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XXIX Congresso Nacional de Pesquisa em Transporte da Anpet

OURO PRETO, 9 a 13 de novembro de 2015

MODELO INTEGRADO PARA O PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES

Marcos Thadeu Queiroz Magalhães


Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Universidade de Brasília
Yaeko Yamashita
Universidade de Brasília

RESUMO
Ao longo do século XX diversas visões sobre planejamento foram propostas e colocadas em práticas, algumas
delas produzindo resultados que passaram a por em questão a própria utilidade do planejamento. Para contornar,
diversos pensadores propuseram alternativas e, dentre elas, o chamado Planejamento Estratégico ganhou
notoriedade, tanto nos setores públicos e privados. Mais recentemente, com os órgãos de controle emergindo, a
preocupação com a gestão de resultados passou a ganhar força. Nesse contexto de fragmentação entre
teorias/modelos, indicadores e níveis de decisão, permanece a necessidade de se integrar essas visões num único
modelo conceitual. O modelo proposto neste artigo busca cobrir essa lacuna integrando de forma orgânica, os
níveis de decisão, os ciclos de avaliação e revisão do plano em seus diferentes horizontes e enfoques.

ABSTRACT
During the 20th Century, many different perspectives of planning have emerged and put to test. Some of those
failed and raised questions about the very utility of the planning process. Scholars tried to overcome those
problems with new approaches, including the so-called Strategic Planning framework, which rapidly gained
attention from both private and public sectors. With the advent of the audit organizations, result-oriented
approaches gained more and more relevance. In this context of shattered theories/models, indicators and decision
levels, the necessity for an integrated framework persists. The proposed model aims to overcome this problem by
effectively integrating decision levels, information, evaluation cycles and plan revisions in its different horizons
and perspectives.

1. INTRODUÇÃO
O planejamento é uma atividade essencial para a ação de Estado, principalmente quando diz
respeito a investimentos em transportes e infraestrutura. Ao longo do século XX, diversas
visões sobre o planejamento foram propostas por diversos autores e pensadores. Algumas
dessas visões, a exemplo do processo tradicional de planejamento, levaram a graves
problemas, principalmente no aspecto político do plano, colocando em questão a própria
utilidade desse processo (o plano como mero documento, ou produção de papel).
Para contornar esses fracassos, pensadores trouxeram, inclusive influenciados pela visão
militar, as ideias que foram então consolidadas no chamado Planejamento Estratégico. De
cunho marcantemente competitivo, tal linha foi abraçada por diversas organizações de
mercado e, também, pelo setor público. Contudo, essa visão de planejamento como uma
competição entre atores quase nunca é adequada ao setor público, no qual a cooperação é um
traço essencial. Nessa lacuna, o planejamento estratégico situacional do chileno Carlos Matus
ganhou notoriedade.
No Brasil, no final do século XX, com o advento dos órgãos de controle, cresceu o apelo por
formas mais eficazes de planejamento e controle. Os sistemas de indicadores foram incluídos
no método oficial do planejamento federal, o Plano Plurianual. Contudo, em meio a diferentes
correntes sobre o processo de planejamento, a teoria e epistemologia de planejamento e os
mecanismos de controle, não há, ainda, um modelo integrado de planejamento que aborde de
forma consistente e orgânica esses aspectos.

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É nessa lacuna que o presente artigo se insere. Aqui, busca-se propor um modelo integrado de
planejamento que aborde os diferentes níveis de decisão e avaliação, bem como o fluxo de
informação necessários. Nesse sentido, parte-se de uma breve revisão sobre planejamento
para, em seguida, fazer a proposição de um modelo integrado, explicando cada uma de suas
etapas. Por fim, conclui-se com comentários e indicações de futuras ações.

2. PROCESSOS E MODELOS DE PLANEJAMENTO


O presente capítulo busca prover uma visão geral sobre o planejamento nacional
de transportes, a fim de possibilitar, no desenvolvimento da pesquisa, uma melhor
compreensão de como os indicadores podem e devem atuar neste processo.

O Processo Tradicional de Planejamento


Planejamento, segundo Ferrari (1979), é um método contínuo destinado à solução racional de
problemas que afetam uma sociedade espacialmente e temporalmente localizada e
determinada, antecipando suas conseqüências num momento futuro. É, portanto, um processo
continuado que segue métodos científicos para a condução da análise e elaboração de
soluções.
O processo tradicional de planejamento contínuo envolve uma visão sistêmica e é composto
de diversas etapas a saber: definição de objetivos e metas, etapa na qual são definidos os
resultados finais desejados do processo de planejamento (objetivos) e resultados parciais com
prazo definido (metas); coleta de dados, que consiste no levantamento de dados e informações
sobre o(s) objeto(s) de análise; análise das condições existentes, que diagnostica a situação
atual com base nos dados coletados subsidiando a etapa propositiva; elaboração de
alternativas, etapa propositiva que define possíveis soluções aos problemas encontrados;
análise de alternativas, investigação de cada alternativa particular quanto a sua eficiência na
solução dos problemas apontados; avaliação e escolha, seleção das melhores alternativas para
implementação; implementação, ápice do processo de planejamento, consiste na
operacionalização do plano; e, avaliação continuada, que consiste no constante
monitoramento das ações implementadas pelo plano, com vistas a adequá-las ao ambiente
dinâmico no qual são implementadas. Em resumo, segundo Güell (1997), o enfoque
metodológico do planejamento tradicional, que teve seu maior vigor nas décadas de 60 e 70,
pode ser caracterizado por: predomínio do produto, separando o projeto de sua execução,
enfocando o plano como um produto em si; setorial, restrito a objetos específicos isolados de
um contexto mais amplo; normativo, centralizado e tecnocrático; limitado a fixação de
objetivos; orientado para a oferta, focalizando elementos como uso do solo, infra-estruturas,
equipamentos, etc; sujeito aos limites administrativos, sem uma visão integrada e coerente
com a espacialidade dos fenômenos; e, de participação aberta, o que nem sempre garante a
participação dos verdadeiros agentes.

Processo Estratégico de Planejamento


Face às ingerências inerentes ao processo tradicional de planejamento, surge, dentro da
iniciativa privada, um outro paradigma de planejamento: a visão estratégica. Este paradigma
incorporava ao planejamento e gestão conceitos da estratégia militar a saber (Galdón apud
Güell, 1997): definição clara dos objetivos; economia de forças, propiciando um
aproveitamento mais eficiente dos recursos; concentração de esforços, atuando através do
tempo e do espaço sobre os objetivos específicos mais significativos para a consecução do
objetivo principal, mas sem esgotar todos os recursos num único ponto; ação unificada,
requerendo atuação harmônica e conjunta a fim de evitar a confusão e sobreposição

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desnecessária de esforços; e, flexibilidade, propiciando soluções alternativas para os


problemas potenciais. Seguindo estes princípios, o Plano Estratégico, se materializa como um
documento que declara uma visão, missão, um conjunto de objetivos e uma série de ações
com respectivas alocações de recursos (Güell, 1997; Feliciano Neto e Furlan, 1988), mas sua
maior importância reside no processo que ele desencadeia.
O processo estratégico de planejamento (Güell, 1997; Tarapanoff, 2001) consiste nas
seguintes etapas (Figura 1):

Análise Interna

Caracterização
Formulação da Desenvolvimento
Início do Plano dos Modelos de Implantação
Visão Estratégica de Estratégias
Desenvolvimento

Análise Externa

Revisão

Etapas do Processo Estratégico (Güell, 1997)

Tomando como base as definições postas para o processo estratégico de planejamento


empresarial, pode-se generalizar cada uma das etapas da seguinte forma: Início do Plano -
Nesta etapa é definida a liderança do processo; Caracterização dos Modelos de
Desenvolvimento - padrões de desenvolvimento físico, econômico e social que conduziram
ao estabelecimento das condições atuais e estabelecem o marco de referência para a análise
interna e externa; Análise Externa - oportunidades, potencialidades e ameaças derivadas dos
acontecimentos externos, mas que estão fora de controle; Análise Interna - elementos da
empresa considerados de importância estratégica, identificando pontos fortes e fracos,
problemas e restrições; Formulação da Visão Estratégica - futuro desejado para a
comunidade ou os diversos agentes envolvidos; Desenvolvimento de Estratégias -
possibilitar a consecução dos objetivos definidos, compondo programas de atuação com seus
respectivos planos de ação; Implantação - aplicação e operacionalização das definições
postas no plano; Revisão - avaliação e ajuste de programas e ações no sentido da consecução
dos objetivos definidos.
Finalmente, cabe destacar o planejamento estratégico situacional, elaborado pelo chileno
Carlos Matus. Matus (1984, 1993) coloca o planejamento como uma atividade social, política
e, nesse sentido, dependente da participação de diversos atores. Para ele, o planejamento é um
jogo que se joga com outros e o resultado depende de todo o conjunto de ações. Neste
processo, tenta-se tomar as rédeas de uma situação, deixando a posição de conduzido para a
de condutor do próprio destino. O ator de mudanças é o “homem coletivo”, agente de
natureza política. Em sua epistemologia, parte da falibilidade e parcialidade do conhecimento,
indicando o processo participativo como uma forma de vencer essa limitação. Ou seja, é
partilhando diferentes pontos de vista que se desenvolve uma visão mais ampla do objeto de
planejamento e é possível estabelecer o “pacto social” a ser materializado no plano. Apesar de
não detalhada aqui por limitações de espaço, esta teoria é base para a visão de planejamento
desenvolvida neste trabalho.

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Modelo geral para a estruturação da informação no processo estratégico de


planejamento: indicadores, níveis de decisão e o processo de planejamento
O ciclo PDCA é apontado por Corrêa (2004) como um dos principais instrumentos de gestão
de processos. Ele é composto de 4 fases: P (Plan=Planejar), D (Do = Fazer), C (Check =
Verificar) e A (Action = Agir Corretivamente). Corrêa (2004) define as etapas da seguinte
forma: Planejar (P) - definir metas, horizontes, métodos e técnicas. Pode ser planejamento
estratégico, plano de ação, um conjunto de padrões, etc.; Fazer (D) - treinar e educar os
empregados, executar as tarefas e coletar os dados para verificação do processo; Verificar (C)
- comparar as metas definidas com os resultados obtidos; Agir (A) - agir corretivamente,
corrigir. Eliminar causas identificadas como geradoras dos desvios encontrados.
Considerando que tanto a etapa D como a etapa A têm caráter executivo seria possível
simplificar o modelo PDCA mesclando estas categorias. Como resultado, tem-se o ciclo PDC.
Neste ciclo, a etapa P corresponde às definições macro, tais como estabelecimento da missão,
dos objetivos e dos princípios. A etapa D corresponde à viabilização das definições postas na
etapa P, a execução propriamente dita. A avaliação e monitoramento, por sua vez,
correspondem à etapa C. A vantagem de se optar por este ciclo é sua correspondência ao
processo estratégico de planejamento contínuo, no qual se planeja, implementa, avalia e
retorna ao planejamento. Além disso, é incorporada a noção de que as ações corretivas devem
ser planejadas e implementadas, diferentemente do PDCA que é passível de interpretações de
que tais estágios inexistam.
Tomando como base no ciclo PDC proposto é possível representar cada nível de
planejamento (estratégico, tático e operacional) como um ciclo composto, correspondente às
etapas do PDC. O planejamento operacional, por exemplo, corresponde à etapa D do
planejamento tático e, por conseguinte, este à etapa D do planejamento estratégico.
Planejamento
Estratégico

C P Planejamento
Tático

D
C Planejamento
P
Operacional

D
C P

Encadeamento entre planejamento estratégico, tático e operacional e o ciclo


PDC proposto.
A partir destas definições e fazendo uso da estrutura estratégica de planejamento apresentada
por Güell (1997) é possível sistematizar o seguinte diagrama que integra o processo de
planejamento, o ciclo PDC e os níveis de decisão apresentado na Figura 3:

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P D

Decisão Estratégica

Decisão Tática
Análise Interna

Caracterização dos Missão,


Formulação da Objetivos, Desenvolvimento
Início do Plano Modelos de
Visão Estratégica de Estratégias
Desenvolvimento Princípios

Análise Externa

Diretrizes e
Planos de Ação

Informação Normas
Revisão Implantação
Ações

Decisão Operacional

O Ciclo PDC, as Etapas do Processo Estratégico de Planejamento e os Níveis


de Decisão. Elaborado a partir de Güell (1997) e Corrêa (2004).

Dela é possível extrair as seguintes definições: a etapa P do PDC engloba a caracterização dos
modelos de desenvolvimento, análise interna e externa e formulação da visão estratégica, que
corresponde à tomada de decisão em nível estratégico e dela resultam a missão, os objetivos e
os princípios; a etapa D, que para o nível estratégico engloba as decisões táticas e
operacionais, corresponde aos estágios de desenvolvimento de estratégias (nível tático) e
implantação (nível operacional), agregando, assim, os encadeamentos apresentados na Figura
4. Das decisões táticas resultam diretrizes e planos de ação, enquanto que das decisões
operacionais resultam atividades, ações e procedimentos; a etapa C corresponde à revisão, ou
controle do processo. Deve-se observar que este processo pode ocorrer para o planejamento
em nível tático e operacional.
Resta, ainda, especificar um modelo para estruturação das informações de planejamento:
indicadores. Neste sentido, Magalhães (2004) propôs um modelo seguindo os três níveis de
decisão: estratégico, tático e operacional.

Ind. Estratégicos Decisão Estratégica Missão, Objetivos


(Globais) e Princípios

Ind. Táticos Decisão Tática Diretrizes e


(Eficácia e Eficiência) Planos de Ação

Ind. Operacionais Decisão Operacional Normas


(Descritivos) Ações

Impactos

Informação Processo Produtos

Compatibilização entre os tipos de indicadores, o Processo Estratégico de


Planejamento e o Ciclo PDC. (Magalhães, 2004)
Este será o modelo utilizado para a organização da informação para o desenvolvimento do
sistema de indicadores para o planejamento e gestão do setor de transportes.

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3. A PROPOSTA: MODELO INTEGRADO DE PLANEJAMENTO,


ACOMPANHAMENTO E GESTÃO

Processo Integrado de Planejamento.

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É no sentido de integrar todos os aspectos anteriormente que se propõe, neste trabalho, um


ciclo integrado para o planejamento de transportes. Este modelo, apresentado a seguir, será
tem como postulado a epistemologia do planejamento estratégico situacional (MATUS, 1984
e 1993) que, por questões de espaço, não podem ser desenvolvidas no corpo deste trabalho.

Sobre a modelo anteriormente ilustrado, alguns pontos cruciais devem ser


observados/esclarecidos:
 O processo de Planejamento, principalmente em seus níveis estratégico e
tático, tem forte participação dos tomadores de decisão (discussão política)
mas respaldados por suporte técnico, de forma que o escopo do plano deve ser
necessariamente um compromisso político-social.
 Não existe planejamento sem a definição/delimitação clara do Objeto
Planejado.
 No nível estratégico, é definido o que fazer; no tático, o como fazer; e no
operacional, o que implementar.
 Os programas são o resultado e especificação de estratégias. Eles contemplam
um único objetivo, ou seja, uma alteração específica no estado-de-coisas, e têm
especificados seus instrumentos de financiamento, de atuação (arranjo
institucional), bem como os instrumentos de publicação.
 Monitoramento é a etapa que fornece os inputs de dados para os diversos
níveis de avaliação.
 São quatro ciclos de avaliação e revisão: um operacional, no qual os dados do
monitoramento servem para a avaliação dos procedimentos de execução e
implementação; um tático, que utiliza os dados para saber se as estratégias e
programas foram os mais adequados; um estratégico, que utiliza os dados para
acompanhar a consecução das metas, bem como saber se as metas
estabelecidas foram factíveis; e o mais estrutural, em que usa-se dos dados
para a revisão do diagnóstico e conseqüente identificação dos problemas e
redefinição dos objetivos do Plano.
Agora, explorar-se-á cada nível especificamente.

Nível Estratégico
Este é o nível responsável pela definição do que deve ser feito, definindo os requisitos da
solução que deverá ser desenvolvida ao longo do planejamento. Sua nuance é fortemente
política. A seguir cada aspecto é trabalhado em maiores detalhes.

3.1.1 Definição do Objeto (1)


O planejamento tem sempre um objeto sobre o qual se propõe atuar. A delimitação do objeto
é essencial ao planejamento, pois é a partir daí que se identificam os atores, obtém-se a noção
mais clara dos limites de intervenção sobre o objeto, e reconhecem-se os conhecimentos
necessários à abordagem adequada. Esta tarefa não é, contudo, algo trivial, e necessita, muitas
vezes, da discussão a respeito dos elementos demasiado abstratos. Ser negligente com esta
tarefa é construir uma torre sobre areia movediça. É arriscar a perder todo o esforço
empenhado numa difícil tarefa. Assim, quando se fala em planejar os transportes, deve-se ter
definido esse conceito e seus limites, sendo possível e necessário discernir tanto “o que é
transporte” quanto “o que não é”. Deste processo, surge uma estrutura analítica do objeto
através da qual se pode inserir, de forma adequada e coerente, todos os elementos
componentes e intervenientes. Via de regra, essa estrutura analítica, bem como as relações de

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causa-efeito conhecidas, são oferecidas pela ciência que trata do fenômeno abordado (ver
Brasil, 2007; Magalhães et al., 2014). Ou seja, o planejamento é respaldado por uma base de
conhecimentos, seja do senso comum, seja do conhecimento científico. E, pelas propriedades
do conhecimento científico (ver Morais, 2002), é sempre preferível que este seja o elemento
tomado como base para o planejamento.

3.1.2 Imagem-Objetivo (2)


Tendo identificado adequadamente o objeto e uma estrutura analítica preliminar para abordar
o fenômeno de interesse, faz-se necessário o primeiro esforço de articulação dos diferentes
atores: a construção da visão.

A Imagem-Objetivo (Visão) é a síntese, para o objeto do planejamento, de um estado de


coisas desejado. Consiste no conjunto das diferentes expectativas dos atores, um referencial
para o qual deve se dirigir todo esforço de planejamento. É uma utopia concreta. É descrever
o estado desejado do objeto num tempo futuro.

Na prática, a visão assume a forma de um enunciado descritivo e sintético da situação


desejada no futuro. De sua análise são obtidos os objetivos de curto e médio prazo necessários
ao desenvolvimento das ações e dos programas estratégicos.

3.1.3 Diagnóstico (3)


A estrutura analítica, fornecida pela ciência (ou, na ausência desta, pelo senso comum), é o
ponto de partida para a abordagem do objeto do planejamento. Ela serve como fio condutor na
investigação do fenômeno em questão e permite que os levantamentos sejam feitos de modo
ordenado e coerente, facilitando as avaliações e interpretações dos resultados. Assim, essa
estrutura deve ser a mesma utilizada para a formulação da visão, caso contrário seria
impossível compará-las.

É coerente que o diagnóstico seja feito tendo como base parâmetros sintéticos (indicadores
finalísticos) que orientem à exploração das questões realmente relevantes e que sejam os
mesmos utilizados no desenvolvimento de todas as etapas do plano, desde a visão até o
processo de monitoramento. Assim, isso proporciona um processo mais ágil, econômico e
tempestivo para o planejamento. Um diagnóstico, portanto, deve apresentar uma visão
completa do estado do objeto do planejamento (preferencialmente sendo orientado pelo uso
de indicadores), em detalhe suficiente para que seja possível comparar este estado com a
imagem-objetivo, referência do deve-ser, e permitir o levantamento dos problemas e suas
causas, a etapa seguinte neste processo de planejamento.

3.1.4 Identificação de Problemas (4)


Um dos pontos-chave para o planejamento é a identificação dos problemas a serem
solucionados. E aqui surge a questão: O que é um problema? Problema é a existência de uma
desigualdade (distância) entre um estado atual de coisas e uma expectativa ou referencial
acerca de um objeto. Mas identificar apenas um problema pontual não é suficiente para gerar
grandes transformações. Assim, deve-se proceder, para cada um dos elementos constituintes
da visão, um diagnóstico do estado presente do objeto, comparando em seguida com o estado
desejado. Nos casos em que se constata uma discrepância entre o estado atual e o desejado
além de um limite tolerável pelos atores, verifica-se o problema.

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Quando a situação atual apresenta-se fora do espaço de tolerância dos atores,


qualifica-se o problema.

Resta, ainda, identificar as causas. Matus (1984 e 1993) indica algumas questões para apontar
as causas dos problemas (explicação), a saber: Como era antes? Como é hoje? Como evoluiu
do que era para o estado atual? Qual tendência segue? Que fatores impulsionam essas
mudanças? Respondendo a estas perguntas, consegue-se montar uma estrutura causa-efeito
para os problemas identificados.

3.1.5 Princípios e Valores (5)


Os fins não justificam os meios. Esta é uma questão sempre presente e de forte apelo moral.
Dessa forma, por mais apelativo que seja um resultado, por mais grave que seja o problema,
existem sempre algumas restrições que devem ser postas à seleção de objetivos e ao
desenvolvimento das alternativas de ação para a consecução destes resultados. E quando se
fala em restrições, fala-se em valores e princípios. Estes dois elementos buscam, via de regra,
garantir o espaço de aceitação no desenho das ações, a integridade de variáveis que não
devem, ou não podem, ser afetadas pelas ações previstas no Plano, entre outros interesses.
Podem ser, ainda, restrições que atores mais fracos colocam ao espaço de atuação daqueles
mais fortes, inclusive como uma compensação quando problemas que lhe eram de interesse
não foram considerados no projeto de governo. Os princípios são, por definição, elementos
primeiros e invioláveis. Todo desenvolvimento de diretrizes, estratégias e ações deve levar em
consideração estes elementos referenciais, nunca atentando contra eles.

3.1.6 Objetivos (6)


Cada problema possui um conjunto específico de causas. Daí pode-se tirar os objetivos, ou
resultados desejados. Os objetivos assumem, em geral, a forma da negação da problemática
existente (MATUS, 1984 e 1993). Assim, para tornar mais clara e operacional a noção de
objetivo, cabe definí-lo: Os objetivos são resultados a serem alcançados. São fenômenos
sensíveis, ou seja, passíveis de serem notados por quem os observa. Por isso, ao se referir a
um objetivo, usa-se um substantivo.

3.1.7 Metas (7)


Metas são resultados (objetivos) com prazo definido para consecução. Elas refletem o
compromisso político, o horizonte de realização (curto, médio e longo prazo) e as prioridades.
Seu estabelecimento é o primeiro passo para a definição da viabilidade, tanto política quanto
técnica, daqueles resultados almejados. É especificar “O que fazer...”, “Onde fazer...” e “Em
que tempo...”. Para a definição e o acompanhamento das metas é necessário o
desenvolvimento de um sistema de indicadores, núcleo principal de um sistema de

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planejamento, acompanhamento e avaliação. Considerações acerca deste elemento serão


feitas oportunamente.

Nível Tático
O nível tático é aquele responsável por desenvolver a solução para os problemas e requisitos
postos pelas decisões de nível estratégico. Neste nível, o lado técnico ganha mais importância,
apesar de ainda ser fortemente influenciado por relações de cunho político. Agora, cada
aspecto será abordado mais detidamente.

3.2.1 Diretrizes (8)


Para se alcançar um objetivo sempre existe mais de um caminho. Desenvolver o caminho é
uma decisão eminentemente tática. Diretrizes são linhas gerais condutoras do
desenvolvimento das estratégias, elementos limitadores das possibilidades de solução. Elas
são dispositivos de restrição do escopo de elementos que podem ser incorporados pelas
estratégias. Desta forma, restringe-se as possibilidades de atuação possível para aquilo que é
politicamente desejável e sustentável.

3.2.2 Estratégias (9)


Estratégias são “pacotes” definidos de projetos e ações selecionadas para a consecução dos
diversos objetivos, tendo as diretrizes como elemento de restrição. Nesse sentido, as
estratégias são alternativas, opções postas aos tomadores de decisão. São desenvolvidas num
contexto de limitação de recursos, capacidade de controle e de poder de pressão.

3.2.3 Instrumentos de Atuação (10)


Nenhum plano pode ser bem implementado e conduzido se as atribuições e responsabilidades
de cada ator não forem claramente definidas e aceitas. A explicitação destes elementos é
necessária sob pena de se conduzir a um contexto em que as diversas instituições se esquivam
de responsabilidades e as atiram para terceiros quando é conveniente. Assim, no
desenvolvimento da estrutura organizacional, diversos elementos devem ser levados em
consideração, entre eles aspectos relacionados tanto às disposições jurídicas e legais
existentes quanto àquelas provenientes de áreas como Economia, Ciência Política e
Administração. Nesta avaliação, deve imperar o senso crítico, caracterizado pela ponderação
criteriosa e pragmática anterior à assimilação de conceitos e soluções.

3.2.4 Instrumentos de Financiamento (11)


Não é apenas a dimensão política que inviabiliza uma estratégia ou um programa. A
disponibilidade de recursos financeiros é outro elemento de forte restrição de viabilidade.
Cabe ao nível tático prever as alternativas de provisão de recursos financeiros necessários ao
desenvolvimento de cada projeto/ação previsto no programa. Antes de qualquer ação, o mais
importante a se definir é a necessidade de recursos para a execução de cada projeto/ação e, em
seguida, para cada programa. Definidos os custos dos projetos e dos programas, é necessário
desenvolver alternativas de provisão dos recursos financeiros exigidos. Dessa forma, para o
desenvolvimento destas alternativas, existem hoje disponíveis diversas alternativas e
ferramentas, cada uma com suas nuances particulares. No entanto, essas alternativas não serão
aqui abordadas.

3.2.5 Instrumentos de Comunicação (12)


Tanto no desenvolvimento do plano quanto durante sua implementação, faz-se necessária a
difusão de dados e informações importantes para os diversos atores. Além dessa ação, que

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tem caráter meramente informativo, as atividades participativas (audiências e consultas


públicas, workshops e seminários) são fundamentais no processo de desenvolvimento do
plano, desde a definição do objeto até o desenvolvimento dos programas, sendo o cerne do
processo de construção do plano. Além disso, um dos instrumentos mais importantes de
informação é o Sistema de Avaliação (Indicadores).

3.2.6 Programas (13)


Por fim, as estratégias e seus instrumentos de financiamento e comunicação específicos são
traduzidos em Programas. Os Programas são conjuntos de ações complementares voltadas a
um objetivo definido. Deve-se ter claro que os programas não são compostos por ações
semelhantes, mas, sim, ações sinérgicas para a consecução de um mesmo objetivo. Caso
contrário, a avaliação por resultados pode ficar comprometida, uma vez que fica ameaçada a
coerência do processo de planejamento e da especificação de programas. São elementos
essenciais na definição de um programa: Objetivo do Programa; Indicadores e Valores
referenciais de avaliação; Ações componentes do programas; Fontes de Recurso;
Atores/Agentes responsáveis; Mecanismos de Monitoramento; Plano de Comunicação.

Nível Operacional
O nível operacional é aquele responsável pela execução do que foi estabelecido nos níveis
estratégico e tático, bem como pelo fornecimento de elementos para o acompanhamento e
avaliação do plano pelos mais diversos níveis. A seguir, cada aspecto é abordado em maiores
detalhes.

3.3.1 Publicação nos Veículos de Comunicação (14) e Implementação (15)


Ficam sob a responsabilidade do nível operacional a execução dos programas, projetos e
ações, bem como a veiculação das informações referentes ao plano. É neste nível que os
procedimentos e normas de execução são definidos e postos em prática. No entanto, é
importante lembrar que estas atribuições não ficam limitadas a um único órgão da
administração pública, e sim a uma estrutura mais complexa, cuja organização e distribuição
de atribuições foram discutidas e definidas no nível tático. Neste bojo, pode-se citar as
Secretarias de Transporte e Trânsito, Secretarias de Serviços Públicos, Secretarias de Obras e
Infra-Estrutura, Secretarias de Controle do Uso do Solo, etc. como elementos organizacionais
existentes em algumas cidades e muitas vezes relacionados à gestão do sistema de transporte.

3.3.2 Monitoramento (16)


Outra atribuição importante do nível operacional é o monitoramento de todo o sistema. É no
nível operacional que são obtidos os dados básicos para qualquer avaliação seja operacional,
tática ou estratégica (ver Figura 8 – 17a/17b/17c).Nesse contexto, sua realização é a
conseqüência de todo um processo de desenvolvimento e especificação de um Sistema de
Avaliação, o qual se baseia nos indicadores que deram suporte ao desenvolvimento do plano e
que cobrem os diversos níveis de decisão, sistematizando as necessidades de informação de
cada ator, os referenciais de interpretação e os dados necessários às avaliações. O
monitoramento, em nível operacional, pode servir a dois fins distintos: Auditoria e controle -
orientado para os órgãos de auditoria e controle, como Ministério Público, Tribunais de
Contas, Agências Reguladoras, e mesmo os órgãos responsáveis pelo acompanhamento de
obras, por exemplo. Seu foco é processual; Planejamento, Acompanhamento e Avaliação -
voltado aos atores e órgãos responsáveis pelo processo de planejamento e implementação.
Seu foco é finalístico, ou seja, está preocupado com resultados dos processos e sua relação
com os meios empregados.

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4. COMENTÁRIOS FINAIS
No presente trabalho, partiu-se de uma visão geral sobre processos de planejamento e suas
características e sobre o fluxo de informações para o planejamento em seus diversos níveis.
Sobre esses aspectos, atenção e consideração especial deve ser dada ao chamado
Planejamento Estratégico Situacional, do chileno Carlos Matus. Dentre as visões de
planejamento, talvez seja a que desenvolve sua teoria de forma mais consistente, partindo
desde a própria epistemologia do planejamento, bem como sua natureza essencialmente social
e política.
O modelo de planejamento proposto integra elaboração e execução do plano num único
quadro, de forma que não se pode separar uma coisa da outra, sob pena de fracasso. É um
passo no sentido oposto ao que se consolidou como experiência de planejamento, no qual o
documento do plano fica, muitas vezes, apenas no papel. Outro ponto a se destacar é que o
modelo proposto integra os três níveis de decisão – estratégico, tático e operacional -,
discriminando-os. Esses três níveis de decisão, apesar de constantemente citados, raramente
aparecem juntos num único quadro conceitual e, nisso, entende-se que a proposta deste artigo
também logra êxito. Adicionalmente, equaciona a questão de indicadores de resultados, que
passam a ser elementos orgânicos ao processo, e não apenas como algo ad hoc como ocorre
na maioria dos planos, incluindo o PPA. Nessa integração, prática e teoria andam lado a lado,
pois a Ciência é quem fornece o conhecimento necessário sobre o objeto do planejamento,
bem como os instrumentos para que o planejador consiga atuar sobre a realidade posta. Neste
aspecto, a proposta aqui colocada fortalece ainda mais o lugar da pesquisa em Transportes e
seu necessário caráter de ciência aplicada.
Finalmente, cabe comentar que não se trata de proposta descolada de viabilidade prática, visto
que parte deste trabalho já serviu de base para iniciativas de planejamento, levando a
resultados relevantes. Um exemplo foi o trabalho do Ministério dos Transportes para a
elaboração de um conjunto de indicadores para o planejamento e avaliação das políticas
nacionais (Brasil, 2007).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Programas Nacionais de Transporte – Relatório Síntese. Brasilia.
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Feliciano Neto, A. e Furlan, J. D. (1988) Engenharia da Informação: Metodologias, Técnicas e Ferramentas.
McGraw-Hill, São Paulo.
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Güell, J. M. F (1997). Planificación Estratégica de Ciudades. Editorial Gustavo Gili, Barcelona.
Magalhães, M. T. Q. (2004) Metodologia para Desenvolvimento de Sistemas de Indicadores: uma aplicação no
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Matus, C. (1984) Política y Plan. IVEPLAN, Caracas.
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Morais, J. F. R. de. (2002). Filosofia da Ciência e da Tecnologia (7a. Edição.). Campinas: Papirus.
Tarapanoff, K. (2001). Inteligência Organizacional e Competitiva. Editora Universidade de Brasília, Brasília.
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Marcos Thadeu Queiroz Magalhães (marcosthadeu@unb.br)
Yaeko Yamashita (yaeko@unb.br)
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Aspectos Econ. Soc. Políticos e Ambientais do Transp. Políticas Públicas em Transporte 2184

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