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Economista-chefe do Banco Mundial diz que a baixa qualidade dos

docentes impede avanços na qualidade da educação do país


CAMILA GUIMARÃES (REVISTA ÉPOCA)
15/11/2014 - 10h00 - Atualizado 15/11/2014 10h25

A baixa qualidade do professor na América Latina é a principal limitação para o avanço


da educação nos países da região, incluindo o Brasil. A qualidade dos docentes é
comprometida por um fraco domínio do conteúdo acadêmico e por falta de habilidade na
prática de sala de aula. Essa é uma das principais conclusões do estudo Professores
Excelentes: Como Melhorar a Aprendizagem dos Estudantes da América Latina e do
Caribe, do Banco Mundial, que será lançado em livro, em português, no final de
novembro. “Nenhum corpo docente da região pode ser considerado de nível global”,
afirma Barbara Bruns, economista-chefe da área de educação do Banco Mundial,
responsável pelas pesquisas sobre qualidade da educação na América Latina e Caribe.
“Mas alguns países, como o Chile e a Colômbia, estão fazendo mudanças significativas”
Sobre o Brasil, Barbara afirma que é urgente achar formas de melhorar a qualidade da
formação de novos professores e de medir o desempenho dos que já estão na ativa. Só
assim o país conseguira dar um salto na qualidade da educação.

ÉPOCA: Até que ponto a qualidade do professor impacta o desempenho dos alunos?
Barbara Bruns: Muitas pesquisas educacionais mostram que o aprendizado – as notas
dos alunos, seu sucesso na trajetória escolar e depois na faculdade – está muito ligado à
condição socioeconômica da família. Essas pesquisas eram valiosas porque foram feitas
em uma época em que tínhamos pouca capacidade de medir o que acontecia dentro da
escola. Agora, nós temos muitos dados que analisam o desempenho do professor na sala
de aula e descobrimos que o impacto do professor é muito maior do que poderíamos
imaginar. Pesquisas atuais e reconhecidas nos permitem saber que alunos com o mesmo
nível socioeconômico podem aprender mais ou menos, de acordo com o professor.

ÉPOCA: Em que os professores do Brasil precisam melhorar?


Barbara: Em basicamente três pontos. O primeiro, atrair para as faculdades de pedagogia
mais alunos que sejam talentosos e tenham grande capacidade de ser professores. O
Brasil, assim como outros países da América Latina, não atrai os melhores e mais
brilhantes alunos do ensino médio. Estes procuram outras carreiras, outras profissões.
Uma das coisas que o Brasil precisa fazer é achar um jeito de atrair esses cérebros e
transformá-los em professores. O segundo é melhorar a qualidade dos professores que já
estão trabalhando. Qualquer que seja a medida ou política que o governo adote para
melhorar a atratividade da carreira, ela terá resultado no longo prazo. Todos os países que
investiram para atrair novos talentos também tinham estratégias para melhorar a
qualidade de quem já estava no sistema. Isso é um desafio, porque, assim como em outros
países, o Brasil gasta muito dinheiro em cursos de capacitação de professores sem efeito.

ÉPOCA: Que tipo de habilidades têm de ser estimuladas?


Barbara: As essenciais: como fazer boa gestão da sala de aula, do tempo da aula, se
comunicar com clareza com os alunos, preparar lições e provas. Visitei inúmeras salas de
aula no Brasil inteiro, observando alunos e professores. Na maioria das classes, pelo
menos 30% dos alunos não prestavam atenção na aula. O Brasil precisa medir a qualidade
dos professores. Sabemos que para entrar na rede pública muitos passam por concursos,
mas muitos não têm qualificação mínima, apesar dos títulos. O Brasil precisa saber o que
de fato sabem seus professores, para poder ajuda-los a melhorar de forma eficiente. O
Chile criou uma prova de avaliação de conhecimento para os alunos que estão se
formando em pedagogia, prestes a assumir uma sala de aula. Descobriu que 8% deles não
tinha o conhecimento esperado para isso.

ÉPOCA: E o terceiro ponto?


Barbara: Incentivo. O Brasil precisa de professores mais motivados. Isso depende de
uma boa supervisão de diretores, que entendam seus professores e os ajudem no que for
preciso. São poucos os diretores brasileiros que fazem isso sistematicamente. Depende
também de passar mais responsabilidade para esse professor. Um profissional se sente
valorizado quando responsabilidades e é cobrado pelo seu trabalho. Essa é uma das
maiores diferenças entre os sistemas do Brasil e de potencias educacionais como
Cingapura, Japão e Finlândia. Nesses países, os professores se sentem muito competentes
e orgulhosos da profissão. Eles passam muito tempo trabalhando juntos, dividindo boas
ideias e práticas, de forma muito natural. No Brasil, a maioria chega para dar aula e sai
correndo quando bate o sinal. Não têm tempo para observar uns aos outros. Acredito que
a maioria dos professores no Brasil tenta fazer seu melhor, mas, assim como acontece nos
EUA, eles estão muito cansados e desanimados com as condições de trabalho. Eles
reconhecem que não estão tendo sucesso na sua missão, que não têm a habilidade de
ensinar e, o mais perigoso, eles desistem e culpam os alunos.

ÉPOCA: A senhora pôde observar isso no Brasil? Pode dar um exemplo?


Barbara : Eu me lembro de uma professora brasileira cuja aula acompanhei aula em
setembro. Era uma escola de periferia, terceira série. Era uma professora nova. Eles eram
estudantes com problemas, estavam atrasados. O problema começa daí. Justamente por
estarem atrasados deveriam ter designado a melhor professora da escola, não uma
iniciante. De repente, no meio da aula, ela se dirigiu até mim e disse, na frente das
crianças: “Esses meninos estão muito atrasados e nunca terão condições de aprender o
que falta”. Isso é intolerável. São sempre os estudantes pobres que sofrem mais, porque
eles são os mais difíceis de ensinar. Se não tivermos professores que realmente acreditam
neles e são treinados para ensina-los, então ficarão mesmo para trás.

ÉPOCA: E incentivos monetários?


Barbara: É uma motivação muito importante. Os salários precisam ser melhores. Mas, o
mais importante, é que eles precisam ser de acordo com o desempenho de cada um. Temos
muitos dados, muitas pesquisas do mundo inteiro mostrando que não dá certo, como
incentivo, aumentar o salário igual para todo mundo. Ganha mais quem é melhor. É por
aí que os jovens talentosos serão atraídos. Eles olham para a carreira do professor e
percebem que podem ter uma vida confortável e um trabalho satisfatório. A Inglaterra fez
isso. Washington DC fez isso, na reforma iniciada há cinco anos. Hoje, temos jovens que
querem ser professores e não pensavam nisso cinco anos atrás.

ÉPOCA: Há uma forte discussão nos EUA e em outros países sobre a estabilidade
de emprego dos professores. Ela dificultaria o sistema a se livrar dos professores
ruins. O que a senhora acha?
Barbara: É preciso demitir quem não tem bom desempenho. Todos os professores, sem
exceção, precisam de retorno, de apoio, de condições adequadas de trabalho para
melhorar e se desenvolverem. Ser professor não é tarefa fácil. O interessante é que nos
EUA e na América Latina estão passando leis que dizem o seguinte: os professores
precisam ser avaliados periodicamente, ter a oportunidade de melhorar, mas se isso não
acontecer, eles podem ser demitidos. Chile, Colômbia e México estão nesse caminho.
Boa parte dos distritos americanos também. Isso afeta a atratividade da carreira. Manter
os professores ruins e tratá-los como os bons espanta os jovens talentos.

Fonte: <https://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/11/barbara-bruns-o-brasil-nao-atrai-
talentos-para-carreira-de-professor.html>. Acesso em 05 de março de 2019.

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