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Articulando a nossa Ética Profissional

Tenente-Coronel Brian Imiola, Ph.D., Exército dos EUA, e


Major Danny Cazier, Exército dos EUA

“Divorciadas da ética, a liderança fica ●●Como ética é um conceito objetivo, uma ética
reduzida à gestão e a política, à mera técnica.” profissional não pode divergir radicalmente do
——James MacGregor Burns código moral que deve reger toda a humanidade.

H
●●Embora não seja radicalmente diferente,
Á MUITO O Exército funciona a ética de uma profissão serve a um público
sem uma expressão formal da sua específico. Sua expressão deve ser útil para tal
ética profissional. Entretanto, várias público.
pessoas ligadas à profissão das Armas têm ●●Uma ética é expressa com uma finalidade.
questionado abertamente se é prudente, ou Um dos principais objetivos de expressar a nossa
mesmo possível, tentar formalizar uma “ética ética profissional é promover o desenvolvimento
profissional militar” (EPM). É justamente isso, moral dos nossos soldados. Portanto, ela deve
porém, que o Exército vem se empenhando ser apresentada de modo que lhes seja permitido
em fazer. Ele tem promovido esforços para internalizá-la.
expressá-la, incentivando o debate aberto sobre
o tema com indagações sobre a natureza e o Uma EPM Deve ser Normativa e
conteúdo da ética profissional militar norte- Não Pode ser Criada
americana. Apresentamos algumas opiniões O Manual de Campanha 1, O Exército
que, esperamos, irão enriquecer o debate e a (FM 1, The Army) afirma: “As profissões
investigação sobre o tema. criam seus próprios padrões de desempenho e
códigos de ética para manter sua eficácia”. Uma
assertiva problemática como essa — por diversos
Constatamos que o etos motivos — demanda uma análise. Antes disso,
vem se tornando um tema é preciso esclarecer o que é ética e o que é etos.
Constatamos que o etos vem se tornando um tema
cada vez mais comum em cada vez mais comum, em função do destaque do
“etos do guerreiro”, no Credo do Soldado. Dada
função do destaque do “etos a semelhança do termo etos com ética, muitos
do guerreiro”, no Credo do logo confundem os dois. Entretanto, salvo o fato
de terem a mesma origem etimológica, as duas
Soldado. palavras possuem pouco em comum.
A ética responde a perguntas sobre o certo e
o errado. Ela deriva de características imutáveis
Resumidamente, propomos que qualquer da natureza humana. O etos reflete o espírito
análise da ética profissional militar leve em de uma organização ou o espírito que ela busca
consideração o seguinte: incutir em seus integrantes. Ele deriva da postura
●●Afirmamos que todo esforço para ou de metas compartilhadas da organização. Não
desenvolver um código de ética deve estar sujeito há uma relação essencial entre os dois termos.
às restrições da moral objetiva preexistente. Um etos não é necessariamente ético. Pode-se

O Tenente-Coronel Brian Imiola, Exército dos EUA, é O Major Danny Cazier é professor adjunto de Filosofia
professor no Departamento de Inglês e Filosofia da Academia na Academia Militar dos EUA. É mestre em Filosofia pela
Militar dos EUA. É doutor em Filosofia pela University at Virginia Tech. Seus atuais interesses de pesquisa são as
Buffalo. Serviu na Somália, Haiti, Turquia e Iraque. Éticas Profissional e Militar.

28 Novembro-Dezembro 2010  MILITARY REVIEW


ÉTICA PROFISSIONAL

Departamento de Defesa, Sgt D. Myles Cullen, Força Aérea dos EUA.

Soldados da 3ª Divisão de Infantaria do Exército dos EUA prestam continência durante cerimônia de realistamento no Camp
Liberty, no Iraque, 17 Jul 07.

imaginar um etos nazista e o que ele acarretaria. podemos criá-la, mas apenas nos empenhar em
Um etos que vise a ser ético estará sujeito a uma descobrir ou discernir o que ela determina e,
análise para determinar se ele o é de fato. então, agir em conformidade com isso. Se isso
A ética em si não está sujeita a essa análise. parece surpreendente, considerem-se documentos
Não faria sentido perguntar se a ética é ética, importantes, como a Declaração da Independência
mas faz sentido questionar se um código de dos EUA, a Carta de Direitos dos EUA e a
ética específico representa devidamente as Declaração Universal dos Direitos Humanos da
responsabilidades morais de uma pessoa. O ONU, de 1948. Eles se concentram em direitos
que se almeja, quando se busca uma ética “inalienáveis”. Exemplos incluem o direito à
profissional, é a melhor compreensão dos vida e à liberdade. Eles também se baseiam no
princípios que devem determinar nossa fundamento de que todos os seres humanos nascem
conduta, não o espírito ou a mentalidade que a livres e iguais. Nenhum desses documentos teve a
influenciam. Com isso em mente, nossa meta pretensão de criar esses direitos. Eles já existiam,
deve ser cultivar um etos que reflita a nossa com base em princípios preexistentes. Os
ética, de forma deliberada. O que realmente documentos apenas os discernem e os descrevem,
queremos é que o autêntico espírito da nossa de modo a influenciar e a guiar nossa conduta.
organização reflita nossas obrigações morais. Não estamos criando novos princípios quando
A ética é normativa, o que significa apenas tentamos expressar nossa ética profissional. Em
que ela nos diz o que devemos fazer. Ela advém vez disso, buscamos descrever com precisão os
da nossa natureza humana comum, incluindo princípios éticos preexistentes, de modo que
características-chave, que definem que seres possam orientar a conduta em nossa profissão.
somos. Somos seres racionais e sociais. Como Os cientistas não criam leis físicas. Eles as
a moral deriva da nossa natureza humana, não descobrem. Eles tentam, então, descrevê-las da

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forma mais precisa, clara e útil possível. A tarefa Nessas duas áreas, as profissões são diferentes
de desenvolver uma ética profissional militar se do resto da sociedade. Cada profissão representa
baseia no mesmo princípio. Não estamos criando um conjunto de competências — ou habilidades
imperativos morais. Estamos apenas identificando — especiais. Um grupo de profissionais
imperativos que já existem. Ao se desenvolver “professa” estar pronto a desempenhar um
uma ética profissional militar, a descrição deve serviço essencial específico à sua clientela.
suceder a descoberta. A descrição dessa ética deve Essa “profissão” é uma promessa implícita.
representar a nossa descoberta, com precisão, Assim, ao estarem especialmente preparados
e ilustrar como os seus princípios se aplicam à para exercer uma função específica e ao terem
nossa profissão. anunciado sua determinação nesse sentido, os
Parece-nos difícil conciliar o nosso trabalho profissionais incorrem em maior obrigação
de identificar e descrever uma ética profissional de desempenhar esse papel do que o público.
militar com a alegação do Manual de Campanha Vale observar que essa diferença entre a ética
1 de que “As profissões criam seus... códigos profissional e a moral em geral é de grau, e
de ética para manter sua eficácia”. Podemos não de gênero. Os profissionais têm maior
concordar com a primeira parte dessa assertiva, obrigação moral de realizar certas ações em
apenas na medida em que se entenda que o que relação aos demais na sociedade, mas não têm
está sendo criado não é a própria ética e sim, uma a licença para agirem de forma diversa da que
representação dela — da mesma forma que um se permite moralmente a estes. Não há nada
artista não cria o tema em si, mas uma ilustração de fundamentalmente diferente nos fatores
do tema. A segunda parte da assertiva, no entanto, basilares que determinam as responsabilidades
é mais problemática. A finalidade da ética é guiar éticas dos profissionais.
a conduta em direção a um ideal moral, e não Para ilustrar essa observação, considere-se
apenas manter a eficácia. Como pode a eficácia a obrigação moral de salvar uma criança que
servir como ponto de partida adequado para um esteja se afogando. Todos temos tal obrigação.
autêntico código de ética? Contudo, caso o resgate exija que se saiba
Um código, cujo objetivo básico seja nadar, apenas aqueles capazes de fazê-lo terão
simplesmente atingir a eficácia, irá funcionar essa obrigação. Simplesmente, uma pessoa não
bem tanto para o combatente justo quanto para pode ter a obrigação de tomar uma ação para
o injusto. Talvez seja eficaz mentir para os a qual não esteja habilitada (na verdade, quem
nossos soldados para conquistar seu apoio a não souber nadar continua a ter a obrigação de
uma guerra injusta. Talvez, também, seja eficaz fazer o possível para apoiar o resgate da criança,
adotar uma política que ignore um alto índice pedindo ajuda, jogando uma corda ou efetuando
de baixas civis em determinadas situações, para algum outro tipo de intervenção). Pelo mesmo
conservar o poder de combate e a efetividade. raciocínio, os que forem bons nadadores certa-
Nossa ética profissional militar deve apontar mente terão uma obrigação moral ainda maior.
verdadeiramente para a conduta ética e não para Contudo, à parte da questão de capacidade,
a mera conveniência. um salva-vidas tem uma obrigação de resgatar
os que estiverem se afogando maior do que a
Uma EPM Deve Refletir Códigos do público em geral. Isso porque, ao ocupar
Morais que Regem Todos os tal posição, ele professou (fez uma promessa
Seres Humanos implícita) ao público que tentaria salvar os que
A ética profissional militar do Exército não estivessem se afogando. Assim, sua obrigação
pode divergir radicalmente do código moral que é maior do que a de qualquer outro cidadão no
deve reger todos nós, como seres humanos. Todos local, cujas habilidades de salvamento sejam
temos certas responsabilidades morais, coisas que idênticas às suas. Esse cenário sugere que a
devemos fazer e coisas que não podemos fazer, responsabilidade do salva-vidas de resgatar
uns aos outros. Nossas habilidades especiais e os que se estiverem se afogando é maior que
as promessas que fazemos aos outros ajudam a a do público em geral tanto por causa do seu
determinar nossas responsabilidades morais. conjunto de competências especiais, quanto

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ÉTICA PROFISSIONAL

Força Aérea dos EUA, Sgt David H. Lipp

Uma militar da Força Aérea dos Estados Unidos ajuda a admitir pacientes e a controlar a entrada na Clínica Governamental
do Mercado de Mallam-Atta como parte do Exercício de Assistência Médica Humanitária das Forças Combinadas de 2006,
em Acra, Gana, 14 Set 06.

por haver “professado” seu papel. Assim, o papel ou um relacionamento pressupõem a


salva-vidas tem a obrigação moral de obter obrigação de cometer algo errado, então seria
as habilidades, os conhecimentos, os equipa- imoral assumi-los. Atos que sejam moralmente
mentos, etc. necessários para salvar nadadores inadmissíveis não podem ser convertidos em
em perigo. Mais uma vez, por ter declarado algo moralmente certo em virtude da condição
sua determinação de prestar esse serviço, ele profissional de uma pessoa, da mesma forma
incorre na obrigação de se preparar e de se que atos imorais não podem se tornar obriga-
manter pronto para cumprir a promessa implí- tórios, ao prometer-se realizá-los. Não se pode,
cita. Ainda assim, a obrigação do salva-vidas, simplesmente, ter uma obrigação moral de
embora maior em grau, é do mesmo gênero cometer algo imoral, não importa o papel ou
daquela que o público já tem. relacionamento que se tenha.
Essas duas características — um papel ou Alguns podem contestar, afirmando que um
relacionamento especial e uma habilidade policial que emprega a força para apreender
especial — não podem gerar obrigações morais alguém faz algo que a sociedade em geral não
diferentes em gênero das que as pessoas já tem liberdade para fazer. Contudo, mesmo que
têm umas para com as outras. As habilidades seja verdade, até certo ponto, isso não prejudica
especiais apenas aumentam as nossas obriga- o argumento. Um policial extrai sua autoridade
ções em relação aos outros. Elas não alteram moral para empregar a força da sua autoridade
fundamentalmente o caráter de tais obrigações. moral para proteger inocentes. Ademais, a
E a nossa relação com o público em geral não sociedade lhe transferiu a autoridade natural que
nos autoriza a fazer coisas que seriam erradas tem para se proteger. Assim, o policial não está
se ele as fizesse. Comprometer-se a fazer algo fazendo algo fundamentalmente diferente do que
errado seria imoral. Assim, se um determinado os cidadãos têm o direito natural de fazer.

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Uma EPM Deve ser Expressa Nosso principal desafio é determinar a melhor
como Princípios forma de comunicarmos essas obrigações a todos
Uma expressão funcional de uma ética em nossa profissão.
profissional deve ser declarada em termos Considerando a diversidade das nossas forças
acessíveis para todos os membros da profissão militares e a função de uma ética profissional,
que busca servir. Caso contrário, não terá grande conclui-se que qualquer expressão prática da
valor para essa profissão. Para que seja útil para nossa ética profissional militar deve ser:
uma grande parcela da nossa profissão e em todo ●●Clara e sucinta, para que seja facilmente
o espectro das atividades militares, precisamos compreendida e lembrada.
declarar qualquer expressão funcional da nossa ●●Abrangente, de modo que ofereça
ética profissional sob a forma de princípios, em orientações morais suficientes para os soldados
vez de “valores” ou de regras. Esse não é um norte-americanos.
pequeno desafio, se considerarmos a grande ●●Educativa, de modo que promova um
diversidade dentro da nossa profissão militar entendimento verdadeiro do caráter das nossas
com respeito à formação acadêmica (desde a obrigações morais profissionais e influencie o
conclusão do supletivo até vários cursos de ensino juízo moral em novas situações.
superior), à maturidade (de cabos adolescentes ●●Inspiradora, de modo que motive os soldados
a graduados e oficiais com mais de 50 anos) e à a alcançá-la.
motivação para o serviço (jingoísmo, patriotismo, Os dois primeiros critérios parecem
bolsas de estudo para cursar a faculdade, interesse razoavelmente autoevidentes e fáceis de entender.
técnico em um campo específico, aprendizado Os dois últimos merecem ser discutidos. Não se
de um ofício). A complexidade e a diversidade pode expressar nossa ética em termos de valores
da nossa profissão provavelmente não podem ou regras e esperar que ela seja educativa e
ser equiparadas às de qualquer outra profissão. inspiradora.
Em termos de perícia técnica, abarcamos uma O argumento contra os valores. Embora
gama tão ampla de competências (nas diversas valores sejam essenciais à moral, a forma pela
Armas) que talvez sejamos mais bem descritos qual os expressamos é vaga demais para oferecer
como uma aliança de várias profissões, em vez orientação de como agir, por si só. Por exemplo,
de uma profissão homogênea. Isso levou alguns o valor “respeito” não oferece orientação alguma
a questionarem se há uma única ética militar ou se não for mais bem definido e desenvolvido.
se as Forças Armadas têm várias éticas. Embora todos tenhamos uma compreensão geral
Nossa profissão fica mais bem servida por dos valores, não compreendemos claramente com
uma única expressão da nossa ética profissional. quais ações esses valores nos comprometem. Ou,
A função fundamental de uma ética profissional mais simplesmente, não fica claro o que os valores
é oferecer orientação para as ações a um grupo exigem. Nossa atual abordagem no formato de
de profissionais. Ela deve enriquecer-lhes a “Valores do Exército” reconhece implicitamente
compreensão em relação às suas obrigações que um valor, por si só, é insuficiente para orientar
morais. Deve ajudá-los a determinar o que é a ação. Ao apresentar os Valores do Exército,
moralmente exigido em seu papel específico. o Manual de Campanha 6-22 “Liderança do
Deve descrever a ação certa no contexto da Exército” (FM 6-22, Army Leadership) vai além
profissão. Talvez o mais importante para os nossos de simplesmente citá-los. Ele tenta convertê-los
presentes objetivos, porém, é o fato de que uma em princípios orientadores da ação. Comenta os
ética profissional deve unir a profissão em torno tipos de ação que tais valores podem exigir. Por
de um propósito. A melhor forma de alcançarmos exemplo, relata que a lealdade requer que se tenha
isso é por meio de uma única expressão da nossa “lealdade à Constituição dos Estados Unidos, ao
ética. Além disso, como uma ética profissional Exército, à sua Unidade e aos outros soldados”.
não difere radicalmente do código moral ao Esse esforço para conferir significado aos valores
qual já estamos obrigados, não se deve esperar reflete como eles são, por si só, insuficientes
encontrar diferenças radicais nas obrigações como orientadores da ação e como educadores
morais dos vários elementos da nossa profissão. dos profissionais.

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ÉTICA PROFISSIONAL

Devido ao caráter vago dos valores, os soldados O argumento em prol dos princípios. Se os
podem interpretá-los de maneiras que gerem con- valores e as regras são fracos candidatos para
flitos irreconciliáveis, ao tentarem utilizá-los como expressar nossa ética profissional militar, o que
base para decisões. Muitos valores sequer são valo- nos resta? Entre os valores e as regras estão os
res morais objetivos, mas instrumentais. Os valores princípios. Eles são menos vagos que os valores
morais objetivos melhoram verdadeiramente a e menos específicos que as regras. Expressam
ação, quando respeitados. Os valores instrumentais verdades morais genéricas, mas continuam a
simplesmente auxiliam o cumprimento de uma defender ou a condenar tipos de ação específicos.
causa particular. Para ilustrar essa observação, Oferecem uma orientação geral, ao mesmo tempo
considerem-se os valores da coragem pessoal e em que exortam os membros da profissão a
da lealdade. Eles parecem ser valores adequados, exercerem sua capacidade de discernimento, ao
mas podem ser facilmente empregados na busca aplicá-los com maior precisão do seria possível
de fins imorais. A coragem, por exemplo, torna um com os valores ou com as regras. Defendemos
ladrão de bancos ainda mais perigoso à sociedade que os princípios são o veículo adequado para
do que se ele não a possuísse. A lealdade torna o expressar nossa ética profissional.
crime organizado uma ameaça mais pérfida do que Os princípios educam. Eles oferecem melhor
se os seus membros fossem desleais a uma gangue orientação para a ação do que valores vagos ou
ou à máfia. Até mesmo indivíduos envolvidos em regras aplicáveis de forma restrita. Como eles se
atividades ilícitas acham a coragem e a lealdade aplicam a categorias de ação, não são necessários
úteis. E sua conduta torna-se ainda mais imoral muitos deles. Funcionam melhor do que regras
por haverem explorado esses valores. específicas, porque educam.
O argumento contra as regras. Vale observar, Cobrem uma infinidade de casos e, assim,
também, o argumento contra as regras. Primeiro, oferecem um entendimento do elemento comum
uma relação de regras nunca seria suficientemente a todos eles. O princípio envolvido explica o
longa para registrar tudo o que se deve ou não caráter correto ou incorreto. À medida que os
fazer. Segundo, qualquer lista de regras — se apli- profissionais amadurecerem, o mesmo ocorrerá
cada — na verdade só se aproximaria de mais um em relação à sua compreensão do que os
código legal. Daria margem à interpretação voltada princípios requerem.
a aspectos legais e a manobras. Não só já temos Os princípios também promovem a autonomia
um código legal adequado (Código Uniforme de de decisão, a marca de uma profissão (as regras,
Justiça Militar), como nossa ética não deve ser por outro lado, o eliminam – essa é a marca da
relegada à condição de lei. A lei determina o que burocracia). Como eles educam e passam a exigir
fazer para evitar uma punição, mas, em última aná- o uso do próprio critério, os princípios incentivam
lise, não diz o que se deve fazer. Terceiro, as regras uma conduta melhor do que o fariam as regras.
são impotentes se não houver imposição. Quando Por exemplo, o respeito é um valor essencial.
impostas, a principal motivação para segui-las é o Contudo, mesmo que chegássemos a um consenso
mecanismo de imposição (ou seja, a punição). No quanto ao significado do respeito, isso não geraria
campo de batalha atual, os soldados muitas vezes automaticamente qualquer orientação para a
operam de forma independente. A perspectiva de ação, até que convertêssemos o respeito em um
punição é remota demais para guiá-los, especial- princípio moral. Além disso, há uma série de
mente quando não têm a certeza de que sobrevi- princípios morais que podem, plausivelmente,
verão para recebê-la. As regras simplesmente não derivar do valor respeito. Alguns são compatíveis,
serão capazes de compelir um soldado a adotar a enquanto outros se chocam.
devida conduta se ele já não for alguém preocupado Algumas possibilidades são relacionadas a
em agir corretamente. seguir:
Por fim, as regras não educam. Elas afirmam o ●●Enxergar os outros como tendo o mesmo
que se deve ou não fazer, mas não dizem o porquê. valor que você.
Isso se deve ao fato de que elas são específicas a ●●Tratá-los da forma como devem ser tratados.
alguns casos, sem possuírem implicações aplicá- ●●Não prejudicar ninguém (incluindo os
veis aos demais. culpados) infundadamente.

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●●Demonstrar consideração adequada aos Cada uma dessas “regras” ilustra sua
superiores. inadequação geral. A primeira comunica ao soldado
●●Exigir atenção à missão e respeitar o poder que ele não deve empregar munição contendo
legítimo. veneno. Contudo, como ela não explica por quê,
Saber quais ações são requeridas por um o soldado não compreende automaticamente
valor específico requer considerável reflexão, que ele também não deve empregar munição
compreensão e sensibilidade a outros valores que tenha sido modificada. Assim, seria preciso
relevantes. acrescentar uma proibição separada para projéteis
Defendemos que se deve entender que o res- raiados, outra para cartuchos limados, etc. Mesmo
peito exige, entre outras coisas, evitar causar que a simplificássemos com uma política contra
o mal desnecessário. Esse parece ser o tipo de munição modificada em geral, ela continuaria
orientação que pode guiar a ação sem ditá-la. sendo inadequada para expressar tudo o que está
Em outras palavras, ela oferece orientação, mas incluído no princípio de “evitar o sofrimento
continua a exigir que o soldado empregue o seu desnecessário”. Assim, correria o risco do erro
próprio critério. Se optássemos por negar o uso do introduzido pela segunda regra citada. “Não
próprio critério aos soldados, poderíamos conver- lançar material bélico a menos de 500 metros de
ter o princípio do respeito em uma série de regras. áreas construídas” é, provavelmente, uma boa
Algumas possibilidades são relacionadas a seguir: regra geral. Contudo, sem dúvida, ela não deve ser
●●Não empregar munição contendo veneno. aplicada a todos os casos. O alvo visado às vezes
●●Não lançar munição a menos de 500 metros justificará esse risco. Ou as áreas construídas
de áreas construídas. talvez sejam habitadas apenas por combatentes.
●●Não empregar herbicidas, exceto para Talvez tenham sido abandonadas pelos antigos
controlar a vegetação no entorno imediato de moradores. Regras definidas e fixas como essa se
perímetros defensivos. mostrarão inadequadas em muitos casos.

Departamento de Defesa

Soldado segura a mão de um iraquiano ferido, depois da explosão de um carro-bomba em um cruzamento em Tameem,
Ramadi, no Iraque, 10 Ago 06.

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ÉTICA PROFISSIONAL

A regra relativa à utilização de herbicidas realizar de forma rotineira as ações por eles
parece se aproximar de um princípio, já que ditadas. Idealmente, isso levará à internalização.
ela requer certo grau de discernimento ou Não só agirão de acordo com eles, mas também
interpretação para determinar o que significa irão acreditar, verdadeiramente, que eles são os
“no entorno imediato”. Como está expressa em princípios morais corretos. Tal crença não pode
termos de uma proibição rigorosa, ela assume ser fabricada: deve advir da experiência de se
a forma de uma regra. Ao fazê-lo, suscita o entender a verdade em ação.
equívoco. O que significa “entorno imediato”: Precisamos tomar três passos para promover
o alcance de uma granada de mão, o alcance de o desenvolvimento moral da nossa profissão.
armas portáteis, o alcance de utilização da arma Primeiro, devemos gerar uma abordagem simples
que produza o maior número de baixas? Embora e inspiradora da ética profissional militar, que
também exijam esse tipo de interpretação, os seja fácil de lembrar e de entender. Segundo,
princípios buscam ensinar o discernimento em precisamos gerar uma descrição mais longa e
vez de eliminá-lo. Buscam incentivar em vez de mais aprofundada dessa ética, que forneça a
compelir. Em suma, estimulam a conduta ética. fundamentação dos princípios inclusos na versão
resumida. Ela deve explicar os princípios de
Uma EPM Deve ser forma mais completa e ajudar a nossa profissão
Internalizada; Não Apenas a determinar as ações que deles decorrem e
Decorada como aplicá-las. Terceiro, precisamos reforçar
A ética profissional militar do Exército não a ética profissional militar em todos os aspectos
é apenas algo para o soldado decorar. Ele deve do serviço militar, incluindo as atividades
internalizá-la. Os Estados Unidos são uma nação na caserna, os exercícios de campanha e os
de extrema diversidade. Os integrantes da nossa desdobramentos.
profissão ingressam nela com visões de mundo e O êxito nesse empreendimento promete uma
crenças éticas diferentes, algumas das quais não grande recompensa. Os benefícios internos de
estão de acordo com a ética do Exército. Não se expressar essa ética irão:
obstante, a meta final da nossa ética profissional ●●Oferecer um veículo para a compreensão e
militar é que os soldados não simplesmente a internalização dos nossos valores essenciais.
ajam de acordo com esses princípios, mas que ●●Unir as diversas subprofissões (isto é, as
os internalizem. Por internalizar, entende-se várias Armas) em torno de um propósito.
que os integrantes da profissão acreditem, ●●Possibilitar o desenvolvimento moral de
verdadeiramente, que esses princípios sejam cada profissional, individualmente.
moralmente corretos e justos. Ao considerá- ●●Inculcar a confiança moral em nossos
los justos, buscarão entendê-los melhor e soldados.
conformar suas ações a eles. O primeiro passo ●●A p r i m o r a r c o n s i d e r a v e l m e n t e o
rumo à internalização consiste na educação e no desempenho moral dos nossos soldados.
treinamento. A compreensão moral necessária ●●Melhorar a relação de confiança com a
para se fazer um juízo moral correto requer nossa clientela, o público norte-americano.
muito estudo. Para que fomente tal compreensão, ●●Melhorar nosso status como profissão,
uma expressão da ética profissional militar deve alinhando-nos com outras profissões estabelecidas
não apenas esclarecer, mas também promover a (e ajudando a minimizar preocupações quanto ao
reflexão e o diálogo sobre os princípios morais fato de constituirmos ou não uma profissão).
que regem nossa profissão. Só dessa forma ●●Servir de modelo para as forças militares
ela poderá estimular o profissional a, de fato, de outras nações, que estejam empenhadas em
internalizá-los. se profissionalizar e em discernir as implicações
Depois de explicar e ensinar a ética profissional morais da profissão das Armas.
militar, o passo seguinte rumo à internalização Considerando que o Exército dos EUA adentra
é a formação de hábito. Com o tempo e com o seu 236º ano de existência, está na hora, sem
reforço e a correção, nossos soldados converterão dúvida, de expressarmos claramente nossa ética
esses princípios em tal hábito que passarão a profissional.MR

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