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110 | 2016
Número semitemático
Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/rccs/6421
DOI: 10.4000/rccs.6421
ISSN: 2182-7435
Editora
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Edição impressa
Data de publição: 1 setembro 2016
Paginação: 142-145
ISSN: 0254-1106
Refêrencia eletrónica
Maria do Carmo de Oliveira Vargas, « Batista, Vera Malaguti (org.) (2012), Loïc Wacquant e a questão
penal no capitalismo neoliberal. », Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 110 | 2016, posto online no
dia 26 setembro 2016, consultado o 25 setembro 2020. URL : http://journals.openedition.org/rccs/
6421 ; DOI : https://doi.org/10.4000/rccs.6421
Revista Crítica de Ciências Sociais, 110, setembro 2016: 141‑148
Recensões
Santos, Ana Cristina (2005), A lei do desejo. Direitos humanos e minorias sexuais em Portugal.
1
o ensaio de inauguração, que traz a contun‑ dorsal da obra. Tomando como ponto de
dência do pensamento do sociólogo que partida a reconfiguração social empreen‑
motiva o título – Loïc Wacquant. Voltado dida a partir das décadas de 80 e 90 do
para estudiosos de políticas públicas, sis‑ século passado, tornou‑se patente a cons‑
temas prisionais, neoliberalismo, estudos trução de um novo governo da insegurança
penais e demais interessados na temática, social, voltado para as tensões inerentes
contribui com rica e diversificada aborda‑ às “populações problemáticas” e com
gem do tema. objetivo unívoco: invisibilizá‑las. Governar
Característica marcante é o fato de que a a nova insegurança social acabaria por
organizadora do volume, Vera Malaguti imbricar duas variáveis, a desregulamenta‑
Batista, cofundadora do Instituto Carioca ção das relações de trabalho e o desmante‑
de Criminologia, assim como os convida‑ lamento dos serviços de assistência social,
dos à reflexão cumprem dois papéis que como forma de encurralamento rumo
nos parecem essenciais. Primeiramente, a dois inexoráveis caminhos: à incisiva
o volume reúne abordagens que 1) per‑ desqualificação da força de trabalho do
passam por conceitos de Michel Foucault, subproletariado ou ao crime. A nova ges‑
ora aproximando‑se ora afastando‑se; tão da insegurança social é a face travestida
2) apreciam as origens protestantes esta‑ da nova gestão da miséria.
dunidenses que sustentam a proposta do Wacquant articula e amplia o conceito de
conceito de estado penal; 3) analisam uma campo burocrático, tão caro que lhe serve
política pública carioca implementada à como início e como arremate do texto.
luz da teoria em análise; 4) trazem à baila Formulado por Pierre Bourdieu, campo
a participação dos espaços acadêmico e burocrático configura‑se como o locus
científico em âmbito internacional frente das forças sociais, onde são mobilizados
à questão penal, entre outras. A preleção tanto o capital jurídico quanto o capital
do volume reside na postura de diálogo simbólico. Introduz no cerne do campo
aberto, no qual os convidados, mesmo burocrático a polícia, todo o aparato judi-
reconhecendo‑lhe o vigor teórico e empí‑ ciário e as prisões como espaços essen-
rico, não deixam de sinalizar questões não ciais nas disputas simbólicas.
pacificadas e eventuais silêncios. Trata‑se, Em perspectiva histórica, detém‑se na
a nosso ver, de um processo de organiza‑ compreensão da crise mundial concomi‑
ção competente exatamente por agrupar tantemente à desconstrução do welfare
abordagens polifônicas. State, amparada pela organização institu‑
Wacquant, da Berkeley University e do cional e discursiva do Estado penal, con‑
Centre de Sociologie Européenne (Paris), ceito central em toda obra de Wacquant.
trata enfaticamente cor/etnia e classe Com zelo, o herdeiro de Bourdieu desvela
social como categorias de análise essen‑ as teias de análise especialmente quando
ciais para compreensão social e política remete aos estudos de Frances Piven
da desigualdade social, pobreza e pro‑ e Richard Cloward.
cessos de marginalização. “Forjando O tradutor de Vigiar e punir2 para o inglês
o estado neoliberal: trabalho social, também dialoga com outro grande pensa‑
regime prisional e insegurança social”, dor francês – Foucault. Reconhecendo‑o
assinado pelo homenageado, é a espinha como o mais ambicioso teórico a analisar
2
Foucault, Michel (1997), Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.
Tradução de Raquel Ramalhete.
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3
Lopes, Edson (2009), Política e segurança pública: uma vontade de sujeição. Rio de Janeiro:
Contraponto.
4
Schumpeter, Joseph (1990), Capitalisme, socialisme et démocratie. Paris: Payot [orig. 1942].
5
Oliveira, Miguel (1994), História eclesiástica de Portugal. Mem Martins: Publicações
Europa-América.
6
Ramos, António Jesus (1983), “A Igreja e a I República: a reação católica em Portugal às leis
persecutórias de 1910-1911”, Didaskalia, 13, 251-302.
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7
GESIS (2008), European Values Study. Consultado a 30.06.2013, em http://www.europeanva‑
luesstudy.eu/page/survey-2008.html.
8
Kumar, Vikas (2009), “Law, Economics, and Religion”, Indira Gandhi Institute of Development
and Research. Consultado a 15.09.2015, em http://works.bepress.com/vikas_kumar/36.
9
Galtung, Johan (1971), “A Structural Theory of Imperialism”, Journal of Peace Research, 8(1), 81-118.
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percentagens)” (p. 167), mostra a diminui‑ que procuram serviços ou expressões orga‑
ção das diferenças de percentagens entre os nizadas do religioso) e não tanto o foco da
dados de pós‑materialistas recolhidos em oferta de religiosidade (igrejas, confissões,
2008, face aos recolhidos em 1990 (sobre‑ instituições religiosas). A exploração deste
tudo para os indivíduos nascidos em 1971 supply‑side do religioso deve ficar como uma
ou em 1981). Explicação que converge com motivação/ um desafio para a continuação
a explicação clássica de Inglehart (1977: 33) da investigação das mudanças religiosas dos
sobre a dinâmica das diferenças percecio‑ europeus (na esteira de Mourão, 201111 ou
nadas nos valores de grupos de diferentes Bezjak, 201212).
idades.10 Outra evidência relevante surge Outro desafio possível emerge da noção
com o gráfico 6.1, intitulado “Posição reli‑ matemática do complemento do con‑
giosa, segundo índices” (p. 194), no qual junto fechado – ao definirmos (isto é, ao
as confissões não católicas em Portugal são fecharmos) o conceito de “religiosidade”
identificadas como mais conservadoras do temos consciência de que existe um espaço
que no resto da Europa. conceptual da não religiosidade? Quais as
Com o capítulo conclusivo, reconhecemos fronteiras do que é não religioso? Quais os
que estamos perante uma obra que prima pontos internos deste espaço não religioso?
desde logo por uma qualidade académica: São questões que emergem naturalmente da
a humildade. A polidez do texto também riqueza derivada das discussões inerentes a
pode ser identificada como mais uma das esta obra de Eduardo Duque.
forças da obra. Percebe‑se o foco no lado
da procura de religiosidade (foco naqueles Paulo Reis Mourão
10
Inglehart, Ronald (1977), “The Silent Revolution in Europe: Intergenerational Change in Post-
industrial Societies”, American Political Sciences Review, 65, 991-1017.
11
Mourão, Paulo Reis (2011), “Determinants of the Number of Catholic Priests to Catholics in
Europe – An Economic Explanation”, Review of Religious Research, 52(4), 427-438.
12
Bezjak, Sonja (2012), “Catholic Women Religious Vocations in the Twentieth Century: The
Slovenian Case”, Review of Religious Research, 54(2), 157-174.