Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
https://novaescola.org.br/conteudo/21656/o-que-a-cultura-indigena-
brasileira-ensina-para-as-escolas
Publicado em NOVA ESCOLA 19 de Abril | 2023
Indígenas
Alunos e equipe escolar durante o toré, na escola estadual indígena Pedro Poti.
Crédito: Julio Cezar/NOVA ESCOLA
Iratan Ciríaco, gestor escolar da Pedro Poti, explica que a instituição e outras
unidades indígenas atuam de forma a preservar esta cultura. “A escola indígena
tem esse papel: conscientizar e incentivar os alunos para que a luta indígena
não pare. Ações e atividades escolares fortalecem a cultura, o que também
fortalece seu povo”, frisa.
Inaugurada em 2003, a escola está localizada na aldeia São Francisco, uma das
32 que permeiam as cidades paraibanas de Baía da Traição, Marcação e Rio
Tinto. Na instituição, o corpo docente é composto majoritariamente por
indígenas. No caso dos alunos, pessoas indígenas e não-indígenas integram as
turmas dos Anos Iniciais e Anos Finais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio
e da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Cultura indígena em todas as escolas
Abordar a cultura indígena brasileira em sala de aula é um dever instaurado
pela Lei 11.645/08, que tornou obrigatório o estudo da história dos povos
originários e afro-brasileiros. Elisa Vilalta, integrante do Time de Formadores da
NOVA ESCOLA, lembra que a valorização da cultura indígena está também
presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que reforça a
importância de levar o assunto para a sala de aula.
Leia também: Contos africanos e indígenas permitem trabalhar o gênero
literário e as relações étnico-raciais
Além disso, a educadora lembra que os povos originários devem ser
reconhecidos enquanto parte da sociedade brasileira, assim como sua
influência na cultura do país. “Temos palavras, comidas, costumes e formas de
viver no Brasil que remetem diretamente aos povos indígenas, e levar isso para
a escola é uma maneira de valorizar essa contribuição”, afirma.
Iratan acrescenta: “As escolas, independentemente de serem indígenas ou não,
têm que abordar esses temas [relacionados à cultura dos povos originários],
porque é um assunto de relevância e importância”.
Desde sua criação, a equipe escolar da Pedro Poti se preocupou em elaborar
uma matriz curricular que abordasse a cultura e identidade do povo potiguara,
conforme conta Sonia Potiguara, professora de História dos Anos Finais do
Fundamental e do Ensino Médio, que está na instituição desde sua
inauguração.
“Assim, nós podemos levar aos alunos um ensino diferenciado, que permite o
conhecimento do nosso povo, das nossas origens e antepassados. Não tivemos
isso quando éramos estudantes, por isso, nos preocupamos em levar esse
conhecimento aos nossos alunos”, conta a educadora.
Entender e diferenciar as realidades indígenas
Mas para que essa abordagem faça sentido, Joelma Potiguara, professora de
Etno-história e Arte e Cultura na Pedro Poti, aconselha às escolas e professores
não-indígenas que aprofundem seu conhecimento sobre os povos para além
das referências da região Norte, já que existem povos originários em todas as
regiões do Brasil.
“É preciso conhecer os indígenas do Brasil e não só aqueles de uma
determinada localidade. As etnias brasileiras representam uma diversidade
muito grande, os povos e a cultura indígena não são iguais. Logo, deve-se
respeitar essa pluralidade. Os potiguaras não são iguais aos Xucurus, que não
são iguais aos Kayapós, e assim por diante – mesmo sendo todos do Nordeste”,
explica.
Elisa endossa essa importância. Ela afirma que professores e escolas não-
indígenas devem ter cuidado com generalizações sobre os povos. “Essa ideia
[de unidade] vem sendo quebrada, tanto que o 19 de abril [antigo Dia do Índio]
passou a ser chamado de Dia dos Povos Indígenas. Há um grande número de
etnias indígenas, bem diferentes entre si. As escolas devem ter cuidado para
não ‘comemorar’ o dia pintando rostos, vestindo os alunos com roupas
indígenas ou colocando um cocar”, exemplifica.
Para Iratan, se a escola abordar o assunto de forma superficial ou levar o tema
para as aulas apenas no 19 de abril, a chance de ser um desserviço para o
aprendizado é grande. “A depender da intenção, não sei se mais ajuda ou
atrapalha. Na escola indígena, por exemplo, trabalhamos questões de
identidade e cultura o ano letivo inteiro, tanto nas matérias gerais quanto nas
diferenciadas”, pontua.
Os problemas com estereótipos são comuns a outras etnias indígenas. Maria
Cleidiane Zacarias Santana, professora de Matemática na Escola Indígena
Brolhos da Terra, em Itapipoca (CE), localizada no território indígena
Tremembé, afirma que muitas escolas só lembram dos povos indígenas no mês
de abril e que o assunto não é discutido no restante do ano.
“Algumas vezes, recebemos alunos de escolas não-indígenas e precisamos
quebrar paradigmas. Já escutei estudantes e professores de outras unidades
dizendo que esperavam encontrar indígenas nus ou que se surpreenderam
com uma pessoa do território usando relógio ou celular”, comenta.
Um dos recursos que ajuda o currículo a respeitar a realidade local são as
disciplinas diferenciadas que as escolas indígenas têm em sua matriz, como
tupi-guarani, etnomatemática, etnogeografia, arte e cultura. Enquanto as
disciplinas curriculares abrangem conteúdos de forma ampla, na educação
escolar indígena, os temas são abordados conforme “nossos costumes, crenças,
tradições, espiritualidade e cultura”, explica Marta Domingos, vice-gestora da
Pedro Poti. “Assim, passamos aos nossos estudantes, dentro de um contexto
pedagógico, os ensinamentos dos nossos ancestrais”.
"A escola indígena tem esse papel: conscientizar e incentivar os alunos para que
a luta indígena não pare", diz gestor escolar potiguara. Crédito: Julio
Cezar/NOVA ESCOLA