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Psicóloga. Bolsista PIBIC (2014-2015), Universidade de Passo Fundo.
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Psicóloga. Docente do Curso de Psicologia, do Programa Stricto Sensu em Envelhecimento Humano
e do Programa Stricto Sensu em Administração, Universidade de Passo Fundo. E-mail louhzart@
hotmail.com; silvanalba@upf.br
ZHANG; CAO, 2007; ZHAO et al., 2008); por violência contra a mulher no âmbito
e (c) social (sociedade machista, tolerância internacional, Torres, Lemos-Giráldez e
do uso da violência, etc.) (GRACIA e HER- Herrero (2013) sugerem que os problemas
RERO, 2007). psicológicos explicam em parte a conduta
Diante da complexidade deste problema criminosa. Entre os transtornos de persona-
e de suas dimensões, um dos desafios das lidade destacam como os mais proeminentes
investigações é identificar as características o tipo antissocial, narcisista e borderline.
das vítimas, dos perpetradores, e do contexto, Resumidamente, expõem que o transtorno
com vistas a diminuir o risco e melhorar as de personalidade do tipo antissocial se ca-
opções da intervenção. Levando em conta racteriza por uma depreciação e violação dos
esta perspectiva, algumas pesquisas busca- direitos dos demais; o tipo narcisista por uma
ram identificar o perfil das vítimas por meio grandiosidade, necessidade importante de ad-
de estudo documental. miração e falta de empatia; e o tipo borderline
Labronici et al. (2010) analisaram 886 por apresentar instabilidade nas relações in-
fichas de registros de violência em Curitiba- terpessoais, na autoimagem e na afetividade,
-PR. Entre os resultados, as vítimas tinham assim como traços de impulsividade.
entre 18 e 88 anos de idade, baixa escolarida- Em concordância com parte destes acha-
de, e sofreram violência física, psicológica, dos, no contexto brasileiro, Rovinski (2004)
sexual, principalmente pelos companheiros também salienta as características de impul-
e pessoas conhecidas. Gadoni-Costa, Zucatti sividade do criminoso. A autora refere que
e Dell’Aglio (2011), em um levantamento o álcool e a violência têm fatores preditivos
dos casos atendidos em uma Delegacia da comuns, como por exemplo, uma personali-
Mulher, na região metropolitana de Porto dade impulsiva.
Alegre, constataram 351 casos, sendo a Além do uso de substâncias psicoativas
agressão praticada em seus próprios lares. pelos companheiros ou ex-companheiros, há
O uso de álcool e outras drogas e a presença outros indicadores que cercam as mulheres
de violência anterior nas famílias foram vitimizadas. Em estudo recente, Acosta,
apontados como preditores na perpetuação Gomes e Barlem (2013) analisaram 902
do infortúnio. ocorrências e deflagraram a predominância
O uso de álcool e substâncias químicas, de mulheres jovens, com baixo nível de es-
geralmente pelos companheiros ou ex-com- colaridade, residentes em bairros periféricos.
panheiros, constituem-se importantes fatores A violência física esteve presente em mais da
de risco para a violência contra a mulher. metade dos casos. Houve, também, violência
Lourenço (2011) destaca que a ausência de sexual, preponderantemente, o estupro por
diálogo e de cumprimento das responsabili- desconhecidos e parceiros íntimos. A vio-
dades pelo parceiro, a falta de cooperação, o lência psicológica apresentou o descumpri-
criticismo elevado, a insatisfação marital, o mento de ordem judicial, como nova forma
desejo sexual diminuído cercado de ciúmes de violência contra a mulher. A reincidência
e estresse, culminam em atos de violência. de ocorrências policiais pela mesma vítima
Tais comportamentos denotam problemas foi destacada.
de personalidade do agressor e acarretam Em concordância com estes achados,
sérias disfunções na dinâmica familiar e na Acosta et al. (2013), Griebler e Borges
relação conjugal. (2013), em uma delegacia no interior do Rio
Em estudo recente, de revisão de litera- Grande do Sul, constataram que as vítimas
tura, sobre o perfil de homens condenados eram mulheres jovens, com ensino funda-
mental, que sofreram violência psicológica, desenhado para explorar fatos do passado,
seguida da violência física. Os autores ob- como marcar um ponto do passado e conduzir
servaram o uso de substância por parte do a pesquisa até o momento presente, pela aná-
agressor. lise documental. A pesquisa exploratória tem
A violência doméstica provoca sérias como objetivo a aproximação do pesquisador
intercorrências na mulher agredida. Entre com o tema (SILVA e MENEZES, 2001).
os efeitos psicopatológicos mais habituais,
propostos por Innocenti Research Centre, Fonte
em 2000, se encontram os danos físicos
(feridas, fraturas, hematomas e outras lesões Foram considerados todos os Boletins
corporais), e psicológicos (transtornos de de Ocorrência (BO) e as fichas relativas aos
ansiedade, disfunções sexuais, insônia, baixa cadastros/registros em uma Casa de Apoio,
autoestima, abuso de substâncias, sentimen- no período de janeiro a dezembro de 2014.
tos de culpa, depressão). Outros resultados Estes documentos contêm informações como
fatais dizem respeito aos suicídios, homicí- idade, escolaridade, profissão, situação con-
dios ou à mortalidade materna. jugal e pergunta sobre uso, ou não, de álcool
Muito embora os danos principais atin- e/ou outras drogas. O BO apresenta o relato
jam, preponderantemente às mulheres, a da vítima que registrou e historiou a queixa.
violência afeta a saúde de todos os membros
da família, consagrando o funcionamento de Procedimentos
um grupo familiar desestruturado e disfuncio-
nal, principalmente no que tange ao campo Inicialmente contatou-se a Casa de Apoio
do psiquismo. Em uma visão ampliada, os Maria da Penha de um município do norte do
filhos ao presenciarem cenas de violência em Estado do Estado do Rio Grande do Sul, por
seus lares, tendem a atuar no meio externo e a meio de sua coordenadora, a qual assinou
repetir o infortúnio. Deste modo, a exposição a Carta de Autorização para a realização
infantil à violência familiar é um fator de deste estudo. Na sequência, a pesquisa
risco para futuras perpetrações e vitimizações obteve a aprovação do Comitê de Ética em
da violência (VATNAR e BJORKLY, 2008). Pesquisa (CEP) de uma universidade, sob
A alta incidência de registros de violência protocolo de número 110/209. De posse
contra a mulher no Brasil, a necessidade de destes documentos, realizou-se a análise
se romper com o ciclo da criminalidade e documental dos BO e das fichas cadastrais
melhor conduzir o tratamento para atender disponíveis na Casa, relativos ao ano de 2014.
às suas consequências, impulsiona a neces- Os dados foram categorizados de acordo com
sidade de novos estudos. Sendo assim, a as seguintes variáveis: (a) sobre a vítima:
presente pesquisa teve por objetivo caracte- idade, escolaridade, tipos de violência, grau
rizar o perfil sociodemográfico de mulheres de parentesco com o agressor; (b) quanto ao
vítimas de violência doméstica e verificar as agressor: gênero, uso, ou não, de substâncias
circunstâncias do crime. psicoativas (álcool ou outras drogas).
Em relação ao agressor, 95,77% das mu- ao longo do tempo no bem estar emocional
lheres indicaram o parceiro íntimo (compa- desses cônjuges e de toda a família, tornando-
nheiro ou ex-companheiro), o que demonstra -se, assim, um fator de risco eminente. Os
que a violência ocorre no âmbito doméstico, resultados da presente pesquisa também
em seus lares, de forma silenciosa e pouco apontaram o uso de drogas psicoativas em
assistida. É evidenciado de forma expressiva 63,38% dos casos, e legitimam o estudo de
que a violência dirigida às mulheres acontece Gadoni-Costa et al. (2011) que constatou o
por pessoas que deveriam ampará-las, em um uso de substâncias psicoativas em 59,3% dos
lugar que deveria ser sinônimo de proteção. agressores.
Este estudo vai ao encontro dos achados de
O consumo de drogas lícitas ou ilícitas
Labronici et al. (2010), que revelaram que
por parte dos perpetradores é considerado
em 71,41% dos casos, os agressores eram
um fator de risco à violência, e pode trazer
os companheiros das vítimas, o que torna
sérias consequências. No âmbito familiar, por
mais difícil a denúncia e o rompimento do
exemplo, pode contribuir para o desenvolvi-
ciclo danoso.
mento de relações destrutivas e patológicas
Diante da falta de perspectivas de um (HUANG; ZHANG; CAO, 2007; ZHAO et
novo começo, da falta de apoio familiar e al., 2008).
da sociedade, muitas vítimas optam por não
denunciar e permanecem com seus compa- A partir daí iniciam-se os sintomas, que
nheiros, ou denunciam e retomam o conví- emergem para denunciar o que não foi dito,
vio. No estudo de Torres et al. (2013), isso ou melhor, verbalizado. Diante do prejuízo
também foi constatado, pois 65% das vítimas da saúde psíquica do casal, a exposição dos
conviviam com os seus parceiros. filhos em situações de violência direta ou
indireta torna-se frequente e banalizada.
É importante considerar, que um dos
Deste modo se perpetua o ciclo de violência,
pilares da dinâmica da violência é a posição
de forma transgeracional, como um legado,
de dominação simbólica masculina (Pa-
triarcado). Nesta, existe uma manutenção de uma geração para a outra.
da lógica familiar aliada aos motivos que, O Artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 prevê
aparentemente, desencadeiam a violência, e medidas integradas de prevenção no Título
que aparecem nas conciliações dos conflitos III, o qual consta que é importante à promo-
domésticos: cabe à mulher reatar a relação ção de estudos e de pesquisas, estatísticas e
afetivo-conjugal, rejeitar o pedido de separa- outras informações, como frequência da vio-
ção, abdicar-se da independência econômica lência doméstica e familiar contra a mulher,
(BANDEIRA, 2014). a fim de sistematizar os dados e unificá-los,
Existem evidências da frequente associa- além de realizar avaliações periódicas das
ção entre o consumo de bebidas alcoólicas e intervenções adotadas. Portanto, um dos
comportamentos violentos. Rovinski (2004) pilares do trabalho proposto foi identificar
afirma que o uso de álcool ou outras drogas o perfil das mulheres vítimas de violência
tem a função de desinibir a conduta dos doméstica, incluindo as circunstâncias
agressores e servem de fonte para culpabilizar do crime e suas frequências. Embora não
seus comportamentos. Lourenço e Fernandes tenha sido o objetivo deste estudo, não se
(2011) em seus achados na pesquisa de revi- pode deixar de mencionar que as condutas
são de literatura compreenderam que o álcool aditivas associam-se às dificuldades indi-
é considerado um estresse no quotidiano do viduais, especialmente aos transtornos de
casal, e que vai interferindo negativamente personalidade (FERNANDEZ-MONTALVO
REFERÊNCIAS
ACOSTA, D. F.; GOMES, V. A. O.; BARLEM, E. L. D. Perfil das ocorrências policiais de violência
contra a mulher. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 26, n. 6, p. 547-53, 2013.
______. Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Dispõe sobre mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União, 2006.
______. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Balanço do Ligue 180 – 2014. Disponível em:
<http://www.spm.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/publicacoes/2015/balanco180_2014-
versaoweb.pdf>. Acesso em: 16 maio 2015.