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Não há nenhum preceito moral que não tenha O desengajamento moral envolve evitar a
algo de inconveniente. aplicação de um marco ético em determinada
——Denis Diderot situação pela utilização de quatro técnicas
C
de racionalização distintas. Ao remover os
OM BASE NA intuição, nas experiências padrões de comportamento ético aos quais
vividas e nas reações a elas e ao contato geralmente se atêm, os militares se permitem
com padrões adotados por outros, as praticar atos antiéticos e desumanos que, em
pessoas desenvolvem um conjunto de princípios outras circunstâncias, descreveriam como
que aplicam às próprias ações. Para os soldados, imperdoáveis. Como funciona esse processo?
o Exército desempenha um papel importante E, de modo mais prático, como podemos
no desenvolvimento desses padrões. Líderes, reconhecê-lo e corrigi-lo em soldados sob nosso
instrutores e educadores ajudam a incutir valores comando e em nós mesmos?
institucionais nos soldados. Mais ainda, o Como observado por Bandura e seus colegas,
Exército lhes fornece códigos explícitos, como a em 1996, os marcos éticos podem ser ignorados
Convenção de Genebra, a Lei da Guerra Terrestre quando:
(Manual de Campanha 27-10 [FM 27-10]) e o ●●buscamos reinterpretar nossa conduta;
Credo do Soldado dos EUA. ●●ofuscamos a responsabilidade pessoal;
Por meio dessas e de outras fontes, alheias ●●deturpamos ou desconsideramos as
ao Exército, a maioria dos soldados desenvolve consequências danosas de nossas próprias
um rigoroso código de ética, que eles usam para ações; e
orientar e guiar seu comportamento. Os valores ●●vilipendiamos as vítimas de maus-tratos ao
pessoais fornecem uma poderosa função de culpá-las e desmerecê-las1.
autorregulação. O cumprimento desse código Utilizamos pesquisas atuais para descrever
nos proporciona um sentido de satisfação e esse processo, analisamos um exemplo recente
de autoestima, e a violação de nossos padrões e sensacionalista (tanto quanto controverso)
faz com que nos sintamos culpados. Mesmo e apresentamos sugestões de como evitar o
em situações em que fazer a coisa errada traz desengajamento moral.
benefícios e fazer a coisa certa acarreta perigo,
muitos militares empregam seu enquadramento Como funciona o
moral e optam por comportamentos éticos. Desengajamento Moral?
Contudo, mesmo indivíduos possuidores de O desengajamento moral ocorre por meio
elevados padrões morais podem, eventualmente, de diferentes processos psicológicos de
se desviar de seus marcos éticos. reestruturação da situação.
Christopher M. Barnes é professor adjunto de Keith Leavitt é professor adjunto no Centro de Excelência
Desenvolvimento de Caráter e Pesquisa no Centro de do Exército para Ética Militar Profissional. Possui o
Excelência do Exército para Ética Militar Profissional, na título de Doutorado em Comportamento Organizacional
Academia Militar dos EUA em West Point. Possui o título (Gerenciamento) pela Foster School of Business na
de Doutorado em Comportamento Organizacional pela University of Washington, títulos de Mestrado em
Michigan State University. Ele também serviu quatro anos Gerenciamento e Psicologia Social, e é membro de pesquisa
como oficial da ativa da Força Aérea dos EUA como cientista do Project Implicit.
comportamental no Laboratório de Pesquisa da USAF.
Soldados norte-americanos revistam uma casa iraquiana em Tal Afar, 21 Set 06.
Reinterpretando a conduta por meio com a Estrela de Bronze por ações meritórias
da reavaliação. Um caminho que leva ao anteriores, West conseguiu violar padrões éticos
desengajamento moral é a distorção da situação. que em outras circunstâncias valorizaria (como
Em vez de se concentrarem no quão antiético é seu as Convenções de Genebra). Engajou-se de tal
comportamento, os soldados reinterpretam-no forma em seu desvio moral que, até a publicação
como sendo conveniente para que se atinja um deste artigo, continuava a defender o seu ato
objetivo ético superior. O ex-Tenente-Coronel com determinação, embora tenha claramente
Allen West foi afastado do serviço ativo violado códigos de conduta éticos explícitos e
após envolver-se em um escândalo em que, não haja evidência alguma de que suas ações
supostamente, violou os códigos de conduta tenham contribuído para proteger a vida de seus
éticos, ao descarregar sua arma perto da cabeça comandados.
de um detido iraquiano. West havia recebido Reinterpretando a conduta com o emprego
informações de que alguém, na área, planejava de eufemismos. Certas palavras — como
tirar sua vida e acreditava que o detido tinha tortura e execução — são bandeiras vermelhas
informações relevantes. Em vez de pensar em que nos lembram automaticamente do uso de
como o ato de disparar sua arma prejudicaria marcos e padrões éticos. Há outras palavras,
a reputação das Forças Armadas dos EUA, em no entanto, que talvez não tenham o mesmo
uma situação em que a cooperação era essencial, efeito, ainda que tenham o mesmo significado.
West se ateve à idéia de que, com a obtenção Alguns comportamentos violam claramente
de informações, ajudaria a evitar um atentado as regras de engajamento, mas certos oficiais
contra a sua vida. West raciocinou que um ataque podem aplicar eufemismos a eles e chamá-los
contra ele poderia pôr em risco a vida daqueles de “técnicas avançadas de interrogatório” ou
que estavam à sua volta e, dessa forma, obter de “neutralização de ameaças”. A maioria das
informações do detido também era uma maneira pessoas se refere a um indivíduo capturado como
de proteger seus homens. Mesmo sendo um um prisioneiro, mas outros, com frequência,
oficial do Exército, respeitado e condecorado usam a palavra “detento”. Soldados podem
seus colegas, foi constatado que o desengajamento anteriores, quando certas normas de procedimentos
moral levou a mentiras, a atos de agressão verbal levaram à libertação de prisioneiros perigosos, os
e física, roubos, “cola”, depredação material, sargentos e outros nove soldados de sua unidade
menos ajuda mútua e menor sentimento de levaram os detentos a um local isolado, ao lado
culpa. Em outra pesquisa, com estudantes de um canal, dispararam contra a nuca dos quatro
universitários, o desengajamento moral levou a e descartaram os corpos no canal, determinando
práticas desonestas em negociações2. Em dois que seus subordinados jurassem guardar segredo.
estudos que examinaram adultos, os desengajados Gravações do depoimento dos três sargentos
moralmente tendiam a buscar penas mais severas fornecem pistas quanto aos processos de
para criminosos e tinham menos reações negativas desengajamento moral que permitiram que
às reportagens de soldados norte-americanos aqueles militares executassem, sumariamente,
batendo em prisioneiros iraquianos3. quatro prisioneiros que estavam sob sua custódia.
Uma declaração do Sargento Michael Leahy
Desengajamento Moral no Canal mostra o uso de uma tática de difusão: “Tipo,
Em março de 2007, três sargentos da Companhia ergui meu braço à direita, e disparei de novo.
Alpha, do 1o Batalhão do 18o Regimento de Estou quase certo de que não atingi ninguém, mas
Infantaria, capturaram quatro iraquianos, após não posso afirmar porque não tenho certeza. Eu
um tiroteio, e descobriram um pequeno caché de nem estava olhando quando disparei a segunda
armas. Lembrando de experiências frustrantes vez. Meu braço direito simplesmente se ergueu.”
Embora, mais tarde, Leahy
tenha admitido ter disparado
contra o homem, ele foi
cauteloso ao declarar que seu
disparo talvez não tivesse sido
o fatal. Em uma carta escrita
na prisão, seu cúmplice, o
Sargento John Hatley (que
estava no comando, naquele
dia) defendeu as ações
por meio da transferência
de responsabilidade,
culpando os encarregados
pelo estabelecimento dos
requisitos necessários para
deter prisioneiros: “As normas
de procedimento estabelecidas
para deter e processar o
inimigo têm [sic] diversas
falhas. Além disso, o inimigo
está bem ciente dessas falhas e
as explora constantentemente
para facilitar sua libertação.”
Departamento de Defesa dos EUA
varejistas instalam espelhos perto de itens caros: a difícil desengajar-se moralmente. Da mesma forma,
maioria das pessoas é incapaz de roubar enquanto deve-se evitar o uso de linguagem que desumanize
literalmente olha a si próprio nos olhos. pessoas do outro lado do conflito. Ao aceitar que as
Criando um centro de controle interno. populações envolvidas em nossos conflitos atuais
Detert, Trevino e Sweitzer descobriram que são pessoas com motivações complexas (e não
um centro de controle externo (uma crença simplesmente monstros terríveis, que mereçem
dominante de que os eventos da vida de uma retaliação), ficaremos menos propensos a nos
pessoa são o resultado de processos aleatórios, e desengajarmos moralmente.
não de suas próprias ações) pode prever o aumento
de desvios de conduta. Em outras palavras, Conclusão
indivíduos que não acreditam que controlam É claro que haverá ocasiões em que nossos
resultados significativos para os demais estão soldados terão de engajar-se em comportamentos
menos sujeitos a manter seu comportamento em destinados a causar danos ao inimigo. Essa é a
conformidade com seus próprios padrões morais. natureza da guerra. No entanto, as tropas não
Paradoxalmente, muitas das características de devem ater-se indiscriminadamente a tais práticas.
nossas operações no Iraque e no Afeganistão, Antes, elas devem comparar o comportamento
incluindo longos períodos de silêncio seguidos por contemplado em marcos morais, na esperança de
ataques-surpresa, objetivos em constante mutação evitar mais incidentes como os assassinatos no
e desdobramentos repetitivos, podem levar os canal, em Bagdá. De fato, uma parte importante
soldados a adotarem um centro de controle menos da instrução do Exército busca estabelecer marcos
interno – e mais baseado no acaso. morais para esse mesmo fim.
Concentrar-se nos benefícios e nos prejuízos Essa recente pesquisa, resumida acima,
das ações presentes. Como mencionado, uma evidencia quando nossos soldados terão mais
forma de se desengajar moralmente é reavaliar propensão de se desviar moralmente e causar
a ação como estando a serviço de um princípio incidentes que sejam prejudiciais, não apenas
mais elevado — como quando West redefiniu às vítimas, mas também às próprias missões em
os maus-tratos dos detentos de forma ostensiva que nossos soldados trabalham arduamente. As
para proteger suas tropas. Em discussões e estratégias que recomendamos são:
processos decisórios, combatentes costumam ●●monitorar o desdém;
se manter moralmente íntegros quando têm a ●●aumentar a responsabilidade;
visão global das decisões que estão tomando. Ao ●●aumentar o locus de controle interno;
serem compelidos a ver os danos causados por ●●concentrar-se tanto nos danos quanto nos
suas ações, por mais repulsivos e dolorosos que benefícios de uma dada linha de ação;
sejam, serão menos propensos a desengajar-se ●●evitar desumanizar os nossos oponentes no
moralmente. Não devemos comparar os danos de conflito; e
nossa linha de ação a danos prototípicos extremos, ●●usar uma linguagem transparente e não
como os de campos de concentração nazistas, por eufemística.MR
exemplo. Devemos avaliar os danos de nossa ação
em comparação aos seus benefícios e aos danos e
benefícios de linhas de ação alternativas. Isso não REFERÊNCIAS
significa que soldados nunca devam fazer coisas 1. BANDURA, A.; BARBARANELLI, C.; CAPRARA, G.V.; PASTORELLI,
que causem danos, mas que devem avaliar tais C. “Mechanisms of moral disengagement in the exercise of moral agency”,
Journal of Personality and Social Psychology, 71 (1996): p. 364-74.
comportamentos por meio de seus marcos morais, 2. DETERT, J.R., TREVINO, L.K.; SWEITZER, V.L. “Moral disengagement
ao invés de se desengajarem moralmente. in ethical decision making: A study of antecedents and outcomes”, Journal of
Applied Psychology 93 (2008): (2), p. 374-91.
O poder da linguagem. A linguagem que os 3. AQUINO, K.; REED, A. II.; THAU, S.; FREEMAN, D. “A grotesque and
combatentes usam pode influenciar suas ações. dark beauty: How the self-importance of moral identity and the mechanisms of
moral disengagement influence cognitive and emotional reactions to war”, Journal
Talvez seja melhor que líderes do Exército usem of Experimental Social Psychology 43 (2007): p. 385-92.
4. Todas as citações são de “25 most liked comments” (25 comentários mais
uma linguagem menos eufemística. Ao evitar o uso preferidos) até 26 de janeiro de 1010, com respeito à reportagem “killings on
dessa linguagem, que poderia ofuscar a natureza de the canal” (assassinos no canal) no CNN.com. Muitos dos citados alegam ser
do componente ativo do Exército dos EUA ou veteranos de conflitos recentes,
certas ações, os militares descobrirão que fica mais embora o anonimato torne a verificação impossível.
O Major Douglas A. Pryer é o oficial de Inteligência do 14º dos Prêmios Birrer-Brookes e Arter-Darby, ambos do CGSC,
Regimento de Comunicações, estacionado no Reino Unido. É além de ter sido o primeiro colocado no Concurso de Artigos
bacharel pela Missouri State University e mestre em Estudos Douglas MacArthur sobre Liderança. Seu livro, The Fight
Militares Avançados pela Escola de Comando e Estado- for the High Ground: The U.S. Army and Interrogation
Maior do Exército dos EUA (CGSC, em inglês), no Forte during Operation Iraqi Freedom I, é o primeiro a ser
Leavenworth, Estado do Kansas. Em 2009, foi o ganhador publicado pela editora CGSC Foundation Press.
George Washington e outros oficiais do Exército Continental são recebidos por uma multidão exultante em Nova York, em
25 de novembro de 1783. O Exército Continental não só havia vencido a guerra, como também havia provado que poderia
ganhá-la de modo compatível com os ideais de liberdade e direitos humanos do Iluminismo.
Dezenas de milhares de pessoas participaram de um protesto contra a guerra no Iraque no dia 27 Jan 07, em Washington,
D.C. Os organizadores, da entidade United for Peace and Justice, pretendiam incitar o Congresso democrata recém-eleito
a pôr fim à guerra. Condições políticas favoráveis no Iraque (especialmente o “Despertar Sunita”), apoiadas por uma
escalada de tropas e por táticas mais efetivas de contrainsurgência, impediram uma retirada precipitada.
modo muito mais rápido, completo e impactante, infligimos a nós mesmos, com nossas ações
em comparação ao que era possível, no passado. antiéticas. Portanto, para entendermos o que é
Os relatos sobre tais condutas inspiram os preciso para alcançarmos o êxito, restringirei
combatentes inimigos, servem como incentivo minha análise ao Exército dos EUA nos teatros
para seus esforços de recrutamento, colocam de operações do Afeganistão e do Iraque, no que
as populações locais contra nós, diminuem o resta deste artigo. Examinarei nossas próprias
nosso apoio interno aos conflitos no exterior e fileiras, onde um inimigo muito mais perigoso
prejudicam o relacionamento do nosso país com se esconde. Não deve ser difícil alcançar essa
os aliados. vitória interior, se realmente nos esforçarmos.
Incidentes especialmente atrozes recebem Afinal, quando estamos em nossa melhor forma,
tanta cobertura negativa que acabam adquirindo a somos um Exército alicerçado em princípios
mesma infâmia antes reservada apenas às grandes éticos.
derrotas em campanhas históricas. Contudo,
em vez de reveses no Passo de Kasserine ou Quem Somos, em Nossa Melhor
na Floresta de Hurtgen, o público fala hoje de Forma
nomes como Guantánamo, Abu Ghraib, Bagram, As derrotas morais que temos sofrido na Guerra
Samarra, Mahmudiyah ou Kunduz22. Contra o Terrorismo são terrivelmente irônicas,
Essas derrotas não nos foram trazidas considerando a nobre história do Exército dos
pelas mãos do inimigo. Infelizmente, nós as EUA.
Nenhum exército jamais apresentou maior o Exército deveria lidar com os combatentes
ameaça à nossa existência que o poderoso irregulares confederados. Em uma carta a um
Exército britânico, no nascimento de nossa nação. acadêmico, desabafou: “As autoridades rebeldes
Não obstante, durante a Guerra Revolucionária, alegam o direito de enviar homens, vestidos como
os líderes do Exército Continental e do Congresso cidadãos pacíficos, para armar ciladas e atacar
estavam determinados não só a ganhá-la, como nossas tropas, queimar pontes e casas, destruir
também a vencer de um modo que fosse propriedades e matar pessoas dentro de nossas
compatível com seus princípios morais e sua linhas”25.
crença fundamental nos direitos humanos 23. O acadêmico era Francis Lieber, nascido
O General George Washington estabeleceu na Prússia e veterano de Waterloo, que agora
condições para isso por meio do exemplo pessoal lecionava Ciência Política em Columbia College,
e de ordens militares. Em uma ordem por escrito, em Nova York26. Lieber aceitou o desafio de
por exemplo, determinou que os 211 prisioneiros Halleck de produzir um código que regulamentasse
britânicos fossem tratados “com humanidade” a conduta de guerra pelo Exército da União. Em
e que ninguém lhes desse “razão alguma para abril de 1863, depois de ter sido revisado por um
reclamar que nós estejamos copiando o exemplo comitê de generais, o Presidente Abraham Lincoln
brutal do Exército britânico no tratamento aprovou o “Código Lieber”. O documento foi
dado aos nossos infelizes irmãos” 24 . Em finalmente publicado como a “Ordem Geral 100”,
consequência, o Exército Continental portou-se em maio de 1863.
com humanidade incomum para a época. Durante Lieber esperava, sobretudo, que seu código
os mais de dois séculos que se passaram desde orientasse o Exército da União a exercer
o seu nascimento, nosso Exército conduziu a comedimento, com sabedoria e compaixão, no
maioria de suas campanhas dentro dessa tradição campo de batalha27. Em consequência, o Código
de humanidade. Lieber continha uma longa relação de regras,
Entretanto, ele também contém uma tradição destinadas a garantir que as tropas da União
ética menos dominante. Dentro dessa outra tratassem humanamente tanto os não combatentes
tradição, o imaginado bem maior se sobrepõe quanto os prisioneiros de guerra. O Código Lieber
aos direitos do indivíduo. Em particular, essa proibia terminantemente certas táticas no campo
perspectiva sustenta que o fim justifica os meios, de batalha, como a tortura, o uso de venenos e a
quando esse fim é obter a vitória ou salvar vidas recusa de clemência ou tratamento misericordioso
de estadunidenses. Com frequência (mas nem a soldados que se rendessem28.
sempre), o racismo teve algo a ver com sua Décadas depois da guerra, esse código se
adoção. Considere-se, por exemplo, o contraste tornaria a fonte principal para os formuladores
entre o comedimento do Exército Continental ao das Convenções de Haia de 1899 e 1907 29.
combater o Exército britânico com o tratamento Portanto, os soldados estadunidenses de hoje
por ele dispensado às tribos iroquesas. Vale podem afirmar, com razão e com orgulho, que seu
lembrar, também, a forma por vezes bárbara grande Exército não só foi o primeiro a codificar
como tratamos os filipinos durante a Guerra das a Lei da Guerra, como também ajudou a definir
Filipinas, os japoneses durante a Segunda Guerra a forma final dada a essa lei, mediante o tratado
Mundial e os sudeste-asiáticos durante a Guerra internacional.
do Vietnã. Entretanto, sob a óbvia corrente de princípios
Uma notável diretriz do Exército não só humanitários do Código Lieber, havia uma forte
englobou essas duas tradições, como também contracorrente baseada na ideia de que os “fins
refletiu sua relativa ordem de precedência. justificam os meios”. Em vários trechos, o Código
Em julho de 1862, o General Henry Halleck Lieber conferiu aos comandantes a opção de
foi nomeado Comandante das Forças da União. violar a regra em caso de “necessidade militar”.
Ao longo daquele terrível primeiro verão da “A pessoa, propriedade e honra” dos cidadãos
Guerra Civil, a frustração de Halleck em relação desarmados deveriam ser poupadas, mas apenas
aos insurgentes foi aumentando. Advogado na medida em que “as exigências da guerra o
por formação, ele buscava clareza sobre como permitissem”30.
objetivo de desenvolver a ética profissional), forte Isso só pode ser feito indo diretamente às suas
sinal de que sua cúpula pretende melhorar nosso guarnições.
desempenho nessa área.
É o que, de fato, precisamos fazer. A oficialidade O Treinamento Cultural Mais
integra uma área que precisa de aperfeiçoamento, Necessário
conforme evidenciado por eventos em locais como Nos últimos anos, o Exército vem aumentando a
Guantánamo, Abu Ghraib, Bagram e Samarra. ênfase na necessidade de os soldados empregados
Contudo, o problema mais grave reside nas em operações entenderem a cultura local.
subculturas ocultas em nosso Exército operacional. Hoje, todos os soldados que se destinam ao
Em A Tactical Ethic: Moral Conduct in the Iraque e ao Afeganistão recebem estágios de
Insurgent Battlespace, Dick Couch, ex-oficial orientação cultural e de idioma, normalmente
integrante das Forças Especiais da Marinha dos ministrados por equipes de especialistas do
EUA (SEAL), apresenta argumentos convincentes Forte Huachuca ou do Instituto de Idiomas do
de que, atualmente, nossos recrutas saem da Departamento de Defesa. Igualmente importante
instrução militar básica com um entendimento é a “equipe de terreno humano”, composta de
completo dos valores militares estadunidenses, cinco integrantes — antropólogos e cientistas
mas, ao serem designados para Unidades sociais —, que apoia o comandante de cada
operacionais, podem ingressar em uma cultura brigada de combate desdobrada atualmente.
interna de suas subunidades, que não corresponde Essa ênfase é visivelmente benéfica. Afinal, não
ao que desejam os escalões superiores. Segundo é raro acontecer que, mesmo atuando em plena
Couch, uma subcultura potencialmente perigosa conformidade com a lei e com as expectativas
resulta de um ou dois formadores de opinião profissionais do Exército, os soldados acabem por
(“insurgentes morais”), que convertem ou obtêm prejudicar o apoio popular aos EUA no exterior,
o consentimento tácito de outros integrantes da devido a violações não intencionais de costumes
Unidade40. Como querem se encaixar no grupo, os locais religiosos e étnicos.
jovens soldados geralmente se amoldam a ele41. O treinamento cultural permanecerá relevante
Couch está certo. Abu Ghraib, o exemplo mais para o nosso êxito na era da informação, mas
extremo de uma tropa liderada por “insurgentes também deve incluir treinamento que desenvolva
éticos”, está longe de ser o único. De fato, não culturas éticas dentro das Unidades operacionais,
é nenhum exagero dizer que todas as grandes diretamente em suas sedes, especialmente nas
pequenas Subunidades. A seguir, são relacionadas
algumas propostas:
...o Código Lieber continha ●●O treinamento sobre os valores do Exército,
a Lei da Guerra e as regras de engajamento
uma longa relação de regras, precisa ser de responsabilidade do comando. O
destinadas a garantir que as impacto desse treinamento sobre a tropa assume
outra magnitude quando ele é conduzido pelo
tropas da União tratassem comandante ou por outro oficial combatente da
Unidade; completamente diferente do que ocorre
humanamente tanto os não quando ele é ministrado por um assessor jurídico.
combatentes quanto os Os advogados devem ajudar a desenvolvê-lo e
podem até apresentar parte do assunto. Entretanto,
prisioneiros de guerra. nas Unidades operacionais, deve ser obrigatório
que o comandante, o chefe do estado-maior ou
o oficial de operações conduza o treinamento.
derrotas morais que sofremos, até agora, na Guerra Como disse o Major Tony Suzzi, chefe do
Contra o Terrorismo envolveram subculturas estado-maior de um regimento de cavalaria na 1ª
nocivas, em diferentes graus. Para evitar futuras Brigada de Combate, da 1ª Divisão de Infantaria:
derrotas precisamos, primeiro, corrigir a conduta “Talvez eu seja uma cara simplório, mas, pela
nas subunidades. minha experiência de combate, a conversa que o
seria administrado no âmbito das guarnições ou Iraque esteja bem mais estável que há dois anos,
inserido nos cursos de aperfeiçoamento de oficiais ainda é possível que o país mergulhe na guerra
e sargentos já existentes. civil. No Afeganistão, embora a esperança de
●●A fase I desse curso sobre ética deveria uma paz honrosa tenha se renovado com a recente
se concentrar na “teoria”, com advogados, escalada de tropas, o conflito ainda é mais bem
acadêmicos, profissionais de saúde mental, definido como um beco sem saída48.
capelães e ex-comandantes ministrando as Um motivo fundamental para a nossa situação
instruções. A segunda fase poderia se concentrar atual é a trágica sucessão de derrotas morais
na aplicação prática. O Centro da Profissão e Ética que nós sofremos nesses dois campos de
do Exército já desenvolveu um estágio teórico batalha. Essas derrotas vergonhosas reforçaram
de uma semana para os instrutores de ética, que a determinação dos nossos inimigos, ao mesmo
pode servir como base para a fase I. Para a fase tempo em que enfraqueceram a vontade do povo
II, pode-se aproveitar a experiência de uma firma norte-americano em alcançar a vitória. Tais
como a Close Quarters Defense® (CQD®) para derrotas são especialmente penosas, considerando
o desenvolvimento do currículo, a construção das o histórico honroso de boa conduta do Exército
instalações e o treinamento de multiplicadores45. dos EUA nos campos de batalha.
●●Os oficiais, em geral, recebem treinamento O General George Marshall (um modelo de
suficiente em ética nas suas escolas de formação oficial íntegro, chamado por Winston Churchill de
— na Academia Militar dos EUA em West Point, “aquele nobre romano”) falou da “fera interior”,
em uma das escolas militares ou no Curso de que aflora dentro do indivíduo em combate.
Formação de Oficiais da Reserva do Exército dos Durante a Segunda Guerra Mundial, Marshall
EUA (ROTC, na sigla em inglês). Entretanto, um esteve mais preocupado em controlar essa “fera”,
tenente de 22 anos recém-formado talvez tenha a fim de preservar a boa ordem e a disciplina nas
a mesma dificuldade que teria um recruta da fileiras. Na era da informação, se essa fera assumir
mesma idade em resistir a uma subcultura imoral o controle, poderá surgir um insurgente dentro
de seu pelotão, mesmo sendo o seu comandante46. das nossas próprias fileiras; alguém muito mais
Para promover boas práticas entre os oficiais, perigoso politicamente que qualquer outro que
precisamos nos concentrar mais em treinamentos enfrentemos com armas no campo de batalha: o
que os ajudem a manter seu entendimento e seu “insurgente moral”.
compromisso ético no exercício de suas funções.
Fazer com que os oficiais mais antigos conduzam
o treinamento sobre ética nas sedes também “...a conversa que o
contribuirá para isso. O fortalecimento da nossa
ética profissional militar também deverá ser a comandante de batalhão teve
espinha dorsal do Programa de Desenvolvimento
Profissional de Oficiais. Além disso, as escolas
com cada soldado, sobre
de nossas Forças Armadas precisam contribuir voltar para casa com sua
mais nesse sentido. Durante o ano que passam
na Escola de Comando e Estado Maior dos EUA, honra intacta, funcionou”.
por exemplo, os oficiais superiores só recebem
quatro horas de instrução relacionada à ética.
Isso é tremendamente inadequado, considerando Para derrotar esse indivíduo tão perigoso, a
a natureza moral das nossas derrotas nos últimos cultura operacional do nosso Exército precisa
anos47. aprender que a conduta correta no campo de
batalha importa mais do que qualquer outra coisa,
A Verdadeira Revolução hoje em dia. A boa conduta não é, por si só, capaz
Ganhamos quase todas as batalhas no Iraque e de conquistar a paz, que depende muitas vezes
no Afeganistão e, mesmo assim, quase “perdemos de condições estratégicas fora do controle dos
a guerra”. Mesmo hoje, o resultado desses dois soldados. Contudo, a conduta correta no campo de
conflitos é extremamente questionável. Embora o batalha, aliada aos objetivos e às táticas corretas,
Referências
1. ALEXANDER, Matthew. “My Written Testimony to the Senate Judiciary categoria criada pelo governo Bush para descrever os insurgentes armados —
Committee Hearing”, The Huffington Post, 13 May 2009, disponível em: terem ou não direito às proteções das Convenções de Genebra. Essa confusão
<http://www.huffingtonpost.com/matthew-alexander/my-written-testimony- resultou das políticas assinadas pelo Presidente Bush e seu Secretário de
to-t_b_203269.html> (28 Jun 2010). Ao referir-se a “controlar” a fera interior, Defesa, Donald Rumsfeld, no início de 2002, que negavam essas proteções aos
Marshall falava de “administrar” e não de eliminar a ferocidade dos soldados integrantes da Al Qaeda e ao Talibã em casos de “necessidade militar”. Em sua
norte-americanos. É esse também o sentido que emprego em meu artigo: como decisão histórica de 29 Jun 06, no processo Hamdan versus Rumsfeld, o Supremo
falcões adestrados por falcoeiros, as violentas paixões que afloram dentro dos Tribunal dos EUA decidiu que cabia aos combatentes ilegais pelo menos o direito
soldados profissionais durante o combate devem ser treinadas para atingir apenas às proteções conferidas pelo Artigo 3º Comum das Convenções de Genebra.
os alvos certos. Diferentemente dos falcões, porém, o treinamento de seres Contudo, não havia dúvida alguma, em nenhum teatro de operações, quanto ao
humanos requer muito mais que o simples condicionamento físico. É preciso fato de criminosos terem pleno direito às proteções das Convenções de Genebra.
também apelar para as nossas faculdades da razão e da emoção. 16. Ibid, p. 11.
2. Essa história de introdução se baseia nas minhas próprias experiências 17. Ibid, p. 1.
como subchefe de Inteligência de brigada, nesse exercício. 18. Uma indicação da enorme cobertura de imprensa recebida pelo incidente
3. FILKINS, Dexter. “The Fall of the Warrior King”, The New York Times, de Samarra é o fato de o ator Tom Cruise estar produzindo um filme sobre o caso.
23 October 2005, disponível em: <http://www.nytimes.com/2005/10/23/ 19. Ibid., p. 5-8; RICKS, Thomas E. Fiasco: The American Military Adventure
magazine/23sassaman.html?_r=1> (28 June 2010), p. 1. in Iraq (New York: The Penguin Press, 2006), p. 279-90.
4. Ibid., p. 2. 20. KRISTOL, William. The Defense Secretary We Have, 15 Dec 2004,
5. Ibid. disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A132-
6. Ibid. 2004Dec14.html> (28 June 2010).
7. Ibid. 21. Uma derrota tática dessas quase levou à aniquilação do 2º Batalhão, do
8. Ibid. 7º Regimento de Cavalaria, da 1ª Divisão de Cavalaria, em 17 Nov 65, no Vale
9. Ibid, p. 12. Ia Drang. Essa batalha foi descrita de forma clara pelo Gen Div Harold G. Moore
10. Ibid, p. 10. (Reserva) e por Joseph L. Galloway, no livro We Were Soldiers Once... and Young.
11. Ibid, p. 11-12. 22. O emprego de técnicas avançadas de interrogatório está indissociavelmente
12. Ibid, p. 10-11. ligado aos escândalos de Guantánamo, Abu Ghraib e Bagram. O incidente de
13. Ibid, p. 11-12. Samarra foi descrito acima. Na matança em Mahmudiyah, em 12 Mar 06,
14. Ibid. cinco soldados do 502º Regimento de Infantaria, da 101ª Divisão Aeroterrestre,
15. À época, havia certa confusão quanto aos “combatentes ilegais” — uma estupraram uma menina iraquiana de 14 anos e assassinaram sua família. O
incidente é tema de um livro recente, Black Hearts, de Jim Frederick. O Massacre interrogador mais antigo do 3º Regimento de Cavalaria Blindado. Welshofer foi
de Kunduz é tema de um documentário europeu. Nesse massacre, centenas condenado por homicídio culposo por negligência, no caso de um detento que
de talibãs morreram ao serem transportados em contêineres hermeticamente havia morrido durante o emprego especialmente brutal de uma técnica avançada
fechados, por tropas da Aliança do Norte, que estariam sob a supervisão de uma de interrogatório.
equipe das Forças Especiais do Exército dos EUA. O Corpo de Fuzileiros Navais 36. WOOD, Sgt Sara. “Petraeus urges troops to adhere to ethical standards in
dos EUA também tem sua parcela de escândalos morais, tendo os incidentes mais recent letter”, Operation Iraqi Freedom: Official Website of United States Forces-
infames ocorrido em Haditha, Hamdania e Shinwar. Iraq, 14 Mai 2007, disponível em: <http://www.usf-iraq.com/?option=com_con
23. FISHER, David Hackett. Washington’s Crossing (New York: Oxford tent&task=view&id=11869&Itemid=110> (28 June 2010). Segundo a definição
University Press, 2004), p. 375. constante do relatório, os maus tratos a não combatentes englobam: roubar de
24. Ibid, p. 379. um não combatente, destruir ou danificar propriedades quando desnecessário ou
25. BOSCO, David. “Moral Principle vs. Military Necessity”, American bater ou chutar em um não combatente.
Scholar, Winter 2008, disponível em: <http://www.theamericanscholar.org/ 37. PETRAEUS, Gen David H. “Appendix I: General David H. Petraeus
moral-principle-vs-military-necessity/> (28 June 10). on Values”, in COUCH, Dick. A Tactical Ethic: Moral Conduct in the Insurgent
26. Ibid. Battlespace, p. 113-15 (Annapolis: Naval Institute Press, 2010): p. 114, p. 113.
27. Ibid. 38. COUCH, p. 46.
28. LIEBER, Francis (Ph.D.). “Instructions for the Government of Armies of 39. “About the CAPE”, U.S. Army Center for the Army Profession and
the United States in the Field”, Law of War, 24 Apr 1863, disponível em: <http:// Ethic (29 July 2010), disponível em: <http://acpme.army.mil/about.html> (15
www.lawofwar.org/general_order_100.htm> (10 June 10), Artigos 16 e 49. August 2010).
29. TAYLOR, Telford. “Foreword”, In: FRIEDMAN, Leon (editor). The Law 40. COUCH, p. 77. Talvez para evitar confusão nas mentes dos
of War: A Documentary History (New York: Random House, 1973), p. 6. Segundo contrainsurgentes, Couch, na verdade, chama esses indivíduos imorais de
Taylor, o Código Lieber “foi, por cinquenta anos, o pronunciamento oficial do “piratas”, em vez de insurgentes, embora o papel deles seja muito mais semelhante
Exército sobre o tema; forneceu grande parte do material para as Convenções de ao destes últimos.
Haia de 1899 e 1907; e continua a receber atenção hoje, como o documento que 41. COUCH, p. 54. O que exacerba o problema, ressalta Couch, é que a
deu início à codificação das Leis da Guerra Terrestre”. geração atual de recrutas (composta, em grande parte, de integrantes da Geração Y)
30. LIEBER, Artigo 22. demonstra maior “necessidade de pertencer ao grupo” que as gerações anteriores.
31. BUSH, Presidente George W. “Memorandum, Humane Treatment of al 42. Maj Tony Suzzi, em e-mail ao Maj Doug Pryer, 16 Jun 2010.
Qaeda and Taliban Detainees, February 7, 2002”, George Washington University’s 43. Matthew Alexander, em email ao Maj Doug Pryer, 23 Jun 2010. Abu
The National Security Archives, disponível em: <http://www.gwu.edu/~nsarchiv/ Musab al-Zarqawi era um militante jordaniano, fundador do grupo terrorista “Al
NSAEBB/NSAEBB127/02.02.07.pdf> (28 June 10), p. 2; RUMSFELD, Donald. Qaeda no Iraque”. Antes de ser atingido e morto por munição teleguiada, em 7
“Memorandum for Chairman of the Joint Chiefs of Staff, Status of Taliban and Jun 06, Zarqawi era o homem mais procurado pelas Forças da coalizão no Iraque.
Al Qaeda, 19 January 2002”,George Washington University’s The National 44. COUCH, p. xvi.
Security Archives. Disponível em: <http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/ 45. Segundo o Maj Kevin Cutright, ex-professor de Filosofia na Academia
NSAEBB127/ 02.01.19.pdf> (28 June 10). Militar dos EUA, em West Point, o Centro da Profissão e Ética do Exército
32. Das estimativas de Inteligência que mantive sobre o Exercício de conduz, na entidade, um estágio de uma semana chamado “Master Army
Combate Avançado de 1996, descrito anteriormente, nenhuma contém uma Profession and Ethic Trainer Course” (“Curso Avançado para Instrutores de
única referência a uma questão civil-militar. Essas estimativas de Inteligência Profissão e Ética do Exército”). Segundo ele, um terço dos alunos são capelães,
discutem apenas a ordem de batalha, os equipamentos e as prováveis linhas de sendo o restante do grupo composto de oficiais de estado-maior, graduados mais
ação do inimigo teórico. Antes de 2003, participei de três missões no Centro antigos e sargentos instrutores. Em relação ao proposto treinamento da fase II,
Nacional de Adestramento, no Forte Irwin, Estado da Califórnia, e de duas no há duas décadas que equipes do Comando de Operações Especiais e de vários
Centro de Adestramento para Manobras em Combate em Hohenfels, Alemanha. órgãos civis passam pela instalação de treinamento pertencente à empresa civil
Com exceção da última, todas elas negligenciaram os aspectos civis-militares da Close Quarters Defense®. O que torna esse programa especial é a integração
guerra (e meu último rodízio, em 2002, não foi muito diferente). Nesse caso é do treinamento “Internal Warrior Training™” (princípios éticos) com técnicas
pertinente, sem dúvida, o chavão de que um Exército treina para a última guerra de combate aproximado. Segundo o programa, um soldado combate melhor
que venceu, e não para a próxima guerra que irá combater. O único inimigo se ele não estiver lutando apenas pelos seus companheiros, mas também pela
puramente militar que havíamos combatido, e que era vagamente semelhante sua família e pela nação. O programa também ensina que verdadeiros soldados
ao dos exercícios de treinamento nos anos 90, era o Exército do Iraque, já que exibem qualidades como respeito, compaixão e corajoso comedimento. Um
havíamos lutado contra ele nos desertos da Guerra do Golfo. dos cursos conduzidos por essa empresa incorpora treinamento armado e não
33. SNIDER, Don M. (Ph.D.); NAGL, Maj John A.; PFAFF, Maj Tony, armado, evoluindo do indivíduo para a equipe. Cada curso é especializado
“Army Professionalism, the Military Ethic, and Officership in the 21st Century”, segundo a missão do grupo. O exercício “Hooded Box Drill™” é uma técnica
U.S. Army War College Strategic Studies Institute, December 1999, disponível especialmente eficaz da empresa, que ela emprega para reforçar as respostas
em: <http://www.strategicstudiesinstitute.army.mil/pdffiles/pub282.pdf> (28 certas nos soldados em diversos cenários. Nesse exercício, o aluno é colocado
June 2010), p. 2. Como esse documento foi redigido antes da Guerra contra o dentro de uma caixa coberta e, quando a caixa é levantada, ele precisa reagir
Terrorismo, ele não estabelece uma ligação direta entre a nossa mentalidade rapidamente a uma situação “letal” ou “não letal”.
de “proteção da força a qualquer custo” dos anos 90 e a nossa mentalidade de 46. PRYER, Maj Douglas A. The Fight for the High Ground: The U.S. Army
“informações a qualquer custo, se elas salvam vidas”, dos primeiros anos desta and Interrogation During Operation Iraqi Freedom, May 2003-April 2004 (Fort
guerra. Mesmo assim, esse documento incrivelmente visionário antevê essa Leavenworth: CGSC Foundation Press, 2009), p. 88. A história ora citada é a de
conexão, declarando que “as normas de comportamento profissional do Exército um comandante de pelotão da FT 1º/36º Regimento de Infantaria, da 1ª Brigada
estão sendo minadas pelas orientações políticas sobre proteção da força”. Esse de Combate, FT 1ª Divisão Blindada. No início do verão de 2003, esse fraco
trabalho também recomendou que o Exército dos EUA retomasse uma ética oficial não interferiu quando seu pelotão se entregou ao comportamento violento.
profissional militar alicerçada em princípios. O pelotão extorquiu dinheiro dos moradores para comprar objetos de luxo, atacou
34. MATTIS, Gen James N. “USJFCOM Commander’s Guidance for saqueadores e, aparentemente, espancou pelo menos um iraquiano inocente
Effects-Based Operations”, Joint Force Quarterly, 4th Quarter, 2008: p. 105- por um prazer perverso, apenas. Pelos crimes do pelotão, seu sargento cumpriu
108, p. 107; CHALLANS, Ten Cel Tim. “Tipping Sacred Cows: Moral Potential pena de prisão e seu comandante foi expulso do Exército. Esse é apenas um de
through Operational Art”, Military Review (Sept-Oct 2009): p. 19-28, p. 19. Em vários exemplos recentes, no Iraque e no Afeganistão, de jovens tenentes sendo
sua diretriz de comando para o USJFCOM, o General Mattis limitou o escopo transformados pela subcultura imoral de suas tropas, em vez de transformá-las.
do planejamento operacional baseado em efeitos, afirmando: “Todo conceito 47. Nesse sentido, o CGSC (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
de planejamento que busca, de forma mecanicista, proporcionar certeza em um dos EUA) não é a única entre as escolas das Forças Armadas dos EUA.
ambiente inerentemente incerto está em desacordo com a natureza da guerra.” 48. Em 13 Mai 10, o Gen Stanley McChrystal qualificou o conflito como
Challans estabelece uma conexão direta entre o planejamento operacional baseado um “beco sem saída”.
em efeitos e uma mentalidade amoral, afirmando: “Essa abordagem, seja qual for o 49. Entende-se por democracia “madura” uma democracia em que as
seu nome, tem pouco potencial para comportar preocupações morais importantes, pessoas tenham adquirido poder verdadeiro sobre seu governo. A definição de
que mostraram ter ramificações estratégicas.” democracia madura, de Samuel P. Huntington, é provavelmente a mais citada.
35. O Ten Cel Allen West foi, como Sassaman, comandante de batalhão na Segundo ele, uma democracia que viu o partido governante ser substituído
4ª Divisão de Infantaria, durante a Operação Iraqi Freedom I. Para obter dados por um partido de oposição duas vezes de forma pacífica e democrática pode
de Inteligência, West permitiu que seus soldados espancassem um detento, ser considerada “madura”. O que é debatido entre cientistas políticos, com
tendo e ele próprio disparado dois tiros perto de sua cabeça. O Chief Warranty frequência, é se as verdadeiras democracias maduras seriam capazes de travar
Officer Welshofer, contemporâneo de West e de Sassaman no Iraque, era o guerras umas contra as outras.
Keith Leavitt, Ph.D., é professor adjunto da Academia O Major Walter J. Sowden, Exército dos EUA, é subchefe
Militar dos EUA, em West Point, e pesquisador do de logística no Posto do Comando Operacional do
Projeto Implicit. Trabalha atualmente no Center for the 807º Comando de Apoio de Desdobramento Médico em
Army Profession and Ethic. É doutor em Comportamento Seagoville, no Texas. É bacharel em Sociologia pela
Organizacional (Administração) pela Foster School South Dakota State University e mestre em Psicologia
of Business da University of Washington e mestre em Organizacional e Social pela Columbia University.
Administração e Psicologia Social.
essas crenças estão mais fortemente ligadas às Hoje, uma das mais confiáveis é o teste de
atitudes de nossos pais em relação às minorias associação implícita disponível on-line (www.
do que às nossas próprias atitudes6). projectimplicit.com). O site fornece pontuação
Por outro lado, precisamos nos responsabilizar e feedback para ajudar o usuário a entender seus
por nossas decisões e por nosso comportamento próprios pressupostos automáticos, tudo de forma
em situações críticas, especialmente quando anônima. É chamado “Project Implicit” (Projeto
houver implicações morais e éticas. Embora haja Implícito) e é uma organização de pesquisa sem
um número limitado de pesquisas empíricas, fins lucrativos localizada nas Universidades de
que demonstram como esses pressupostos Harvard, Washington e Virgínia.
implícitos podem mudar, a maioria das possíveis
intervenções se concentra em reduzir nossa Monitorar as Próprias Reações
dependência em relação a eles, por meio da Embora situações complexas e intensas se
conscientização. É preciso fazer um esforço para desenrolem rapidamente, o dia a dia nos oferece
considerar a situação antes de agir. várias oportunidades para identificar e corrigir
É possível reduzir o impacto prejudicial pressupostos que possam surgir em situações
dos próprios pressupostos implícitos com as importantes. Por exemplo, se uma interação
seguintes medidas: problemática durante o atendimento ao cliente
●●Conscientizar-se do conteúdo dos próprios levar a um pensamento negativo automático
pressupostos implícitos. sobre a etnia da pessoa, esse momento deve servir
●●Monitorar ativamente as próprias reações como um alerta, assim como uma oportunidade
automáticas a situações e praticar substituí-las de lidar com o surgimento desses pressupostos
por bons julgamentos. automáticos no nosso pensamento. Uma vez
●●Incorporar complexidade ao próprio que reconheçamos nossos próprios pressupostos
modo de pensar, por meio da análise e do automáticos e as tendências comportamentais
questionamento de premissas. deles advindas, podemos nos empenhar em
considerá-las mais a fundo em vez de agir
Conscientizar-se imediatamente. Se acreditarmos implicitamente,
Conscientizar-se dos pressupostos implícitos por exemplo, que os habitantes do Oriente Médio
faz parte do desenvolvimento do autoconheci- são mentirosos, é óbvio que isso afetará uma
mento. Por autoconhecimento entende-se ter interação com um afegão ou com um iraquiano.
consciência de si mesmo, incluindo as próprias Podemos ignorar informações valiosas ou
características, sentimentos e comportamentos prejudicar relacionamentos construtivos.
(FM 6-22, Capítulo 8) 7. Nossa
organização valoriza o autoconhe-
cimento, segundo a antiga doutrina
de liderança e treinamento do Departamento de Defesa, Sgt Paul L. Anstine II, CFN dos EUA.
Exército (“Ser, Saber, Fazer”). O
Manual de Campanha 6-22 defende
os 11 princípios de liderança, dos
quais o primeiro é “conhecer-se
e buscar o autoaperfeiçoamento”.
Como, não raro, os pressupos-
tos automáticos operam sem que
tenhamos consciência disso, é
quase impossível conhecer nossas
próprias mentes. Felizmente, os
pesquisadores comportamentais
começaram a desenvolver uma
ampla gama de ferramentas para Um iraquiano acena com um pano branco, próximo à Ponte An Nu’maniyah,
identificar “pressupostos ocultos”. no Iraque,durante a Operação Iraqi Freedom.
Um militar fornece segurança durante apreensões de iraquianos, em Bagdá, Iraque, 13 Ago 07.
Em que Pé Estamos?
Qual é o motivo dessa proposta? Por que agora?
Nosso Exército continuará a operar em alguns dos
Exército no qual o desenvolvimento de caráter é inten- ambientes mais moralmente ambíguos e complexos
cionalmente parte de, literalmente, tudo o que fazemos. da história — sem um final à vista. Nosso chefe de
Parece fantasioso e absurdo? Não deveria. Estado-Maior, general George Casey, chama, apro-
Conforme nosso Exército olha para o futuro, pre- priadamente, a presente
cisamos examinar como formamos e desenvolvemos época de era de conflito
soldados e líderes para que possuam o caráter e a com- persistente. Casey e ou- O Maj Walter Sowden
petência que compõem o contrato não negociável entre tros líderes mais antigos é o subchefe de logística
nossa nação e seus profissionais militares. Nossa proposta do 807° Comando de
é que nos livremos de praticamente todo o treinamento Apoio de Desdobramento
e ensino isolados em desenvolvimento ético e de caráter O Ten Coronel Joe Doty, Médico, Posto de Comando
em todo o Exército. Nada mais de aulas sobre assédio Ph.D., Exército dos EUA, Operacional, Seagoville, TX.
sexual. Nada mais de aulas sobre a “lei de guerra terres- é vice-diretor do Centro de Anteriormente, foi diretor
tre”. Nada mais de orientações jurídicas sobre conflito Excelência de Ética Militar de pesquisa e operações
de interesse e aceitação de suborno. Em vez disso, nossa Profissional, na Academia do Centro de Excelência de
proposta é incorporar o ensino de ética e caráter em tudo Militar dos Estados Unidos. Ética Militar Profissional na
o que fazemos, em todos os canais de treinamento, todas Comandou, anterior- Academia Militar dos Estados
as experiências educacionais, tudo. Essa significativa mente, o 1º Batalhão, 27º Unidos. É bacharel pela South
mudança cultural não só será mais produtiva e eficiente, Regimento de Artilharia Dakota State University e mes-
como também acabará sendo mais eficaz e mais acertada de Campanha (Sistema de tre pela Columbia University.
pedagogicamente e exigirá menos recursos. Lançamento Múltiplo de Atuou como comandante de
Entendemos que pedimos uma transformação Foguetes), V Corpo de companhia na 1ª Divisão de
enorme e revolucionária ao propor isso agora. Os Artilharia, Exército dos EUA Cavalaria durante a Operação
líderes do Exército terão de mudar radicalmente sua na Europa. Iraqi Freedom II.
Instruções de segurança com soldados e praças da Força Aérea da equipe de reconstrução provincial de Kapisa-Parwan, na base avan-
çada de operações Morales-Frazier, na Província de Kapisa, Afeganistão, 13 de agosto de 2009, antes de uma missão. (Departamento de
Defesa, Sgt Teddy Wade)
reconhecem que a presente época terá um efeito no jovens o treinamento e a educação necessários para o
desenvolvimento e no ambiente moral e ético do devido desenvolvimento e mudança cognitiva” — o que
nosso Exército. significa que os atuais métodos não estão produzindo os
O nosso é, sem dúvida, o Exército mais competen- efeitos que desejamos2.
te, experiente, bem treinado e equipado do mundo.
Nossos modelos, sistemas e centros de treinamento são, Sinais do Problema
de longe, os melhores, mais avançados e mais eficazes Uma análise recente do currículo do Centro de
do mundo, e nossa superioridade tecnológica é igual- Preparação dos Oficiais da Reserva (Reserve Officer
mente impressionante. O nosso é um Exército em que Training Corps — ROTC) do Exército revelou que mais
o “treinamento é rei”. E com razão. Contudo, ao olhar- de 90% dele se concentra em desenvolver a compe-
mos para o futuro e nos examinarmos de forma crítica tência, enquanto menos de 10% se refere ao ensino de
(como devem fazer os profissionais), constatamos um caráter. Além disso, apenas cerca de 5% da instrução
descompasso entre competência e caráter. do Comando de Instrução e Doutrina do Exército dos
Curiosamente, esse mesmo tema foi abordado há EUA (Training and Doctrine Command — TRADOC)
12 anos pelo coronel Darryl Goldman, agora re- no sistema de ensino tanto de oficiais quanto de
formado, no artigo “The Wrong Road to Character graduados se concentra na ética e na liderança. É essa
Development”, na edição em inglês de janeiro-fevereiro proporção de 5% de caráter para 95% de competência
de 1998 da Military Review. Em seu artigo, Goldman que o Exército quer defender?
também enfocou a necessidade de uma mudança E quanto ao treinamento e ensino voltados ao cará-
cultural em função da natureza compartimentada do ter em nossas unidades? O descompasso entre compe-
nosso treinamento de “caráter”. Observou, de forma tência e caráter existe em nossas unidades (em termos
acertada, que, no Exército, “não proporcionamos aos de tempo devotado a cada um), e as experiências o
agravam. Por exemplo, examine o cronograma de trei- trabalho, etc.) como “treinamento obrigatório” ou
namento de qualquer unidade e compare o tempo gasto “ensino em cadeia”. Para executar esse treinamento, o
em competência com o tempo despendido em caráter. Exército normalmente envia apresentações “enlatadas”
Quantas vezes um grupo de combate teve de repetir de PowerPoint para os comandantes e instrutores,
um exercício tático porque ele não correu conforme o ordenando-lhes que treinem todos os integrantes da
planejado? Compare isso com o número de vezes que unidade sobre um tema específico antes de certa data.
um instrutor teve de repetir uma aula sobre os valores Essas aulas consistem em sessões de uma hora no
do Exército. Está claro que há um descompasso. Além cronograma de treinamento da unidade. Durante essa
disso, o Exército começou, recentemente, a eliminar hora, o comandante ou algum outro líder da unidade
vagas para capelães nas escolas mediante um plano de apresenta o treinamento. Depois que o treinamento é
transferir as aulas de ética para o ensino a distância. Por concluído, coloca-se um “X” na lista de conferência e a
muitos anos, essas aulas foram de responsabilidade dos unidade passa para a tarefa seguinte.
capelães. Todos esses são exemplos de uma incapaci- Esse método não é uma forma eficaz de desenvolver
dade sistêmica de entender e implantar uma estratégia um indivíduo ou incutir um valor referente à cultura
holística de ensino e desenvolvimento de liderança ética de uma organização4. Na verdade, pode ter o efeito con-
para o nosso Exército. trário. Esse método de transferir conhecimentos sobre
O Exército, inconscientemente, adotou um mo- esses importantes assuntos não é exclusivo das unidades
delo empresarial ineficaz de treinamento de caráter. valor companhia. É como o treinamento moral e ético
Contudo, as pessoas aprendem melhor a partir da ocorre em todos os níveis do Exército. Infelizmente,
experiência. Treinar para ensinar uma habilidade não funciona e talvez seja até contraproducente:
inclui tentar encaixar uma grande quantidade de Essa tendência de criar iniciativas novas e
experiências em um curto espaço de tempo. Isso se isoladas para tratar vários tipos de má condu-
dá normalmente por meio de uma palestra ou aula. ta em relações humanas constitui o fracasso
Essa abordagem só é eficaz se a intenção é munir o fundamental na forma como as forças mili-
aluno de uma habilidade. Esse é um ótimo método tares americanas abordam o desenvolvimen-
se o resultado almejado é ensinar um soldado como to de caráter desde o governo Eisenhower.
carregar e limpar uma arma ou trocar o pneu de um Presumimos continuamente que as iniciativas
caminhão. Contudo, essa não é a forma de desenvolver isoladas de abordar a ética, moralidade ou
alguém, especialmente no campo moral ou ético. Não valores sejam importantes só porque elas dão
se pode ensinar como reconhecer um dilema moral, a impressão de que “estamos fazendo algo”. Na
avaliar os efeitos potenciais de uma decisão e portar- verdade, essa fé enganosa em projetos novos
-se de forma moralmente correta por meio de uma e desconectados é um sinal de que eles fazem
apresentação de PowerPoint. A única forma de fazer mais mal que bem ao desviar a atenção da li-
isso é desenvolver — mudar — uma pessoa3. derança, que tem a autoridade para provocar
Como em relação à maioria dos temas que ensina- a verdadeira mudança5.
mos no Exército, atualmente transmitimos a ética e os Em outubro de 2008, o Exército realizou uma
valores de forma compartimentada. Isso fica evidente Reunião de Cúpula de Treinamento em Prevenção do
quando se examinam os cronogramas de treinamento Assédio Sexual e Redução de Risco. Durante a reunião
das unidades. Designamos os cursos enquadrados na (cujos palestrantes convidados incluíam o secretário e
categoria de educação moral e ética (respeito, ética o chefe do Estado-Maior do Exército), foi anunciada a
na guerra, assédio sexual, violência doméstica e no nova campanha “I A.M. Strong” para ajudar a prevenir
a agressão sexual no Exército. Por que o Exército pre- Cinco dos comandantes de brigada tiveram de subs-
cisaria tratar de questões de respeito por membros da tituir ou admoestar um chefe ou sargento de pelotão
força singular em 2008? Um dos sete valores do nosso pelo abuso de detentos ou violação das regras de engaja-
Exército é o “respeito”. Temos certeza de que a maio- mento ou regras de escalada da Força. Um comandante
ria das pessoas no Exército sabe os sete valores de cor. de batalhão no Iraque, envolvido em uma investigação
Contudo, não basta decorá-los. Para que os valores do segundo o Artigo 15-6 do Código Uniforme de Justiça
Exército tenham algum significado, é preciso internali- Militar dos EUA sobre as circunstâncias que levaram
zá-los, personificá-los e vivenciá-los. Podemos e deve- a um caso de sequestro e morte horrível, afirmou que
mos ser melhores que isso. seria preciso um “comandante especial” para impedir a
Um poderoso exemplo da mentalidade de “slogan” ocorrência desse terrível incidente (por causa do clima
dos nossos valores do Exército ocorreu em 2005, duran- depreciativo na unidade depois do amplamente divul-
te a corte marcial de um soldado acusado de empurrar gado estupro e assassinato de uma menina iraquiana).
um iraquiano de uma ponte sobre o rio Tigre. Durante Quando lhe perguntaram se o Exército possuía esses
a fase de sentença da corte marcial do soldado, o tenen- “comandantes especiais”, ele respondeu: “sim, mas muito
te-coronel Nate Sassaman, o comandante do batalhão, poucos apenas”7. Como cultivar e desenvolver esses sol-
depôs que todos os integrantes do batalhão portavam dados e líderes especiais para atuarem em um ambiente
um cartão “baseado nos valores do Exército” e “sabiam complexo e moralmente ambíguo que provavelmente
os valores do Exército — de trás para frente — e os se- persistirá por alguns anos ainda?
permanente. Por exemplo, podemos treinar (trans- Nossa meta precisa ser a de intencionalmente criar
ferindo habilidades e competências) um líder em oportunidades e estabelecer as condições para que os
técnicas de acompanhamento (mentorship). Podemos soldados entendam e internalizem as quatro etapas de
ensinar (transferindo conhecimentos) a um líder o desenvolvimento moral de James Rest9:
processo de desenvolvimento humano por trás dessas • reconhecimento moral;
mesmas técnicas de acompanhamento. Por fim, po- • discernimento moral;
demos desenvolver (mudanças duradouras na identi- • intenção moral;
dade, perspectivas e sistema de criação de significado • ação moral.
de uma pessoa) líderes ao criar uma identidade em Precisamos desenvolver soldados que sejam mais
que eles veem a si próprios como mentores e forma- complexos intelectual e moralmente e que tenham a co-
dores de líderes8. ragem moral de agir segundo suas crenças e valores. Isso
Os soldados revelam o seu caráter pelo seu é mais fácil falar do que fazer. Os programas de sucesso
comportamento — no contexto do seu dia-a-dia e “começam com um modelo que inclui a dimensão cogni-
enquanto exibem sua competência. Um bom teste tiva, afetiva e comportamental… e uma programação tão
do caráter dos soldados é como eles se comportam variada quanto o esclarecimento de valores, a discussão
quando algo dá errado. O caráter não se revela em de dilemas morais, a dramatização e a resolução de con-
um vazio. O conceito de “caráter” está visível no que flitos”. Além disso, há indícios de que “o desenvolvimento
fazemos o tempo todo (embora muitas vezes não moral possa continuar durante a idade adulta e que
pensemos nesses termos). Assim, nosso Exército mudanças especialmente drásticas possam ocorrer em
precisa desenvolver moralmente líderes éticos para jovens adultos no contexto da educação profissional… O
as contingências complexas. desenvolvimento moral e ético ocorre em vários contex-
Como as pessoas desenvolvem o caráter? As tos, tanto formais quanto informais”10.
pesquisas dessa área mostram resultados variados. Nosso Exército precisa criar esses contextos formais
Um poderoso método pedagógico, proposto por Lee e informais e praticar (por meio da dramatização e
Knefelkemp, da Universidade Columbia, em Nova do ensaio) a intenção moral e a ação moral. A maior
York, é fazer com que as pessoas saiam da sua zona lacuna no modelo de Rest é a etapa entre as intenções
de conforto — fazer com que se sintam incomodadas morais e as ações morais. Muitas vezes, nossos soldados
mediante debates sobre assuntos que elas não queiram sabem qual é o certo a fazer, mas (com frequência devi-
discutir. Esse processo provoca uma dissonância cog- do a um sentido distorcido de lealdade) não têm a co-
nitiva na mente das pessoas, que desafia suas crenças e ragem moral para de fato fazê-lo. Há muitos exemplos
leva à mudança. dos nossos conflitos atuais (os espancamentos na base
O Exército precisa adotar uma visão holística do aérea de Bagram, Abu Ghraib, Operação Iron Triangle);
desenvolvimento de caráter. Um modelo comum utili- os soldados sabiam qual era o certo a fazer, mas não o
zado para o desenvolvimento é descrito a seguir: fizeram. Toner observa que esse problema fundamen-
tal tem uma solução: “Um importante problema com
o ensino de ética é que ele não pode ser colocado em
Novos Conhecimentos
compartimentos perfeitos e convertido em resultados
de aprendizagem sonoros e desejados… Não existe uma
solução “mágica” — nenhuma bússola ética sempre se-
Reflexão Experiências de
gura. Devemos ensinar o raciocínio moral, e não apenas
Desenvolvimento
‘valores centrais’ ou ‘listas de conferência éticas’”11.
Albert Bandura descreveu a escolha de não fazer por uma série de prismas éticos (voltados para o re-
nada (ou fazer vista grossa) como um ato de “desco- sultado, voltados para regras/processos, voltados para
nexão moral”: valores). Ao expô-los a operações táticas, multitarefas
Em palavras simples, a “desconexão moral” é e complexas, devemos incorporar variáveis moral-
o que acontece com as pessoas quando elas mente intensas à equação. Devemos buscar fazer com
recebem uma carga além da sua capacidade que os soldados saiam de suas zonas de conforto, gerar
emocional e psicológica. Seus corpos, psiques, ansiedade e exigir que tomem decisões difíceis que
mentes e almas se desconectam dos eventos não tenham uma resposta necessariamente certa, mas
à sua volta e elas se tornam alheias, em um que tenham consequências.
estado quase de dissociação. Se não for con- A orientação (coaching) e o acompanhamento (refle-
trolada, a pessoa “reinterpretará” ou utilizará xão orientada) de qualidade devem ser contínuos du-
uma lógica forçada para justificar comporta- rante todo o processo. Um líder, orientador ou mentor
mentos amorais12. deve ajudar os alunos a encontrar significado em suas
A presente era de conflito persistente sobrecarrega experiências e examinar suas percepções e decisões. Os
e continuará a sobrecarregar os soldados além de sua líderes e orientadores também devem transmitir suas
capacidade emocional e psicológica: experiências sem julgar. Escolhemos a palavra “orien-
Para desenvolver o bom caráter, os alunos tador”, e não professor ou conselheiro, porque a forma
precisam de várias oportunidades diferentes como se transmite a mensagem é importante. Para que
para aplicar valores como responsabilidade alguém mude, é preciso que se desenvolva, e isso exige
e justiça em interações e discussões diárias… realismo, experiência e repetição. O ponto-chave é que
Por meio de repetidas experiências morais, os o treinamento é ineficaz quando se tenta desenvolver
alunos… desenvolvem e praticam as habili- as pessoas. “Só depois que o ‘líder em treinamento’ é
dades morais e os hábitos comportamentais obrigado a passar por um problema e resolvê-lo em
que compõem o aspecto da ação do caráter… primeira mão é que ele absorve a lição”14.
em uma comunidade moral e que aprende, na Essa ideia não é nova. A integração do treina-
qual todos compartilham da responsabilidade mento, ensino e desenvolvimento em um modelo ho-
pelo ensino de caráter e buscam aderir aos lístico de desenvolvimento de competência começa a
mesmos valores centrais13. infiltrar-se na cultura do Exército. Nosso Exército se
Como se criam as experiências de desenvolvimento movimenta lentamente em direção a um modelo de
e se introduzem os novos conhecimentos para desen- treinamento e desenvolvimento de liderança adap-
volver os soldados moral e eticamente? Não é difícil, tável. Por causa da complexidade cada vez maior do
mas leva tempo, raciocínio e acompanhamento. Um campo de batalha moderno, os soldados e os líderes
ponto de partida é oferecer aos soldados experiências devem tomar decisões extremamente importan-
simuladas do mundo real, semelhantes às pistas de tes em uma fração de segundo, que têm efeitos de
exercício tático, e acrescentar contextos e situações segunda e de terceira ordem e, às vezes, estratégicos.
realistas a serem enfrentados; desenvolver problemas Não devem ser treinados em habilidades específicas,
do mundo real com os quais eles precisem lidar; criar mas desenvolvidos para possuir certas características
oportunidades para que os soldados e líderes prati- e traços — os soldados e líderes terão de ser ágeis
quem a tomada de decisões éticas e analisem cenários física, mental, social e emocionalmente — e possuir
Soldados do Gabinete de Relações Públicas ouvem um graduado na Estação de Segurança Conjunta Zafaraniya, leste de Bagdá, Iraque,
18 de abril de 2009. (Exército dos EUA, Sgt James Selesnick)
colegas quanto a esses temas difíceis e incômodos é uma diferente nas mentes dos comandantes. Os comandantes
das técnicas de desenvolvimento mais eficazes. Somos compreenderão que, se deixarem de desenvolver o caráter
limitados nessa área apenas pela nossa imaginação e de seus soldados de forma adequada e plena, estabelecerão
não precisamos reservar um período de instrução de condições para o fracasso.
uma hora para iniciar essas discussões.
Garantir que os soldados de uma unidade verdadeira- Como Mudar uma Cultura
mente tenham caráter (e sejam competentes) é uma res- A mudança que defendemos seria uma transfor-
ponsabilidade de liderança e comando em seu nível mais mação revolucionária na cultura do Exército, não uma
básico. Como a maioria dos “problemas” no Exército, esse é transformação gradual ou metódica. Para que ela seja efi-
simplesmente um problema de liderança. Historicamente, caz, os líderes dos escalões mais elevados da organização
“os comandantes são responsáveis por tudo que uma teriam de exigi-la. Esses líderes precisam criar, direcionar
unidade faz ou deixa de fazer”. Esse é um conceito sim- e impulsionar essa mudança para assegurar que ela afete
ples, mas poderoso. Curiosamente, em termos de aceitar todas as facetas dos sistemas de desenvolvimento e ensi-
responsabilidade pelo ambiente e comportamento de “ca- no de liderança do Exército17. O atual status quo separa o
ráter” de uma unidade, podemos aprender algo dos nossos desenvolvimento de competência do baseado em caráter.
companheiros de armas da Marinha. Se nosso Exército O novo paradigma sempre desenvolverá a competência
adotasse o conceito da Marinha de que “se um navio enca- e o caráter simultaneamente — aumentando, assim, o
lha, o comandante é o responsável”, criaria um paradigma tempo gasto no desenvolvimento do caráter.
Depois da mudança cultural, a competência e o facilitar essas conversas incômodas. Entretanto, boa
caráter passarão a fazer parte de tudo o que fizermos. parte da estratégia para implantar essa mudança é
Como um guia para impulsionar essa mudança, propo- “simplesmente fazê-lo”. Precisamos estabelecer as
mos que se utilizem os oito passos de John Kotter para condições e criar oportunidades para os soldados
mudar a cultura de uma organização: pensarem sobre a forma como entendem questões di-
1. estabelecer um sentido de urgência (de cima para fíceis, como o assassinato, a tortura, o estupro, e como
baixo e de baixo para cima); elas são relacionadas com detentos e estrangeiros. Os
2. criar uma coalizão orientadora (para iniciar e con- soldados precisam testar e desafiar seus pensamentos,
tinuar o processo); crenças e valores. Esse simples primeiro passo será, na
3. desenvolver uma visão e estratégia para integrar o realidade, um enorme passo rumo a tratar da mudan-
caráter e a competência; ça cultural que propomos.
4. comunicar a visão de mudança utilizando os líderes Se o Exército decidir realizar essa mudança
mais antigos; cultural, economizará na verdade tempo e dinheiro.
5. possibilitar a ação de base ampla ao remover obstá- A economia líquida ocorrerá porque os soldados não
culos à mudança; terão mais de entrar em salas de aula ou auditórios
6. gerar ganhos de curto prazo integrando o ensino de para assistirem a treinamentos referentes a ética.
caráter em nossos currículos; Nosso Exército se transformará em uma profissão
7. consolidar os ganhos e produzir mais mudança em que o treinamento, ensino e desenvolvimento de
(integrando o ensino de caráter em nossos canais caráter e competência ocorrerão simultaneamente
de treinamento); — e o resultado será soldados que entendem e
8. fixar novas abordagens na cultura desafiando ou- internalizam o que significa ser um soldado america-
tros na organização a falar sobre a mudança18. no. Por fim, nosso Exército e nossa nação se benefi-
Haverá uma curva de aprendizado pronuncia- ciarão de tal mudança. É a coisa certa a fazer e agora
da para os instrutores e líderes sobre como criar e é a hora de fazê-lo.
Referências
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Journal (Summer 1998). Business School, 2007), p. 13.
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Can Ethics Be Taught? Perspectives, Challenges and Approaches Differs from Management (New York: Free Press, 1990).
“Divorciadas da ética, a liderança fica ●●Como ética é um conceito objetivo, uma ética
reduzida à gestão e a política, à mera técnica.” profissional não pode divergir radicalmente do
——James MacGregor Burns código moral que deve reger toda a humanidade.
H
●●Embora não seja radicalmente diferente,
Á MUITO O Exército funciona a ética de uma profissão serve a um público
sem uma expressão formal da sua específico. Sua expressão deve ser útil para tal
ética profissional. Entretanto, várias público.
pessoas ligadas à profissão das Armas têm ●●Uma ética é expressa com uma finalidade.
questionado abertamente se é prudente, ou Um dos principais objetivos de expressar a nossa
mesmo possível, tentar formalizar uma “ética ética profissional é promover o desenvolvimento
profissional militar” (EPM). É justamente isso, moral dos nossos soldados. Portanto, ela deve
porém, que o Exército vem se empenhando ser apresentada de modo que lhes seja permitido
em fazer. Ele tem promovido esforços para internalizá-la.
expressá-la, incentivando o debate aberto sobre
o tema com indagações sobre a natureza e o Uma EPM Deve ser Normativa e
conteúdo da ética profissional militar norte- Não Pode ser Criada
americana. Apresentamos algumas opiniões O Manual de Campanha 1, O Exército
que, esperamos, irão enriquecer o debate e a (FM 1, The Army) afirma: “As profissões
investigação sobre o tema. criam seus próprios padrões de desempenho e
códigos de ética para manter sua eficácia”. Uma
assertiva problemática como essa — por diversos
Constatamos que o etos motivos — demanda uma análise. Antes disso,
vem se tornando um tema é preciso esclarecer o que é ética e o que é etos.
Constatamos que o etos vem se tornando um tema
cada vez mais comum em cada vez mais comum, em função do destaque do
“etos do guerreiro”, no Credo do Soldado. Dada
função do destaque do “etos a semelhança do termo etos com ética, muitos
do guerreiro”, no Credo do logo confundem os dois. Entretanto, salvo o fato
de terem a mesma origem etimológica, as duas
Soldado. palavras possuem pouco em comum.
A ética responde a perguntas sobre o certo e
o errado. Ela deriva de características imutáveis
Resumidamente, propomos que qualquer da natureza humana. O etos reflete o espírito
análise da ética profissional militar leve em de uma organização ou o espírito que ela busca
consideração o seguinte: incutir em seus integrantes. Ele deriva da postura
●●Afirmamos que todo esforço para ou de metas compartilhadas da organização. Não
desenvolver um código de ética deve estar sujeito há uma relação essencial entre os dois termos.
às restrições da moral objetiva preexistente. Um etos não é necessariamente ético. Pode-se
O Tenente-Coronel Brian Imiola, Exército dos EUA, é O Major Danny Cazier é professor adjunto de Filosofia
professor no Departamento de Inglês e Filosofia da Academia na Academia Militar dos EUA. É mestre em Filosofia pela
Militar dos EUA. É doutor em Filosofia pela University at Virginia Tech. Seus atuais interesses de pesquisa são as
Buffalo. Serviu na Somália, Haiti, Turquia e Iraque. Éticas Profissional e Militar.
Soldados da 3ª Divisão de Infantaria do Exército dos EUA prestam continência durante cerimônia de realistamento no Camp
Liberty, no Iraque, 17 Jul 07.
imaginar um etos nazista e o que ele acarretaria. podemos criá-la, mas apenas nos empenhar em
Um etos que vise a ser ético estará sujeito a uma descobrir ou discernir o que ela determina e,
análise para determinar se ele o é de fato. então, agir em conformidade com isso. Se isso
A ética em si não está sujeita a essa análise. parece surpreendente, considerem-se documentos
Não faria sentido perguntar se a ética é ética, importantes, como a Declaração da Independência
mas faz sentido questionar se um código de dos EUA, a Carta de Direitos dos EUA e a
ética específico representa devidamente as Declaração Universal dos Direitos Humanos da
responsabilidades morais de uma pessoa. O ONU, de 1948. Eles se concentram em direitos
que se almeja, quando se busca uma ética “inalienáveis”. Exemplos incluem o direito à
profissional, é a melhor compreensão dos vida e à liberdade. Eles também se baseiam no
princípios que devem determinar nossa fundamento de que todos os seres humanos nascem
conduta, não o espírito ou a mentalidade que a livres e iguais. Nenhum desses documentos teve a
influenciam. Com isso em mente, nossa meta pretensão de criar esses direitos. Eles já existiam,
deve ser cultivar um etos que reflita a nossa com base em princípios preexistentes. Os
ética, de forma deliberada. O que realmente documentos apenas os discernem e os descrevem,
queremos é que o autêntico espírito da nossa de modo a influenciar e a guiar nossa conduta.
organização reflita nossas obrigações morais. Não estamos criando novos princípios quando
A ética é normativa, o que significa apenas tentamos expressar nossa ética profissional. Em
que ela nos diz o que devemos fazer. Ela advém vez disso, buscamos descrever com precisão os
da nossa natureza humana comum, incluindo princípios éticos preexistentes, de modo que
características-chave, que definem que seres possam orientar a conduta em nossa profissão.
somos. Somos seres racionais e sociais. Como Os cientistas não criam leis físicas. Eles as
a moral deriva da nossa natureza humana, não descobrem. Eles tentam, então, descrevê-las da
Uma militar da Força Aérea dos Estados Unidos ajuda a admitir pacientes e a controlar a entrada na Clínica Governamental
do Mercado de Mallam-Atta como parte do Exercício de Assistência Médica Humanitária das Forças Combinadas de 2006,
em Acra, Gana, 14 Set 06.
Devido ao caráter vago dos valores, os soldados O argumento em prol dos princípios. Se os
podem interpretá-los de maneiras que gerem con- valores e as regras são fracos candidatos para
flitos irreconciliáveis, ao tentarem utilizá-los como expressar nossa ética profissional militar, o que
base para decisões. Muitos valores sequer são valo- nos resta? Entre os valores e as regras estão os
res morais objetivos, mas instrumentais. Os valores princípios. Eles são menos vagos que os valores
morais objetivos melhoram verdadeiramente a e menos específicos que as regras. Expressam
ação, quando respeitados. Os valores instrumentais verdades morais genéricas, mas continuam a
simplesmente auxiliam o cumprimento de uma defender ou a condenar tipos de ação específicos.
causa particular. Para ilustrar essa observação, Oferecem uma orientação geral, ao mesmo tempo
considerem-se os valores da coragem pessoal e em que exortam os membros da profissão a
da lealdade. Eles parecem ser valores adequados, exercerem sua capacidade de discernimento, ao
mas podem ser facilmente empregados na busca aplicá-los com maior precisão do seria possível
de fins imorais. A coragem, por exemplo, torna um com os valores ou com as regras. Defendemos
ladrão de bancos ainda mais perigoso à sociedade que os princípios são o veículo adequado para
do que se ele não a possuísse. A lealdade torna o expressar nossa ética profissional.
crime organizado uma ameaça mais pérfida do que Os princípios educam. Eles oferecem melhor
se os seus membros fossem desleais a uma gangue orientação para a ação do que valores vagos ou
ou à máfia. Até mesmo indivíduos envolvidos em regras aplicáveis de forma restrita. Como eles se
atividades ilícitas acham a coragem e a lealdade aplicam a categorias de ação, não são necessários
úteis. E sua conduta torna-se ainda mais imoral muitos deles. Funcionam melhor do que regras
por haverem explorado esses valores. específicas, porque educam.
O argumento contra as regras. Vale observar, Cobrem uma infinidade de casos e, assim,
também, o argumento contra as regras. Primeiro, oferecem um entendimento do elemento comum
uma relação de regras nunca seria suficientemente a todos eles. O princípio envolvido explica o
longa para registrar tudo o que se deve ou não caráter correto ou incorreto. À medida que os
fazer. Segundo, qualquer lista de regras — se apli- profissionais amadurecerem, o mesmo ocorrerá
cada — na verdade só se aproximaria de mais um em relação à sua compreensão do que os
código legal. Daria margem à interpretação voltada princípios requerem.
a aspectos legais e a manobras. Não só já temos Os princípios também promovem a autonomia
um código legal adequado (Código Uniforme de de decisão, a marca de uma profissão (as regras,
Justiça Militar), como nossa ética não deve ser por outro lado, o eliminam – essa é a marca da
relegada à condição de lei. A lei determina o que burocracia). Como eles educam e passam a exigir
fazer para evitar uma punição, mas, em última aná- o uso do próprio critério, os princípios incentivam
lise, não diz o que se deve fazer. Terceiro, as regras uma conduta melhor do que o fariam as regras.
são impotentes se não houver imposição. Quando Por exemplo, o respeito é um valor essencial.
impostas, a principal motivação para segui-las é o Contudo, mesmo que chegássemos a um consenso
mecanismo de imposição (ou seja, a punição). No quanto ao significado do respeito, isso não geraria
campo de batalha atual, os soldados muitas vezes automaticamente qualquer orientação para a
operam de forma independente. A perspectiva de ação, até que convertêssemos o respeito em um
punição é remota demais para guiá-los, especial- princípio moral. Além disso, há uma série de
mente quando não têm a certeza de que sobrevi- princípios morais que podem, plausivelmente,
verão para recebê-la. As regras simplesmente não derivar do valor respeito. Alguns são compatíveis,
serão capazes de compelir um soldado a adotar a enquanto outros se chocam.
devida conduta se ele já não for alguém preocupado Algumas possibilidades são relacionadas a
em agir corretamente. seguir:
Por fim, as regras não educam. Elas afirmam o ●●Enxergar os outros como tendo o mesmo
que se deve ou não fazer, mas não dizem o porquê. valor que você.
Isso se deve ao fato de que elas são específicas a ●●Tratá-los da forma como devem ser tratados.
alguns casos, sem possuírem implicações aplicá- ●●Não prejudicar ninguém (incluindo os
veis aos demais. culpados) infundadamente.
Departamento de Defesa
Soldado segura a mão de um iraquiano ferido, depois da explosão de um carro-bomba em um cruzamento em Tameem,
Ramadi, no Iraque, 10 Ago 06.
A regra relativa à utilização de herbicidas realizar de forma rotineira as ações por eles
parece se aproximar de um princípio, já que ditadas. Idealmente, isso levará à internalização.
ela requer certo grau de discernimento ou Não só agirão de acordo com eles, mas também
interpretação para determinar o que significa irão acreditar, verdadeiramente, que eles são os
“no entorno imediato”. Como está expressa em princípios morais corretos. Tal crença não pode
termos de uma proibição rigorosa, ela assume ser fabricada: deve advir da experiência de se
a forma de uma regra. Ao fazê-lo, suscita o entender a verdade em ação.
equívoco. O que significa “entorno imediato”: Precisamos tomar três passos para promover
o alcance de uma granada de mão, o alcance de o desenvolvimento moral da nossa profissão.
armas portáteis, o alcance de utilização da arma Primeiro, devemos gerar uma abordagem simples
que produza o maior número de baixas? Embora e inspiradora da ética profissional militar, que
também exijam esse tipo de interpretação, os seja fácil de lembrar e de entender. Segundo,
princípios buscam ensinar o discernimento em precisamos gerar uma descrição mais longa e
vez de eliminá-lo. Buscam incentivar em vez de mais aprofundada dessa ética, que forneça a
compelir. Em suma, estimulam a conduta ética. fundamentação dos princípios inclusos na versão
resumida. Ela deve explicar os princípios de
Uma EPM Deve ser forma mais completa e ajudar a nossa profissão
Internalizada; Não Apenas a determinar as ações que deles decorrem e
Decorada como aplicá-las. Terceiro, precisamos reforçar
A ética profissional militar do Exército não a ética profissional militar em todos os aspectos
é apenas algo para o soldado decorar. Ele deve do serviço militar, incluindo as atividades
internalizá-la. Os Estados Unidos são uma nação na caserna, os exercícios de campanha e os
de extrema diversidade. Os integrantes da nossa desdobramentos.
profissão ingressam nela com visões de mundo e O êxito nesse empreendimento promete uma
crenças éticas diferentes, algumas das quais não grande recompensa. Os benefícios internos de
estão de acordo com a ética do Exército. Não se expressar essa ética irão:
obstante, a meta final da nossa ética profissional ●●Oferecer um veículo para a compreensão e
militar é que os soldados não simplesmente a internalização dos nossos valores essenciais.
ajam de acordo com esses princípios, mas que ●●Unir as diversas subprofissões (isto é, as
os internalizem. Por internalizar, entende-se várias Armas) em torno de um propósito.
que os integrantes da profissão acreditem, ●●Possibilitar o desenvolvimento moral de
verdadeiramente, que esses princípios sejam cada profissional, individualmente.
moralmente corretos e justos. Ao considerá- ●●Inculcar a confiança moral em nossos
los justos, buscarão entendê-los melhor e soldados.
conformar suas ações a eles. O primeiro passo ●●A p r i m o r a r c o n s i d e r a v e l m e n t e o
rumo à internalização consiste na educação e no desempenho moral dos nossos soldados.
treinamento. A compreensão moral necessária ●●Melhorar a relação de confiança com a
para se fazer um juízo moral correto requer nossa clientela, o público norte-americano.
muito estudo. Para que fomente tal compreensão, ●●Melhorar nosso status como profissão,
uma expressão da ética profissional militar deve alinhando-nos com outras profissões estabelecidas
não apenas esclarecer, mas também promover a (e ajudando a minimizar preocupações quanto ao
reflexão e o diálogo sobre os princípios morais fato de constituirmos ou não uma profissão).
que regem nossa profissão. Só dessa forma ●●Servir de modelo para as forças militares
ela poderá estimular o profissional a, de fato, de outras nações, que estejam empenhadas em
internalizá-los. se profissionalizar e em discernir as implicações
Depois de explicar e ensinar a ética profissional morais da profissão das Armas.
militar, o passo seguinte rumo à internalização Considerando que o Exército dos EUA adentra
é a formação de hábito. Com o tempo e com o seu 236º ano de existência, está na hora, sem
reforço e a correção, nossos soldados converterão dúvida, de expressarmos claramente nossa ética
esses princípios em tal hábito que passarão a profissional.MR
O major Kenneth R. Williams é o capelão da 14ª Brigada de Brown University e mestre pela Southwestern Baptist Theologi-
Polícia do Exército, no Forte Leonard Wood, Missouri. Ele é cal Seminary. Ele desempenhou várias funções de Estado-Maior
bacharel pela Ouachita Baptist University, mestre pela John no território continental dos EUA, Coreia e Timor Leste.
frequentemente em conflito.
Muitas vezes, pode-se encon-
trar uma razão em torno de uma
regra como justificativa para se
agir segundo os próprios inte-
resses. Um profissional leva
tal juízo ético seriamente em
consideração, cauteloso de jus-
tificativas simplistas e superfi-
ciais para evitar as implicações
do princípio moral. Como dois
peritos conhecidos observa-
ram, “A prática profissional é
Departamento de Defesa
essencialmente um empreen-
dimento moral”.17 O Exército
enfrenta um inimigo adaptável
e mudanças na guerra; os sol-
dados devem ser capazes de
O Sgt Keven Jaques, membro do Comitê de Detenção da Divisão de Adestramento
“raciocinar cuidadosamente Básico da Polícia do Exército, instrui soldados sobre a execução de uma
sobre os dilemas de uma pro- transferência forçada de detidos entre células. Relacionar os valores do Exército
fissão...”18 e o Etos do Guerreiro ao tratamento moral de detidos prepara os soldados para
enfrentarem dilemas morais sem violar o código moral do Exército.
P r i m a z i a d e v a l o re s
morais. O estudo de Colby e Damon indica que ambiente ao redor dele. A influência é a essência
para manter seus valores morais os exemplos da liderança. Outro autor define liderança como
morais estão dispostos a anular seu ganho pessoal “um relacionamento de influência entre líderes e
para o bem de outros. Isso não significa que os seguidores que planejam mudanças verdadeiras
exemplos morais desconsideram sua saúde e que reflitam seus propósitos mútuos”. 20
bem-estar pessoais, mas significa que os valores Paralelamente, um exemplo moral inspira outros
essenciais têm precedência sobre os benefícios a terem um desempenho de mais alto nível, por
pessoais quando uma pessoa enfrenta um dilema meio dessa influência associada.
moral. Os exemplos morais cumprem seu Idealmente, um sargento deve facilitar
compromisso com os valores morais. a mudança e o crescimento, construir
Para um sargento, ser um exemplo moral uma equipe e motivar outros para o
resume o valor do Exército de “serviço altruísta”. desenvolvimento ético e a ação moral. Da
Um sargento escolhe a ação moral acima do mesma forma que um exemplo mostra tais
autointeresse, não usa soldados para ganho pessoal atributos em sua vida, os sargentos devem
e vê o código moral do Exército como a premissa liderar os soldados a incorporá-los em
dominante para o sucesso a longo prazo, como suas vidas. O FM 6-22 enfatiza o poder
uma influência duradoura e que faz a diferença no do exemplo do sargento: Os líderes de
mundo. Quando enfrentado com um dilema moral, caráter do Exército lideram pelo exemplo
o sargento acata o princípio em vez de agir em seu pessoal e agem consistentemente como
autointeresse. Por exemplo, o Credo de Sargentos modelos de vida, por meio de um esforço
afirma, “Não usarei minha graduação ou posição dedicado ao longo da vida para aprender e
para conseguir prazer, lucro ou segurança pessoal... se desenvolver. Alcançam a excelência para
sempre colocarei suas [soldados] necessidades suas organizações quando os seguidores são
acima das minhas”. O Army Study Guide (Guia disciplinados para fazer seus deveres, são
de Estudo do Exército, em tradução livre) também comprometidos com os Valores do Exército e
enumera esse princípio.19 se sentem capacitados para cumprir qualquer
Inspiração moral. O estudo de Colby e Damon missão, enquanto melhoram simultaneamente
reconhece que um exemplo moral influencia o suas organizações com o enfoque no futuro.21
porque ele ou ela é um perito, i.e., o mestre. instrução.30 A instrução que um sargento como
O subordinado é o aprendiz. Um processo exemplo moral proporciona deve incluir elementos
aplicável de desenvolvimento moral e de caráter específicos.
é a educação ética integrada, que aborda o Os métodos do exemplo moral são
desenvolvimento do caráter com três premissas autoconstrutivos, quer dizer, deve-se resolver ter
básicas: a assimilação por si próprio. Susan Martinelli-
●●O caráter é o desenvolvimento da perícia. Fernandez, inferindo a noção de autonomia na
●●O cultivo do caráter é o cultivo da perícia. educação moral de Immanuel Kant, afirma que
●●A autorregulação é necessária para manter a autonomia não significa que os soldados têm o
o caráter.28 direito de agir espontaneamente para aceitar ou
Portanto, a educação ética integrada envolve a rejeitar certas ações ou regras morais.31 A autonomia
transformação de um aprendiz em perito por meio significa que os soldados têm o direito, a liberdade
do treinamento da aprendizagem. O sargento, e, mais importante, a responsabilidade de participar
como exemplo moral, serve de modo ideal como ativamente na construção de sua identidade moral à
um treinador ou perito que guia o novato ou luz da razão. Porque a ação moral tem princípios, os
aprendiz à perícia. Nesse processo de treinamento líderes não podem forçar que os soldados mudem.
da aprendizagem, o sargento serve como exemplo Os soldados têm de escolher mudar.
pessoal, como instrutor e como criador de um No entanto, os líderes podem criar as condições
clima de autoridade. pelas quais os soldados são capacitados, e eles
Exemplo pessoal. No treinamento da podem escolher mudar. Se os líderes alimentam
aprendizagem, o soldado raso novato observa à força as regras, a motivação para engajar em ou
as ações e atitudes do perito, o sargento. A ignorar uma ação moral se reduz ao autointeresse,
autorregulação é resultado da observação evitar uma punição ou à obtenção de uma
do exemplo de líderes e a aplicação do
código moral e as normas e procedimentos da
organização. O sargento como exemplo moral ...os líderes não podem forçar
proporciona ao soldado um modelo visível. O
FM 6-22 afirma: que os soldados mudem. Os
Vivendo conforme os Valores do Exército soldados têm de escolher
e o Etos do Guerreiro, vizualiza-se melhor
o caráter e a liderança pelo exemplo. mudar.
Isso significa priorizar a organização e
os subordinados antes do autointeresse,
da carreira e do conforto pessoais. Para recompensa. Como Martinelli-Fernandez observa,
o líder do Exército, isso exige priorizar a “A meta de educação moral, portanto, não é
vida dos outros acima do desejo pessoal de simplesmente conseguir que o agente obedeça às
autopreservação.29 regras. É o cultivo da atuação moral, uma atuação
O exemplo pessoal de um sargento não pode que envolve uma pessoa para que ela se torne
ser subestimado. Os resultados de meu estudo um pensador correto e independente, e que aja
de 2009 mostram que o exemplo de líderes em corretamente.”32
geral e o de sargentos no treinamento inicial, Um exemplo moral deve desenvolver uma
em particular, tinham o efeito mais significativo perícia em duas dimensões: o entendimento
no desenvolvimento moral dos soldados. Se os explícito e consciente, e o entendimento implícito
soldados têm de ser preparados para a batalha, e intuitivo. A instrução deve envolver a aquisição
não apenas tática e tecnicamente, mas, de modo do conhecimento específico do código moral do
especial, moralmente, o Exército precisa de Exército e o desenvolvimento da capacidade de
sargentos como exemplos morais. aplicá-lo a uma variedade de soluções. O exemplo
Métodos de instrução. O fracasso de muitos moral desenvolve a capacidade de autorregulação
programas de educação ética e de caráter não e de automonitoramento do soldado. Os soldados
é devido ao conteúdo, mas aos métodos de devem ser capazes de demonstrar o caráter moral
Cortesia do autor.
da unidade. Um ambiente de autoridade fomenta
relacionamentos positivos entre pares porque
esses relacionamentos incentivam a aprendizagem
O Sgt Todd Warner, sargento de instrução básica, da cooperativa e o encorajamento mútuo.36
Companhia Alfa/795° Batalhão de Polícia do Exército, Dentro de um ambiente de autoridade, o exemplo
discute com soldados sobre o código moral do Exército
para desenvolver seu entendimento moral. O sargento cria moral reforça o comportamento consistente com
as condições para o desenvolvimento moral ideal, i.e., um o código moral da organização por meio de
ambiente de autoridade. honrarias públicas e elogio pessoal individual. Ele
solicita uma realimentação dos seus seguidores
“quando ninguém está olhando”. Isso significa sobre o ambiente moral da organização. Ele faz
que os soldados devem interiorizar o código moral com que seja seguro discutir os assuntos sem
do Exército. Essa autorregulação é mais bem medo de retaliação. O exemplo enfoca a melhora
desenvolvida pela observação do desempenho no desempenho e no comportamento moral da
moral de um líder.33 unidade, não os sentimentos pessoais de seus
Os métodos de um exemplo moral envolvem soldados.
uma prática extensiva. As unidades ensaiam Ao criar o ambiente de autoridade, os exemplos
missões e devem também ensaiar os dilemas morais também incentivam a participação ativa do
morais. Os métodos instrutivos eficazes desafiam novato/aprendiz no desenvolvimento do caráter
os padrões atuais do pensamento moral. Se o juízo moral. O papel do sargento na educação moral e
moral de um soldado é baseado principalmente no caráter não se refere a “imprimir as mensagens
em regras, o sargento deve apresentar os dilemas do código moral” nas mentes dos soldados.37
que criam o conflito entre as regras e orientá-lo Tampouco é o sargento um agente de marketing
a aplicar princípios e valores morais ao dilema. que usa cartazes e slogans em “uma abordagem
Os métodos mais eficazes de facilitar a perícia de conscientização pública dos valores”.38 As
no juízo moral incluem discussões do dilema abordagens de mudanças rápidas da educação
e exercícios de interpretação de um papel. moral e do caráter tendem a produzir agentes
O elemento mais significativo do processo é morais que são soldados morais “apenas nos
repensar um assunto ao interagir com outros. bons momentos”. Aderem a seu código moral em
Em meu estudo, os soldados em grupos de situações favoráveis, mas tendem a não segui-lo
discussão indicaram que muito do treinamento em situações adversas ou ambíguas.39 Em vez
moral atual consiste em correção em vez de disso, o sargento engaja os soldados em diálogos
instrução. Esse enfoque no que não fazer em vez planejados para desafiar seu pensamento moral.
do que fazer contribuiu para uma descoberta- O ambiente de autoridade envolve o exemplo
chave do estudo — a interiorização superficial do moral na prática dos estilos de liderança e de
código moral do Exército. Contudo, os métodos comunicação que fomentam relacionamentos
REFERÊNCIAS
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15. LAPSLEY e NARVAEZ; REST, NARVAEZ, BEBEAU e THOMA; 39. KUPPERMAN.
THOMA. 40. FM 6-22, para 4-56.
16. WILLIAMS. 41. Ibid., para 4-67.
(Biblioteca do Congresso)
entre os incidentes acima listados, a tragédia para
as forças militares não é apenas porque esses atos
foram cometidos, mas que grupos de soldados ou
fuzileiros navais os cometeram ou os toleraram.
Portanto, na prática, nenhuma das salvaguardas
que as forças militares associam com grupos Foto exibida no Inquérito Peers (Relatório do Departamento
do Exército das Investigações Preliminares do Incidente de My
coesivos funcionou nessas unidades. Lai). RON HAEBERLE, ex-fotógrafo do Exército dos EUA: Por
Os líderes estão agora buscando respostas e acaso encontrei um grupo de soldados rodeando essas pessoas
pensando se aconteceria de novo. Infelizmente, a e um dos soldados americanos gritou: ‘Olhe ele tem uma
câmera’. Então se dispersaram um pouco, e me aproximei deles
história indica que acontecerá. Como identificar a e ao olhar a cena percebi que aquela menina estava um pouco
probabilidade de uma unidade cometer um crime frenética e uma mulher mais velha tentou proteger a pequena
criança e a mulher idosa à frente estava, você sabe, tentando
de guerra é uma preocupação de liderança. Parte da suplicar, tentando implorar, você sabe, e uma outra pessoa,
resposta a essa pergunta pode estar nos achados de uma mulher, estava abotoando a blusa e segurando um pequeno
uma investigação, conduzida a 39 anos, de outro bebê. Tirei a fotografia e pensei que apenas iriam questionar
as pessoas, mas logo que eu virei e fui embora, ouvi disparos,
evento lamentável e trágico na história militar olhei por cima dos ombros e vi as pessoas caídas. Continuei
americana, o Massacre de My Lai. O Exército a andar. Na época eu estava apenas, você sabe, capturando
conduziu um inquérito sobre as razões pelas quais uma reação, mas quando se olha mais tarde na vida, você sabe
agora que essas pessoas estão mortas, foram fuziladas, é uma
a tragédia de My Lai ocorreu. Os resultados desse sensação estranha, que passa, você sabe, por todo o corpo e
inquérito são importantes. Proporcionam aos você reflete, eu poderia ter evitado isso? Como é que eu poderia
líderes de hoje maneiras para monitorar e avaliar ter impedido isso? Isso é uma pergunta que ainda, você sabe,
me questiono hoje.
O tenente-coronel Robert Rielly, do Exército dos EUA, Norwich University, Mestre pela Kansas State University e
reformado, é professor adjunto no Departamento de Comando e Mestre pela College of Naval Command and Staff. Seu artigo
Liderança, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército “The Darker Side of the Force” foi publicado na edição em
dos EUA, no Forte Leavenworth, Kansas. Ele é bacharel pela inglês da Military Review de Março-Abril de 2001.
as unidades para determinar se seria possível operacional sobre as forças americanas e aliadas
que cometessem um crime de guerra. Os líderes na Zona Tática do II Corpo de Exército, bem como
poderiam então implantar medidas preventivas proporcionar assessoria de combate às unidades
para evitar que isso ocorresse. vietnamitas na área]. Ele entrou no Exército
imediatamente após graduar-se pela UCLA em
O Inquérito Peers 1937 e serviu na Birmânia durante a II Guerra
As palavras “My Lai” são sinônimas de um Mundial. Como Peers não havia se formado
colapso significativo de liderança. Com muita em West Point, Westmoreland reconheceu que
frequência, repudiamos os eventos como My Lai ninguém poderia acusá-lo de fidelidade ou
como incidentes isolados, ações de um pelotão favoritismo a outros graduados de West Point.
indisciplinado ou um fracasso de liderança de Peers tinha uma tarefa nada invejável. Em
nível direto. Essa análise não consegue entender essência, o Exército estava investigando a
a profundidade, amplitude e complexidade dos si mesmo e estaria sujeito a críticas se não
eventos e decisões associados com My Lai. Muitas conduzisse a investigação devidamente. Ao
pessoas, embora chocadas com a magnitude de dirigir-se aos membros do inquérito, Peers
My Lai, reconheceram uma tendência parecida e explicou, “Não importa o que qualquer um de nós
se preocuparam que My Lai poderia ocorrer de possa acreditar, é nosso trabalho apenas averiguar
novo, se ocorrerem as circunstâncias certas. O e relatar os fatos, e que aconteça o que tiver que
Exército reconheceu isso também e, muito a seu acontecer. Não é nosso trabalho determinar a
favor, tentou descobrir por que os eventos de 16 inocência ou a culpa de indivíduos, tampouco
de março de 1968 aconteceram. Embora poucas ficar preocupado sobre os possíveis efeitos que
pessoas percebam, além da investigação criminal o inquérito terá na imagem do Exército, ou sobre
executada sobre My Lai, o Exército também a reação da imprensa ou do público a nossos
investigou áreas adicionais associadas com as procedimentos.”2 Para garantir a objetividade,
operações daquele dia. Peers foi até ao ponto de incluir dois advogados
Em novembro de 1969, o chefe do Estado-Maior civis no grupo, Robert MacCrate e Jerome Walsh,
do Exército, general William C. Westmoreland, para servir como a “consciência pública”.3
escolheu o general William Peers para conduzir O inquérito estava sujeito às pressões de
o inquérito de My Lai para determinar: tempo desde o início. A investigação tinha que
●●o que aconteceu de errado com a sistemática se encerrar em quatro meses porque todas essas
de relatórios; ofensas militares como negligência, falta de
●●por que o comandante das forças dos EUA
no Vietnã, na época, não foi totalmente informado;
●●se a operação foi investigada.1 …My Lai poderia ocorrer
O título oficial do inquérito foi a “Análise de novo se ocorrerem as
do Departamento do Exército das Investigações
Preliminares do Incidente de My Lai”. Contudo, foi circunstâncias certas.
mais comumente referido como o Inquérito Peers.
Uma das partes mais significativas do relatório é o
capítulo que discute os fatores contribuintes para cumprimento do dever, ausência de relatório,
a tragédia. Esse capítulo contém informação de informação falsa e cumplicidade em um crime
grande valor aos comandantes de hoje. grave tinham um período limitado de dois anos
Na decisão de quem dirigiria a investigação, o para prescrição. 4 Sob a direção de Peer, os
general Westmoreland não poderia ter escolhido militares e civis do inquérito terminaram sua
um oficial mais apropriado. William Peers era o investigação em 14 semanas, entrevistando mais
chefe do Gabinete dos Componentes da Reserva, de 400 testemunhas, muitas das quais tinham se
tinha uma reputação de objetividade e justiça e afastado do Exército.5 Os membros do inquérito
tinha servido no Vietnã como comandante da 4ª tinham que organizar as viagens, marcar os
Divisão de Infantaria e comandante da I Field comparecimentos perante o júri e coletar todos
Force [que tinha a missão de exercer o controle os documentos associados — que incluíram ao
seguir políticas, a falta de imposição da política, mais com seus homens que com os comandos
o fracasso no controle da situação, o fracasso superiores. Os tenentes queriam ser aceitos
na verificação, o fracasso na execução de uma pelos homens de seus pelotões e ser um dos
investigação e a falta de acompanhamento “rapazes”. Peers concluiu que como eram jovens
estavam todos presentes. Os responsáveis pelo e inexperientes, não tomaram ações positivas
Inquérito determinaram que, embora Barker para corrigir as injustiças.29
empregasse a missão pela finalidade, ele deixou O fracasso em fomentar o ambiente certo e em
de verificar se seus subordinados cumpriram impor os padrões é suficientemente ruim, mas
suas ordens corretamente. 25 Além disso, o fica aquém de ser a razão abrangente para um
ambiente de comando por toda a organização fracasso de liderança. Entre as causas principais
não fomentou comunicações francas. Na do massacre de My Lai está o fato que os valores
força-tarefa, Barker não tinha “uma estreita e normas de uma unidade coesa toleraram a
prática desses crimes e também asseguraram tais grupos. Os comandantes erram ao assumir
a lealdade ao grupo em vez da instituição, que uma vez incutidos, todas as unidades retêm
justificando assim o silêncio sobre os crimes. No para sempre os bons valores organizacionais. Os
caso de My Lai e de alguns incidentes recentes, valores precisam ser reforçados constantemente,
foi necessária a coragem de indivíduos fora da e os comandantes devem monitorar os valores
organização para relatar o que ocorreu, porque dos pequenos grupos em sua organização para
ninguém dentro da unidade o fez. A coesão era determinar se alcançam os padrões de sua
forte demais. instituição.
Muitas vezes os líderes assumem que seus A lição mais significativa que esses últimos
soldados e fuzileiros navais ficarão mais fiéis à incidentes no Iraque nos ensinaram é que os
organização que a seus camaradas. As pesquisas crimes de guerra ainda podem ocorrer, até em
do historiador Richard Holmes comprovam de uma força militar profissional e disciplinada.
modo diferente. Holmes escreve “Há toda chance Os comandantes têm de permanecer vigilantes
que as normas do grupo irão conflitar com as e perceber que isso de fato pode acontecer em
metas da organização da qual ele faz parte”.30 suas unidades. A compreensão das áreas de
Uma conclusão sensata para qualquer líder – avaliação em suas organizações pode lhes dar
mas que se deve dar importância. Os achados uma vantagem na identificação de problemas
do Centro de Lições Aprendidas do Exército e atitudes incipientes. William Peers e sua
(Center for Army Lessons Learned — CALL) comissão prestaram um serviço para a Nação ao
validam a conclusão de Holmes de que um dos identificarem as áreas em que os comandantes
desafios enfrentados pelos líderes de unidades militares devem monitorar e avaliar. A vigilância
pequenas é que eles se identificam demais com sustentada e a educação proporcionalmente
os homens com quem vivem e compartilham os focalizada ajudarão os futuros comandantes a
perigos das operações. O CALL previne que a evitar que um crime de guerra aconteça. MR
missão, em vez dos relacionamentos, deve ser o
elemento-chave da tomada de decisões.31
REFERÊNCIAS
1. PEERS, Gen W.R., The My Lai Inquiry (New York and London: W.W.