dar coisa, e caso não cumpridas poderão sujeitar o devedor às astreintes como
forma de compelí-lo a adotar comportamento cooperativo e de boa-fé, que no âmbito do
CPC/15 não é apenas desejável, mas exigível, nos termos dos artigos 5º e 6º.

2.4.6 Deveres de natureza não obrigacional

A questão da limitação da multa cominatória às prestações de natureza


obrigacional e, portanto, de direito material, é fonte de muitas celeumas no tocante à sua
aplicabilidade prática às situações em que inexista relação obrigacional anterior entre as
partes envolvidas, como na questão da possibilidade de seu direcionamento contra terceiro
que não figure como parte no processo judicial, ou sua aplicabilidade para forçar o
cumprimento de prestação determinada pelo juízo, porém não decorrente de um negócio
jurídico entabulado previamente entre as partes.
Aqueles que encontram óbice na aplicabilidade das astreintes às prestações de
natureza não obrigacional parecem extrair tal conclusão da origem francesa do instituto,
que, em seu correspondente francês, direciona-se à garantia de prestações de cunho
obrigacional.
62

Não obstante a importância de compreender os antecedentes históricos para


melhor interpretar o instituto das astreintes no direito brasileiro, especialmente em um
cenário em que várias lacunas são deixadas pelo direito positivo pátrio, tal comparação
histórica não pode servir para a descaracterização da medida positivada no nosso
ordenamento, tampouco para descaracterizá-la no contexto do sistema no qual está
inserida.
Assim, embora não se negue a influência francesa na construção legal do instituto
da multa coercitiva do artigo 537, que, não à toa, é comumente chamada de astreintes pela
doutrina brasileira, o fato é que não se trata de copiar a correspondente francesa,
apresentando suas próprias peculiaridades, seja porque se adequam melhor ao sistema
jurídico brasileiro, seja porque foram politicamente escolhidas pelo Poder Legislativo.
A aplicabilidade das astreintes às prestações de cunho não obrigacional parece ser
uma dessas características que diferem a multa brasileira da correspondente francesa,
como deixa evidente o parágrafo 5º do artigo 537 do CPC/15164.
Se é verdade que antes do advento do CPC/15 essa era uma questão sobre a qual
silenciava o direito positivo brasileiro e que, portanto, admitia a interpretação por meio do
direito comparado, também é verdade que uma vez eliminada a anomia e não havendo
questionamentos relevantes quanto à constitucionalidade da lei que regulamentou esta
questão, deve desaparecer a celeuma jurídica até então existente, passando-se a admitir a
aplicação da multa astreinte em face de qualquer prestação determinada pelo juízo, tenha
ela natureza obrigacional ou não.

2.4.7 Aplicabilidade no procedimento arbitral

A princípio, a literalidade do caput do artigo 536 do CPC apresentaria certo óbice


à adoção das astreintes para além do processo judicial-estatal, especialmente na parte em
que prevê que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela
específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as
medidas necessárias à satisfação do exequente”.
Uma interpretação literal haveria de afastar a possibilidade de aplicação dessa
medida pelo árbitro, porquanto não revestido do poder do Estado para atuar em nome do

164
“Art. 537. [...] § 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que
reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.”
63

Poder Judiciário. Caberia então perquirir se o árbitro poderia ser comparado ao juiz, seja
especificamente para esse fim (aplicação de astreintes), ou para todos os demais, desde
que a lide esteja submetida ao procedimento arbitral, a partir da vontade consciente e
prévia dos litigantes.
Para a solução dessa questão, o artigo 18 da Lei da Arbitragem fornece um
elemento interessante ao categorizar que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença
que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
A análise do citado dispositivo legal, porém, não basta para a solução da questão
na medida em que se pretende saber se ao tratar o árbitro pela palavra “juiz” a lei estaria
equiparando-o ao magistrado, ou apenas utilizando uma palavra suficientemente
contundente para esclarecer que sobre aquela lide sua decisão será soberana, até mesmo
para evitar que sentenças arbitrais fossem constantemente questionadas judicialmente, o
que faria com que se perdesse todo o propósito da arbitragem.
Por outro caminho, a lei, pelo menos dois artigos, esclarece que as partes se
submeterão às regras procedimentais do respectivo órgão arbitral, ou àquelas que elas
mesmas estabelecerem (artigos 5º e 21º). Essa disposição de certa forma confere liberdade
procedimental ao árbitro e à câmara de arbitragem ao não estabelecer limites objetivos a
sua aplicação. Isso, contudo, não pode ser interpretado como absoluta ausência de controle
de atividade arbitral, tanto é que as decisões arbitrais estão, embora em situações
específicas, sujeitas à revisão judicial, conforme demonstram os incisos do artigo 32 da
Lei de Arbitragem.
A Lei 13.129 de 2015 parece esclarecer a questão quanto à possibilidade de
aplicabilidade das astreintes no procedimento arbitral quando previu a adoção de medidas
cautelares – até então ausentes da legislação arbitral –, incluindo no artigo 22-B a
possibilidade de os árbitros concederem medidas cautelares ou de urgência (artigo 22-B,
parágrafo único). A lei vai além ao facultar aos árbitros a possibilidade de “manter,
modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário”,
em procedimento preparatório à instalação do procedimento arbitral, conforme previsto no
art. 22-A da mesma lei.
Rafael Caselli Pereira165 destaca que a inovação legislativa altera o sistema

165
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) sob a perspectiva da arbitragem – a possibilidade
de intervenção do Poder Judiciário na modulação do quantum consolidado. Arbitragem: atualidades e
tendências. In: FERREIRA, Olavo A. V. Alves; LUCON, Paulo Henrique dos Santos (coord.). Arbitragem:
atualidades e tendências. Ribeirão Preto, SP: Migalhas, 2019. p. 118.
64

jurídico até então vigente, pois ao revogar o parágrafo 4º do artigo 22 da Lei da


Arbitragem excluiu a previsão legal que obstava a atuação do árbitro no tocante à adoção
de medidas cautelares até então reservadas exclusivamente ao Poder Judiciário, a exemplo
do que ocorre no direito italiano.166
Tal modificação legislativa derrogou a posição de autores como João Roberto
Prizatto, Paulo Furtado e Belizário Antonio de Lacerda, para quem, até então, seria
impossível o magistrado estipular medidas coercitivas, justamente em razão da ausência
de previsão legal expressa.167
Importante parcela da doutrina, por outro lado, já defendia a possibilidade de
cognição cautelar por parte do árbitro, como se pode extrair, por exemplo, do parecer do
ex-ministro do STF, Athos Gusmão Carneiro, que em 2004 assim já se manifestava:
“Nada impede que o árbitro, com poderes para decidir sobre o mérito da causa, possa fazê-
lo igualmente quanto às medidas cautelares que se façam necessárias.”168.
Se comparado ao sistema arbitral francês, pode-se entender o atual regime
brasileiro de cautelares no procedimento arbitral como vantajoso, uma vez que “a
fragmentação do litígio entre duas jurisdições diferentes constitui uma desnaturação,
mesmo quando uma é do juiz da cautelar e a outra do pleito principal. É uma combinação
paralisante, um tipo de desnorteio judicial que não é bem-vindo”169.
O que se percebe é que a alteração legislativa de 2015 já começa a produzir
efeitos práticos na medida em que já se encontram precedentes validando essa conduta,
inclusive privilegiando a decisão arbitral posterior sobre a decisão judicial que
originalmente fixara astreintes em processo cautelar antecedente à instauração do
procedimento arbitral, nos exatos termos do disposto no artigo 22-A170.

166
CLAY, Thomas. As medidas cautelares requeridas ao árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação.
RArb, São Paulo, v. 12, n. 311, p. 1267-1291, jul. 2008. p. 1277.
167
COELHO, Marcus Filipe. Tutelas cautelares e de urgência na arbitragem: Os limites de atuação do juízo
arbitral. Cadernos de Iniciação Científica, São Bernardo do Campo, n. 13, 2016.
168
CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem. Cláusula compromissória. Cognição e imperium. Medidas
cautelares e antecipatórias. Civil law e common law. Incompetência da justiça estadual. Revista Forense,
São Paulo, v. 375, p. 129-141, 2004. p. 239.
169
CLAY, Thomas. As medidas cautelares requeridas ao árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação -
RArb, São Paulo, v. 12, n. 311, p. 1267-1291, jul. 2008. p. 1271.
170
“CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL – IMPUGNAÇÃO – Decisão judicial que rejeitou
impugnação oferecida – Alegação de que a sentença arbitral seria nula, seja decorrente do não
atendimento ao contraditório, seja por ausência de pedido para condenação em multa por descumprimento
da obrigação, assim como, que não houve apreciação de todo o litígio submetido a arbitragem, a
impossibilidade de o arbitro adotar medidas coercitivas de ofício, e, ainda, ausência de fundamentação,
sendo necessária a ocorrência de julgamento por equidade, e ainda pedido subsidiário, de limitação do
valor da astreintes pelo judiciário – Descabimento – Questões apresentadas devidamente dirimidas e
65

Dessa forma, a análise acerca da presença dos requisitos para concessão da


medida está sob jurisdição do árbitro, cabendo ao Poder Judiciário apenas a correção em
casos extremos, especialmente relacionados à forma e não ao juízo de mérito, por assim
dizer.
Cabe destacar que embora seja permitida aos árbitros a adoção de medidas
cautelares, sua exequibilidade continua adstrita ao Poder Judiciário, a quem cabe a
execução da decisão arbitral, também neste particular.171 E é nesse ponto que Thomas
Clay enxerga fragilidade no procedimento arbitral quando comparado com o processo
judicial, o que chama de “debilidade congênita da justiça arbitral frente à justiça estatal”,
na medida em que o árbitro não tem meios adequados para impor sua decisão, senão
apenas confiar na boa vontade das partes.172
Ainda quanto à exequibilidade das medidas pelo próprio juízo arbitral, Marcus
Filipe Coelho destaca que nem mesmo a vontade expressa das partes neste sentido seria
capaz de permitir ao árbitro a execução de suas próprias decisões, uma vez que os limites
da jurisdição enquanto dicto e desprovida de imperium, para utilizar expressões próprias
do direito romano, trata-se de matéria de ordem pública, que as partes não poderão
dispor.173
Como se sabe, no estágio atual do direito brasileiro não se admite que as
obrigações sejam simplesmente convertidas em pecúnia, ideia esta que deve refletir-se
também no procedimento arbitral, se realmente se espera que seja este um instrumento
apto a reduzir a judicialização dos conflitos. Isso porque, não se pode esperar que os
litigantes optem por meios alternativos que não se mostrem capazes de dirimir de forma

afastadas nas demandas arbitral e declaratória – Hipótese na qual, não havendo nenhum elemento novo
mantido o resultado – Inexistência de nulidade – Agravo de instrumento não provido. CUMPRIMENTO
DE SENTENÇA ARBITRAL – IMPUGNAÇÃO – Decisão judicial que rejeitou a impugnação oferecida–
Alegação de iliquidez do título – Descabimento – A agravante não considerou excesso de execução dos
cálculos apresentados pela parte contrária, mas tão somente as nulidades da decisão arbitral, com o
afastamento do título executivo, e ainda a tentativa de se buscar diminuir as astreintes fixadas na demanda
arbitral, matérias que foram refutadas – Decisão mantida – Agravo de instrumento não provido, com
observação quanto ao não cabimento de verba honorária. Dispositivo: Negam provimento ao recurso, com
observação quanto ao não cabimento de verba honorária.” SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. AI:
21383951120188260000 SP 2138395-11.2018.8.26.0000, Relator: Ricardo Negrão, Segunda Câmara
Reservada de Direito Empresarial. São Paulo, SP, 25 de fevereiro de 2019. Publicação 27/02/2019.
171
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) sob a perspectiva da arbitragem – a possibilidade
de intervenção do Poder Judiciário na modulação do quantum consolidado. Arbitragem: atualidades e
tendências. In: FERREIRA, Olavo A. V. Alves; LUCON, Paulo Henrique dos Santos (coord.). Arbitragem:
atualidades e tendências, p. 119.
172
CLAY, Thomas. As medidas cautelares requeridas ao árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação -
RArb, São Paulo, v. 12, n. 311, p. 1267-1291, jul. 2008. p. 1272.
173
COELHO, Marcus Filipe. Tutelas cautelares e de urgência na arbitragem: os limites de atuação do juízo
arbitral. Cadernos de Iniciação Científica, São Bernardo do Campo, n. 13, 2016. p. 4.
66

efetiva as desavenças sociais. Daí que ao autorizar a adoção de tutelas de urgência no


âmbito arbitral, a legislação está a permitir, de igual modo, a adoção de medidas
necessárias para garantir a sua efetivação, entre as quais não se pode excluir um dos
instrumentos executivos atípicos mais tradicionais; as astreintes.
Portanto, a Lei de Arbitragem permite que a parte opte pelo requerimento de
tutelas de urgência de forma prévia perante o Poder Judiciário, como preparação para a
propositura do procedimento arbitral (art. 21); ou que faça o requerimento da tutela
liminar diretamente no procedimento arbitral (art. 22), desde que, naturalmente, a
convenção arbitral não crie óbice a esta segunda opção, seja porque a exclui
expressamente, ou porque o regramento do tribunal arbitral escolhido não preveja tal
possibilidade.174
Além disso, em razão da maior liberdade de definição do paradigma normativo,
próprio do procedimento arbitral, é possível ajustar requisitos diferentes daqueles
expressos no artigo 300 e consequentemente também no artigo 537, ambos do CPC/15
para a concessão dessas medidas. 175
Por outro lado, a autorização legal para a adoção de tutelas de urgência e
consequentemente de medidas executivas necessárias à sua efetivação não pode ser
interpretada como salvo conduto para que na arbitragem se possa lançar mão de qualquer
tutela, de forma ilimitada.
Ainda que se possa admitir alguma adaptação aos requisitos aplicáveis para o
caso concreto mediante prévio compromisso arbitral, não significa que a tutela cautelar
possa ser deferida sob qualquer fundamento, o que abriria a possibilidade de intervenção
judicial em situações desta natureza. Isso porque, embora afastado do Estado, o processo
arbitral é processo e como tal deve respeitar as exigências constitucionais que formam o
princípio do devido processo legal, aplicável a todo e qualquer processo, esteja ele sob
controle do Estado ou não.
Pedro Guilhardi, dissertando sobre o tema, aponta uma limitação à atuação
arbitral, ao pontuar que “é preciso encontrar no Código de Processo Civil as espécies de
medidas disponíveis”176. O autor, como se vê, posiciona-se por certa taxatividade das

174
GUILHARDI, Pedro. Medidas de urgência na arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São
Paulo. v. 49, p. 67-11, 2016. p. 5.
175
MOREIRA, Bianca de Lima. Alterações advindas da Reforma na Lei de Arbitragen 13.129/2015.
Cadernos da Escola de Direito, Curitiba, v. 27, n. 1, p. 67-87, 2017. p. 77.
176
GUILHARDI, Pedro. Medidas de urgência na arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São
Paulo, v. 49, p. 67-101, 2016. p. 13.
67

medidas disponíveis, que estariam limitadas àquelas permitidas pelo Código de Processo
Civil.
Ocorre que com o advento do artigo 139, inciso IV, e a chamada regra geral de
atipicidade da tutela executiva, não há como olvidar o fato de que o próprio CPC/15
passou a permitir a adoção de “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Dessa forma, a melhor resposta para a limitação do poder do árbitro no tocante às
medidas executivas deve ser encontrada em dois lugares: primeiro, nos limites da cláusula
arbitral, que é aquela que legitima, de início, todo o procedimento arbitral; segundo, não
havendo óbice contratual ou institucional (regulamento do tribunal arbitral específico),
deve-se tomar emprestados os limites então adotados para a aplicação do artigo 139, inciso
IV, do CPC/15 nos processos judiciais.
Assim, a astreinte pode ser anulada ou alterada pelo Poder Judiciário quando
constatado que sua aplicação ocorreu fora dos parâmetros da cláusula de compromisso
arbitral ou quando, ainda que prevista esta possibilidade, a aplicação se deu de forma
incompatível com os princípios constitucionais que integram o devido processo legal.

2.5 SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA

2.5.1 Sujeito ativo

Diante do silêncio deixado pelo direito positivo até o advento do CPC/15, a


questão do sujeito ativo da multa diária gerou alguma controvérsia: enquanto uma corrente
defendia que a legitimidade ativa ad causam para a cobrança do crédito resultante das
astreintes deveria ser conferida ao Estado, outra advogava a tese de se conferir tal
legitimidade à parte contrária, credora da obrigação cominada.
Como exemplo de autores que defendiam a reversão da pecúnia resultante das
multas cominatória para o Estado, pode-se citar Luiz Guilherme Marinoni, que assim
aduzia com relação à natureza da multa astreinte:

[...] serve apenas para pressionar o réu a adimplir a ordem do juiz, motivo pelo
qual não parece racional a ideia de que ela deva reverter para o patrimônio do
autor, como se tivesse algum fim indenizatório. A multa não se destina a dar ao
autor um plus indenizatório ou algo parecido com isso; seu único objetivo é
68

garantir a efetividade da tutela jurisdicional.177

Na mesma linha, encontra-se o posicionamento de Joaquim Felipe Spadoni:

Ao se reconhecer na imposição da multa cominatória uma medida de direito


público, de caráter processual, destinada a assegurar a efetividade das ordens
judiciais e a autoridade dos órgãos judicantes, não se consegue vislumbrar
qualquer fundamento lógico jurídico que justifique ter a parte contrária direito a
receber a importância decorrente da aplicação da multa. Mais coerente seria que
o produto da multa fosse revertido ao Estado, em razão da natureza da obrigação
violada.178

De acordo com essa corrente doutrinária, a multa cominatória estaria inserida no


âmbito de direito público, tendo como escopo tutelar a relação entre o Estado/juiz e a
parte, de modo a garantir a efetivação da decisão judicial. Portanto, não haveria razão
alguma para que a verba resultante da referida multa fosse convertida à parte contrária da
demanda, devendo ser entregue ao próprio Estado, que seria, em tese, o credor da
obrigação da astreinte.
Ainda no tocante à base jurídica dessa tese, disserta Luis Guilherme Bondioli:

Como se pode ver, são inerentes à instituição da multa aqueles elementos já


citados de coerção indireta e de respeito às decisões emanadas do Estado-juiz.
Assim, na relação por ela instituída, encontra-se num dos polos aquele em face
de quem foi emitido dado comando jurisdicional, a quem incumbe cumprir o
dever jurídico contido em tal comando; e, no outro polo, o Estado-juiz, a quem
interessa ver respeitadas e prestigiadas as ordens por ele emitidas. A pessoa que
ingressa em juízo objetivando a imposição do cumprimento de dado dever
jurídico não integra diretamente essa relação. Não obstante tenha interesse em
ver observado o quanto disposto na ordem judicial (e a multa é fundamental
para isso, como mecanismo indireto de pressão), ela efetivamente não ocupa
qualquer dos polos na relação instituída pela multa; a multa não é imposta
contra si (o devedor é que sofrerá as suas consequências) nem em seu favor (ela
não tem caráter indenizatório, ressarcitório ou reparatório; é, acima de tudo, um
instrumento a serviço do prestígio das decisões emanadas do Estado-juiz).179

Seguindo esse entendimento, José Calos Barbosa Moreira defendia que diante do
caráter não ressarcitório da multa astreinte, “não parece razoável que o produto de sua
aplicação seja entregue ao credor, em vez de ser recolhido aos cofres públicos”180.
Muito embora existisse uma grande parcela da doutrina que comungava desse
mesmo pensamento, alguns autores reconheciam que no direito brasileiro, ainda que
inexistente matéria positivada sobre o tema, a jurisprudência caminhava no sentido de

177
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva), p. 179.
178
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 501.
179
BONDIOLI, Luis Guilherme. Tutela Específica: inovações legislativas e questões polêmicas, In: COSTA,
Hélio Rubens Batista Ribeiro; RIBEIRO, José Horácio Halfeld Rezende; DINAMARCO, Pedro da Silva
(org.) A nova etapa da Reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 134.
180
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento. 19. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 207.
69

conferir a legitimidade ativa, nessas situações, à parte contrária, como é o caso de Joaquim
Felipe Spadoni181, que admite que o silêncio até então existente foi interpretado pelos
tribunais em favor do credor da obrigação.
Por outro lado, há autores que mesmo antes da vigência do CPC/15 já defendiam
que a titularidade da multa astreinte deveria ser do credor da obrigação, seja porque teria
sido ele o prejudicado diretamente pela inadimplência do devedor, seja em razão da
inspiração francesa do instituto.
Nessa linha de pensamento, insere-se Eduardo Talamini, que reputa ao direito
comparado, especialmente aos direitos francês e português, tal interpretação:

No processo de caráter individual, a multa reverte em benefício do autor da


demanda. Trata-se de entendimento asserte, e que vem de antes da reforma de
1994, conquanto não exista, no art. 461 (correspondente ao artigo 536 do
CPC/15), nem nas outras regras que versam sobre multa processual, indicação
expressa e inequívoca nesse sentido. Supõe-se que tal orientação tenha
prevalecido por direta influência do direito francês e do Projeto Carnelutti’ (art.
667 e 668) de reforma do processo civil italiano (itens 2.1.4 e 2.1.5). Por certo,
também contribuíram para tanto os antecedentes luso-brasileiros da multa – a
‘pena’ do título 70 do livro IV das Ordenações Filipinas e a ‘cominação
pecuniária’ do art. 1.005 do Código de 1939, cuja natureza indenizatória ou
coercitiva era controvertida (v. itens 3.1 e 3.4).182

Além desse motivo, há de se observar a questão prática da cobrança da multa, que


caso coubesse ao Estado teria sua efetividade provavelmente comprometida, diante do que
Marcelo Lima Guerra chama de conhecidos problemas de excesso de trabalho e entrave
burocrático, que poderiam retardar ou até mesmo inviabilizar a execução das astreintes. 183
Eduardo Talamini adere ao argumento apresentado por Marcelo Lima Guerra,
defendendo que a disponibilidade do crédito em favor do autor pode ser um instrumento
utilizado em eventual composição com a parte adversa, o que não seria possível caso o
crédito pertencesse ao Estado:

A circunstância de a parte – e não o Estado ou um fundo público – ser a


beneficiária da multa contribui, sob certo aspecto, para a eficácia da função
coercitiva do mecanismo. Isso se deve a dois motivos: [...] Primeiro, a aptidão
de a multa pressionar psicologicamente o réu será tanto maior quanto for a
perspectiva de que o crédito dela derivado venha a ser rápida e rigorosamente
executado. E não há melhor modo de assegurar a severidade da execução do que
atribuindo o concreto interesse na sua instauração e desenvolvimento ao próprio
autor – mediante a destinação do resultado nela obtido. [...] Em segundo lugar,
sendo o crédito da multa titularizado pelo autor, este pode utilizá-lo em eventual
composição com o adversário. [...] Já se o beneficiário da multa fosse o Estado

181
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 504.
182
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativas aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres
de entrega coisa, p. 257-258.
183
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 208-209.
70

ou um fundo público, a disponibilidade de tal crédito pelo autor, para fins de


transação, seria no mínimo, objeto de intensa discussão.184

A titularidade do credor, na visão de José Eduardo Carreira Alvim, independe


inclusive do fato de a multa ter sido aplicada a seu pedido ou de ofício pelo magistrado,
eis que é ele (o credor) o maior prejudicado pelo descumprimento da decisão.185 Outra
problemática levantada pelo autor e que brotaria da transferência de legitimidade ativa
para o Estado se refere à cobrança das multas impostas em seu desfavor.186
Luiz Guilherme Marinoni interpreta que, nesse caso, como as verbas seriam
revertidas a um fundo, haveria capacidade de manejar a cobrança contra o Estado,
bastando que se previsse o encaminhamento para o respectivo fundo.187
A solução apontada por Marinoni é considerada utópica por autores como
Guilherme Rizzo Amaral, para quem “não parece crível, no entanto, que se aposte na
criação, aparelhamento e regular funcionamento e administração de fundos públicos ou
privados para o conserto da legislação processual” 188.
Não se pode olvidar que a reversão da multa em favor do credor contraria, em
alguma medida, o caráter coercitivo e não ressarcitório das astreintes e possibilita
comportamentos processuais inadequados por parte do próprio credor, que, interessado na
execução da multa pode impedir ou dificultar o cumprimento da obrigação pelo devedor,
agindo em venire contra factum proprium, descumprindo o duty to mitigate the loss.
Por outro lado, a observância das circunstâncias práticas que rodeiam a aplicação
da norma jurídica é de suma importância para que tenha sua efetividade garantida. Muito
embora a legitimidade do credor para a cobrança do crédito resultante das astreintes não
seja a solução mais condizente com a natureza coercitiva da medida, esta parece ser, ao
menos na atual conjuntura, a mais capaz de atingir o resultado prático, que deve ser o real
escopo de qualquer norma jurídica.
O assunto despertava tanta divergência, que na discussão da PL 16/2010, que
resultou no CPC/15, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão,
capitaneou uma corrente que defendia a destinação dupla da multa, dividindo-a entre

184
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativas aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres
de entrega coisa, p. 258.
185
ALVIM, José Eduardo Carreira. O direito na doutrina. Curitiba: Juruá, 1998. p. 42.
186
ALVIM, José Eduardo Carreira. O direito na doutrina, p. 42.
187
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva), p. 180.
188
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 203.
71

Estado e credor, a exemplo do que ocorre em países como Uruguai189, Espanha190 e


Portugal. Essa ideia, inclusive, já havia sido defendida pelo mesmo magistrado em voto
vencido, quando se discutia a matéria diante da anomia do então artigo 461 do CPC/73.191
Contudo, esse não foi o entendimento adotado pelo legislador ao editar o Código
de Processo Civil vigente, quando incluiu a seguinte ordem no parágrafo 2º do artigo 537:
“§ 2o o valor da multa será devido ao exequente”. Assim, esclareceu-se que cabe ao
prejudicado a titularidade da multa, o que fulmina a celeuma outrora existente, optando-se
pelo caminho que mais se adequa à finalidade das astreintes e ao princípio constitucional
da efetividade das decisões judiciais.
A questão continua tormentosa quando as astreintes são fixadas no bojo do
processo coletivo, como no caso de ações civis públicas. Sobre esse aspecto, há quem
defenda que as regras acerca da titularidade das astreintes devem seguir aquelas
estabelecidas para a titularidade dos danos a serem reparados em ações desta natureza.192
Dessa forma, tratando-se de direito individual homogêneo, a regra será a da
titularidade individual da multa diária, que poderá ser substituída pelo redirecionamento
da verba para um fundo especial, caso o número de execuções individuais não seja
compatível com o montante do dano causado, nos termos do artigo 100 do Código de
Defesa do Consumidor. Caso se trate de direito coletivo estrito senso ou direito difuso,
ante a própria natureza dos direitos pleiteados, não haveria que falar em execução
individual, cabendo a titularidade das astreintes a entidades e/ou fundos coletivos.193
Um aspecto prático é bem relevante no que tange à execução individual da multa
astreinte: deve-se quantificar a multa no momento de sua aplicação pelo ponto de vista
individual, ou seja, é importante que se esclareça que o valor será aplicável por
consumidor prejudicado. Para tanto, deve-se considerar o potencial número de indivíduos
afetados, sob pena de se aplicar uma multa em quantia desproporcional.
Por fim, vale salientar que a jurisprudência ainda se mostra vacilante quanto à
189
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa.
190
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 204.
191
SILVEIRA, Sebastiao Sérgio; SILVEIRA, Ricardo dos Reis; CARMO, Isaias do. A destinação das
reparações e astreintes em ação civil pública e a solução da fluid recovery. Revista Jurídica Cesumar:
Mestrado, Maringá, v. 20, n. 2, 2020. p. 181.
192
SILVEIRA, Sebastiao Sérgio; SILVEIRA, Ricardo dos Reis; CARMO, Isaias do. A destinação das
reparações e astreintes em ação civil pública e a solução da fluid recovery. Revista Jurídica Cesumar:
Mestrado, Maringá, v. 20, n. 2, 2020. p. 180.
193
SILVEIRA, Sebastiao Sérgio; SILVEIRA, Ricardo dos Reis; CARMO, Isaias do. A destinação das
reparações e astreintes em ação civil pública e a solução da fluid recovery. Revista Jurídica Cesumar:
Mestrado, Maringá, v. 20, n. 2, 2020. p. 185.
72

titularidade das astreintes no caso de direitos dos idosos. Isso se deve ao disposto no artigo
84 do Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, que dispõe que as multas
previstas naquela lei reverter-se-ão ao Fundo do Idoso ou ao Fundo Municipal de
Assistência em caso de inexistência do primeiro.
Embora as astreintes devam ser excluídas dessa previsão, de modo a serem
redirecionadas aos titulares dos direitos violados individualmente, até porque não se
poderia conceber que todos, menos os idosos, fossem titulares deste direito, precedentes
recentes de tribunais brasileiros tratam a questão da titularidade da astreinte de três formas
diferentes: do idoso prejudicado; do Fundo do Idoso; e uma divisão entre o idoso e o
Fundo194, neste caso, ao arrepio da lei.
Em suma, seja porque as astreintes não se fundam no Estatuto do Idoso – logo
não poderiam ser consideradas multas decorrentes desta lei –, seja porque a disciplina do
Estatuto é anterior ao CPC/15, que disciplinou a questão de forma diversa no artigo 537,
parágrafo 2º, ou ainda pela inaceitável ofensa à isonomia entre idosos e demais
jurisdicionados, entende-se que a melhor opção é garantir a titularidade do crédito das
astreintes ao idoso prejudicado.

2.5.2 Sujeito passivo

De maneira geral, diferentemente do que ocorreu com o legitimado ativo, pouca


divergência houve quanto ao sujeito passivo da obrigação acessória representada pela
multa astreinte, que seria de responsabilidade daquele para quem a ordem judicial foi
endereçada.
Não obstante, algumas situações especiais ainda geram divergência quanto à
possibilidade de determinados participantes do processo figurarem como sujeito passivo
da multa, especialmente no tocante à Fazenda Pública, ao terceiro e ao próprio autor da
demanda, temas a serem abordados nas seções seguintes.

2.5.2.1 A Fazenda Pública como sujeito passivo da multa

De início, a ideia de que cabe ao Estado a titularidade da multa vencida seria um


194
SILVEIRA, Sebastiao Sérgio; SILVEIRA, Ricardo dos Reis; CARMO, Isaias do. A destinação das
reparações e astreintes em ação civil pública e a solução da fluid recovery. Revista Jurídica Cesumar:
Mestrado, Maringá, v. 20, n. 2, 2020. p. 186.
73

primeiro óbice para a Fazenda Pública figurar no polo passivo da exigibilidade da multa
diária, porquanto, neste caso, restaria caracterizado o instituto jurídico da confusão uma
vez que a obrigação teria a mesma pessoa como credora e como devedora.
É bem verdade que mesmo entre aqueles que defendem ser do Estado o direito de
exigir o pagamento da multa diária aplicada e vencida, alguns não encontram neste
argumento uma incompatibilidade com a possibilidade de a Fazenda figurar no polo
passivo da obrigação, justificando que, neste caso, o valor deveria ser revertido para
fundos próprios.195
Para a maior parte da doutrina, que defende que a multa vencida pertence à parte
prejudicada pelo inadimplemento da obrigação196, especialmente após o advento da regra
prevista no parágrafo 2º do artigo 537 do CPC/15, inexistiria óbice para que o Estado
figurasse no polo passivo dessa relação processual.
Há ainda quem encontre nas origens históricas da astreinte, criada para forçar o
cumprimento de prestações de cunho obrigacional, e portanto norma de direito privado, a
impossibilidade de aplicação de astreintes contra o Estado, em razão de sua relação de
direito público em face dos jurisdicionados.197 Esse argumento pode ser refutado, ao
menos no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, no qual as astreintes não estariam
limitadas a obrigações de direito privado, tal qual a medida francesa que serviu como fonte
de inspiração, conforme abordado na seção 2.4.6 desta pesquisa.
Não se pode olvidar que muitas das obrigações mais prementes e rotineiramente
inadimplidas são aquelas cuja prestação é de responsabilidade estatal, como no caso do
dever de prestações relativas à saúde. Assim, impedir a aplicação da multa diária
corresponderia a reduzir a capacidade coercitiva do Poder Judiciário, justamente naqueles
casos em que tal função é mais necessária.
Como assevera Horacio Peix, embora se admitam regras que tratem o Estado e
seus agentes com as peculiaridades que possuem em relação a indivíduos e pessoas
jurídicas de direito privado, isso não pode significar que sobre eles não pesem nenhuma
forma de medida coercitiva, sob pena de se impor aos agentes privados uma assimetria de

195
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva), p. 180.
196
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 154.
197
HUTCHINSON, Tomás. El proceso de ejecución de sentencias contra el Estado. Revista
Latinoamericana de Derecho, Ciudad de México, ano 1, n. 1, p. 289-355, Enero-junio 2004. p. 310.
74

direitos, insustentável pelo ponto de vista jurídico-social.198


Luiz Guilherme Marinoni, nesse sentido, assevera que a mera alegação de
indisponibilidade orçamentária não pode ser utilizada como argumento impeditivo de
aplicabilidade da multa astreinte em face da Fazenda Pública, “sob pena de se admitir que
o Poder Público pode entender que não deve dispor de dinheiro para evitar a degradação
de um direito dito inviolável pela própria CF”199.
Mesmo entre aqueles que admitem a aplicação de multa diária astreinte em face
do Estado, há um aspecto que levanta posicionamentos dissonantes no que diz respeito à
possibilidade de direcionar a ordem judicial e, consequentemente, a multa diária contra o
servidor público responsável pelo seu cumprimento e não em desfavor do Estado, como
ente público.
Uma parcela da doutrina, embora admita haver um difícil obstáculo processual
estender os efeitos da ordem judicial a uma pessoa que não figura no polo da demanda
judicial, defende a possibilidade de as astreintes serem suportadas pelo agente público
responsável pelo descumprimento da medida ante o argumento de que, desta forma, o
instituto teria seu poder coercitivo aumentado, pois aquele com poderes para cumprir a
decisão judicial estaria mais compelido a fazê-lo caso a ameaça pecuniária repercutisse
sobre o seu patrimônio, se comparado ao poder persuasivo da decisão quando sua
consequência negativa se manifestaria sobre o erário.200
Segundo Luiz Guilherme Marinoni, na medida em que a pessoa jurídica de
direito público exterioriza sua vontade por meio de uma pessoa física, no caso, a
autoridade pública, a multa, como medida coercitiva que é, só poderia ser direcionada
contra aquele que é o único capaz de dar atendimento à decisão judicial.201
Olavo de Oliveira Neto reputa à efetividade processual essa possibilidade
processual, pois se é o funcionário público o responsável pelo inadimplemento da
obrigação, é sobre ele que devem incidir os ônus deste inadimplemento. 202
Leonardo José Carneiro da Cunha vai além e defende ser cabível o

198
PEIX, Horacio A. Obligaciones con cláusula penal y sanciones conminatorias [en línea]. Análisis del
proyecto de nuevo Código Civil y Comercial, Buenos Aires, El Derecho, 2012. p. 370. Disponível em
http://bibliotecadigital.uca.edu.ar/repositorio/contribuciones/obligaciones-clausula-penal-sanciones-
conminatorias.pdf. Acesso em: 15 nov. 2021.
199
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 237.
200
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
107.
201
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. p. 441.
202
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p.
254.
75

direcionamento das astreintes em face do servidor público e também a sua condenação às


sanções por litigância de má-fé, nos termos dos artigos 77 e 81 do CPC/15.203
Com base nesse mesmo argumento utilitarista, Fredie Didier Júnior, Leonardo
Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandre de Oliveira acompanham a
corrente dos doutrinadores que entendem ser possível o direcionamento dos efeitos sobre o
patrimônio do agente público responsável pelo descumprimento, “tendo em vista o
objetivo da cominação (viabilizar a efetivação da decisão judicial), decerto que a ameaça
vai mostrar-se bem mais séria e, por isso mesmo, a satisfação do credor poderá ser mais
facilmente alcançada”204.
Por outro lado, há autores, como Guilherme Rizzo Amaral, que divergem dessa
corrente por entenderem que as astreintes não podem ser suportadas pelo agente público,
mas sim pela pessoa jurídica de direito público, que são diretamente responsáveis pelos
seus agentes e pelo controle de seus atos. O autor não descarte o direito de regresso contra
o agente responsável pelo descumprimento da ordem judicial nos casos de dolo ou culpa,
nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.205 Na mesma linha é o
posicionamento de André Bragança Brant Vilanova.206
Justamente pela possibilidade de exercício do direito de regresso e até mesmo de
eventual apuração de improbidade administrativa do agente responsável, afastada estaria a
ideia de que a mera impossibilidade de exigibilidade direta da astreinte vencida sobre o
patrimônio do servidor faria com que agisse de forma negligente quanto ao cumprimento
da decisão judicial.207
A solução para o problema pode passar pela análise do caso concreto. Se é
verdade que as pessoas ocupantes de cargos públicos não deveriam ser, ao menos em
regra, responsáveis diretamente pelos danos que causarem no exercício da função pública,
sob pena de lhes impor um risco insuportável capaz de causar a inação ou o próprio
afastamento de servidores competentes dos cargos mais relevantes, também é verdade que
em determinadas situações pode-se vislumbrar um comportamento específico inadequado

203
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016.
204
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 626.
205
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 100.
206
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 133.
207
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 158.
76

do agente público, que tendo condições de cumprir a ordem judicial prefere não fazê-lo
por motivos pessoais ou políticos. Nesses casos, parece que a relação entre o
comportamento processual inadequado do agente e a inadimplência da obrigação
cominada justificaria o direcionamento da ordem e a multa correspondente ao agente
desidioso.
Nesse sentido, conforme alerta Luiz Guilherme Marinoni, “a cobrança da multa
não tem relação com o fato de o inadimplente ser ou não parte, mas com a circunstância de
o inadimplemento ser o responsável pelo cumprimento da decisão”208.
Ainda que se admita tal possibilidade, é indispensável que a consequência reste
claramente demonstrada no momento do recebimento da ordem judicial cominada, não se
podendo admitir que uma ordem judicial dirigida especificamente contra o Estado venha a
desencadear uma execução direta da parte contrária em face do agente público, eis que,
neste caso, estar-se-ia diante de flagrante situação de ilegitimidade passiva ad causam.
Assim, até para que o agente público possa exercer adequadamente o
contraditório e a ampla defesa, caso se pretenda sujeitar o seu patrimônio pessoal a
suportar a possível incidência da multa astreinte cominada, é indispensável que essa
possibilidade conste expressamente na decisão judicial e no mandado de intimação, do
contrário, a sujeição do patrimônio pessoal do agente só seria possível mediante ação de
conhecimento regressiva proposta exclusivamente pelo ente público, nos termos do
disposto no parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal.
Há, por fim, situações em que o agente público figura diretamente no polo
passivo da própria demanda judicial, seja em litisconsórcio passivo, como ente público ou
não. Nesses casos, não haveria óbice quanto ao direcionamento da astreinte em face do
patrimônio pessoal do agente na medida em que, como regra, os motivos que justificam
sua presença no polo passivo da demanda com relação à obrigação principal seriam os
mesmos a justificar que fosse ele o responsável por suportar a multa astreinte acessória.
Esse é o entendimento que vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. 209

2.5.2.2 O terceiro como sujeito passivo da multa

O disposto no artigo 139, inciso IV, do CPC/15 elimina a suposta anomia que
208
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 439.
209
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 1728528 PB 2018/0052379-8. Relator: Ministro Herman
Benjamin, T2 – Segunda Turma. Brasília, DF, 24 de abril de 2018. Publicação DJe 08/09/2020.
77

impede a imposição de multas diárias em face de sujeitos que não figuram como partes do
processo210, como defendido por alguns autores até então.211
A expressa previsão da cominação de multa para a garantia do cumprimento de
decisões judiciais amplia o alcance do instituto para além do caráter de medida capaz de
garantir o cumprimento de uma obrigação existente entre as partes, permitindo a sua
aplicação contra qualquer sujeito que descumpra, injustificadamente, determinações
judiciais.
No mesmo sentido, a regra contida no parágrafo único do artigo 403 do
CPC/15212 prevê expressamente a possibilidade de adoção de medidas indutivas,
coercitivas e/ou mandamentais para compelir o terceiro a cumprir a obrigação de exibir
documento que tenha em seu poder.
É verdade que essa regra trata de comando especificamente previsto para a
obrigação de exibição de documento e/ou coisa, o que não impede que se admita a
aplicação de medidas coercitivas em face de terceiros quando a obrigação for de outra
natureza. Isso porque a celeuma que havia centrava-se sobre a possibilidade de terceiro
sofrer consequência negativa decorrente de decisão judicial em processo no qual não
figura como parte, de modo que não seria a natureza da obrigação suficiente para
fundamentar solução jurídica diversa neste particular.
Nesse ponto, a definição da natureza jurídica das astreintes previstas no processo
civil brasileiro tem um papel determinante: ao se limitar sua natureza às astreintes
francesas, ligadas diretamente à obrigação firmada entre as partes, oriunda então do direito
material, seria impossível a aplicação das astreintes em face de terceiros, que não
poderiam ser afetados por um negócio jurídico ao qual não se obrigaram. Por outro lado,
caso se entenda a astreinte brasileira como categoria jurídica própria que, além de servir
para compelir o devedor ao cumprimento de obrigações oriundas de negócios jurídicos
firmados entre as partes, também se destina à coerção de obrigações de natureza legal e/ou

210
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
117.
211
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 156.
212
“Art. 403. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz ordenar-lhe-á que
proceda ao respectivo depósito em cartório ou em outro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias,
impondo ao requerente que o ressarça pelas despesas que tiver.
Parágrafo único. Se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se
necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa
e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a
efetivação da decisão.”
78

judicial – posição que se adota nesta pesquisa. Nesse caso, conceber-se-ia como possível a
cominação de astreintes em face de terceiros, desde que destinatários da ordem judicial
que se deseja compelir ao cumprimento.
É importante perceber, especialmente após o advento da regra do artigo 139,
inciso IV, do CPC, que o comando judicial ao qual se comina a multa astreinte não está
necessariamente vinculado ao devedor original da obrigação principal que objetiva a
demanda, mas àquela pessoa capaz de cumprir o comando judicial, que pode ou não ser
devedora principal e consequentemente parte no processo. Isso não significa abandono
completo às origens francesas do instituto, mas uma adaptação à realidade e à
complexidade próprias do sistema jurídico nacional, que acabara por alargar sua hipótese
de incidência para além do que se desenhara na criação do instituto pelo sistema francês, a
exemplo da própria legislação daquele país, que foi, ao longo dos anos, adaptando as
astreintes às necessidades e às realidades forenses.
Movimento semelhante se observa em outros países que adotam as mesmas
medidas coercitivas, como é o caso da Argentina, cujo ordenamento expressamente prevê
a possibilidade de incidência das astreintes em face de terceiro.213
Com base nesses argumentos, Olavo de Oliveira Neto considera cabível, ainda
que em casos excepcionais, a aplicação de astreintes em face de auxiliares da justiça e até
mesmo de magistrado ou representante do Ministério Público e advogados quando agirem
com excesso ou desvio de finalidade.214
Assim, concebe-se como possível a fixação de multa astreinte em face de
terceiros, desde que sejam os destinatários da obrigação cominada e, naturalmente, desde
que os demais requisitos necessários à aplicação do instituto também estejam presentes.
Evidentemente, nesse caso, o terceiro adquirirá a qualidade de interessado, passando a
ostentar legitimidade recursal para questionar a decisão que lhe imponha tal gravame.

2.5.2.3 O próprio autor como sujeito passivo da multa

Há ainda algum debate doutrinário quanto à possibilidade de o autor da demanda


judicial sujeitar-se à multa astreinte sem que o réu tenha proposto reconvenção.
De um lado, encontram-se autores, como Guilherme Rizzo Amaral, que embora
213
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa.
214
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 256-257.
79

admitam a aplicação de multa em face do autor defendem que, neste caso, não se estaria a
falar de astreinte porque tal multa se prestaria apenas para forçar o cumprimento de tutela
específica da obrigação.

O fato jurídico que deu origem às astreintes é a busca da tutela específica devida
ao autor. As astreintes, como já se definiu anteriormente, constituem técnica de
tutela. Ora, se imposta contra o autor, não estará buscando a tutela para direito
algum, mas tão-somente assegurando (ou buscando assegurar) o cumprimento
de uma decisão judicial, o que não constitui direito do juiz, mas manifestação de
seu poder de imperium. 215

Para que se sustente a visão do citado doutrinador seria necessário aceitar a


premissa de que as obrigações só poderiam ser criadas em momento pré-processual, ideia
com a qual não se concorda. E não é apenas porque o artigo 190 do CPC/15 ampliou a
possibilidade de negociação processual, que já era em alguma medida aceita no direito
brasileiro, mas também porque negociações mesmo no plano contratual/material podem
ser realizadas no decorrer da demanda, permitindo-se que o réu exija do autor o
cumprimento de alguma obrigação por ele assumida.
Ademais, no atual estágio de desenvolvimento das astreintes como multas
processuais não se concorda com a premissa de que a obrigação que está a ensejá-las tenha
de ter origem no direito material, de modo que ordens processuais se transformam, muitas
vezes, em obrigações opostas em face das partes, as quais, caso não cumpridas, ensejam a
aplicação de astreintes.
Outro argumento a favor da possibilidade de imposição de multa astreinte em
face do autor é trazido por doutrinadores como Fredie Didier Júnior, Leonardo Carneiro da
Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandre de Oliveira, que defendem que ao admitir a
concessão de tutela provisória em favor do réu, consequentemente, ter-se-ia de admitir a
aplicação de astreinte como forma de garantir o seu cumprimento.216
Com base nesses argumentos é que se mostra perfeitamente possível a aplicação
da multa astreinte em face do autor da demanda, sempre que contra ele for proferida
decisão que lhe imponha o cumprimento de alguma obrigação, desde que a imposição de
multa diária seja o meio mais adequado para compelí-lo ao cumprimento.

215
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 102.
216
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p.
624.
80

2.6 POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE ASTREINTES COM OUTRAS


SANÇÕES/MEIOS DE COERÇÃO

A natureza jurídica da multa astreinte não esconde algumas semelhanças com


outros institutos presentes no direito brasileiro, o que motivou a descrição de suas
distinções na seção 2.3 desta pesquisa.
É justamente dessas semelhanças que poderia emergir a conclusão de que a multa
astreinte não seria cumulável com outras multas previstas no ordenamento jurídico
brasileiro (considerando o caráter coercitivo) ou com a condenação em perdas e danos
(considerando o caráter patrimonial).
As claras distinções entre os institutos servem para afastar a alegação de bis in
idem e consequentemente admitir a cumulação da multa astreinte com outras multas de
natureza processual, ou mesmo com cominações condenatórias aptas à reparação de
perdas e danos eventualmente suportados pelo credor em face do inadimplemento da
obrigação cominada.
No que tange às multas processuais, a possibilidade de cumulação com as
astreintes decorre não apenas de expressa previsão legal217, mas principalmente da
finalidade distinta entre as medidas, que se opera principalmente em razão do tempo, pois
enquanto as astreintes visam evitar o inadimplemento, projetando-se para o futuro, as
multas por litigância de má-fé e/ou ato atentatório à dignidade da justiça voltam ao
passado, como forma de sancionar aquele que já se comportou de maneira inadequada.218
Vale destacar ainda a distinção com relação ao destinatário da multa como

217
“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos
aqueles que de qualquer forma participem do processo: [...] § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI
constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e
processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a
gravidade da conduta.”
“Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado
que: [...] Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa em montante não superior a
vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente,
exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material.”
“Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo
leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados
procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a
possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos. [...]§ 6º Considera-se ato atentatório à dignidade da
justiça a suscitação infundada de vício com o objetivo de ensejar a desistência do arrematante, devendo o
suscitante ser condenado, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, ao pagamento de multa, a ser
fixada pelo juiz e devida ao exequente, em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do
bem.”
218
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 155.
81

diferencial suficiente para permitir a cumulação das medidas: enquanto o crédito resultante
das astreintes cabe ao credor da obrigação cominada, o valor das demais multas, ao menos
em parte, reverte-se ao Estado.219
A situação quanto a perdas e danos não é diferente. O CPC/15, no artigo 500220,
prevê expressamente a possibilidade de cumulação da multa astreinte com indenização por
perdas e danos e/ou a exigência de cláusula penal substitutiva. Essa previsão legal adere às
razões já expostas nesta pesquisa, na seção 2.3.6, quando se demonstrou a possibilidade de
cumulação de astreintes com cláusula penal.

2.7 CRITÉRIOS PARA QUANTIFICAÇÃO DE ASTREINTES

Talvez um dos pontos mais difíceis quanto à aplicabilidade prática da multa


astreinte seja a sua quantificação, assunto que, não à toa, desperta intenso debate. Trata-se
de preocupação existente em países que adotam medidas coercitivas semelhantes às
astreintes brasileiras. No Peru, por exemplo, a dificuldade de quantificar a multa resultante
da previsão de termos abertos, como a razoabilidade, tem levado a doutrina a procurar
critérios mais objetivos:

De acuerdo com la legislación y doctrina comparada, existen hasta cinco límites


que deberá respetar el Juez al momento de determinar el valor de las
multas coercitivas: (i) La provisionalidad de la aplicación de las multas
coercitivas, (ii) el perfil económico del demandado, (iii) el comportamiento
del deudor, (iv) la cuantía del proceso que se viene tramitando, (v) la dificultad
de la materia tratada.221

No Brasil, o artigo 537 do Código de Processo Civil, ao tratar da possibilidade de


aplicação de astreinte traz importantes previsões quanto a sua quantificação quando dispõe
que “a multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de
conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja
suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para
cumprimento do preceito”.
Na análise do texto legal, verifica-se que o legislador criou um binômio norteador

219
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 156.
220
“Art. 500. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para
compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação.”
221
CORIPUNA, Andrea Yahaira Ochoa. Límites de las multas coercitivas en el derecho comparado y su
regulación en el Perú. Revista de la Maestría en Derecho Procesal, Lima, Peru, v. 8, n. 1, p. 217-238,
2020. p. 235.
82

do quantum da multa cominatória, que deve ser suficiente e compatível com a obrigação.
Ao citar o termo “suficiente”, percebe-se que o legislador teve a intenção de fixar um
patamar suficiente para compelir o devedor ao adimplemento da multa cominada, a fim de
que o poder de coerção da medida fosse bastante para não ser ignorada. Quanto à
expressão “compatível com a obrigação”, acredita-se que a intenção seja fixar valor
compatível com a obrigação para não se tornar nem tão ínfimo nem tão excessivo,
proporcionalmente à obrigação principal ensejadora da medida.
Em suma, a exemplo do que ocorre na fixação de danos extrapatrimoniais, a
quantificação das astreintes é deferida ao prudente arbítrio do juízo, consideradas as
características de cada caso concreto, conforme precedentes do Superior Tribunal de
Justiça. 222
A discricionariedade na fixação das astreintes, inclusive, é traço comum na
maioria dos países que preveem multas como meio de pressão ao cumprimento das
obrigações, como na Itália, por exemplo.223
Para poder avaliar com precisão a suficiência do valor da astreinte, o primeiro
ponto a observar talvez seja a capacidade econômica do devedor da obrigação principal
cominada, que se reflete na sua capacidade de resistência à referida medida processual.224
É o que defende Araken de Assis quando assevera que no momento da fixação do valor
deve-se considerar o patrimônio do devedor, de modo que “quanto mais rico, maior o
valor da pena – e a magnitude da provável resistência, preocupando-se apenas em
encontrar um valor exorbitante e despropositado, inteiramente arbitrário, capaz de ensejar
o efeito pretendido pelo credor”225.
Com base na aferição da capacidade de resistência econômica do devedor, pode-
se, além de garantir a efetividade da medida, ou seja, o cumprimento da obrigação
principal, garantir que não se onere o devedor além do necessário, “mesmo porque não
interessa inviabilizar a possibilidade de pagamento, que acabaria desnaturando a natureza

222
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de astreintes no NCPC. In: CAZZARO, Kleber (org.).
Estudos de direito processual à luz da Constituição Federal: em homenagem ao Professor Luiz
Rodrigues Wambier. Erechim: Deviant, 2017. p. 86.
223
SALETTI, Achille. Execução processual indiretra na reforma do Código de Processo Civil italiano desde
2009. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, n. 34, p. 505-
520, 2010.
224
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 137.
225
ASSIS, Araken de. Reforma do processo executivo, p. 498.
83

coercitiva da medida”226.
Além da capacidade financeira do devedor, deve-se atentar, cumulativamente,
para a relevância do bem jurídico227 em questão, o que não significa necessariamente o
valor do objeto da obrigação principal, até porque, tão maior deverá ser o valor fixado
quanto impagável for o bem jurídico que se busca tutelar, como vida, saúde, entre outros
bens não sujeitos à valoração econômica.
Naturalmente, mesmo os bens jurídicos passíveis de aferição econômica, o valor
da multa deve adequar-se ao valor do objeto litigioso, de modo a torná-la proporcional ao
bem a ser tutelado, sem que, contudo, a ele se limite.
Nesse sentido, é necessário que se adeque o valor da multa de modo a não lhe
retirar o poder coercitivo, sem contudo fixar quantia inviável de ser suportada pelo
devedor: “El monto debe ejercer una presión psicológica hacia el deudor, ello con la
finalidad de vencer su resistencia, pero – como se mencionó en la primera consideración-
debe estar dentro de sus posibilidades de pago.”228.
A partir desse binômio – valor da multa/capacidade de coerção –, a quantia a ser
fixada, segundo Araken de Assis, deve ser realmente alta para que tenha força necessária
para atingir o seu escopo.229
Esse posicionamento também é defendido por Nelson Nery Junior e por Rosa
Maria de Andrade Nery230 quando asseveram que “o valor deve ser significativamente
alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o
valor em quantia alta, pensando no pagamento”, sob pena de frustrar a função
intimidatória das astreintes, tornando mais vantajoso para o devedor a desobediência da
ordem cominada.231
Há, por outro lado, doutrinadores mais conservadores que preferem apegar-se a
outro vértice do mencionado binômio, emprestando maior prestígio à compatibilidade da
multa com a obrigação principal, inclusive para não figurar como elemento limitador do

226
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 287.
227
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 184.
228
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa, p. 223.
229
ASSIS, Araken de. Reforma do processo executivo, p. 498.
230
NERY JUNIOR, Nelson e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado. 6.
ed. São Paulo: RT, 2002. p. 764.
231
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil. p. 82.
84

cumprimento da medida, tal qual ocorre na cláusula penal, um parâmetro de incidência


máxima, como se percebe nas palavras de José Maria Tesheiner:

É preciso respeitar também essa particular manifestação da personalidade que é


a vontade. O princípio da proporcionalidade é de observância obrigatória. Com
sabedoria, o Código Civil proíbe cláusula penal que exceda o valor da obrigação
principal (art. 412). Admita-se que, em nome da Justiça, duplique-se esse valor,
já que a indenização por perdas e danos se dá sem prejuízo da multa (CPC, art.
461, § 2º). Já é muito. O que dizer, então, do triplo ou do quádruplo? E o que
dizer da ausência de qualquer limite? Não haverá outro senão a insolvência do
devedor.232

O autor chega a fixar patamar máximo para a multa cominatória com a seguinte
declaração: “atrevo-me, pois, a sustentar que, nas obrigações de fazer ou de não fazer, de
conteúdo patrimonial, não se poderá cobrar do devedor mais do que duas vezes o valor da
obrigação: uma para satisfazer o credor; a outra por sua resistência ao mandado
judicial”233.
Nesses argumentos, ainda que timidamente, percebe-se que há uma comparação
de astreinte com cláusula penal, distinção que já foi realizada neste trabalho, asseverando
que o seu quantum deveria ser limitado ao valor da causa, em análise analógica ao art. 412
do Código Civil.
É bem verdade que no modelo germânico a multa é limitada em 25 mil euros por
pedido. Por outro lado, a recalcitrância do devedor – ao revés do que se observa em países
que adotam a matriz francesa de coercibilidade – pode levá-lo à prisão por até seis meses
ou até que a obrigação seja satisfeita. 234 Assim, a diferença de natureza entre as medidas e
a clara predileção do modelo brasileiro pelo sistema francês afastam a possibilidade de
utilizar o modelo alemão neste particular.
Como defendido anteriormente, a multa astreinte será tão alta ou até nem chegar
a incidir, de modo que se ela está a ser cobrada, salvo o caso de impossibilidade de
cumprimento da medida – que deveria resultar na revogação das astreintes –, a sua
incidência é sintoma de sua ineficiência, o que, na maioria das vezes, está relacionada com
o valor ínfimo que fora fixado.
O que se pode concluir, nessa seara, é que o magistrado deve, atendendo ao
casuísmo de cada situação: (i) estabelecer valor que seja ao mesmo tempo suficiente para

232
TESHEINER, José Maria. Limites da coerção judicial (limites do art. 461 do CPC). Disponível em:
http://www.tex.pro.br/wwwroot/curso/execucao/limitesdacoercaojudicial.htm. Acesso em: 19 jun. 2007.
233
TESHEINER, José Maria. Limites da coerção judicial (limites do art. 461 do CPC). Disponível em:
http://www.tex.pro.br/wwwroot/curso/execucao/limitesdacoercaojudicial.htm. Acesso em: 19 jun. 2007.
234
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 164.
85

atender ao seu escopo, qual seja compelir o devedor ao cumprimento da obrigação


cominada e (ii) que o:valor da obrigação perseguida não seja desproporcional à espécie, de
modo a impor ao devedor uma quantia que não possa suportar.
Por fim, a imposição da multa astreinte pode ser periódica, como é mais comum,
e definida por valor fixo. Isso porque, apesar de o artigo 537, parágrafo 1º, do Código de
Processo Civil prever a periodicidade da multa, é cabível a sua imposição de forma não
periódica, especialmente quando a obrigação principal cujo cumprimento se visa compelir
não comportar desfazimento ou se der em uma única conduta235, como no caso de algumas
obrigações de não fazer, na hipótese de descumprimento de cláusulas de exclusividade.
Mesmo quando fixada de forma periódica, a multa pode ser estipulada em
medidas de tempo diversas, seja em dia – como é mais comum –, horas, semanas, meses,
ou até mesmo por eventos específicos, quando, por exemplo, é fixada para o caso de cada
descumprimento, independentemente de unidade de tempo.
Na realidade, deve-se adotar a técnica processual da forma mais adequada à tutela
do direito material que se busca proteger, ou seja, a multa, medida acessória que é, deve
ser aplicada da forma que melhor possa atender ao seu escopo, que nada mais é do que
compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação.

2.7.1 Análise da possibilidade de limitação a priori do valor da multa

O advento de execuções de multas astreintes em valores elevados, situação que


de algum modo originou os problemas jurídicos que esta pesquisa busca compreender, fez
com que magistrados buscassem alternativas processuais para evitar tal situação. Além da
revogação ou redução das astreintes ao arrepio da coisa julgada, fundamentada
abstratamente nos critérios de proporcionalidade e de razoabilidade – objeto de análise no
último capítulo –, alguns magistrados começaram a definir um valor limite para as
astreintes já no momento de sua fixação, o que, ao contrário do que ocorre na lei belga236,
por exemplo, não é permitido pela lei processual brasileira.
Embora se compreenda a preocupação em evitar que multas astreintes cheguem a
valores muito elevados, descaracterizando de algum modo o seu escopo, a limitação a

235
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 282.
236
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa.
86

priori da quantia não parece ser a melhor alternativa, senão a menos trabalhosa, por assim
dizer.
Não se deve olvidar que, enquanto não transitada em julgada, a decisão, ou ao
menos o capítulo da sentença da decisão que determinou o cumprimento da obrigação
principal, da qual a multa fixada é acessória, as astreintes podem ser ajustadas, reduzidas
ou até mesmo revogadas. Em outras palavras, a limitação das astreintes pode e deve
acontecer em alguns casos, porém de forma retrospectiva, posterior ao acontecimento dos
fatos e após a cognição exauriente, quando o magistrado será capaz de avaliar com mais
aptidão o comportamento processual das partes e a possibilidade de cumprimento da
obrigação cominada.
Limitar o valor final de multa de forma apriorística serve apenas para criar um
mecanismo de segurança capaz de garantir que caso a análise retrospectiva não seja
realizada – seja porque o magistrado entendeu que não deveria fazê-lo, ou por mero
esquecimento – o valor da multa não alcance valores elevados.
Como defendido nesta pesquisa, salvo o caso de impossibilidade de cumprimento
da medida – que deveria resultar na revogação das astreintes – a sua incidência é sintoma
de ineficiência, o que, na maioria das vezes, está relacionada com o valor ínfimo que fora
fixado e não com eventual excesso na fixação. Assim, a limitação a priori do valor final
da multa astreinte atua como espécie de limitador artificial de sua incidência, que além de
desvirtuar o caráter coercitivo da medida prejudica a sua eficácia.237
Nesse sentido, autores como Newton Coca Bastos Marzagão238, Diego Henrique
Nobre de Oliveira239, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel
Mitidiero240, e Antônio Pereira Gaio Junior241 rechaçam a possibilidade de limitação da
multa diária, seja a um valor arbitrado pelo magistrado, seja com base no valor da
obrigação principal.
É justamente o seu caráter coercitivo e acessório, e não indenizatório ou
sancionatório, que fundamenta a sua desvinculação em relação ao valor da obrigação

237
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de astreintes no NCPC. Estudos de Direito
Processual à Luz da Constituição Federal, p. 72.
238
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica– atualizado com o novo
CPC 2015, p. 211.
239
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 276.
240
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 216.
241
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 93.
87

principal242-243, pelos mesmos motivos que a diferenciam da cláusula penal, conforme


apresentado na seção 2.3.6 desta pesquisa.
Desse modo, “as astreintes não estão limitadas pelo valor da obrigação, cujo
cumprimento se destina a permitir obter. Podem ultrapassar este valor, superando-o. Não
guardam, nem devem guardar, relação com o valor da obrigação”244.
Não bastassem os motivos teóricos, capazes, por si sós, de rechaçar a
possibilidade jurídica de limitação do valor final das astreintes, há ainda um sólido
argumento de ordem pragmática, desenvolvido por Newton Coca Bastos Marzagão,
segundo o qual “a certeza de que o montante não ultrapassará uma certa quantia retirará
muito da força intimidatória das astreintes, desnaturando-as”245.
A limitação apriorística das astreintes apresenta um perigo ainda maior, de
desconfiguração das bases principiológicas do direito civil brasileiro, por ferir diretamente
o princípio do aliud pro allio246-247, garantindo ao devedor o direito – que o ordenamento
jurídico material não lhe faculta – de optar por cumprir a obrigação in natura ou pagar a
multa.
Sobre o tema, Luiz Guilherme Marinoni argumenta que “se o valor da multa
estivesse limitado a esse valor, o demandado sempre teria a faculdade de liberar-se de sua
obrigação devolvendo o valor que foi pago pela prestação”248.
Dessa forma, “voltaríamos ao quadro em que o devedor, diante da
impossibilidade de o Estado interferir na sua vontade, poderia livremente escolher entre
cumprir a prestação a que se obrigou, ou pagar o equivalente em dinheiro, dessa vez
242
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p.
606.
243
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 107.
244
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, p. 256.
245
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 211.
246
“O credor não é obrigado a aceitar qualquer outro bem, ainda que mais valioso, como dispõe o art. 313 da
Lei Civil. O reu debendi não pode alterar, sponte sua, qualquer cláusula contratual, seja para substituir o
objeto da prestação ou qualquer outro tipo de ajuste. O Direito Romano já consagrava tal princípio, segundo
o brocardo “nemo aliud pro alio invito creditore solvere potest”. Sem a vigência deste princípio seria
inviável o Direito das Obrigações, pois os devedores se sentiriam atraídos e estimulados a tentar novas
modalidades de solvência para as suas obrigações.” NADER, Paulo. Curso de direito civil: obrigações. 9.
ed. Rio de Janeiro: Forense 2019. v. 2. p. 68.
247
Essa regra viria a ser relativizada por expressas previsões legais, como nas legislações que concedem
parcelamento de débito tributário e, no âmbito do direito privado, com o parcelamento legal inserido no art.
745-A do CPC/73 pela Lei 11.382/2006, mantido no CPC/15, que permitia ao devedor, mesmo sem aceite
do credor, o pagamento de título executivo extrajudicial mediante o depósito de 30% da quantia, seguida
pelo pagamento do saldo em seis parcelas mensais.
248
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 273.
88

duplicado”249.
Esse é, pois, um expediente cada vez mais comum no dia a dia dos tribunais pois,
“mesmo inexistindo limitação legislativa para a incidência das astreintes, o Superior
Tribunal de Justiça possui entendimentos divergentes sobre o tema”, tanto é que “a 4ª
Turma já referiu, em diversas ocasiões, a necessidade de se fixar um teto máximo para a
cobrança da multa, não devendo o valor total se distanciar do valor da obrigação
principal”250, o que revela certo desapreço por sua natureza jurídica na medida em que
limita o seu poder coercitivo e lhe dá uma feição indenizatória que ela não possui.

249
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 288.
250
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 103.
89

3 ASPECTOS DESTACADOS ACERCA DA EXEQUIBILIDADE DO CRÉDITO


RESULTANTE DAS ASTREINTES

Vencidas as questões consideradas relevantes acerca do instituto das astreintes,


passa-se, neste capítulo, a tratar da exequibilidade do crédito correspondente.
Para tanto, examinar-se-á, introdutoriamente, o direito à tutela jurisdicional
efetiva para então poder situar as astreintes e sua exequibilidade como importante
instrumento de alcance desta garantia fundamental na prática do processo de execução
brasileiro. Na sequência, abordam-se as regras de incidência da multa, essenciais à
definição do quantum debeatur a ser executado, para depois investigar os principais
aspectos que circundam a exequibilidade da multa, a partir de cada uma das espécies de
decisão em que possa ser fixada. Por fim, examina-se a eventual necessidade de liquidação
do título previamente à sua execução.

3.1 O DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA

A busca de efetividade nos procedimentos jurisdicionais é ponto comum em


todas as recentes modificações legislativas na área do processo civil. A longa espera dos
jurisdicionados por uma solução jurídica prática somada à incômoda situação de ver
reconhecido o seu direito pelo Poder Judiciário, nem sempre efetivamente entregue no
plano fático, há tempos, vem-se tornando insustentável.
No modelo de jurisdição romano, em seu período republicano, a essência da
atividade jurisdicional era meramente declaratória. A juris dictio251, desprovida de
imperium, era exercida por meio do procedimento privado da actio. Os jurisconsultos se
limitavam a declarar o direito, com a esperança/crença de que a partir de então as partes se
conformariam com a decisão, cumprindo-as, ou reclamando, caso isto não ocorresse de
forma voluntária, relativamente à atuação dos pretores ou até mesmo da própria parte de
forma direta.252
Nesse período, as decisões dos jurisconsultos possuíam natureza meramente
declaratória, proferidas em um processo notadamente privado. Aos pretores ligados ao

251
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1996. p. 9.
252
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2018. p. 26.
90

poder público cabia a função de execução das decisões.


Passada a República, com a ascensão dos imperadores, especialmente após a
morte de Júlio César e o aumento do poder de Otávio Augusto, conquistado por meio de
apoio popular, o governo toma características mais autoritárias, de modo a concentrar nos
pretores todas as funções dos jurisconsultos, “passando a decidir e executar
ininterruptamente”253.
Ovídio Baptista destaca que essa ligação dogmática com os valores da jurisdição
processual romana fez com que por muito tempo se negassem ao magistrado tutelas
executivas capazes de entregar aos jurisdicionados aquilo que almejavam: o bem jurídico
em si e não apenas sua declaração formal; do mesmo modo, fez com que se separasse o
direito processual do direito material, com a negação da função instrumental do primeiro
em relação ao segundo, sujeitando aquele a regras procedimentais incapazes de garantir o
efetivo exercício de cada direito material específico.254
Olavo de Oliveira Neto, rememorando os ensinamentos de José Carlos Barbosa
Moreira e de Michelle Taruffo, dispõe sobre a necessidade de construção de um sistema
executivo eficiente, que para tanto deve buscar a completude em todas as três vertentes de
Taruffo, “tensão à completude”, “tensão para eficácia” e “tensão para atuação específica”,
o que ocorre nas seguintes circunstâncias:

a) quanto maior se apresenta a existência de remédios processuais aptos a tutelar


todas as modalidades de prestação não adimplidas; b) quando esses instrumentos
podem ser utilizados por quem detenha interesse jurídico em fazê-lo; e c)
quando a tutela confere total e exata satisfação do que não foi adimplido, num
prazo adequado ao caso concreto e com um volume reduzido de atos
processuais.255

Quando não observados os critérios defendidos por Taruffo, a tendência é a


deficiência sistêmica proporcionar uma tutela executiva eficiente, que no plano pragmático
só pode levar a duas alternativas, igualmente indesejáveis: “ou o lesado frustrado na sua
pretensão se resigna com a perda de parcela de seu direito, ou o exerce mediante
autotutela, mesmo sem ter a expressa permissão legal para fazê-lo”256.
A ordem constitucional brasileira, especialmente por meio da uma interpretação
conforme do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, leva à conclusão de que o
acesso à justiça só será entregue de forma efetiva caso seja permitida: “a utilização, por

253
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria Geral do Processo, p. 26.
254
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica.
255
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 220.
256
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 222.
91

parte do magistrado, de todos os meios aptos à obtenção da satisfação de uma prestação


não cumprida, com especial relevo para a utilização da tutela coercitiva”257. Desse modo,
“sem as técnicas processuais adequadas, o direito de acesso à justiça ganha contornos de
uma promessa constitucional faustosa, mas pouco realista” 258. E é em torno da consecução
dos objetivos constitucionais que se devem observar as concepções da jurisdição
contemporânea, estampadas expressamente no Capítulo I do CPC/15, reservado às normas
fundamentais do processo civil.
Do ponto de vista técnico, permita-se quebrar a rigidez do formalismo
exacerbado para dar primazia à análise do mérito, inclusive quanto à atividade satisfativa
(art. 4º do CPC/15) e à adequação procedimental ao direito material de fundo.
Do ponto de vista colaborativo, traga-se para dentro do processo a participação
democrática a que tem direito o jurisdicionado e que deve ir além do mero direito de estar
em juízo (formal), permitindo-se a participação dos atores de forma efetiva e colaborativa
com vistas à efetiva solução dos conflitos (artigos 5º, 6º, 7º e 9º do CPC/15).
Por fim, do ponto de vista sistêmico, abram-se os horizontes para além das regras
frias e rígidas, como forma de coadunar o processo ao direito material que visa servir,
sempre tendo como farol as normas constitucionais, “aos fins sociais e às exigências do
bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (art. 8º do
CPC/15).
Nesse contexto, o direito ao acesso à justiça deixa de ser analisado apenas pela
perspectiva formal de o jurisdicionado ter o direito de estar em juízo, passando a ser
compreendido de forma muito mais complexa e isso engloba a necessidade de entregar às
partes, de forma real e efetiva, o direito que lhes assiste, como explica Luiz Guilherme
Marinoni:

[...] direito à tutela jurisdicional não só requer a consideração dos direitos de


participação e de edição de técnicas processuais adequadas, como se dirige à
obtenção de uma prestação do juiz. Essa prestação do juiz, assim como a lei,
também pode significar, em alguns casos, concretização do dever de proteção do
Estado em face dos direitos fundamentais.259

257
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 224.
258
DOUTOR, Maurício. Medidas executivas atípicas na execução por quantia certa: diretrizes e limites
de aplicação. Belo Horizonte: Dialética, 2021.
259
MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos
fundamentais. Revista Peruana de Derecho Procesal, Lima, Peru, n. 7, p. 199-258, 2004. Disponível em:
http://www.marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2012/04/PROF-MARINONI-MARINONI-O-DIREITO-
92

O princípio da tutela jurisdicional ultrapassa a ideia de mero acesso formal ao


Poder Judiciário e exige que, além disso, garanta-se às partes o acesso efetivo à ordem
jurídica justa. Portanto, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, ligado diretamente com
o direito do acesso à justiça, é considerado um direito fundamental estatuído pela
Constituição Federal de 1988, previsto em seu artigo 5º, inciso XXXV260.
O princípio da efetividade da tutela jurisdicional está consagrado no art. 8º da
Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica 261, da qual
o Brasil é signatário. “Por isso, o direito fundamental à tutela jurisdicional é direito
humano considerado imprescindível no Estado Democrático de Direito”262.
A concepção da tutela jurisdicional efetiva enquanto direito fundamental vai além
da garantia de técnicas adequadas à tutela dos direitos fundamentais, uma vez que tal
garantia é um direito fundamental em si mesmo, decorrente da interpretação
contemporânea do acesso à justiça. Portanto, serve à garantia da tutela adequada a
efetivação de qualquer direito material, seja este fundamental ou não:

[...] Tal direito fundamental, por isso mesmo, não requer apenas técnicas e
procedimentos adequados à tutela dos direitos fundamentais, mas sim técnicas
processuais idôneas à efetiva tutela de quaisquer direitos. De modo que a
resposta do juiz não é apenas uma forma de se dar proteção aos direitos
fundamentais, mas sim uma maneira de se dar tutela efetiva a toda e qualquer
situação de direito substancial, inclusive aos direitos fundamentais que não
requerem proteção, mas somente prestações fáticas do Estado (prestações em
sentido estrito ou prestações sociais).263

Nesse viés, parece indiscutível a existência da garantia constitucional da tutela


jurisdicional efetiva como consequência do direito fundamental ao acesso à justiça,
considerando que na contemporaneidade a jurisdição vai além do dever estatal de dizer o

%C3%80-TUTELA-JURISDICIONAL-EFETIVA-NA-PERSPECTIVA-DA-TEORIA-DOS-DIREITOS-
FUNDAMENTAIS.pdf. Acesso em: 6 maio 2020. p. 13.
260
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes: [...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
261
“Art. 8º Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável,
por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações
de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”
262
CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. 1. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1988. p. 11.
263
MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos
fundamentais. Revista Peruana de Derecho Procesal, Lima, Peru, n. 7, p. 199-258, 2004. Disponível em:
http://www.marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2012/04/PROF-MARINONI-MARINONI-O-DIREITO-
%C3%80-TUTELA-JURISDICIONAL-EFETIVA-NA-PERSPECTIVA-DA-TEORIA-DOS-DIREITOS-
FUNDAMENTAIS.pdf. Acesso em: 6 maio 2020. p. 2.
93

direito. Sendo assim, cabe ao Estado garantir a tutela jurisdicional adequada para
viabilizar o alcance do direito reconhecido. Essa ideia encontra correspondência em
ordenamentos estrangeiros, como o mexicano, de onde se extrai a ideia de que “la
sentencia, no sólo como una fuente de obligaciones sino como un mandato que emana de
la autoridad jurisdiccional, debe ser cumplida, y no solamente cumplida sino
oportunamente cumplida”264.
Do ordenamento jurídico peruano também se extrai a ideia de tutela jurisdicional
efetiva enquanto direito fundamental e ela igualmente deve materializar-se no plano
processual:

Por tanto, el derecho a la tutela jurisdiccional efectiva, es un derecho


fundamental que tiene toda persona natural o jurídica, quien podrá recurrir ante
el órgano jurisdiccional solicitando se le imparta justicia, este mecanismo no
implica necesariamente, obtener una resolución judicial, que resuelva lo
solicitado por el sujeto, sino implica que esa resolución se realice con las
garantías y requisitos mínimos exigidos, debe precisarse que la decisión emitida
por el órgano jurisdiccional, puede ser emitida favoreciendo o desfavoreciendo a
las pretensiones solicitadas por las partes.265

Transportando essa garantia constitucional para a prática processual, Luiz


Guilherme Marinoni indica que a tutela jurisdicional efetiva engloba três direitos, pois
exige: a) técnica processual adequada; b) procedimento capaz de viabilizar a participação
adequada das partes, como no caso das ações coletivas; e c) por fim, o direito à própria
resposta jurisdicional.266
O reconhecimento da tutela jurisdicional efetiva como garantia constitucional é
essencial ao desenvolvimento da teoria de Luiz Guilherme Marinoni. Segundo o autor,
essa garantia terá aplicação imediata e obrigatória pelo magistrado267, a quem cabe
“interpretar a legislação à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional, estando
obrigado a extrair da regra processual, sempre com a finalidade de efetivamente tutelar os
direitos, a sua máxima potencialidade, desde que – e isso nem precisaria ser dito – não seja

264
NAVARRO, Leticia Eugenia López. Las astreintes: remédio eficaz para la oportuna ejecucíon de las
sentencias. Mexico: Universidade de Guadalajara, 2011. (Coleção Graduados 2010 – Serie Sociales y
Humanidades). p. 20.
265
PANEBRA ALVAREZ, Janet Ingrid; FERNANDEZ BONIFACIO, Yovana. La ausencia del apremio
civil en la ejecución de las obligaciones dinerarias afecta el derecho a la tutela jurisdiccional efectiva y el
derecho del acreedor reconocidos en el código civil peruano. Repositório Institucional da Universidad
Nacional San Antonio Abad del Cusco, Cusco, 2020. p. 48-49.
266
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos.
267
As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Isso quer dizer não
apenas que os direitos fundamentais não dependem de normas infraconstitucionais, mas também que os
órgãos públicos estão a eles vinculados. Ou melhor, que os órgãos públicos estão vinculados ao conteúdo
dos direitos fundamentais. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos.
94

violado o direito de defesa”268.


No que tange às técnicas executivas, Marinoni defende a ideia de que devem ser
adequadas, assim compreendidas como aquelas capazes de legitimamente atingir a tutela
pleiteada, e idôneas no que tange à sua eficácia, ou seja, que traga a “menor restrição
possível à esfera jurídica do réu”269.
A partir dessas ideias e como resposta aos problemas de ineficiência da jurisdição
brasileira, especialmente no processo de execução, tem-se investido no aperfeiçoamento
de técnicas processuais capazes de mitigar tais mazelas.
Nesse caminho, destaca-se, dentre outras técnicas processuais, a astreinte, que
embora presente de forma ampla no ordenamento jurídico nacional a partir da Lei
8.952/94 começa a receber maior atenção dos operadores do direito, que encontram nesta
espécie de tutela, um importante mecanismo em prol da efetividade de decisões judiciais
que envolvam obrigações a serem cumpridas pelas partes.

3.2 A IMPORTÂNCIA DA EXEQUIBILIDADE DAS ASTREINTES COMO FATOR


DE EFICÁCIA PARA A VIABILIDADE DA TUTELA ESPECÍFICA DAS
OBRIGAÇÕES

O direito civil brasileiro, devido à sua raiz liberal-burguesa francesa,


especialmente no que tange ao direito das obrigações, até o final do século passado foi
marcado pela rigidez das tutelas processuais, cada qual designada para uma espécie de
obrigação, o que acabava por dificultar o cumprimento das obrigações na forma
originariamente fixada, levando a solução de basicamente todo tipo de obrigação para a
via da transformação em perdas e danos, com a consequente busca da solução pela via da
expropriação patrimonial.
Luiz Guilherme Marinoni reputa essa característica do Estado Liberal, cujo
ordenamento se concentrava quase que exclusivamente em assegurar a liberdade dos
indivíduos, especialmente com relação ao Estado. Assim, partia-se da premissa de que
todos os bens poderiam ser expressos em valor pecuniário, de modo a garantir a liberdade
e manter os mecanismos de mercado.270
Na prática, o que havia era uma espécie de direito do devedor de descumprir a
268
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 131.
269
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 145.
270
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 263.
95

obrigação assumida e não cumprida, desde que reparasse financeiramente o dano causado
pelo seu inadimplemento. Assim, o devedor “tinha uma espécie de direito de não cumprir
o próprio dever, desde que pagasse por isso. Tinha o direito de, por assim dizer, comprar o
seu dever, como se toda prestação pudesse ser convertida em dinheiro”271.
Esse era o resultado do dogma de origem romana, e que fazia todo sentido na
França pós-revolução, quando se passou a priorizar o bem jurídico da liberdade acima de
quase todas as coisas, e que não poderia ser violado a pretexto de realização de direito
material. Dessa forma, no lugar de se forçar o devedor ao cumprimento de uma obrigação
contra a sua vontade, violando de algum modo a sua liberdade, optava-se pela conversão
das obrigações de conteúdo não pecuniário em perdas e danos; a exigibilidade passava a
recair sobre o patrimônio do devedor por meio de medidas expropriatórias e não mais
sobre a sua pessoa.272
Conforme pontua Eduardo Talamini, justamente por isso é que, naquele sistema,
“não se concebiam condenação e execução específicas. Obrigações de entrega de coisa, de
fazer e de não fazer convertiam-se em pecúnia, através de procedimento intitulado
arbitrium litis aestimandi”273, ou seja, estimando-se o valor da condenação em dinheiro.
Essa forma de encarar a resolução das inadimplências no direito das obrigações
revela, na visão de Luiz Guilherme Marinoni, que o Estado neutraliza o valor dos bens,
incutindo a ideia de que o processo civil se mostra indiferente à vida, às pessoas e aos seus
direitos.274
A complexidade das relações sociais foi gradualmente demonstrando que nem
sempre o direito objeto da obrigação poderia ser recomposto de forma satisfatória com o
seu equivalente em pecúnia. Além disso, chegou-se à conclusão de que a execução forçada
da obrigação anteriormente assumida e inadimplida não representaria ofensa ao direito de
liberdade, mas a certeza de que as declarações de vontade seriam garantidas pelo
Estado.275

271
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 72.
272
CANTOARIO, Diego Martines Fervenza. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer no novo
CPC: primeiras observações. In: JUNIOR DIDIER, Fredie (coord.). Execução. Salvador: JusPodivm, 2016.
p. 210.
273
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 44.
274
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 264.
275
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 12.
96

Somam-se a esses argumentos, a conclusão de que na sociedade contemporânea,


além de se garantir a liberdade do indivíduo em face da opressão estatal, deve-se
“viabilizar a tutela efetiva dos direitos, muitos deles essenciais para a sobrevivência digna
do homem”276.
Nesse contexto social e político é que sobrevém a necessidade de conceber
instrumentos jurídicos capazes de garantir a execução específica das obrigações, mediante
a entrega da própria coisa ou da exata prestação de fazer ou de não fazer, e não o seu
equivalente em pecúnia.277
Pensamento semelhante foi responsável por propulsar o instituto das astreintes
em sua origem francesa, em que, “no campo específico do enforcement das obrigações
contratuais, a França optou por sacrificar a pureza e a consistência teóricas em nome da
efetividade prática”278.
O direito obrigacional brasileiro, inspirado nas ideias oriundas do direito francês
de cunho notadamente liberal, após a Constituição de 1988 passou pelo processo chamado
de constitucionalização do direito privado, que culminou com o Código Civil de 2002,
legislação que reformou o regramento do direito material privado que se mantinha perene,
com poucas modificações, desde 1916.
Das inúmeras modificações pontuais que representaram essa mudança de
paradigma, pode-se citar a adoção do princípio do aliud pro allio, positivado nos artigos
313 e 314 do Código Civil. De acordo com esse princípio, ninguém será obrigado a
receber objeto diferente daquele que convencionou, ainda que mais valioso, nem a receber
em partes se assim não convencionou. 279 Reforçando essa ideia, o artigo 475 do mesmo
diploma legal preconiza que “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução
do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos,
indenização por perdas e danos”.
O próprio Código de Processo Civil, em seu artigo 499, confere ao credor, como
regra geral, o direito de exigir o cumprimento da obrigação inadimplida mediante tutela

276
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 264.
277
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 568.
278
MICHELL, M. P. Imperium by the back door: the streinte and the enforcement of contractual obligations
in France. U. Toronto Fac. L. Rev., Toronto, v. 51, p. 250, 1993. p. 250.
279
Essa regra viria a ser relativizada por expressas previsões legais, como nas legislações que concedem
parcelamento de débito tributário e, no âmbito do direito privado, com o parcelamento legal inserido no art.
745-A do CPC/73 pela Lei 11.382/2006, mantido no CPC/15, que permitia ao devedor, ainda que sem aceite
do credor, o pagamento de título executivo extrajudicial mediante o depósito de 30% da quantia, seguida
pelo pagamento do saldo em seis parcelas mensais.
97

específica. A tutela somente se converterá no equivalente econômico a pedido do credor


quando o direito material lhe permitir tal faculdade, ou ainda quando a execução
específica, por sua natureza e pelas circunstâncias, mostrar-se impossível. 280
Assim, a conversão em perdas e danos da obrigação original fica limitada a duas
hipóteses: aceite do credor ou impossibilidade de cumprimento da obrigação original.281
Nos demais casos, ou seja, quando a obrigação apesar de inadimplida ainda puder ser
cumprida pelo devedor, desde que haja a concordância do credor, é cabível a tutela
jurisdicional na forma específica da obrigação contratual, que consiste em “dar ao credor o
bem que ele contratou, e não o seu equivalente em pecúnia”282. Significa dizer que “a
lógica que toma em consideração o valor, isto é, o dinheiro, não serve para desconstituir o
direito do credor à realização do seu direito na forma específica” 283.
Portanto, impor o cumprimento da obrigação pela tutela genérica seria negar
vigência ao direito material, e agora também ao próprio direito processual, que confere ao
credor o direito potestativo de insistir no cumprimento da exata prestação que lhe fora
prometida pelo devedor.
No cenário atual, no qual a obrigação não pode ser simplesmente transformada
em pecúnia, levando aos meios expropriatórios típicos, eis que ao credor é garantido o
direito de exigir a obrigação in natura, surge a necessidade de aperfeiçoamento de técnicas
processuais aptas a garantir o cumprimento das prestações obrigacionais, especialmente
quando se referirem a natureza outra que não a de pagar quantia certa. Isso porque,
somada a essa visão liberal do direito material, a legislação processual, “ao olhar para o
ressarcimento na forma específica estabeleceu uma forma executiva completamente
inidônea à sua prestação”284, estimulando a transformação do crédito pecuniário em
indenização por perdas e danos, impondo ao credor que aceitasse prestação diversa
daquela que lhe havia sido prometida. Essa realidade apresentava uma neutralidade do
processo em relação ao direito material e ao contexto social não mais aceitáveis.
O cenário assim desenhado faz florescer a preocupação pelo desenvolvimento de
técnicas processuais capazes de propiciar ao credor a satisfação da obrigação da forma
mais próxima possível daquela esperada.

280
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2020. v. III. p. 169.
281
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações, p. 173.
282
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 263.
283
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 357.
284
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 286.
98

Eduardo Talamini divide os meios jurisdicionais voltados a compelir o devedor


ao adimplemento da obrigação em dois gêneros: da tutela específica, quando se visa
compelir o devedor ao cumprimento da exata prestação a que se obrigara; e do resultado
prático equivalente (tutela genérica), quando se busca determinada quantia (numerário)
suficientemente capaz de satisfazer a obrigação.285 Para o autor, entre esses meios
jurisdicionais de garantir o adimplemento da obrigação, “não há dúvida de que a tutela
específica é superior e deve ser preferida, sempre que possível, de qualquer forma. O que
o ordenamento quer é que os deveres e obrigações se cumpram tais quais são”286.
Assim, apenas de forma subsidiária e condicionada ao desejo do credor, depois
de permitido ao devedor o cumprimento pela forma original, ou ainda em caso de
impossibilidade de cumprimento in natura, é que a tutela específica cede lugar à tutela
genérica, quando se buscará “o atingimento do resultado prático que lhe seja equivalente e,
em sendo este também impossível de se alcançar, a obrigação imposta necessariamente
será convertida em perdas e danos”287.
As técnicas diretas se operam por meio de mecanismos processuais sub-
rogatórios, entendidos com mecanismos executivos que dispensam a colaboração do
obrigado, ou seja, aqueles realizados pelo juiz, por seus auxiliares ou por terceiros, e que
visam à efetividade da tutela necessária para obter resultado idêntico àquele que seria
operado pelo devedor.288 É o que ocorre nas seguintes situações: na busca e apreensão,
quando o auxiliar da justiça apreende o bem para proceder à entrega ao credor da
obrigação; na imissão de posse, quando se opera a desocupação do imóvel injustamente
possuído, de acordo com a ordem expedida pelo juiz; e na alienação judicial do bem
penhorado, com a posterior entrega do dinheiro ao credor, vez que o juiz se sub-roga no
direito de alienar e de efetuar o pagamento em nome do obrigado.289

285
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 230.
286
CANTOARIO, Diego Martines Fervenza. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer no novo
CPC: primeiras observações. In: JUNIOR DIDIER, Fredie (coord.). Execução, p. 211.
287
ZACARELLA, Peterson; COUTO, Mônica Bonetti. Horizontes da prisão civil nas tutelas das obrigações
de fazer, não fazer e entregar coisa certa no direito processual civil brasileiro: esvaziamento ante a súmula
vinculante 25/STF? In: IOCAHAMA, Celso Hiroshi; SALDANHA, Jânia Maria Lopes (coord.). Processo e
jurisdição. Curitiba: Clássica, 2014. v. 31. p. 272.
288
ARENHART, Sérgio Cruz. A intervenção judicial e o cumprimento da tutela específica. Revista
Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco, Recife, p. 261-276, 2013. Disponível em:
https://revista.jfpe.jus.br/index.php/RJSJPE/article/view/30. Acesso em: 2 jun. 2020. p. 263.
289
MEIRELES, Edilton. Medidas sub-rogatórias, coercitivas, mandamentais e indutivas no Código de
Processo Civil de 2015. In: JUNIOR DIDIER, Fredie (coord.). Execução. Salvador: JusPodivm, 2016. p.
196.
99

A execução indireta, ou por coerção, objetiva “impor o cumprimento da


obrigação na sua forma específica, exercendo sobre o ânimo do obrigado verdadeira e
legítima pressão psicológica”290. Ou seja, consiste no emprego de medidas voltadas a
coagir o próprio obrigado a praticar os atos necessários à satisfação da obrigação na tutela
específica.291
A aplicação das medidas coercitivas ocorre, por exemplo, na prisão civil do
devedor de alimentos, ou ainda na fixação de multa diária pelo atraso no cumprimento da
obrigação.
A tutela específica, portanto, pode operar-se tanto por meio de técnicas
executivas diretas quanto por técnicas executivas indiretas e a escolha deve recair sobre
aquela que se mostrar mais efetiva para o caso concreto, o que nem sempre se viabilizará
por meio de medida direta.
Luiz Guilherme Marinoni explica que o sistema jurídico atual não aceita a
premissa de que a tutela direta sempre preferirá à tutela indireta:

Entendia-se, simplesmente, não ter fundamento constranger alguém a fazer algo


que pode ser feito por terceiro, uma vez que tal maneira de proceder, por não se
apresentar como necessária, atenta contra a liberdade do réu. Acontece que essa
conclusão é própria de uma época em que se frisava o valor da não interferência
do Estado na esfera jurídica do particular.292

O autor lembra que a multa (espécie de tutela indireta) pode preferir a busca e
apreensão (espécie de tutela direta), quando, por exemplo, aquela for mais econômica.293
Humberto Theodoro Junior complementa a ideia afirmando que é possível a
cumulação de medidas diretas e indiretas desde que ocorra de forma sucessiva e não
simultânea, pois “não terá sentido persistir a cominação de multa diária depois que a obra
for efetivamente confiada à realização do credor ou de alguém por ele contratado, pela via
da execução específica das obrigações fungíveis” 294.
Cabe frisar que o relativo sucesso das técnicas indiretas quanto à efetividade dos
títulos judiciais motivou a sua ampliação no Código de Processo Civil de 2015. O

290
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Coisa julgada, efeitos da sentença, “coisa julgada inconstitucional”
e embargos à execução do art. 741, par. ún. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa
julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008.
291
CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da patrimonialidade da execução e os meios executivos
atípicos: lendo o art. 139, IV, do CPC. Revista Diálogos, Ceará, v. 2, n. 1, p. 84-94, 2016. Disponível em:
http://ojs.fapce.com.br/index.php/dialjurifap/article/view/36. Acesso em: 2 jun. 2020. p. 87.
292
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 305.
293
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 305.
294
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 30. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2020. p. 827.
100

legislador, além de aperfeiçoar as técnicas já existentes, conferiu ao juiz cláusula geral de


ampliação de seus poderes para aplicação dessas medidas executivas, estendendo-as
inclusive para as obrigações pecuniárias295, nos termos do artigo 139, inciso IV, do Código
de Processo Civil.
Apesar de a redação do citado dispositivo sugerir a subdivisão em quatro
categorias de medidas executivas, a divisão tradicional concebe apenas duas, a saber:
medidas de execução indireta, chamadas de medidas coercitivas; e medidas de execução
direta, nominadas de medidas sub-rogatórias.296 Essa classificação revela que “o texto
legal sofre de um atecnia: medidas mandamentais, indutivas e coercitivas são,
rigorosamente, a mesma coisa. Trata-se de meios de execução indireta do comando
judicial. Sem distinções”297.
No âmbito das técnicas de execução indireta, o instituto das astreintes é um
importante elemento para auxiliar na consecução das obrigações, especialmente na sua
forma in natura; não importando se as prestações foram assumidas voluntariamente pelas
partes e, portanto, passíveis de imposição pelo Estado em face do pacta sunt servanda, ou
se decorrentes de determinação judicial.
As astreintes, essenciais no enforcement das obrigações e consideradas uma das
técnicas processuais mais utilizadas como medidas de execução indireta, são capazes de
atuar sobre a vontade do obrigado e de garantir proteção à sua liberdade na medida em que
a coerção se dá por meio de pressão financeira298.
Luiz Guilherme Marinoni corrobora, apontando que, “além de altamente efetiva,
tratando-se de devedor com patrimônio, [a multa astreinte] é o meio executivo menos
gravoso ao executado”299.
Não à toa, juristas de países que não preveem astreintes em seu ordenamento
lamentam a sua falta, reputando também a tal fato a dificuldade de efetivação das decisões
judiciais, como se observa na doutrina das juristas peruanas Janet Ingrid Panebra Alvarez
e Yovana Fernandez Bonifacio:

295
BORGES, Marcus Vinicius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV do CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
296
CARVALHO, Luiz Camargo Pinto de. Saisine e astreinte. Revista da EMERJ. Disponível em:
http://www.emerj.rj.gov.br/estpublic/revista/revista27/rev27.htm. Acesso em: 14 mar. 2007. p. 331.
297
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 101.
298
CANTOARIO, Diego Martines Fervenza. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer no novo
CPC: primeiras observações. In: JUNIOR DIDIER, Fredie (coord.). Execução, p. 232.
299
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 425.
101

Frente a esta situación de inseguridad jurídica, es necesario implementar en el


Código Procesal Civil la figura jurídica denominada astreinte, que es una
medida conminatoria de carácter pecuniario que, de oficio, el juez impone a
razón de tanto por día o cualquier otro periodo y cuya finalidad es vencer la
resistencia del deudor en el cumplimiento de lo obligado.
Su incorporación de las astreintes al Código Procesal Civil y posterior
aplicación, es necesaria y de suma importancia, debido a que pueden ser un
medio eficiente en el cumplimiento de las sentencias, garantizando el derecho
del acreedor y la Tutela Jurisdiccional Efectiva, en la ejecución de las
obligaciones, puesto que de esta forma el acreedor lograra la satisfacción de su
sentencia.300

A mera fixação de astreinte no ordenamento não será, porém, capaz de gerar o


efeito que se espera da medida caso o devedor não a enxergue como ameaça real e
iminente, o que só ocorrerá na hipótese de sua exequibilidade ser garantida pelo sistema
jurídico vigente. Caso contrário, a multa não passará de mera promessa vã de ameaça de
um mal que o destinatário sabe que nunca chegará a atormentá-lo.
Não obstante, autores como Luiz Guilherme Marinoni sustentam que não seria
exatamente a possibilidade de execução imediata o fator de coerção das astreintes. 301 Na
visão de outros doutrinadores, como Eduardo Talamini e Paulo Henrique Lucon, a
impossibilidade de exigibilidade imediata do instituto retiraria o poder coercitivo da
medida.302
Por essa perspectiva, estabelece-se uma ligação de prejudicialidade entre a
possibilidade de execução imediata e o escopo e a natureza do próprio instituto das
astreintes, estreitamente ligado à ideia de coercibilidade, que será tão eficaz quanto a sua
capacidade de gerar um temor real no devedor. Daí que, “a possibilidade de intimidar a
parte destinatária da ordem judicial é um valor que deve ser preservado, sob pena de a
medida em estudo se tornar inofensiva”303. Ademais, “se a parte sabe, ou melhor, se todos
sabem, previamente, que o descumprimento de uma determinação judicial pode acarretar
consequências indesejadas (sendo preferível o cumprimento da obrigação a ter de se
sujeitar a elas), é difícil imaginar que se ouse desafiar o comando judicial”304.

300
PANEBRA ALVAREZ, Janet Ingrid; FERNANDEZ BONIFACIO, Yovana. La ausencia del apremio
civil en la ejecución de las obligaciones dinerarias afecta el derecho a la tutela jurisdiccional efectiva y el
derecho del acreedor reconocidos en el código civil peruano. Repositório Institucional da Universidad
Nacional San Antonio Abad del Cusco, Cusco, 2020. p. 105-106.
301
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC, p. 110.
302
Apud MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o
novo CPC 2015, p. 228.
303
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
141.
304
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
73.
102

Nesse sentido é o pensamento de Olavo de Oliveira Neto, para quem “a exigência


da multa não se identifica com uma penalidade, sendo apenas uma exigência lógica e
natural para que a coerção tenha eficácia”305.
Quando analisado o instituto das astreintes em terras estrangeiras, encontra-se
semelhante percepção acerca da relação direta entre a exequibilidade da multa e a sua
efetividade, como se extrai da reflexão de Julio Lora, a partir das lições dos irmãos
Mazeaud:

A juicio de los hermanos Mazeaud (1969), son las Astreintes de menor eficacia,
porque: El deudor sabe que el día en que se decida a cumplir no será condenado
a otra cosa que reparar el daño causado. ¿Por qué se apresurará a cumplir el
deudor? […] Sabe que la conminación es una simple amenaza que no irá
seguida de ejecución (p. 222-223). Para los hermanos Mazeaud (1969), de esta
forma ‘el deudor conoce así el precio de su desobediencia’.306

Com bases nesses argumentos, é natural que a ameaça causada pela imposição
das astreintes, além de real, deva ser iminente para que possa alcançar os fins esperados
com a aplicação da medida. Nesse sentido, a exequibilidade das astreintes encontra estreita
ligação não só com o seu escopo, mas também com o próprio dever de eficiência dos
provimentos jurisdicionais e a ideia de tutela jurisdicional efetiva.

3.3 CRITÉRIOS TEMPORAIS DE EXIGIBILIDADE E INCIDÊNCIAS DAS


ASTREINTES

Partindo-se da premissa de que as astreintes têm um papel importante na garantia


da efetividade do cumprimento das obrigações e que a possibilidade de sua execução é
fundamental para que se atinjam os fins esperados, passa-se, neste ponto, a analisar as
questões mais relevantes acerca da exequibilidade do instituto
De início, tratar-se-á de regras de incidência das astreintes, especialmente quanto
aos elementos necessários para que a multa passe a ser exigida bem como a definição
adequada dos termos inicial e final de sua incidência. Esses assuntos são essenciais para a
definição tanto da exequibilidade da multa quanto da sua quantificação, conferindo-lhe,
assim, a liquidez necessária para que possa servir de título executivo judicial.

305
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 239.
306
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa, p. 222.
103

3.3.1 Termo inicial

Em suma, sobre a incidência inicial da multa cominatória decorrente do não


adimplemento da obrigação, parte relevante da doutrina defende que terá vencimento
assim que se verificar o não cumprimento no prazo fixado pelo magistrado.307-308-309
Araken de Assis diverge dessa corrente quando assevera que “o die a quo da pena
é aquele dia imediatamente posterior ao vencimento do prazo de cumprimento”310.
A exigibilidade imediata da multa decorreria do fato de que “muitas vezes a
prestação jurisdicional só é eficaz se imediatamente atuada, revelando a experiência
forense que algumas horas são suficientes parta torná-la desprovida de qualquer utilidade
prática”311.
Na linha de pensamento adotada pela primeira corrente doutrinária, no caso de o
juízo fixar o prazo para cumprimento em menos de um dia, ou seja, em horas ou minutos,
ou até imediatamente, não teria sentido a multa incidir apenas no dia seguinte, sob pena de
ausência de resultado prático da tutela. Se assim não fosse, “o termo ad quem da multa
viria antes do seu termo a quo, o que implicaria dizer que a multa não incidiu ou, mais
precisamente, que teve incidência negativa”312.
Filiado a esse entendimento, pode-se encontrar precedente do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul, quando assim se manifestou sobre o tema:

[...] Multa cominatória. Incide a partir do descumprimento da decisão, modo


imediato. O prazo do art-738, CPC (correspondente ao artigo 915 do CPC/15),
refere-se única e exclusivamente ao prazo para embargar, não se inserindo a
penalidade em tal previsão, uma vez que se liga apenas ao descumprimento, à
resistência ao determinado pela decisão. Verba honorária. São devidos
honorários advocatícios na execução de sentença. Agravo provido.313

Por outro lado, defender a incidência da multa no próprio dia de seu vencimento
contraria, de certo modo, a regra geral de contagem de prazos do direito civil brasileiro, de

307
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 248.
308
WAMBIER, Luis Rodrigues e outros. Curso avançado de processo civil. 13. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. v. 1. p. 280.
309
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 499.
310
ASSIS, Araken de. Reforma do processo executivo, p. 498.
311
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 493.
312
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 112.
313
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do. Agravo de Instrumento nº 598172435.
Relator: Des. Francisco José Moesch, Vigésima Primeira Câmara Civel. Porto Alegre, RS, 28 dezembro
1998. Publicação DJ 10/11/1998.
104

modo a permitir a exigibilidade de uma sanção mesmo antes do prazo final para o
cumprimento da obrigação principal.314
A questão acerca da incidência das astreintes foi prevista expressamente pelo
CPC/15, no parágrafo 4º, do art. 537, nos seguintes termos: “§ 4o A multa será devida
desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for
cumprida a decisão que a tiver cominado”.
A disposição legal mencionada, de certo modo, não serviu para fulminar antigas
celeumas acerca do tema. Isso porque, continua a polêmica acerca da expressão “desde o
dia em que se configurar o descumprimento da decisão”, admitindo-se duas interpretações:
uma, que a configuração do descumprimento se dá no próprio dia em que a obrigação não
restou cumprida; outra que só se poderá configurar descumprida a obrigação no dia
seguinte ao prazo final para o seu cumprimento.
Outro tema que desperta alguma divergência diz respeito ao início da contagem
do prazo para o cumprimento da obrigação principal; se a partir da intimação pessoal do
devedor, ou se a partir da juntada do referido mandado aos autos.
Guilherme Rizzo Amaral315 e Rafael Caselli Pereira316, quanto ao prazo para
cumprimento da obrigação, são favoráveis à aplicação da regra de contagem de prazo
material, que passa a incidir no dia posterior ao recebimento do mandado,
independentemente de ser dia útil. Por outro caminho, segundo André Bragança Brant
Vilanova, o prazo só fluiria no dia útil subsequente à juntada do mandado aos autos.317
O entendimento sustentado pela primeira corrente parece ser o mais adequado,
pois enquanto ordem de natureza material (obrigação de fazer, de não fazer, de entregar
coisa ou pagar), o prazo para o seu cumprimento deve contar a partir do momento em que
o devedor é cientificado, independentemente da juntada do respectivo mandado aos autos.
A data do aporte do mandado aos autos terá efeitos meramente processuais, como no caso
da contagem de prazo recursal, por exemplo, o qual, por ostentar natureza processual, só
teria seu início a partir do dia útil após a juntada do expediente aos autos.

314
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer, p. 91.
315
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 145.
316
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 162.
317
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 120.
105

Ainda, quanto à incidência da multa, não se pode falar em vencimento da


obrigação sem que antes o devedor seja intimado a cumprir a obrigação principal, de modo
que sem a intimação pessoal do devedor não há que falar em vencimento da prestação
principal, tampouco em multa astreinte. Nesse sentido, inclusive, segue o Enunciado 401
da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 318
Rafael Caselli Pereira, sobre o assunto, faz uma interessante reflexão, defendendo
sua superação pela Lei 11.232/2005. O autor explica que o Enunciado 401 foi firmado em
uma época em processos de conhecimento e de execução da sentença formavam dois
processos apartados e ambos requeriam citações distintas.319
Com o advento da Lei 11.232/2005, instalou-se o procedimento sincrético por
meio do qual a execução do julgado passou a se caracterizar como nova fase de um
mesmo processo, motivo pelo qual a interpelação para cumprimento não mais seria pela
via da citação pessoal, mas pela intimação do advogado do obrigado, no diário oficial.
Desde então, nas obrigações de pagar quantia certa, a exigibilidade do pagamento
dispensa a intimação pessoal do devedor – exceção feita à hipótese de não haver advogado
cadastrado nos autos ou na hipótese de já ter transcorrido o prazo de um (1) ano do trânsito
em julgado320 –, o que tornaria sem sentido a obrigação de intimação pessoal do devedor
para o cumprimento da obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa para a qual se
tenha cominado multa astreinte.
Essa interpretação inclusive emergiu do julgamento do EAg 857.758/RS, quando
a Segunda Seção do STJ decidiu que para as ações propostas após a vigência da Lei
11.232/2005 não se aplicaria a necessidade de intimação pessoal do devedor, bastando a
intimação de seu advogado, para que tivesse incidência a necessidade de cumprimento da
obrigação e, consequentemente, incidisse a multa astreinte eventualmente cominada.
Atento ao assunto, Rafael Caselli Pereira321 informa a existência de julgados
conflitantes no STJ: enquanto a Primeira e a Segunda Turmas entendem desnecessária a

318
Enunciado de Súmula 401 do STJ: “a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária
para a cobrança da multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.” Rel. Ministro Aldir
Passarinho, em 25/11/2009.
319
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 173.
320
“§ 4º Se o requerimento a que alude o § 1º for formulado após 1 (um) ano do trânsito em julgado da
sentença, a intimação será feita na pessoa do devedor, por meio de carta com aviso de recebimento
encaminhada ao endereço constante dos autos, observado o disposto no parágrafo único do art. 274 e no § 3º
deste artigo.”
321
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 181.
106

intimação pessoal do devedor para incidência das astreintes, na Terceira e na Quarta


Turmas há julgados reforçando a vigência do Enunciado 401 da Súmula do STJ, mesmo
nos casos propostos após o advento da Lei 11.232/2005.322
Nesse ponto, concorda-se integralmente com os argumentos sustentados pelo
autor. A manutenção do Enunciado 401 da Súmula do STJ, tal como ocorre atualmente,
não mais se coaduna com o sistema processual vigente, causando uma inexplicável
assimetria entre os credores de obrigação de pagar quantia certa e aqueles a quem cabe um
crédito para a qual se cominou astreintes, o que, por fim, acaba por prejudicar o grande
propulsor da mudança legislativa que busca a eficiência processual por meio da satisfação
dos direitos em tempo razoável.
Ademais, a extirpação do ordenamento jurídico nacional da ratio decidendi sobre
a qual se fundou o entendimento sumulado, qual seja, a necessidade de intimação/citação
pessoal do devedor para cumprimento de decisão judicial oriunda de processo de
conhecimento deve levar à superação do precedente, adequando-o a normas jurídicas hoje
em vigor.
Outra nuance quanto à definição do dia inicial de incidência da multa alude à
possibilidade de sua não incidência. Isso porque, em face da característica acessória da
multa astreinte, há circunstâncias capazes de impedir a sua incidência, ainda que de forma
retrospectiva. Tal situação ocorrerá sempre que sobrevier declaração judicial de que não
era devida a obrigação principal cominada. Ou seja, não sendo o devedor obrigado ao
cumprimento da obrigação principal, não poderá haver incidência de astreinte, como
medida acessória que é. A multa astreinte deve seguir o principal, por uma questão lógica
e principalmente em respeito ao disposto no artigo 92 do Código Civil323.
Esse tema pode envolver a compreensão do efeito translativo dos recursos.
Quando se imagina uma situação em que a parte interpõe recurso delimitando a extensão
de seu efeito devolutivo à obrigação principal, deixando de impugnar a multa acessória em
razão da prejudicialidade desta em relação àquela, seria obstada a coisa julgada com
relação à multa. Desse modo, uma vez reformada a decisão com relação ao principal,
obrigatoriamente, ter-se-ia revogada a multa diária e obstado o início de sua fluência.

322
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 181.
323
“Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja
existência supõe a do principal.”
107

Outro tema polêmico no tocante ao início da incidência das astreintes alude à


multa aplicada em sentença. Como a decisão é passível de recurso de apelação com efeito
suspensivo, logo, a multa ainda não seria exigível, o que acabaria por impedir a sua
incidência, que passará a contar após o prazo para interposição de referido recurso.324
Segundo José Carlos Barbosa Moreira, o impedimento à eficácia da decisão que
determina astreinte existe desde o momento em que há a intimação da sentença até o fim
do período para a propositura do recurso de apelação com efeito suspensivo ou, caso
interposto, o seu julgamento, o que seria aplicável a todos os capítulos da sentença, não
havendo motivos que justificassem a exclusão da referida multa dessa regra geral.325
Partilham da mesma posição autores como Nelson Nery Junior.326
A sentença, em regra, possui eficácia contida até que transite em julgado sem
interposição de recurso; ou caso interposto, segue pendente de julgamento – eis que o
acordão ou decisão monocrática, ao revés, não tem sua eficácia contida – não se poderia
falar em exigibilidade da multa astreinte durante este ínterim.
Não obstante, uma vez exigível a obrigação, seja pelo trânsito em julgado ou pela
prolação de decisão, que, por sua natureza permita o cumprimento provisório, a multa será
contada desde a data da publicação da sentença, incidindo, portanto, de forma retroativa.

3.3.2 Termo final

A preocupação quanto à definição do termo final da multa astreinte é bem


relevante porque determina até quando poderá ser exigida do devedor, limitando assim a
quantidade de dias que poderão ser multiplicados pela multa estipulada. Para além do
óbvio encerramento da incidência com o cumprimento da obrigação, existem outras
nuances que interferem nesta questão.

324
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 114.
325
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento, p. 223.
326
Assim, durante o prazo para interposição do recurso, já existe, em certa medida, o efeito suspensivo, que
se prolongará até o julgamento do recurso efetivamente interposto, ao qual, a lei confirma efeito suspensivo.
Olhando o fenômeno por outro ângulo, poder-se-ia dizer que o que ocorre durante o prazo que vai da
publicação da decisão até o escoamento do termo para a interposição do recurso é a suspensão dos efeitos da
sentença, não por incidência do efeito suspensivo do recurso, mas porque a eficácia imediata da decisão fica
sob a condição suspensiva de não haver interposição de recurso que deva ser recebido no efeito suspensivo.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 383-384.
108

Quando analisadas as astreintes pelo prisma de duas características das astreintes,


já abordadas nesta pesquisa – o seu caráter coercitivo e o seu caráter acessório –, conclui-
se que “só há sentido em se permitir a incidência da multa enquanto houver obrigação a
ser cumprida pelo réu” e evidentemente enquanto a medida puder ser cumprida por ele.327
Pode-se traduzir o duplo binômio das astreintes – caráter coercitivo e caráter
acessório –, por existência de obrigação principal a ser adimplida e possibilidade real de
seu cumprimento. O primeiro vértice do binômio do término de incidência da multa
astreinte pode ser exemplificado a partir do adimplemento da obrigação no prazo e modo
determinados pelo juízo. Verifica-se, portanto, que, por óbvio, quando a multa cominatória
atingir o seu fim, que é de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação no prazo
legal, esta não terá mais incidência, ficando o devedor desobrigado de seu pagamento em
razão da inexistência de obrigação principal a ser cumprida. Quanto ao segundo vértice,
capaz de pôr termo final na incidência da astreinte, tem-se que a impossibilidade de
cumprimento da obrigação principal cominada deve levar à paralisação da incidência da
multa acessória, eis que a astreinte, pelo seu caráter e natureza de pressionar o
cumprimento de uma prestação, não pode subsistir se não houver a possibilidade de a
prestação principal ser cumprida.
Teori Albino Zavascki, sobre o tema, esclareceu que pouco importa a aferição de
responsabilidade pela impossibilidade de cumprimento da obrigação, pois ainda que o
impedimento/dificuldade seja do próprio devedor da obrigação principal cominada, não
subsistirá a multa astreinte. Afinal, como aduzido anteriormente nesta pesquisa, com a
multa astreinte não se busca punir o devedor, mas compeli-lo ao adimplemento de uma
obrigação.

A multa deixará de incidir mesmo quando a impossibilidade da execução se der


por culpa do devedor. É que, impossibilitada, material ou juridicamente, a
entrega da prestação in natura, o meio coativo das astreintes que atua sobre a
vontade do obrigado, perderá toda a sua eficácia, tornando-se inútil e por isso
mesmo inaplicável, pouco importando que o agente causador do empecilho
tenha sido o próprio executado. Seu ato ilícito há de ser punido, se for o caso,
mas pelos meios sancionários próprios, não com astreintes, que, insista-se, não
t\~em natureza punitiva nem reparatória.328

Outro aspecto a destacar alude à hipótese em que a impossibilidade de


cumprimento da prestação principal é preexistente ao termo a quo da astreinte, situação

327
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 112.
328
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 506.
109

em que não chegará sequer a incidir, tendo em vista que mesmo antes do início do seu
termo inicial a obrigação cominada já não era possível de ser cumprida pelo devedor.329 É
importante que tal situação seja devidamente arguida pela parte devedora no bojo da ação
judicial em que a multa astreinte foi fixada, sob pena de ser impedida de alegá-la
posteriormente em face da preclusão consumativa e posterior transformação em coisa
julgada. Exceção a essa regra ocorrerá quando a impossibilidade de cumprimento da
obrigação se der por causa superveniente ao trânsito em julgado, quando tal situação
poderá ser alegada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, conforme prevê
o artigo 525, parágrafo 1º, inciso VII, do CPC/15.
Por fim, cabe analisar se a opção do credor pela resolução da obrigação em
perdas e danos é capaz de interromper a incidência das astreintes. Trata-se de tema em que
se verifica certa discrepância de opiniões na doutrina nacional com uma parte dos juristas
defendendo a ideia de que a opção pela conversão da obrigação em perdas e danos por si
só já implicaria o fim da incidência das astreintes, enquanto outra parcela, formada por
corrente minoritária, assevera que a incidência das astreintes só teria fim após o efetivo
cumprimento da resolução da obrigação em perdas e danos.
Entre os autores que defendem o entendimento dominante, pode-se citar
Humberto Theodoro Junior, para quem a insistência na aplicação das astreintes até o
pagamento das perdas e danos não faria sentido.330
Teoria Albino Zavascki, nesse sentido, sustenta que “a desistência da prestação
importará, também, na desistência do seu meio executivo típico”331, deixando assim de
incidir as astreintes na medida em que a perseguição pelo direito do credor se dará pela via
da liquidação – se necessária – e posterior execução de quantia certa. Guilherme Rizzo
Amaral332 corrobora o ensinamento de Zavascki, mas ressalva a possibilidade de se exigir
o pagamento da multa vencida até a data da conversão da obrigação em pecúnia.
Muito embora, como frisado antes, o entendimento exposto acima venha sendo o
mais adotado pela doutrina pátria há de se destacar o pensamento da outra corrente, que
considera a incidência da astreinte até o alcance efetivo do resultado prático decorrente da
conversão da obrigação em perdas e danos, ou seja, o real pagamento de quantia apurada

329
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 120.
330
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 527.
331
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, p. 505.
332
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 118.
110

em juízo.
Na vanguarda dessa corrente doutrinária, encontra-se José Carlos Barbosa
Moreira333, para quem, mesmo se resolvida a obrigação em perdas e danos, a multa
incidirá “até que o credor embolse o respectivo quantum, como equivalente pecuniário da
prestação originariamente devida”334.
Conforme abordado na seção 2.4.4 desta pesquisa, adota-se aqui o entendimento
de que seria possível a cominação de multa astreinte para compelir o devedor ao
cumprimento de obrigação de pagar quantia certa, o que, em tese, permitiria a incidência
da multa até que fosse adimplida a quantia devida a título de perdas e danos. A questão,
entretanto, é um pouco mais complexa.
De início, não se pode olvidar que quando convertida a obrigação original em
perdas e danos, esta terá sua natureza alterada de obrigação de fazer, de não fazer, de dar
ou prestar declaração de vontade para obrigação de pagar quantia certa. Significa dizer que
a multa fixada para o cumprimento da obrigação originária não se mantém vigente de
forma automática, isso em virtude de sua cominação para o caso de descumprimento da
primeira obrigação (originária) e não da segunda (acessória). Assim, para que se possa
admitir a incidência de astreintes até o pagamento das perdas e danos, entende-se
imprescindível que esta possibilidade conste de decisão expressa nesse sentido, sob pena
de ver-se interrompida a incidência da multa no momento em que for convertida a
obrigação em perdas e danos.
Outra nuance importante se refere ao motivo pelo qual a obrigação se converteu
em perdas e danos. No direito brasileiro, admite-se a conversão em perdas e danos por
dois motivos: aceite do credor ou impossibilidade de cumprimento da obrigação
original.335 Nos demais casos, ou seja, quando a obrigação apesar de inadimplida ainda
puder ser cumprida pelo devedor, é cabível a tutela jurisdicional na forma específica da
obrigação contratual, o que consiste em “dar ao credor o bem que ele contratou, e não o
seu equivalente em pecúnia”336.
Como apresentado anteriormente, a impossibilidade de cumprimento da
obrigação principal leva à paralisação da incidência da multa astreinte, independentemente

333
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento, p. 220.
334
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento, p. 220.
335
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 173.
336
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 263.
111

da aferição de culpa sobre a origem da alegada impossibilidade. Logo, caso a conversão da


obrigação em perdas e danos tenha esse motivo como causa, não haveria que falar, em
princípio, em aplicação de astreintes.
Esse cenário, contudo, pode alterar-se no decorrer do feito executivo, pois caso se
verifique alguma resistência injustificada do devedor ao pagamento relativo a perdas e
danos poderá o magistrado valer-se da multa diária, não como mera consequência da
multa eventualmente fixada para o cumprimento da obrigação original que se tornara
impossível, mas como forma de pressionar o cumprimento da nova obrigação derivada,
em razão da resistência injustificada ao seu cumprimento e não daquela (obrigação
original).
Nesse processo, o dever de fundamentação assume um papel de suma
importância para que não haja dúvidas acerca dos motivos que levaram à fixação da multa
astreinte em cada uma das situações. De mais a mais, a conversão em perdas e danos
causada pela impossibilidade do cumprimento da obrigação demanda uma avaliação
temporal desta circunstância. Nesse caso, o termo final da incidência da multa não poderá
ser o dia em que a obrigação se converteu em perdas e danos, mas sim o dia em que ela se
tornou impossível, o que invariavelmente ocorrerá anteriormente. Saliente-se, até para que
se evitem delongas desnecessárias na fase de cumprimento de sentença, é recomendável
que referida data seja objeto de declaração judicial pelo magistrado no momento da
decisão que converter a obrigação em perdas e danos, quando então se definirá o termo
final da incidência da multa que um dia poderá ser executada.
Com base nessas considerações, adota-se o entendimento de que a multa astreinte
perde a sua incidência com a conversão da obrigação em perdas e danos no momento em
que tal hipótese ocorrer, ou em caso de conversão da obrigação em razão da
impossibilidade do cumprimento da obrigação principal, no dia em que se constatou o
empecilho. No entanto, quando já convertida a obrigação em pecúnia, caso presentes os
requisitos necessários, a aplicação da astreinte para forçar o cumprimento de obrigação de
pagar quantia certa poderá ser novamente cominada, não como mera continuação da multa
fixada para cominar ao adimplemento da obrigação originária, mas como nova multa,
direcionada ao cumprimento de obrigação de outra natureza e baseada em novas
circunstâncias.
112

3.3.3 Incidência de astreinte durante o período de tempo em que a decisão restou


suspensa por efeito suspensivo concedido a recurso

Outro ponto relevante no tocante ao período de incidência da multa astreinte diz


respeito às consequências posteriores à concessão de efeito suspensivo ao recurso que
restou por fim improvido. É o caso do agravo de instrumento ou do recurso de apelação
em face de decisão que fixou astreintes e que tem o efeito suspensivo concedido pelo
tribunal, que ao final nega provimento ao recurso, mantendo a decisão e a multa cominada.
Diante dessa situação, questiona-se se os dias compreendidos entre a concessão
do efeito suspensivo e a decisão de mérito do recurso, sustando o efeito suspensivo,
poderiam ser exigidos posteriormente pelo credor.
De início, importa destacar que enquanto subsistir o efeito suspensivo dúvida não
haverá acerca da inexigibilidade da multa, não só referente àquela vencida neste ínterim
como também aquelas vencidas anteriormente, eis que ao suspender a decisão o tribunal
está a sustar a possibilidade de execução provisória, ao menos até nova decisão que a
reestabeleça ou que a torne definitiva.
Na avaliação de Guilherme Rizzo Amaral337 e de André Bragança Brant
Vilanova338, os dias compreendidos nesse ínterim devem ser excluídos da execução
porque uma vez suspensa a decisão não haveria que falar em incidência de multa naquele
período.
Posição diferente nesse particular pode ser defendida ante o fato de que o efeito
suspensivo concedido ao recurso ostenta natureza precária, cuja definitibilidade está
sujeita ao seu julgamento final. Significa dizer que, caso seja provido o recurso, o efeito
suspensivo, até então precário, torna-se definitivo, sustando qualquer efeito da decisão
reformada ou anulada, independentemente de o evento ter ocorrido antes ou depois da
interposição do recurso ou da concessão do efeito.
Da mesma forma, caso não seja concedido efeito suspensivo, o provimento do
recurso terá a capacidade de sustar os efeitos que até então estavam sendo produzidos, sem
que se possa alegar prejuízo injusto, tampouco surpresa da parte recorrida que, até então,
valia-se destes efeitos, pois enquanto pendente de julgamento o recurso, a decisão tem

337
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 215.
338
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 110.
113

natureza precária, independentemente da concessão ou não do efeito suspensivo.


Por outro lado, no caso de ser negado provimento ao recurso, o acórdão terá
efeito retroativo, alcançando o período de tempo em que a decisão estava suspeita, de
forma precária, em razão da decisão que concedera o efeito suspensivo.
Na prática, observa-se que o escopo da concessão do efeito suspensivo ao recurso
não é impedir a incidência da decisão judicial até que o recurso seja por fim julgado, mas
apenas obstar a possibilidade de execução provisória da decisão e, com isso, sustar de
forma temporária e precária os seus efeitos até que se chegue à definição final do recurso.
Assim é a definição sobre o provimento ou não do recurso que terá capacidade de
interferir na incidência da decisão no período de tempo entre a interposição do recurso e o
seu julgamento: com o provimento do recurso não haverá incidido nenhum dia e caso
algum valor tenha sido adimplido, deverá ser ressarcido; por outro lado, com o não
provimento do recurso, todo o valor será devido ao credor, incluindo aquele referente aos
dias em que se aguardava o julgamento, independentemente de haver sido concedido
efeito suspensivo ou não.
Da mesma forma, não se pode falar em prejuízo injusto ao devedor e recorrente,
que ao optar por recorrer da decisão e não cumpri-la estará assumindo o risco de, uma vez
vencido em sua pretensão recursal, ter de fazê-lo de forma retroativa. Pela ótica da análise
econômica do direito, esse risco deve ser levado em conta pelo litigante diante de
situações desta natureza.
Por fim, também pela ótica da análise econômica do direito, a interpretação
oposta atrairia os devedores a se valerem da via recursal mesmo quando soubessem que
suas chances fossem mínimas ou nulas, pois assim agindo, e desde que obtivessem a
concessão do efeito suspensivo – que é regra no caso do recurso de apelação, por exemplo
–, ficariam livres da incidência da multa enquanto o recurso não fosse julgado, o que ainda
os levaria a retardar tanto quanto possível a definição final do recurso.

3.4 A EXEQUIBILIDADE DA MULTA ASTREINTE DE ACORDO COM A


NATUREZA DA DECISÃO QUE A TENHA FIXADO

Antes de encerrar este segundo capítulo, é necessário apresentar as noções gerais


acerca da exequibilidade da multa astreinte. Para tanto, procura-se estabelecer quais são os
momentos processuais em que poderão ser fixadas, sabendo que, a depender da natureza
114

da decisão que as tenha fixado, as características da execução da respectiva quantia serão


diversas.
A legislação processual civil brasileira, no artigo 537 do Código de Processo
Civil, deixa claro que as astreintes podem ser fixadas basicamente em três momentos: dois
na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, e um na fase de execução,
por meio de decisão interlocutória.
Entretanto, por meio de construção doutrinária, estabeleceu-se que as astreintes
podem ser fixadas pelo magistrado a qualquer tempo, desde que presentes os requisitos
necessários.339 É o que ocorre, por exemplo, no acordão, pois não constando essa previsão
expressamente no caput do artigo 537 não resta dúvida sobre a possibilidade de sua
fixação pelo tribunal por ocasião do julgamento de algum recurso, ou ainda em decisão
monocrática proferida no âmbito de qualquer tribunal. Considerando essas possibilidades
jurídicas, cada uma delas terá suas nuances, que serão apresentadas nas seções
subsequentes.

3.4.1 Tutela provisória

O regramento das tutelas provisórias no CPC/15 tem o mérito de organizar a


matéria didaticamente dentro do Livro V, que ao tratar da tutela provisória, dividindo-a em
duas espécies, urgência e evidência, acabou por resolver muitas das polêmicas até então
existentes.
No que tange às astreintes, concebe-se a possibilidade de fixá-las – de forma
acessória – tanto para a garantia de cumprimento de tutelas de urgência quanto de tutelas
de evidência, a depender, naturalmente, do caso concreto.
Primeiramente, é importante frisar que a tutela provisória, por sua natureza,
baseia-se em cognição sumária, o que a sujeita às consequências da revogabilidade e da
provisoriedade das medidas por ela impostas.340 Esse é um conceito essencial não apenas
para a compreensão das características da tutela provisória, mas especialmente para que se
entendam as suas consequências em relação ao tempo.
O instituto da tutela provisória tem estreita ligação com o instituto da astreinte,
que como medida coercitiva não pode ser relegada apenas ao período de execução de
339
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 106.
340
LAMY, Eduardo de Avelar. Tutela provisória. São Paulo: Atlas, 2018.
115

títulos judiciais transitados em julgado, sob pena de se alijar o jurisdicionado desta


importante técnica processual para a proteção de direitos que estejam sob ameaça
eminente ou imediata. Não à toa, é relativamente comum a concessão de astreintes nessa
fase processual.
Importante destacar também que, embora geralmente útil, não necessariamente a
concessão de tutela provisória importará na concessão de astreintes. Isso porque, para a
concessão da astreinte em sede de tutela provisória, além dos requisitos típicos para
qualquer tutela desta natureza, probabilidade do direito evocado, somado o perigo de dano
ou de risco ao resultado útil do processo, nos termos do art. 300 do CPC, é necessário que
se demonstrem a probabilidade da prática ou a repetição de certo ato indesejado, ainda que
omissivo, a evidência de que a conduta se enquadre como comportamento ilícito – aqui
considerado de maneira ampla –, seja por ilicitude legal ou contratual.
É digno de nota que a nova redação dos artigos 537 e 139, inciso V, do CPC/15
acabou resolvendo antiga celeuma que envolvia a possibilidade de fixação de astreintes
por meio de tutela antecipada sem requerimento expresso da parte.
Acerca do tema, manifestavam-se autores, como Teori Albino Zavascki, que
defendiam que “embora silente a respeito do art. 461 (correspondente ao artigo 537 do
CPC/15), não será cabível a medida sem pedido expresso do autor”341.
De acordo com Guilherme Rizzo Amaral, a vedação se dava em razão da
previsão de responsabilidade civil do autor perante o réu em razão dos danos
eventualmente causados por tutelas provisórias concedidas e posteriormente revogadas.O
autor aduz, em reforço, que “não teria sentido, assim, impor ao demandante o risco de
suportar um encargo decorrente de medida a qual não solicitou”342.
Naquela época, a possibilidade de concessão de astreintes independentemente do
pedido das partes já era admitida por boa parte da doutrina, que baseava seu
posicionamento no poder geral de cautela, utilizado aqui por analogia para as tutelas
antecipadas, que na vigência do CPC/73 não se inseriam no mesmo gênero das tutelas
cautelares, como hoje ocorre com a organização da matéria por meio das tutelas
provisórias previstas nos artigos 294 a 311 do CPC/15.343

341
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, p. 157.
342
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 107.
343
LAMY, Eduardo de Avelar. Tutela provisória.
116

Outros doutrinadores, contudo, optavam pela interpretação literal do dispositivo,


afirmando ser o requerimento da parte condição sine qua non para o deferimento da
medida, sob pena de o magistrado ver-se investido de poder muito elevado, prejudicando
uma visão democrática do processo 344, em prejuízo do princípio dispositivo.
Ademais, havia quem enxergasse na possibilidade de responsabilização civil do
autor/beneficiário da multa, diante de eventual revogação posterior da cominação, um
argumento contra a concessão de tutelas provisórias, independentemente do requerimento
da parte. Somava-se a isso a redação do artigo 273 do CPC/73, que condicionava o
deferimento da então chamada tutela antecipada ao “requerimento da parte interessada”, o
que na visão de alguns autores advogava contra a possibilidade de sua concessão ex
oficio.345
Ao menos com relação às astreintes, é importante salientar o posicionamento do
Superior Tribunal de Justiça, que mesmo sob a égide do CPC/73, já admitia, de forma
pacífica, a possibilidade de sua fixação de ofício, como forma de garantir o cumprimento
de decisão judicial346, posicionamento que se manteve no CPC/15.
Outro ponto relevante quanto à concessão de astreintes em sede de tutela
provisória é que, assim como as demais tutelas provisórias, as astreintes fixadas no curso
do processo dependem de confirmação em sentença para que se tornem definitivas. Trata-
se de importante momento processual, especialmente com relação às astreintes fixadas em
sede de tutela provisória, que costumam ser aquelas aptas a gerar os maiores problemas
práticos no tocante a sua quantificação. Isso porque, ao serem fixadas em um momento
processual inicial, considerando o tempo médio de tramitação de um processo no Brasil,
há a probabilidade de as astreintes, ainda que fixadas em quantias razoáveis, alcançarem
valores exorbitantes no momento da sua execução, especialmente quando o credor
aguardar o trânsito em julgado do título para fazê-lo. Não à toa, há vozes que acusam
muitos credores de assim procederem com o objetivo de aumentar o seu crédito em venire
contra factum proprium.347 É justamente por isso que a confirmação ou adequação das

344
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 91.
345
FURTADO, Karine Torres. A possibilidade de concessão de ofício da tutela antecipada diante da
ausência de previsão expressa no art. 273 do CPC. Revista da ESMESC, Florianópolis, v. 17, n. 23, p. 285-
320, 2010.
346
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial (AgRg no RESP) n.
1099103 RJ 2008/0230060-7. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, T1 – Primeira Turma. Brasília,
DF, 10 de agosto de 2010. Publicação DJe 30/08/2010.
347
SOUZA, Caroline Melchiades Salvadego Guimarães de et al. A possibilidade de redução da multa
117

astreintes fixadas anteriormente na prolação da sentença é uma fase processual de extrema


importância. É na fase da prolação da sentença que o magistrado deverá adequá-la,
levando em conta todas as informações colhidas após a cognição exauriente, própria
daquele momento processual.
A depender da situação de fato e principalmente do comportamento processual
das partes, o magistrado poderá, por meio de uma análise retrospectiva, manter, majorar
ou reduzir o valor, adequar a peridiocidade ou até mesmo revogar a tutela anteriormente
deferida, que, neste momento, transforma-se em tutela definitiva por meio da sentença,
seja porque foi inadequada a sua fixação ou porque o pedido principal restou julgado
improcedente.348
Por meio da aplicação adequada das regras processuais postas, dificilmente
haveria problemas de super ou subavaliação de astreintes, que na maioria das vezes são
fruto da desatenção processual nesta fase, quando se mantém a tutela provisória
anteriormente concedida de maneira mecânica, sem a análise retrospectiva necessária à
espécie.
De par com essas situações, conclui-se que um adequado olhar retrospectivo para
a decisão (sentença) que fixou as astreintes em sede de tutela provisória tornaria
desnecessária a prática ilegal de prefixação de teto para o valor de astreintes, visto que, no
caso concreto, se o valor alcançasse cifra muito elevada, de forma desproporcional,
bastaria ao magistrado, naquele momento e de posse de todas as informações
processualmente possíveis, manifestar-se pela sua adequação ou não, observadas as
peculiaridades do caso examinado.
Na hipótese de a multa ser fixada em sede de tutela provisória, a sua
exequibilidade pode ser abordada por três vertentes: a) possibilidade de execução imediata
da multa coercitiva; b) necessidade de aguardar o trânsito em julgado da decisão que as
fixou; c) necessidade de aguardar somente a confirmação da tutela em sentença, desde que
eventual recurso interposto desta decisão não tenha sido recebido em seu efeito
suspensivo.349

coercitiva com fundamento no duty to mitigate the loss. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de
Janeiro, v. 19, n. 2, p. 67-83, 2018.
348
FRUTUOSO, Cecília Rodrigues. A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda.
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3059. Acesso em: 13 nov. 2020. p. 18.
349
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 205.
118

A primeira corrente, que concorda com a possibilidade de execução imediata das


astreintes, é defendida por autores como Eduardo Talamini e Paulo Henrique Lucon, que
asseguram que a impossibilidade da exigibilidade imediata do instituto retira o poder
coercitivo da medida.350
Por essa perspectiva, estabelece-se uma ligação de prejudicialidade entre a
possibilidade de execução imediata e o escopo e a natureza do próprio instituto das
astreintes, estreitamente ligado à ideia de coercibilidade, que será tão eficaz quanto a sua
capacidade de gerar um temor real ao devedor. Daí que, “a possibilidade de intimidar a
parte destinatária da ordem judicial é um valor que deve ser preservado, sob pena de a
medida em estudo se tornar inofensiva”351.
Essa tese, é importante salientar, está baseada em dois pilares: o primeiro, na
autonomia processual da decisão que comina a multa; o segundo, na necessidade de
efetivação do cumprimento da decisão judicial.
Nesse sentido, cita-se o posicionamento de Luis Manoel Gomes Junior, para
quem, “tenha ou não o autor o direito, quanto ao cerne da controvérsia, o certo é que o
fundamento que autoriza a exigência da multa é a desobediência a uma decisão
judicial”352.
Teori Albino Zavascki entendia que a incidência das astreintes se justificava
porque configurava “uma norma jurídica individualizada nascida de um suporte fático
próprio: o não cumprimento da obrigação no prazo constante do mandado executivo”353.
Joaquim Felipe Spadoni segue a mesma corrente doutrinária:

Em virtude de seu caráter processual, o que autoriza a exigibilidade da multa


pecuniária é a violação da ordem judicial, é o desrespeito do réu ao poder
jurisdicional. O seu ‘fato gerador’ considera apenas e tão-somente a relação
jurídica existente entre parte e juiz, o dever daquela em atender às ordens deste,
enquanto forem eficazes.354

Nem mesmo a tese da possibilidade de reversibilidade da medida era suficiente


para derrogar o pensamento de Joaquim Felipe Spadoni, que via no descumprimento da

350
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 228.
351
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
141.
352
GOMES JUNIOR, Luis Manoel. Execução de multa – art. 461, § 4º, do CPC – e a sentença de
improcedência do pedido. In: SHIMURA, Sérgio; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Processo de
execução, p. 137.
353
ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 508.
354
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. Processo de execução, p. 500.
119

obrigação cominada uma obrigação autônoma, apta a gerar consequências jurídicas entre
as partes, independentemente da resolução quanto ao objeto principal da lide:

Assim sendo, se o réu não atender à decisão eficaz do juiz, estará desrespeitando
a sua autoridade, ficando submetido ao pagamento da multa pecuniária
arbitrada, independentemente do resultado definitivo da demanda. Em sendo a
decisão que impôs a multa posteriormente revogada, seja por sentença ou por
acórdão, ou mesmo por outra decisão interlocutória, em nada restará
influenciado aquele dever que havia sido anteriormente imposto ao réu. As
ordens judiciais devem ser obedecidas durante o período em que são vigentes, e
as partes que não as obedecerem estarão sujeitas às sanções cominadas.

José Roberto dos Santos Bedaque também defendia que a astreinte fixada
liminarmente pode ser executada de pronto, mesmo que o processo principal ainda esteja
em curso. Isso porque, “embora inexistente a tutela final, a multa está vinculada ao
provimento antecipatório e pode ser exigida desde logo, pois decorre objetivamente do não
atendimento ao comando nele contido”355.
Nesse diapasão, colhem-se os ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira, que
assim disserta sobre a exigibilidade das multas cominatórias:

A partir do dia em que comece a incidir a multa, faculta-se ao credor exigi-la,


através do procedimento da execução por quantia certa. Se o devedor, citado,
pagar nas 24 horas a que se refere o art. 652 (correspondente ao artigo 859 do
NCPC), mas permanecer inadimplente no que tange à obrigação de fazer ou não
fazer, a multa continuará incidindo. Poderá o exequente, a qualquer tempo,
requerer a atualização do cálculo e promover nova execução pelo valor
acrescido.356

Luis Manoel Gomes Junior, considera a multa cominatória como instituto


autônomo, também defende a sua execução imediata. Na interpretação do autor, “ainda
que improcedente o pedido inicial, deve o réu obrigado efetuar o pagamento da multa
fixada em favor do autor, pois o fundamento de sua aplicação é a desobediência a uma
decisão judicial, sendo formado um título autônomo sem correlação com o que for
decidido na sentença”357.
Não é diferente a posição de Cassio Scarpinella Bueno, que mesmo na constância
do CPC/15 defende a ideia de que: “A compreensão da multa como medida coercitiva é
bastante para justificar o seu prevalecimento a despeito da reversão do julgado e, até

355
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de
urgência (tentativa de sistematização). São Paulo: Malheiros, 1998. p. 367.
356
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento, p. 220.
357
GOMES JUNIOR, Luis Manoel. Execução de multa – art. 461, § 4º, do CPC – e a sentença de
improcedência do pedido, p. 137.
120

mesmo, do trânsito em julgado de decisão em sentido contrário.”358.


O que se observa é que os defensores da corrente a favor da regra da
exigibilidade imediata da multa se apoiam na ideia de autonomia da multa astreinte com
relação à cominação – de direito material – que visa garantir o seu cumprimento.
Justamente por isso, ao descumprir a ordem, ainda que venha a ser considerada ilegal em
decisão posterior, o devedor já teria incorrido na multa, o que afastaria a possibilidade de
que decisão ou fato superveniente pudesse interferir no crédito a ser exigido, autorizando,
portanto, o manejo do cumprimento definitivo do título.
Vale ressaltar que a tese exposta no parágrafo anterior chegou a ser adotada no
Superior Tribunal de Justiça, como se extrai de trecho do acordão proferido no Recurso
Especial 220.982/RS:

O juiz concedeu uma liminar, determinando que essa decisão fosse cumprida e a
parte não cumpriu. Se, posteriormente, chegou-se à conclusão que não era caso
de cumprimento, que a ação foi julgada improcedente, não importa no momento.
O importante é que o juiz deu uma liminar e a parte descumpriu, quando tinha
que cumprir, sob pena de prisão, porque estava desobedecendo a uma ordem
judicial.359

A corrente apresentada, como se observa, sustentava o entendimento de que a


decisão que comina a multa toma caráter autônomo, pois seu escopo não é
necessariamente o resultado final do processo, mas sim o cumprimento de uma decisão
judicial, sendo esta uma medida de garantia de efetividade do provimento jurisdicional;
portanto, o seu cumprimento independe de sentença final do processo judicial.
A segunda vertente, alicerçada em autores como Cândido Rangel Dinamarco360 e
Luiz Guilherme Marinoni361, caminha em sentido oposto, defendendo a impossibilidade de
imediata execução da astreinte, que estaria adstrita ao trânsito em julgado do feito que a

358
BUENO, Cassio Scarpinella Bueno. Curso sistematizado de direito processual civil 3 - Tutela
jurisdicional executiva. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 551.
359
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 220.982/RS. . 1999/0057692-6.
Relator: José Delgado, T1 – Primeira Turma. Brasília, DF, 22 de fevereiro de 2000.
Publicação 03/04/2000. O mesmo entendimento foi adotado por um bom tempo pelo STJ,
como observado nos julgamentos dos seguintes casos: AgRg no Ag 1025234/SP, DJ de
11/09/2008; AgRg no Ag 1040411/RS, DJ de 19/12/2008; REsp 1067211/RS, DJ de
23/10/2008; REsp 973.647/RS, DJ de 29.10.2007; REsp 689.038/RJ, DJ de 03.08.2007: REsp
719.344/PE, DJ de 05.12.2006; e REsp 869.106/RS, DJ de 30.11.2006.
360
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, p. 158.
361
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC, p. 110.
121

impôs. Essa visão se baseia no caráter acessório da astreinte, o que, segundo esses autores,
impediria que fosse exigida quando atrelada a uma obrigação principal passível ainda de
reforma.362
Nesse diapasão, a multa cominada liminarmente só seria exigível do réu após o
trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, ainda que se admita que tal obrigação é
devida desde o dia em que restou configurado o descumprimento 363
Como forma de refutar os argumentos sustentados pelos defensores da primeira
corrente aqui apresentada no sentido de que a efetividade da multa astreinte seria perdida
caso não admitida a sua execução de imediato, Luiz Guilherme Marinoni sustenta que não
seria exatamente a possibilidade de execução imediata o fator de coerção das astreintes:

No caso em que tutela antecipatória é concedida, ou na hipótese em que é


proferida sentença de procedência, impondo-se a multa, o réu é coagido a fazer
ou a não fazer porque receia ter que pagar a multa. O fato de o valor da multa
não poder ser cobrado desde logo não retira o seu caráter de coerção. O réu
somente não será coagido a fazer ou a não fazer quando estiver seguro de que o
último julgamento lhe será favorável [...]. Por outro lado, não parece correto
admitir que aquele que resultou vitorioso no processo deva pagar por não ter
cumprido decisão que ao final não prevaleceu, já que o processo não pode
prejudicar a parte que tem razão (seja ela autora ou ré).364

Outro argumento muito utilizado em defesa da segunda posição, sobre a


impossibilidade de imediata execução da astreinte, era o do princípio da nulla executio
sine titulo, ou seja, da nula execução sem título, que assegura que a instauração do
procedimento executivo somente se dará com a existência de documento ao qual é
legalmente atribuída a eficácia executiva, o título executivo, o que afastaria a decisão
interlocutória.365
Não obstante, uma modificação no tocante ao regramento dos títulos executivos
judiciais no âmbito do CPC/15, precisamente no rol de incisos do artigo 515, parece fazer
cair por terra o argumento da nulla executio sine titulo. Isso porque, onde se lia
“sentença”, no rol de incisos do artigo 475-N do CPC/73, para definir quais seriam os
títulos executivos judiciais, agora, passa-se a ler “decisões”, no rol do atual artigo 515.
Assim, ao optar por termo jurídico mais amplo – considerando que decisão é
gênero do qual a sentença é apenas uma das espécies –, refutaram-se os argumentos que

362
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 227.
363
POP, Carlyle. Execução de obrigação de fazer. Curitiba, Juruá, 1995. p. 128.
364
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC, p. 110.
365
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: eexecução, p. 86.
122

defendiam a inexequibilidade de qualquer decisão judicial anterior à sentença. Entre as


decisões exequíveis, naturalmente, encaixam-se tanto sentenças quanto decisões
interlocutórias, desde que importem em comando condenatório ou mandamental.
Há ainda uma terceira corrente, que se escorava em orientação da Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça, que no julgamento do Recurso Especial 1.347.726/RS
adotou entendimento favorável à execução provisória da multa com a condição de a
decisão interlocutória antecipatória que a fixou ser confirmada por decisão definitiva e
desde que eventual recurso interposto contra a decisão não seja recebido em seu efeito
suspensivo.366
Assim, após alguns precedentes admitindo a execução provisória de astreintes
fixadas em decisões interlocutórias367, o Superior Tribunal de Justiça, nos últimos anos de
vigência do CPC/73, havia modificado o seu entendimento, conforme se colhe da máxima
que começou a ser utilizada em decisões desta natureza:

A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que
configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela,
somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela
sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja
recebido com efeito suspensivo.368

Por fim, essa foi a tese que prevaleceu por ocasião controvérsia analisada pela
Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo
1.200.856/RS, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, que gerou o Tema n. 743/STJ:

A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que
configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela,
somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela
sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja
recebido com efeito suspensivo (REsp nº 1.200.856, Rel. Min. Sidnei Beneti,
DJe 17/9/2014).369

366
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 208.
367
“PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER EXECUÇÃO PROVISÓRIA. ASTREINTES.
POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
SÚMULA 83/STJ. 1. Verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, no
sentido da possibilidade de se proceder à execução provisória de astreintes. 2. ‘É desnecessário o trânsito em
julgado da sentença para que seja executada a multa por descumprimento fixada em antecipação de tutela.’
(AgRg no AREsp 50.816/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/8/2012, DJe
22/8/2012.) Agravo regimental improvido.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp.
1365017 RS 2013/0025575-1. Relator: Ministro Humberto Martins, Segunda Turma. Brasília, DF, 4 de abril
de 2013. Publicação DJe 15/04/2013.
368
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1183339 AM 2010/0032108-1. Relator: Ministro Marco
Aurélio Bellizze. Brasília, DF. Publicação: DJ 13/11/2014.
369
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE MULTA COMINATÓRIA FIXADA POR DECISÃO
123

Por essa linha de pensamento, a decisão interlocutória não seria exequível de


forma alguma, também não seria necessário o trânsito em julgado do título judicial para
que a execução fosse possível, admitindo-se a execução provisória desde que fundada em
sentença ou acordão contra a qual pendesse recurso não recebido no efeito suspensivo.
Todavia, tal questão foi expressamente abordada pelo legislador no Código de
Processo Civil vigente consoante a regra prevista no parágrafo 3º do art. 537, que assim
dispõe: “§ 3º a decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser
depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da
sentença favorável à parte”.
Da leitura do texto legal citado, sem correspondência no CPC/73, denota-se
claramente a intenção do legislador de permitir o cumprimento provisório de decisão que
fixa astreintes. Ao optar pelo termo “decisão” ao invés de sentença, pode-se afirmar
também que há a possibilidade de execução provisória da decisão interlocutória que fixou
as astreintes.
Outro argumento que advoga a favor do cumprimento provisório de decisões
interlocutórias que fixem astreintes é a previsão expressa do parágrafo 3º, que não teria
qualquer utilidade se a ideia fosse permitir que apenas multas fixadas em sentenças
pudessem ser objeto de execução provisória, uma vez que, como fazem parte da sentença,
as astreintes já poderiam ser executadas provisoriamente, conforme a regra geral prevista
para este tipo de procedimento, assim como os outros capítulos da sentença.

INTERLOCUTÓRIA DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. NECESSIDADE


DE CONFIRMAÇÃO POR SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 543-C DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TESE CONSOLIDADA.
1.- Para os efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil, fixa-se a seguinte tese: ‘A multa diária
prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o
descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução
provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso
eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.’ 2.- O termo ‘sentença’, assim
como utilizado nos arts. 475-N, I, e 475-O do CPC, deve ser interpretado de forma estrita, não ampliativa,
razão pela qual é inadmissível a execução provisória de multa fixada por decisão interlocutória em
antecipação dos efeitos da tutela, ainda que ocorra a sua confirmação por Acórdão.
3.- Isso porque, na sentença, a ratificação do arbitramento da multa cominatória decorre do próprio
reconhecimento da existência do direito material reclamado que lhe dá suporte, então apurado após
ampla dilação probatória e exercício do contraditório, ao passo em que a sua confirmação por Tribunal,
embora sob a chancela de decisão colegiada, continuará tendo em sua gênese apenas à análise dos
requisitos de prova inequívoca e verossimilhança, próprios da cognição sumária, em que foi deferida a
antecipação da tutela. 4.- Recurso Especial provido, em parte: a) consolidando-se a tese supra, no regime
do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 08⁄2008 do Superior Tribunal de Justiça; b) no
caso concreto, dá-se parcial provimento ao Recurso Especial [Grifo nosso].” BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. REsp 1.200.856⁄RS. Relator: Ministro Sidnei Beneti, Corte Especial. Brasília, DF, 1° de julho
de 2014. Publicação DJe 17⁄09⁄2014.
124

Não obstante se possa perceber a previsão no sentido de permitir o cumprimento


provisório da tutela provisória que fixou as astreintes, também se deve notar que a
legislação criou uma limitação ao procedimento ante a proibição de levantamento dos
valores eventualmente obtidos no cumprimento provisório antes do trânsito em julgado da
decisão, nem mesmo com oferecimento de caução.
Nesse ponto, o rito procedimental difere daquele previsto para o cumprimento
provisório de outras decisões, disposto nos artigos 520 e seguintes. Pela regra geral,
permite-se o levantamento dos valores mesmo antes do trânsito em julgado da decisão que
serviu de título judicial mediante caução, nos termos do inciso IV do artigo 520, caução
esta que pode ser dispensada nas hipóteses previstas no artigo 521.
Importante salientar que tal regramento sofreu uma sutil modificação com a
chamada “contrarreforma do processo civil”, instaurada apela Lei 13.256/2016, que
modificou o CPC/15 mesmo antes de sua entrada em vigor, quando se excluiu a parte final
do artigo, que assim mencionava: “[...] ou na pendência do agravo fundado nos incisos II
ou III do art. 1.042”.
A previsão antiga, que permitia o levantamento dos valores obtidos no
procedimento da execução de sentença antes do trânsito em julgado da decisão que a fixou
quando o recurso pendente fosse o antigo agravo contra decisões que negassem
seguimento a recursos excepcionais370 foi revogada por questão lógica, ante o
desaparecimento deste recurso para tais fins.
O legislador, como se observa, optou por um meio termo entre a impossibilidade
de execução do título fundado em tutela provisória e a atribuição de força executiva plena
a esta decisão. Assim, permite-se iniciar o procedimento de cumprimento provisório,
possibilitando que o devedor sinta efetivamente a pressão incidindo sobre o seu
patrimônio, que pode inclusive ser expropriado, obstando-se, contudo, a liberação dos
valores respectivos em favor do credor.
A ideia é que “o beneficiário da multa só se torna, efetivamente, titular do direito
subjetivo de crédito se e quando transitar em julgado a decisão que certifica o seu direito
subjetivo à prestação (de fazer ou de não fazer) para cujo cumprimento se impôs a

370
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/2015, 3. ed., p. 311.
125

multa”371.

Rafael Caselli Pereira evoca a interpretação sistemática para concluir que o


legislador acertou ao optar pela possibilidade de execução, ainda que provisória, da
astreinte fixada em tutela provisória:

Se o sistema permite antecipar os efeitos do provimento judicial final pretendido


pelo autor, que é a obrigação principal, por imperativo de lógica processual,
deve também permitir a cobrança da multa fixada para assegurar a efetividade
desta decisão sumária, que lhe é acessória. É indiscutível que o Estado tem por
finalidade fazer com que as decisões de seus órgãos funcionais sejam
respeitadas e cumpridas.372

Por todos esses argumentos, come se suspeitou por ocasião do projeto desta
dissertação, as novas previsões legislativas inseridas no texto do CPC/15 atinentes à
matéria contribuiram para a superação do Tema 743 do STJ, ao menos no que tange às
ações analisadas sob a égide do CPC/15, conforme se verifica na decisão proferida pela
Terceira Turma, no bojo do REsp 1.958.679, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi:

Portanto, é forçoso reconhecer que, à luz do novo Código de Processo Civil, não
se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1200856/RS, porquanto o novo
Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa
cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito.373

Nesse ponto, vale ressaltar que o próprio STJ ao definir a tese menciona
expressamente o dispositivo que tratava do tema no Código revogado (artigo 461,
parágrafo 4º do CPC/73). Assim, a revisão do texto legal deve levar, inexoravelmente, à
revisão do tema, observadas as mudanças operadas pelo legislador.
Mesmo antes dessa decisão paradigmática, não obstante não se tivesse ainda
nenhum julgado da Corte Superior dedicado a rever o Tema 743 – ainda que para mantê-
lo, mesmo diante das novas evidências legais –, em julgados posteriores a 2016 a tese vem
sendo aplicada a casos em que a questão é analisada.374 O argumento é que se deve aplicar

371
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 636.
372
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 219.
373
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (RESP) n. 1.958.679 GO. Relatora: Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 25/11/2021. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/stj-admite-execucao-provisoria.pdf. Acesso em: 23 dez. 2021.
374
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp: 773941 SP 2015/0223811-7. Relator:
Ministro Antônio Carlos Ferreira, T4 – Quarta Turma. Brasília, DF, 9 de setembro de 2019. Publicação
DJe 12/09/2019; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp: 1540391/SP 2015/0152396-9.
Relator: Ministro Marco Buzzi, T4 – Quarta Turma. Brasília, DF, 16 de outubro de 2018. Publicação DJe
23/10/2018; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp: 1393844 SP 2013/0225571-5.
126

ao caso concreto a regra processual vigente à época – valendo lembrar que nos casos
analisados pela Corte vigia o CPC/73.
Da mesma forma, a superação desse precedente, por força da substancial
modificação legislativa aplicável ao tema, já ocorreu em tribunais estaduais, como no caso
de Santa Catarina, como se percebe no recente julgado de setembro de 2020, proveniente
da 6ª Câmara de Direito Civil:

Em termos práticos, a nova redação da Lei Adjetiva tornou obsoleto o


entendimento anteriormente consolidado, suplantando a exegese anteriormente
pacificada pela Superior Tribunal de Justiça. Embora a superação do
precedente (overrulling) ainda não tenha sido expressamente reconhecida pela
Corte Superior, este Tribunal vem adotando, desde a entrada em vigor da nova
Lei Adjetiva, o novo posicionamento pela prescindibilidade da confirmação da
tutela provisória por sentença de mérito. 375

Outro ponto de divergência quanto à exequibilidade das astreintes fixadas em


sede de tutela provisória alude à forma de sua aplicação; se provisória ou definitiva. Isso
porque, não obstante a clara indicação do procedimento do cumprimento provisório na
legislação, há quem entenda exequível a execução definitiva da multa fixada em tutela
provisória quando o devedor não impugnar a decisão.
Guilherme Rizzo Amaral, favorável à execução pela via provisória, aponta que
“em regra, portanto, será admissível a execução provisória quando estiver operante o

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, T4 – Quarta Turma. Brasília, DF, 11 de junho de 2019. Publicação
DJe 27/06/2019.
375
“APELAÇÃO CÍVEL. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE DECISÃO. INTERLOCUTÓRIO
EXEQUENDO QUE IMPÔS À EXECUTADA OBRIGAÇÃO DE BAIXA DE NEGATIVAÇÃO DO
NOME DA PARTE AUTORA JUNTO A CADASTRO DE INADIMPLENTES. EXECUÇÃO DA
MULTA COMINATÓRIA. SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTA A EXECUÇÃO, SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO, DIANTE DA AUSÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO DA ANTECIPAÇÃO
DOS EFEITOS DA TUTELA POR JULGAMENTO DE MÉRITO. RECURSO DO EXEQUENTE.
ALEGADA PRESCINDIBILIDADE DA CONFIRMAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA PARA
EMPRESTAR EXEQUIBILIDADE AO TÍTULO. SUBSISTÊNCIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE
ASTREINTES QUE, NA VIGÊNCIA DO CPC/1973, PRESSUPUNHA A CONFIRMAÇÃO DA
TUTELA PROVISÓRIA POR SENTENÇA E A NÃO CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS
RECURSOS SUBSEQUENTES. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO TEMA DE RECURSOS
ESPECIAIS REPETITIVOS N. 743/STJ. EXEGESE SUPLANTADA, CONTUDO, COM A ENTRADA
EM VIGOR DA LEI ADJETIVA CIVIL DE 2015. NOVEL LEGISLAÇÃO QUE PREVÊ,
EXPRESSAMENTE, A EXEQUIBILIDADE IMEDIATA DA DECISÃO QUE ARBITRA MULTA
COMINATÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 537, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. EXEQUIBILIDADE PROVISÓRIA DAS
ASTREINTES RECONHECIDA. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS à ORIGEM PARA
RETOMADA DO ANDAMENTO DA EXECUÇÃO.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” SANTA
CATARINA. Tribunal de Justiça. APL: 00000258920208240059 TJSC 0000025-89.2020.8.24.0059.
Relatora: Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil. Florianópolis, SC, 15 de setembro de 2020.
Publicação DJ 16/09/2020.
127

efeito declaratório da sentença (ou acórdão) de procedência” 376.


Por outro lado, para os que divergem desse entendimento, “se a parte, que tinha
ao seu dispor a possibilidade de se insurgir em face da decisão e não o fez, é razoável
presumir-se que não pretendia a sua reforma ou invalidação” 377, o que resultaria na
preclusão, inexistindo fundamentos para a provisoriedade da execução, podendo as
astreintes fixadas liminarmente ser executadas de imediato na forma definitiva.
José Roberto dos Santos Bedaque igualmente afirmava que a multa teria
exigibilidade imediata, podendo ser executada desde o descumprimento da determinação
judicial, mesmo que tenha sido determinada em tutela antecipada, em virtude de as
astreintes decorrerem objetivamente do não atendimento ao comando.378
Assim também entende Newton Coca Bastos Marzagão, mas alerta para os casos
em que por força de lei específica a exigibilidade das tutelas provisórias fica sujeita ao
trânsito em julgado da sentença final, embora sua incidência não seja interrompida neste
ínterim379, como no caso do artigo 12, parágrafo 2º, da Lei 7.347/1985380 (Lei da Ação
Civil Pública) e do artigo 213, parágrafo 3º, da Lei 8.069/90381 (Estatuto da Criança e do
Adolescente).
Por fim, registra-se a posição de Cássio Scarpinella Bueno, que embora não
discuta a execução da multa fixada em sede de decisão provisória por meio do
cumprimento provisório, entende que em razão da natureza coercitiva da medida, ainda
que venha a ser revogada quando prolatada a sentença, o valor vencido até então continua
a ser exigível. Nas palavras do autor: “A compreensão da multa como medida coercitiva é
bastante para justificar o seu prevalecimento a despeito da reversão do julgado e, até

376
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 223.
377
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
144.
378
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de
urgência (tentativa de sistematização), p. 372.
379
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 207.
380
“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a
agravo. [...] § 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da
decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.”
381
“Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento. [...] § 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da
sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.”
128

mesmo, do trânsito em julgado de decisão em sentido contrário.”382.


Com esse raciocínio, o autor adota uma espécie de posição híbrida na medida em
que admite a adoção de um procedimento executivo próprio de decisões precárias e dá ao
título executivo características de irrevogabilidade incompatíveis com a própria natureza
precária a justificar a opção pelo rito do cumprimento provisório.
Não obstante a multa astreinte ser uma das espécies de tutela jurisdicional, deve,
portanto, seguir a natureza do título judicial no qual foi fixada. Assim, se fixada em
decisão dotada de precariedade e caso a decisão seja posteriormente revogada não mais
subsistirá o crédito até então perseguido. É esse, inclusive, o motivo pelo qual se opta pelo
rito do cumprimento provisório e não pela via da executiva definitiva.
De todo modo, a legislação processual civil parece indicar caminho contrário
quando expressamente prevê: “(i) que tão logo incidir a multa, o crédito resultante de tal
incidência poderá ser objeto de execução e que (ii) enquanto não transitar em julgado
sentença confirmando a multa fixada, tal execução será provisória”383.

3.4.2 Sentença

As astreintes, além de poderem ser cominadas em sentença como resultado da


confirmação ou adequação da tutela provisória anteriormente proferida, é possível que sua
fixação ocorra originariamente neste momento, seja porque ausentes os requisitos para o
deferimento da tutela provisória, seja porque não fora requerida pela parte naquele
momento, ou ainda porque a situação de fato a ensejar a sua aplicação seja contemporânea
à prolação da sentença.
Como é típico nas sentenças, decisões que são precedidas de cognição exauriente
em momento processual em que a produção probatória ordinária esteja encerrada, a
convicção necessária à prolação da decisão é superior àquela que se exige para o
deferimento de tutelas provisórias, em que a probabilidade basta. Tal característica possui
estreita ligação com a precariedade daquela decisão, quando comparada com a sentença.
Assim, na sentença, caso não exercido o direito de recurso pela parte sucumbente, seu
conteúdo passa a vincular as partes de maneira definitiva.

382
BUENO, Cassio S. Curso sistematizado de direito processual civil 3 - Tutela jurisdicional executiva, p.
551.
383
AMARAL, Guilherme Rizzo apud PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o
CPC/2015: visão teórica, prática e jurisprudencial, p. 223.
129

André Bragança Brant Vilanova chama atenção para o necessário respeito aos
princípios democráticos do processo quando assevera que para que se fixem as astreintes
na sentença é necessário que se tenha permitido às partes manifestarem-se especificamente
sobre a multa384, o que se faz em compasso com o disposto no artigo 9º do CPC/15385, que
positivou a chamada vedação à decisão surpresa.
A mesma visão não é partilhada por autores como Luiz Guilherme Marinoni, para
quem as astreintes figuram como exceção à regra do princípio dispositivo, porquanto mero
acessório do pedido principal, de modo que estaria dispensado o contraditório efetivo para
a fixação de astreintes.386
Nesse ponto, é importante manter a coerência da análise: se o intuito é
compreender que as astreintes formam um capítulo próprio da decisão judicial – ainda que
com raiz acessória a um pedido principal –, raciocínio que permite que figure como único
ponto definido pelo recorrente como extensão do efeito devolutivo, ou que possa criar um
crédito autônomo exequível, não se pode, ao mesmo tempo, enxergá-la como mero
acessório, sobre o qual as partes não poderão manifestar-se processualmente, formando o
contraditório efetivo.
Por essas razões, parece correto o raciocínio segundo o qual deve o magistrado
permitir a participação das partes por meio do contraditório efetivo antes da aplicação da
multa astreinte em sentença. Isso se mantém ainda que as astreintes sejam fixadas de
ofício, tal qual deve ocorrer, ao menos a partir do advento do CPC/15, em outras
declarações judiciais sem a provocação da parte, como na prescrição e na decadência.
No que tange à exequibilidade das astreintes fixadas em sentença, a divergência é
menor do que aquela apresentada quando sua fixação se dá em tutela provisória, conforme
abordado na seção anterior. No caso de a fixação ser determinada em sentença, a
divergência reside apenas na necessidade ou não do trânsito em julgado da decisão final
que fixou tal instrumento processual.
Salienta-se que essa discussão não ocorre em caso de sentença transitada em
julgado, quando não há dúvida quanto à possibilidade de ação de execução definitiva. A

384
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 133.
385
“Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III ;
III - à decisão prevista no art. 701.”
386
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva, p. 15.
130

celeuma se apresenta no caso de sentença ou acórdão não transitada em julgado.


Na vanguarda da corrente que se manifesta pela impossibilidade de execução da
multa cominatória anteriormente ao trânsito em julgado da decisão que a fixou, encontra-
se Luiz Guilherme Marinoni, que baseia seu pensamento em duas vertentes: na primeira,
assevera que “a função coercitiva da multa não tem relação com o momento da cobrança
de seu valor, mas sim com a possibilidade dessa cobrança”; na segunda vertente, cita que
“o processo não pode beneficiar quem não tem razão e prejudicar quem a tem, razão pela
qual a execução da multa, antes do trânsito em julgado de sentença de procedência,
mostrar-se-ia potencialmente violadora de tal princípio”387.
Ao analisar as assertivas do autor, verifica-se que sua primeira razão se baseia no
fato de que a simples possibilidade de cobrança da multa, ou seja, a mera expectativa de
direito do autor e de obrigação do réu já atingiria o escopo do instituto. A segunda
justificativa do autor diz respeito à temeridade da execução de uma decisão judicial ainda
pendente de recurso, pois diante da reversibilidade da medida a parte cominada poderia ser
compelida a pagar uma multa que poderia, possivelmente, ser modificada ou até mesmo
extinta em Tribunal Superior.
Do mesmo modo, Cândido Rangel Dinamarco leciona que as multas cominatórias
“só podem ser cobradas a partir da preclusão da sentença ou da decisão interlocutória que
as concede: antes é sempre possível a supressão das astreintes ou do próprio preceito pelos
órgãos superiores”388.
Para outro lado caminham os defensores de que a execução das astreintes fixadas
em sentença poderá ser manejada independentemente do trânsito em julgado da decisão
que as tenha fixado.
Sobre a matéria e fazendo uma interpretação mais extensiva acerca do real escopo
das astreintes, comparando-as com demais medidas coercitivas, posiciona-se Fabiano
Carvalho:

Com efeito: a ser verdadeiro o argumento de que as astreintes somente poderiam


ser cobradas após o trânsito em julgado, não se poderia explicar a execução
imediata de outras medidas coercitivas, enumeradas no art. 461, § 5º, do CPC
(correspondente ao §1° do artigo 536 do CPC/15), tais como busca e apreensão,
remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade
nociva, se necessário com requisição de força policial. Convém lembrar que a
efetividade da lei processual depende fundamentalmente da inteligência
daqueles que a interpretam. Somente admitir a cobrança da multa após o trânsito

387
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC, p. 110-111.
388
DINAMARCO, Candido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, p. 158.
131

em julgado é esvaziar a ordem funcional das astreintes e ir na contra-mão das


tendências reformistas, sacramentando a inefetividade da tutela jurisdicional.389

Fica claro que a necessidade ou não do trânsito em julgado da sentença para se


conferir exequibilidade às astreintes encontra sua divergência em duas correntes: a
primeira defende a inexigibilidade de decisão pendente de recurso; a segunda advoga a
favor da efetividade da medida e da sua independência em relação ao processo principal.
Após permitir, por muito tempo, a execução de astreintes fixadas em decisões
não transitadas em julgado pela via definitiva, conforme exposto anteriormente, o STJ
mudou o seu posicionamento, admitindo apenas a execução pela via provisória:

PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER EXECUÇÃO


PROVISÓRIA. ASTREINTES. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO
EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ.
1. Verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta
Corte, no sentido da possibilidade de se proceder à execução provisória de
astreintes. 2. ‘É desnecessário o trânsito em julgado da sentença para que
seja executada a multa por descumprimento fixada em antecipação de
tutela.’ (AgRg no AREsp 50.816/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda
Turma, julgado em 7/8/2012, DJe 22/8/2012.) Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg no REsp: 1365017 RS 2013/0025575-1, Relator: Ministro
HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 04/04/2013, T2 - SEGUNDA
TURMA, Data de Publicação: DJe 15/04/2013) (grifos do autor).390

Posteriormente, a partir de 2015, o STJ mudou novamente o seu entendimento ao


fixar que a execução das astreintes, ainda que definidas em sentença, deve ser obstada pelo
efeito suspensivo decretado ao recurso que impede o seu trânsito em julgado, o que, na
prática, iguala o crédito resultante das astreintes a créditos de outra natureza. É o que se
vislumbra no julgamento do Resp. 1.336.053 AM:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE MULTA


COMINATÓRIA. FIXAÇÃO EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
EXECUÇÃO PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE
CONFIRMAÇÃO POR SENTENÇA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ EM
REPETITIVO. RESP N. 1.200.856/RS. 1. A multa diária prevista no § 4º do art.
461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando
fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução
provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o
recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo

389
CARVALHO, Fabiano. Execução da multa prevista (astreintes) no art. 461 do Código de Processo
Civil. Disponível em: http://www2.oabsp.org.br/asp/esa/comunicacao/esa1.2.3.1.asp?id_noticias=61. Acesso
em: 2 out. 2020.
390
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no RESP n. 1.365.017 RS. Relator: Min.
Humberto Martins. Brasília, DF. Publicação DJU 15/04/2013; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg
no AREsp: 421057 GO 2013/0356842-0. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF. Publicação DJe
27/08/2014.
132

[...]. (grifos do autor).391

Com esse novo entendimento, observa-se que o STJ não só impedia a execução
de astreintes fixadas em sede de tutela antecipada – tema já abordado na seção anterior –
como impedia a sua execução provisória quando a sentença que as fixou tivesse sua
exequibilidade suspensa.
Assim, definiu-se que, em se tratando de decisão judicial definitiva (sentença ou
acordão) sobre a qual ainda penda recurso, mas que não esteja com sua exigibilidade
suspensa ante a não atribuição de efeito suspensivo, a execução se torna possível, restando
definir o procedimento, se mediante cumprimento provisório ou definitivo.
Defendendo a primeira tese, Eduardo Talamini disserta que em virtude do caráter
provisório da imposição da multa cominatória a sua execução também deverá ser
provisória, em razão de que a ameaça de agressão imediata ao patrimônio do cominado já
é, por si só, o fator de influência psicológica que a lei busca.392
De outro norte, há outra parcela da doutrina que defende a possibilidade de
manejo do procedimento executivo definitivo. É o que sustenta Marina Vezzonni:

A provisoriedade da decisão, por igual não exclui a sua viabilidade, vez que o
fato gerador da cobrança é o descumprimento da medida judicial, nada tendo a
ver com a existência ou não do direito material declarado na sentença. Um
decorre de uma obrigação processual, outro de um dever material.393

Segundo o entendimento defendido nessa segunda corrente, a execução da multa


seria autônoma e, portanto, pouco importaria o resultado final da demanda, pois a sua
natureza visa punir pecuniariamente o cominado que se nega a cumprir a determinação
judicial, causando com isso prejuízo à parte contrária. Por essa razão, não haveria sentido
aguardar o resultado do feito para que se pudesse ajuizar a ação de execução definitiva a
fim de cobrar o respectivo crédito.
Não se pode deixar de notar a existência de certa fragilidade nesse argumento,
uma vez que o cumprimento provisório teria a mesma capacidade de infringir temor real
ao devedor, na medida em que seus bens poderiam ser constritos e até mesmo
expropriados, sustando-se apenas o levantamento dos valores resultantes em favor do

391
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1336053 AM 2012/0156866-5. Relator: Ministro João
Otávio de Noronha. Brasília, DF. Publicação: DJ 07/05/2015.
392
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC, art. 84.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 254.
393
VEZZONNI, Marina. Execução da multa diária: a efetivação das astreintes como medida executiva
coercitiva inominada. 2010. Disponível em: www.professoramorim.com.br/amorim/dados/anexos/251.doc.
Acesso em: 20 out. 2020.
133

credor, que ficariam, estes sim, condicionados ao trânsito em julgado da decisão que
serviu de título para o cumprimento da sentença.
De mais a mais, carece de fundamento jurídico a ideia de que a execução das
astreintes deva receber tratamento prioritário em relação à execução de outros créditos que
podem ser tão ou mais relevantes para as partes envolvidas e, porque não dizer, para a
própria sociedade. Importante observar, nesse ponto, que quando essa foi a intenção do
legislador, ele assim procedeu de maneira expressa, como se percebe no regramento
previsto no título II, capítulo IV, em que a execução de crédito alimentar mereceu
tratamento específico, inclusive, com relação a esta matéria específica, quando no caput do
art. 528 do CPC/15394 se previram expressamente as decisões interlocutórisa que fixam
alimentos como títulos hábeis a aparelhar procedimento de cumprimento definitivo.
Tal distinção é possível justamente por se reconhecer que títulos de natureza
alimentar mereceriam tratamento diferenciado, colocando os interesses dos alimentados
acima do direito de ampla defesa e contraditório dos alimentantes, que ainda que se possa
provar posteriormente que os alimentos eram indevidos, não ficam dispensados de pagá-
los, por meio de cumprimento definitivo, mesmo que o título se baseie em decisão
provisória.
As astreintes não merecem tratamento dessa magnitude. O rito do cumprimento
provisório é bastante para atender à efetividade necessária da medida; primeiro porque é
capaz de gerar temor real no devedor ao ver seu patrimônio constrito e expropriado;
segundo porque lhe garante a efetivação de eventual direito de restituição ao status quo
ante, tendo em vista que o produto da expropriação ficará retido aos autos.
Essa foi a solução adotada pelo CPC/15 ante a regra prevista no parágrafo 3º do
artigo 537, que assim dispõe: “§3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento
provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o
trânsito em julgado da sentença favorável à parte”.
Da leitura do texto legal, o qual não encontra correspondência no CPC/73,
denota-se claramente a intenção do legislador de permitir o cumprimento provisório da
decisão que fixa a astreinte.
Nesse ponto, é importante ressaltar que a definição da extensão do efeito

394
“Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de
decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o
executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a
impossibilidade de efetuá-lo [Grifo nosso].”
134

devolutivo do recurso é essencial para a definição da questão da exequibilidade das


astreintes. Isso porque, como a coisa julgada se dá por capítulos, as astreintes terão
passado em julgado se as partes da decisão impugnadas pelo recorrente com elas não se
relacionarem, o que permitirá a sua execução de forma definitiva.
Por outro lado, ainda que as astreintes não sejam diretamente impugnadas no
recurso interposto pelo devedor, caso tenha ele apresentado impugnação em relação à
parcela do título judicial que o condenara a cumprir a obrigação principal à qual as
astreintes estão vinculadas, a sua exequibilidade será suspensa desde que se tenha
atribuído efeito suspensivo ao recurso. Isso porque eventual julgamento contrário com
relação ao pedido principal, em face da relação lógica de prejudicialidade com a multa
cominada, potencialmente levará à aplicação do efeito extensivo objetivo, cassando a
condenação da multa, porquanto é medida acessória que não poderia subsistir sem a
decisão principal.

3.4.3 Decisão parcial de mérito

Os requisitos e as consequências jurídicas de astreinte fixada na sentença


aplicam-se igualmente no caso de decisão parcial de mérito cuja “natureza jurídica deste
provimento deveria ser entendida como sentença parcial, pois ao julgar um dos capítulos
da sentença, estar-se-á encerrando o procedimento comum daquela ação cumulada”395.
Dessa forma, como a decisão do artigo 356 é capaz de formar coisa julgada
material, o mesmo cuidado para a concessão de medidas e consequentemente o mesmo
standard probatório/argumentativo devem ser exigidos, eis que, independentemente de
estar classificado como sentença ou não, sua natureza definitiva impõe um grau de
convencimento maior para o deferimento de qualquer medida judicial, entre as quais se
enquadra a fixação de astreintes.
Esse argumento é defendido por Arthur Bobsin de Moraes quando considera
“prudente que, com vistas a evitar qualquer nulidade posterior, os magistrados apliquem
todas as regras processuais relativas à sentença na decisão prevista no artigo 356 do
CPC/2015”396.

395
MORAES, Arthur Bobsin de. Julgamento antecipado parcial de mérito: a aplicação do artigo 356 do
CPC/2015 na prática forense. 1. ed. Florianópolis: EMais, 2020. p. 76.
396
MORAES, Arthur Bobsin de. Julgamento antecipado parcial de mérito: a aplicação do artigo 356 do
CPC/2015 na prática forense, p. 104.
135

Assim, caso a parcela da demanda apta a julgamento parcial tratar da obrigação


principal à qual se adere a astreinte fixada, a esta serão aplicados os mesmos efeitos caso a
demanda fosse inteiramente julgada, inclusive no que tange à sua exequibilidade.
Uma questão tormentosa quanto à fixação de astreintes em sede de decisão
parcial de mérito é a possibilidade de aplicação do efeito expansivo em futuro recurso de
apelação em face de sentença que julgou os demais pedidos não analisados no momento
da decisão parcial. Esse procedimento seria, em tese, possível caso os pedidos julgados
posteriormente tiverem relação de prejudicialidade lógica em relação à obrigação que
estabeleceu as astreintes, uma vez que, em sendo julgados improcedentes, atingiriam a
parcela julgada anteriormente e, consequentemente, as astreintes fixadas.
Esse tema, analisado pelo prisma geral da superação da coisa julgada progressiva,
foi enfrentado por Diego Cabral Miranda, que se manifestou pela possibilidade de
reconhecimento endoprocessual do que chamou de efeito expansivo rescindente, que
permitiria o afastamento da coisa julgada parcial sem a necessidade de ação rescisória
própria.
Essa conclusão tem como base o princípio da instrumentalidade na forma de
arguição do vício, aliado aos princípios da eficiência, da economia, da duração razoável do
processo e da segurança jurídica, desde que respeitados alguns requisitos, como:

[...] existência de um defeito rescisório, ou seja, aquele que justificasse a


utilização de um meio típico de superação da coisa julgada, além de
requerimento expresso da parte interessada, juntamente com a observância do
prazo bienal da rescisória e, por fim, a garantia de contraditório efetivo, que,
juntos, formam os requisitos autorizadores da expansão rescindente dos efeitos
do julgamento de um recurso, proporcionando o reconhecimento endoprocessual
de um defeito rescisório em face da parcela do mérito já imutável.397

A questão do efeito expansivo, nesse caso, não estaria necessariamente ligada a


qualquer nulidade rescisória, mas à necessidade de coerência do sistema em si. Nesse
sentido, não se poderia permitir que uma cominação acessória pudesse ser mantida se a
obrigação principal que a sustenta foi declarada inexistente posteriormente na sentença.
Talvez aqui a questão pudesse ser considerada como de ordem pública, de modo a permitir
a aplicação do efeito translativo, neste caso, superando a coisa julgada de maneira
excepcional. Trata-se de solução excepcional e de certo modo indesejada porque
compromete a coisa julgada e a segurança jurídica, e até mesmo o ato jurídico perfeito,

397
MIRANDA, Diego Cabral. O efeito expansivo rescindente na formação progressiva da coisa julgada.
Dissertação. (Mestrado em Direito) - Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2016.
136

caso a decisão já tenha sido cumprida pelo devedor, razões estas que indicam que ao se
vislumbrar a possibilidade hipotética de a decisão, quanto aos pedidos remanescentes,
interfir necessariamente nos pedidos aptos a julgamento antecipado, a melhor alterrnativa
seria postergar tal decisão para a sentença, evitando a necessidade de relativização da
coisa julgada.
Nesse caso, portanto, a integridade do sistema e a manutenção da segurança
jurídica parecem prevalecer sobre as ideias de eficiência e de celeridade que motivaram a
instituição da decisão prevista no artigo 356, desideratos que, de todo modo, podem ser
alcançados, ainda que de forma precária, por meio da concessão de tutelas provisórias de
urgência ou de evidência.
No que se refere à exequibilidade de astreintes fixadas em sede de decisão parcial
de mérito, deve-se aplicar, supletivamente, as regras previstas para a sua execução quando
fixadas em sentença, exatamente pelo caráter definitivo que caracteriza o comando judicial
contido nesta espécie de decisão judicial.
Assim, com otrânsito em julgado da decisão parcial de mérito, a execução se dará
por meio de cumprimento definitivo, da mesma forma que as demais cominações
eventualmente constantes do título judicial. No caso de ainda pender recurso em face da
decisão, a sua exequibilidade ficará condicionada a seguir a regra do parágrafo 2º do artigo
356398, que permite, de forma imediata, a execução provisória da decisão parcial nesta
hipótese.
O procedimento recursal previsto para decisões parciais de mérito – contra a qual
cabe o agravo de instrumento – não escapa de críticas e este é um dos pontos desta
controvérsia. Isso porque, embora a possibilidade de execução imediata possa fazer
sentido considerando que ao agravo de instrumento não é atribuído o efeito suspensivo
automático, o que possibilitaria o cumprimento provisório nos termos do artigo 520, tal
previsão gera uma desconfortável contradição quando se verifica que a parcela dos
pedidos que forem julgados apenas na sentença – que só diferem quanto aos pedidos
julgados antecipadamente em relação ao momento em que foram julgados – não poderão
ser executados de pronto, eis que ao recurso de apelação, em regra, é atribuível o efeito
suspensivo automático, nos termos do art. 1.012 do CPC/15.
Desse modo, enquanto os pedidos julgados em decisão parcial de mérito serão –
398
“Art. 356. [...] § 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão
que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa
interposto.”
137

em regra – exequíveis pela via provisória desde já, aqueles julgados em sentença terão de
aguardar ao menos o julgamento do recurso de apelação para poder produzir efeitos. É o
que destaca Daniel Assumpção Neves quando se pronuncia sobre essa aparente
contradição:

Há, entretanto, uma gritante contradição entre qualquer decisão que resolva o
mérito e seja recorrível por apelação e a decisão que julga antecipadamente
parcela do mérito. Enquanto no primeiro caso será inviável, ao menos em regra,
a execução em razão do efeito suspensivo do recurso, no segundo será cabível a
execução provisória. A distinção de tratamento não tem qualquer justificativa
lógica ou jurídica plausível, porque trata julgamentos de mérito de maneira
distinta quanto à sua eficácia imediata sem nada que justifique o tratamento
desigual, em nítida ofensa ao princípio da isonomia. Sou um crítico do efeito
suspensivo como regra na apelação, mas, uma vez sendo essa a opção
legislativa, realmente fica complicado compreender por que a decisão que julga
antecipadamente parcela do mérito pode ser executada provisoriamente.399

Não obstante, caberá ao devedor, então agravante, pleitear a atribuição de efeito


suspensivo ao relator do agravo, nos termos do artigo 1.019, inciso I, do CPC/15, como
forma de obstar a exequibilidade imediata da multa astreinte, ao menos até que se julgue o
agravo de instrumento interposto contra decisão que a tenha fixado. Aqui também cabe a
observação com relação à extensão do efeito devolutivo do recurso de agravo de
instrumento eventualmente interposto, que, se não abordar diretamente a multa astreinte
ou ao menos a obrigação principal à qual estaria ligada, faria com que tal parcela do título
fizesse coisa julgada, permitindo assim a sua execução de forma definitiva.
Outro problema que se pode observar na redação dos dispositivos legais que
tratam a decisão parcial de mérito está na dispensa de caução para o levantamento do
crédito obtido em eventual cumprimento provisório proposto com fulcro no parágrafo 2º
do artigo 356 do CPC/15.O regramento citado fez com que autores como Cássio
Scarpinella Bueno sustentassem, com relação às decisões parciais de mérito, que fosse
criado um cumprimento provisório com regras próprias que as diferenciassem do
regramento geral do artigo 520, precisamente quanto à desnecessidade de caução, em face
do confronto entre o parágrafo 2º do artigo 356 e o inciso IV do artigo 520. E essa
distinção, como outras estabelecidas pelo instituto das decisões parciais de mérito, é
apontada como ofensiva à isonomia quando comparada ao tratamento dado à
exequibilidade das sentenças, que embora proferidas em momento processual diverso
ostentam as mesmas características quanto à sua natureza. Sobre a decisão parcial de

399
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC: Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p. 261.
138

mérito, “não cabe novo juízo a ser efetivado pelo mesmo órgão prolator do ato judicial,
tanto que fará coisa julgada material caso o recurso não seja interposto ou não haja mais
possibilidade de mudança”400, embora – como mencionado – o Código tenha preferido não
nomeá-la como sentença e preveja que deva ser impugnada por meio de agravo de
instrumento (art. 356, §5º).

No que tange às astreintes, o problema é ainda maior porque o disposto no


parágrafo 2º do artigo 356 cria situação de antinomia aparente quando confrontada com o
parágrafo 2º do artigo 537, que não permite o levantamento do valor obtido com a
expropriação patrimonial do devedor no rito do cumprimento provisório, ainda que
apresentada caução. Por se tratar de antinomia aparente, sua solução deve viabilizar-se por
métodos/critérios pré-existentes no próprio sistema legal, os quais não serão capazes de
extrair a validade das normas, que continuarão válidas. Nesse processo hermenêutico, o
que se faz é a mera escolha de qual norma conflitante será aplicável a deterrminnado caso
concreto.
A propósito, os critérios contemplados pelo direito brasileiro, à luz dos
ensinamentos de Norberto Bobbio, são hierárquico, cronológico e da especialidade. A
utilização desses critérios não retira a validade da norma jurídica não aplicada. Não há
uma revogação tácita. A norma continua válida até que seja retirada do sistema pela forma
também disposta no ordenamento.401
Para a solução dessa antinomia aparente, considerando que ambos os regramentos
estão inseridos no mesmo dispositivo legal, não havendo que falar em hierarquia entre
elas, deve-se adotar o critério da especialidade. Nesse caso, parece que a melhor
interpretação é aquela segundo a qual se deve ter por mais específica a regra que trata
especialmente da possibilidade de execução provisória de astreintes, que se aplica
independentemente da natureza jurídica da decisão que a tenha fixado, se tutela provisória,
sentença, acordão ou decisão parcial de mérito contra as quais ainda penda recurso sem
efeito suspensivo, de modo a impossibilitar o levantamento do valor das astreintes
definidas em decisão parcial de mérito antes do trânsito em julgado do capítulo da decisão
que as tenha fixado.

400
SILVA, Blecaute Oliveira; SILVA, Ivan Luiz da; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Eficácia do agravo de
instrumento na decisão antecipada parcial de mérito. Revista Eletrônica de Direito Processual – RED, Rio
de Janeiro, ano 10, v. 17, n. 2, p. 57-75, julho a dezembro 2016. p. 59.
401
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UnB, 1999. p. 102.
139

Dessarte, em se tratando de astreinte fixada em decisão parcial de mérito, esta


será, em regra, exigível desde já – salvo atribuição de efeito suspensivo em eventual
agravo de instrumento –, podendo ser exigida mediante cumprimento provisório se ainda
pendente recurso, ou definitivo caso transitada em julgado a decisão. Por fim, no
procedimento de cumprimento provisório não será admitido o levantamento da quantia
pelo credor, ainda que apresente caução.

3.4.4 Decisão proferida nos tribunais

Embora as decisões monocráticas e os acórdãos não sejam expressamente


previstos no caput do artigo 537 do CPC/15 como momentos adequados à fixação de
astreintes, o fato é que não há óbice à adoção desta medida nestes momentos processuais.
Além do mais, a própria previsão de concessão de tutela provisória pelo relator,
contida no artigo 932, inciso II, do CPC/15402, indica a possibilidade de aplicação da
medida coercitiva correspondente para a sua concretização. Assim, se é possível a
aplicação da medida em sede de decisão provisória, também deve ser em decisão
definitiva.
Não bastasse a aplicação por analogia do artigo 537, há ainda o disposto no artigo
139, inciso IV, do CPC/15, que ao criar uma verdadeira cláusula geral de medidas atípicas
para o enforcement de tutelas específicas forneceu fundamentação legal suficiente à
hipótese.
Segundo Marcus Vinicius Motter Borges, o conteúdo do inciso IV do artigo 139
do CPC/15 cria verdadeira cláusula geral processual executiva oriunda de duas premissas:
a noção da impossibilidade de previsão de todas as formas eficazes de atuação executiva; e
a compreensão de que deve ser assegurado o direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva.403
Segundo o texto do mencionado dispositivo legal, trata-se de medida posta à
disposição do magistrado, independentemente de grau de jurisdição, o que leva à seguinte
conclusão: se o magistrado singular pode valer-se de medidas coercitivas, não haveria

402
“Art. 932. Incumbe ao relator:
II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;
[...].”
403
BORGES, Marcus Vinicius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, p. 89.
140

razões que pudessem afastar do órgão colegiado a adoção de semelhante expediente.


Inúmeras são as vozes que criticam a fixação de astreintes em sede de decisão
monocrática, sem que se permita a prévia manifestação do devedor.404 Essa crítica se
relaciona muito mais com a questão da necessidade de estabelecimento de contraditório
efetivo do que com a competência dos tribunais para proferirem decisões desta natureza.

Ademais, como decisão proferida por tribunais, seja decisão monocrática ou


colegiada por meio do acordão, tem o condão de substituir decisões anteriores postas à
revisão405. Como essa nova decisão produz efeitos, o título executivo judicial passa a ser o
acordão ou a decisão monocrática do relator e não mais a decisão proferida pelo órgão a
quo, independentemente de ter reformado ou confirmado a decisão recorrida. Por essas
razões, as consequências jurídicas atribuídas às astreintes fixadas nessa fase processual, ou
seja, em sede de recurso, independentemente do grau recursal, serão semelhantes àquelas
atribuídas à natureza das decisões substituídas. Ou seja, em se tratando de agravo de
instrumento em face de decisão interlocutória que, por exemplo, tenha negado a fixação de
astreintes, eventual recurso provido por acordão ou decisão monocrática terá efeito
semelhante à tutela provisória que reformou. Da mesma forma, caso o acordão ou decisão
monocrática realize a revisão de sentença ou de outro acordão em face de decisão
definitiva, sua consequência equivaler-se-á àquela conferida às decisões definitivas.
No que tange à exequibilidade dessas decisões, a regra será aquela aplicável à
decisão que restou substituída pelo acordão ou decisão monocrática que tenha fixado a
multa astreinte. Se a natureza da decisão, ainda que proferida pelo tribunal, for provisória,
como no caso de agravo de instrumento em face de decisão indeferindo tutela provisória,
aplicar-se-ão as regras previstas para a execução de astreintes fixadas em sede de tutela
provisória. Por outro lado, caso a decisão proferida no âmbito do tribunal ostente natureza
de decisão definitiva, a execução será igualmente possível, diferindo-se apenas quanto ao
procedimento, que será de cumprimento provisório até o trânsito em julgado da decisão,
ou definitivo caso esta tenha passado em julgado.
Por fim, deve-se observar, no caso de interposição de recurso em face de decisão

404
VILANOVA, André Bragança Brant. As astreintes e sua inserção na perspectiva democrática de
processo: análise democrática do art. 461 do Código de Processo Civil, p. 106.
405
“[...] o efeito substitutivo dos recursos: a decisão reformada pelo órgão julgador do recurso (ou
confirmada) fica no lugar da decisão impugnada, ou seja, a substituiu.” ALVIM, Teresa Arruda. O destino
do agravo depois de proferida a sentença. Cadernos da Escola de Direito, Curitiba, v. 1, n. 4, 2004. p. 105.
141

que tenha fixado astreintes em sede de tribunal, se a este recurso foi atribuído, de forma
extraordinária, efeito suspensivo, o que suspenderia a possibilidade de cumprimento
provisório até que nova decisão fosse proferida sustando a suspensão da exigibilidade do
título.

3.4.5 Decisão em processo de execução ou cumprimento de sentença

Além das diversas fases do processo de conhecimento, nas quais as astreintes


podem ser fixadas, abordadas anteriormente nesta pesquisa, a multa pode ainda ser fixada
no bojo de processo de execução de título extrajudicial ou de cumprimento de sentença.
As astreintes fixadas nas fases processuais de execução ou de cumprimento de
sentença podem ser muito úteis como forma de influenciar o comportamento do devedor,
seja para que cumpra a obrigação em si, pratique algum ato preparatório, ou se abstenha de
fazê-lo, como meio para que se chegue à satisfação do crédito perseguido.406
Antes da análise da exequibilidade das multas fixadas nas espécies
procedimentais referidas, é necessário que se compreendam algumas características
importantes dos feitos executivos, especialmente quanto à natureza das decisões proferidas
durante a marcha processual.
De início, não se deve olvidar que embora haja previsão de sentença no processo
de execução ou de cumprimento de sentença, tal decisão possui diferenças marcantes
quando comparada com aquela normalmente proferida no processo de conhecimento.
Enquanto no processo de conhecimento se saiba de antemão que a prolação da sentença
seja um caminho natural do processo, que ainda que demore, inexoravelmente culminaará
com a sentença, seja ela resolutiva de mérito ou não; na execução, a sentença, embora
deva ocorrer em algum momento, não é um fim esperado pelas partes, eis que diante da
inadimplência do devedor e do cuidado do credor para evitar a ocorrência de prescrição
intercorrente, um feito executivo pode tramitar por décadas, sem que uma sentença ponha
fim à marcha processual. Isso acontece porque as sentenças proferidas nos procedimentos
executórios não se prestam para analisar o mérito407, mas apenas para pôr fim àquele
procedimento e, regra geral, três são motivos: a) cumprimento da obrigação pelo devedor;

406
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 211.
407
REIS, Sérgio Cabral dos. Cognição, mérito e coisa julgada material na execução? Revista da ESMAT,
Palmas, ano V, n. 5, p. 120-149, dez. 2012. p. 134.
142

b) alguma questão de natureza processual/formal que impeça a continuidade regular do


feito, como reconhecimento de ilegitimidade de parte, por exemplo; e/ou c) inexigibilidade
do título, seja pela prescrição, ou pela procedência dos embargos à execução.
De qualquer forma, a sentença no processo de execução não se prestará para
julgar a causa, exceto pelo reconhecimento de matéria de ordem pública, seja de ofício ou
após provocação por meio de exceção de pré-executividade, servindo, precipuamente, para
extinguir aquele processo.

Dessa constatação, extraem-se duas conclusões atinentes às astreintes: a) a


sentença de execução não poderá fixar astreintes, pois em virtude de não analisar o mérito,
não haveria obrigação principal para a qual se pudesse atrelar a multa; b) a multa astreinte
eventualmente fixada em sede de decisão interlocutória não será revisitada em sentença,
para que possa ser confirmada ou não.
Da segunda conclusão, emerge a natureza definitiva das decisões interlocutórias
proferidas nos processos de execução ou cumprimento de sentença, uma vez que como
não serão reanalisadas no momento da prolação da sentença não poderão ser consideradas
tutelas provisórias. Por outro lado, também não são caracterizadas sentenças porque são
incapazes de pôr fim àquela fase processual. Ou seja, as decisões interlocutórias proferidas
nos feitos executivos podem ser consideradas como espécie autônoma de pronunciamento
judicial.
Dúvida não há acerca da possibilidade de execução da multa fixada nessa
modalidade processual, situação em que um título judicial nasceria dentro de um processo
que busca forçar o cumprimento de outro título, judicial ou não.
Não obstante, existem duas questões relevantes quanto ao processamento dessa
modalidade de cumprimento de sentença. O primeiro ponto que merece atenção no que
tange à exequibilidade das astreintes fixadas em decisão interlocutória proferida na
execução alude à provisoriedade ou não do feito executivo e isso passa, necessariamente,
pela análise da mutabilidade destas decisões.
Como mencionado antes, decisões interlocutórias em processo de execução
diferem das tutelas provisórias, entre outros aspectos, pela inviabilidade de sua revisão na
prolação da sentença, pois, em se tratando de feito executivo, a sentença não terá este
143

escopo, diferentemente das sentenças proferidas em processo de conhecimento.408


Assim, a preclusão das interlocutórias proferidas no processo de execução tem
consequências jurídicas diferentes daquelas proferidas em sede de tutela de urgência no
processo de conhecimento. Isso porque, ainda que preclusa, uma tutela provisória deferida
na fase de conhecimento, ante a não interposição ou não conhecimento ou provimento de
eventual agravo (art. 1.015, inc. I, CPC/15), não se torna definitiva porque é passível de
revisão, de ofício, na prolação da sentença, ou até mesmo em outro momento processual,
desde que presentes novos elementos probatórios (art. 296 e 527, § 1º, do CPC/15, no caso
das tutelas específicas das obrigações).
Nesse caso, os efeitos da preclusão se operam apenas para impedir que a parte
questione a decisão prolatada, naquele momento processual, o que não impede que o
próprio juízo o faça, de ofício, a qualquer tempo.
É importante que se diga que essa configura uma exceção à regra, segundo a qual
a preclusão das decisões interlocutórias leva à imutabilidade de seu conteúdo, ainda que de
ofício, por força da aplicação do disposto no artigo 505 do CPC/15409, exceção feita,
naturalmente, a questões de ordem pública.410
O disposto no artigo 505 do CPC/15 é regra geral que estabelece rol
exemplificativo e aberto de situações nas quais será lícito ao magistrado a reanálise da
matéria, nos casos de relação jurídica de trato continuado desde que sobrevenha
modificação no estado de fato ou de direito, ou ainda quando a lei assim o permitir, como
no caso apresentado das tutelas provisórias e das tutelas específicas.
A característica de imutabilidade das interlocutórias proferidas no processo de
execução foi o que, inclusive, inspirou o legislador a prever a recorribilidade imediata de
todas as decisões proferidas, tanto em sede de cumprimento de sentença quanto de
execução, conforme o parágrafo único do artigo 1.015 do CPC/15.411
Cabe, diante desses elementos, analisar se a decisão interlocutória que fixa
astreintes em sede de execução ou cumprimento de sentença está ou não contemplada no

408
REIS, Sérgio Cabral dos. Cognição, mérito e coisa julgada material na execução? Revista da ESMAT,
Palmas, ano V, n. 5, p. 120-149, dez. 2012. p. 139.
409
“Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se,
tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito,
caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos
em lei.”
410
GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo
Civil de 2015. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. p. 354.
411
GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no código de processo
civil de 2015, p. 338.
144

rol do artigo 505 do CPC, para que se possa determinar se sua fixação se dá em caráter
precário ou definitivo.
Em princípio, decisões dessa natureza poderiam enquadrar-se tanto no inciso I do
artigo 505 quanto na regra geral do inciso II, por aplicação conjunta do disposto no artigo
527, parágrafo 1º, do CPC/15. Quanto à aplicação do disposto no inciso I, a multa
astreinte, de incidência periódica – diária, mensal ou em outra unidade de tempo – sempre
se caracterizará como relação de trato continuado e, assim, sujeita-se a mudanças
supervenientes. No que tange ao disposto no inciso II, a aplicação conjunta do parágrafo 1º
do artigo 537 evidencia a possibilidade de o juiz, de ofício ou a requerimento, a qualquer
tempo, modificar ou até mesmo excluir a multa astreinte.
Dessas premissas, poder-se-ia, a partir de uma constatação apressada, concluir
pela natureza precária da multa fixada em sede de decisão interlocutória no bojo de feito
de caráter executivo, o que impediria o seu cumprimento definitivo.
Contudo, outra questão merece atenção e alude ao caráter retroativo ou não da
decisão que, seja com base no inciso I, ou no inciso II do artigo 527, parágrafo 1º, do
CPC/15 modifica ou exclui a multa. No caso do inciso I, quando trata dos elementos
supervenientes a decisão que fixou a multa, deve-se concluir que por serem supervenientes
estes fatos não podem retroagir para além de sua ocorrência. Ou seja, ainda que
reconhecidos após o seu acontecimento, a capacidade de a decisão que os reconheça
retroagir é limitada à data em que tal fato superveniente tenha ocorrido. Assim, da data do
acontecimento superveniente para trás a multa permanecerá intacta, eis que sem a
ocorrência de fato superveniente não haverá que falar em aplicação do disposto no inciso I
do artigo 505. Quanto ao inciso II, combinado com o artigo 527, parágrafo 1º, é
importante que se observe no texto legal a presença da palavra “multa vincenda”,
indicando que a redução ou exclusão se operará sobre as multas vincendas, o que exclui
logicamente as multas vencidas.
Aqui emerge outra importante discussão que será o centro da análise do
derradeiro capítulo desta pesquisa e se refere à data a partir da qual se poderá afastar as
multas, ou seja, se vincendas se consideram aquelas vencidas após a decisão que as tenha
reduzido, ou aquelas que tenham vencido após a ocorrência dos motivos que autorizaram a
sua redução/exclusão, conforme os incisos do mesmo dispositivo legal.
De qualquer sorte, o fato é que a capacidade de retroagir não será indeterminada,
de modo que, além daquele marco temporal máximo a multa será considerada
145

peremptória, o que garantiria a sua execução de forma definitiva e não provisória.


Ademais, caso não fosse essa a conclusão, o resultado seria a inviabilidade da
satisfação do crédito das astreintes fixadas em sede de execução ou cumprimento de
sentença. Isso porque, como o levantamento dos valores em cumprimento provisório está
condicionado ao trânsito em julgado da decisão que a tenha fixado, caso se entendesse a
necessidade de confirmação das astreintes em sentença do processo de execução, que: 1)
pode nunca ser prolatada; ou 2) ainda que prolatada, não se prestará para confirmar a
decisão interlocutória, eis que, não sendo passível de confirmação importaria na
impossibilidade total de levantamento de eventuais créditos obtidos em execução de multa
astreinte fixada na execução.
Por essas razões, deve-se compreender que a decisão interlocutória que fixa
astreintes em cumprimento de sentença ou execução transitada em julgado para os fins de
definição do rito de cumprimento de sentença (se provisório ou definitivo) na sua
preclusão permite o manejo do cumprimento de sentença definitivo.
Assim, caso o devedor entenda ter havido alguma das hipóteses que permitem a
redução ou exclusão da multa diária, deverá demonstrá-la em sede de impugnação ao
cumprimento de sentença, com fulcro no inciso VII do parágrafo 1º do artigo 525 do
CPC/15412.
Não obstante, vozes importantes da doutrina entendem de forma diversa, como
Guilherme Rizzo Amaral, para quem, sem enfrentar os argumentos aqui propostos, a
possibilidade de modificação de ofício do valor da multa é motivo suficiente para afastar a
possibilidade de sua execução definitiva. Segundo o autor, a decisão, porquanto
interlocutória, não poderia ser comparada à sentença transitada em julgado para tais
fins.413
Ainda, caso o devedor tenha interposto recurso contra decisão que fixou as
astreintes em sede de execução ou cumprimento de sentença, a sua exequibilidade
dependerá dos efeitos nos quais este recurso for recebido. Caso atribuído efeito

412
“Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15
(quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos
próprios autos, sua impugnação.
§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:
[...]
VII - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação,
transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.”
413
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 224.
146

suspensivo, a exequibilidade restará suspensa enquanto durar a suspensão da eficácia da


decisão. Caso se tenha recebido o recurso apenas pelo efeito devolutivo, a execução será
possível, porém pela via do cumprimento provisório.
O segundo questionamento relevante se refere à necessidade ou não de
propositura de novo cumprimento de sentença, autônomo, para que se possa exigir o
pagamento da multa. A resposta para essa questão passa pela análise da natureza do
procedimento que fixou a multa.
De início, deve-se examinar o que prevê o texto legal quanto à possibilidade de
cumulação de execuções. Os requisitos para que se admita a cumulação de execuções no
mesmo processo são aqueles listados no artigo 780 do CPC/15: competência do juízo para
conhecer todos os pedidos; e identidade de procedimento das execuções cumuladas. 414
Soma-se a esses requisitos a necessidade de as mesmas partes serem devedoras e credoras
de todas as execuções. 415
A partir dessa premissa, pode-se dizer que, havendo a fixação de astreintes em
sede de processo de execução de título extrajudicial, entende-se ser necessária a
propositura de cumprimento de sentença autônomo, em razão das distinções marcantes
entre estes ritos, relativamente a: natureza do título executado; forma de defesa –
impugnação versus embargos –; matérias de defesa admissíveis – limitadas no
cumprimento de sentença, conforme o parágrafo 1º do artigo 525 –; prazo para pagamento
– 3 ou 15 dias, a depender do procedimento –; consequências do inadimplemento – como
no caso da multa do artigo 523, parágrafo 1º, só aplicável ao cumprimento de sentença –; e
possibilidade de pagamento parcelado independentemente do aceite do credor – só
possível na execução, conforme disposto no parágrafo 7º do artigo 916.
Tantas são as distinções entre os procedimentos que resta evidente a
incompatibilidade entre os ritos, o que afastaria a possibilidade de cumulação das
execuções, nos termos do que dispõe o artigo 780 do CPC/15416, pelo princípio de que se
deve repelir a cumulação de demandas executórias sujeitas a ritos diversos.417
Por outro lado, pode ocorrer de a multa astreinte ser fixada pelo juízo do

414
GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR.,
Zulmar Duarte de. Execução e recursos: comentários ao CPC. 2. ed. São Paulo: Método, 2018. p. 64.
415
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 95.
416
“Art. 780. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando
o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o
procedimento.”
417
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11 ed. São Paulo: RT, 2008. p. 299.
147

cumprimento de sentença. Essa possibilidade faz hsurgir a dúvida se seria necessária a


propositura de novo cumprimento de sentença, ou se o valor do crédito da multa poderia
ser exigido naquele mesmo procedimento em que fora fixada.
Essa questão também merece ser analisada segundo a natureza da obrigação que
se persegue naquele cumprimento de sentença. Em se tratando de cumprimento de
sentença para o cumprimento de obrigação pecuniária não alimentar, a natureza do objeto
do cumprimento será exatamente o mesmo perseguido no momento da cobrança do crédito
oriundo da multa, conforme disposto nos artigos 523 e seguintes, se definitivo, ou 520 e
seguintes, se provisório. Nesse caso, entende-se possível a inclusão do crédito resultante
das astreintes naquele mesmo procedimento, desde que o devedor seja novamente
intimado e igualmente lhe seja oportunizada a chance de exercer o contraditório efetivo
quanto àquele novo crédito.
Situação semelhante ocorre, por exemplo, na fixação de multa por litigância de
má-fé no curso de procedimentos dessa natureza, cuja cobrança se dá no mesmo processo,
somando-se a quantia da sanção à do crédito original, dispensanda a necessidade de
propositura de novo cumprimento de sentença para a cobrança da multa.
Vale lembrar que a cumulação de pedidos, quando possível, é uma opção do
credor418 – dado o princípio disposto no artigo 797419, segundo o qual a execução deve
realizar-se em seu interesse –, a quem caberá o juízo de oportunidade sobre este
comportamento processual. O credor pode entender que a propositura de novo
cumprimento de sentença para a cobrança da multa astreinte é a medida que, naquele caso,
melhor advoga em favor de seu interesse, em face de um possível tumulto processual que
poderia causar, por exemplo, a abertura de prazo para que o devedor se manifestasse
quanto à execução da multa, o que, na prática, poderia prejudicar o andamento da
execução do crédito principal.
Por outro lado, há ainda a possibilidade de a multa astreinte ser fixada no bojo de
procedimento cuja obrigação principal seja de outra natureza que não o pagamento de
quantia certa de natureza não alimentar. Nesse caso, como a natureza da obrigação dita o
rito do procedimento, estar-se-ia diante do nascimento de uma nova obrigação de natureza
diversa da que orienta aquele procedimento.

418
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 97.
419
“Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-
se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens
penhorados.”
148

Neste ponto emerge questionamento acerca da possibilidade de cumulação de


ritos de cumprimento de sentença quando as obrigações que se deseja cumular possuem
natureza e rito diferentes. Trata-se de questão que vem sendo abordada com maior atenção
na área do direito de família, no que tange à possibilidade de cumulação dos ritos do artigo
528 (rito específico, que permite a prisão civil do devedor) com o do artigo 523 (comum
quando a prestação alimentar que se busca o pagamento tenha excedido o período de três
meses anteriores ao ajuizamento do cumprimento de sentença).
A favor da cumulação de ritos nessa hipótese, autores como Fernanda Tartuce e
Luiz Dellore se manifestam pela possibilidade de cumulação, neste caso, considerando não
haver incompatibilidade de ritos, bastando que no início da demanda constem no mandado
de intimação as distintas consequências para as diferentes prestações. 420
Essa posição vem sendo adotada, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça.421
Contudo, resta saber se esse fundamento pode ser aplicado ao caso das astreintes fixadas
em cumprimento de sentença que vise ao adimplemento de obrigação de natureza diversa
do pagamento de quantia certa.
No caso dos alimentos, a diferença entre os ritos se dá basicamente no início do
procedimento; primeiro quanto ao prazo para cumprimento da obrigação, depois quanto à
forma de defesa, se justificação ou impugnação, e por fim quanto à possibilidade ou não
de prisão civil. Caso preso o devedor sem o correspondente pagamento, dali em diante os
ritos se igualam, eis que em ambos os procedimentos serão utilizadas técnicas
expropriatórias e/ou coercitivas para compelir ao pagamento dos alimentos, sejam eles
recentes ou antigos.
No caso das astreintes fixadas em, por exemplo, cumprimento de sentença de
obrigação de fazer, a distinção de ritos também se dará na fase inicial quanto às
consequências do inadimplemento da obrigação, porquanto a obrigação de fazer acarretará
a adoção de medidas coercitivas, indutivas ou sub-rogatórias enquanto a obrigação de
pagar a multa levará a medidas expropriatórias.
Ocorre que na hipótese de não se obter sucesso quanto ao cumprimento da
obrigação de fazer é bem provável que o credor opte pela resolução por valor equivalente,
transformando aquela obrigação de fazer em quantia certa, a partir de quando o rito se

420
TARTUCE, Fernanda; DELLORE, Luiz. Do CPC/73 ao novo CPC. In: TARTUCE, Fernanda; MAZZEI,
Rodrigo; CARNEIRO, Sérgio Barradas (coord.). Famílias e sucessões.
421
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp: 1749569 GO 2020/0219159-0. Relatora: Ministra
Maria Isabel Gallotti. Brasília, DF. Publicação DJ 11/02/2021.
149

igualará ao rito para o cumprimento da multa astreinte.


Todavia, diferentemente do que ocorre na execução por alimentos, a conversão
do rito do artigo 523 para o rito comum do artigo 528 se dá independentemente da vontade
do credor diante da ineficiência da prisão civil. No caso de cumprimento de sentença de
obrigação de fazer, de não fazer ou de dar coisa opera a regra do alliud pro allio,
positivado nos artigos 313, 314 e 475, todos do Código Civil, segundo o qual é dado ao
credor o direito de exigir o cumprimento da prestação in natura.
Na hipótese de o credor insistir no cumprimento da obrigação in natura, desde
que esta não se tenha tornado impossível, o procedimento continuará a se valer de regras
próprias à consecução do objetivo de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação,
sejam elas coercitivas ou indutivas. Por outro lado, o cumprimento de sentença relativo ao
pagamento do valor da multa astreinte prosseguirá por outro rumo, buscando a
expropriação de bens do devedor, admitindo-se apenas excepcionalmente, conforme
previsão da parte final do inciso IV do artigo 139 do CPC/15, a adoção de medidas
coercitivas lato senso.422
Essa incerteza quanto à conversão de ambos os ritos depois de transcorrida a fase
inicial do procedimento parece suficiente para distinguir esta situação daquela referente à
cumulação de ritos executivos quanto à execução de alimentos recentes e antigos,
ensejando, pois, solução jurídica diversa. Nesse caso, entende-se ser necessária a
propositura de cumprimento de sentença próprio, a fim de exigir o pagamento da multa
astreinte, considerando a incompatibilidade deste rito com o rito pelo qual transcorre o
cumprimento de sentença em que a multa fora fixada.

3.4.6 Exequibilidade nos juizados especiais

Uma última questão que desperta interesse no tocante à exequibilidade das multas
astreintes em face da natureza da decisão que as tenha fixado diz respeito à competência
do juizado especial civil para a execução de multas estabelecidas em procedimento que
tenha tramitado no âmbito de sua competência, especialmente quando o montante da multa
tenha ultrapassado o valor de alçada de quarenta (40) salários mínimos.
A celeuma se originou da antinomia aparente entre os artigos da Lei 9.099/95,

422
BORGES, Marcus Vinicius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015.
150

que trata dos juizados especiais: o artigo 3º, parágrafo 1º, inciso I, que confere aos
juizados especiais a competência para executar os seus próprios julgados, e o artigo 3º,
inciso I, que limita a competência do juizado especial cível a causas que não excedam o
valor de quarenta salários mínimos.
Diante desses dispositivos legais, questionou-se por algum tempo se o juizado
especial manter-se-ia competente para o cumprimento de sentença quando o valor do
crédito decorrente da aplicação de astreintes excedesse quarenta salários mínimos.
A questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça em 2013, quando, na decisão
do Recurso em Mandado de Segurança nº 38.884 – AC (2012/0175027-3), de relatoria da
Ministra Nancy Andrighi423, estabeleceu-se o entendimento de que na hipótese de fixação
de multa diária em razão de descumprimento de tutela provisória confirmada em sentença
que ultrapasse o teto de quarenta salários mínimos, a correspondente execução deve ser no
próprio juizado especial sem implicar renúncia do excedente.
Segundo os ministros, o fato de o valor da multa superar o montante de quarenta
salários mínimos não é suficiente para que se afaste a competência do juizado especial.
Para chegar a tal conclusão, comparou-se essa situação com aquela cujo valor da execução
também excede o valor de alçada em razão dos efeitos da mora, como juros e/ou aplicação
de cláusula penal.424
Assim, se a unidade da multa fixada for inferior a quarenta salários mínimos, a
superação do valor de alçada pelo acúmulo de sua incidência em face da inércia do
devedor não será suficiente para deslocar a competência para a vara comum. Esse
entendimento, inclusive, restou consolidado no Enunciado 144 do Fórum Nacional de

423
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA.
JUIZADO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE SEUS JULGADOS. VALOR SUPERIOR A 40 SALÁRIOS
MÍNIMOS. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ admite a impetração de mandado de segurança
perante os Tribunais de Justiça desde que o objetivo seja unicamente o de exercer o controle da competência
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, vedada a análise do mérito do processo subjacente.2. A
competência do Juizado Especial é verificada no momento da propositura da ação. Se, em sede de execução,
o valor ultrapassar o teto de 40 salários mínimos, em razão do acréscimo de encargos decorrentes da própria
condenação, isso não será motivo para afastar a competência dos Juizados e não implicará a renúncia do
excedente.3. A multa cominatória, que, na hipótese, decorre do descumprimento de tutela antecipada
confirmada na sentença, inclui-se nessa categoria de encargos da condenação e, embora tenha atingido
patamar elevado, superior ao teto de 40 salários mínimos, deve ser executada no próprio Juizado Especial.4.
Recurso ordinário em mandado de segurança desprovido.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso
em Mandado de Segurança - RMS nº 38884, AC 2012/0175027-3. Relatora: Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma. Brasília, DF, 7 de maio de 2013. Publicação DJe 13/05/2013.
424
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 229.
151

Juizados Especiais (FONAJE).425

3.5 ANÁLISE DA NECESSIDADE DE LIQUIDAÇÃO ANTERIOR À EXECUÇÃO DA


MULTA ASTREINTE

Por derradeiro, cabe analisar se a execução da multa astreinte prescinde de fase


anterior de liquidação do título, ou se uma vez fixada a multa o título em si guarda, em
regra, os elementos necessários à sua execução imediata.

Defendendo a possibilidade de execução das astreintes fixadas em sentença


apenas após o procedimento de liquidação, assim se posiciona Humberto Theodoro Junior:
“exigibilidade da multa: se a imposição se der na sentença, naturalmente sua exigência se
dará na execução do referido julgado. Dependerá, todavia, de prévia liquidação, em que se
comprove o inadimplemento e a respectiva duração, para aperfeiçoamento do título
executivo judicial”426.
Importante frisar que essa é a realidade no direito francês, ao exigir a prévia
liquidação do título judicial que fixou as astreintes.427 Entretanto, parte importante da
doutrina nacional entende de forma diversa ao afirmar que “a liquidez, em geral, é
alcançada por intermédio de mera operação aritmética, que deverá vir estampada na
memória do cálculo judicial”428.
Guilherme Rizzo Amaral aponta que o valor das astreintes é de fácil definição,
resultando da multiplicação do número de dias (ou outra unidade de tempo na qual fora
fixada a multa) pelo valor unitário da multa, sendo desnecessário procedimento prévio de
liquidação de sentença à espécie429, posição com a qual também concorda Eduardo
Talamini.430
Outros autores, como Marcelo Lima Guerra, indicam que eventualmente haverá a
necessidade de liquidação prévia das astreintes quando presentes fatores externos capazes

425
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 349.
426
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer.
427
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994.
428
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 209.
429
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 211.
430
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativas aos deveres de fazer e de não fazer: e sua extensão aos deveres
de entrega coisa, p. 256.
152

de interferir na incidência da multa, especialmente quanto ao seu termo a quo, o que, por
interferir diretamente no valor do crédito, interfeririam na liquidez do título. No entanto, o
autor discorda da posição dissonante, argumentando que, nesses casos, eventual alegação
de fatores externos capazes de interferir na incidência do crédito deverá ser sustentada
pelo devedor em sede de impugnação ao cumprimento de sentença. 431
Humberto Theodoro Junior apresenta outra solução quando defende a adoção de
procedimento semelhante ao cumprimento de sentença para pagamento de alimentos:

O executado será intimado, no prazo que lhe for assinado, a pagar o débito,
provar que já o fez ou justificar porque não está sujeito a fazê-lo. Se o devedor
nada alegar, ou se sua justificativa não for acolhida pelo juiz, a decisão sobre o
incidente aperfeiçoará o título executivo judicial para sustentar a execução da
multa. Se a defesa for acatada, o título executivo não terá se configurado e
nenhuma execução forçada terá lugar.432

Não é demais salientar que no procedimento de cumprimento de sentença de


obrigação de quantia certa de natureza geral o devedor terá a oportunidade de defender-se
das medidas expropriatórias por meio da impugnação ao cumprimento de sentença, não
estando sujeito a sanções e coerções mais agressivas, próprias do procedimento previsto
para o cumprimento de obrigações de natureza alimentar, motivo pelo qual não se entende
como justificável a utilização de procedimento especial destinado aos débitos de natureza
alimentar, por analogia, neste caso.
Nesse ponto, concorda-se com a posição daqueles que se manifestam pela
desnecessidade de procedimento prévio de liquidação na medida em que eventuais fatos
supervenientes capazes de reduzir a incidência da multa não podem servir de limitador
geral e a priori da liquidez dos títulos desta natureza, que, portanto, em regra, são
exequíveis independentemente de liquidação prévia, cabendo ao devedor, assim como
ocorre no cumprimento de sentença de outras naturezas, apontar eventuais imperfeições do
título por ocasião da impugnação.

431
GUERRA, Marcelo Lima apud AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil
brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras, p. 212.
432
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 830.
153

4 LIMITES AOS EFEITOS RETROSPECTIVOS DAS DECISÕES QUE


REVOGAM OU ALTERAM ASTREINTES

4.1 POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO/ALTERAÇÃO DE ASTREINTES

É notável o esforço do legislador em definir no texto do CPC/15 alguns pontos


polêmicos quanto à aplicabilidade prática das astreintes no direito brasileiro, mormente no
que tange a sua exequibilidade. Não obstante, um ponto ainda é alvo de intensa
divergência doutrinária e jurisprudencial: trata-se da possibilidade jurídica de revogação
e/ou alteração das astreintes, seja quanto ao seu valor ou quanto a sua periodicidade,
especialmente quando ocorre após a formação do título executivo judicial e após o trânsito
em julgado da decisão que fixou a multa.
Vale o destaque que embora a alteração possa operar-se tanto para menor quanto
para maior, a realidade dos tribunais denota que “a elevação de valores de ‘astreintes’
praticamente inexiste na jurisprudência nacional, sendo (ao revés) prática corriqueira a
diminuição (decote)”433.
É bem verdade que a nova legislação buscou disciplinar a matéria quando definiu
no parágrafo 1º do artigo 537 que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o
valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la [...]”.
Para muitos estudiosos do assunto, a inclusão do termo “vincenda” seria
suficiente para sacramentar a questão na medida em que impediria que a multa vencida
anteriormente à decisão que a revogara ou reduzira sofresse os efeitos desta
revogação/alteração. É o caso de Maurício Doutor, que defende que “à luz do art. 537, §1º,
depois de incidente a multa vencida não pode mais ser excluída”434. Assim também
entendem Raimundo Rolim de Mendonça Junior e Rosalina Motta Pinto da Costa, quando
asseveram que “o valor acumulado não deve ser objeto de modulação posterior,
especialmente em prestígio ao princípio da efetividade processual, que findaria maculado
na hipótese de simples minoração ou extirpação de valores”435.

433
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de “astreintes” no NCPC. Estudos de Direito
Processual à luz da Constituição Federal, p. 87.
434
DOUTOR, Maurício. Medidas executivas atípicas na execução por quantia certa: diretrizes e limites
de aplicação.
435
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
154

O fato é que, diversamente das previsões contidas no Código de Processo Civil


de 1973, que não estabeleciam o limite temporal em que a modificação das astreintes
poderia ocorrer, com o advento do Código de Processo Civil de 2015 se instituiu a
expressa regra de que a modulação da periodicidade ou do valor das astreintes somente
será cabível quando se tratar de multas vincendas, ou seja, que ainda não incidiram,
vedada, em tese, a modificação da multa coercitiva já fixada e vencida.436
Araken de Assis indica um caminho intermediário quando defende ser possível a
exclusão da multa vencida, mas não a sua modificação. O autor sustenta sua posição na
possibilidade de julgamento de improcedência do pedido principal, que teria como
consequência a revogação das astreintes, que são obrigações acessórias daquele pedido,
que por fim se julgou improcedente.437 Assim, “se houver julgamento definitivo
desfavorável à parte beneficiada pela multa, não poderá haver execução”438.
Em face da característica acessória da multa astreinte, há circunstâncias capazes
de impedir a sua incidência, ainda que de forma retrospectiva. Isso ocorrerá sempre que
sobrevier declaração judicial de que não era devida a obrigação principal cominada. Ou
seja, não sendo o devedor obrigado ao cumprimento da obrigação principal, não poderão
incidir as astreintes, que como acessórias que são, devem seguir o principal, se não por
lógica, pelo disposto no artigo 92 do Código Civil439.
Assim, independentemente da forma como foi fixada, “a multa somente incide se
e enquanto for possível o cumprimento da tutela específica, a que serve de apoio. Se o
cumprimento da obrigação, desde o início, é material ou juridicamente impossível, a multa
é irrelevante, porque não há a que servir”440.
De outro norte, encontram-se autores como Marcelo Abelha, para quem, em tese,
é possível tanto a exclusão quanto a redução da multa com efeito retroativo.441 Essa

vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de


Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 152.
436
REALE, Ana Luísa Fioroni. A multa astreinte como importante medida de apoio, prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, diante do artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil, p. 139.
437
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 150.
438
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de “astreintes” no NCPC. Estudos de Direito
Processual à luz da Constituição Federal, p. 150.
439
“Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja
existência supõe a do principal.”
440
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 609.
441
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
155

interpretação também encontra fundamento na natureza jurídica acessória do instituto, no


sentido de que a possibilidade de alteração da periodicidade ou do quantum da multa seria
elemento hábil a servir ao efetivo cumprimento da obrigação nos casos em que,
eventualmente, ocorrerem circunstâncias posteriores à sua fixação que justifiquem sua
readequação.442
Outro argumento a favor da possibilidade de revogação/alteração de astreinte
com efeitos retrospectivos é o fato de que quando fixada em sede de tutela provisória, a
exequibilidade da medida coercitiva se submete ao regime do cumprimento provisório de
sentença443, o que não faria sentido caso fosse imune à redução/revogação.
Guilherme Rizzo Amaral aponta quais seriam as situações capazes de motivar
essa alteração pelo próprio magistrado que fixou inicialmente as astreintes, descrevendo-as
da seguinte forma:

Há casos em que o próprio juiz que proferiu a decisão na qual se previa a


aplicação de multa revoga tal decisão, seja por força de juízo de retratação em
agravo de instrumento, seja por pedido de reconsideração de umas das partes,
seja, até mesmo, de ofício, em face de alteração dos fatos (aplicação da regra,
rebus sic stantibus) ou de fato novo noticiado nos autos. 444

Nesses casos, a revogação/alteração das astreintes decorre da própria natureza do


instituto, que enquanto tutela acessória de uma obrigação principal necessita adequar-se ao
direito material cujo cumprimento busca cominar, mas não significa que tal
redução/revogação possa ocorrr ao arrepio das garantias processuais constitucionais que
assistem às partes, tornando necessário o estudo acerca de regras e limites que devem ser
impostos no afã de harmonizar estes direitos.
Com esse desiderato, este derradeiro capítulo se dedica aos elementos que
podem/devem ser levados em conta para a revogação/redução das astreintes – ou seja,
definir quais as situações que a multa pode ser reduzida ou revogada –, sem que se atenha
a estabelecer regras acerca dos efeitos temporais – retrospectivos ou não – de decisões
desta natureza.

Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 150.
442
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
40.
443
ALVES, Marcus Vinicius Soares. Breve exame das tutelas de urgência. Disponível em:
http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina165.doc. Acesso em: 14 ago. 2021.
444
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 178.
156

4.1.1 Dever de fundamentação na decisão que revoga/altera astreintes

O dever de motivar imposto aos julgadores, por algum tempo, foi uma garantia
relegada a segundo plano na medida em que representava mera manifestação “de
autoridade e de poder”445.

O dever de motivação das decisões judiciais recebeu pouca atenção ao longo da


História do Direito. Por séculos prevaleceu o entendimento de que as decisões
judiciais eram manifestações puras de autoridade e de poder, sendo inconcebível
exigir do seu prolator algum tipo de justificação. Chega a ser compreensível,
desse modo, que os glosadores medievais tenham recomendado aos juízes, como
prudência, que proferissem sentenças imotivadas, pois assim ficariam
resguardadas de eventuais defeitos. Nem mesmo os filósofos do iluminismo pré-
revolucionário, salvo raras exceções, preocuparam-se com o tema; imaginavam
que a solução para a contenção do arbítrio do Poder Judiciário estaria na sua
sujeição a leis claras e completas446

Com o advento do Estado Liberal, que surgiu em oposição à concentração


excessiva de poder nas mãos do déspota, buscou-se um maior controle das decisões do
governante por meio de uma série de técnicas democráticas que passavam
fundamentalmente pela ideia de repartição de poderes, que só poderia funcionar sem a
interferência de um sobre o outro, o que levou à ideia de que as decisões do Estado-juiz
deveriam corresponder à aplicação literal das leis, pois, naquele período, acreditava-se,
que o ordenamento jurídico poderia abarcar todos os conflitos dos jurisdicionados.447
A exigência de motivação e de fundamentação das decisões judiciais continuou a
passar despercebida. Naquele período da história, os magistrados estavam de mãos atadas,
porquanto se esperava que apenas aplicassem a lei, como bouche de la loi.
O posterior processo de constitucionalização dos ordenamentos jurídicos,
especialmente os de matrizes civil law, abriu o caminho para a observância da necessidade
da correta motivação das decisões na medida em que se percebeu que o poder ilimitado
nas mãos de um juiz pode ser tão prejudicial quanto este mesmo poder nas mãos do
déspota.

445
LUCCA, Rorigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais: Estado de direito, segurança
jurídica e teoria dos precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 90.
446
LUCCA, Rorigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais: Estado de direito, segurança
jurídica e teoria dos precedentes, p. 90.
447
MOTTA, Sylvio. Direito constitucional. 27. ed. São Paulo: Método, 2018. p. 210.
157

No Brasil, contudo, o dever de motivação das decisões judiciais só passou a ter


validade a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, estampado em seu artigo 93, inciso IX.448
Como resultado de um desejo de se formar um estado social lastreado no
princípio da dignidade da pessoa humana, com o escopo de assegurar que o Estado não
interviesse nas liberdades e nos direitos de seus governados de forma arbitrária, elevou-se
o dever de fundamentação das decisões judiciais ao status de garantia fundamental, como
instrumento assegurador do devido processo legal, princípio limitador do arbítrio e do
poder de julgar dos magistrados.
Nesse sentido, o dever de fundamentação cumpre um duplo papel de garantia ao
jurisdicionado e à sociedade na medida em que, ao mesmo tempo, permite ao
jurisdicionado o exercício do direito fundamental de saber o porquê de estar sofrendo
alguma ingerência do Estado-Juiz em sua vida privada e garante à sociedade o controle
dos atos jurisdicionais, cuja fiscalização não seria possível se o juiz não tivesse de motivar
seus pronunciamentos decisórios. 449
Se a atuação de todos os poderes é limitada pelo controle da sociedade e este
controle em relação aos poderes Legislativo e Executivo se materializa nos processos
eleitorais em que o povo escolhe seus representantes por meio do voto, o Judiciário só
pode ser controlado por meio da análise de sua conformidade com a Constituição Federal
e a ordem jurídica, cuja aferição só será possível com a análise das razões que motivaram
o pronunciamento judicial.450 É por essa razão que se diz que o “dever de motivação das
decisões é garantia política contra a possibilidade de arbítrio por parte do Estado-juiz”451.
Uma das principais virtudes do CPC/15, o primeiro concebido inteiramente na
vigência da Constituição Federal de 1988, foi a de albergar em seu texto grande parte das
garantias constitucionais, marcando de forma decisiva a já inconteste influência do direito
constitucional sobre as regras de processo. Na verdade, o novo diploma processual civil
fortaleceu um vínculo de caráter recíproco com a Carta Constituional, para a qual serve de

448
OLIVEIRA, L. A. DE. A sétima dimensão dos direitos fundamentais. Revista Bonijuris, Curitiba, v.
654, p. 145–158, 2018. p. 8.
449
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria Geral do Processo, p. 240.
450
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais: Estado de direito,
segurança jurídica e teoria dos precedentes, p. 82.
451
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria Geral do Processo, p. 240.
158

instrumento concretizador de direitos e garantias fundamentais e ao mesmo tempo se


amolda aos contornos por ela impostos.452
A exigência de fundamentação das decisões judiciais (artigo 93, inciso IX, da
CF/88) não passou despercebida ao legislador na elaboração do Código de Processo Civil,
quando se tratou de emprestar contornos mais palpáveis ao conceito demasiadamente
abstrato do termo fundamentação, ao enumerar as hipóteses em que uma decisão não será
considerada fundamentada. Nesse sentido, o artigo 489, parágrafo 1º, do CPC/15 veio a
calhar, traçando um norte ao listar, de modo exemplificativo, os elementos necessários
para que um julgamento seja considerado fundamentado.453
Embora a exigência de fundamentação já emergisse do texto constitucional por
imposição do artigo 93, inciso IX, o fato é que o parágrafo 1º do artigo 489 do CPC/15 dá
ares mais concretos a esta garantia processual-constitucional, ou seja, ao mesmo tempo,
protege de forma mais efetiva o jurisdicionado de ingerências em seus direitos e liberdades
por decisões judiciais carentes de elementos essenciais, e serve como verdadeiro freio ao
Estado-juiz, que no exercício da jurisdição é obrigado a fundamentar suas decisões, sob
pena de nulidade.
Se o dever de fundamentação pode ser exigido independentemente da natureza da
decisão, fato é que o ônus argumentativo do magistrado diante da fundamentação na
interpretação e na aplicação de cláusulas gerais é mais elevado quando comparado com a
aplicação de regras com comandos mais restritos. “Isso porque a própria natureza dessas
cláusulas conduz a certa insegurança no tocante à previsibilidade dos resultados advindos
de sua interpretação”454.
Saliente-se que na aplicação de uma cláusula geral criada com o escopo de
emprestar maior efetividade à execução de obrigações reconhecidas em juízo, além de
todos os demais preceitos constitucionais, o princípio da eficiência merece atenção
especial.455
Assim, não se pode banalizar a possibilidade de modulação das astreintes, sob
pena de se correr o risco de acarretar uma ineficiência sistemática da medida, que levaria a
sua inutilidade prática. Por essa razão, a modulação, ainda que possível, não pode ocorrer

452
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 18.
453
DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p.
621.
454
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 364.
455
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 266.
159

sem que haja fundamentação específica e substancial que justifique a aplicação desta
hipótese – que deve ser excepcional – ao caso concreto:

A possibilidade de modulação, a ocorrer em situações de fato excepcionais,


deve ser compreendida como um ponto fora da curva, atraindo para o julgador o
ônus argumentativo de demonstrar o efetivo desvio de finalidade na
exigibilidade do valor acumulado, a conduta maliciosa do credor em corroborar
para a majoração do valor e, ainda, a demonstração de que a modulação não
representará de modo sistemático a ineficácia da medida imposta, a permitir, no
caso concreto, o afastamento da regra específica.456

A decisão deficiente de fundamentação em casos de modulação de astreintes


pode ser compreendida como infringente ao inciso III do parágrafo 1º do artigo 489 do
CPC/15457 na medida em que é dotada de uma generalidade inaceitável à espécie. Isso
porque se espera que o pronunciamento judicial seja proferido para atender ao caso
concreto, identificando as circunstâncias fáticas e jurídicas que o envolvem, não sendo
possível conviver com decisões produzidas “em escala industrial”458. Só assim se poderá
exercer os controles exo e endoprocessuais, possibilitando que se apure se a modulação
das astreintes, naquele caso concreto, correspondeu aos elementos que permitem a sua
modificação.
Acredita-se que tal modulação, contudo, deva ocorrer apenas de forma
excepcional, sob pena de comprometimento da efetividade da medida não apenas naquele
processo, mas também em termos prospectivos, considerando a possibilidade concreta de
que modulações genéricas afetem a capacidade de o instituto causar temor real nos
jurisdicionados em casos futuros. É o que conclui Humberto Theodor Júnior459 ao analisar
o disposto no parágrafo único do artigo 537 do CPC/15: “Uma vez concedida, a tutela
antecipada poderá ser revogada ou modificada, a critério do juiz, através de decisão
fundamentada.”.
O dever de fundamentação é mais importante quando se afasta da concepção
clássica-liberal de que o ato de julgar se limitaria a mero silogismo, mediante aplicação da

456
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 166.
457
“Art. 489. São elementos essenciais da sentença: § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: III - invocar motivos que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão.”
458
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, p. 278.
459
THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil anotado. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007. p. 190.
160

premissa maior (norma) e da premissa menor (fato), das quais resultaria a decisão judicial
por meio de dedução lógica.
O advento do Estado Social e a maior liberdade interpretativa dos órgãos
judiciais permitem uma maior amplitude de aplicação da norma na solução dos problemas
sociais, que muitas vezes escapam à previsão do legislador e, ao mesmo tempo, incumbe-
lhes de dar maior atenção ao dever de fundamentação na medida em que toda decisão se
fundamenta, de algum modo, no caráter discricionário de todo processo de
produção/aplicação jurídica.460
No caso das astreintes, sua aplicação está repleta de discricionariedade porque
sua natureza é de cláusula aberta – própria das medidas coercitivas contemporâneas –, o
que permite ao magistrado uma aplicação relativamente desprendida de limites legais,
notadamente quanto a sua forma de aplicação, periodicidade, valor, sujeito passivo, entre
outras características. Aliás, assim como ocorre com as medidas atípicas, de cuja natureza
se extrai uma “exigência de um (b)ônus argumentativo na aplicação das medidas
assecuratórias, cuja finalidade – a despeito de suas inúmeras diferenças – é controlar a
legitimidade da decisão judicial exigência de um maior” 461
, nas astreintes, embora
tipicamente previstas no ordenamento de maneira genérica, sua aplicação envolve elevado
grau de discricionariedade e isso, por si só, justifica uma maior preocupação com a
fundamentação da decisão dessa natureza.
Considerando que ao magistrado caberá sopesar no caso concreto os interesses do
credor e do devedor, ambos em princípio legítimos, a exigência de fundamentação se torna
imprescindível no âmbito de um processo civil constitucional e democrático, “mormente
em casos de cláusulas abertas como a do inciso IV, artigo 139, CPC, e que restringem
direitos fundamentais”462.
Em sentido semelhante, e considerando que os interesses contrapostos em casos
como esses merecem igual proteção constitucional, Marcus Vinicius Motter Borges
adverte para a necessidade de o magistrado, na aplicação das medidas atípicas, basear a

460
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 270.
461
ALCÂNTARA, Guilherme Gonçalves; RODRIGUES, Daniel Colnago. O (B) Ônus argumentativo
necessário à aplicação das medidas executórias atípicas – Notas para um instrumentalismo processual
constitucionalmente adequado. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, 2017.
p. 237.
462
ALCÂNTARA, Guilherme Gonçalves; RODRIGUES, Daniel Colnago. O (B) Ônus argumentativo
necessário à aplicação das medidas executórias atípicas – Notas para um instrumentalismo processual
constitucionalmente adequado. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, 2017.
p. 238.
161

sua fundamentação primordialmente nos postulados da proporcionalidade e da


razoabilidade.463
É justamente dessa maior carga de discricionariedade e da magnitude dos
interesses postos em jogo que deve advir uma maior preocupação com o dever de
fundamentação das decisões, tanto no momento da fixação da astreinte quanto na fase de
sua modulação, e que ocorra durante ou após a fase de conhecimento do respectivo
processo. Caso assim não ocorra, a aplicação sistemática e constitucional dos dispositivos
legais em análise levará à conclusão de nulidade da decisão que modulou as astreintes,
devido à exegese dos artigos 489, parágrafo 1º, inciso III, combinado com o artigo 93,
inciso IX, da Constituição Federal.

4.1.2 Critérios materiais para revogação/alteração de astreintes

Outro elemento acerca da aplicabilidade das astreintes abordado diretamente pela


nova disciplina legal destas medidas no CPC/15 alude às hipóteses de modificação do
valor ou da periodicidade da multa vincenda, conforme previsão expressa nos incisos I e II
do parágrafo 1º do artigo 537464 do Código de Processo Civil. Desses dispositivos, extrai-
se que o valor da multa pode ser reexaminado nos casos em que se tornou insuficiente ou
excessivo, ou nos casos em que o obrigado demonstrou cumprimento parcial
superveniente ou justa causa para o descumprimento da medida.465
A hipótese prevista no inciso I do citado dispositivo legal possibilita ao
magistrado a análise acerca do valor e da periodicidade da multa, de modo a adequá-la à
realidade da obrigação, seja porque a situação de fato se alterou desde a sua fixação até a
data da decisão de modulação, ou porque, após a cognição exauriente, o magistrado reuniu
novos elementos que lhe permitem fixá-la com mais assertividade em comparação com o
momento processual anterior, quando de posse de menos informações, em sede de juízo de

463
BORGES, Marcus Vinicius Motter. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias:
parâmetros para a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, p. 318.
464
“Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento,
em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício ou
a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I -
se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da
obrigação ou justa causa para o descumprimento.”
465
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 281.
162

cognição sumária, havia estabelecido a multa em patamar que, embora naquele momento
parecesse adequado, agora se revela irrisório ou excessivo.
Assim, da mesma forma que é possível que esteja a exaurir-se o prazo para
cumprimento específico da obrigação ou o valor fixado da multa não tenha sido alto o
suficiente para compelir o devedor ao cumprimento, devendo a multa ser majorada; pode
haver a necessidade de se reduzir o valor da multa ou aumentar a sua periodicidade na
hipótese de que aquelas anteriormente fixadas tenham tornado-se inadequadas ou que se
revele circunstância desfavorável ao cumprimento da ordem judicial.466
Humberto Theodoro Júnior corrobora quando aduz que é o caráter coercitivo e
acessório das astreintes que autoriza o juiz, a qualquer tempo e de ofício, a modificar o
valor ou a periodicidade da astreinte vincenda caso verifique que se tornou insuficiente ou
excessiva.467
No que tange às hipóteses do inciso II do dispositivo mencionado linhas atrás, a
adequação da multa se fundamenta na demonstração de cumprimento parcial da obrigação;
ou ainda em caso de demonstração de justa causa que esteja a dificultar o cumprimento da
ordem judicial. No primeiro caso, embora o cumprimento parcial da obrigação não sirva
para obstar a mora do devedor, a quem cabia o cumprimento total, este pode servir para
amenizar a incidência da multa, seja porque o prejuízo ao credor restou reduzido, ou ainda
por existir certa presunção de boa-fé do devedor, ao menos quando comparada a outros
devedores que não cumpriram sequer parcialmente obrigações semelhantes.
Assim, tem-se por cumprido parcialmente o escopo coercitivo da medida porque,
com o cumprimento parcial da obrigação, a resistência do devedor pode já ter sido
superada de algum modo, ou seja, sinaliza que “provavelmente irá cumprir integralmente a
decisão, ainda que de forma mais lenta”, caso em que, “a redução do valor se mostra
possível e até mesmo recomendada”.468
Outra hipótese de redução/supressão de astreintes inserida no inciso II do referido
artigo é a justa causa que esteja a dificultar o cumprimento da ordem judicial. Aqui, como
se trata de responsabilidade contratual, caberá ao devedor o ônus probatório acerca da
exceção ao cumprimento, a exemplo do que ocorre no regime do direito das obrigações.

466
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 614.
467
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 172.
468
OLIVEIRA, Diego Henrique Nobre de. Algumas questões sobre as astreintes e seu regramento no novo
Código de Processo Civil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Execução, p. 291.
163

Assim, a justa causa, que deverá ser demonstrada pela parte ré, é invocada como
justificativa para o descumprimento da obrigação469.
Nesses casos, é essencial a aferição da intensidade da justificativa da resistência
ao cumprimento da obrigação. Se a justificativa decorrer da impossibilidade completa do
cumprimento, a multa deixa de incidir pois não deveria ter sido cominada, eis que como
medida acessória e coercitiva não tem lugar quando a prestação que visa forçar o
cumprimento tem seu adimplemento obstado por circunstâncias alheias à vontade do
devedor. Por outro lado, quando a justificativa servir para demonstrar apenas uma
dificuldade acima da ordinária e não a impossibilidade completa do adimplemento da
obrigação, não há que falar em supressão, mas tão somente em adequação do montante
e/ou periodicidade da multa, para que seja fixada proporcionalmente ao grau de
recalcitrância do devedor.
Nesse cenário da comprovação da justa causa, entre outras circunstâncias, torna-
se essencial a análise do comportamento processual das partes. Se de um lado é possível a
redução da multa em casos em que o devedor buscou de algum modo o cumprimento da
decisão, que não se concretizou por motivos alheios a sua vontade, “por outro lado,
observado o seu desinteresse no cumprimento da ordem, a redução ou exclusão do
montante da multa implicaria verdadeiro prêmio à sua torpeza”470.
Além da intensidade da dificuldade de cumprimento da obrigação, é importante a
aferição da sua temporalidade. Isso porque, caso a impossibilidade seja contemporânea à
fixação da multa, a decisão que venha a suprimí-la gerará efeitos retroativos à data em que
se configurou a impossibilidade do cumprimento, não chegando, portanto, a incidir. Por
outro lado, diante de causa de impossibilidade temporária, a multa apenas deixará de
incidir enquanto durar/durou a causa que tornou impossível o cumprimento, excluindo-se
este interim do período de incidência da multa.471
Motivo semelhante é utilizado para a redução ou supressão da multa astreinte no
ordenamento matriz do instituto, como demonstra François Chabas:

Podemos então temer que a pena, mesmo definitiva está sujeita a ser reduzida se
o devedor tiver encontrado uma dificuldade que não tenha todos as
características de força maior, ou seja, as circunstâncias que apenas diminuíram

469
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 173.
470
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 620.
471
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 615.
164

a gravidade sem culpa dele. É todo o espírito da penalidade final que está
comprometido e, como resultado, sua eficiência.472

No mesmo sentido, Julio Lora assevera:

Sobre este aspecto se presentan dos opciones: Primera. El deudor persiste em no


cumplir la obligación. Em este caso se aumentará el monto de la astreinte, a fin
de vencer su alidamente. Segunda. El deudor, luego de cumplir la obligación,
em justificado alidamente los motivos de su demora. Em este caso el monto de
la astreinte, em consideración a lo expuesto por el deudor, puede reducirse o
dejarse sin efecto.473

François Chabas explica que embora a reforma legislativa de 1991 tenha


instituído no Código Francês, no artigo 36, parágrafo 2º, a regra segundo a qual
a pena definitiva “nunca pode ser modificada durante a sua liquidação”, a disposição do
artigo 36, parágrafo 3º, indica outra solução quando dispõe que: “A multa provisória ou
definitiva é dispensada no todo ou em parte se ficar estabelecido que surge o
descumprimento ou o atraso na execução da liminar do juiz, no todo ou em parte de uma
causa estrangeira”474.
Dessa disposição, infere-se que no direito francês a alteração das astreintes é
exceção, condicionada à comprovação de fato extraordinário que tenha impedido, no todo
ou em parte, o cumprimento da obrigação cominada.
Como se pode perceber, embora o ordenamento francês condicione a
mutabilidade das astreintes à ocorrência de fato extraordinário, no caso concreto, a
avaliação do fato extraordinário exposto decorre de certa arbitrariedade475 do juiz no
tocante à adequação – majoração ou redução – ou supressão da multa. Saliente-se que
naquele ordenamento, tal adequação costuma ocorrer no momento da liquidação da
multa476, procedimento este que, como tratado anteriormente nesta pesquisa, é
desnecessário no Brasil, onde se admite o cumprimento imediato da decisão ante a
possibilidade de aferição do valor devido por simples operação aritmética.
Dessarte, não havendo necessidade de liquidação das astreintes como condição de
sua exequibilidade, a possível adequação/supressão da multa só poderá ocorrer em outro
momento processual, tema a ser abordado adiante, nesta pesquisa.

472
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil. São Paulo, v. 69, 1994.
473
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa, p. 64.
474
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994.
475
CHABAS, François. L’astreinte en Droit Français. Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 69, 1994.
476
LORA, Julio H. Incháustegui. Las astreintes: análisis y consideraciones sobre esta medida conminatoria
originada em la jursprudencia francesa.
165

Em que pese a expressa previsão legal sobre os motivos pelos quais a multa
astreinte pode ser alterada ou suprimida, a doutrina e a jurisprudência trazem outros
elementos a serem analisados para este desiderato, seja porque complementam as
hipóteses dos incisos do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, com fundamento legal em
outros dispositivos legais/constitucionais, ou porque auxiliam na interpretação das causas
descritas nos próprios incisos.
Nesse sentido há, por exemplo, quem defenda a readequação da multa com base
na aplicação abstrata dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e na vedação
ao enriquecimento sem causa do credor477.
Para Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, apesar
de existirem posicionamentos doutrinários pautados em princípios de proporcionalidade,
razoabilidade e vedação ao enriquecimento sem causa defendendo a mutabilidade das
astreintes vencidas, o advento do artigo em análise condiciona a alteração ou exclusão da
periodicidade ou do quantum das astreintes pelo magistrado somente com relação a
astreintes vincendas quando: “em primeiro lugar, se entender que o valor anterior se
tornou insuficiente ou excessivo. O outro caso ocorre se o ordenado evidenciou
cumprimento parcial superveniente da prestação ou justa causa para o não
cumprimento”478.
Não obstante, mesmo que se limite a possibilidade de mutabilidade das astreintes
aos casos previstos no parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, ainda assim, encontrar-se-á
espaço para interpretação, especialmente considerando que a aferição daquelas hipóteses
dependerá das circunstâncias do caso concreto.
Rafael Caselli Pereira, nessa linha, pontua critérios para análise da modulação do
quantum alcançado pela multa, como: a) duty to mitigate the loss; b) capacidade de
resistência do devedor; c) capacidade econômica do devedor da obrigação; d) benefício do
devedor da obrigação com o descumprimento da ordem judicial; e) se houve cumprimento
parcial superveniente da obrigação; ou ainda, f) se a obrigação deixou de ser cumprida por
se tratar de medida impossível de ser atendida.479

477
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 617.
478
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 387.
479
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 322.
166

É justamente sobre alguns desses elementos, úteis à tarefa de adequação da multa


astreinte ao caso concreto, que a pesquisa passará a se dedicar.

4.1.3 Influência do comportamento da parte, boa-fé processual e duty to mitigate the


loss

É inegável que a preocupação com a carga principiológica na interpretação e na


aplicação do direito processual civil ganhou maior relevo com o advento do CPC/15, que
instituiu um verdadeiro sistema de princípios. Tais princípios, somados às regras
instituídas, impõem uma leitura constitucional do processo, tendo como vetores seus
corolários do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa e uma renovada
fundamentação estruturada e legitimadora das decisões judiciais.480
Além desses princípios processuais constitucionais clássicos, mereceram
destaque os deveres de cooperação e de boa-fé processuais, que, além da previsão genérica
dos artigos 5º e 6º, imbricaram-se por todo o Código481, de modo a influenciar uma série
de outros instrumentos processuais, sinalizando uma clara mudança paradigmática em que
“se elevou o grau de participação e de influência das partes na preparação e formação do
provimento judicial com que se haverá de solucionar o litígio em juízo”482.
Esses princípios têm aplicação direta na adequação/supressão da multa astreinte,
uma vez que a análise da conduta do devedor será essencial para que se verifique o acerto
ou desacerto da multa anteriormente fixada, que pode vir até a ser majorada diante de
condutas anticooperativas do devedor e contrárias à boa-fé.
Por outro lado, a conduta do credor, destinatário da multa, também será levada
em conta na medida em que, em razão dos princípios da boa-fé processual e da
cooperação, cabe-lhe agir para impedir o aumento desnecessário do quantum fixado pelo
magistrado. Isso porque, cabe ao credor minimizar o próprio prejuízo (duty to mitigate the
loss), sob pena de incorrer em ilícito processual, que “implica a perda do direito do valor

480
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 36.
481
“Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé;
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.”
482
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Aexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 62.
167

da multa (supressio) respectivamente ao período de tempo considerado pelo órgão


jurisdicional como determinante para a configuração do abuso do direito”483.
A ligação entre o dever de mitigar perdas e o princípio da boa-fé e lealdade
processual no caso da quantificação final das astreintes é retratada por Humberto
Theodoro Júnior, para quem a supressão da multa se justifica “em razão de o credor,
maliciosamente ter deixado passar longo tempo sem executá-la, só o fazendo depois de ter
assumido um montante exagerado, capaz de arruinar economicamente o devedor ou de
provocar-lhe um dano iníquo e injustificável eticamente”. Nesses casos, segundo o autor,
mesmo as parcelas vencidas devem ser suprimidas ou ao menos reduzidas, “considerando
que, como princípio geral, a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza”484.
No caso das astreintes, o dever de mitigar o próprio prejuízo pode ocorrer na
hipótese de o credor esquivar-se de receber a prestação que persegue judicialmente,
visando com isso majorar o valor das astreintes, que pode, naquele caso, tornar-se mais
interessante do que o próprio cumprimento da obrigação que dera origem à cominação da
multa. Esse comportamento, por certo, desvirtua a natureza do instituto da astreinte, que
de acessório coercitivo passa, por abuso de direito do credor, a ser o real objetivo da
demanda. Em outras palavras, o interesse do credor em receber tais valores se torna mais
atraente do que a própria prestação jurisdicional postulada. E, mais grave: o demandante,
quando amparado pela astreinte, muitas vezes passa a “cultivar a multa”, deixando de
informar ao juízo sobre o descumprimento da obrigação por longo período (ou até
dificultando o adimplemento)485, agindo, assim, em claro venire contra factum proprium.
Se antes a boa-fé processual já era exigível e esperada, o modelo constitucional
de processo estabelecido no CPC/15, com a proibição da conduta contraditória como
corolário dos princípios da confiança e da boa-fé como premissas normativas, não deixa
espaço para comportamentos contraditórios, sejam estes praticados pelo magistrado ou
pelas partes, quando realizados por meio de condutas que não se compatibilizam.486
Saliente-se que quando uma parte adota um primeiro comportamento lícito, estará
produzindo nos demais sujeitos do processo e no próprio órgão julgador um sentimento de

483
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 623.
484
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 838.
485
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista de Direito da ADVOCEF, Londrina, v. 1,
n. 6, p. 139-168, 2008.
486
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Aexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 179.
168

confiança, sinalizando que os demais atos por ela praticados seguirão a mesma linha
indicada pelo comportamento original:

É nessa perspectiva que os requisitos para aplicação da repulsa à conduta


contraditória se contentam, além da própria incoerência de comportamento da
mesma pessoa perante a mesma relação obrigacional, com a quebra de confiança
inspirada à outra parte e ao prejuízo jurídico que tal quebra lhe tenha
acarretado.487

Como exemplo de conduta contrária aos princípios processuais, pode-se citar


uma demanda em que se tenha deferido multa astreinte em sede de tutela provisória, cujos
autos foram retirados em carga em 2002 e devolvidos ao cartório em janeiro de 2007, com
petição de execução das astreintes, por suposto descumprimento de ordem judicial que
determinava a retirada do nome da autora dos cadastros de proteção ao crédito, cujo valor
já ultrapassava a importância de R$13.000.000,00 (treze milhões de reais).488
Casos como esses recomendam até a aplicação da supressio489, pois “não pode
ser permitido que a parte credora, de forma intencional, se mantenha inerte para alcançar
valores estratosféricos a título de multa coercitiva, porquanto tal hipótese beira o
verdadeiro abuso de direito”490.
Quanto ao fundamento da supressio, com base no princípio da boa-fé e na
legítima expectativa criada nos demais atores do processo, trata-se de possibilidade de
perda do direito outrora legítimo, que não tendo sido exercido pela inércia injustificada do
credor deixa de sê-lo ante a quebra de expectativa de continuidade capaz de criar uma
imagem de não exercício e de desconformidade com a situação de fato, que passa a ser
incompatível com a busca pelo direito pleiteado.491
Essa situação se encaixa na hipótese do inciso II do parágrafo 1º do artigo 537 do
CPC/15 na medida em que a conduta do credor pode ser considerada um exemplo de justa
causa que está a impedir o cumprimento da obrigação. De fato, ao descumprir o dever de

487
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Aexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 181.
488
DIDIER JUNIOR, Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 620.
489
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 332.
490
LIMA, Caroline Melchiades Salvadego Guimarães de Souza; MARQUESI, Roberto Wagner. A
possibilidade de redução da multa coercitiva com fundamento no duty to mitigate the loss. Revista
Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 67-83, 2018. Disponível em:
https://www.e-104 publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/36487/25847. Acesso em: 13 ago. 2021.
p. 79.
491
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Aexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, p. 183.
169

mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss) o credor abusou de seu direito e,
assim, ao menos enquanto perdurar o ato ilícito, haverá a perda do direito ao valor da
multa.492
Essa análise temporal é de grande importância para que se possa realizar uma
adequação proporcional da multa astreinte. Assim, caso o abuso de direito do credor não
seja contemporâneo à fixação da multa, a supressão ou redução da multa não deverá
retroagir para além da data em que se verificou tal ilícito processual, de modo a se
estabelecer uma consequência jurídica diversa para cada período: (i) da fixação da multa
até a verificação do comportamento processual inadequado do credor, a multa é devida e
será mantida no mesmo patamar, salvo se presente outro motivo capaz de gerar a sua
redução/supressão; (ii) da data em que teve início o comportamento processual inadequado
em diante, a multa deve ser reduzida, quando não suprimida.
Outro tema que desperta interesse quanto à influência do comportamento
processual do credor em face da multa fixada diz respeito à ausência de cumprimento
provisório da multa, diante da inadimplência imediata do devedor.
Não se olvida que é lícito o cumprimento provisório da multa, mesmo que fixada
em sede de tutela de urgência. Porém, há quem defenda que mais do que possível, o
cumprimento provisório é, de certo modo, exigível do credor, sob pena de a inércia ser
considerada uma espécie de aquiescência com o descumprimento da obrigação. É o que
aponta, por exemplo, Rafael Caselli Pereira, que considera possível a redução da multa por
violação ao princípio da boa-fé quando se verificar que o credor deixou de exercer o seu
direito processual por elevado lapso temporal, aquiescendo por significativo período
acerca da cobrança da multa coercitiva, causando propositadamente o aumento do
montante das astreintes.493
Nesse ponto, adota-se entendimento divergente: primeiro porque não parece que
a ausência do exercício do direito de execução imediata da multa seja suficiente para que o
devedor não esteja ciente das consequências financeiras de sua recalcitrância; segundo, e
mais importante, porque diante do evidente cenário de insegurança jurídica que permeia a
questão da redução/supressão da multa diária no Brasil, não parece correto obrigar o
credor a se submeter a esta verdadeira aventura jurídica para que seja considerado

492
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
173.
493
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 326.
170

cumpridor dos deveres de boa-fé e cooperação processual. Em outras palavras, um bom


credor é aquele que não se esquiva nem cria empecilhos ao cumprimento da obrigação. Se
não está a obstar o cumprimento, o credor está, presumidamente, agindo de boa-fé. A
partir daí, cabe ao devedor fazer a sua parte, cumprindo a obrigação com a qual se
comprometeu ou que lhe tenha sido determinada pelo magistrado.
Dessa sorte, como cabe ao devedor a comprovação do comportamento
inadequado do credor, caso não se verifique tal conduta, não haverá razão para
redução/supressão da multa fixada motivada por abuso de direito ou desrespeito aos
princípios de boa-fé, lealdade e cooperação processuais.

4.1.4 Enriquecimento sem causa como motivo de redução de astreintes

A questão do enriquecimento sem causa na aplicação/execução de astreintes é,


sem dúvida, uma das celeumas mais intrigantes deste instituto e talvez a maior motivadora
de decisões que impõem a sua redução ou supressão.
O fato de a multa ser dirigida integralmente ao credor – diferentemente do que
ocorre em outros países que adotam instrumentos processuais semelhantes às astreintes
brasileiras –, somada a noção de que a multa não tem por escopo principal enriquecer o
credor, mas sim forçar o devedor ao cumprimento de outra obrigação principal, acaba por
levar a um paradoxo: diante da inadimplência do devedor a multa será devida ao credor,
que, por sua vez, receberá um aumento patrimonial sem que tenha ele praticado qualquer
ato correspondente.
Por outro lado, a impossibilidade de execução e/ou redução ou supressão da
multa tem o potencial de fulminar o escopo das astreintes na medida em que retira o poder
coercitivo que lhe dá sentido. Desse modo, o enriquecimento do credor não seria sem
causa, uma vez que tal causa seria justamente a recalcitrância injustificada do devedor que,
por força de lei e da decisão judicial proferida, resultaria em proveito econômico do
credor.
O tema do enriquecimento sem causa está há muito presente no direito civil.
Mesmo quando o Código Civil de 1916 não trazia previsão específica essa figura jurídica
já era adotada como princípio geral do direito. Tal situação ganhou reforço quando o
171

Código Civil de 2002 disciplinou o instituto, dedicando-lhe o capítulo IV494 do título VII
do Livro I (Direito das Obrigações).495
Para a configuração do instituto do enriquecimento sem causa, conquanto
algumas diferenças possam ser encontradas na doutrina, vale apresentar aqui os cinco
requisitos arrolados por Bruno Miragem: “(a) de que se demonstrem o empobrecimento e
o enriquecimento correlativos; (b) a ausência de culpa pelo empobrecimento; (c) ausência
de interesse pessoal que se vincule ao empobrecimento; (d) ausência de uma causa de
enriquecimento; (e) que tenha caráter subsidiário”496.
Nesse ponto, aqueles que defendem a redução/supressão das astreintes com base
na vedação ao enriquecimento sem causa consideram presentes todos os requisitos
mencionados linhas atrás, pois “uma vez que o ordenamento já lhe assegura o direito à
reparação integral de todo e qualquer dano que lhe cause a parte ré, não encontra
fundamento nos princípios que informam o sistema jurídico a premiação do credor com o
montante decorrente da multa”497.
Na interpretação de Paulo Franco Lustosa, correto seria que a multa ficasse
depositada em juízo como garantia de pagamento de eventual indenização, caso se
comprove o dano suportado pelo credor em razão da inércia do devedor, valendo lembrar
que a comprovação deve operar-se mediante procedimento “cognitivo simples voltado à
demonstração do dano e do nexo de causalidade, sendo a parcela excedente revertida ao
Estado ou a algum fundo público”498.
Alexandre Freitas Câmara, contrariamente, aponta que “o enriquecimento do
credor que, eventualmente ocorra, não é sem causa. Trata-se de enriquecimento com

494
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a
restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi
exigido.
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas
também se esta deixou de existir.
Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se
ressarcir do prejuízo sofrido.”
495
BRASIL, Código Civil de 2002.
496
MIRAGEM, Bruno. Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 74.
497
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista da ADVOCEF, Londrina, v. 1, n. 6, p.
139-168, 2008.
498
LUSTOSA, Paulo Franco. O paradoxo das astreintes. Revista da ADVOCEF, Londrina, v. 1, n. 6, p.
139-168, 2008. p. 167.
172

causa. Afinal, o enriquecimento do credor, aqui, é causado pela demora do devedor em


efetivar o comando”499.
Assim, o enriquecimento do credor é lícito e com causa pois “há um título
judicial que legitima o surgimento deste crédito para o credor, qual seja: a demora do
devedor em efetivar o comando judicial”500.
Eduardo Talamini, embora compreenda que a destinação do crédito da multa ao
credor lhe dê uma vantagem potencialmente desproporcional ao prejuízo sofrido vê neste
procedimento um mal menor, na medida em que “fazê-la cessar significaria premiar a
recalcitrância do réu. E isso seria um mal maior do que a potencialidade de
‘enriquecimento sem causa’, gerada pela incidência da multa”501.
Desse modo, “simplesmente referir (sem qualquer fundamentação mais analítica)
que o montante alcançado, a título de astreinte, é fruto de enriquecimento ilícito ou sem
causa, trata-se de enterrar de vez a essência do instituto”502.
Flori Antonio Tasca, ao examinar os efeitos prospectivos de decisões que
reduzem ou suprimem astreintes com base em um pretenso enriquecimento sem causa
defende que, assim agindo, o Judiciário acaba por proceder contra si próprio, beneficiando
os culpados pela recalcitrância no cumprimento das obrigações, a pretexto de evitar
eventual lucro dos maiores prejudicados pelo inadimplemento dessas obrigações:

Cada vez que um tribunal reduz uma multa, a mensagem que passa é clara: ‘não
nos levem tão a sério’. É o Judiciário contra si mesmo. Curioso que essas
reduções premiadas (prêmio para quem intencionalmente errou) são dadas pelos
mesmos magistrados que reclamam maior respeito dos demais poderes. Como
querer respeito quem, de sua própria lavra, premia aqueles que não levam a
sério as determinações do próprio Judiciário? Mais estranho ainda é que, em
geral, o Judiciário ignora que o desrespeito generalizado aos consumidores,
praticado por muitos, enriquece-os ilicitamente. Ignora que a punição didática
evitará tal tipo de cultura. No final, para não ‘enriquecer’ um consumidor
lesado, protege exageradamente o economicamente mais forte. Age, portanto,
com graves erros: a) não resolve a tempo o problema de fundo, a violação do
mérito; b) não resolve a recalcitrância, premiando-a (a demora é um segundo
dano ao consumidor); c) não desestimula o ofensor, nem na questão de fundo; d)

499
CÂMARA, Alexandre Freitas. Redução do valor da astreinte e efetividade do processo. In: ASSIS,
Araken de et al. (coord.). Direito civil e processo: estudos em homenagem ao professor Arruda Alvim. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1569.
500
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
158-167, jan./abr. 2017. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista78/revista78.pdf#pa ge=159>.
Acesso em: 20 jul. 2020. p. 166.
501
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativo aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, art. 461, CDC, art. 84,
p. 252.
502
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 321.
173

não desestimula o ofensor a levar a sério as determinações do Poder Judiciário;


e) estimula outros a não levarem a sério as determinações do Poder Judiciário, aí
incluídos os demais poderes que também não são regulares em atender tais
determinações (em boa parte por culpa do Judiciário mesmo); f ) não oferece à
coletividade notícia de firmeza mas, ao contrário, de postura tíbia; g) não dá
contribuição alguma à formação de uma nova cultura, de honestidade e
probidade, ao contrário, reforça a cultura da malandragem. Se fossemos resumir
o efeito geral, poderíamos dizer que ao reduzir ou eliminar tais multas, o
Judiciário age como Robin Hood às avessas, tomando dos espoliados para dar
aos espoliadores.503

Com base nesse provável efeito prospectivo sobre devedores e outros litigantes
em demandas futuras, pode-se concluir que o reexame da multa com base no mero
enriquecimento do credor sem a observância das circunstâncias do caso concreto que
causaram a elevação do saldo devedor serve como estímulo ao descumprimento dos
comandos judiciais, vez que ao ter conhecimento de orientação jurisprudencial no sentido
de adequação da multa com fulcro nesses argumentos, a parte “se sentirá tentada a
desobedecer às ordens judiciais”504.
Além disso, não se pode olvidar que “a atuação do tempo não só prejudica o
credor, que se queda mais tempo sem obter a obrigação desejada, como beneficia o
inadimplente que dá causa à cumulação da multa, mas que, ao final, a vê reduzida a
valores substancialmente menores”505.
De mais a mais, o credor que litiga de má-fé sempre estará sujeito a sanções
processuais cabíveis, não se podendo cair na generalização de tratar todos os credores
como transgressores das normas processuais e todos os devedores como vítimas da
situação, que não teria sido criada caso a prestação devida tivesse sido cumprida de forma
voluntária. Justamente por isso é que no âmbito do STJ, ao menos na Terceira Turma, tem
prevalecido o entendimento sobre a necessidade de analisar o valor e a periodicidade da
multa astreinte de forma retrospectiva, com vistas a verificar se foi estipulada em valor
compatível com a prestação imposta pela decisão judicial. Em caso positivo, “eventual
obtenção de valor final expressivo decorrente do decurso do tempo associado à inércia da
parte em cumprir a determinação não enseja a sua redução”506.

503
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de “astreintes” no NCPC. Estudos de Direito
Processual à luz da Constituição Federal, p. 75.
504
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
173.
505
SOUZA, Karina Resende Miranda de. Astreintes: sua destinação final e o enriquecimento sem
causa. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 8, n. 8, 2011. p. 534-535.
506
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 161.
174

4.2 REVOGAÇÃO/ALTERAÇÃO DE ASTREINTES FIXADAS EM DECISÃO


TRANSITADA EM JULGADO E OFENSA À COISA JULGADA

4.2.1 Coisa julgada: relativização?

Importante parcela da doutrina e da jurisprudência tem compreendido que, dada a


sua função eminentemente processual e coercitiva, a parte do decisum referente à
imposição da astreinte não seria acobertada pelo manto da coisa julgada, exatamente por
não compor o mérito da causa, mas apenas servir de instrumento para a efetivação de
prestação imposta.507
Dessa conclusão se origina um dos problemas a serem enfrentados na presente
pesquisa e diz respeito ao termo ad quem da modificação das astreintes, ou seja, a
possibilidade ou não de se revogar a decisão que fixou a astreinte após o trânsito em
julgado da sentença/acórdão.
Na vanguarda da corrente que defende a possibilidade de alteração pós-trânsito
em julgado surge Humberto Theodoro Júnior508, que estende o conceito da revogabilidade
da decisão aos casos em que a multa é estabelecida em sentença final. Segundo o autor, o
trânsito em julgado não impede que ocorra a revisão da astreinte durante o processo de
execução em virtude de tal obrigação não integrar o mérito da sentença e, portanto, na
qualidade de simples medida executiva indireta não se cobre com o manto res iudicata.
É bem verdade que o mencionado autor, diante do disposto no parágrafo 1º do
artigo 537 do CPC/15, passou a afirmar que tal alteração (revisão) só seria possível em
face da multa vincenda: “Com esse preceito, a nosso entender, o CPC/2015 excluiu a
redução do montante vencido, seja quando questionado pela parte ou mesmo quando a
iniciativa for do juiz”509.
Luiz Guilherme Marinoni, mesmo com o advento do Código de 2015 continuou a
asseverar que a fixação da multa astreinte “é feita sempre em caráter provisório, o que

507
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 148.
508
THEODORO JUNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila
Gomes Norato. Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro, não paginado (e-book).
509
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença, p. 836.
175

impede, mesmo quando imposta na sentença, a sua imunização pela coisa julgada
material”510.
Rafael Caselli Pereira, por seu turno, adota posição intermediária ao defender a
ideia de que a redução das astreintes na fase de cumprimento de sentença só seria possível
quando fundada em fatos ocorridos posteriormente à formação da coisa julgada.511 Esse
argumento é refutado por Luiz Guilherme Marinoni, para quem pouco importa o momento
em que ocorreram os fatos que fundamentaram a redução da multa.512 Para esclarecer a
sua posição, o autor interpreta a literalidade do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC,
extraindo deste dispositivo a seguinte conclusão:

Se analisarmos o §1º do art. 537 do CPC/2015, verifica-se que o dispositivo é


claro ao referir tão somente à possibilidade de revogação ou supressão da multa
vincenda, e não vencida, ou seja, em relação ao quantum já alcançado somente
seria possível modular (e não revogar ou suprimir totalmente) o valor já
consolidado. De qualquer forma, entendemos que, sendo demonstrada de forma
cabal a impossibilidade fática ou jurídica de atendimento ao preceito fixado,
caracterizando-se pela justa causa (parte final do inciso II do §1º do art. 537 do
CPC/2015), há sim a possibilidade de revogação/supressão da totalidade da
multa. 513

No mesmo sentido arremata Humberto Theodoro Júnior514: “a multa uma vez


fixada não se torna imutável, pois ao juiz da execução atribui-se poder de ampliá-la ou
reduzi-la, para mantê-la dentro dos parâmetros variáveis, mas sempre necessários, da
‘suficiência’ e da ‘compatibilidade’”.
Na interpretação distinta de Antônio Cláudio da Costa Machado, quando a
sentença final é procedente, coincidindo com os efeitos antecipados e desde que não
inferiores, não há revogação da tutela antecipada. “Neste caso, não há sequer a exigência
de que o magistrado se manifeste sobre a sua manutenção quando da sentença” 515.
Como se observa, enquanto uma corrente advoga a impossibilidade de revisão da
multa em face da ofensa ao princípio da coisa julgada516, outra milita a favor de sua
redução e até mesmo exclusão durante o procedimento de cumprimento de sentença, em

510
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 354.
511
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 329.
512
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 354.
513
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 329.
514
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer.
515
MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. Tutela antecipada. 3. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
p. 576-577.
516
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial.
176

nome da máxima da proporcionalidade e por considerar que a multa coercitiva não é


acobertada pela coisa julgada material, porquanto meramente acessória da causa de pedir
principal. 517
A solução para a presente celeuma jurídica reside especialmente na ofensa ao
instituto constitucional da coisa julgada, que se mostra o argumento decisivo na resolução
do problema apresentado, assunto a ser enfrentado na próxima seção.

4.2.1.1 Coisa julgada

De acordo com Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel


Mitidiero, coisa julgada significa a imutabilidade que qualifica a sentença de mérito como
não mais sujeita a recurso, impedindo sua discussão posterior.518 Assim, uma vez
esgotadas as possibilidades de impugnação, a sentença se torna inalterável, “não como
razão de justiça, mas como um imperativo político, destinado a estabilizar as relações
jurídicas, conferindo-lhes segurança”519.
Eduardo de Avelar Lamy e Horácio Wanderley Rodrigues caracterizam a coisa
julgada no direito brasileiro a partir de sua gênese constitucional:

A garantia da definitividade (também denominada irrevogabilidade ou


imutabilidade) das decisões judiciais, caracterizada juridicamente no conceito
de coisa julgada está prevista no inc. XXXVI do art. 5º da Constituição Federal:
a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada.520

Eduardo Talamini afirma que a coisa julgada decorre de opção política entre o
ideal de justiça – podendo ser alcançado enquanto permitido o reexame da matéria – e a
segurança jurídica, configurada pela inalterabilidade do ato proferido.521
A coisa julgada gerará a imutabilidade e a impossibilidade de rediscussão da
decisão, tornando-se um preceito inalterável tanto na demanda judicial em que foi

517
THEODORO JUNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila
Gomes Norato. Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro, não paginado (e-book).
518
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 587.
519
CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie
(org.). Relativização da coisa julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008. p. 21.
520
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria geral do processo, p. 243.
521
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 47.
177

proferida quanto em processos subsequentes que venham a tratar sobre a mesma relação
jurídica, sendo assim, “para a situação específica, a lei do caso concreto”522.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery consideram a coisa julgada
um “elemento de existência do Estado democrático de direito” 523 na medida em que o
instituto é acolhido na Constituição Federal de 1988524 ao lado do direito adquirido e do
ato jurídico perfeito, todos elementos intrínsecos ao princípio da segurança jurídica.
A segurança jurídica garante o mínimo de previsibilidade, tanto obrigatória
quanto necessária, que um Estado Democrático de Direito deve ofertar aos seus
jurisdicionados. A coisa julgada opera como forma de garantia do direito à segurança
jurídica, sendo, por conseguinte, atributo inerente ao Estado Democrático de Direito525 e à
efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário. É a segurança jurídica
que garante às partes não só o acesso à justiça, mas também a certeza de uma decisão
imutável – e, porque imutável, é indiscutível.526
A formação da coisa julgada promoverá efeitos positivos e negativos: negativo
por obstar a propositura de novas demandas judiciais que possuam objeto idêntico ao já
acobertado pela autoridade da coisa julgada; positivo por sua vinculação a órgãos
jurisdicionais, que em futuras demandas judiciais devem tomar por pressuposto absoluto a
solução jurídica decidida no processo anterior.527
Além da previsão constitucional, o instituto da coisa julgada está previsto nos
artigos 502 a 508 do CPC. Conforme a redação do artigo 502: “Denomina-se coisa julgada
material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais
sujeita a recurso.”.

522
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 588.
523
NERY JUNIOR Nelson Nery e NERY Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 55-56.
524
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada.”
525
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Relativização da coisa julgada. In:
DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008. p. 385.
526
VIEIRA, Artur Diego Amorim. O processo justo e a coisa julgada: breve análise quanto à inviabilidade
de sua desconsideração. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v 11, n. 11, p. 4-33,
2013. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/18061/13315.
Acesso em: 13 ago. 2021. p. 27.
527
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo
civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 201.
178

Uma análise comparativa entre o artigo 467 do CPC/73 e o artigo 502 do novo
Código processual civil evidencia a substituição do termo sentença por decisão de mérito.
O legislador, além disso, simplificou o texto em sua parte final quando substituiu “recurso
ordinário ou extraordinário” por “recurso”, tornando mais amplo o seu alcance.
Ao estabelecer o conceito legal e a extensão do instituto, a legislação processual
civil preconizou que a coisa julgada não decorre necessariamente da natureza processual
do pronunciamento judicial, se sentença ou decisão interlocutória, especialmente porque
há a possibilidade de a coisa julgada recair sobre atos decisórios que solucionem parcial
ou totalmente o mérito, sendo possível afirmar que a res iudicata é qualidade aplicável às
decisões de mérito.528
Desse modo, a configuração do instituto da coisa julgada material advém da
natureza de questões decididas, existindo sempre que o magistrado enfrentar questões de
mérito, ainda que pronunciadas em caráter incidental, sem a configuração de sentença.529
A análise da disciplina das astreintes à luz da coisa julgada leva ao raciocínio de
que a multa desta natureza fixada em sentença transitada em julgado também é afetada
pela coisa julgada material, o que impediria sua revisão, salvo nos casos em que se admite
a chamada relativização da coisa julgada.

4.2.1.2 Relativização da coisa julgada

Em que pese a imutabilidade das questões decididas e acobertadas pelo manto da


coisa julgada seja a regra no direito constitucional brasileiro, há situações excepcionais em
que ela pode ser relativizada, especialmente quando tiver sido erguida sobre algum vício
grave detectado tão somente após o trânsito em julgado da decisão. 530
A possibilidade ordinária de afastamento da coisa julgada material é
expressamente prevista no Código de Processo Civil, que em seu artigo 966 e seguintes
prevê a ação rescisória a ser proposta em dois anos, a partir do trânsito em julgado da
última decisão proferida no processo, desde que observadas as causas que a admitem. 531

528
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 1124.
529
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 100.
530
ALMEIDA, Odete Batista Dias. Ações autônomas de impugnação: ação rescisória e querela nullitatis
insanabilis. Revista ESMAT, Palmas, Escola Superior da Magistratura Tocantinense, ano 3, n. 3, 2011. p.
128.
531
DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional. São Paulo, SaraivaJur,
2019. p. 38.
179

Entretanto, vem-se admitindo outra hipótese de relativização da coisa julgada,


além da ação rescisória. É o que destacam Eduardo de Avelar Lamy e Horácio Wanderley
Rodrigues: “O fato de a Constituição Federal ter protegido a coisa julgada não dá ao
instituto contornos ilimitados nem o coloca à frente de todos os outros princípios
constitucionais”532.
Além da ação rescisória, admitem-se como instrumentos legais de controle da
coisa julgada, basicamente: a) impugnação com base na existência de erro material,
disposta no artigo 494, inciso I; b) a revisão de sentença com base nos artigos 525, §12, e
535, §5º; e c) querela nullitatis, disposta nos artigos 525, §1º, inciso I, e 535, inciso I,
todos do Código de Processo Civil. Cogita-se, ademais, a possibilidade de revisão por
denúncia perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.533
Apesar de não existir tanto desacordo acerca da possibilidade de utilização dos
mecanismos processuais aptos a excepcionalmente relativizar a coisa julgada no caso
concreto, há sentida divergência no que tange às razões de mérito que possam permitir a
superação da coisa julgada para além das hipóteses expressamente previstas no artigo 966
do CPC/15.
Na avaliação de Paulo Roberto de Figueiredo Dantas, assim como ocorre com as
demais garantias constitucionais, a coisa julgada não é absoluta, podendo ser relativizada
sempre que for produzida em “franca desarmonia com outros valores igualmente
protegidos por nossa Lei Maior, fato que faz surgir a já conhecida coisa julgada
inconstitucional”534.
Partindo da ideia de não se admitir a existência de direitos absolutos, André
Ramos Tavares afirma que “existe uma ampla gama de hipóteses que acabam por
restringir o alcance absoluto dos direitos fundamentais” 535.
Na mesma linha, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo
Gustavo Gonet Branco536 avaliam que: “esses limites, que decorrem da própria
Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito

532
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria geral do processo, p. 247.
533
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p.
631.
534
DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional, p. 38.
535
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 528.
536
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 315.
180

fundamental quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das


restrições impostas”.
Esse movimento que objetiva a relativização da coisa julgada inconstitucional ou
injusta é originário das lições de José Augusto Delgado, que foram difundidas por
processualistas renomados, incluindo, entre outros, Humberto Theodoro Júnior e Cândido
Rangel Dinamarco.537
Para a justificativa da relativização da coisa julgada, costumam-se utilizar dois
argumentos: coisa julgada injusta e coisa julgada inconstitucional. O primeiro diz respeito
às sentenças protegidas pelo instituto constitucional da coisa julgada, que por algum
motivo não foi aplicado o direito de forma justa, resultando em uma solução inadequada
ao caso. O segundo argumento ataca diretamente as sentenças proferidas em manifesto
desacordo com a Constituição Federal.538
Cândido Rangel Dinamarco destaca que a relativização da coisa julgada
inconstitucional tem como pressuposto “a harmoniosa convivência entre todos os
princípios e garantias plantados na ordem constitucional, nenhum dos quais pode ser
tratado como absoluto”. Isso porque, “a ordem constitucional não tolera que se eternizem
injustiças a pretexto de não eternizar litígios”.
Nesse sentido, a coisa julgada deveria ser relativizada em casos em que houver
flagrante injustiça, absurdos ou ainda inconstitucionalidades, “com a consciência de que
providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência
desses graves inconvenientes”539.
Segundo Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, alguns doutrinadores e
alguns tribunais entendem “que há valores merecedores de proteção mais acentuada por
parte do sistema jurídico do que a segurança”. Com base nessa premissa, “sentenças
evidentemente imorais ou inconstitucionais não transitariam em julgado”540 não serão
cobertas pelo manto da coisa julgada.

537
VIEIRA, Artur Diego Amorim. O processo justo e a coisa julgada: breve análise quanto à inviabilidade
de sua desconsideração. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v 11, n. 11, p. 4-33,
2013. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/18061/13315.
Acesso em: 13 ago. 2021. p. 26.
538
NERY JUNIOR Nelson Nery e NERY Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante, p. 72-73.
539
DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista da Procuradoria Geral
do Estado de São Paulo, São Paulo, Governo do Estado de São Paulo, n. 55/56, jan./dez. 2001. Disponível
em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/Revista%20PGE%2055- 56.pdf#page=25.
Acesso em: 20 ago. 2021. p. 67.
540
WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, v. 1, p. 635.
181

Destacando a influência de valores e direitos fundamentais na teoria processual,


na avaliação de Eduardo de Avelar Lamy, passou-se a observar com mais atenção os
“interesses que vão além da solução dos litígios subjetivamente considerados,
preconcebendo inúmeros institutos, dentro e fora da ciência processual, tal a influência dos
direitos fundamentais sobre os fenômenos de interpretação, produção e aplicação do
direito”541. Não obstante, o autor, em conjunto com Horácio Wanderley Rodrigues,
adverte para a excepcionalidade da medida reservada apenas a questões teratológicas, pois
não se pode negar a grande importância da coisa julgada para as partes, que têm o direito
de acreditar que no fim do processo a decisão proferida, quando não mais sujeita à
impugnação, será definitiva.542
Fredie Didier Junior, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, a
respeito, avaliam que a coisa julgada não pode cristalizar-se quando for obtida com
sentença injusta ou inconstitucional. Para exemplificar, citam Delgado, para aduzir que a
coisa julgada deve ser revista sempre que afronte os princípios de moralidade, legalidade,
razoabilidade e proporcionalidade, ou então, quando não estiver de acordo com a realidade
dos fatos.543 Isso ocorre porque, de acordo com Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo
Talamini, podem existir vícios de extrema gravidade, a ponto de comprometer a existência
do processo ou a identidade jurídica da sentença:

Estes casos seriam, por exemplo, os de sentença proferida em processo em que


houvesse ausência (ou nulidade) de citação do réu seguida de revelia ou em que
a ação tivesse sido proposta com base em falsa procuração (em nome de um
‘autor’ que nem sequer sabe da existência do processo), de sentenças proferidas
por agente que não estivesse investido de jurisdição (por exemplo, juiz que já se
aposentou) ou, ainda, de sentenças sem decisum. Para impugnar tais decisões,
segundo essa opinião, a via correta seria a ação declaratória de inexistência
jurídica (habitualmente chamada de querela nullitatis), e não a ação
rescisória.544

Outra parte da doutrina alerta que admitir a relativização da coisa julgada com
base na injustiça da decisão pode dar margem a diversas interpretações, o que prejudicaria

541
LAMY, Eduardo de Avelar. Considerações sobre a influência dos valores e direitos fundamentais no
âmbito da teoria processual. Sequência, Florianópolis, v. 35, p. 301-325, 2014.
542
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria geral do processo, p. 254.
543
DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p.
632.
544
WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, v. 1, p. 636.
182

a segurança jurídica, dificultando o acesso à justiça pelo aspecto do direito do


jurisdicionado a uma solução definitiva e imutável para a sua demanda.545
Por essas razões, os opositores da tendência relativicionista, com destaque para
Ovídio Araújo Baptista da Silva e Luiz Guilherme Marinoni, entendem que a sua
admissão garante ao Poder Judiciário “uma cláusula geral de revisão da coisa julgada – um
cheque em branco –, enfraquecendo o vetor constitucional da segurança jurídica”546.
José Carlos Barbosa Moreira, nessa linha, alerta para o risco de um paradoxo: se
na hipótese de convencimento da inconstitucionalidade da sentença ou de injustiça
intolerável o magistrado considerar necessária nova decisão em sentido contrário,
“fatalmente sua própria sentença ficará sujeita à crítica da parte agora vencida, a qual não
deixará de considerá-la, por sua vez, inconstitucional ou intoleravelmente injusta”. Assim,
o único óbice para o demandante impugnar a segunda sentença seria o da coisa julgada,
“mas, se ele pôde ser afastado com relação à primeira sentença, por que não poderá sê-lo
quanto à segunda?”547.
Nessa concepção, a indagação quanto à inconstitucionalidade ou injustiça
intolerável “não se porá uma única vez: a questão poderá repetir-se, em princípio, ad
infinitum, enquanto a imaginação dos advogados for capaz de descobrir
inconstitucionalidades ou injustiças intoleráveis nas sucessivas sentenças”548. Portanto,
“admitir que o Estado-Juiz errou no julgamento que se cristalizou, obviamente implica em
aceitar que o Estado-Juiz pode errar no segundo julgamento”549.
A situação fica mais crítica quando o motivo evocado para a superação da coisa
julgada se manifesta não pela inconstitucionalidade mas pela injustiça da sentença, que no
entendimento de Ovídio Araújo Baptista da Silva “jamais poderá ser fundamento para

545
DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p.
633.
546
VIEIRA, Artur Diego Amorim. O processo justo e a coisa julgada: breve análise quanto à inviabilidade
de sua desconsideração. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v 11, n. 11, p. 4-33,
2013. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/18061/13315.
Acesso em: 13 ago. 2021. p. 26.
547
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada
material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm,
2008. p. 246.
548
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada
material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada, p. 246.
549
MARINONI, Luiz Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da
relativização da coisa julgada material). In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa
julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008. p. 267.
183

afastar o império da coisa julgada”, tendo em vista que a justiça não é um valor absoluto,
ou seja, o seu conceito poderá variar dentro de uma sociedade pluralista.
Nesse viés, ao criticar a tese defendida por Humberto Theodoro Júnior, o autor
questiona o que seria direito justo se não o direito positivo? É por isso que aceitar a
premissa de relativização da coisa julgada faz com que nada mais reste do instituto. Com
essa afirmação o doutrinador segue questionando: “o que seria uma ‘grave’ injustiça,
capaz de autorizar que a coisa julgada não fosse observada?”, ou ainda “que sentença não
poderia ser acusada de ‘injusta’; e qual a injustiça que não poderia ser tida como ‘grave’
ou ‘séria’?”550.
Essas considerações explicam porque a “relativização [da coisa julgada] deve ser
aplicada em situações muito excepcionas. Do contrário, colocar-se-ia em risco a
estabilidade e a segurança das decisões judiciais”551.
Alexandre Freitas Câmara, sobre o tema, opina:

Penso assim, que apenas seria possível a relativização da coisa julgada material
quando houvesse fundamento constitucional para tanto. Em outros termos,
apenas seria possível desconsiderar-se a coisa julgada quando a mesma tenha
incidido sobre uma sentença inconstitucional. Trata-se, em outros termos, de
reconhecer o fenômeno que em doutrina tem sido chamado de ‘coisa julgada
inconstitucional, mas que bem se chamaria sentença inconstitucional transitada
em julgado’.552

A opção pelo fortalecimento da coisa julgada não ignora o ideal de justiça, mas
reconhece que o sistema de justiça, por ser formado por seres humanos, eventualmente
pode proferir decisões consideradas injustas e que a melhor alternativa que esse mesmo
sistema pode oferecer é a que garante segurança jurídica aos indivíduos. Assim, no
entendimento dos opositores da relativização da coisa julgada, admitir tal possibilidade
seria eliminar a essência do instituto e, por conseguinte, o princípio fundamental da
segurança jurídica.
Não obstante, o fato é que na práxis jurídica tem-se admitido a relativização da
coisa julgada, especialmente a chamada coisa julgada inconstitucional, o que se faz por
meio da ponderação entre o princípio da segurança jurídica e aquele eventualmente
violado pela decisão tida por inconstitucional. Entretanto, é necessário ter cautela na
análise de situações dessa natureza, visto que a sua proliferação desenfreada nos tribunais

550
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Coisa julgada material? In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.).
Relativização da coisa julgada. 2. ed. Bahia: JusPodivm, 2008. p. 312.
551
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: processo de
conhecimento (2ª parte) e procedimentos especiais. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. v. 2. p. 438.
552
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, p. 466.
184

pode causar insegurança jurídica aos jurisdicionados, que terão de conviver ad eternum
com a incerteza de uma futura desconstituição de uma decisão transitada em julgado.

4.2.2 Análise do Leading Case REsp 705.914/RN e do Recurso Especial Repetitivo


1.333.988/SP

A possibilidade de redução/supressão de astreintes vem despertando muita


divergência desde a vigência do CPC/73, especialmente no que tange à possibilidade de
fazê-lo em face de multa fixada em decisão judicial acobertada pelo manto da coisa
julgada. Isso porque, é comum que os órgãos judiciários se valham da mutabilidade da
multa coercitiva não apenas para a adequação do valor da astreinte no curso do feito em
que fora fixada, mas também para alterá-la na fase de execução, após o trânsito em julgado
da decisão que a havia fixado, a fim de reduzir o crédito resultante da reiterada incidência
das astreintes, ou seja, da multa vencida.553
Diante desse cenário, a jurisprudência, ao menos até o advento do CPC/15,
proferia decisões dessa natureza argumentando que a multa astreinte, ante a sua natureza
coercitiva e acessória, poderia ser cominada, alterada ou suprimida a qualquer tempo, com
efeito retroativo, inclusive na fase de execução de uma sentença transitada em julgado, não
incidindo sobre ela a coisa julgada.554
No sistema de busca de jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça, a decisão
mais antiga que analisou o mérito da redução das astreintes fixadas em título judicial
transitado em julgado, em face de ofensa à coisa julgada, remonta ao ano de 2007, quando
no Agravo em Resp n. 853065, de relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros,
assim se definiu: “Ressalte-se que a multa pecuniária poderá a qualquer momento ser

553
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 214.
554
“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSUAL CIVIL.
EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES. DESCABIMENTO. COISA JULGADA.
INOCORRÊNCIA. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. ‘Descabimento de multa cominatória na
exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível.’ 1.2. ‘A decisão que comina
astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada.’ 2. Caso concreto: Exclusão das astreintes. 3.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.” BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial (REsp) nº
1333988 SP 2012/0144161-8. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção. Brasília,
DF, 9 de abril de 2014. Publicação DJe 11/04/2014.
185

modificada pelo magistrado, para mais ou para menos, em seu valor ou sua periodicidade,
conforme seja insuficiente ou excessiva, com fundamento no Art. 460, § 6º, do CPC.”555.
Essa máxima se repetiu em centenas de julgados oriundos da Corte Superior,
onde, com o passar do tempo, à ideia de insujeitabilidade das astreintes aos efeitos da
coisa julgada, somou-se a fundamentação com o argumento de que a multa deveria ser
reduzida ou excluída com base no primado da proporcionalidade. É o que se observou em
um dos precedentes mais citados pelos ministros à época, o Recurso Especial n.
914389/RJ, de relatoria do Ministro José Delgado, em acórdão assim ementado:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.


AÇÃO DE EXECUÇÃO. NORMA CONSTITUCIONAL. REVISÃO
RESTRITA AO STF EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART.
131 DO CPC. NÃO-PREQUESTIONADO. ASTREINTES. REDUÇÃO EM
BUSCA DE PROPORCIONALIDADE. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES.556

O entendimento do STJ ganhou mais força após ser objeto de análise do Recurso
Especial Repetitivo 1.333.988 (j. 09.04.2014), de relatoria do Ministro Luís Felipe
Salomão, julgado pela 2ª Seção. Com votação unânime, o julgamento acabou
consolidando a seguinte tese (Tema 706)557: “a decisão que comina astreintes não preclui,
tampouco faz coisa julgada”.
Saliente-se que o Superior Tribunal de Justiça, ao definir o Tema 706, evitou
enfrentar diretamente a questão da superação da coisa julgada, limitando-se a reproduzir
ementas de casos passados. Com exceção das ementas reproduzidas, os seguintes trechos
do voto foram os únicos que trataram do tema da sujeição das astreintes à coisa jugada:

Quanto a esse ponto, a jurisprudência desta Corte Superior é pacífica


no sentido de que a multa cominatória não integra a coisa julgada, sendo
apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, podendo
ser cominada, alterada ou suprimida posteriormente.
[...]
Destarte, na esteira desses julgados acima colacionados, proponho
a consolidação da tese nos seguintes termos: ‘a decisão que comina
astreintes não preclui, tampouco faz coisa julgada’.

555
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial (Ag) n. 853065. Relator: Ministro
Humberto Gomes de Barros. Brasília, DF. Publicação DJ 04/05/2007.
556
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 914389 RJ 2007/0001237-7.
Relator: Ministro José Delgado, T1 – Primeira Turma. Brasília, DF, 10 de abril de 2007. Publicação DJ
10/05/2007.
557
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tese firmada (Tema Repetitivo 706): “A decisão que
comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada”.
186

Na falta de fundamentação adequada acerca da redução/supressão de astreintes


diante da imutabilidade da coisa julgada, ainda que o julgado retromencionado tenha
servido para dirimir a controvérsia sobre essa importante questão, neste ponto, é
necessário volver ao histórico dos primeiros precedentes da Corte Superior, que remontam
ao ano de 2004.
No julgamento do Recurso Especial n. 705.914 RN já se começou a adotar
posicionamento a favor da alteração do valor das astreintes a qualquer tempo, ainda que
em meio ao processo de execução, asseverando não haver ofensa à coisa julgada
material.558
Com a atenção focada no voto do relator no leading case citado, verificou-se que
para adotar tal entendimento os ministros evitaram o debate acerca da superação da coisa
julgada, afirmando que em relação às astreintes, o “Código colocou a matéria no patamar
dos assuntos de ordem pública, o que nos permite, a qualquer tempo, conhecer da questão,
inclusive neste grau de jurisdição"559.
Assim, basicamente, o fundamento decisório se baseava na ideia de que a multa
“não se encontra acobertada pela imutabilidade da coisa julgada, que recai apenas sobre a
pretensão exposta em Juízo (obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa) – e não sobre
o mecanismo utilizado para sua consecução”560.
Para chegar à conclusão apresentada, o ministro relator adotou uma interpretação
extensiva do parágrafo 6º do artigo 461 do CPC/73, que permitia que o magistrado
modificasse o valor da multa, caso verificasse que se tornou insuficiente ou excessiva, sem
contudo, dar-lhe permissão para fazê-lo após o trânsito julgado da decisão que a concedeu.
A permissão que o ministro encontrou no texto do artigo 645 do CPC/73 assim previa:

Art. 645. Na execução de obrigação de fazer ou não fazer, fundada em título


extrajudicial, o juiz, ao despachar a inicial, fixará multa por dia de atraso no
cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida.
Parágrafo único. Se o valor da multa estiver previsto no título, o juiz poderá
reduzi-lo se excessivo.

558
“PROCESSO CIVIL - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ASTREINTES - ALTERAÇÃO DO VALOR -
EXECUÇÃO - COISA JULGADA - ART. 461, § 6º, CPC, POSSIBILIDADE. - O valor das astreintes pode
ser alterado a qualquer tempo, quando se modificar a situação em que foi cominada a multa.” BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 705914 RN 2004/0032928-0. Relator: Ministro
Humberto Gomes de Barros, T3 – Terceira Turma. Brasília, DF, 15 de dezembro de 2005. Publicação DJ
06/03/2006.
559
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 705914 RN 2004/0032928-0.
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros, T3 – Terceira Turma. Brasília, DF, 15 de dezembro de
2005. Publicação DJ 06/03/2006.
560
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 214.
187

Analisando o artigo acima exposto, o magistrado transcreve o texto do parágrafo


único para chegar à seguinte conclusão:

No sistema anterior à Lei nº 10.444/02, onde haveria a execução da sentença de


obrigação de fazer, o juiz da execução poderia com fundamento no
art 644, parágrafo único, reflexo atual do 6º, do art. 461, aplicado pelo TJRN,
alterar o valor da multa para mais ou para menos. Eis a redação do dispositivo:
‘O valor da multa poderá ser modificado pelo juiz da execução, verificando que
se tornou insuficiente ou excessivo’. Percebe-se que a multa poderá, mesmo
depois de transitada em julgado a sentença, ser modificada, para mais ou para
menos, conforme seja insuficiente ou excessiva.

Como se observou, em momento algum se justificou a utilização de um artigo


posicionado no capítulo do cumprimento de sentença de obrigações de fazer e de não fazer
como fundamento decisório de uma questão que envolvia cumprimento de sentença de
obrigação de dar quantia certa, regido por procedimento próprio. Isso porque, muito
embora a astreinte tenha sido fixada em um processo de conhecimento que tratava de
obrigação de fazer, a partir do momento que se parte para a execução/cumprimento de
sentença da referida multa de forma autônoma, deixa-se de tratar de execução de
obrigação de fazer, passando, ao menos no que tange à exigibilidade da multa, à execução
por quantia certa, razão pela qual os artigos 644 e 645 do CPC/73 se mostravam, em tese,
inaplicáveis.
Pelo que se extrai da análise do parágrafo único do artigo 645 do CPC/73,
utilizado como premissa determinante no leading case, que passou a ser repetido em
inúmeros julgamentos desde então 561 até resultar na consolidação da tese pelo Tema 706, o
dispositivo autoriza que o magistrado, na fase de cumprimento de sentença da obrigação
de fazer, altere o valor da multa aplicada, na intimação do obrigado para cumprir a
obrigação determinada em sentença. Ou seja, na execução/cumprimento da obrigação de
fazer ou não de fazer, o magistrado poderia modificar a multa aplicada na fase de
conhecimento, determinando que a partir da intimação para cumprir a obrigação de fazer o
obrigado a cumpra, sob pena de incidência de multa no novo valor.
Tal alteração se justificava pela própria natureza do instituto, eis que enquanto
não cumprida a obrigação de fazer ou de não fazer objeto da ação principal, a astreinte

561
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº
627.474/RJ. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma. Brasília, DF, 14 de abril de 2015.
Publicação DJe 17/04/2015; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1507955/RS.
Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma. Brasília, DF, 7 de abril de 2015. Publicação
DJe 14/04/2015; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração
no Recurso Especial nº 1099928/PR. Relator: Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma. Brasília, DF, 11 de
novembro de 2014. Publicação DJe 17/11/2014.
188

pode, e em muitos casos deve sofrer essa mutabilidade para se adequar ao escopo da
medida, compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, de forma eficaz e igualmente
razoável e proporcional. Da leitura sistemática do Código, infere-se que essa possibilidade
não se estende ao procedimento de cumprimento de sentença por quantia certa, que
pretende exigir apenas o pagamento do valor constante em título judicial, no caso, a
sentença transitada em julgado.
Em que pese a decisão de que as astreintes seriam mero acessório da obrigação
principal, não se pode negar que constituem capítulo próprio do pedido e da decisão
judicial, tanto que podem delimitar o único elemento a ser impugnado em eventual recurso
do devedor, por exemplo. Assim, embora dependente de uma obrigação principal, as
astreintes podem ser amplamente debatidas pelas partes durante o processo de
conhecimento, podendo ser reduzidas ou até excluídas por qualquer dos magistrados
envolvidos, em qualquer grau, a qualquer tempo, até o seu trânsito em julgado, quando
passa a ostentar natureza de crédito judicial como qualquer outro.
Diante desses argumentos, pode-se dizer que a redução do valor ou da
periodicidade da astreinte no curso da fase de cumprimento de sentença pelo simples
argumento de que poderia ser revista a qualquer tempo ofende o princípio da coisa julgada
e, como consequência, a segurança jurídica.
Por outro lado, não se está a sustentar que a multa astreinte é absolutamente
imutável, conforme se pretende demonstrar ao longo desta pesquisa. Todavia, para que se
reduza/revogue a astreinte no curso de uma execução não basta, ao que parece, lançar mão
da máxima de que esta multa não faz coisa julgada, evitando tão relevante discussão. É
preciso que se demonstre a presença dos requisitos legais que autorizam tal procedimento,
por meio dos quais, aí sim, não se estaria a ofender a coisa julgada.

4.2.3 Impossibilidade de redução de astreinte com base unicamente na razoabilidade


e na proporcionalidade em face da coisa julgada

É inegável que a importância da questão principiológica na ciência hermenêutica


e no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro parece ter ganhado mais força,
primeiramente com o advento da Constituição Federal de 1988, em seguida, com a
influência dos estudos de Ronald Dworkin e de Robert Alexy, cujas teorias foram
189

recepcionadas pelo Poder Judiciário brasileiro, desde o Supremo Tribunal Federal até as
sessões judiciárias de primeira instância.
Em conjunto com as regras jurídicas – tidas como mandamentos impositivos de
conduta social –, os princípios, enquanto regras de alta carga axiológica, complementam o
sistema jurídico, pois se referem a espécies de normas jurídicas que se inter-relacionam na
criação, na interpretação e na aplicação do direito.
Os princípios se distinguem das regras em razão de seu grau de generalidade
elevado, o que faz com que não se tenham hipóteses de aplicação pré-determinadas562,
refletindo a estrutura ideológica do Estado por meio dos valores consagrados por aquela
sociedade563, o que faz com que sejam considerados como o ponto mais importante do
sistema normativo na medida em que são capazes de dar estrutura e coesão a todo o
ordenamento.564
No caso do ordenamento jurídico brasileiro, os princípios, na maioria das vezes,
encontram-se positivados como regras jurídicas e mesmo quando não o são encontram sua
base legal no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 565. Esse
dispositivo legal prevê a utilização dos princípios gerais do direito como fonte normativa
apta a solucionar situações de anomia.
Se o caráter abstrato, genérico e axiológico dos princípios permite a aplicação do
direito ao caso concreto de forma adequada, de modo a proporcionar a solução jurídica
que mais se amolda ao sistema de valores que sustenta todo o sistema jurídico, a
adaptabilidade das normas de maneira menos vinculada ao texto pré-determinado pode
levar à fragilização do direito, como advertem Lênio Streck566 e Eros Grau:

A vinculação do intérprete ao texto – o que excluiria a discricionariedade


judicial – instala no sistema um horizonte de relativa certeza jurídica que
nitidamente se esvai quando as opções do juiz entre princípios (= opções entre
regras) são praticadas à margem do sistema jurídico. Então, a previsibilidade e a
calculabilidade dos comportamentos sociais tornam-se inviáveis, a racionalidade
jurídica desaparece.567

562
HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense,
2001. p. 16.
563
DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
1995. p. 59.
564
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina
e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 37.
565
“Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.”
566
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 573.
567
GRAU. Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes? A interpretação/aplicação do direito e os
princípios. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 119.
190

Vale ressaltar que mesmo entre os autores que demonstram preocupação com a
utilização inadequada dos princípios como forma de negar o direito posto ao invés de
buscar seu melhor sentido, a sua importância como fonte normativa não é negada como
elemento capaz de garantir a aplicação adequada do direito ao caso concreto, sem que,
com isso, despreze-se o valor da segurança jurídica e da confiabilidade nas relações
sociais.
No que se refere ao instituto das astreintes, por mais que diversos princípios
sejam importantes para a sua compreensão e aplicação, as máximas da proporcionalidade e
da razoabilidade parecem ocupar um lugar de destaque nos debates acadêmicos e forenses,
especialmente quando o assunto trata da valoração e da adequação dessa modalidade de
multa.
Importante destacar que a proporcionalidade e a razoabilidade são tratadas como
máximas e não como princípios “já que não entra[m] em conflito com outras normas-
princípios, não é concretizado em vários graus ou aplicado mediante criação de regras de
prevalência diante do caso concreto”568. Ao revés, essas máximas servem justamente à
aplicação dos princípios quando colidentes.
No que tange às astreintes, muitas vezes a sua aplicação envolverá o confronto
entre princípios, entre os quais a segurança jurídica, a eficiência, o direito à tutela
jurisdicional efetiva, a propriedade, a dignidade humana, a menor onerosidade ao devedor
e outros valores de elevada grandeza, que comumente se chocam em situações envolvendo
a sua aplicação.
Essa é uma preocupação que remonta às origens históricas do instituto, como
relata M. P. Michell, quando lembra os maiores pontos de tensão sobre as astreintes no
direito francês: “1) arbitrariedade e discricionariedade; 2) problemas de
desproporcionalidade e de compensação acima do adequado; 3) risco de a Corte se
apropriar do direito de cominar penalidades em uma disputa privada”569.
Sobre as funções dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade no
âmbito do direito brasileiro, lecionam Horácio Wanderley Rodrigues e Eduardo de Avelar
Lamy:

Também no que diz respeito à função de cada princípio, é possível encontrar


diferenças. Nesse sentido, o princípio da razoabilidade tem um traço de bloqueio

568
PINHEIRO, Paulo Eduardo D´Arce. Poderes executórios do juiz, p. 326.
569
MICHELL, M. P. Imperium by the back door: the streinte and the enforcement of contractual obligations
in France. U. Toronto Fac. L. Rev., Toronto, v. 51, p. 250, 1993. p. 250.
191

aos excessos eventualmente efetuados pelo Estado: uma função eminentemente


negativa; enquanto o método da proporcionalidade, embora também detenha tal
objetivo negativo, possui, ainda, uma função positiva, de busca pela melhor
forma de respeito aos direitos fundamentais.570

A aplicação do princípio da proporcionalidade na solução de antinomias é


essencial, especialmente quando há necessidade de se estabelecer “uma correspondência
entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado que seja
juridicamente a melhor possível”571.
Nesse sentido, a análise da proporcionalidade passará pela melhor adequação
entre meio e fim, com o escopo de determinar entre vários fins todos os
constitucionalmente legitimados e definir qual o mais adequado para a solução do caso
concreto e isso se realizará por meio do exame de três parâmetros fundamentais e
complementares: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.572
Suzana de Toledo Barros, inspirada nos ensinamentos de Canotilho, reforça que o
surgimento da máxima da proporcionalidade no ordenamento jurídico possibilitou um
efetivo controle das normas positivadas, permitindo detectar inconstitucionalidades de
menor porte, além de conferir ao julgador “um instrumental prático inigualável quando se
trata de justificar uma excessiva intervenção do legislador na seara dos direitos
individuais”573.
No que tange à razoabilidade, sua aplicação “se assenta na ponderação, no justo
equilíbrio abstraído dos valores difundidos na coletividade (senso comum) em dado
momento e lugar, acena-se para o reconhecimento, nesse passo, da presença de caracteres
objetivos, não redutíveis à subjetividade”574.
Luis Eulálio de Bueno Vidigal enxergava o primado da razoabilidade como
“instrumento metodológico que orienta a aplicação das normas com preservação do
princípio da igualdade”. Segundo o autor, tal postulado é responsável por estruturar a
aplicação de princípios e regras de modo a permitir a detecção de situações em que sua
aplicação importaria em “distinções despropositadas (ou irrazoáveis) e, por isso,
incompatíveis com o princípio da igualdade”. Desse modo, “a razoabilidade intervém para

570
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Teoria geral do processo. p. 231.
571
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Celso
Bastos Editor, 1999. p. 245.
572
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2011. p. 116.
573
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle constitucional das leis
restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003. p. 27.
574
ENGEL, Ricardo José. O jus variandi no contrato individual de trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 51.
192

preservar a igualdade, impedindo que a previsão geral seja aplicada com desconsideração
das peculiaridades do caso”575.
Luis Roberto Barroso576, por sua vez, estabelece uma ligação entre a máxima da
razoabilidade e o valor da justiça. Segundo o autor, é com base na razoabilidade que se
pode aferir se os atos do Poder Público estão contemplados pelo valor da justiça.
Alexandre de Moraes577 complementa a análise afirmando que pela razoabilidade se
poderá encontrar a proporcionalidade, a justiça e a adequação entre meios e fins praticados
pelo Poder Público, pelos critérios racionais e coerentes.
Como mencionado antes, mais do que princípios gerais do direito,
proporcionalidade e razoabilidade são considerados critérios que auxiliam o intérprete na
aplicação da norma, especialmente quando estiver diante de antinomias reais. Desse modo,
assim como a proporcionalidade e a razoabilidade podem garantir a correta aplicação da
norma ao caso concreto, também podem expor o jurisdicionado a uma aplicação deturpada
dessa mesma norma. Isso porque esses primados podem ser utilizados como meros “topos,
com caráter meramente retórico, e não sistemático”, como alertava Luis Eulálio de Bueno
Vidigal, no ano de 1965.578
Reconhecendo a aplicação da proporcionalidade e da razoabilidade como
métodos hermenêuticos e também o perigo em sua utilização inadequada, o legislador do
CPC/15 inovou quando estabeleceu, no artigo 489, § 2º579, o critério de ponderação como
forma de solução de antinomias, não sem destacar a importância de esclarecer os motivos
que levaram o juízo àquela opção, como forma de cumprir outro importante mandamento
constitucional: o dever de fundamentação.
Ao tratar da aplicação desses primados para a adequada aplicação do instituto das
astreintes, Humberto Theodoro Júnior afirma que a sua utilização é essencial para que só
se defiram “medidas necessárias e que não submetam o devedor a constrangimentos
injustificáveis, diante do objetivo da tutela específica” 580.

575
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 195.
576
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
p. 219.
577
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 906.
578
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 199.
579
“Art. 489. [...] §2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da
ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas
fáticas que fundamentam a conclusão.”
580
THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil anotado, p. 13.
193

No mesmo sentido, Eduardo Talamini581 prega que se deve priorizar a


observância das máximas da proporcionalidade e da razoabilidade na escolha das
providências extravagantes, a fim de conferir maior adequação da medida ao objetivo
pretendido, não sendo cabível submeter o réu a sacrifício maior que o necessário.
Analisando a influência de cada um desses princípios sobre o instituto das
astreintes, percebe-se que o conteúdo do princípio da razoabilidade poderá auxiliar o
intérprete a encontrar a melhor solução do caso concreto, de modo que a multa cominada
não se mostre demasiadamente excessiva, sujeitando o devedor a uma situação inaceitável
juridicamente
Quanto à máxima da proporcionalidade na definição das astreintes, a sua
aplicabilidade emerge da própria redação do artigo 537 do CPC/15 quando prevê a
necessidade de a multa ser suficiente e compatível com a obrigação.582 Por outro lado, não
se pode falar em proporcionalidade se a multa é fixada em quantia muito elevada ou em
prazo muito exíguo, tampouco aquela fixada em valor irrisório ou após a concessão de
prazo muito excessivo, dificultando o cumprimento da obrigação pelo devedor.
Como defende Luis Eulálio de Bueno Vidigal, assim como existe a proibição ao
excesso, também decorre do texto constitucional a proibição da proteção insuficiente .583
A aplicabilidade do postulado da proporcionalidade no terreno das astreintes é
assim descrita pelo citado autor: “i) ao juiz é proibido fixar multas excessivas; ii)
estabelecer multas insuficientes; ou iii) em sendo isto possível, praticamente, determinar a
multa sem conceder um prazo para a satisfação do direito, antes da atuação da coerção”584.
E aduz que a simples resistência do devedor ao cumprimento de uma obrigação legítima
não seria um interesse atendível, “não podendo prevalecer sobre a efetividade do direito
reconhecido”585.
O sentido da proporcionalidade como máxima engloba três subdivisões:
adequação ou idoneidade, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido
estrito. Suzana de Toledo Barros disserta sobre a forma como essas subdivisões se
relacionam com a aplicação prática das astreintes:

581
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de
entrega coisa, p. 265.
582
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 104.
583
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 206.
584
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 282.
585
VIDIGAL, Luis Eulalio de Bueno. Direito processual civil, p. 282.
194

No que concerne à proporcionalidade, analisamos, sinteticamente, seus


subprincípios. Relativamente à adequação ou idoneidade, que indaga se o meio
escolhido contribui para o fim pretendido, temos que a multa não se mostrará
compatível se o administrado, por exemplo, for desprovido de patrimônio ou, de
outra forma, se a obrigação é impossível, situações em que a astreinte, a toda
evidência, não atingiria sua finalidade, que é a de coagir. No caso concreto,
todavia, a coerção era possível face à possibilidade do cumprimento da
obrigação de prestar informações e à existência de patrimônio.
a. Quanto à necessidade ou exigibilidade, traduzida na condição de a medida
restritiva ser indispensável ou, então, não poder ser substituída por meio menos
gravoso, temos que na situação específica da astreinte, como sua incidência
decorre apenas no caso de descumprimento da obrigação, sempre que incidir,
desde que adequada, é porque terá sido necessária.
b. No que concerne à proporcionalidade em sentido estrito, temos que a
restrição imposta pela multa cominatória tutela o interesse da celeridade
processual, alçado, atualmente, à categoria de princípio constitucional (art. 5º,
LXXVIII, CF/88), sendo que os efeitos sobre o patrimônio, como consabido, só
ocorrerão na eventualidade do descumprimento de um dever, imposto pela lei e
aplicado pela Administração. Portanto, se a própria Constituição prevê a
existência de meios que garantam a celeridade da tramitação de processos no
âmbito judicial e administrativo, princípio inserto no Título II, Dos Direitos e
Garantias Fundamentais, e se a astreinte é meio que contribui exatamente para
esse propósito, somente incidindo na hipótese de descumprimento de dever,
somos de opinião que há proporcionalidade na multa cominatória, em tese, não
tendo restado comprovado, nem claramente demonstrado pelo recorrente, fato
ou ato que afastem tal conclusão para o caso concreto.586

Dessa forma, pode-se dizer que os primados da razoabilidade e da


proporcionalidade são importantes instrumentos postos à disposição do julgador para que a
aplicação das astreintes seja capaz de atingir os escopos pretendidos, sem que com isso se
imponha ao devedor situação jurídica insuportável. Por outro lado, como determina o
parágrafo 2º do artigo 489 do CPC/15, a aplicação desses princípios deve ser
acompanhada de uma fundamentação adequada, de modo a evitar que sejam utilizados
como mero instrumento retórico para a negação de direitos legítimos.
As máximas da razoabilidade e da proporcionalidade ganham bastante relevo no
tratamento das astreintes quando utilizadas como fundamento para alteração do valor
alcançado pelo acúmulo da multa, ou mesmo sua supressão completa, mesmo que a
decisão que a tenha fixado já tenha passado em julgado.587
Conforme abordado anteriormente, tanto a doutrina quanto a jurisprudência
consolidadas na vigência do Código de Processo Civil de 1973 concebiam a possibilidade
de redução do quantum alcançado pelas astreintes em sede de execução/cumprimento de

586
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle constitucional das leis
restritivas de direitos fundamentais, p. 25.
587
TASCA, Flori Antonio. Sobre a disciplina jurídica de “astreintes” no NCPC. Estudos de direito
processual à luz da Constituição Federal, p. 89.
195

sentença, mesmo quando o título executivo judicial havia passado em julgado 588. Tal
posição se fundava – e ainda se funda, para aqueles que entendem que o advento do
CPC/15 não foi capaz de alterar esse paradigma589 – na ideia de que a astreinte, ao
contrário do objeto principal da ação, não faz coisa julgada, razão pela qual poderia ser
modificada sem qualquer limite temporal, quando em razão do decurso de tempo se
mostrar desproporcional e/ou irrazoável.
Luiz Guilherme Marinoni, por exemplo, considerando a finalidade coercitiva e
não indenizatória da multa, afirma que “a possibilidade de o juiz aumentar ou diminuir o
valor da multa é inerente a essa modalidade executiva” e completa dizendo que, “diante da
natureza da multa, torna-se fácil concluir que a sua fixação é feita sempre em caráter
provisório, o que impede, mesmo quando imposta na sentença, a sua imunização pela
coisa julgada material”590.
A imunidade das astreintes à coisa julgada é ainda defendida com o argumento de
que não integrariam originalmente o crédito da parte, servindo de mero instrumento
acessório à perseguição do cumprimento da tutela principal almejada591, que como tal
pode ser readequado, a qualquer tempo, para que atinja o seu escopo592. Por essa razão,
nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, “não há de pensar-se em coisa julgada na
decisão que a impõe ou que lhe define o valor, ou lhe determina a periodicidade”593.
É bem verdade que essa posição não é uníssona, havendo outra vertente
doutrinária que rechaça a ideia de mutabilidade temporal irrestrita das astreintes. O
argumento apresentado é no sentido de que embora a mutabilidade das astreintes seja
inerente a sua própria natureza acessória/coercitiva não pode ocorrer de maneira ilimitada
do ponto de vista temporal, sob pena de se ferir a coisa julgada.
Berardo Annes Dias e Alexandre Flexa, por exemplo, analisam que o crédito
resultante da multa astreinte fixada em decisão transitada em julgada ostenta status de
direito adquirido, não comportando, portanto, que posteriormente, “por mero alvitre do
órgão judicial e com base em interpretações exclusivamente subjetivas, fundada no

588
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 279.
589
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016; THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução e
cumprimento de sentença. 30 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
590
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 354.
591
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 172.
592
REALE, Ana Luísa Fioroni. A multa astreinte como importante medida de apoio, prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, diante do artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil, p. 119.
593
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 172.
196

imperativo de observância do princípio da proporcionalidade, [possa] suprimir do


patrimônio do credor valores que lhe são devidos legitimamente”594. Isso se deve ao fato
de a parcela da decisão que fixa as astreintes, sua periodicidade e valores, contituir
capítulo autônomo, tanto que eventual recurso interposto em face desta decisão pode
direcionar a extensão de seu efeito devolutivo apenas com relação a tal capítulo, ou seja, o
recorrente pode optar por recorrer apenas contra a fixação das astreintes, ou ainda, quanto
ao valor e/ou a periodicidade estipulados pelo magistrado.
Dessa forma, as astreintes, não obstante sua gênese acessória, quando fixadas em
decisão transitada em julgado passam a integrar o título judicial, como capítulo autônomo,
não havendo razão para que a coisa julgada não se opere sobre este capítulo. Assim, tal
parcela da decisão também ostentará força de coisa julgada, não podendo o Poder
Judiciário examinar novamente a questão já decidida595, ao menos não de forma retroativa.
Assim, a multa vencida e fixada em título executivo judicial transitado em
julgado e que, portanto, já incidiu de forma válida, não poderia ser modificada pelo
magistrado na fase de cumprimento de sentença com efeito retroativo, estando adstrito
apenas a modificar o valor da multa em relação às prestações vincendas.596
Trata-se de posicionamento já sustentado, mesmo na vigência do Código de
1973, por autores como Alexandre Freitas Câmara, para quem a possibilidade de exclusão
e/ou redução da multa fixada em decisão transitada em julgado não poderia ocorrer de
forma retroativa, uma vez que “jamais se pode admitir que o juiz perdoasse o devedor da
obrigação de pagar uma multa que, legitimamente, venceu”597.
Entendimento semelhante era defendido por Teresa Arruda Alvim Wambier e
José Miguel Garcia Medina, que rechaçavam a redução ou exclusão retroativa da multa
fixada em decisão transitada em julgado na medida em que “as multas vencidas

594
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
158-167, jan./abr. 2017. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista78/revista78.pdf#pa ge=159>.
Acesso em: 20 jul. 2020. p. 167.
595
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 339.
596
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
173.
597
CÂMARA, Alexandre Freitas. Redução do valor da astreinte e efetividade do processo. In: ASSIS,
Araken de et al. (coord.). Direito civil e processo: estudos em homenagem ao professor Arruda Alvim, p.
1565.
197

incorporam-se ao seu patrimônio. Assim, se o juiz, no curso da execução, diminuiu o


montante da multa que venceu, estará violando a coisa julgada”598.
Outros autores, embora também se posicionassem contrários genericamente à
redução do valor das astreintes fixadas em decisão transitada em julgada com efeitos
retroativos, admitiam que isso seria possível caso se vislumbrassem alterações na situação
concreta tomada como base pelo juiz no momento de fixação das astreintes. Nesse caso, a
decisão de mérito se sujeitaria à cláusula rebus sic stantibus, que possibilita à parte pedir a
revisão do que fora estatuído na decisão se sobrevier circunstância fática ou jurídica
superveniente.599 Por outro lado, se inalterada a situação jurídica e a circunstância fática,
ou seja, “verificando que era viável a execução específica e a multa aplicada era
compatível e suficiente, quando da prolação da sentença, não pode o juiz da execução
deixar de aplicá-la, porquanto afrontaria, neste caso, a coisa julgada”600.
O tema, como se pode perceber, despertava relevante divergência doutrinária, o
que certamente influenciou a nova redação do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15. O
legislador, ao mencionar a possibilidade de alteração das multas vincendas, tentou
estabelecer um regramento acerca da matéria. A influência dessa alteração legislativa é o
tema a ser explorado na seção seguinte.

4.2.4 Cenário jurídico após o advento do CPC/15 e o disposto no parágrafo 1º do


artigo 537

A deficiente regulação legal dos aspectos acessórios às astreintes, especialmente


aqueles afetos a sua execução, deu origem a grandes divergências quanto à aplicação do
instituto, com destaque neste ponto para a possibilidade de redução/extinção no bojo do
procedimento executivo da multa fixada em decisão transitada em julgado.
Vale lembrar que as astreintes são incluídas no processo civil brasileiro, como
regra geral, a partir da Lei 8.952/1994, que ao alterar a redação do artigo 461 do
CPC/1973 muniu o credor de obrigação não pecuniária de instrumento apto a fazer valer o

598
WAMBIER. Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada.
Hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 169.
599
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 195.
600
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 192.
198

seu direito à obtenção da tutela específica, retirando do devedor a livre escolha pela
conversão da obrigação em pecúnia, que, conforme o direito material, não lhe cabe.601
Anos depois, por meio da Lei 10.444/2002, que teve como principal escopo a
extensão das astreintes para além das obrigações de fazer e de não fazer, passando a
abarcar as hipóteses de obrigações de dar, por meio da inserção do artigo 461-A no CPC
de 1973, também inseriu o parágrafo 6º ao artigo 461 do CPC/1973, segundo o qual: “O
juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se
tornou insuficiente ou excessiva.”.
Percebe-se que o legislador, embora tenha resolvido a anomia acerca da
possibilidade ou não da revisão das astreintes fixadas, acabou por criar outra anomia
acerca dos limites e dos critérios para que assim se procedesse.
Esse cenário, em que uma norma incompleta encontra na sua interpretação a
convergência de interesses/princípios legítimos – notadamente, de um lado, a coisa julgada
e o ato jurídico perfeito; de outro, a proporcionalidade, a razoabilidade e a vedação ao
enriquecimento sem causa – deu ensejo a essa relevante divergência doutrinária.
Em que pese a existência de algumas vozes dissonantes, a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça permitiu a revisão das astreintes a qualquer tempo e com
efeito retroativo, com fundamento nas razões bem explicadas por Humberto Theodoro
Júnior:

A boa jurisprudência, erigida no regime do Código anterior, prestigiada por


numerosos precedentes do STJ, considerava que a previsão do § 6º do art. 461
do CPC/73 (faculdade de o juiz da causa reduzir ou ampliar a multa, a qualquer
tempo, e de ofício) não se sujeita aos embaraços da preclusão, nem mesmo da
coisa julgada. O único requisito legal para que ocorresse a alteração
da astreinte é que o valor antes arbitrado ‘tenha-se tornado insuficiente ou
excessivo’, o que será aferido segundo a ‘peculiaridade do caso
concreto’, observada sempre a finalidade da medida: ‘compelir o devedor a
realizar a prestação devida-, de modo que ‘o meio executivo deve conduzir ao
cumprimento da obrigação e não o inviabilizar pela bancarrota patrimonial do
devedor’.602

Não obstante a mansa posição do STJ quanto ao tema, a doutrina permanecia


divergente alimentando a celeuma, até que o legislador do Código de 2015 se debruçou
sobre a questão no afã de dirimi-la.

601
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 163.
602
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 177.
199

Ao analisar a evolução legislativa, nota-se que a versão inicial aprovada pelo


Senado Federal no Projeto de Lei 166 de 2010, no parágrafo 3º do artigo 522, estabelecia
que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da
multa vincenda ou excluí-la”603. Aqui já se pode perceber a inclusão da palavra
“vincenda”, até então inexistente no correspondente parágrafo 6º do artigo 461 do CPC/73,
o que indicava a intenção do legislador de excluir a multa vencida desta possibilidade.
Na sequência, porém, houve significativa mudança no Substitutivo 8.046/2010,
aprovado na Câmara dos Deputados sobre a matéria, inicialmente no parágrafo 1º do
artigo 521, mantendo o preceito segundo o qual “o juiz poderá, de ofício ou a
requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la”, mas
sem deixar de especificar de modo peremptório que a modificação seria “sem eficácia
retroativa”604.
Com essa nova inclusão, a intenção da lei ficava mais clara, praticamente
encerrando a interpretação segundo a qual a multa astreinte vencida poderia ser reduzida
por decisão posterior.
Ocorre que na análise do parecer final do Senador Vital do Rêgo, que se
manifestava pela aprovação do Substitutivo da Câmara ao Projeto de Lei do Senado 166
de 2010, essa emenda específica não foi acolhida, com base na seguinte justificativa:

Ao contrário do proposto no p. 1º do art. 551 do SCD, a modificação do


montante de astreintes deve ser suscetível de alteração pelo juízo com eficácia
retroatuva quando o seu valor se tornou excessivo ou insuficiente ou, ainda,
quando o devedor cumpriu parte da dívida. Caso contrário, a eficácia da multa
cominatória poderá ser comprometida.

Ao fundamentar a defesa da possibilidade de redução das astreintes com eficácia


retroativa na multa cominatória, o Senado não ficou livre de críticas, considerando que “o
principal argumento que milita em prol da impossibilidade de modulação é exatamente o
possível enfraquecimento do aspecto intimidatório e perda de eficácia da medida”605.
Como se vê, o argumento a favor da retroatividade da decisão que fixa astreintes
encontra sua valia na ponderação dos meios acessórios com capacidade para coagir o
603
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 164.
604
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 164.
605
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 165.
200

devedor ao cumprimento de uma obrigação, de modo a garantir os direitos do devedor,


que não podem ser vilipendiados além do quanto necessário à garantia da efetividade
processual e do direito de crédito do credor. Assim, a eficácia da medida se coloca como
argumento em favor do credor, a quem interessa a impossibilidade de redução retroativa
da multa astreinte, seja para garantir o seu direito ao crédito acessório naquela demanda,
ou ainda pelos efeitos prospectivos que decisões dessa natureza podem causar no
comportamento processual deste ou de outros devedores em demandas futuras.
De todo modo, no retorno da mudança legislativa em comento ao Senado, aquela
casa legislativa deliberou pela exclusão do vocábulo “sem eficácia retroativa”. Os
parlamentares, à época, entenderam que essa possibilidade era importante em duas
situações: quando o valor se tornasse excessivo ou insuficiente, ou quando fosse
parcialmente cumprida a obrigação.
Todavia, apesar de se ter afastado a referência expressa à retroatividade da
alteração do valor da multa, o texto legal manteve a menção segundo a qual a alteração ou
exclusão deveria referir-se à multa vincenda, e silenciou, de forma marcante, sobre a multa
vencida.606
O dispositivo legal restou aprovado com a seguinte redação:

Art. 537: [...]


§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a
periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I – se tornou insuficiente ou excessiva;
II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou
justa causa para o descumprimento.

A interpretação literal do aludido dispositivo leva à conclusão de que a alteração


ou exclusão da periodicidade ou do quantum das astreintes somente será cabível com
relação às multas vincendas, o que significa que “a modificação somente produzirá efeitos
ex nunc, isto é, nunca podendo retroagir, a fim de atingir os valores referentes à multa
vencida”. Assim, baseia-se na premissa de que a finalidade da lei é justamente restringir o
poder de mutabilidade da multa coercitiva, ou seja, “um ‘silêncio eloquente’, que suprime
do dispositivo, de forma intencional, o termo ‘vencidas’ exatamente para não permitir
modificações com efeitos ex tunc”607.

606
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 165.
607
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
201

Desse modo, pelo novo regramento legal, parece ter-se definido que a
possibilidade de alteração/revogação das astreintes deve ter eficácia prospectiva608-609, não
se cogitando que decisões desta natureza atingissem as chamadas multas vencidas,
expressamente excluídas tal possibilidade por clara disposição legal.
A alteração na legislação processual civil em tela levou importante parcela da
doutrina a concluir que o §1º do artigo 537 do Código de Processo Civil “modificaria o
regime jurídico, alterando de forma definitiva nossa jurisprudência, até então em vigor,
sobre a possibilidade de alteração da astreinte vencida, a qualquer momento e em qualquer
fase do processo”610.
Por essa mesma linha segue José Miguel Garcia Medina, para quem a clareza do
dispositivo legal não deixa dúvida acerca da impossibilidade de revisão da multa
vencida.611 Da mesma forma, Guilherme Rizzo Amaral, comentando a alteração legal,
afirma que eventual inadequação no valor da multa – para mais ou para menos – somente
poderá sofrer alterações com efeitos para o futuro,612
Assim também entende Stella Economides Maciel, para quem as astreintes já
incidentes não podem ser afetadas por decisões futuras, que teriam seus efeitos adstritos a
modificar o valor da multa em relação às prestações vincendas.613
Misael Montenegro Filho, no mesmo sentido, assevera que eventual decisão que
venha a modificar as astreintes terá efeitos “da data da redução em diante, sem impactar
no valor acumulado, resultante do descumprimento do pronunciamento”614.
Outros autores que já se posicionavam contrários à modulação da multa com
efeito ex tunc, como Alexandre Freitas Câmara615, encontraram no novo dispositivo legal

158-167, jan./abr. 2017. Disponível em:


<https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista78/revista78.pdf#pa ge=159>.
Acesso em: 20 jul. 2020. p. 166.
608
TALAMINI, Eduardo. Medidas coercitivas e proporcionalidade: o caso WhatsApp. Revista Brasileira
da Advocacia, São Paulo, v. 1, n. 0, p. 17-43, jan./mar. 2016. Disponível em: http:/
/bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/99293. Acesso em: 8. set. 2021.
609
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 617.
610
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 282.
611
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução: teoria geral, princípios fundamentais e procedimento no
processo civil brasileiro. 5. ed., rev., ampl. e atual. de acordo com o Código de Processo Civil de 2015. São
Paulo: RT, 2017. p. 595.
612
AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC.
613
MACIEL, Stella Economides. As astreintes como mecanismo de alcance da efetividade processual, p.
173.
614
MONTENEGRO FILHO, Misael. Direito processual civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2019. p. 265.
615
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, p. 370.
202

um argumento a mais para reforçar o entendimento de que a modificação da multa com


eficácia retroativa além de ferir direito adquirido do credor ainda estaria a representar
decisão contrária a texto legal expresso.
Não obstante, a modificação legislativa não bastou para que as controvérsias
doutrinárias e jurisprudenciais pautadas na prerrogativa do magistrado de alterar a
periodicidade ou o quantum das astreintes vencidas fossem superadas. Isso porque, mesmo
sob a égide do CPC/15, ainda há uma corrente doutrinária que permanece defendendo a
possibilidade de revisão do montante acumulado na fase de execução, com eficácia
retroativa. Para esta corrente, as astreintes poderiam ser alteradas a qualquer momento, em
atenção à sua finalidade coercitiva, em nome de que se permitiria a modulação dos valores
vencidos, pautada nos primados da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de evitar o
enriquecimento sem causa do credor.616
De início, é possível citar autores que embora se tenham rendido parcialmente à
alteração legislativa, revisaram suas posições até então adotadas também de forma parcial.
É o que se observa nas lições de Araken de Assis, para quem a limitação da retroatividade
afeta apenas a alteração das multas vincendas, de modo que o poder de exclusão da multa,
quando cabível, não seria atingido pela regra limitativa do parágrafo 1º do artigo 537, o
que admitiria a exclusão das multas vencidas e das vincendas617, com o que concorda
Humberto Theodoro Júnior618.
A posição de Marcelo Abelha619 não é diferente. Para o autor, a multa astreinte
deve ser modulada, a depender do caso concreto, sempre que se verificar que na sua
utilização se tenha deturpado a sua função coercitiva e acessória, passando a servir de
enriquecimento sem causa em favor do credor da obrigação principal.
Daniel Amorim Assumpção Neves encontra no processo legislativo o
fundamento para continuar acreditando ser possível a redução da multa vencida. Na sua

616
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
158-167, jan./abr. 2017. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista78/revista78.pdf#pa ge=159>.
Acesso em: 20 jul. 2020. p. 165.
617
ASSIS, Araken. Manual da execução, 20. ed.
618
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 835-838.
619
RODRIGUES, Marcelo Abelha. O novo CPC e a tutela jurisdicional xecutiva (parte 1) Revista de
Processo, São Paulo, RT, v. 244, p. 87-151, jun. 2015.
203

avaliação: “A retirada da expressão ‘sem eficácia retroativa’ do texto final do art. 537, §
1º, do Novo CPC continua a permitir a redução do valor consolidado da multa”620.
Há ainda autores que defendem a relativização da regra em face do possível
choque entre princípios. É o caso de Humberto Thedoro Júnior, que mesmo admitindo que
a mudança legislativa exclua, ao menos em regra, a possibilidade de alteração da multa
vencida, evoca a necessidade da análise casuística para que o citado dispositivo seja
aplicado de forma “justa e razoável”:

No regime do atual Código, porém, o legislador ressalvou expressamente a


possibilidade de alteração apenas da parcela vincenda da multa (art. 537, § 1º).
Com esse preceito, a nosso entender, o CPC/2015 excluiu a redução do
montante vencido, seja quando questionado pela parte ou mesmo quando a
iniciativa for do juiz. Parece-nos que a intenção da norma é compelir o devedor
a questionar logo a multa que ele considera excessiva, evitando impugnações
tardias, quando as astreintes já teriam se acumulado, sem resistência alguma do
obrigado. Muitas vezes é o próprio credor que provoca a progressão da multa. É
preciso, portanto, avaliar caso a caso a razão pela qual as multas vencidas se
acumularam, para que o art. 537, § 1º, seja aplicado de forma justa e razoável.621

Fredie Didier Júnior, Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael
Alexandria de Oliveira também saem em defesa da possibilidade de superação da regra
geral de impossibilidade de redução da multa vencida com base na existência de eventual
choque entre a efetividade da tutela jurisdicional e a vedação ao enriquecimento sem causa
do credor.622
Dessa forma, constata-se que nem mesmo a ressalva legal do artigo 537,
parágrafo 1º, do Código de Processo Civil acerca da multa vencida foi capaz de resolver a
celeuma em torno da mutabilidade das astreintes na fase executória na medida em que
parte da doutrina ainda defende a possibilidade de redução do montante final alcançado
pela multa em sede de execução, por considerar que o instituto da coisa julgada não se
opera na parte da decisão que fixa as astreintes.

4.2.5 Análise da jurisprudência pós-vigência do CPC/15

Na jurisprudência, o argumento da vedação ao enriquecimento sem causa tem


levado parcela de magistrados a reduzir o valor final da multa coercitiva nos casos

620
NEVES, Daniel Assumpção. Novo CPC - Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015, p. 352.
621
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 835-838.
622
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 617.
204

julgados em que referido valor alcance patamar bem superior ao da obrigação principal.623
E não são poucas as decisões dessa natureza que passam ao largo da análise da
significativa alteração legislativa em comento na medida em que se observa a adoção dos
mesmos argumentos utilizados para fundamentar decisões sob a égide do Código de
Processo Civil de 1973.624
Por outro lado, alguns julgados de Tribunais de Justiça de estados da federação,
como Rio de Janeiro625 e Rio Grande do Sul626627, mostram-se atentos à alteração
legislativa, passando a decidir sobre a impossibilidade de alteração da multa vencida.628
No Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a definição da questão por se tratar
de regra expressa em lei federal, embora ainda não se tenha enfrentado especificamente o
tema pelo prisma da evolução legislativa aqui debatida, pode-se vislumbrar que a questão
vem sendo analisada por duas perspectivas diferentes quando comparadas às das Turmas
que integram a Segunda Seção daquela Corte, embora ambas admitam que as astreintes
não estejam sujeitas à coisa julgada e que, portanto, podem ser reduzidas a qualquer
tempo.

623
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 289.
624
BEN, Angélica Caetano. Astreintes: possibilidade de redução de ofício pelo magistrado após o trânsito
em julgado da decisão. 2017. 58f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade
de Santa Cruz do Sul, Capão da Canoa, 2017. p. 38.
625
“Agravo de instrumento. Execução de astreintes. Redução de ofício com fundamento no artigo 461, §6ª
do CPC/1973. Decisão agravada proferida já sob a égide do Novo Código de Processo Civil. Lei processual
que tem aplicação imediata. Impossibilidade de redução de multa vencida, fixada em sentença já transitada
em julgado, e contra a qual a parte ré sequer interpôs recurso. Vedação contida no artigo 537, §1ª, I do
NCPC. A multa por descumprimento é instrumento que visa dar efetividade ao processo, e se, no caso
concreto, atingiu valor expressivo, isto se deveu à própria conduta desidiosa da parte que se furtou ao
cumprimento de comando judicial. Restabelecimento do valor fixado em sentença. Jurisprudência do TJ/RJ.
Recurso provido.” RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0030602-
13.2016.8.19.0000. Relator: Desembargador Pedro Saraiva de Andrade Lemos, Décima Câmara Cível.
Brasília, DF, 28 de setembro de 2016. Publicação DJe 03/10/2016.
626
“RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. TELEFONIA. COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO
DAS FATURAS. SUSPENSÃO INDEVIDA DO SERVIÇO. ASTREINTES MANTIDAS.
OBSERVÂNCIA AO §1º DO ART. 537 DO NOVO CPC. DANO MORAL AFASTADO. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DE ABALO A ATRIBUTO DA PERSONALIDADE DA AUTORA. INEXISTÊNCIA
DE PREVISÃO LEGAL PARA IMPOR DANOS MORAIS COM CARÁTER MERAMENTE PUNITIVO.
RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDO.” RIO GRANDE DO SUL.
Tribunal de Justiça. Turmas Recursais. Recurso Cível nº 71005776208. Relator: Luís Francisco Franco,
Terceira Turma Recursal Cível. Porto Alegre, RS, 28 de julho de 2016. Publicação DJe 02/05/2016.
627
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 281.
628
DIAS, Bernardo Annes; FLEXA, Alexandre. Astreintes no novo CPC: perspectivas e controvérsias.
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p.
158-167, jan./abr. 2017. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista78/revista78.pdf#pa ge=159>.
Acesso em: 20 jul. 2020. p. 167.
205

Por um lado, há a posição comumente adotada na Terceira Turma, para quem a


redução das astreintes será possível quando o valor fixado for considerado excessivo em
relação à obrigação principal, observado o momento da fixação da multa. Nesse caso,
rechaçar-se-á a possibilidade de redução da multa por mera desproporção entre o valor
final alcançado pela recalcitrância do devedor. De outro lado, encontra-se a posição que
costuma ser aplicada pela Quarta Turma, ancorada nas máximas da proporcionalidade e da
razoabilidade, em conjunto com a vedação ao enriquecimento sem causa, da qual se extrai
a possibilidade de redução da multa levando em conta o montante acumulado, sendo
irrelevante a adequação dos valores impostos inicialmente.629
Saliente-se que os julgados da Quarta Turma revelam os motivos que levam os
ministros a adotar o entendimento segundo o qual a redução das astreintes deve observar o
valor final atingido por ela, independentemente da adequação de seu valor unitário à
obrigação principal. Por exemplo, no voto proferido pelo Ministro Raul Araújo, o valor
elevado de multas contra grandes corporações pode ser creditado a falhas operacionais, ou
seja, o descumprimento da obrigação cominada pode decorrer da perda da intimação em
níveis inferiores, não chegando ao nível gerencial responsável pela tomada de decisões. 630
Nos votos do Ministro Luis Felipe Salomão, há uma preocupação com a
definição de critérios para a adequação das astreintes, como se percebe no seguinte trecho:

Devem ser erigidos pelos tribunais ao menos vetores para uma mais adequada
fixação da multa e ainda para eventual limitação do quantum eventualmente
acumulado: i) o valor e a importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo e
periodicidade adequados para cumprimento; iii) capacidade econômica e de
resistência do devedor; iv) viabilidade de adoção de outras medidas e o dever do
credor de mitigar o próprio prejuízo.631

Raimundo Rolim de Mendonça Junior e Rosalina Motta Pinto da Costa, após


analisarem a jurisprudência do STJ sobre a matéria, em especial no que tange a decisões
da Quarta Turma, concluem que a definição de critérios um tanto quanto abertos não tem
contribuído para a segurança jurídica da matéria na medida em que, “partindo das mesmas
premissas teóricas, os magistrados chegaram a patamares de modulação completamente

629
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 158.
630
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 159.
631
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 1733695 SC 2018/0077019-7.
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Publicação DJ 02/02/2021.
206

distintos, o que demonstra subjetividade e voluntarismo dos quais resulta a possibilidade


de modulação”.632
A Terceira Turma do STJ, embora ainda ignore – a exemplo da Quarta Turma – o
disposto no parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, tem demonstrado um maior rigor
quanto à manutenção das astreintes fixadas. O entendimento é que a redução da astreinte
fica condicionada à demonstração de que a multa diária fora estipulada em valor
incompatível com a prestação imposta pela decisão judicial, de maneira que “eventual
obtenção de valor final expressivo, decorrente do decurso do tempo associado à inércia da
parte em cumprir a determinação, não enseja a sua redução”633. É o que se pode perceber
no voto da Mininstra Nancy Andrighi, quando define que: “O critério mais justo e eficaz
para a aferição da proporcionalidade e da razoabilidade da multa cominatória consiste em
comparar o valor da multa diária, no momento de sua fixação, com a expressão econômica
da prestação que deve ser cumprida pelo devedor.”634.
Na sequência, em crítica ao modelo de interpretação utilizado pela Terceira
Turma, e demonstrando sua preocupação com os efeitos prospectivos de decisões dessa
natureza, assim se posiciona a ministra:

Se a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade se faz com o simples


cotejo entre o valor da obrigação principal e o valor total alcançado a título de
astreintes, inquestionável que a redução do último, pelo simples fato de ser
muito superior ao primeiro, poderá estimular a conduta de recalcitrância do
devedor em cumprir as decisões judiciais.635

Todavia, conforme já relatado, um ponto comum entre as Turmas do STJ,


especialmente a Terceira e Quarta Turmas, é o fato de que ambas as Turmas têm passado
ao largo da análise do disposto no parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15. Essa nova
disposição, por representar significativa alteração legislativa quando comparada com o
Código antecessor, carece de consideração por parte do STJ, a Corte responsável pela
manutenção da coerência da jurisprudência em se tratando de lei federal.

632
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 160.
633
MENDONÇA JUNIOR, Raimundo Rolim de; COSTA, Rosalina Motta Pinto da. A modulação da multa
vencida e a proteção da confinação na perspectiva do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo – RePro, São Paulo, Thomson Reuters Brasil, ano 46, v. 314, abril 2021. p. 161
634
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 1714990 (MG) 2017/0101471-4.
Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 18/10/2018.
635
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n. 1714990 (MG) 2017/0101471-4.
Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 18/10/2018.
207

Em 7 de abril de 2021, a Corte Especial do STJ julgou o EARESP 650.536/RJ


interposto em face de acordão proferido pela Quarta Turma do mesmo Tribunal. Na
análise do agravo interno no agravo interno em recurso especial a mencionada Corte
Especial assim decidiu:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO


(ART. 544 DO CPC/73) – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – EXECUÇÃO
DE ASTREINTES – DELIBERAÇÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU
PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DO EXECUTADO.
1. Inviável nova análise acerca do montante das astreintes quando sobre a
quantia estabelecida já existiu explícita manifestação, inclusive por esta Corte
Superior, na já superada fase de cumprimento do julgado, e também, pronto e
efetivo depósito para fins de pagamento dos valores por parte do devedor, face
à ocorrência de preclusão lógica, a ensejar o reconhecimento da extinção da
obrigação.
3. Agravo interno desprovido. 636

A situação de fundo analisada nesse recurso tratava de um banco que condenado


a arcar com astreintes, já no âmbito de cumprimento de sentença, pleiteou a redução da
referida multa. O pedido foi negado e fez o banco recorrer ao Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro (TJRJ), que atendeu parcialmente ao seu pleito, reduzindo o valor unitário da
multa de R$1.000,00 para R$ 500,00. Na sequência, a instituição financeira interpôs
recurso ao STJ, o qual foi inadmitido. No retorno dos autos à origem, requereu novamente
a redução do montante das astreintes e, desta vez, o pedido restou atendido pela
magistrada.
O consumidor, por sua vez, recorreu ao TJRJ, que manteve a multa que o próprio
tribunal fluminense tinha adequado no julgamento do recurso interposto pelo banco.
Diante da decisão, o banco recorreu novamente ao STJ, onde teve seu recurso desprovido
ancorado no entendimento de que, ainda que possível, a revisão das astreintes sem o
limitador da coisa julgada não seria possível no caso concreto, uma vez que a revisão
pleiteada já havia sido realizada; além disso, o Judiciário já havia exercido a jurisdição
sobre a mesma questão, e não se pode admitir a repetição ad eternum da mesma demanda.
Irresignado, o banco interpôs embargos de divergência, apresentando como paradigma
decisões da Segunda Turma que divergiam da decisão recorrida ao permitir a revisão
indefinida da multa.

636
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial
(EAREsp) n. 650536 RJ 2015/0006850-7. Relator: Ministro Raul Araújo, CE – Corte Especial. Brasília,
DF 7 de abril de 2021. Publicação DJe 03/08/2021.
208

Ao analisar o recurso, a Corte Especial do STJ decidiu, por maioria637, que a


multa do artigo 537 do CPC/15 pode ser modificada até mesmo de ofício, mesmo depois
do trânsito em julgado da decisão que a fixara, ainda que sobre ela já tenha havido
pronunciamento judicial, até mesmo na fase de cumprimento de sentença. No caso, a
multa que representava quantia de R$ 730.500,00 (setecentos e trinta mil e quinhentos
reais) foi reduzida para R$ 100.000,00 (cem mil reais). O acordão restou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. CABIMENTO. MÉRITO ANALISADO. VALOR
ACUMULADO DAS ASTREINTES. REVISÃO A QUALQUER TEMPO.
POSSIBILIDADE. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. AUSÊNCIA DE
PRECLUSÃO OU FORMAÇÃO DE COISA JULGADA. EXORBITÂNCIA
CONFIGURADA. REVISÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
CONHECIDOS E PROVIDOS.
1. É dispensável a exata similitude fática entre os acórdãos paragonados, em se
tratando de embargos de divergência que tragam debate acerca de interpretação
de regra de direito processual, bastando o indispensável dissenso a respeito da
solução da mesma questão de mérito de natureza processual controvertida.
2. O valor das astreintes, previstas no art. 461, caput e §§ 1º a 6º, do Código de
Processo Civil de 1973, correspondente aos arts. 497, caput, 499, 500, 536,
caput e § 1º, e 537, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, pode ser revisto a
qualquer tempo (CPC/1973, art. 461, § 6º; CPC/2015, art. 537, § 1º), pois é
estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, e não enseja preclusão ou
formação de coisa julgada.
3. Assim, sempre que o valor acumulado da multa devida à parte destinatária
tornar-se irrisório ou exorbitante ou desnecessário, poderá o órgão julgador
modificá-lo, até mesmo de ofício, adequando-o a patamar condizente com a
finalidade da medida no caso concreto, ainda que sobre a quantia estabelecida já
tenha havido explícita manifestação, mesmo que o feito esteja em fase de
execução ou cumprimento de sentença.
4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para reduzir o valor total das
astreintes, restabelecendo-o conforme fixado pelo d. Juízo singular. (EAREsp
650.536/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em
07/04/2021, Dje 03/08/2021).638

Do voto do Ministro Relator Raul Araújo, extrai-se a ideia de que se poderia


admitir a revisão da multa indefinidamente, mesmo que esta já tenha sido realizada pelo
próprio órgão julgador. O argumento tem como base os primados da razoabilidade e da
proporcionalidade, sobretudo nas hipóteses em que o valor alcançado representar
enriquecimento sem causa do credor:

637
Quanto ao mérito, os Srs. Ministros João Otávio de Nunes, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge
Mussi, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator. Vencidos os
Srs. Ministros Herman Benjamin e Laurita Vaz, que negavam provimento aos embargos de divergência.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros
Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Og Fernandes e Paulo de Tarso Sanseverino.
638
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial
(EAREsp) n. 650536 RJ 2015/0006850-7. Relator: Ministro Raul Araújo, CE – Corte Especial. Brasília,
DF, 7 de abril de 2021. Publicação DJe 03/08/2021.
209

Seguindo essa mesma linha de intelecção, conclui-se que, ainda que já tenha
havido redução anterior do valor da multa cominatória, não há vedação
legal a que o magistrado, amparado na constatação de que o total devido
a esse título alcançou montante elevado, reexamine a matéria novamente,
caso identifique, diante de um novo quadro, que a cominação atingiu
patamar desproporcional à finalidade da obrigação judicial imposta.
Nesse diapasão, em atenção aos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, é recomendável a redução, quantas vezes forem
necessárias, do valor das astreintes, sobretudo nas hipóteses em que a sua
fixação ensejar valor superior ao discutido na ação judicial em que foi
imposta, a fim de evitar eventual enriquecimento sem causa [Grifos do
autor]. 639

O ministro relator, em outro trecho, cita expressamente o comportamento


processual do credor como fato autorizador da redução da astreinte no caso concreto,
quando assevera que o papel da astreinte acabou por ser desvirtuado na medida em que “o
aparente reiterado descumprimento da obrigação, foi, então, na realidade,
gradativamente desejado e construído pela sagacidade do credor e ensejado pela
negligência inconsciente do devedor”.
O Ministro Herman Benjamin, em sua declaração de voto divergente, não
escondeu a sua preocupação com os efeitos prospectivos dessa decisão, especialmente
no que tange ao “reconhecimento de que as decisões concernentes ao tema da multa
diária são precárias, passíveis de revisão ad infinitum”. E aduziu que, ainda que não se
olvide a jurisprudência do STJ a favor da possibilidade de redução das astreintes a
qualquer tempo, esta possibilidade não pode ser lida de forma ilimitada, sob pena de
transformar o princípio do duplo grau de jurisdição em letra morta.
Por fim, o Ministro Benjamim ao discordar do ministro relator quanto à
participação do credor para a concretização do valor elevado alcançado pela multa,
lembra que é o devedor quem tem o domínio do fato e que, portanto, teria a capacidade
de cumprir a obrigação ou demonstrar a impossibilidade de fazê-lo, devendo assim ser
responsabilizado pela sua desídia:

A circunstância de o somatório final, no caso concreto, apresentar valor muito


superior ao da obrigação principal não pode ser invocada em favor da parte
embargante, haja vista que ela, intimada da decisão que arbitra a multa diária,
tem o domínio do fato, sendo responsável pelo cumprimento da determinação
judicial (ou, igualmente, pela obrigatória comunicação de fatos, alheios à sua

639
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial
(EAREsp) n. 650536 RJ 2015/0006850-7. Relator: Ministro Raul Araújo, CE – Corte Especial. Brasília,
DF, 7 de abril de 2021. Publicação DJe 03/08/2021.
210

vontade, que possam justificar momentânea impossibilidade de cumprimento


da decisão judicial). 640

De início, em que pese a transcrição do parágrafo 1º do artigo 537 na decisão, o


fato é que a única menção que se fez sobre a vedação à modificação da multa vencida
ocorreu na citação da obra de Cândido Rangel Dinamarco, datada de 2004, muito antes,
portanto, da entrada em vigor do CPC/15, o que demonstra pouco apreço pelo esforço
legislativo para dirimir a matéria. Nem mesmo o voto divergente enfrentou a questão,
visto que o ponto de embate entre as versões foi o desrespeito à decisão do próprio STJ,
que já se pronunciara sobre o tema no mesmo processo, e não a possibilidade ou não de
alteração das multas vencidas.
Ainda que se possa interpretar o parágrafo 1º do artigo 537 de maneira diversa do
que o texto parece indicar, o fato é que tal exercício exegético não é possível sem que se
demonstrem os motivos pelos quais os ministros entenderam que o texto legal, que
aparentemente veda a redução/exclusão da multa vencida, não deve ser lido desta forma.
Sem olvidar a sua inegável importância, o recurso embargos de divergência
enquanto técnica de julgamento restrito às Cortes Superiores, ao menos pelo regramento
do artigo 927 do CPC/15, possui natureza não vinculante, motivo pelo qual a tese ali
firmada é incapaz de, por si só, autorizar a aplicação das técnicas de aceleração de
julgamento previstas no Código para decisões de observância obrigatória, nos termos dos
incisos do artigo 927.
Além disso, ainda que se conceba a vinculação do precedente ou que este
entendimento venha a se tornar uma súmula ou tema de recurso repetitivo, o fato é que
embora se permita a redução das astreintes de forma ilimitada não se determinou que
assim necessariamente se devesse proceder, o que autoriza tanto as Turmas do próprio STJ
quanto aos demais órgãos fracionários e aos juízes de direito que deixem de reduzir ou
revogar a multa quando entenderem que não estão presentes os requisitos necessários para
tal.
A necessidade de investigar o impacto desse precedente no âmbito da Corte
Superior determinou a realização de pesquisa no sítio eletrônico do STJ para identificar
todos os acórdãos proferidos sobre o tema, desde a data do julgamento dos Embargos de
Divergência 650.536/RJ (07 de abril de 2021) até a data de 20 de setembro de 2021,

640
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial
(EAREsp) n. 650536 RJ 2015/0006850-7. Relator: Ministro Raul Araújo, CE – Corte Especial. Brasília,
DF, 7 de abril de 2021. Publicação DJe 03/08/2021.
211

compreendendo assim um período de aproximadamente cinco meses e meio. Para tanto,


no campo próprio de pesquisa de jurisprudência, foram informadas as palavras “redução
astreintes”.
A pesquisa trouxe como resultado 21 julgados641 que haviam enfrentado
diretamente a questão da possibilidade jurídica de redução das astreintes fixadas em título
judicial transitado em julgado. Os julgados selecionados tiveram seus votos analisados
individualmente, resultando na breve análise que se passa a expor.
De início, destaca-se a grande incidência de julgados em que o recurso não restou
conhecido pelo impeditivo do Enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça,
que veda o reexame de matéria de fato em sede de recurso especial.
Conforme se observou, embora se admita a revisão de astreintes fixadas em
decisão transitada em julgado – o que não é negado em nenhuma decisão – esta deve
deferida de forma excepcional, apenas quando a multa restar fixada em valor exorbitante,
desproporcional ao objeto principal da ação. Dos 21 recursos analisados, 13 não restaram
conhecidos por esse motivo, mantendo-se, pois, a multa fixada na origem.
Dos julgados que aplicaram o Enunciado n. 7 da Súmula do STJ como forma de
não conhecer o recurso, destaca-se o AgInt no Agravo em Recurso Especial n.
1758478/SP. Embora o julgador tenha recorrido a esse enunciado para negar provimento
ao recurso ante a impossibilidade de reanálise de matéria fática, o que se observa do voto
do Ministro relator Marcos Buzzi é que foi justamente da análise dos fatos ocorridos
naquele caso concreto que resultou a sua decisão de manutenção da multa fixada, como se
pode verificar no seguinte trecho selecionado:

No caso dos autos, não vislumbro exorbitância no valor das astreintes, tendo em
vista a conduta da ora agravante que não trouxe provas do cumprimento a
contento da decisão. Ao revés, consta dos autos a mora de 38 dias da parte para
fornecer o medicamento, o que evidencia a sua recalcitrância no cumprimento
da determinação judicial.642

641
Ag Int. no Ig Int. no RESP n. 1769708/PR; Ag Int no EDcl no RESP n. 1716234/PE; AgInt no Edcl no
ARESP n. 1808921/PI; AgInt no ARESP n. 1309837/RS; AgInt no Edcl no RESP n. 1841809/AM; AgInt
no ARESP n. 1353907/PR; AgInt no ARESP n. 1479019/SP; AgInt no ARESP n. 1500279/RS; AgInt no
ARESP n. 1569696/RJ; AgInt no ARESP n. 1638130/SP; AgInt no ARESP n. 1758478/SP; AgInt no
ARESP n. 1726726/PE; AgInt no ARESP n. 1805732/RJ; AgInt no ARESP n. 1786526/PR; AgInt no
ARESP n. 1807418/RJ; AgInt no RESP n. 1824152/PR; AgInt no RESP n. 1920817/SP; AgInt no Ag Int no
ARESP n. 951419/AC; AgInt no ARESP n. 1.880.329/RJ; RESP n. 1.840.280/BA; e RESP 1.778.885/DF.
642
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Agravo em Recurso Especial (AgInt no
AResp) n. 1758478 (SP) 2020/0236692-2-7. Relator: Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma. Publicação DJ
04/06/2021.
212

Ao contrário do que consta da decisão em apreciação, percebe-se que o


improvimento do recurso se deu justamente pela análise do caso concreto, ou seja, mais do
que o valor alcançado pela multa, a conduta do devedor – só passível de aferição mediante
análise da situação de fato – parece ter sido determinante para o resultado do recurso ter
sido em seu desfavor. Em casos assim parece haver alguma confusão quanto à
admissibilidade e ao mérito recursais.
A aferição dos critérios de valor elevado e/ou desproporcional ao objeto principal
da demanda não suscitam análise minuciosa dos fatos, bastando que se verifique a quantia
atingida pela multa e o valor atribuído à causa. Assim, caso preenchido esse critério,
conforme a jurisprudência do STJ, deve-se superar a fase de admissibilidade do recurso –
ao menos com relação a este requisito – e proceder à análise meritória, que pode ou não
receber provimento. Em outras palavras, o fato de se entender que a multa foi fixada em
valor exorbitante não bastará, necessariamente, para o provimento do recurso, mas sim
servirá para que vença a barreira da admissibilidade, permitindo a análise do mérito,
podendo as circunstâncias do caso concreto influir no juízo de mérito.
Ainda, quanto à aferição do critério “valor exorbitante e desproporcional”, nos
seis (6) julgados que obtiveram provimento, a investigação recaiu sobre as quantias
analisadas, em qual grau se deu a sua redução e as circunstâncias específicas de cada
situação.
No primeiro caso, o AgInt no Edcl no Recurso Especial n. 1841809/AM, julgado
pela Terceira Turma, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, a multa havia sido
fixada em R$3.000,00 até o limite de duzentos (200) dias-multa. Os ministros entenderam
que houve excesso na fixação da multa e a reduziram para o valor unitário de R$500,00,
porém extirparam o limitador de dias. Diante desse resultado, o recorrente interpôs
embargos de declaração aduzindo que embora se tivesse reduzido o valor unitário da
multa, a exclusão do limitador de dias causara uma quantia final superior àquela que lhe
poderia ser exigida antes da interposição do recurso ao STJ. Dessa forma, em respeito ao
princípio da proibição do reformatio in pejus, adequou-se o julgado apenas para esclarecer
que o valor resultante da multa ficaria limitado a R$600.000,00, nos termos da decisão do
tribunal de origem.
Em outro julgado da Terceira Turma, o AgInt no Agravo em Recurso Especial n.
1479019/SP, também da lavra do Ministro Marco Aurélio Bellizze, embora informasse o
valor da obrigação principal na casa de R$36.000,00, não mencionava o valor final
213

alcançado pela multa, apenas constando a sua redução unitária de R$1.000,00 para
R$300,00 por dia, sem limitador final de incidência.
No caso do AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1500279/RS, analisado pela
Quarta Turma, sob a relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, a multa unitária de
R$1.000,00 aplicada para forçar o cumprimento de obrigação principal avaliada em
R$19.930,68, alcançou, diante do inadimplemento da obrigação, o valor de R$342.370,00,
o que levou o juízo de primeiro grau a reduzi-la para a quantia de um (1) salário mínimo,
limitada a trinta (30) dias de incidência – ainda que o descumprimento tenha durado um
ano – totalizando R$28.140,00. Diante disso, em sede de agravo de instrumento, no
Tribunal de origem, revogou-se parcialmente a decisão de primeiro grau para reduzir a
multa ao valor unitário de R$500,00, que no caso geraria um crédito de R$182.500,00. Em
sede de recurso especial, o STJ, considerando principalmente o valor da obrigação
principal, reformou o acordão do TJRS, mantendo incólume a decisão de primeiro grau
que reduzira a multa para R$28.140,00.
Em outro caso analisado pela Quarta Turma, sob a relatoria do Ministro Antônio
Carlos Ferreira, a causa fora valorada em R$200.000,00 e a multa astreinte fixada no valor
unitário de R$10.000,00 no ano de 2011. As credoras, no entanto, só informaram o
descumprimento da decisão seis anos depois, em 2017, apresentando planilha de cálculo
no valor de R$34.760.000,00. No caso, provocado mediante agravo de instrumento, o
TJSP deu provimento ao recurso, porém postergou para momento futuro a quantificação
das astreintes, eis que “diante da ausência de elementos suficientes para analisar a
ocorrência ou não ao enriquecimento sem causa das agravadas, prudente aguardar-se, ao
menos, a apuração do montante principal”. Dessa decisão o credor interpôs recurso
especial, admitido e não provido, especialmente em razão da quebra do seu dever de boa-
fé, que deixou de observar o princípio do duty to mitigate the loss.
Ainda na Quarta Turma, porém sob a relatoria do Ministro Marcos Buzzi,
examinou-se o AgInt no AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 951419/AC. Entre os
acórdãos analisados, esse foi o que demonstrou com maior clareza os critérios utilizados
para fundamentar a decisão. Tratava-se de multa fixada em valor diário de R$1.000,00,
posteriormente majorada para R$2.000,00, que diante da recalcitrância do devedor
alcançara a monta de R$492.000,00. O juízo de primeiro grau, na fase de execução,
reduziu o montante para R$30.000,00. Em sede de agravo de instrumento interposto no
tribunal de origem, o valor foi majorado para R$150.000,00.
214

Por ocasião da análise dos ministros, o valor foi novamente readequado, agora
para R$64.000,00, com a justificativa de que o valor unitário deveria ser ajustado para
R$200,00, considerando que situações de recalcitrância na exclusão do nome do devedor
de serviços de proteção ao crédito, com base nos precedentes da Corte, as multas deveriam
ser aplicadas de R$200,00 a R$500,00 por dia, a depender do período de duração da
desobediência judicial.
Por fim, no caso do AgInt nos Edcl no Recurso Especial n. 1716234/PE, julgado
pela Quarta Turma, também sob a relatoria do Ministro Antônio Carlos Ferreira, adotou-se
posição sui generis na medida em que do reconhecimento da possibilidade jurídica de
redução das astreintes não resultou a adequação do valor pelo próprio Tribunal, que
determinou o retorno dos autos a sua origem para que o juízo da causa realizasse eventual
adequação.
No que tange aos acórdãos que negaram a redução das astreintes, adentrando o
mérito, dois chamam atenção, em razão da fundamentação utilizada pelos ministros.
O primeiro acórdão se refere ao RESP n. 1.840.280/BA, julgado na Terceira
Turma, sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, cujo voto restou vencido
com a divergência inaugurada pela Ministra Nancy Andrighi, divergência esta que acabou
por formar maioria. No caso, buscava-se a revisão de multa diária fixada em R$1.000,00
para o cumprimento de obrigação médica, cuja recalcitrância causara o óbito do autor,
acarretando consequentemente a interrupção da contagem da multa quando esta alcançou o
valor de R$365.000,00.
Para negar provimento ao recurso, a ministra definiu critérios que podem ser
observados em casos semelhantes, como se nota do item 5 da ementa:

5- Para que seja autorizada a excepcional redução da multa periódica acumulada


em virtude do descumprimento de ordem judicial, é preciso, cumulativamente,
que: (i) o valor alcançado seja exorbitante; (ii) que, no momento da fixação, a
multa diária tenha sido fixada em valor desproporcional ou incompatível com a
obrigação; (iii) que a parte beneficiária da tutela específica não tenha buscado
mitigar o seu próprio prejuízo.643

Nesse caso, percebe-se novamente a tendência da Terceira Turma em observar


com maior acuidade o comportamento processual das partes, levando em conta o valor
unitário fixado para cada dia de descumprimento da multa e não simplesmente o valor
final alcançado.

643
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial (REsp) n. 1840280 (BA) 2019/0155135-1.
Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 09/09/2021.
215

O outro julgado para o qual se deve apontar o foco é o RESP 1.778.885/DF,


proveniente da Segunda Turma, competente para conhecer recursos provenientes de
conflitos de direito público, sob a relatoria do Ministro Og Fernandes. No caso, embora o
cerne do recurso se voltasse à definição da forma como deveria fluir a multa cominada, se
dias corridos ou dias úteis – escolheu-se a segunda opção. Ao analisar, em preliminar, um
pedido de perda do objeto recursal ante o cumprimento posterior da obrigação principal,
assim se manifestou o ministro em seu voto, acolhido por unanimidade:

Inicialmente, afasto a suscitada perda superveniente do interesse recursal, uma


vez que o cumprimento posterior da obrigação de fazer não interfere na
exigibilidade da multa cominatória já vencida, na linha do que dispõe o art. 537,
§ 1º, do CPC, com o seguinte teor: [...]
Como se observa, apenas há autorização legal para a modificação do valor,
da periodicidade, ou ainda, para a extinção da multa vincenda, o que
significa que as parcelas já vencidas são insuscetíveis de posterior alteração
pelo magistrado [Grifos do autor].644

Percebe-se que, pela primeira vez, considerando todos os julgados analisados, a


Corte se debruçou efetivamente sobre o conteúdo do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC e
sobre ele declarou a aplicação da interpretação literal, vedando a revisão da multa vencida.
Importante destacar que esse julgado ocorreu em 15 de junho de 2021 e, portanto, dois
meses após o julgamento dos embargos de divergência, recurso que deveria servir de
paradigma, o que só evidencia que ainda se trata de matéria instável e sujeita à revisão.
Outro ponto que merece destaque alude ao fato de que dos 21 julgados
selecionados na pesquisa, apenas três (3) foram proferidos por câmaras de direito público
(um da Primeira Turma e dois da Segunda). Em dois julgados, embora se reconheça a
possibilidade de redução das astreintes sem a limitação da coisa julgada, negou-se
provimento aos recursos pelo impeditivo da Súmula 7 do Tribunal Superior; em outro,
declarou-se exatamente o oposto ao afirmar ser inviável a revisão da multa vencida.
Por fim, quanto ao comportamento das turmas de direito privado, cujas distinções
acerca da análise dessa matéria já restaram retratadas nesta seção de estudo, observou-se
que enquanto na Quarta Turma metade dos casos resultaram na redução das astreintes (4
em 8), na Terceira Turma tal provimento ocorreu em 20% dos casos (2 em 10).
O que se pode extrair dessas constatações é que há pouca padronização acerca
dos critérios utilizados pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça, tanto no que se
refere ao conhecimento do recurso quanto à análise do mérito propriamente dito.

644
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial (REsp) n. 1778885 (DF) 2018/0295739-5.
Relator: Ministro Og Fernandes, Segunda Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 21/06/2021.
216

Certamente a utilização de termos demasiadamente abertos como “desproporcional” e


“excessivo” e a indefinição de regras claras quanto à matéria – especialmente após
julgamento de recurso de embargos de divergência que afastou qualquer limite objetivo
para revisão da multa –, não contribuem para a desejável e necessária previsibilidade das
decisões judiciais.
Por outro lado, encontram-se julgados da Terceira Turma que revela um maior
esforço de alguma padronização decisória, especialmente nos processos relatados pela
Ministra Nancy Andrighi. Além disso, há julgados da Segunda Turma que ao encarar pela
primeira vez a interpretação do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15 ignorou
completamente a regra adotada nos embargos de divergência, aplicando a interpretação
literal do referido dispositivo para afastar a possibilidade de revisão da multa vencida.
Dessa forma, nota-se, ao menos neste momento histórico, um déficit de
fundamentação na maioria das decisões, o que indica que a redução das astreintes é guiada
por critérios absolutamente subjetivos, a depender de cada ministro e/ou turma em que o
processo é analisado.
O fato é que, ao que parece, o STJ perdeu outra oportunidade de definir regras
aptas a garantir alguma racionalidade à questão da mutabilidade das astreintes fixadas em
decisão transitada em julgado.
A lacuna deixada, por conseguinte, exige que a doutrina se esforce para encontrar
fundamentos aptos à criação de uma convenção procedimental capaz de dar segurança
jurídica às partes e assim contribuir para a efetividade da medida.

4.2.6 Possibilidade de resolução do problema da redução de astreinte por meio do


sistema de precedentes

A positivação das promessas de um Estado Democrático de Direito faz aumentar


o nível de inconformismos dos jurisdicionados diante da distância existente entre as
promessas constitucionais e a realidade social. Um dos alvos de inconformismo, já há
algumas décadas, é a morosidade e a ineficiência do Poder Judiciário, que, por uma série
de fatores, mostra-se cada vez mais incapaz de proporcionar um acesso autêntico à justiça
do ponto de vista material.645

645
SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Compreendendo os "precedentes" no Brasil: fundamentação de decisões
com base em outras decisões. Revista de Processo, São Paulo, v. 226, p. 349-370, dez. 2013. p. 1.
217

Não menos inquietante, a insegurança jurídica que emana da falta de capital


jurídico646 faz com que situações muito semelhantes sejam comumente julgadas de
maneira diferente, em completa dissonância com a garantia constitucional de isonomia.
Além de fatores políticos, não se pode olvidar a razão econômica, considerando
um sistema de mercado cada vez mais globalizado e veloz que não consegue conviver com
processos judiciais demorados, típicos dos procedimentos de cognição exauriente e com
atenção especializada caso a caso. A essa demora é atribuída um preço que acaba sendo
repassado à comunidade, como acréscimo no custo dos produtos/serviços, que se costuma
chamar de “custo-judicial”.
Nesse cenário, a padronização decisória aparece como esperança de solução para
aplacar as mazelas aqui descritas. A padronização das decisões serve duplamente a esse
propósito: primeiro porque propicia um julgamento mais veloz; segundo porque reduz a
incerteza do provimento judicial, diminuindo os riscos envolvidos na atividade econômica.
Charles D. Cole destaca as vantagens decorrentes desse modelo, que reputa
responsável por gerar estabilidade no direito, além de fornecer ao jurista e à sociedade
previsibilidade das decisões judiciais e, com isso, segurança jurídica, o que acaba por
evitar “a necessidade de litigância sobre situações fáticas repetitivas que não constituam
base para amparo judicial” 647.
Eward D Re648 acrescenta às vantagens apontadas por Cole o fato de que o
modelo da stare decisis permite o desenvolvimento de um direito consistente e coerente,
seja preservando a continuidade do conteúdo das decisões e manifestando respeito pelo
passado, seja propiciando o tratamento isonômico entre partes que se encontrem em
situações fáticas análogas.
Não obstante as vantagens que a doutrina do stare decisis apresenta no que tange
à segurança jurídica e à coerência do sistema jurídico, não se pode olvidar que estes são
objetivos comuns aos sistemas civil law e common law, diferindo-se apenas quanto ao
modo pelo qual se optou em alcançá-los. Enquanto no sistema civil law, confia-se no
império das leis649; no common law, firma-se a ideia de um juiz que além de revelar o

646
GICO JR, Ivo Teixeira. A tragédia do Judiciário. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 173.
647
COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos: o sistema de precedentes
vinculantes do common law. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 752, p. 11-21, jun. 1998. p. 17.
648
RE, Edward De. Stare decisis. Revista de Processo, São Paulo, v. 73, p. 47-54, jan.-mar. 1994. p. 47.
649
LAMY, Eduardo de Avelar. Aspectos polêmicos do novo CPC. Florianópolis: Empório do Direito,
2016. p. 217-218.
218

direito costumeiro pode criá-lo, acreditando “que a certeza jurídica apenas poderia ser
obtida mediante o stare decisis”650.
Pedro Miranda de Oliveira afirma que “o distanciamento entre esses dois
modelos teóricos tem diminuído ao longo dos tempos” e que enquanto a jurisprudência
ganha destaque nos países que adotam o sistema codicista, nos países de origem anglo-
saxônica tem-se evidenciado um movimento de positivação.651
Embora a ideia original proveniente do sistema de civil law pressuponha um juiz
limitado à aplicação da norma positivada ao caso concreto, uma série de fatos sociais,
políticos e econômicos fizeram com que, ao longo do tempo, a atividade jurisdicional
ganhasse maior protagonismo e o Judiciário paulatinamente passasse, utilizando técnicas
de interpretação, a criar normas ao invés de apenas aplicá-las ao caso concreto por meio de
um processo de subsunção.
Como assevera Leonard Schmitz, “os Tribunais Superiores passaram a ser os
produtores iniciais e finais dos sentidos e significações da lei. O direito passa a ser – quase
que exclusivamente – aquilo que é dito e repetido pelos pretórios” 652.
Novamente, invocando a doutrina de Pedro Miranda de Oliveira, “o direito vivo
se exercita diuturnamente nos juízos e tribunais, primeiro com o embate entre as diversas
teses sustentadas pelos patronos das partes, depois quando estas mesmas teses são
examinadas na fundamentação das sentenças e acórdãos”653. Assim, não há como negar a
importância dos precedentes para a melhor implementação do sistema jurídico,
especialmente no contexto brasileiro.
Nesse sentido, embora não vinculantes, os precedentes jurisprudenciais já
evidenciavam uma carga persuasiva significativa, capaz de fundamentar decisões judiciais
mesmo contra texto expresso de lei. Tal atividade legiferante presente nos tribunais
superiores começa a ser observada também nos tribunais locais e até mesmo na atividade
de cada magistrado na vara em que atua, que se sentindo responsável por “fazer justiça”,
envereda-se para o ativismo judicial, seja aplicando ao caso concreto normas que destoam

650
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/2015, 3. ed., p. 155-156.
651
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis. 1. ed. São Paulo: Tirant Lo Blanch,
2021. p. 546.
652
SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Compreendendo os "precedentes" no Brasil: fundamentação de decisões
com base em outras decisões. Revista de Processo, São Paulo, v. 226, p. 349-370, dez. 2013. p. 2.
653
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis, p. 544-545.
219

do ordenamento legal e/ou dos precedentes de observância vinculante, seja criando o


fenômeno que Alexandre Freire654 chama de “causalidade endêmica”.
A natureza não vinculante desses precedentes continuava a produzir decisões
destoantes do chamado “entendimento dominante”, o que além de atentar contra a
segurança jurídica e a isonomia também não auxiliava a solucionar o problema de
sobreuso do Poder Judiciário, por meio do aumento de recursos interpostos, seja na
esperança de encontrar um órgão julgador mais simpático à tese do recorrente, seja porque
se fazia necessária a utilização de recursos para reformar a decisão que aplicava a norma
de forma diversa da “jurisprudência dominante”.
A partir dessa realidade, a legislação brasileira começa a produzir regras positivas
a prever a jurisprudência como paradigma normativo não mais persuasivo, mas vinculante,
com o claro escopo de atribuir caráter impositivo a algo que dentro de um sistema de civil
law necessitava de previsão legislativa para sê-lo.
A Emenda Constitucional 45/2004, ao criar a súmula vinculante e a respectiva
reclamação constitucional, deu um grande passo nessa direção, ao representar uma
mudança de paradigma, eis que pela primeira vez o texto constitucional previa
expressamente que decisões judiciais teriam eficácia vinculante, tal qual os textos
normativos.
A evolução legislativa, processual inclusive, acompanhou essa transformação,
que já se vislumbrava na prática, como se pode deduzir do fato destacado por Adriana
Fasolo Pilati Scheleder655 de que o Código de 1973 sofreu tantas alterações que 40% dos
comandos do texto original não mais prevaleciam, ficando evidente a inconformidade com
o modelo processual vigente à época.
Esse processo de mudança legislativa que gradativamente aumentava a força da
decisão judicial como paradigma normativo culminou com o Código de Processo Civil de
2015, sendo visível a preocupação do legislador em ampliar e de algum modo sistematizar
o papel normativo da jurisprudência no direito brasileiro, o que se deu por meio da
inserção de diversos mecanismos processuais, especialmente no que concerne aos artigos

654
FREIRE, Alexandre. Precedentes judiciais: conceito, categorias e funcionalidade. In: LUCON, Paulo
Henrique dos Santos; MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro (coord.). Panorama atual do CPC. Florianópolis:
Empório do Direito, 2017. v. 2. p. 13-42. p. 14.
655
SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. Precedentes e jurisprudência: uma distinção necessária no sistema
jurídico brasileiro. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v. 10, n. 3, 2º quadrimestre 2015. Disponível em:
www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em: 25/05/2021. ISSN 1980-7791. p. 5.
220

489, parágrafo 1º, incisos V e VI, 926 e 927, criando um verdadeiro sistema fundado em
precedentes.
Embora se possa concordar que o sistema de precedentes brasileiro buscou
inspiração em outros modelos, como na common law americana656, é praticamente
consenso entre os doutrinadores que a evolução legislativa que culminou no Código de
Processo Civil de 2015 criou um modelo próprio, que alguns chamam de “precedentes à
brasileira”.657
A positivação da necessidade de respeito aos precedentes no CPC/15 pode ser
considerada um marco no processo de legitimação de determinados precedentes judiciais
como instrumento normativo apto a eliminar a ambiguidade na interpretação/aplicação das
normas abstratas, no afã de gerar segurança jurídica, isonomia e utilização mais racional
do direito ao acesso ao Judiciário, emprestando mais integridade ao sistema de justiça
brasileiro, que nem por isso perde sua matriz de civil law.
Mesmo quando adota os precedentes como fundamento de decisões judiciais, o
CPC/15 o faz de maneira completamente diferente da técnica adotada tradicionalmente
nos países de common law, onde a decisão anterior é utilizada como pressuposto do
processo de formação da norma para o caso concreto, diferentemente do previsto no
sistema brasileiro atual, que permite que a decisão paradigmática sirva como norma
abstrata a ser aplicada ao caso concreto, desempenhando papel muito semelhante ao que
tradicionalmente sempre coube à lei.658
Assim, a mudança, relacionada ao sistema, dar-se-ia em razão da premissa maior
a ser utilizada no sistema de subsunção, em que a lei seria substituída por determinadas
decisões judiciais dotadas previamente de eficácia vinculante.
O sistema de precedentes formais do Código de Processo Civil de 2015 pode ser
assim chamado em razão da definição de uma série de instrumentos processuais que se
ligam entre si, em torno da ideia de simplificação procedimental com relação a casos que
envolvam a aplicação de precedentes formalmente vinculantes, assim definidos a priori
pelos tribunais competentes, mediante mecanismos processuais próprios.

656
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis, p. 543.
657
MEDEIROS, Isabela Pinheiro; FAVERO, Gustavo Henrichs. Racionalidade ética dos precedentes: uma
crítica ao critério formal adotado no CPC/2105. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; MIRANDA DE
OLIVEIRA, Pedro (coord.). Panorama atual do CPC 2. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. v. 2. p.
239.
658
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis, p. 557.
221

Nesse sistema, coube ao rol de incisos do artigo 927 apresentar os institutos


previstos para uniformização e estabilização da jurisprudência, os quais deverão ser
observados na solução de casos futuros, a saber: I - as decisões do Supremo Tribunal
Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula
vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV
- os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do
Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário
ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Não obstante, há outras espécies decisórias, que embora não previstas
expressamente no artigo 927 também ostentam, na visão da doutrina, natureza de
observância obrigatória, como no caso de decisão que define a repercussão geral de
determinada matéria659, ou ainda os embargos de divergência nos tribunais superiores.660
Por essa lógica, uma vez definidas as teses jurídicas em algum precedente, passa-
se a permitir a utilização de técnicas de aceleração de julgamento, que consistem na
adoção de regras de julgamento abreviado, com a cognição sumária ou a dispensa de
provimentos que normalmente se aplicariam aos casos cujas decisões não estivessem
relacionadas com a aplicação dos precedentes formalmente vinculados.
A propósito, são exemplos de mecanismos de aceleração de julgamento: a)
possibilidade de deferimento de tutela de evidência, até mesmo em caráter liminar (art.
311, inc. II); b) improcedência liminar do pedido (art. 332); c) exceção à regra de remessa
necessária independentemente do valor da condenação (art. 496, § 4º, inc. II e III); d)
dispensa de caução no cumprimento provisório (art. 521, inc. IV); e) possibilidade de
julgamento monocrático do recurso (ainc. rt. 932, IV e V; art. 1.030, inc. I); f) juízo de
retratação do tribunal quando o acordão contrariar precedente vinculante dos tribunais
superiores (art. 1.030, inc. II); g) possibilidade de julgamento monocrático no conflito de
competência (art. 945, parágrafo único); e h) reconhecimento automático da repercussão
geral no recurso extraordinário (art. 1.035, § 3º, inc. II).
O que se pode perceber é que o sistema fundado principalmente sobre o artigo 93,
inciso IX, da Constituição Federal de 1988 e os artigos 489, parágrafo 1º e artigos 926 e

659
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/2015, 3. ed.
660
KREBS, Hélio Ricardo Diniz. A importância dos direitos fundamentais para o sistema de
precedentes. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2015.
222

927 do Código de Processo Civil de 2015 elege determinados precedentes, assim


qualificados pela técnica decisória aos quais são submetidos, para que sirvam de
paradigma obrigatório aos magistrados.
Assim, uma vez proferida decisão judicial no âmbito dos procedimentos recursais
descritos nos cinco incisos do artigo 927 (ou pelo menos nos três primeiros), para autores
como Alexandre Câmara661, restaria ao magistrado aplicá-la ao caso concreto, salvo
quando identificar que o caso posto a julgamento não se amolda ao paradigma
(distinguishing) ou que se encontra superado (overruling).
Os Tribunais Superiores, nesse contexto, desempenham papel primordial para a
aplicabilidade adequada do sistema na medida em que “a conscientização dos membros
dos tribunais inferiores de respeitarem o entendimento firmado somente ocorrerá quando
os tribunais superiores se conscientizarem de sua função nomofilácica e conseguirem
manter, internamente, o respeito a seus precedentes” 662. Ou seja, a primeira condição para
que exista segurança jurídica na aplicação do precedente é que seja respeitado pela própria
corte que o emanou663.
Partindo-se dessa premissa, a atuação íntegra dos Tribunais Superiores, primeiro
cumprindo os próprios os precedentes e depois garantindo efetividade e conformidade dos
julgamentos de suas instâncias inferiores, seria capaz de, em algum tempo, gerar a
aplicação coerente dos precedentes judiciais, como esperado pelo Código, podendo gerar
os efeitos positivos que influenciaram a adoção dessas técnicas processuais.
A partir da noção do sistema de precedentes solidificado na jurisdição brasileira,
especialmente após o CPC/2015, serão muito bem-vindas as iniciativas de
desenvolvimento de critérios que contribuam, dentro desse sistema, para a racionalização
da questão de redução ou exclusão das astreintes fixadas em decisão transitada em
julgado.
Como se sabe, o Superior Tribunal de Justiça, desde 2004, no julgamento do
Recurso Especial n. 705.914 RN, adotou posicionamento a favor da alteração do valor das
astreintes a qualquer tempo, ainda que em meio a processo de execução, sem que isso

661
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro.
662
SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. Precedentes e jurisprudência: uma distinção necessária no sistema
jurídico brasileiro. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v. 10, n. 3, 2º quadrimestre 2015. Disponível em:
www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em: 25/05/2021. ISSN 1980-7791. p. 24.
663
SARTORI, Ellen Carina Mattias; SCHNEIDER, Caroline. O Novo Código de Processo Civil e os
precedentes vinculantes: Reflexões em busca de uma aplicação adequada. Revista de Processo, Jurisdição
e Efetividade da Justiça, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 66-86, 2016.
223

signifique ofensa à coisa julgada material. Recentemente, a Corte Superior manteve essa
mesma posição quando analisou o recurso Embargos de Divergência EAREsp n. 650036.
Esse julgamento serviu para reforçar a antiga jurisprudência da Corte quanto à matéria.
À parte da questão acerca do acerto da decisão quanto à possibilidade jurídica de
redução/exclusão da multa vencida decorrente de título judicial transitado em julgado,
outra questão chama atenção: a falta de critérios mínimos para instruir a adequada
aplicação da norma pelos magistrados e pelos tribunais inferiores.
Da forma como vêm sendo proferidas, as decisões do Superior Tribunal de
Justiça pouco ou nada colaboram para a pacificação da questão no país. Na verdade, a
Corte Superior apenas declara, de maneira abstrata, a possibilidade de redução/revogação
das astreintes mesmo após o trânsito em julgado, a depender do caso concreto, sem, no
entanto, definir os critérios a serem observados pelo magistrado na execução deste mister.
É o que, inclusive, observou-se na breve pesquisa jurisprudencial realizada nos acórdãos
do próprio STJ, que mesmo proferidos após a definição do tema em sede de embargos de
divergência, continuam a tratar a questão de forma absolutamente casuística e desprovida
de qualquer critério minimamente objetivo. Desse modo, quando, por algum motivo
subjetivo, o magistrado entende que a multa deve ser reduzida, assim procede evocando os
citados precedentes sem a devida explicação das razões pelas quais decidiu aplicá-los ao
caso concreto. Por outro lado, quando entende, também por motivos pouco declinados nas
decisões, não ser o caso de alteração da multa, o julgador costuma evocar o Enunciado 7
da Súmula do STJ para negar admissibilidade ao recurso.
Dessas constatações, extrai-se que a situação, como está posta, permite ao STJ e
consequentemente aos demais órgãos fracionários uma margem discricionária tão extensa
quanto insuportável, prática esta que caminha na contramão dos objetivos claramente
instituídos pela jurisdição brasileira nas últimas décadas, especialmente após o advento do
CPC/15.
Em contraponto à ideia de definição de regras por meio de precedente, poder-se-
ia dizer que a questão se mostra predominantemente fática, o que tornaria impossível a
definição de critérios jurídicos capazes de, a priori, balizar a aplicação da norma em casos
semelhantes. Todavia, adianta-se, não parece ser esse o caso.
De início, é importante frisar que inexistem questões meramente de fato,
tampouco meramente de direito. Fato e direito se entrelaçam no momento da intepretação
224

da norma, de forma indissociável; na análise jurídica da lide sempre haverá questões


fáticas e de direito a serem dirimidas.664
Naturalmente, a carga de conteúdo fático ou de direito de uma questão
dificilmente se equivalerá, havendo situações em que a análise de fato é mais
preponderante para a solução da celeuma e vice-e-versa. No caso específico da
redução/revogação das astreintes, embora a análise fática seja importante, não se pode
negar que a análise da questão de direito também é de extrema relevância para o deslinde
de questões desta natureza. Não à toa, avolumam-se nos tribunais situações muito
parecidas, quando não idênticas, acerca dessa matéria.
De toda forma, ainda que se pudesse aceitar a premissa da predominância fática
da questão referente à modulação das astreintes, isso, por si só, não impossibilitaria a
aplicação da técnica de precedentes à espécie e duas são as razões: primeira, porque os
recursos especiais sobre o tema não poderiam sequer ser conhecidos diante do óbice do
citado Enunciado 7 da Súmula do STJ; segunda, porque outras questões cuja aplicação da
norma dependa da análise do caso concreto já foram objeto de recursos repetitivos, nos
quais, se não se pôde definir uma regra objetiva para a situação fática, ao menos foi
possível estabelecer critérios aptos a balizar a atuação do magistrado.
O estabelecimento de critérios mínimos de aplicação da norma teriam, ainda,
outras funções: garantiriam ao jurisdicionado alguma previsibilidade sobre o julgamento
do caso analisado e proporcionariam ao Tribunal Superior instrumentos capazes de
possibilitar um controle racional das decisões judiciais. É o caso, por exemplo, da
definição das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento quando o STJ, no Recurso
Especial Repetitivo n. 1.704.520, ao interpretar o artigo 1.015 do CPC, manifestou-se pela
aplicação da teoria da taxatividade mitigada, admitindo o agravo de instrumento, além das
hipóteses previstas em lei, “quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do
julgamento da questão no recurso de apelação”.
Nesse caso, embora a Corte Superior não tenha definido exatamente as situações
– além daquelas expressamente previstas em lei – que admitiriam o agravo de instrumento,
estabeleceu critérios a serem analisados pelos tribunais inferiores na aplicação da norma

664
“Desaparece, portanto, a idéia de independência entre quaestio facti e quaestio juris, que resultam em
estreita conexão, no sentido de progressiva e reciprocamente determinarem-se: a aplicação da norma ao fato
consiste na determinação (na descoberta) da sua coincidência, através de um movimento circular de
compreender, que procede a uma pluralidade de níveis sucessivos: ‘é o direito que define e determina aquilo
que no processo constitui o fato’.” KNIJNIK, Danilo. Os standards do convencimento judicial: paradigmas
para o seu possível controle. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 353, n. 353, p. 15-52, 2001. p. 19-20.
225

ao caso concreto, como a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no


recurso de apelação. Ou seja, ao assim definir, a Corte estabelece um elemento de análise,
que apesar de não ser objetivo, ao menos permite o controle judicial posterior de forma
mais clara e menos solipsista, como ocorre na análise de conceitos jurídicos mais
abstratos, como a proporcionalidade e a razoabilidade, que, ao mesmo tempo, tudo e nada
permitem, conferindo ao magistrado poder inversamente proporcional à segurança
almejada pelo jurisdicionado.
Solução semelhante pode e deve ser aplicada à questão da redução/revogação das
astreintes pelo Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe, em sede de recurso especial
repetitivo, definir critérios a serem examinados para a fundamentação de decisões que
reduzam ou revoguem astreintes.
É importante salientar que além de definidos, os critérios precisam ter conteúdos
tão determinados quanto possível, ou seja, é necessário afastar expressões vagas como
proporcionalidade, razoabilidade e mesmo enriquecimento sem causa, evitando que a
fundamentação não passe de mera formalidade, sem uma real conexão com o dispositivo
decisório, ao arrepio dos ditames do parágrafo 1º do artigo 489, em conjunto com o artigo
93, inciso IX, da Constituição Federal.
Nesse sentido, Rafael Caselli Pereira pontua interessantes critérios para análise da
modulação do quantum alcançado pela multa: a) duty to mitigate the loss; b) capacidade
de resistência do devedor; c) capacidade econômica do devedor da obrigação; d) o
benefício do devedor da obrigação com o descumprimento da ordem judicial; e) se houve
cumprimento parcial superveniente da obrigação; ou ainda, f) se a obrigação deixou de ser
cumprida por se tratar de medida impossível de ser atendida.665
Se a redução/revogação das astreintes continuará a ser admitida no direito
brasileiro, a despeito da redação do parágrafo 1º do art. 537 do CPC, deve-se ao menos
estabelecer critérios claros, garantindo maior previsibilidade ao credor e efetividade à
medida ao afastar a confiança do devedor de que a multa, em algum momento, será
fatalmente reduzida. Esses critérios podem ser definidos diante do atual estado de coisas
da ordem constitucional e processual brasileira, que oferece instrumento adequado por
meio do sistema de precedentes, que deve alcançar este tema por necessitar como poucos
de alguma racionalidade jurisprudencial.

665
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 322.
226

4.3 A ALTERABILIDADE DA MULTA ASTREINTE FUNDADA EM ALTERAÇÃO


FÁTICA EM FACE DE OBRIGAÇÕES DE TRATO CONTINUADO – INCIDÊNCIA
DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS

O comportamento da coisa julgada material em face das relações de trato


continuado e, portanto, a incidência da cláusula rebus sic stantibus é expressamente
prevista pelo Código de Processo Civil. A propósito, o inciso I do artigo 505 ressalva a
possibilidade de nova análise da decisão proferida, mediante requerimento da parte, nos
casos de relação jurídica de trato continuado, sempre que sobrevier modificação no estado
de fato ou de direito.
A previsão legal se justifica no sentido de que a coisa julgada terá seus efeitos
vinculados à situação de fato e de direito apresentada até aquele momento na medida em
que, nas decisões, “cujo suporte fático é constituído por relação de trato continuado,
vincula-se àquela situação jurídica existente ao tempo em que decidida, sem prejuízo da
parte postular a revisão do que fora estatuído, caso a relação jurídica permaneça
incidindo”666. Tal característica “se deve à própria natureza da função jurisdicional, que,
conforme se viu, tem por matéria de trato os fenômenos de incidência das normas em
suportes fáticos presentes ou passados” 667.
Não se trata de negar ou relativizar a força da coisa julgada em sua incontestável
relação com a segurança jurídica, mas apenas considerar que estes efeitos se limitam à
situação posta a julgamento naquele momento. Isso se dá em razão de a alteração
substancial de algum desses elementos comprometer o silogismo original da decisão
judicial, porquanto alterada a relação jurídica que existia à época, pode merecer, a
depender do caso, novo pronunciamento judicial. E é por isso que “a força da coisa
julgada tem uma condição implícita, a da cláusula rebus sic stantibus, a significar que ela
atua enquanto se mantiverem íntegras as situações de fato e de direito existentes quando
da prolação da sentença”668.

666
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 337).
667
ZAVASCKI, Teori Albino. Coisa julgada em matéria constitucional: eficácia das sentenças nas relações
jurídicas de trato continuado. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. 2001. Disponível em:
http://www. abdpc. org. br/abdpc/artigos/Teori%20Zavascki. Acesso em: 13 ago. 2021. p. 7.
668
ZAVASCKI, Teori Albino. Coisa julgada em matéria constitucional: eficácia das sentenças nas relações
jurídicas de trato continuado. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. 2001. Disponível em:
http://www. abdpc. org. br/abdpc/artigos/Teori%20Zavascki. Acesso em: 13 ago. 2021. p. 10.
227

Dos ensinamentos de Jorge Americano, extrai-se que a cláusula rebus sic


stantibus, de origem legal, insere-se nas obrigações, “como um pressuposto da obrigação
de se contrair o vínculo: - mantidas as circunstâncias em que se estabeleceu o vínculo
contratual, exercitar-se-á a obrigação pela forma convencionada; modificadas tais
circunstâncias, altera-se a forma do seu exercício”669. De sua origem no direito civil, pode-
se concluir que, com essa garantia legal, o cumprimento das obrigações originariamente
assumidas fica condicionado à manutenção das bases fáticas sobre as quais se formulara o
contrato, e caso haja modificação substancial nessa relação, alterados também deverão ser
o contrato e a sua forma de cumprimento.
Do ponto de vista processual, no que tange à imutabilidade das decisões judiciais,
diante de alterações de substancial relevo ocorridas sobre situações de trato continuado,
respeita-se a coisa julgada e seus efeitos até o momento em que tais alterações tenham
ocorrido. A partir daí, abre-se a possibilidade de adaptação do comando judicial em face
da modificação de elementos significativos relativos à relação jurídica que lhe serviu de
base.670
O fato é que a evolução dos fatos em relações dessa natureza faz surgir uma nova
causa de pedir, que estará, portanto, fora dos limites objetivos da coisa julgada anterior,
admitindo-se, pois, que se profira nova decisão para contemplar a nova situação nunca
antes posta a julgamento com tais características. Desse modo, “não se pedirá para rever a
coisa julgada anterior: formular-se-á uma nova pretensão, inconfundível com aquela que
ficou acobertada pela res iudicata”671.
Assim, a coisa julgada, com relação às relações jurídicas processuais continuadas,
sujeita-se à correção, “daí a pertinência dos limites temporais da coisa julgada, tendo em
vista que a decisão é eficaz e possui autoridade apenas e enquanto não se alteram as
circunstâncias fáticas que a ditaram”.
Desse modo, a modificação posterior do conteúdo decisório por nova decisão
judicial diante das novas circunstâncias fáticas e consequentemente nova causa de pedir,
não se estará a ignorar tampouco contrariar a decisão anterior. “Ao contrário, por
reconhecer e atender ao trânsito em julgado, que nestas ações contém a cláusula rebus sic

669
AMERICANO, Jorge. Cláusula "Rebus Sic Stantibus". Revista da Faculdade de Direito de São Paulo,
São Paulo, v. 29, p. 345-351, 1933.
670
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 112.
671
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão, p. 90.
228

stantibus, esta seria adaptada ao estado de fato superveniente, o que não atingiria a coisa
julgada, mas a reconheceria como tal”672.
Teori Zavascki, sobre o tema, sustentava que a coisa julgada, especialmente em
situações de trato continuado, pressupõe a inclusão implícita da cláusula rebus sic
stantibus:

A sentença tem eficácia enquanto se mantiverem inalterados o direito e o


suporte fático sobre os quais se estabeleceu o juízo de certeza. Se ela afirmou
que uma relação jurídica existe ou que tem certo conteúdo, é porque supôs a
existência de determinado comando normativo (norma jurídica) e de
determinada situação de fato (suporte fático de incidência); se afirmou que
determinada relação jurídica não existe, supôs a inexistência, ou do comando
normativo, ou da situação de fato afirmada pelo litigante interessado. A
mudança de qualquer desses elementos compromete o silogismo original da
sentença, porque estará alterado o silogismo do fenômeno de incidência por ela
apreciado: a relação jurídica que antes existia deixou de existir, e vice-versa. Daí
afirmar-se que a força da coisa julgada tem uma condição implícita, a da
cláusula rebus sic stantibus, a significar que ela atua enquanto se mantiverem
íntegras as situações de fato e de direito existentes quando da prolação da
sentença. Alterada a situação de fato (muda o suporte fático, mantendo-se o
estado da norma) ou de direito (muda o estado da norma, mantendo-se o estado
de fato), ou dos dois, a sentença deixa de ter a força de lei entre as partes, que
até então mantinha.673

É necessário observar que a aplicação da cláusula rebus sic stantibus fica


condicionada à existência de fato superveniente à formação da coisa julgada. Assim,
elementos de fato existentes antes desse momento, ainda que não tenham sido alegados
pelas partes, não serão aptos à aplicação da cláusula rebus sic stantibus. Isso porque, pela
eficácia preclusiva da coisa julgada, tais questões, mesmo que não alegadas, também
estarão acobertadas pela coisa julgada material, sendo, pois, imprestáveis para a aplicação
do disposto no inciso I do artigo 505 do CPC/15.
Não se trata, portanto, de negar os efeitos da coisa julgada material nas relações
processuais continuativas “porque, salvo se houver fato novo, nada justifica seja
descumprido ou alterado o comando”674.
Assim, tem-se que “a coisa julgada material imunizou a decisão proferida,
consoante uma dada situação de fato e de direito, a qual remanesce intocada para aquela

672
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil, p. 212.
673
ZAVASCKI, Teori Albino. Coisa julgada em matéria constitucional: eficácia das sentenças nas relações
jurídicas de trato continuado. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. 2001. Disponível em:
http://www. abdpc. org. br/abdpc/artigos/Teori%20Zavascki. Acesso em: 13 ago. 2021. p. 9-10.
674
YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória – juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005.
p. 174.
229

conjectura em vista da qual foi proferida”675, sem que contudo tenha produzido eficácia
sobre a nova situação fática apresentada após o trânsito em julgado da decisão anterior.
Da mesma forma, para que o respeito à coisa julgada material formada até então
se materialize, é essencial proceder à correta definição dos efeitos temporais da nova
decisão proferida diante do novo contexto fático/jurídico.
O marco temporal a ser observado não é a data em que se formou a coisa julgada,
tampouco a data em que se tenha proferido a nova decisão, mas sim a data em que tenham
ocorrido as modificações de fato ou de direito que deram azo à nova decisão. É até aquela
data e somente até aquele momento que a nova decisão deve retroagir; antes disso,
consequentemente, manter-se-ão imutáveis os efeitos da coisa julgada com relação à
decisão anterior, que será até aquele momento exigível.
Por último, ressalte-se que ao aplicar instituto da cláusula rebus sic stantibus não
se estará a provocar choque com a dogmática da coisa julgada, especialmente pelo caráter
ex nunc desta modulação do julgado. Dessa maneira, resguarda-se o instituto da coisa
julgada da primeira decisão até o momento ensejador da alteração do julgado e “não se
estaria violando a coisa julgada da primeira sentença quando advir uma nova regra a partir
da revisão, já que a revisão não tem efeito ex tunc (com efeito retroativo)”676.

4.4 ANÁLISE SISTEMÁTICA DO ARTIGO 537, PARÁGRAFO 1º, DO CPC/15


RELATIVAMENTE À DELIMITAÇÃO DE REGRAS TEMPORAIS PARA
ALTERAÇÃO DE ASTREINTE, DE ACORDO COM A NATUREZA JURÍDICA DA
DECISÃO QUE A TENHA FIXADO

Conforme exposto, os efeitos temporais da mutabilidade das astreintes dividem a


jurisprudência e a doutrina em pelo menos duas correntes. A primeira, mesmo após a
vigência do Código de Processo Civil de 2015, adota o entendimento majoritário na
vigência do Código de Processo Civil de 1973, segundo o qual seria possível adequar as
astreintes fixadas em decisão transitada em julgado, na fase de execução, mesmo com
relação à multa vencida, sem que tal alteração caracterize ofensa ao princípio

675
NETTO, Nelson Rodrigues. Notas sobre a coisa julgada no processo individual e no processo
coletivo. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, Oliveira Rocha, n. 34, p. 91-130, 2006. p. 17.
676
MELO, Ana Carolina Santana de. A influência das decisões do Supremo Tribunal Federal e seus
reflexos sobre a coisa julgada tributária das relações jurídicas do tipo continuado. 2018. 42f. Trabalho
de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018. p. 15.
230

constitucional da res iudicata, forte na noção de que a multa coercitiva não faz coisa
julgada material por representar mero acessório do comando judicial. A segunda corrente,
reconhecendo a mudança promovida pelo Código de Processo Civil de 2015,
especificamente prevista no §1º do artigo 537, ou ainda por motivos que já embasavam
entendimento em sentido semelhante mesmo sob a égide do CPC/73, entende que eventual
modificação das astreintes só poderia atingir parcelas vincendas.
Para os adeptos da segunda corrente, uma vez transitada em julgado a decisão que
fixara as astreintes, operar-se-ia, ao menos quanto às parcelas vencidas até aquele
momento, a coisa julgada material, impedindo a sua modulação na fase de cumprimento
de sentença.
Entre os que rechaçam a redução da multa vencida, há aqueles que embora
admitam a operação da coisa julgada sobre esta parcela da decisão reconhecem a
possibilidade de aplicação da cláusula rebus sic stantibus, considerando a natureza
continuada da obrigação principal e, consequentemente, da multa que lhe é acessória.
Nesse caso, seria possível a modificação da multa mesmo após o trânsito em julgado da
decisão que a fixou caso sobrevenha fato superveniente ao trânsito em julgado, situação na
qual a decisão que reduziu ou excluiu a astreinte poderá retroagir até a data em que se
materializou a nova circunstância.
Diante desse cenário, a resposta jurídica adequada para a definição de uma
convenção operativa no tocante à mutabilidade da multa astreinte não parece passar pela
simples análise da relativização ou não da coisa julgada, mas pela natureza da decisão que
fixa as astreintes, de modo que para cada espécie de decisão haverá uma possibilidade
jurídica distinta.
A par das dissonâncias verificadas, objetiva-se na presente pesquisa apontar
critérios para solucionar a problemática acerca da coisa julgada em relação às astreintes,
tarefa que será realizada por meio de uma interpretação sistemática do Código de Processo
Civil de 2015, a partir da premissa de que não há como vislumbrar uma única resposta
possível para o caso, considerando que as astreintes são arbitradas em momentos
processuais distintos, o que pode gerar efeitos processuais também distintos.
Assim, nas seções seguintes, pretende-se investigar se os efeitos temporais da
mutabilidade das astreintes podem variar de acordo com a natureza da decisão que as
tenha fixado, apresentando qual seria a solução mais adequada para cada hipótese.
231

4.4.1 Astreintes fixadas em tutela provisória

Toda vez que uma relação jurídica é levada a juízo ela se torna objeto de
cognição judicial, que conforme a divisão estrutural do Código de Processo Civil se divide
em duas categorias: cognição exauriente, que resulta na tutela definitiva, e cognição
sumária, que se manifesta por meio de tutela provisória. 677
Na cognição exauriente, procede-se a aprofundado debate processual acerca do
objeto da demanda por meio do exame minucioso dos fatos e do direito evocado pelos
litigantes. Dessa maneira, permite-se uma “maior perspectiva de acerto quanto à solução
de mérito, desaguando-se na imutabilidade da solução pela formação da coisa julgada. Daí
também a indicação doutrinária de que se trata de tutela definitiva”678.
A tutela jurisdicional definitiva, predisposta a produzir resultados imutáveis
cristalizados pela coisa julgada material, encontra previsão no artigo 487 do Código de
Processo Civil, sendo prestada “pela execução da decisão jurisdicional final de mérito,
portanto após o seu trânsito em julgado com resolução versando sobre os temas de
mérito”679.
A cognição sumária, por outro lado, consiste na tutela jurisdicional não definitiva
cuja prestação se dá “a título de tutela de urgência (arts. 300 a 310), de tutela de evidência
(art. 311) ou de cumprimento provisório da sentença (art. 520 a 522, além da
provisoriedade de decisões liminares fundadas nos art. 536 a 538)”680, situação na qual se
situa o cumprimento provisório das astreintes fixadas em decisão interlocutória.
A decisão proferida em sede de cognição sumária resulta na tutela provisória e se
perfectibiliza sem um profundo debate sobre o objeto da decisão, sendo, então, uma tutela
precária fundada na urgência ou na evidência. Quando tal tutela é concedida, as partes e o
juiz devem estar cientes da possibilidade intrínseca de a decisão ser revogada ou
modificada a qualquer tempo, pois enquanto perdurar o desenvolvimento do
procedimento, “é possível às partes trazer novos elementos capazes de alterar a convicção

677
LAMY, Eduardo de Avelar. Tutela provisória, p. 1.
678
NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência
antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. Revista do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 56, p. 63-91, 2015. Disponível em:
http://www.mprj.mp.br/documents/20184/1282730/Dierle_Nunes_&_Erico_Andr de.pdf. Acesso em: 2
set. 2021. p. 65.
679
LAMY, Eduardo de Avelar. Tutela provisória, p. 1.
680
LAMY, Eduardo de Avelar. Tutela provisória, p. 1.
232

judicial sobre o direito postulado em juízo, e podem ocorrer na hipótese de alteração


posterior no estado de fato, devido ao caráter rebus sic stantibus da medida”681.
A concessão de tutelas provisórias está condicionada ao preenchimento dos
elementos que formam o binômio probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao
resultado útil do processo. Na cognição sumária é imposta uma limitação cognitiva, visto
que considerando o estágio do processo em que a decisão é proferida, diante da
impossibilidade de um maior grau de certeza, bastará a demonstração da probabilidade de
um direito. É justamente por essa razão que a decisão proferida nessas circunstâncias é
dotada de provisoriedade, ficando sujeita à confirmação após a cognição exauriente, de
forma definitiva.682
Portanto, por sua própria natureza, a tutela provisória poderá ser revogada,
excluída ou confirmada na sentença, momento processual em que o magistrado fará uma
análise retrospectiva para confirmar, ou não, o acerto da decisão proferida em caráter
precário, adequando-a, caso necessário.
É muito comum que as astreintes sejam fixadas pelo magistrado em sede de
decisão interlocutória de antecipação de tutela, a qual possui caráter precário, que lhe é
inerente ante a ausência de dilação probatória exauriente. Tanto é assim que a certeza
necessária ao deferimento do pedido definitivo em sentença é substituída pela
plausibilidade do direito evocado, conceito muito menos seguro e definitivo que a
convicção do magistrado, em relação à convicção sentenciante. 683
É da própria provisoriedade dessas decisões antecipadas que se extrai a
compatibilidade do próprio parágrafo 1º do arigo. 537, quando prevê expressamente a
possibilidade de revogação e/ou modificação da multa aplicada, conforme aduz Humberto
Theodor Júnior:

A possibilidade de revogação ou modificação da tutela provisória no novo


Código de Processo Civil não enseja ofensa à preclusão pro iudicato, isto é, à
vedação para que o magistrado profira nova decisão sobre matéria já decidida.
Destarte, vige a preclusão pro iudicato também em matéria de tutela provisória,

681
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; SILVA, Larissa Clare Pochmann da. A tutela provisória no
ordenamento jurídico brasileiro: a nova sistemática estabelecida pelo CPC/2015 comparada às previsões do
CPC/1973. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (coord.). Tutela provisória. Bahia: JusPodivm, 2019. p. 33.
682
NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência
antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. Revista do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 56, p. 63-91, 2015. Disponível em:
http://www.mprj.mp.br/documents/20184/1282730/Dierle_Nunes_&_Erico_Andr de.pdf. Acesso em: 2
set. 2021. p. 65.
683
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 225.
233

pelo que a nova decisão judicial que revogar ou modificar, a qualquer tempo, a
tutela provisória, ocorre tendo em vista novos fatos que impliquem alteração
sobre a convicção formada a respeito dos requisitos que ampararam
anteriormente a decisão sobre a tutela provisória. Lado outro, inexistindo
alteração no cenário fático, tendo por base, então, os mesmos fatos, não é
possível nova decisão sobre a tutela provisória, porquanto implicaria ofensa à
preclusão pro iudicato. 684

Da precariedade inerente a qualquer decisão provisória é que se extrai a


possibilidade de redução ou até mesmo exclusão da multa fixada em caráter liminar. Essa
modificação pode ocorrer de diversas maneiras: por força de juízo de retratação em agravo
de instrumento; por meio de pedido de retratação proferido pelo devedor; ou até mesmo de
ofício, na sentença, ou antes dela, caso os fatos não estejam emoldurados no mesmo
quadro vislumbrado no momento da concessão da tutela de urgência. 685
Assim, verificando o juiz, em sede de sentença, que o valor aplicado se mostra
insuficiente para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, ou, ao revés, é muito
oneroso em relação à situação fática apresentada, poderá readequar ou até mesmo
extinguir a multa aplicada em sede de tutela antecipada.
Muito embora não haja maiores dúvidas acerca da possibilidade de modificação
ou revogação da decisão provisória que fixa as astreintes, Teresa Arruda Alvim aduz que
tal modificação não se deve operar de maneira discricionária, só cabendo nos casos em
que a situação subjacente ao processo também se alterar de modo a fazer com que, por
exemplo, “desapareçam os pressupostos de manutenção da medida concedida ou surjam os
pressupostos que determinem sua concessão” 686. Ainda, segundo a autora, “não se poderá
dizer que a decisão terá sido propriamente alterada, mas o que terá havido terá sido a
prolação de outra decisão, para outra situação” .687 Trata-se de diferenciar a possibilidade
de o juiz simplesmente mudar de ideia – o que é rechaçado pela autora – e a situação em
que novos elementos trazidos aos autos levam o magistrado a tomar outra decisão,
revogando, ainda que parcialmente, aquela proferida quando o quadro fático se mostrava
diferente.

684
THEODORO JUNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila
Gomes Norato. Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro, não paginado (e-book).
685
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 178.
686
ALVIM, Teresa Arruda. Da liberdade do juiz na concessão de liminares. In: ALVIM, Teresa Arruda
(coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 543.
687
ALVIM, Teresa Arruda. Da liberdade do juiz na concessão de liminares. In: ALVIM, Teresa Arruda
(coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, p. 544.
234

Independentemente das razões utilizadas para revogar ou alterar a decisão


proferida em sede de tutela provisória, o fato é que, considerando o debate processual
superficial sobre o qual o magistrado embasou a sua decisão, a tutela antecipada concedida
não se reveste da autoridade de coisa julgada material688. Isso porque “as tutelas calcadas
em cognição sumária são, salvo algumas exceções, precárias, já que podem ser revertidas
a qualquer momento, e ainda provisórias, pois necessitam de uma tutela definitiva para se
tornarem aptas a constituir a coisa julgada”689.
Ademais, “a própria roupagem dada à coisa julgada material pelo novo Código de
Processo Civil exige a implementação de um contraditório pleno e efetivo, o que se torna
incompatível com a cognição sumária”690.
Nessa senda, dada a instabilidade que permeia decisões dessa natureza, quando
fixadas em sede de tutela provisória as astreintes não se revestem da proteção da coisa
julgada e, portanto, embora vençam desde o dia em que se configurar o descumprimento
da decisão que as fixou, esse vencimento se dá de maneira precária e provisória em
decorrência da cognição sumária empregada na sua fixação, passível de reforma até o
trânsito em julgado da sentença.
Por essas razões é que eventual modulação poderá retroagir até o momento de sua
fixação provisória, podendo inclusive ser revogada por completo, caso se entenda, em sede
de tutela definitiva e após cognição exauriente, que a fixação antecipada havia ocorrido de
maneira inadequada.
A própria natureza acessória das astreintes com relação à obrigação principal
também corrobora essa mesma conclusão na medida em que sua incidência está vinculada
à possibilidade prática do cumprimento específico da obrigação principal à qual está
atrelada, de modo que sua existência depende da manutenção de tal decisão. 691 Isso porque

688
NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência
antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. Revista do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 56, p. 63-91, 2015. Disponível em:
http://www.mprj.mp.br/documents/20184/1282730/Dierle_Nunes_&_Erico_Andr de.pdf. Acesso em: 2
set. 2021. p. 65.
689
SOUZA, Artur César de; SORRILHA, Rubia Cristina. A estabilização da tutela provisória de urgência
antecipada no novo código de processo civil. Revista de Processo, Jurisdição e Efetividade da Justiça,
Brasília, v. 3, p. 137-157, 2017. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/210566418.pdf. Acesso em:
2 set. 2021. p. 138.
690
SOUZA, Artur César de; SORRILHA, Rubia Cristina. A estabilização da tutela provisória de urgência
antecipada no novo código de processo civil. Revista de Processo, Jurisdição e Efetividade da Justiça,
Brasília, v. 3, p. 137-157, 2017. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/210566418.pdf. Acesso em:
2 set. 2021. p. 153.
691
REALE, Ana Luísa Fioroni. A multa astreinte como importante medida de apoio, prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, diante do artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil, p. 95.
235

não se pode olvidar que dado o escopo das astreintes, que se consubstancia no auxílio à
efetivação da prestação principal devida pelo devedor ao credor. E na hipótese der não ser
reconhecido o direito do credor à pretensão principal, não há motivo para a manutenção
das astreintes, que devem ser suprimidas quando a decisão final de mérito for de
improcedência, ou seja, nos casos em que a tutela provisória que as fixou não for
confirmada por ser julgado improcedente o pedido principal.692-693
Dessa relação de prejudicialidade da multa em relação à obrigação principal
advém a conclusão de que, se eventualmente o autor for vencido em seu pedido principal
no fim da demanda, restará inexigível a multa fixada antecipadamente. Ou seja, “cassada a
liminar ou a sentença em decisão de improcedência – sempre de caráter declaratório
negativo – o seu efeito é ex tunc, isto é, revoga-se o que foi concedido”. Tanto é verdade
que a exequibilidade da decisão que fixa as astreintes em sede de tutela provisória só se
perfectibiliza por meio do cumprimento provisório de sentença, por conta e risco do
exequente.694
Por tudo isso, e especialmente levando-se em conta a característica acessória das
astreintes, conclui-se que “revogado o principal (que é o provimento), revoga-se o
acessório (que é a multa)”695.
Diferente situação ocorre na confirmação ou arbitramento das astreintes na
sentença definitiva de mérito, após a cognição exauriente do magistrado, com o posterior
trânsito em julgado da demanda, conforme se demonstrará adiante.
Com relação à limitação da redução da multa vencida, nos termos do artigo 537,
§1º, do Código de Processo Civil e de uma interpretação sistemática do Código, entende-
se que o reconhecimento da multa vencida fica condicionado a sua fixação em sede de
decisão (judicial ou arbitral) transitada em julgado.
Desse modo, a redução ou revogação das astreintes fixadas em tutela provisória
não sofreriam qualquer limitação temporal até o trânsito em julgado do processo que as
tenha fixado. Isso ocorre porque as astreintes fixadas liminarmente são revestidas de
provisoriedade, portanto incompatível com o termo vencida, que revela caráter definitivo.

692
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e
outras, p. 166.
693
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 209.
694
FUX, Luiz. A reforma do processo civil, comentários e análise crítica da reforma
infraconstitucional do Poder Judiciário e da reforma do CPC. Niterói: Impetus, 2006. p. 153.
695
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 231.
236

Assim, embora seja permitida a sua exigibilidade imediata, será de maneira precária,
condicionada ao procedimento de cumprimento provisório que por sua própria natureza se
reserva às hipóteses de cumprimento de decisões cuja possibilidade de modificação com
efeito retroativo é possível e até esperada pelas partes. E se assim não fosse e se não se
admitisse a possibilidade de revogação e/ou redução da multa fixada em sede de tutela
provisória com eficácia retroativa não haveria razão para que se condicionasse a sua
exigibilidade, nesta fase, ao rito do cumprimento provisório.
Cabe pontuar ainda que a tutela provisória, embora tenha sua eficácia contida,
uma vez confirmada em decisão judicial (sentença/acórdão) transitada em julgado, o
reconhecimento será de eficácia plena desde o dia em que foi provisoriamente fixada,
sendo, pois, exigível daquela data em diante.
Por fim, Julio Manrique de Lara Morales traz importante observação do ponto de
vista consequencialista, quando afirma que a possibilidade de redução das astreintes em
sentença pode fazer com que um devedor, antes recalcitrante, repense a sua atitude e
cumpra com a obrigação, visando, também, a redução ou até mesmo a supressão das
astreintes.696
Em resumo, pode-se concluir que a astreinte fixada em sede de tutela provisória
pode ser revista a qualquer tempo até a prolação de decisão definitiva a seu respeito. A
provisoriedade inerente a decisões dessa natureza afasta a limitação do parágrafo 1º do
artigo 537 do CPC/15, não se podendo considerar vencida –não de maneira plena – a
multa que, embora incida imediatamente, dependa de decisão judicial posterior – de
caráter definitivo – para ter a sua eficácia confirmada.

4.4.2 Astreintes fixadas em sentença/acórdão não transitada em julgado

A situação acerca da mutabilidade das astreintes fixadas em sentença ou acórdão


ainda não transitada em julgado é semelhante àquela aplicável à multa fixada em sede de
tutela provisória.
Não obstante tais decisões ostentarem característica de definitibilidade, até
porque – ao contrário da tutela provisória – proferidas após a cognição exauriente do
mérito, enquanto possíveis de interposição de recurso, tal eficácia resta contida e
696
MORALES, Julio Manrique de Lara. La ejecución forzosa de la obligación de hacer infungible. La
ejecución forzosa de la obligación de hacer infungible. Anuario de derecho civil, Madrid, tomo LIV,
fascículo III, p. 1165-1224, 2001. p. 1211.
237

condicionada à confirmação daquele conteúdo decisório, seja por manifestação do órgão


recursal ou pela inércia da parte, que opta por permitir que a decisão transite em julgado,
aquiescendo assim com o seu conteúdo. É por essa razão que, assim como ocorre com as
tutelas provisórias, a execução de decisões proferidas em sede de sentença ou acórdão não
transitado em julgado só será possível por meio do cumprimento provisório de sentença,
justamente porque pode ocorrer alteração total ou parcial daquele conteúdo decisório.
Nesse ponto do estudo, importa ressaltar que a situação da exequibilidade da
sentença se coloca em situação de desvantagem quando comparada com a tutela provisória
e o acórdão. Isso porque, diferentemente dessas espécies decisórias, a sentença muito por
conta de uma tradição arraigada nos países de civil law, de que a sentença não deve ser
executada até ser confirmada pelo duplo grau de jurisdição697 –, em regra, tem sua eficácia
contida. Por essa característica, convencionou-se dizer que contra sentenças ou acórdãos
pendentes de solução definitiva o recurso interposto será recebido, em regra, com efeito
suspensivo.698
Na apelação interposta contra a sentença, como o efeito suspensivo é a regra,
caberá ao exequente o ônus argumentativo de demonstrar que sua situação se enquadra em
algumas das hipóteses excepcionais do artigo 1.012, § 1º, do CPC/15, sob pena de que
nem mesmo pela via provisória possa dar início ao cumprimento daquela decisão.
Efeito inverso ocorre com a tutela provisória e o acórdão, cuja eficácia, embora
precária até que se obtenha o trânsito em julgado, é imediata699. Desse modo, para que o
recurso eventualmente interposto seja recebido pelo efeito suspensivo caberá ao devedor o
ônus argumentativo de demonstrar estarem presentes os requisitos dos artigos 995,
parágrafo único, e 1.019, inciso I, ambos do CPC/15.700
O fato é que, exequível de imediato ou não, todas essas decisões são precárias e,
portanto, estão sujeitas por sua própria natureza às modificações procedidas pelos órgãos
julgadores a quem compete analisar os recursos contra elas interpostos.
Outro ponto importante quanto à mutabilidade das astreintes proferidas nessas
circunstâncias reside na observância da extensão do efeito devolutivo do recurso
interposto, apto a impedir o trânsito em julgado das decisões. Isso porque, como se sabe, a

697
GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil - Recursos e processos da competência originária dos
tribunais. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2015, v. III.
698
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Introdução aos recursos cíveis.
699
DONIZETTI, Elpídio. Curso de direito processual civil. Disponível em: Minha Biblioteca, (24th
edição). Grupo GEN, 2021.
700
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro.
238

coisa julgada se opera por capítulos701, de modo que o capítulo não impugnado pelo
recorrente restará acobertado pela coisa julgada, segundo o princípio do tantum devolutum
quantum appellatum.
Dessa forma, o capítulo da decisão que fixou as astreintes e suas características,
como valor e periodicidade, se não impugnado pelo recorrente, transitará em julgado,
permitindo a execução definitiva desta parcela do título judicial702, como garante
expressamente o artigo 523 do CPC703. Porquanto definitiva, a multa fixada nessas
circunstâncias, ao menos aquelas vencidas até o momento do trânsito em julgado, será tida
por vencida e, portanto, inalterável, nos termos do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15.
Neste ponto importa ressaltar a questão do efeito expansivo objetivo dos
recursos, que consiste na capacidade, extraordinária, que o “efeito da decisão resultante do
recurso interposto seja mais abrangente do que o reexame da matéria impugnada”704.
Nesses casos, certos “atos ou decisões posteriores à decisão impugnada poderão deixar de
produzir seus efeitos pela incompatibilidade que terão com a decisão proferida no
recurso”705.
Ainda que não impugnado o capítulo da decisão que tenha tratado da fixação das
astreintes – o que, em tese, importaria no seu trânsito em julgado deste –, a iniciativa da
parte devedora em delimitar o efeito devolutivo de seu recurso com relação à obrigação
principal alvo das astreintes cominadas evitará que a parcela da decisão sobre tais multas
passe em julgado. A não sujeição desse capítulo à coisa julgada, mesmo não tendo sido
impugnado especificamente no recurso, é resultante da prejudicialidade lógica existente
entre ambas as questões.
Como as astreintes servem de acessório a algum pedido principal, e sendo este
pedido considerado improcedente, não há como se defender a subsistência das astreintes,
que não existem por si sós. Dessa interdependência necessária é que se extrai a aplicação
do efeito expansivo objetivo à espécie.

701
CARBONI, Fernando Machado. Coisa julgada parcial de capítulos de sentença. Revista do
CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, Florianópolis, v. 1, n. 3, p. 138-160, 2015.
702
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro.
703
“Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão
sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente,
sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se
houver.”
704
SHIMURA, Seiji et al. Curso de direito processual civil. 3. ed. Disponível em: Minha Biblioteca,
Grupo GEN, 2013.
705
SHIMURA, Seiji et al. Curso de direito processual civil.
239

Estabelecidas essas ressalvas, em linhas gerais, a exemplo do que se sustentou em


relação à tutela provisória, a natureza de precariedade da sentença e do acórdão não
transitados em julgado se sobrepõe à regra do artigo 537, parágrafo 1º, do CPC/15, de
modo que não se considerará vencida, ao menos não de forma definitiva, a multa fixada
nestas espécies decisórias, até que tenham sido por fim atingidas pela coisa julgada
material.

4.4.3 Astreintes fixadas em sentença/acordão transitada em julgado

Ao contrário do que ocorre com as decisões não acobertadas pelo manto da coisa
julgada, as tutelas provisórias ou até mesmo decisões de natureza definitiva – sentença e
acórdão – sobre as quais ainda pendem recursos, uma vez transitada em julgado a decisão
que tenha fixado as astreintes, sua rediscussão é, em regra, vedada pela imutabilidade
inerente ao instituto da coisa julgada. Ao magistrado caberá, no curso da execução, exigir
o cumprimento da multa, sem que lhe seja, regra geral, autorizado alterar ou suprimir o
que já se acha assentado na decisão.706
Nesta pesquisa, é importante salientar, parte-se do pressuposto de que não há
disposição legal – seja sob a égide do CPC/15 ou até mesmo no âmbito do CPC/73 – que
autorize a interpretação segundo a qual as astreintes não fariam coisa julgada porque são
meros acessórios processuais: primeiro, pela absoluta ausência de previsão legal para
sustentar essa afirmação; segundo, pelo fato de que outros tantos institutos jurídicos de
cunho acessório não receberam o mesmo tratamento do legislador, solidificando-se como
imutáveis quando houver o trânsito em julgado da decisão que tenha fixado a multa, como
ocorre em relação a honorários sucumbenciais, multa por litigância de má-fé ou por ato
atentatório da justiça, por exemplo.
Dizer que a astreinte é instrumento processual de caráter acessório significa
aceitar o fato de que depende do principal. Assim, na hipótese de a decisão principal ser
afastada, afastada também deve ser a incidência da multa que lhe é acessória. Isso não
significa que apenas por ser acessória a astreinte não sofre os efeitos de todas as outras
disposições constantes de um título judicial, especialmente quando mantida incólume a
obrigação principal cujo cumprimento busca servir.

706
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 53. ed., p. 80.
240

Essa constatação, entretanto, não encerra a questão acerca da retroatividade dos


efeitos das decisões judiciais que reduzem ou revogam astreintes fixadas em títulos
definitivos. Isso porque, tal definição passa necessariamente pela análise do
comportamento do instituto da coisa julgada material nas ações envolvendo relações
jurídicas continuativas ou continuadas707 “cuja hipótese de incidência concerne a fatos ou
situação que perduram no tempo, permitindo modificações das posições jurídicas internas
(ônus, direitos, faculdades), ou ao menos seu redimensionamento, conforme a variação
fática”708.
Considerando que a multa sempre é fixada em caráter acessório a uma obrigação
principal, sua incidência se dá de forma continuada, o que a sujeita, naturalmente, às
alterações de natureza fática, atraindo, portanto, a incidência da cláusula rebus sic
stantibus. É o que defendem Luis Guilherme Marinoni, Sergio Arenhat e Daniel Mitidiero:

Porém, para se admitir eventual óbice de coisa julgada, é preciso admitir que a
modificação do valor da multa pode se dar independentemente de alteração na
situação de fato, uma vez que, existindo tal alteração, não se pode pensar em
barreira de coisa julgada, já que a sentença e, por consequência, a coisa julgada
espelham uma situação jurídica e fática que existia em determinado instante. Ou
seja, a coisa julgada, formada a partir de determinada situação de fato, jamais
impedirá outra ação, fundada em ‘fatos novos’, já que esta ação necessariamente
fará surgir outra coisa julgada, que, assim, nada tem a ver com a anteriormente
fundada com base em ‘fatos velhos’.709

O caráter de continuidade atrelado à astreinte se deve ao fato de que ressalvada a


hipótese de cominação da multa em momento único de incidência e será cominada em
unidades de tempo (hora, dia, semana, mês), perdurando indefinidamente, até o efetivo
cumprimento da obrigação cominada.710
Essa característica autoriza a afirmação de que, ao menos na maioria dos casos,
“o instituto coercitivo da multa judicial (astreinte), em que pese ser apenas um dos meios
de coerção indireta, constitui-se em uma relação jurídica processual de trato

707
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 336.
708
TALAMINI, Eduardo. A coisa julgada no tempo: os ‘limites temporais’ da coisa julgada. Revista do
Advogado, São Paulo, ano XXVI, n. 88, p. 56-63, novembro 2006. p. 21.
709
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 805.
710
MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A multa (astreintes) na tutela específica – atualizado com o novo
CPC 2015, p. 238.
241

continuado”711. Esse argumento justifica a sua inclusão na categoria das relações de


natureza continuativa do inciso I do artigo 505 do Código de Processo Civil.
É bem verdade que essa conclusão não encontra guarida na integralidade da
doutrina nacional tampouco na jurisprudência diante do entendimento de que o valor da
multa pode ser modificado a qualquer tempo, “independentemente da alteração da situação
fática sobre a qual recaiu a sentença e a multa que nela foi fixada”712.
Por outro lado, a alterabilidade fática como requisito para a mutabilidade da
astreinte fixada em decisão transitada em julgado é aceita por aqueles defendem que a
revisão da multa é possível, excepcionalmente, “no caso de o credor acrescentar em seu
pedido a incidência de dias e, por consequência, valores supervenientes àquela situação
fática existente ao tempo da decisão anteriormente adotada”.
Assim, como sucede com os demais capítulos da decisão principal de mérito, as
astreintes somente poderão ser moduladas após o trânsito em julgado se houver alteração
fática ou jurídica da situação analisada pelo magistrado no momento da sua fixação713.
Vale ressaltar ademais que a exemplo do que ocorre com as demais hipóteses de
aplicação da cláusula rebus sic stantibus, não se trata de violação da coisa julgada, mas
sim de proferimento de nova decisão com nova causa de pedir sobre a qual nenhuma
decisão havia sido prolatada anteriormente.
Da mesma forma, para que se mantenha o respeito à coisa julgada material
formada anteriormente à alteração fática e/ou jurídica, os efeitos da nova decisão estarão
limitados à data de ocorrência das modificações de fato ou de direito que a
fundamentaram. É até aquela data, e somente até aquele momento, que poderá a nova
decisão retroagir, de modo a preservar a imutabilidade da multa vencida até então.
Na interpretação de Eduardo Talamini, “havendo diminuição do valor da multa,
baseada na alteração de circunstâncias concretas, o novo valor arbitrado deverá incidir
apenas a partir dos fatos que ensejaram a mudança”, não retroagindo, tampouco eximindo
o réu da multa que incidira.714

711
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 337.
712
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil,
p. 387.
713
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 338.
714
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, art. 461; CDC, art 84,
p. 245.
242

Muitos são os casos capazes de autorizar a aplicação da cláusula rebus sic


stantibus à espécie, como a impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação
principal; sua conversão posterior em perdas e danos; o próprio cumprimento ainda que
anômalo da obrigação; a prescrição para exigência do cumprimento da obrigação
principal; o comportamento processual contraditório do credor, que agindo em venire
contra fatcum proprium se esquiva da obrigação de receber a prestação principal no afã de
ver aumentada a multa; o cumprimento parcial da obrigação.
A depender das circunstâncias, pode haver tanto a redução da multa como a sua
exclusão desde o acontecimento do fato superveniente, com eficácia retroativa até esta
data. Nesse caso, “o juiz não estará dispensando a multa vencida porque só é vencida a
multa que incidiu e se mostrou exigível; estará ele, apenas, declarando que a multa, ou
parte dela, não incidiu, porque já não havia mais resultado útil a promover”715.
Pode-se estabelecer uma analogia entre a mutabilidade da multa astreinte e da
obrigação alimentar na medida em que a sentença que fixa alimentos transita em julgado
em relação à situação de fato existente no momento em que é publicada, fazendo coisa
julgada. Ainda que a lei civil expressamente preveja a possibilidade de sua revisão, mesmo
após o trânsito em julgado, tal hipótese está condicionada à alteração substancial dos
estados de fato e de direito postos à apreciação do magistrado na primeira decisão; fora
desta hipótese, operar-se-á o efeito preclusivo da primeira decisão.
Não é por outro motivo que a ação revisional de alimentos deve ser lastreada em
fatos ocorridos após a origem da obrigação alimentar, notadamente as circunstâncias
relacionadas à alteração das possibilidades do alimentante ou das necessidades do
alimentando, sob pena de esbarrar na coisa julgada.
Nesse sentido, Maria Berenice Dias corrobora: “Proposta ação revisional, e não
comprovada mudança na situação das partes, as demandas não são aceitas: são julgadas
improcedentes ou são extintas, sem julgamento do mérito, pelo reconhecimento da
ocorrência de coisa julgada”716.
Com as astreintes não é diferente: inalterada a situação fática de base, o título
judicial que fixou a multa permanecerá inatingível por decisões judiciais proferidas pelo

715
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 615.
716
DIAS, Maria Berenice. Princípio da proporcionalidade para além da coisa julgada. 2010. Disponível
em:
http://mariaberenicedias.com.br/manager/arq/(cod2_530)10__principio_da_proporcionalidade_para_alem_d
a_coisa_julgada.pdf. Acesso em: 2 set. 2021. p. 1.
243

juízo da execução, a quem cabe, naquela fase processual, adotar os meios necessários à
satisfação do crédito.
Esse exemplo guarda outra semelhança com o tema das astreintes: a construção
de uma falácia. Nas ações de alimentos é comum que se repita que “alimentos não fazem
coisa julgada”, o que não é necessariamente verdade, uma vez que, por clara imposição
legal constante do artigo 1.699 do Código Civil717, a revisão da verba alimentar está
necessariamente condicionada à alteração da situação fática. Assim, não poderá o
magistrado alterar o valor dos alimentos, e por analogia o valor das astreintes, apenas
porque entende que a decisão anterior os fixou em valor muito elevado ou diminuto, sob
pena de ferir a coisa julgada.
A afirmação de que as astreintes fixadas em decisão transitada em julgado fazem
coisa julgada, podendo ser alteradas exclusivamente se comprovados fatos supervenientes,
é embasada no artigo 505, inciso I, do Código de Processo Civil e reforçada por uma
interpretação sistemática da inovação legislativa advinda do Código de Processo Civil
acerca da multa coercitiva, especialmente no que tange ao contido no artigo 537, §1º, do
mesmo Código, que limitou a possibilidade de alteração ou revogação da multa vincenda,
revelando a existência da “coisa julgada material na multa vencida, aquela já consolidada
no tempo em que a medida judicial restou descumprida”718.
No momento da definição final das astreintes na sentença/acórdão, vale lembrar,
o julgador tem a sua disposição todos os elementos de fato e de direito disponíveis até
então e, certamente, leva-os em consideração para manter/reduzir/majorar/revogar as
astreintes, estabelecendo sobretais elementos um juízo de mérito especificamente
fundamentado, cuja eficácia deve ser protegida, ao menos daquele momento para trás.
Esse, inclusive, é outro argumento apto a afastar a possibilidade de redução da multa
vencida, por ter alcançado valor elevado. Na verdade, se o valor é alto, ele já o era no
momento da prolação da sentença/acórdão e isso não foi elemento suficiente para alterar o
provimento judicial, não se admitindo sua alteração em sede de cumprimento de sentença,
sob pena de ofensa à coisa julgada material.

717
“Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na
de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução
ou majoração do encargo.”
718
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 280.
244

Pelo exposto, a partir de uma interpretação sistematizada da legislação processual


civil acerca dos institutos da coisa julgada e das astreintes, tem-se que a multa vencida
após cognição exauriente é indiscutível e inalterável na fase de cumprimento de sentença
por fazer coisa julgada. No entanto, a multa vencida após o trânsito em julgado do título
judicial pode ser modulada/revogada, nos termos do inciso I do artigo 505 do Código de
Processo Civil, quando sobrevier comprovada modificação no estado de fato ou de direito
apto a configurar a hipótese da cláusula rebus sic stantibus. Neste caso, os efeitos dessa
nova decisão deverão retroagir até a data da superveniência 719.

4.4.4 Astreintes fixadas em processo de execução ou cumprimento de sentença

Na hipótese de não se fixar astreinte durante a fase de conhecimento, esta


providência pode ser tomada na fase de cumprimento de sentença da obrigação principal
reconhecida na sentença transitada em julgado. Além disso, ainda que se tenha fixado
multa no título judicial executado, é permitido ao magistrado ajustá-la na fase executiva –
com efeito prospectivo –, com vistas a adequá-la ao seu escopo de compelir o devedor ao
cumprimento da obrigação executada. Da mesma forma, é possível que se estabeleça
multa diária em sede de processo de execução de título extrajudicial como medida de
apoio à efetivação do crédito.
Os procedimentos de execução e de cumprimento de sentença, dada a sua
natureza específica em relação ao processo de conhecimento, merecem atenção especial
no que tange à mutabilidade das astreintes. Isso porque, nesses casos, a sentença é
proferida com natureza extintiva, com caráter meramente terminativo720, sem análise de
mérito, o que, em tese, impede que se proceda à revisão das decisões interlocutórias tal
qual ocorre com as tutelas provisórias deferidas em processo de conhecimento. Significa
dizer que os processos de execução e de cumprimento de sentença seguem o seu rumo até
que o crédito seja extinto, pela quitação ou pelo reconhecimento de sua inexigibilidade.
Até que isso ocorra, as decisões proferidas nesses procedimentos se revestem de caráter
interlocutório, desafiando a interposição de agravo de instrumento nos termos do
parágrafo único do artigo 1.015 do CPC/15.

719
PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e CPC/2015: visão teórica, prática e
jurisprudencial, p. 338.
720
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: execução, processos nos
tribunais e meios de impugnação das decisões, p. 213.
245

Da própria previsão da recorribilidade de todas as decisões proferidas nos


procedimentos executivos é que se extrai o seu caráter de definitibilidade. Nesse sentido,
“a referência às decisões interlocutórias proferidas no âmbito da execução civil se justifica
considerando-se que não há como sujeitar o exequente e o executado à espera de uma
sentença apta a ser desafiada por apelação” 721, sentença esta que quando proferida não se
prestará sequer para reexaminar o conteúdo decisório daquela decisão que está a trazer
prejuízos à parte. “Ademais, na execução e no cumprimento de sentença, os
pronunciamentos judiciais tendem a produzir imediatos reflexos patrimoniais, o que
reforça a pertinência de sua imediata revisão na instância recursal”. E é por isso que “se
uma decisão interlocutória é impugnável por agravo de instrumento e esse recurso não é
interposto, ela fica, em regra, coberta por preclusão, inviabilizadora da sua ulterior
rediscussão no curso do processo”722.
Nessa hipótese, diferentemente do processo de conhecimento, como a sentença
que extingue o cumprimento de sentença é meramente terminativa, com o único escopo de
extinguir o feito por satisfação ou extinção da obrigação, não haveria razão para que as
astreintes fossem arbitradas apenas nesse momento processual, ou mesmo que fixadas em
sede de decisão interlocutória, tivessem de aguardar sua confirmação em sentença para
serem plenamente exigíveis.
Na verdade, não faria sentido o arbitramento de multa astreinte no bojo de uma
sentença que põe fim à relação jurídica por considerá-la cumprida ou não mais passível de
cumprimento, o que acaba por limitar, na prática, a possibilidade de fixação de astreintes
no processo de execução em decisões de natureza interlocutória.
Assim, uma vez arbitrada a multa astreinte em decisão interlocutória proferida na
fase de cumprimento de sentença, ou em processo de execução de título executivo
extrajudicial, cabe à parte contrária a interposição de agravo de instrumento, sob pena de
preclusão, tornando assim, como preconiza o artigo 537, §1º, do Código de Processo Civil,
impossível a modulação das astreintes vencidas.
Nesse caso, enquanto sujeita à apreciação pela instância recursal, a multa
astreinte ostenta natureza precária e, portanto, pode ser reduzida ou revogada a qualquer
tempo e com eficácia retroativa indefinida. Assim, embora possível, a execução imediata

721
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Do agravo de instrumento. In: FREIRE, Alexandre (coord.).
Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1377.
722
GOUVÊA, de José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Guilherme Aidar; FONSECA, João Francisco Naves
da (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil (arts. 994-1044), p. 132.
246

da astreinte se operará necessariamente por meio de cumprimento provisório. Por outro


lado, uma vez preclusa a decisão, seja pela inércia do devedor, seja por sua confirmação
por parte das instâncias recursais, a multa se encontrará preclusa, não podendo mais ser
alterada, com efeito retroativo, pelo juiz.
Observa-se, contudo, que se estendem à espécie as mesmas regras acerca da
cláusula rebus sic stantibus aplicáveis aos títulos judiciais transitados em julgado em
processo de conhecimento. Dessa forma, caso se constate circunstância de fato ou de
direito superveniente ao trânsito em julgado da decisão, será possível proceder à revisão
da multa com efeito retroativo, limitado à data em que a modificação tenha ocorrido.
É bem verdade que a aplicação da cláusula rebus sic stantibus no bojo do
processo de execução, na prática, pode levar à exclusão completa da multa na medida em
que o fato superveniente pode ter ocorrido antes mesmo do vencimento do primeiro dia da
multa, quando, por exemplo, a obrigação principal se tornar impossível antes de esgotado
o prazo previsto para o cumprimento da obrigação.
Cenário diverso se apresenta no processo de conhecimento, especialmente
quando a multa diária fixada em sentença ou acórdão confirma aquela que havia sido
fixada em sede de tutela provisória. Nessa situação, restará garantida a incidência da multa
desde o início da contagem do prazo previsto para o cumprimento da tutela provisória até
a data do trânsito em julgado da decisão definitiva que a tenha confirmado. Apenas após
esse período é que poderão ser constatados fatos supervenientes capazes de impedir ou
alterar a incidência da multa com efeito prospectivo.
A mesma técnica de interpretação sistemática leva à conclusão de que no caso
das astreintes fixadas em sede de execução, eventual modificação ou supressão da multa
só teria efeito sobre as multas que incidiriam a partir da data da nova decisão, não
alcançando aquelas que eventualmente tenham vencido entre a primeira e a segunda
decisões.
Portanto, as multas vencidas plenamente não são passíveis de alteração judicial,
salvo quando houver modificação superveniente de fato ou de direito apta a permitir a
aplicação do inciso I do artigo 505 do CPC/15 – nesta situação, a decisão que modificar ou
revogar a multa retroagirá até a data em que os elementos supervenientes tenham ocorrido.
247

4.5 SUGESTÃO DE PROCEDIMENTO PARA ALTERAÇÃO DE ASTREINTES EM


SEDE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

Conforme abordado no decorrer desta pesquisa, a significativa modificação


legislativa operada a partir do disposto no §1º do artigo 537 da vigente legislação
processual civil impede que a multa vencida se torne, ao menos em regra, objeto de
revisão por parte do magistrado, que, por sua vez, estará limitado a alterar a periodicidade
ou o quantum da multa vincenda. Daí se extrai a interpretação adotada até aqui de que a
multa vencida fixada em sentença transitada em julgado se reveste de imutabilidade e de
indiscutibilidade, características próprias do instituto da coisa julgada.
Saliente-se que a multa astreinte, por integrar o rol de situações consideradas
como relações jurídicas de trato continuado, pode, diante de alterações substanciais no
quadro fático e jurídico sobre o qual se procedera a primeira decisão, sofrer modificações
e ser até mesmo revogada. Tais revisões estão, contudo, condicionadas e temporalmente
limitadas, nos termos do inciso I do artigo 505 do Código de Processo Civil.
Assim, uma vez admitida a possibilidade, ainda que excepcional, de
revisão/revogação do valor e da periodicidade das astreintes vencidas após o trânsito em
julgado, resta avaliar qual o instrumento processual adequado para que, após apresentado
o cumprimento de sentença pela parte exequente, a parte executada pleiteie a
revisão/revogação nestas hipóteses.
O meio adequado para tanto, considerando o sistema processual civil vigente,
parece ser a própria impugnação ao cumprimento de sentença prevista no artigo 525 do
CPC/15.
A impugnação ao cumprimento de sentença é um meio de defesa ordinário posto
à disposição do executado na fase de cumprimento de sentença e se operacionaliza por
simples petição, sendo indispensável que o executado, ao apresentá-la, formule com
clareza o pedido e suas especificações, e os fundamentos de fato ou de direito que
fundamentam a sua resistência executiva.723
Como se trata de título executivo de natureza judicial, o que pressupõe que o
reconhecimento do direito do credor tenha advindo de um processo judicial, que após
cognição exauriente em processo sujeito ao duplo grau de jurisdição teve reconhecido o

723
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: execução, processos nos
tribunais e meios de impugnação das decisões, p. 213.
248

crédito ora executado, os meios de defesa dispostos ao devedor são reduzidos quando
comparado com o procedimento reservado à execução dos títulos extrajudiciais.
As matérias de defesa admitidas no procedimento de impugnação estão adstritas
às hipóteses do artigo 525 do CPC/15. Na impugnação, o executado poderá alegar: I -
falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; II -
ilegitimidade de parte; III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; IV -
penhora incorreta ou avaliação errônea; V - excesso de execução ou cumulação indevida
de execuções; VI - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VII -
qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação,
compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.
Ao comparar os embargos à execução com a impugnação ao cumprimento de
sentença, percebe-se que as matérias alegáveis naquele recurso são muito mais amplas,
conforme rol previsto no artigo 917724 do Código de Processo Civil, como assenta
Marcelo Abelha:

Assim, justamente pelo fato de não ter havido um prévio processo cognitivo, já
que a eficácia abstrata do título decorre da lei processual, o legislador conferiu
ao executado a possibilidade de que este, por via de embargos à execução,
utilizasse como fundamento não só os elementos constantes no art. 525 (rol
taxativo para os casos de impugnação à execução fundada em título judicial)
como qualquer outro que lhe seria lícito deduzir como defesa em um processo
de conhecimento (art. 917, VII).725

Observa-se ainda que o último inciso do artigo 917 do Código de Processo Civil
dá uma amplitude muito maior aos meios de defesa do executado nos embargos à
execução quando comparado ao rol restritivo da impugnação ao cumprimento de
sentença. Daí se pode concluir que nos embargos é licito ao embargante alegar qualquer
meio de defesa que lhe seria permitido apresentar em um processo de conhecimento. Essa
amplitude se justifica pelo fato de o título executivo ter sido formado sem ter passado
pelo crivo da cognição judicial, ao contrário dos títulos executivos judiciais, que se
originam da fase cognitiva anterior, seja ela judicial ou arbitral.
Quanto à alterabilidade das astreintes por força de fato superveniente, a hipótese
legal a permitir a sua alegação em sede de impugnação ao cumprimento de sentença

724 “
Art. 917. Nos embargos à execução, o executado poderá alegar: I - inexequibilidade do título ou
inexigibilidade da obrigação; II - penhora incorreta ou avaliação errônea; III - excesso de execução ou
cumulação indevida de execuções; IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução
para entrega de coisa certa; V - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VI - qualquer
matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.”
725
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 586.
249

parece estar disposta no artigo 525, §1º, inciso VII, do Código de Processo Civil, que
permite ao devedor a arguição de “qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação,
como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que
supervenientes à sentença”. É com base no citado inciso que se admite que o executado
sustente “em sua defesa, qualquer fato modificativo ou extintivo da obrigação, seja uma
exceção substancial, como a prescrição, seja uma objeção substancial, como o
pagamento”726.
Assim, podem ser alegadas por via da impugnação causas extintivas da
obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, ou ainda
causas modificativas, como as possíveis alterações no quadro fático e/ou jurídico aptas a
interferir na decisão acerca da fixação das astreintes e/ou de suas características, como
periodicidade e valor, desde que supervenientes à formação do título executivo. “Há de se
ressaltar que nem precisaria dizer ter ocorrido supervenientemente à sentença, uma vez
que, se foi anterior àquela, é sinal de que a matéria já tenha sido alegada e repelida pelo
órgão jurisdicional”727.
Embora não se olvide a possibilidade de alegação de situações supervenientes em
sede de impugnação ao cumprimento da sentença, o fato é que há divergências quanto ao
marco temporal, ou seja, a partir de quando as circuntâncias supervenientes podem
ocorrer.
De acordo com Fredie Didier Júnior, em atenção à eficácia preclusiva da coisa
julgada, o fato novo deve ser superveniente ao trânsito em julgado da decisão exequenda.
Nesse sentido, “a redação do inciso é equívoca, pois fala em ‘superveniente à sentença’,
quando deveria deixar claro que a superveniência deve ser em relação ao trânsito em
julgado da sentença – há uma elipse na frase”728.
Por outro lado, segundo Cassio Scarpinella Bueno, a exigência de superveniência
à sentença deve ser lida de maneira ampla, considerando o último momento em que, na
etapa de conhecimento, for possível ao réu alegar fato novo na demanda. Nesse caso,
mesmo que já tenha sido proferida a sentença, sendo possível ao réu alegar aqueles fatos
em sede recursal para que o tribunal, apreciando-os, verifique de que maneira sua

726
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 552.
727
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil, p. 582.
728
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução, p. 553.
250

ocorrência afeta o direito do autor, “não poderá o executado lançar mão da iniciativa na
impugnação”. Contudo, “na impossibilidade de fazê-lo, é evidente que o executado poderá
valer-se da impugnação para aquele fim” 729.
Com base nessa premissa, com a qual se concorda, o que importa é a inércia
culpável ou não do devedor; se teve a oportunidade de alegar o fato na fase de
conhecimento e não o fez deve suportar os efeitos da preclusão consumativa; caso
contrário, deve-se permitir que busque a revisão do julgado diante dos novos fatos,
considerando que não pôde fazê-lo na fase de conhecimento do respectivo processo.
Outro ponto relevante alude à eficácia preclusiva do próprio cumprimento de
sentença, no sentido de que cabe ao devedor o ônus de arguir as matérias aptas a opor a
execução na primeira oportunidade de manifestação posterior à sentença, sob pena de
preclusão, com exceção das nulidades absolutas, que poderiam ocorrer a qualquer
tempo.730
Com base nessa premissa, não tendo o devedor apresentado impugnação ao
cumprimento de sentença no prazo legal, ou se a apresentou sem sustentar determinada
causa de pedir, o pedido (de impugnação) restará fulminado pela preclusão, ficando
vedada a sua posterior suscitação, salvo nos casos de questões de ordem pública.
Essa regra, contudo, precisa ser temperada com a situação da cláusula rebus sic
stantibus. Causas supervenientes estão sujeitas a ocorrer conforme a variação temporal do
mundo real, que não necessariamente respeita os prazos do processo civil. Assim, é
possível que um fato superveniente ocorra após o prazo fixado para apresentação de
impugnação ao cumprimento de sentença pelo devedor. Essa circunstância não poderá
impossibilitar a arguição da matéria pelo devedor, sob pena de se permitir que uma
decisão continue a viger de forma indefinida sem que as bases fáticas e jurídicas que lhe
deram sustentação continuem a existir.
Dessas considerações resulta a importância da definição do tempo em que os
fatos supervenientes alegados ocorreram e quando puderam ser conhecidos pelo devedor.
Isso porque, caso o devedor tenha tomado conhecimento do fato superveniente após o
prazo que lhe fora assinalado para impugnação ao cumprimento de sentença, poderá arguí-

729
BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao Código de Processo Civil: da liquidação e do
cumprimento de sentença (arts. 509-538). In: GOUVÊA, de José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luis
Guilherme Aidar; FONSECA, João Francisco Naves da (coord.). São Paulo: Saraiva, 2018.
730
DIDDIER JUNIOR, Freddie. Novo CPC doutrina selecionada. E x e c u ç ã o . 2. ed. Salvador:
Juspodvim, 2016. v. V.
251

lo, mesmo após o referido prazo. A decisão que eventualmente reconhecer a situação
superveniente poderá retroagir até a data em que tiver ocorrido.
Por outro lado, se o fato novo ocorreu e o devedor dele tinha conhecimento até o
término do prazo previsto para apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença,
é seu dever fazê-lo no prazo legal, sob pena de ter de assumir os efeitos da preclusão,
salvo em caso de matérias de ordem pública. Nesse segundo caso, restará ao devedor
buscar a revogação/modulação das multas vincendas, visto que expressamente permitidas
pelo parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, mediante petição avulsa nos próprios autos,
desde que demonstre não restarem mais satisfeitas as condições fáticas e jurídicas para a
sua incidência.
A situação é diferente quando não se vislumbrar hipótese de superveniência fática
ou jurídica da relação jurídica, pois não se pode deferir a modulação de astreinte na
impugnação ao cumprimento de sentença baseada em fatos ocorridos antes do trânsito em
julgado. Isso porque, como analisado, caso o executado não tenha inferido toda a matéria
de defesa na fase de conhecimento, as exceções então existentes não são mais passíveis de
análise, diante da eficácia preclusiva da coisa julgada disposta no artigo 508 do Código de
Processo Civil.
Nesses casos, diante de uma causa existente anteriormente ao título judicial que
deseja desconstituir, com vistas à modulação/revogação das astreintes, restará ao devedor
buscar a superação ou relativização da coisa julgada, utilizando os instrumentos
permitidos, seja por meio da ação rescisória, da querela nullitatis insanabilis, ou de outro
meio cabível para este desiderato. A procedência dessas ações, vale lembrar, poderá
afastar a coisa julgada, retirando assim o óbice processual-constitucional de análise sobre a
questão.
Em suma, o instrumento processual mais adequado para que a parte executada
requeira a revisão das astreintes após a propositura do cumprimento de sentença parece ser
a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença, fundado no artigo 525, §1º,
inciso VII, do Código de Processo Civil, exclusivamente na hipótese de sobrevir
comprovada causa modificativa ou extintiva no estado de fato ou de direito, apta a permitir
a aplicação da cláusula rebus sic stantibus e, assim, modular/revogar os efeitos das
astreintes com efeito retroativo até a data em que os fatos supervenientes tenham ocorrido,
ainda que anteriormente à propositura do cumprimento de sentença, porém limitados à
data do trânsito em julgado da decisão que serve de título judicial.
252

5 CONCLUSÃO

O instituto da astreinte, foco central da presente pesquisa, é entendido como


medida coercitiva indireta operacionalizada em forma de multa progressiva imposta ao
devedor de uma obrigação, por meio de decisão judicial ou arbitral, devidamente
fundamentada.
O intuito da multa astreinte é pressionar o seu adimplemento por meio de coação
pecuniária sobre o patrimônio do devedor. Na hipótese de a medida coercitiva não ser
cumprida pelo devedor, no tempo e modo determinados, constituir-se-á crédito em favor
do credor, que poderá cobrá-lo, sem prejuízo da exigibilidade da obrigação principal.
Historicamente, no mundo, a doutrina reconhece três modelos de medidas
coercitivas indiretas – francês, germânico e da common law. Esses sistemas passaram a
influenciar a legislação de outros países, com destaque, ao menos nos países de tradição
civil law, para o modelo francês, cujos traços se mostram mais presentes quando
comparados aos seus equivalentes, sem, contudo, excluir por completo inspirações destes
outros modelos em algumas situações.
Embora não se negue a influência francesa para a construção legal do instituto da
multa coercitiva do artigo 537, não à toa chamada de astreintes, o fato é que a astreinte
brasileira tem suas próprias peculiaridades, seja porque se adequou melhor ao sistema
jurídico brasileiro, seja porque foi politicamente escolhida pelo Poder Legislativo.
No Brasil, as raízes do instituto remontam às três Ordenações Oortuguesas que
vigeram no país, todas prevendo a então denominada ação cominatória. Em sede de
cognição sumária, mediante requerimento da parte, desde que demonstrada a
verossimilhança das alegações e a razoabilidade do pedido, poderia o juiz ordenar a
expedição de mandado a fim de determinar o cumprimento específico da prestação e
cominar pena ao devedor em eventual descumprimento.
Mais tarde, já livre da imposição legal portuguesa, o aclamado sucesso da
astreinte em terras europeias, somado às consequências nocivas da morosidade da justiça
que se instalava no ordenamento jurídico nacional, foi responsável por criar um ambiente
profícuo para que a astreinte se expandisse no Brasil, o que ocorreu inicialmente por meio
do direito material.
253

O Código de Processo Civil de 1939 foi o diploma legal que primeiro


regulamentou a possibilidade de imposição de sanção pecuniária como instrumento
coercitivo voltado ao cumprimento de obrigação exigível. A chamada ação cominatória
prevista no artigo 302 daquele Codigo, em conjunto com o disposto no artigo 999,
permitia a cominação de multa na execução de obrigações de fazer e de não fazer, desde
que requerida pelo autor e desde que convencionada pelas partes.
Em um segundo momento, outras legislações esparsas começaram a prever a
possibilidade de cominação de multa coercitiva independentemente da vontade das partes,
originando-se da ordem judicial baseada nesses dispositivos legais.
Posteriormente, em 1990, a multa astreinte rompeu mais uma barreira no
ordenamento jurídico brasileiro, alcançando outra área do direito, com a introdução na Lei
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que, dentre outras disposições, inseriu no
artigo 84, parágrafo 4o, regramento semelhante ao estabelecido na Lei 7.347/85, o que se
repetiu em outras legislações, como no caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei
n. 8.069 de 13 de julho de 1990, artigo 213, parágrafo 2º, e do Estatuto do Idoso, Lei n.
10.741 de 1º de outubro de 2003, artigo 83, parágrafo 2º.
A presença episódica da multa astreinte em leis esparsas e o seu relativo sucesso
na prática forense pavimentaram o caminho para que fosse transformada em regra geral no
direito processual civil, o que ocorreu por intermédio da reforma instrumental civil
nacional, em 1994, quando a Lei 8.952/94 acrescentou ao Código de Processo Civil
disposição idêntica à adotada com sucesso no Código de Defesa do Consumidor,
precisamente em seu artigo 461, parágrafo 4o, embora limitando-a às obrigações de fazer e
de não fazer. Pouco tempo depois, as astreintes são introduzidas no recém-criado Juizado
Especial, instituído por meio da Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995, consoante se
verifica no artigo 52, inciso V, deste microssistema processual.
Visando resolver algumas celeumas que gravitavam em torno da aplicação das
astreintes, a nova reforma do Código de Processo Civil, que resultou na Lei 13.105/15,
disciplinou a matéria nos artigos 536 e 537. Na nova redação, o legislador tirou do arbítrio
jurisprudencial uma série de nuances acerca do instituto, que na legislação passada era
tratado apenas no artigo 461, § 4º, do CPC. Assim, positivaram-se entendimentos clássicos
sobre as astreintes, como a titularidade da multa, que se reverte em favor do exequente (§
2º); a possibilidade de cumprimento provisório, excetuando a regra que só permitia
254

execução de decisões confirmadas por sentença (§ 3º); e, por fim, a determinação dos
termos inicial e final da exequibilidade da multa (§ 4º).
Quanto à natureza jurídica das astreintes no direito brasileiro, é importante
destacar o seu caráter coercitivo, não sancionador, ao não permitir a aplicação de astreintes
para compelir o devedor ao cumprimento de obrigação impossível, ainda que seja ele o
responsável por tornar irrealizável o seu adimplemento. Isso porque a medida de viés
coercitivo deve ser útil, não se admitindo a adoção de medidas executivas que visem
apenas prejudicar/penalizar o devedor, sem que isso represente um real benefício em favor
do credor, no sentido do cumprimento efetivo da obrigação a qual faz jus.
Ainda, com relação à natureza jurídica, é importante destacar o caráter acessório
da astreinte em relação à obrigação principal. Em outras palavras, a insubsistência ou
impossibilidade de cumprimento da obrigação principal gerará, por conseguinte, a
insubsistência da medida coercitiva acessória, a multa.
Do caráter patrimonial das astreintes, extrai-se a possibilidade de sua conversão
em crédito em favor do credor da obrigação. Essa medida é essencial para a seriedade do
instituto, o que acaba por originar uma das maiores inquietudes na prática forense,
especialmente nos casos em que o crédito resultante da aplicação da multa atinge valores
muito elevados.
A maior aproximação das astreintes brasileiras com o modelo francês, em
oposição ao modelo da contempt of court, rechaça, a princípio, a ideia de multa astreinte
como medida protetora da dignidade dos tribunais, ante o seu caráter não punitivo, função
esta já exercida por outros mecanismos processuais como a multa por litigância de má-fé
e/ou por ato atentatório à dignidade da justiça, o que, no entanto, não afasta a função de
instrumento também capaz de proteger a autoridade e a dignidade das Cortes nacionais.
Assim, quando se determinam medidas indutivas, coercitivas ou mandamentais
como as astreintes, mais do que garantir o direito material tutelado naquele caso concreto,
está-se a garantir o cumprimento das decisões judiciais/arbitrais. Significa dizer que para
atingir esse desiderato não importa o tipo de decisão nem quem a proferiu, mas sim, e
principalmente, atuar em favor da parte destinatária da tutela jurisdicional e garantir de
algum modo a autoridade e a dignidade da Corte.
Por serem ambas tratadas como multas, as astreintes podem ser confundidas com
a cláusula penal, valendo salientar que há mais divergências do que semelhanças.
Enquanto a astreinte possui natureza pública advinda de determinação judicial com o
255

escopo de garantir a efetividade de decisão judicial, a cláusula penal surge da livre vontade
de particulares, que a estipulam prevendo um montante indenizatório capaz de suportar
possíveis perdas e danos advindos de eventual inadimplemento contratual.
Ao contrário da cláusula penal, que atua em face do inadimplemento visando
compensar o dano já causado, as astreintes têm visão prospectiva no sentido de inibir que
algum ilícito ocorra, mediante pressão psicológica sobre aquele que pode evitá-lo. Nessa
perspectiva, as astreintes não podem ser vistas como medida de caráter compensatório,
pois o que se busca, precipuamente, é evitar que o dano ocorra ou, tendo havido prejuízo,
que a reparação se dê de forma in natura.
Dessa conclusão, emergem duas importantes implicações práticas: primeiro, não
se deve limitar o valor da astreinte ao valor da obrigação principal porque o artigo 412 do
Código Civil é inaplicável à espécie; segundo, é perfeitamente cabível a cumulação de
astreintes com a cláusula penal, não se configurando bis in idem, porque ambos os
institutos, embora apresentem alguma semelhança, fundamentam-se em escopos
inconfundíveis.
Embora as astreintes tenham surgido no direito brasileiro limitadas às obrigações
de fazer infungíveis, as sucessivas mudanças legislativas foram, paulatinamente, alargando
a sua hipótese de cabimento para obrigações de outra natureza, tanto que hoje já é possível
admitir a sua aplicação para obrigações de fazer e de não fazer, mesmo as fungíveis, de
dar coisa certa ou incerta e até mesmo para o caso de obrigação pecuniária.
No tocante às obrigações de fazer e de não fazer, o direito à tutela jurisdicional
efetiva indica que as astreintes, assim como as demais medidas executivas indiretas, não
devem ser pensadas como instrumento subsidiário às medidas de execução direta.
Portanto, ao optar por uma dessas duas medidas, o magistrado deve previamente
considerar as peculiaridades do caso, buscando a satisfação do crédito da forma mais
efetiva possível. Entretanto, embora a opção pela tutela específica da obrigação deva ser
priorizada, não significa que possa ocorrer ao arrepio de direitos fundamentais do devedor,
como no caso de obrigações de fazer que demandem inspiração artística, sob pena de se
atingir a sua liberdade criativa, que vai de encontro à própria natureza da prestação que
justamente pressupõe inspiração e liberdade.
Assim, em que pese a importância constitucional de garantir uma tutela
jurisdicional efetiva, que se materializa pela tutela específica da obrigação, se no momento
da análise do caso concreto e do sopesamento de eventuais princípios e direitos postos em
256

conflito emergir a necessidade de preservação dos direitos de personalidade do devedor, a


solução passaria por transformar a obrigação pelo seu equivalente em pecúnia, mediante
apuração de perdas e danos, ou execução de cláusula penal, caso pactuada.
No caso de obrigação de dar coisa incerta, o fato de existir uma fase intermediária
ao cumprimento definitivo da obrigação, a escolha não impede a aplicação de medidas
coercitivas ao cumprimento específico da obrigação, no interesse do credor, ainda que o
devedor não possua o bem que se comprometeu a entregar. Isso porque a mera existência
de uma fase anterior ao cumprimento efetivo da obrigação não seria óbice suficiente para
negar ao credor a satisfação da obrigação pela tutela específica. O que ocorre é uma
singela adaptação à natureza do direito material posto, com a ordem judicial sendo
cominada para que o devedor exerça a escolha, sob pena de multa diária. Essa providência
pode ser tão útil quanto for difícil ou impossível ao credor exercer a escolha no lugar do
devedor, especialmente quando lhe for franqueado acesso ao acervo patrimonial deste, o
que poderia inviabilizar o ato da escolha e, consequentemente, a entrega do objeto,
levando-o ao caminho da resolução por perdas e danos, ainda que contra a vontade do
credor.
No que tange às obrigações de prestar declaração de vontade, o elemento
determinante da aplicabilidade das astreintes em obrigações desta natureza é o exame da
utilidade da medida, o que remonta à própria natureza do instituto, que enquanto medida
coercitiva só tem razão de existir quando for capaz de, em tese, forçar o devedor ao
cumprimento de determinada obrigação que não possa, sem a sua contribuição, ser
alcançada sem prejuízo ao credor.
Assim, havendo obrigações conexas à manifestação de vontade, sejam elas de
responsabilidade do devedor ou de terceiros, possível será a aplicação da multa astreinte,
não como forma de compelir o cumprimento da obrigação de manifestação de vontade em
si, mas para forçar o cumprimento da obrigação que lhe é acessória, possibilitando que a
decisão judicial de substituição de referida declaração surta o efeito prático pretendido
pelo credor.
Com relação às obrigações de exibir documento ou coisa, caso a confissão ficta
não seja suficiente à satisfação da pretensão do credor da obrigação e, por sua vez, as
medidas diretas, como busca e apreensão, não sejam possíveis, como ocorre quando não se
sabe a localização do documento, a multa astreinte é indicada, por ser a medida mais
257

eficaz ao caso concreto, seja por força do parágrafo único do artigo 400 do CPC/15, ou
pela interpretação correta do Enunciado 371 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Sobre as obrigações de pagar quantia certa, a regra prevista no inciso IV do artigo
139 do CPC/15 é suficiente para afastar a resistência jurisprudencial que até então havia
quanto à possibilidade de aplicação de astreintes como técnica apta a compelir o devedor
ao cumprimento de obrigação pecuniária. Contudo, não se pode olvidar o caráter
coercitivo e não penalizador do instituto, de modo que não se deve admitir a aplicação de
astreintes para compelir o devedor ao pagamento quando não existir patrimônio suficiente
para tal.
Admite-se ainda a aplicação de astreintes no procedimento arbitral, uma vez que
a Lei de Arbitragem permite à parte o requerimento da tutela liminar diretamente no
procedimento arbitral (art. 22), desde que, naturalmente, a convenção arbitral não crie
óbice a esta segunda opção, seja porque a exclui expressamente, ou porque o regramento
do tribunal arbitral escolhido não preveja esta possibilidade.
Examinando os sujeitos dessa relação processual e suas características, tem-se
que o sujeito ativo, credor da multa astreinte, é aquele em favor de quem a obrigação
principal deveria ser cumprida. Esse assunto, é bem verdade, apresenta divergência.
Na discussão da PL 16/2010, que resultou no CPC/15, o Ministro do Superior
Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, capitaneou uma corrente que defendia a
destinação dupla da multa, dividindo-a entre Estado e credor, como ocorre em países como
Uruguai, Espanha e Portugal, o que inclusive já havia sido defendido pelo mesmo Ministro
em voto vencido quando se discutiu a matéria diante da anomia do então artigo 461 do
CPC/73. No entanto, esse não foi o entendimento adotado pelo legislador ao editar o
Código de Processo Civil vigente, quando incluiu a seguinte ordem no parágrafo 2º do
artigo 537: “§ 2o o valor da multa será devido ao exequente”.
Assim, restou consignado que cabe ao prejudicado a titularidade da multa, o que
fulmina a celeuma outrora existente, evidenciando uma opção pelo caminho que mais se
adequa à finalidade das astreintes e ao princípio constitucional da efetividade.
A questão continua tormentosa quando as astreintes são fixadas no bojo do
processo coletivo, como no caso de ações civis públicas. Sobre esse aspecto, percebe-se
que as regras acerca da titularidade das astreintes devem seguir aquelas estabelecidas para
a titularidade dos danos a serem reparados em ações desta natureza.
258

Tratando-se então de direito individual homogêneo, a regra será a da titularidade


individual da multa diária, que poderá ser substituída pelo redirecionamento da verba para
um fundo especial caso o número de execuções individuais não seja compatível com o
montante do dano causado, nos termos do artigo 100 do Código de Defesa do
Consumidor. Já, em sede de direito coletivo estrito senso ou direito difuso, ante a própria
natureza dos direitos pleiteados, não haveria que falar em execução individual, cabendo a
titularidade das astreintes a entidades e/ou fundos coletivos.
Por fim, vale salientar que a jurisprudência ainda se mostra vacilante quanto à
titularidade das astreintes no caso de direitos dos idosos. Isso se deve ao disposto no artigo
84 do Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741 de 1º de outubro de 2003, segundo o qual, as multas
previstas nesta lei reverter-se-ão ao Fundo do Idoso ou ao Fundo Municipal de Assistência
em caso de inexistência do primeiro. Porém, seja porque as astreintes não se fundam no
Estatuto do Idoso – logo não poderiam ser consideradas multas decorrentes de referida lei
–, seja porque se trata de legislação anterior ao CPC/15, que disciplinou a questão de
forma diversa no artigo 537, parágrafo 2º, ou ainda pela inaceitável ofensa à isonomia
entre idosos e demais jurisdicionados, a melhor opção é garantir a titularidade do crédito
das astreintes ao idoso prejudicado.
A questão da definição do sujeito passivo de astreintes também desperta
interessantes debates. Um dos temas mais polêmicos nessa seara é a figura da Fazenda
Pública como parte da relação jurídico-processual. Isto porque, mesmo entre aqueles que
admitem a aplicação de multa diária astreinte em face do Estado, há um aspecto que
levanta posicionamentos dissonantes no que tange à possibilidade de direcionar a ordem
judicial e consequentemente a multa diária ao servidor público responsável pelo seu
cumprimento e não ao Estado, enquanto ente público.
Uma parte da doutrina, embora admita existir um obstáculo processual difícil na
medida em que se estaria estendendo os efeitos da ordem judicial a uma pessoa que não
figura no polo da demanda judicial, defende a possibilidade de as astreintes serem
suportadas pelo agente público responsável pelo descumprimento da medida ante o
argumento de que o instituto teria seu poder coercitivo aumentado, eis que aquele com
poderes para cumprir a decisão judicial restaria mais compelido a fazê-lo caso a ameaça
pecuniária repercutisse sobre o seu patrimônio, se comparado ao poder persuasivo da
decisão quando sua consequência negativa se manifestaria sobre o erário.
259

Justamente pela possibilidade de exercício do direito de regresso, e até mesmo de


eventual apuração de improbidade administrativa do agente responsável, afastar-se-ia a
ideia de que a mera impossibilidade de exigibilidade direta da astreinte vencida sobre o
seu patrimônio faria com que o servidor agisse de forma negligente quanto ao
cumprimento da decisão judicial.
A solução do problema pode passar pela análise do caso concreto. Se é verdade
que as pessoas ocupantes de cargos públicos não deveriam ser, ao menos em regra,
responsáveis diretamente pelos danos que causarem no exercício da função pública, sob
pena de se lhes impor um risco insuportável a ponto de causar a inação ou o próprio
afastamento dos cargos mais relevantes, também é verdade que, em determinadas
situações, pode-se vislumbrar um comportamento específico inadequado do agente
público, que tendo condições de cumprir a ordem judicial prefere não fazê-lo por motivos
pessoais ou políticos. Nesses casos, parece que a ligação direta entre o comportamento
processual inadequado do agente e a inadimplência da obrigação cominada justificaria o
direcionamento da ordem, e consequentemente da multa, ao agente desidioso. Ainda que
se admita tal possibilidade, é indispensável que a consequência apontada reste claramente
demonstrada por ocasião do recebimento da ordem judicial. Isso porque não se pode
admitir que uma ordem judicial dirigida especificamente contra o Estado venha a
desencadear uma execução direta da parte contrária em face do agente público, eis que,
neste caso, estar-se-ia diante de flagrante situação de ilegitimidade passiva ad causam.
Outra nuance relevante quanto ao sujeito passivo da multa está na possibilidade
de terceiro figurar como parte passiva da obrigação acessória. Neste ponto, entende-se ser
possível a fixação de multa astreinte em face de terceiro, desde que seja ele o destinatário
da obrigação cominada e, naturalmente, desde que os demais requisitos necessários à
aplicação do instituto também estejam presentes. Naturalmente, neste caso, o terceiro
adquirirá a qualidade de interessado, passando a ostentar legitimidade recursal para
questionar a decisão que lhe imponha tal gravame.
O próprio autor da demanda também pode figurar como sujeito passivo da
astreinte sempre que contra ele for proferida decisão que lhe imponha o cumprimento de
alguma obrigação, desde que a imposição de multa diária se mostre o meio mais adequado
para compeli-lo ao cumprimento.
No que tange à quantificação da multa astreinte, acredita-se que será muito alta
ou pode nem chegar a incidir. Na verdade, se a astreinte está sendo cobrada, salvo o caso
260

de impossibilidade de cumprimento da medida – que deveria resultar na revogação –, a


incidência é sintoma de sua ineficiência, o que, na maioria das vezes, está relacionada com
o valor ínfimo que fora fixado.
O magistrado, atendendo às peculiaridades de cada situação, deve estabelecer um
valor ao mesmo tempo suficiente para satisfazer o escopo da medida, que é compelir o
devedor ao cumprimento da obrigação cominada, e proporcional à espécie e ao valor da
obrigação perseguida, caso contrário, estar-se-ia impondo ao devedor uma quantia
insuportável.
A multa, porém, não pode ser limitada de forma prévia – embora este seja um
expediente comum na prática jurídica –, sob pena de se criar um limitador artificial de
incidência da multa, que além de desvirtuar o caráter coercitivo da medida prejudica a sua
eficácia. Isso porque, salvo o caso de impossibilidade de cumprimento da medida – que
deveria resultar na revogação da astreinte – a sua incidência é sintoma de ineficiência, o
que, na maioria das vezes, está relacionada ao valor ínfimo fixado e não a eventual
excesso na sua fixação.
Ademais, a limitação apriorística das astreintes apresenta um perigo ainda maior,
de desconfiguração das bases principiológicas do direito civil brasileiro, por ferir
diretamente o princípio do aliud pro allio, garantindo ao devedor– que o ordenamento
jurídico material não lhe faculta – o direito de optar pelo cumprimento da obrigação in
natura ou o pagamento da multa.
As noções de exequibilidade das astreintes passam necessariamente pela
compreensão do direito do credor à tutela jurisdicional efetiva como consequência do
direito fundamental ao acesso à justiça. Isso porque, na contemporaneidade, a jurisdição
se resume ao dever estatal de dizer o direito, cabendo, além disso, garantir a tutela
jurisdicional adequada e efeticaz para alcance reconhecimento do direito pleiteado.
A tutela jurisdicional efetiva como garantia constitucional, essencial ao
desenvolvimento da teoria de Luis Guilherme Marinoni, terá aplicação imediata e
obrigatória pelo magistrado, a quem cabe interpretar a legislação à luz do direito
fundamental à tutela jurisdicional, estando obrigado a extrair da regra processual, sempre
com a finalidade de efetivamente tutelar os direitos, a sua máxima potencialidade desde
que – e isso nem precisava ser dito – não seja violado o direito de defesa”731. Ainda,
segundo o autor, as técnicas executivas devem ser adequadas, compreendidas como

731
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 131.
261

aquelas capazes de legitimamente atingir a tutela pleiteada, e idôneas no que tange à sua
eficácia, ou seja, devem produzir a “menor restrição possível à esfera jurídica do réu”732.
Diante do cenário atual, no qual a obrigação não pode ser simplesmente
transformada em pecúnia, levando aos meios expropriatórios típicos, tendo em vista que
ao credor é garantido o direito de exigir a obrigação in natura, surge a necessidade de
aperfeiçoamento de técnicas processuais aptas a garantir o cumprimento das prestações
obrigacionais, especialmente quando se referirem à natureza outra que não a de pagar
quantia certa.
Entre as técnicas de execução indireta, o instituto das astreintes é um importante
elemento que atua para auxiliar a consecução das obrigações, especialmente na sua forma
in natura Por seu papel essencial no enforcement das obrigações, a multa astreintes é uma
das técnicas processuais mais utilizadas como medidas de execução indireta ma medida
em que é capaz de atuar sobre a vontade do obrigado e, ao mesmo tempo, garantir
proteção à sua liberdade, eis que a coerção se dá por meio de pressão financeira.
A mera fixação de astreintes não será capaz de gerar o efeito que dela se espera
caso o devedor não as reconheça como ameaça real e iminente, o que só ocorrerá se a sua
exequibilidade for garantida pelo sistema jurídico vigente. Caso contrário, a multa não
passará de mera promessa vã de ameaça de um mal que o destinatário sabe que nunca
chegará a atormentá-lo.
Adentrando as regras práticas de exequibilidade da quantia resultante da astreinte,
a definição do termo inicial da incidência possui importante papel no estabelecimento da
quantia devida. Neste ponto, defende-se que a multa incide a partir do dia posterior ao
descumprimento do prazo fixado para o cumprimento da obrigação, contado desde a
efetiva intimação do devedor da obrigação.
Esse vencimento independe de nova intimação, conforme posição adotada por
Rafael Caselli Pereira, que defende a superação do Enunciado 401 da Súmula do STJ em
razão da Lei 11.232/2005, que instalou o procedimento sincrético, por meio do qual a
execução do julgado passou a caracterizar nova fase de um mesmo processo, motivo pelo
qual a interpelação para cumprimento não mais se daria pela via da citação pessoal, mas
pela intimação do advogado do obrigado, no diário oficial.
Outro tema polêmico no tocante ao início da incidência das astreintes alude à
multa aplicada em sentença. Como a decisão é passível de recurso de apelação com efeito

732
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 145.
262

suspensivo, logo, referida multa não seria exigível, o que acabaria por impedir a sua
incidência, que passará a contar após o prazo para interposição deste recurso.
Como a sentença, em regra, possui eficácia contida até que o seu trânsito em
julgado, ou a eventual recurso interposto não se confira efeito suspensivo, não há que falar
em exigibilidade da multa astreinte durante esse interim. Não obstante, uma vez exigível a
obrigação, seja pelo trânsito em julgado ou pela prolação de decisão que, por sua natureza,
permita o cumprimento provisório, a multa será contada desde a data da publicação da
sentença, incidindo, portanto, de forma retroativa.
Na prática, o escopo da concessão do efeito suspensivo ao recurso não é impedir
a incidência da decisão judicial até que o recurso seja por fim julgado, mas apenas impedir
a possibilidade de execução provisória da decisão e com isso sustar de forma temporária e
precária os seus efeitos até que se chegue a uma definição final do recurso. Portanto, é a
definição sobre o provimento ou não do recurso que terá a capacidade de interferir na
incidência da decisão judicial no período de tempo entre a interposição e o julgamento.
Quanto à apreciação do recurso, vale lembrar: se alcançar provimento, não haverá
incidido nenhum dia e caso algum valor tenha sido adimplido, deverá ser ressarcido; por
outro lado, não restando provido, todo o valor será devido ao credor, incluindo aquele
referente aos dias em que se aguardava o julgamento do recurso, independentemente de
haver sido concedido efeito suspensivo ou não.
A preocupação quanto à definição do termo final da multa astreinte se mostra
relevante na medida em que determina até quando poderá ser exigida do devedor,
limitando assim a quantidade de dias que poderão ser multiplicados pela multa estipulada.
Para além do óbvio encerramento da incidência da astreinte com o cumprimento da
obrigação, existem outras nuances que merecem atenção.
A questão do termo final de incidência da multa astreinte pode ser analisada pelo
prisma de duas características do instituto já abordadas nesta pesquisa, quais sejam: o seu
caráter coercitivo e o seu caráter acessório.
A propósito, pode-se traduzir o mencionado binômio da seguinte maneira:
existência de obrigação principal a ser adimplida e possibilidade real de seu cumprimento.
O primeiro vértice do binômio do término de incidência da multa astreinte pode ser
exemplificado a partir do adimplemento da obrigação quanto ao prazo e ao modo
determinados pelo juízo, ou seja, quando a multa cominatória atingir o seu fim – compelir
o devedor ao cumprimento da obrigação no prazo legal –, obviamente, ela não terá mais
263

incidência, ficando o devedor desobrigado de seu pagamento em razão da inexistência de


obrigação principal a ser cumprida.
Quanto à segunda hipótese, capaz de pôr termo final na incidência da astreinte,a
impossibilidade de cumprimento da obrigação principal cominada deve levar à paralisação
da incidência da multa acessória; quer dizer: por ter a astreinte o escopo de pressionar o
cumprimento de uma prestação, esta não pode subsistir se não houver possibilidade de a
prestação principal ser cumprida.
Com base nessas considerações, adota-se o entendimento de que a multa astreinte
perde a sua incidência a partir do momento em que houver a sua conversão em perdas e
danos, ou em caso de conversão da obrigação por impossibilidade de cumprimento da
obrigação principal, desde o dia em que se tornou impossível. No entanto, quando já
convertida a obrigação em pecúnia, caso presentes os requisitos necessários à aplicação
das astreintes para cominar o cumprimento de obrigação de pagar quantia certa, esta
poderá ser novamente cominada, não como mera continuação da multa fixada para forçar
o cumprimento da obrigação originária, mas como nova multa, agora direcionada ao
cumprimento de obrigação de outra natureza e baseada em novas circunstâncias.
A análise da exequibilidade das astreintes depende necessariamente da análise da
natureza da decisão que as tenha fixado porque suas peculiaridades trazem diferentes
consequências. De início, o fato de a tutela provisória ter estreita ligação com a astreinte
não autoriza que a exequibilidade deste instituto seja relegada apenas ao período de
execução de títulos judiciais transitados em julgado, como defendido outrora, sob pena de
se alijar o jurisdicionado desta importante técnica processual para a proteção de direitos
que estejam sob ameaça iminente ou imediata.
Superando entendimento firmado até então pelo STJ, o Código de Processo Civil
vigente, ante a regra prevista no parágrafo 3º do artigo 537, que não encontra
correspondência no CPC/1973, permitiu o cumprimento provisório da decisão que fixa as
astreintes em sede de tutela provisória. O legislador, como se percebe, optou por um meio
termo entre a impossibilidade de execução do título fundado em tutela provisória e a
atribuição de força executiva plena à própria tutela. Assim, permite-se iniciar o
procedimento de cumprimento provisório, possibilitando que o devedor sinta efetivamente
a pressão da medida coercitiva incidindo sob seu patrimônio, que pode inclusive ser
expropriado, obstada, contudo, a liberação dos respectivoss valores em favor do credor.
264

Como se previu por ocasião da elaboração do projeto desta pesquisa, as novas


previsões legislativas inseridas no texto do CPC/2015 atinentes à matéria levaram à
superação do Tema 743 do STJ nas ações analisadas sob a égide do Código de 1973,
conforme se extrai da decisão proferida pela Terceira Turma no bojo do REsp
1.958.679.733
Mesmo antes dessa decisão paradigmática, não obstante não se tivesse ainda
nenhum julgado da Corte Superior disposto a rever o Tema 743 – ainda que para mantê-lo
mesmo diante das novas evidências legais –, julgados posteriores a 2016 vêm aplicando a
tese a casos que suscitam a análise da questão, ante o argumento de que se deve aplicar ao
caso a regra processual vigente à época, que nos processos analisados pela Corte era o
CPC/73.
No que tange à exequibilidade das astreintes fixadas em sentença, a divergência é
menor do que aquela apresentada quando sua fixação ocorre em tutela provisória,
residindo apenas na necessidade ou não do trânsito em julgado da decisão final que fixou
tal instrumento processual.
Em se tratando de decisão judicial definitiva (sentença ou acordão) sobre a qual
ainda penda recurso, mas que não esteja com sua exigibilidade suspensa por não lhe ter
sido atribuído efeito suspensivo, a execução se torna possível, restando definir o
procedimento: se cumprimento provisório ou definitivo.
Carece de fundamento jurídico a ideia de que a execução das astreintes deva
receber tratamento prioritário em relação à execução de outros créditos, que podem ser tão
ou mais relevantes para as partes envolvidas e, porque não dizer, para a própria sociedade.
Como se percebe no regramento previsto no título II do capítulo IV do CPC/15, a
execução de crédito alimentar mereceu tratamento específico, consoante o caput do artigo
528 do mesmo Código, que prevê expressamente as decisões interlocutórias que fixam
alimentos como títulos hábeis a aparelhar o procedimento de cumprimento definitivo.
Na verdade, as astreintes não merecem tratamento dessa magnitude. O rito do
cumprimento provisório é suficiente para perseguir a efetividade necessária da obrigação
imposta e duas são as razões: capacidade de a medida gerar um temor real ao devedor com

733
“Portanto, é forçoso reconhecer que, à luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada
no julgamento do REsp 1200856/RS, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução
provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito.” BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial (RESP) n. 1.958.679 GO. Relatora: Min. Nancy Andrighi, Terceira
Turma. Brasília, DF. Publicação DJ 25/11/2021.
265

a possibilidade de ver o seu patrimônio constrito e expropriado; garantia da efetivação de


eventual direito de restituição ao status quo ante na medida em que o produto da
expropriação ficará retido aos autos, conforme dispõe a regra prevista no parágrafo 3º do
artigo 537.
Por outro lado, astreintes fixadas em decisão parcial de mérito serão, em regra,
exigíveis desde já – salvo atribuição de efeito suspensivo em eventual agravo de
instrumento –, mediante cumprimento provisório, se ainda pendente recurso, ou definitivo
caso transitada em julgado a decisão. Por fim, no procedimento de cumprimento
provisório não será admitido o levantamento da quantia pelo credor, ainda que apresente
caução.
Quanto à aplicação das astreintes nos tribunais, embora as decisões monocráticas
e os acórdãos não sejam expressamente previstos no caput do artigo 537 do CPC/15 como
momentos adequados para a sua fixação, o fato é que não há óbice à adoção desta medida
nestes momentos processuais. Além do mais, a própria previsão de concessão de tutela
provisória pelo relator, contida no artigo 932, inciso II, do CPC/15, indica a possibilidade
de aplicação da medida coercitiva correspondente para a sua concretização, de modo que
se é possível a sua aplicação em sede de decisão provisória, também deve ser em decisão
definitiva. Por essas razões, as consequências jurídicas atribuídas às astreintes fixadas em
sede de recurso, independentemente do grau recursal, serão semelhantes àquelas atribuídas
à natureza das decisões substituídas. Ou seja, em se tratando de agravo de instrumento em
face de decisão interlocutória que, por exemplo, tenha negado a fixação de astreintes, o
recurso provido por acordão ou decisão monocrática terá efeito semelhante à tutela
provisória que o reformou. Da mesma forma, caso o acordão ou decisão monocrática
realize a revisão de sentença ou de outro acordão em face de decisão definitiva, sua
consequência se equivalerá àquela conferida às decisões definitivas. Assim, no que tange à
exequibilidade dessas decisões, a regra será aquela aplicável à decisão que restou
substituída pelo acordão ou decisão monocrática que tenha fixado a multa astreinte. Se a
natureza da decisão, ainda que proferida pelo tribunal, for provisória, como no caso de
agravo de instrumento em face de decisão indeferindo tutela provisória, aplicar-se-ão as
regras previstas para a execução das astreintes fixadas em sede de tutela provisória.
As decisões proferidas em processo de execução ou cumprimento de sentença
dão origem a duas conclusões atinentes às astreintes: a) a sentença de execução não poderá
fixar astreintes, pois sem a análise do mérito não há que falar em obrigação principal para
266

a qual se pudesse atrelar a multa; b) a multa astreinte eventualmente fixada em sede de


decisão interlocutória não será revisitada em sentença para que possa ser confirmada, ou
não.
Da segunda conclusão, extrai-se a natureza definitiva das decisões interlocutórias
proferidas nos processos de execução ou cumprimento de sentença: uma vez que não serão
reanalisadas no momento da prolação da sentença, não poderão ser consideradas tutelas
provisórias; por outro lado, também não são caracterizadas como sentenças porque não
põem fim àquela fase processual. Ou seja, as decisões interlocutórias proferidas nos feitos
executivos podem ser consideradas espécie autônoma de pronunciamento judicial.
Portanto, a decisão interlocutória que fixa astreintes em cumprimento de sentença
ou execução transitada em julgado, para os fins da definição do rito de cumprimento de
sentença (se provisório ou definitivo), quando preclusa, permite o manejo do cumprimento
de sentença definitivo.
O segundo questionamento relevante se refere à necessidade ou não da
propositura de novo cumprimento de sentença, autônomo, para que se possa exigir o
pagamento da multa. A resposta para essa questão passa pela análise da natureza do
procedimento em que a multa fora fixada e na hipótese de ter sido fixada para
cumprimento de obrigação distinta de pagar quantia certa (como obrigação de fazer, de
não fazer ou de dar), a cobrança da multa dentro dos próprios autos será inviável. Nesse
caso será necessária a propositura de cumprimento de sentença próprio com o propósito de
exigir o pagamento da multa astreinte, considerando a incompatibilidade deste rito com o
rito pelo qual transcorre o cumprimento da sentença que fixou a multa. Por outro lado,
caso as astreintes sejam fixadas em procedimento que vise ao pagamento de quantia certa,
esta quantia se somará ao valor principal, dentro dos próprios autos.
Quanto à exequibilidade da multa no sistema dos juizados especiais, é possível a
execução de quantia superior ao valor de alçada, desde que a unidade da multa fixada seja
inferior. A superação do valor de alçada em virtude do resultado do acúmulo da incidência
da multa decorrente da inércia do devedor não será suficiente para deslocar a competência
para a vara comum.
Ao revés do que ocorre no direito francês, para a execução das astreintes
brasileiras, não há necessidade de procedimento prévio de liquidação, pois eventuais fatos
supervenientes capazes de reduzir a incidência da multa não podem servir de limitador
geral e a priori da liquidez de títulos desta natureza. Portanto, as astreintes, em regra, são
267

exequíveis independentemente de liquidação prévia, cabendo ao devedor, assim como


ocorre no cumprimento de sentença de outras naturezas, apontar eventuais imperfeições do
título à impugnação.
Analisados os principais aspectos acerca da exequibilidade das astreintes, é
importante compreender um dos pontos mais polêmicos nesta seara, e que motivaram a
presente pesquisa, que é a definição de limites aos efeitos retrospectivos das decisões que
revogam ou alteram astreintes.
É bem verdade que a nova legislação buscou disciplinar a matéria quando definiu
no parágrafo 1º do artigo 537 que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o
valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la [...]”.
Para alguns autores, a inclusão do termo “vincenda” seria suficiente para
sacramentar a questão, na medida em que impediria que a multa vencida anteriormente à
decisão que a revogara ou a reduzira sofresse os efeitos desta revogação/alteração.
O fato é que nesses casos a revogação/alteração das astreintes decorre da própria
natureza do instituto, que enquanto tutela acessória de uma obrigação principal necessita
adequar-se ao direito material cujo cumprimento busca cominar. Isso, no entanto, não
significa que dita redução/revogação possa ocorrer ao arrepio das garantias processuais
constitucionais que assistem às partes, tornando necessário o estudo acerca das regras e
dos limites que devem ser impostos no afã de harmonizar esses direitos.
No caso das astreintes, sua aplicação está repleta de discricionariedade, fruto da
natureza de cláusula aberta, própria das medidas coercitivas contemporâneas. É justamente
dessa maior carga de discricionariedade e da magnitude dos interesses postos em jogo que
emerge uma maior preocupação com o dever de fundamentação, tanto no momento da
fixação da multa quanto na fase de sua modulação, durante ou após a fase de
conhecimento do processo no qual fora fixada.
A preocupação do legislador do CPC/15 foi delimitar as hipóteses de modificação
do valor ou da periodicidade da multa vincenda, conforme previsão expressa nos incisos I
e II do §1º do artigo 537. Desses dispositivos, extrai-se que o valor da multa pode ser
reexaminado nos casos em que se tornou insuficiente ou excessivo; ou nos casos em que o
obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente ou justa causa para o
descumprimento da medida coercitiva.
Em que pese a expressa previsão legal sobre os motivos que autorizam a
alteração ou supressão da multa astreinte, doutrina e jurisprudência trazem outros
268

elementos a serem analisados para este desiderato, seja porque complementam as


hipóteses dos incisos do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, com fundamento legal em
outros dispositivos legais/constitucionais, seja porque auxiliam na interpretação das causas
descritas nos próprios incisos.
Nesse sentido, pode-se dizer que há uma forte tendência à readequação da multa
com base na aplicação abstrata dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e na
vedação ao enriquecimento sem causa do credor.
Não obstante, ainda que se limite a possibilidade de mutabilidade das astreintes
aos casos previstos no parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, ainda assim, encontrar-se-á
espaço para interpretação, especialmente considerando que a aferição daquelas hipóteses
dependerá das circunstâncias do caso concreto.
Considerado um fator objeto de análise na modulação das astreintes, o duty to
mitigate the loss decorre da sua estreita ligação com o princípio da boa-fé processual.
Nesse aspecto, o dever de mitigar o próprio prejuízo pode ocorrer na hipótese de o credor
esquivar-se de receber a prestação que persegue judicialmente, visando com isso majorar o
valor das astreintes, que , naquele caso, mostrar-se-ia mais interessante do que o próprio
cumprimento da obrigação que dera origem à cominação da multa.
Esse comportamento, por certo, desvirtua a natureza do instituto, que de
acessório coercitivo passa, por abuso de direito do credor, ao real objetivo da demanda.
Por outro lado, não se pode exigir do credor atitude superior à que se exigiria do homem
médio. Daí que se considera bom credor aquele que não se esquiva nem cria empecilhos
ao cumprimento da obrigação. E se o credor não está a obstar o cumprimento,
presumidamente, está agindo de boa-fé, cabendo ao devedor fazer a sua parte, ou seja,
cumprir a obrigação com a qual se comprometeu ou com aquela fixada pelo magistrado.
Dessa sorte, como cabe ao devedor a comprovação do comportamento
inadequado do credor, caso não se verifique tal conduta, não haverá motivo para a
redução/supressão da multa fixada em razão de abuso de direito ou por desrespeito a
princípios de boa-fé, lealdade e cooperação processuais por parte do credor.
Outro argumento comumente examinado para a modulação do crédito resultante
da multa é o enriquecimento sem causa do credor. Quando esse elemento é utilizado sem a
observância das circunstâncias do caso concreto que causaram a elevação do saldo
devedor, serve como estímulo ao descumprimento dos comandos judiciais, vez que a parte
devedora, ao ter conhecimento de orientação jurisprudencial no sentido de adequação da
269

multa por estes argumentos terá poucos incentivos para cumprir ordens judiciais em
demandas futuras.
A alteração/supressão das astreintes fixadas em decisão transitada em julgado
enfrenta ainda a questão da ofensa à coisa julgada: enquanto uma corrente advoga a
impossibilidade em face da ofensa ao princípio da coisa julgada; outra milita a favor de
sua redução e até mesmo exclusão durante o procedimento de cumprimento de sentença,
em nome da máxima da proporcionalidade, considerando ainda não ser a multa coercitiva
acobertada pela coisa julgada material, porquanto meramente acessória da causa de pedir
principal.
A análise da disciplina das astreintes à luz da coisa julgada leva ao raciocínio de
que uma vez fixada em sentença transitada em julgado a astreinte também seria afetada
pela coisa julgada material, o que impediria sua revisão, salvo nos casos em que se admite
a chamada relativização da coisa julgada.
Não obstante, o fato é que na práxis jurídica tem-se admitido a relativização da
coisa julgada, especialmente a chamada coisa julgada inconstitucional, o que se faz por
meio da ponderação entre o princípio da segurança jurídica e aquele eventualmente
violado pela decisão tida por inconstitucional. Entretanto, é necessário cautela na análise
de situações dessa natureza, visto que a sua proliferação desenfreada nos tribunais pode
causar insegurança jurídica aos jurisdicionados, que terão de conviver ad eternum com a
incerteza de uma futura desconstituição de uma decisão transitada em julgado.
A visão do STJ sobre o tema sofreu alterações com o passar do tempo, desde o
Leading Case REsp 705.914/RN até resultar na consolidação da tese pelo Tema 706,
quando a Corte interpretou a questão, passando a permitir que o magistrado, na fase de
cumprimento de sentença da obrigação de fazer, alterasse ou excluísse o valor da multa
aplicada ante o argumento de que sobre ela não haveria a incidência da coisa julgada,
devendo-se modulá-la de acordo com os primados da razoabilidade e da
proporcionalidade.
Com base nessa conclusão, pode-se dizer que as astreintes, não obstante sua
gênese acessória, quando fixadas em decisão transitada em julgado passam a integrar o
título judicial, como capítulo autônomo, não havendo razão para que a coisa julgada não
se opere sobre este capítulo. Assim, tal parcela da decisão também ostentará força de coisa
julgada, não podendo o Poder Judiciário examinar novamente a questão já decidida, ao
menos não de forma retroativa.
270

A multa vencida e fixada em título executivo judicial transitado em julgado e que


portanto já incidiu de forma válida não poderia ser modificada pelo magistrado na fase de
cumprimento de sentença com efeito retroativo, estando adstrito apenas a modificar o
valor da multa em relação às prestações vincendas.
O tema despertava relevante divergência doutrinária, o que certamente
influenciou a nova redação do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, que ao mencionar a
possibilidade de alteração das multas vincendas tentou estabelecer um regramento para a
matéria.
A interpretação literal do aludido dispositivo leva à conclusão de que a alteração
ou exclusão da periodicidade ou do quantum das astreintes somente será cabível com
relação às multas vincendas, o que significa que “a modificação somente produzirá efeitos
ex nunc, isto é, nunca podendo retroagir, a fim de atingir os valores referentes à multa
vencida”. Assim, baseia-se na premissa de que a finalidade da lei é justamente restringir o
poder de mutabilidade da multa coercitiva, ou seja, “um ‘silêncio eloquente’ que suprime
do dispositivo, de forma intencional, o termo ‘vencidas’ exatamente para não permitir
modificações com efeitos ex tunc”.
Não obstante, a modificação legislativa não bastou para que as controvérsias
doutrinárias e jurisprudenciais pautadas na prerrogativa do magistrado de alterar a
periodicidade ou o quantum das astreintes vencidas fossem superadas, nem mesmo a
ressalva legal do artigo 537, §1º, do Código de Processo Civil acerca da multa vencida
foram capazes de resolver a celeuma em torno da mutabilidade das astreintes na fase
executória. Na verdade, parte da doutrina ainda defende a possibilidade de redução do
montante final alcançado pela multa em sede de execução, argumentando que o instituto
da coisa julgada não se opera na parte da decisão que fixa as astreintes.
Mesmo após a vigência do CPC/15, na jurisprudência, o argumento da vedação
ao enriquecimento sem causa tem levado parcela de magistrados a reduzir o valor final da
multa coercitiva nos casos julgados cujo valor da multa alcance patamar bem superior ao
da obrigação principal. Em muitos julgados, decisões dessa natureza passam ao largo da
análise da significativa alteração legislativa no ponto, na medida em que se observa a
adoção dos mesmos argumentos utilizados para fundamentar decisões sob a égide do
Código de Processo Civil de 1973.
No Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a definição da questão por se tratar
de regra expressa em lei federal, embora ainda não se tenha enfrentado especificamente o
271

tema pelo prisma da evolução legislativa aqui debatida, pode-se vislumbrar que a questão
vem sendo analisada por duas perspectivas diferentes quando comparadas às turmas que
integram a Segunda Seção daquela Corte, embora ambas admitam que as astreintes não se
sujeitam à coisa julgada e que, portanto, podem ser reduzidas a qualquer tempo. A
primeira posição, comumente adotada na Terceira Turma, entende ser possível reduzir a
astreinte quando o valor fixado se mostrar excessivo em relação à obrigação principal,
considerado o momento da fixação da multa, rechaçando, assim, a possibilidade da
redução pela mera desproporção entre o valor final alcançado pela recalcitrância do
devedor. A posição que costuma ser aplicada pela Quarta Turma se ancora nas máximas
da proporcionalidade e da razoabilidade, em conjunto com a vedação ao enriquecimento
sem causa. Por esse entendimento, pode-se dizer que é possível reduzir a multa levando
em conta o montante acumulado, sendo irrelevante a adequação dos valores impostos
inicialmente.
Em 7 de abril de 2021, a Corte Especial do STJ julgou o EARESP 650.536/RJ,
interposto em face de acordão proferido pela Quarta Turma do STJ. Ao analisar o recurso,
a Corte Especial do STJ decidiu, por maioria, que a multa do artigo 537 do CPC/15 pode
ser modificada inclusive de ofício, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão que a
fixou, ainda que sobre esta já tenha havido pronunciamento judicial, até mesmo na fase de
cumprimento de sentença.
Visando investigar o impacto desse precedente na Corte, utilizou-se o sítio
eletrônico do tribunal para pesquisar todos os acórdãos proferidos sobre o tema, desde a
data do julgamento dos Embargos de Divergência 650.536/RJ (07 de abril de 2021) até a
data de 20 de setembro de 2021, compreendendo assim um período de aproximadamente
cinco meses e meio.
Merece destaque o fato de que dos 21 julgados selecionados apenas três foram
proferidos por câmaras de direito público (um da Primeira Turma e dois da Segunda).
Embora se reconheça a possibilidade de redução das astreintes sem a limitação da coisa
julgada, em dois julgados negou-se provimento aos recursos pelo impeditivo da Súmula 7
do STJ; em outro o entendimento foi oposto ao afirmar ser inviável a revisão da multa
vencida.
Quanto ao comportamento das Turmas de direito privado da Corte Superior,
cujas distinções acerca da análise dessa matéria já restaram retratadas no desenvolvimento
do trabalho, não é demais lembrar que, enquanto na Quarta Turma metade dos casos
272

resultaram na redução das astreintes (4 em 8), na Terceira Turma tal provimento ocorreu
em 20% dos casos (2 em 10).
O que se pode extrair dos julgados analisados é que há pouca padronização
acerca dos critérios utilizados pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça, tanto no
que se refere ao conhecimento do recurso quanto à análise do mérito propriamente dito.
Certamente a utilização de termos demasiadamente abertos como “desproporcional” e
“excessivo”, e a indefinição de regras claras quanto à matéria – especialmente após os
embargos de divergência em que se afastou qualquer limite objetivo para revisão da multa
–, não contribuem para a desejável previsibilidade das decisões judiciais.
Ao menos neste momento histórico, nota-se um considerado déficit de
fundamentação na maioria das decisões, o que indica que a redução das astreintes se dá
por critérios absolutamente subjetivos, a depender de cada ministro e/ou turma que analisa
o processo.
Da forma como vêm sendo proferidas, as decisões do Superior Tribunal de
Justiça em pouco ou nada colaboram para a pacificação da questão no país na medida em
que apenas se declara, de maneira abstrata, a possibilidade de redução/revogação das
astreintes mesmo após o trânsito em julgado, a depender do caso concreto, sem, no
entanto, definir os critérios que deveriam ser observados pelo magistrado ao proferir a
sentença. É o que, inclusive, pode-se observar na breve pesquisa jurisprudencial dos
acórdãos do próprio STJ, que mesmo proferidos após a definição do tema em sede de
embargos de divergência, continuam a tratar a questão de forma absolutamente casuística
e desprovida de qualquer critério minimamente objetivo.
Desse modo, quando se entende, por algum motivo subjetivo, que a multa deve
ser reduzida, assim se procede evocando os citados precedentes sem a devida explicação
das razões que levaram os magistrados a aplicá-los ao caso concreto. Por outro lado,
quando se entende, também por motivos pouco declinados nas decisões, não ser o caso de
alteração da multa, costuma-se evocar o Enunciado 7 da Súmula do STJ para negar
admissibilidade ao recurso.
Se a redução/revogação das astreintes continuará a ser admitida no direito
brasileiro, a despeito da redação do parágrafo 1º do art. 537 do CPC, deve-se ao menos
estabelecer critérios claros, garantindo maior previsibilidade ao credor e efetividade à
medida ao afastar a confiança do devedor de que a multa, em algum momento, será
fatalmente reduzida. Esses critérios podem ser definidos, especialmente diante da atual
273

ordem constitucional e processual brasileira, que oferece instrumento adequado para tanto,
por meio do sistema de precedentes, sem falar que o tema necessita, como poucos, alguma
racionalidade jurisprudencial.
Na tentativa de preenchimento desse vácuo legislativo-jurisprudencial, buscou-se
nesta pesquisa, mediante um aprofundamento do tema, propor regras capazes de balizar a
aplicação do direito à matéria da forma mais previsível possível, em respeito à segurança
jurídica, à coisa julgada e à tutela jurisdicional efetiva.
Diante desse cenário, a resposta jurídica adequada para a definição de uma
convenção operativa no tocante ao instituto não parece passar pela simples análise da
relativização ou não da coisa julgada, mas sim pela natureza da decisão que fixa as
astreintes, de modo que para cada espécie de decisão haverá uma possibilidade jurídica
distinta.
A par das dissonâncias verificadas, a presente pesquisa objetivou apontar critérios
para solucionar a problemática acerca da coisa julgada em relação às astreintes por meio
de uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil de 2015. Para tanto, partiu-
se da premissa de que não há como vislumbrar uma única resposta possível para o caso,
uma vez que as astreintes são arbitradas em momentos processuais distintos, o que pode
gerar efeitos processuais também distintos.
A astreinte fixada em sede de tutela provisória poderá ser revista a qualquer
tempo até a prolação de decisão definitiva a seu respeito. A provisoriedade inerente a
decisões dessa natureza afasta a limitação do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15, não se
podendo considerar vencida – ao menos não de maneira plena – a multa que embora incida
imediatamente dependa de decisão judicial posterior – de caráter definitivo – para ter sua
eficácia confirmada.
A astreinte fixada em sentenças ou acordãos não transitadas em julgado,
exequíveis de imediato ou não – a depender do efeito do recurso interposto contra elas –,
guardam como ponto de semelhança o fato de serem precárias e, portanto, sujeitas, por sua
própria natureza, às modificações realizadas pelos orgãos julgadores, a quem compete
analisar os recursos porventura interpostos.
O capítulo não impugnado da decisão que fixou as astreintes, com suas
características, como valor e periodicidade, em regra, transitará em julgado, permitindo a
execução definitiva desta parcela do título judicial, como garante expressamente o artigo
523 do CPC. Por essa mesma razão, porquanto definitiva, a multa fixada nessas
274

circunstâncias, ao menos aquelas vencidas até o momento do trânsito em julgado, será


considera vencida e, portanto, inalterável, nos termos do parágrafo 1º do artigo 537 do
CPC/15.
A propósito, é importante ressaltar a questão do efeito expansivo objetivo dos
recursos, ou seja, mesmo não impugnado o capítulo da decisão que tenha impugnado
especificamente a fixação das astreintes – o que, em tese, importaria no trânsito em
julgado de referido capítulo –, o fato de a parte devedora delimitar o efeito devolutivo de
seu recurso com relação à obrigação principal para a qual foram cominadas as astreintes,
evitará que a parcela da decisão sobre as astreintes passe em julgado, permitindo, assim,
sua revisão.
Estabelecidas essas ressalvas, em linhas gerais, a exemplo do que se sustentou em
relação à tutela provisória, a natureza de precariedade da sentença e do acórdão não
transitados em julgado se sobrepõe à regra do artigo 537, parágrafo 1º, do CPC/15, de
modo que não se considerará vencida, ao menos não de forma definitiva, a multa fixada
nestas espécies decisórias até que tenha sido por fim atingida pela coisa julgada material.
Ao contrário do que ocorre com as decisões não acobertadas pelo manto da coisa
julgada, sejam tutelas provisórias ou até mesmo decisões de natureza definitiva – sentença
e acórdão – sobre as quais ainda pendam recursos, uma vez transitada em julgado a
decisão que tenha fixado as astreintes, sua rediscussão é, em regra, vedada pela
imutabilidade inerente ao instituto da coisa julgada. Nesse caso, caberá ao magistrado, no
curso da execução, fazer cumprir a medida coercitiva, sem que lhe seja, em regra,
autorizado alterar ou suprimir o que já se acha assentado no decisório.
É bem verdade que essa compreensão não encontra guarida na integralidade da
doutrina nacional nem na jurisprudência na medida em que muitas vozes ainda se
levantam para defender que o valor da multa pode ser modificado a qualquer tempo,
independentemente da alteração da situação fática sobre a qual recaiu a sentença e
consequentemente a multa que nela foi fixada.
Dessa forma, a exemplo do que ocorre com os demais capítulos de qualquer
decisão de mérito, as astreintes somente poderão ser moduladas após o trânsito em julgado
se houver alteração fática ou jurídica da situação analisada pelo magistrado no momento
da sua fixação. Vale ressaltar, como acontece com as demais hipóteses de aplicação da
cláusula rebus sic stantibus, não se trata de violação da coisa julgada, mas de proferimento
de nova decisão com nova causa de pedir sobre a qual nenhuma decisão havia sido
275

proferida anteriormente. Assim, para que se mantenha o respeito à coisa julgada material
formada anteriormente à alteração fática e/ou jurídica, os efeitos da nova decisão estarão
limitados à data em que tenham ocorrido as modificações de fato ou de direito que a
fundamentaram. É até aquela data e somente até aquele momento que a nova decisão
poderá retroagir, de modo a preservar a imutabilidade da multa vencida até então.
A afirmação de que as astreintes fixadas em decisão transitada em julgada fazem
coisa julgada, podendo ser alteradas exclusivamente se comprovados fatos supervenientes,
é embasada no artigo 505, inciso I, do Código de Processo Civil e reforçada por uma
interpretação sistemática da inovação legislativa advinda do mesmo Código acerca da
multa coercitiva, especialmente no que tange ao contido no seu artigo 537, §1º, que
limitou a possibilidade de alteração ou revogação da multa vincenda, mantendo a multa
vencida sob o manto da coisa julgada material.
Da interpretação sistematizada da legislação processual civil acerca dos institutos
da coisa julgada e das astreintes, extrai-se que a multa vencida após cognição exauriente é
indiscutível e inalterável na fase de cumprimento de sentença por fazer coisa julgada. No
entanto, a multa vencida após o trânsito em julgado do título judicial pode ser
modulada/revogada, nos termos do inciso I do artigo 505 do Código de Processo Civil,
quando sobrevier comprovada modificação no estado de fato ou de direito apto a
configurar a hipótese da cláusula rebus sic stantibus. Os efeitos da nova decisão, nessa
hipótese, deverão retroagir até a data da superveniência.
No caso de a astreinte ser fixada em sede de cumprimento de sentença ou em
processo de execução, diferentemente do processo de conhecimento, como a sentença que
extingue procedimentos desta natureza é meramente terminativa, cujo único escopo é
extinguir o feito por satisfação ou extinção da obrigação, não haveria razão para se
condicionar a eficácia plena das astreintes à sua confirmação em sentença transitada em
julgado.
Portanto, uma vez arbitrada a multa astreinte em decisão interlocutória proferida
na fase de cumprimento de sentença, ou em processo de execução de título executivo
extrajudicial, cabe à parte contrária interpor agravo de instrumento, sob pena de preclusão,
tornando assim, como preconiza o artigo 537, §1º, do Código de Processo Civil,
impossível a modulação das astreintes vencidas.
Observa-se, contudo, que incidem sobre as astreintes as mesmas regras acerca da
cláusula rebus sic stantibus aplicáveis aos títulos judiciais transitados em julgado em
276

processo de conhecimento. Caso se verifique circunstância de fato ou de direito


superveniente ao trânsito em julgado da decisão será possível proceder à revisão da multa
com efeito retroativo, limitado à data da modificação.
É bem verdade que a aplicação da cláusula rebus sic stantibus no bojo do
processo de execução, na prática, pode levar à exclusão completa da multa na medida em
que o fato superveniente pode ter ocorrido antes mesmo do vencimento do primeiro dia da
multa, quando, por exemplo, a obrigação principal se tornar impossível antes de decorrido
o prazo previsto para o cumprimento da obrigação.
Cenário diverso existe no processo de conhecimento, especialmente quando a
multa diária fixada em sentença ou acórdão confirma a multa que havia sido fixada em
sede de tutela provisória, situação na qual restará garantida a incidência da multa desde o
início da contagem do prazo previsto para o cumprimento da tutela provisória até a data do
trânsito em julgado da decisão definitiva que tenha confirmado esta tutela provisória.
Appós esse período é que poderão ser constatados fatos supervenientes capazes de impedir
ou alterar a incidência da multa com efeito prospectivo.
A mesma técnica de interpretação sistemática leva à conclusão de que no caso de
astreintes fixadas em sede de execução, eventual modificação ou supressão da multa só
teria efeito sobre aquelas que incidiriam a partir da data da nova decisão, não alcançando
as que eventualmente tenham vencido entre a primeira e a segunda decisões. Saliente-se
que as astreintes vencidas plenamente não são passíveis de alteração judicial, salvo quando
verificada modificação superveniente de fato ou de direito, apta a permitir a aplicação do
inciso I do artigo 505 do CPC/15, situação na qual a decisão que modificar ou revogar a
multa retroagirá até a data em que os novos elementos tenham ocorrido.
Quanto ao meio processual adequado à modulação das astreintes, considera-se
que a impugnação ao cumprimento de sentença deve ser a forma pela qual multas desta
natureza possam ser revistas.
No que tange à alterabilidade das astreintes por força de fato superveniente, a
hipótese legal a permitir a sua alegação em sede de impugnação ao cumprimento de
sentença é a que está disposta no artigo 525, §1º, inciso VII, do Código de Processo Civil,
correspondente ao artigo 475-L, inciso VI, do CPC/73, que permite ao devedor a arguição
de “qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação,
compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença”.
277

Embora não se olvide a possibilidade de alegação de fatos supervenientes em


sede de impugnação ao cumprimento da sentença, sabe-se que há divergências quanto ao
marco temporal a partir do qual esses fatos podem ocorrer. Por essa premissa, o que
importa é a inércia culpável ou não do devedor. Se o devedor tiver a oportunidade de
alegar o fato na fase de conhecimento, deve suportar os efeitos da preclusão consumativa;
caso contrário, deve-se permitir que busque a revisão do julgado diante dos novos fatos,
comprovando que não pôde fazê-lo na fase de conhecimento daquele processo.
Outro ponto relevante alude à eficácia preclusiva do próprio cumprimento de
sentença, lembrando que cabe ao devedor o ônus de arguir as matérias de oposição à
execução na primeira oportunidade de manifestação posterior à sentença, sob pena de
preclusão, com exceção das nulidades absolutas, que poderiam ocorrer a qualquer tempo.
Com base nessa premissa, caso o devedor não tenha apresentado impugnação ao
cumprimento de sentença no prazo legal, ou se o fez sem ter sustentado determinada causa
de pedir, esta restará fulminada pela preclusão, ficando vedada a sua posterior suscitação,
salvo nos casos de questões de ordem pública.
Há, contudo, de se temperar essa regra com a situação da cláusula rebus sic
stantibus. Causas supervenientes estão sujeitas a ocorrer conforme a variação temporal do
mundo real, que não necessariamente respeita os prazos do processo civil. Assim, é
possível que um fato superveniente ocorra após o prazo fixado para apresentação de
impugnação ao cumprimento de sentença pelo devedor e isso não poderá representar a
impossibilidade de arguição desta matéria pelo devedor, sob pena de se permitir que uma
decisão continue a viger de forma indefinida, sem que as bases fáticas e jurídicas que a
sustentaram continuem a existir.
Por outro lado, no caso de as circunstâncias supervenientes terem ocorrido e
sendo possível o seu conhecimento pelo devedor até o término do prazo previsto para
apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença, é seu o dever de proceder à
comunicação no prazo legal, sob pena de ter de assumir os efeitos da preclusão, salvo em
caso de matérias de ordem pública.
No segundo caso, restará ao devedor buscar a revogação/modulação das multas
vincendas, visto que expressamente permitidas pelo parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/15,
por meio de petição avulsa nos próprios autos, demonstrando não restarem mais satisfeitas
as condições fáticas e jurídicas para a sua incidência.
278

A situação é diferente quando não se vislumbrar hipótese de superveniência fática


ou jurídica da relação jurídica, quando não se poderá deferir a modulação das astreintes na
impugnação ao cumprimento de sentença baseada em fatos ocorridos antes do trânsito em
julgado. Isso porque, caso o executado não tenha inferido toda a matéria de defesa na fase
de conhecimento, as exceções então existentes não são mais passíveis de análise diante da
eficácia preclusiva da coisa julgada disposta no artigo 508 do Código de Processo Civil.
Assim, diante de uma causa existente anteriormente ao título judicial que deseja
desconstituir, com vistas à modulação/revogação das astreintes, restará ao devedor buscar
a superação ou relativização da coisa julgada pelos meios cabíveis: a ação rescisória, a
querela nullitatis insanabilis, ou outro meio cabível para este desiderato. Nesses casos, a
procedência das ações poderá afastar a coisa julgada, retirando o óbice processual-
constitucional de análise sobre a questão.
O instrumento processual mais adequado para que a parte executada requeira a
revisão das astreintes após a propositura do cumprimento de sentença parece ser a
apresentação de impugnação ao referido cumprimento de sentença, fundado no artigo 525,
§1º, inciso VII, do Código de Processo Civil, exclusivamente na hipótese de sobrevir
comprovada causa modificativa ou extintiva no estado de fato ou de direito, apta a permitir
a aplicação da cláusula rebus sic stantibus. Nesses casos, poder-se-á modular/revogar os
efeitos das astreintes retroativamente até a data em que os fatos alegados tenham ocorrido,
ainda que anteriormente à propositura do cumprimento de sentença, porém limitados à
data do trânsito em julgado da decisão que serve de título judicial.
Feitas essas considerações, tem-se por cumpridos os objetivos da pesquisa e
confirmadas as hipóteses suscitadas, de modo que em se tratando de astreinte fixada em
tutela provisória, os efeitos retrospectivos serão ilimitados, uma vez que a precariedade é
característica própria e nuclear de tutelas desta natureza, não havendo motivos razoáveis
para que se exclua aprioristicamente as astreintes desta regra.
Todavia, em se tratando de astreinte fixada em decisão transitada em julgado,
eventual decisão posterior que determine sua revisão ou exclusão não poderá retroagir
para além da data do trânsito em julgado da decisão que a fixou. Isso porque, como a
mutabilidade das astreintes está condicionada à constatação de situação de fato
superveniente e considerando que pela preclusão consumativa estas questões não são mais
congnoscíveis se ocorreram antes do trânsito em julgado, o fato capaz de alterar ou
279

revogar as astreintes deve ter ocorrido após o trânsito em julgado, não podendo, assim,
produzir efeitos para além de sua ocorrência.
Por fim, com relação ao período de tempo entre a data do trânsito em julgado da
decisão que fixou as astreintes e a data que determinou a sua redução ou exclusão, é
possível a sua aplicação retroativa, uma vez que em se tratando de relação de trato
continuado, é provável que aconteçam situações de fato supervenientes ao trânsito em
julgado, capazes de alterar a relação jurídica, como o próprio cumprimento da obrigação
principal. Nesse caso, o dies ad quem da incidência da multa será a data em que se
considerar ocorrida a alegada situação superveniente, considerando a natureza declaratória
dessa decisão.
280

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Ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF. Publicação: DJ 13/11/2014.

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2012/0156866-5, Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, DF, 28 abril 2015.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial (REsp) n. 1778885 (DF)


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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial (REsp) n. 1840280 (BA)


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