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Ele lembrava-se pouco do que viveu no mundo da superfície, afinal, conheceu as trevas ainda muito

jovem, pouco mais de seis anos.


Lembrava-se do sol, apesar de não sentir mais falta de sua luz.
Lembrava-se do sabor de morangos, que hoje detesta.
Lembrava-se de torres altas, armaduras brilhantes, dos cheiros e cores que aos poucos foram
desaparecendo, como uma mera sugestão de que algum dia, tenha vivido outra vida além daquela.

Lembrava-se de sua mãe - Na verdade - lembrava de amá-la profundamente e completamente, mas


seu rosto e sua voz já haviam desaparecido como sombras e ecos que tomaram seu lugar a muito
tempo..

Ele se lembrava de correr, de ser puxado pela mata e correr mais do que suas pequenas pernas
permitiam. Correr até seus pequenos pés sangrarem. Sentiu a mão que o puxava perder o aperto e
tombar. Sua mãe caída, morta aos seus pés, corpo de um lado, cabeça de outro.
Ele se lembra da dor, da estranha sensação da primeira vez que sentiu ódio, do gosto de sangue e
de ter gritado o nome da mãe, dos galopes em sua direção e por fim, do golpe que o acertou no
rosto, marcando-o pelo resto da vida.

Acordou em um mundo cruel e implacável onde aprendeu rápido que silêncio e obediência o
manteriam vivo por mais tempo.
Aos oito anos, trabalhava na cozinha do senhor Erevan Lueltar, o drow de rosto fechado que o havia
acolhido.

Vivia sujo, tão sujo, que muitas vezes podia ser confundido por outra criatura, mas ocasionalmente
precisava se esconder de visitantes inesperados.
Possuía poucos e valiosos amigos entre os servos da casa Lueltar. em sua maioria goblins, que
foram os primeiros a "ensinar" sua língua para ele. Em pouco tempo o pequeno humano já falava -e
xingava impropérios absurdos- fluentemente na língua das criaturas.

Pajak era um grande amigo, péssimo cozinheiro, competente na feitura de poções, apreciador de
comida da superfície e curandeiro.
Zegg, seu melhor amigo, era um dos cozinheiros, afiador de ferramentas e coletor, costumava
sacanear o jovem humano. Contava histórias, mentia e jogava sujo mas era leal como um cão.
Herrus era o preguiçoso do bando, reclamão, vivia trazendo fofocas e pequenas bugigangas da casa
alta, quase sempre culpando o humano por suas picaretices.
“Mestre” Poog era o chefe de cozinha, um goblin estranhamente sábio e velho para sua espécie,
engraçado, sabia tudo que havia para saber sobre fungos e um dos poucos que tratava o humano
com certa dignidade.

Aos nove anos tudo mudou quando o Erevan, o senhor da casa Lueltar, o arrancou do conforto dos
fornos e o lançou nas trevas frias da biblioteca de pedra.
Ao invés de lavar potes, passou a ler e traduzir livros e tomos, ao invés da língua dos goblins ou dos
homens, foi obrigado a aprender usar o idioma dos drow, o que acabou criando um fascínio no garoto
por outros idiomas, linguística, iconografia e no oculto. Ao invés de seguir receitas culinárias, o
menino passou a aprender e realizar pequenos truques e entender o universo ao seu redor, suas
composições e como manipulá-lo.
Aos nove anos, recebeu seu primeiro nome: E'lir, pois era inteligente e sabia disso.
Aos nove anos, iniciou seu caminho no arcano.
Aos nove anos, E’lir entendeu seu lugar no mundo.
A criança cresceu sob a tutela e olhar atento dos drow da casa Lueltar, aprendendo os caminhos da
magia e tornando-se proficiente em várias artes arcanas.
Sua mente aguçada e insaciável curiosidade o tornaram especialmente próximo a Erevan, o
poderoso mago que colocou a criança sob sua proteção sem nunca dar-lhe um motivo.
Erevan não é um drow de desperdiçar palavras. Frio e brilhante como um diamante, Erevan
constantemente era requisitado na capital por sua influência no conselho, deixando seus
ensinamentos de E’lir para Melora, da casa Aldel, que ensinava tudo que podia ao ávido humano que
crescia a olhos vistos mesmo nas sombras de seus salões.

À medida que E’lir crescia, seu corpo e mente se adaptavam ao mundo ao qual foi relegado. Sua
pele era pálida, quase cinzenta e fria, seus olhos nebulosos com as pupilas extremamente dilatadas
e expostas, permitindo que ele enxergasse na escuridão quase completa. Seu talento com idiomas o
fez entender línguas cada vez mais complexas e ocultas como dracônico, abismal e outras, o que
impressionava tanto Melora quanto Erevan, que sempre pareciam ter uma agenda por trás de cada
ensinamento dado a E’lir.

E’lir Kayheen, como foi batizado por Erevan, não deveria ser capaz de utilizar magia e isso intrigou o
Drow desde que o jovem começou a mostrar aptidão para os estudos e a prática do Arcano e todas
as suas escolas.
“O sangue dele... não faz sentido” dizia o elfo negro entre os dentes, para si mesmo ainda intrigado,
agora com o homem segurando chamas de plasma nas mãos.

“Por hoje chega, E’llir, precisamos conversar” disse Erevan, fazendo livros e mesas desaparecerem
do salão com um estalar sonoro de dedos.
A única fonte de luz era a esfera de fogo azul envolvendo a mão do aprendiz que, rogado, começou a
acompanhar o professor pelo saguão de pedra, apertando o passo para alcançá-lo.
“Eu estou progredindo na transformação de matéria em energia, eu só preciso de mais...”
Erevan ergueu a mão e por puro reflexo, E’lir se calou.
“Preciso que esteja pronto e mais atento do que nunca nos próximos dias, o subterrâneo não é mais
seguro pra você.”
O humano parecia confuso. As informações que recebia pareciam graves, mas o tom de voz do
mestre seguia inabalado e uniforme.
“Midraj Ochamarg é meu lar, Erevan! A biblioteca de Pedra, eu ainda...”
Dessa vez apenas com um olhar. O drow calou a boca do humano novamente.
“Eu não possuo o tempo suficiente para fazê-lo compreender, mas você será caçado E’lir, assim
como eu, assim como Mellora e sua preciosa Reena. Quanto menos você souber agora, mais seguro
estará... Confie em mim”
Finalmente E’lir compreendeu a dimensão do que estava em jogo, ao ouvir o nome de sua amada
Reena.
Seu conhecimento proibido sobre Dunamancia, suas relação proibida com a capitã da guarda da
casa Baenett, sua mera presença naquele mundo sob a tutela dos Luelltar, tudo agora parecia real,
afiado e perigoso.

Erevan era altivo, tinha o olhar severo e frio de quem já viu tudo que há para ser visto, em centenas
de anos. Muitas vezes parecia distante da realidade (às vezes de fato estava), perdido em algum
cômodo do seu enorme palácio mental, criando, destruindo e transformando.
Tratava E’lir como um vassalo no começo, forçando o jovem completar tarefas até a exaustão, por
muitas vezes esquecendo até de alimentá-lo.
Aos poucos a mente inquisitiva e seus comentários grosseiros foram conquistando a simpatia e
paciência de Erevan, até que E’lir recebeu autorização para percorrer os corredores da Biblioteca de
pedra e foi ali, no frio das rochas e na escuridão das incontáveis estantes e tomos que o jovem E’lir
foi crescendo e se desenvolvendo, primeiro como um excelente linguista, logo como um verdadeiro
praticante do arcano.
“O sangue dele... não faz sentido”

E’lir possui um estranho sangue negro. com propriedades que deveriam impedi-lo de canalizar ou
manifestar magia já que ele anula tudo que toca, mas de alguma forma o garoto o fazia com maestria
(as vezes, de formas desastrosas).
Erevan passou então a estudar as matrizes de energia e fontes universais de onde seu pupilo
retirava o poder e quanto mais o ensinava, mais intrigado e animado parecia. Era como ensinar de
trás para frente e de cabeça para baixo e deixar E’lir fazer o resto após mais leitura e prática.
Feitiços simples se tornavam invocações poderosas, evocações de ataque eram selvagens e às
vezes descontroladas. E’lir parecia operar sob um conjunto de regras totalmente diferentes para se
utilizar do arcano.
Para Eravan aquilo era fascinante e ao mesmo tempo muito perigoso (o que o deixava ainda mais
animado). Por isso mantinha o humano longe de olhos curiosos das outras casas, abrindo poucas
exceções. O únicos que conhecem E’lir são o sobrinho de Erevan, Zekdar, da casa Duskryn.

Em seus estudos, o mago Erevan utilizava regularmente o sangue de E’lir, que o entregava de bom
grado (Naquela época, fazer perguntas erradas poderia lh. Normalmente uma gota negra e fosca que
em segundos após o contato com o oxigênio se tornava uma névoa e desaparecia como éter.

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