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Direito Penal III

Resumo

——— INTRODUÇÃO ————————————————————

Participações stricto sensu

Figuras da participação
Participantes - envolvem-se na prática de um facto ilícito mas o “se, quando e como”
não depende deles; têm domínio negativo
Temos os:
— Instigadores (parte final do artigo 26º do CP)
— Cumplicidade (art 27º do CP)
- Material
- Moral

Instigação
É punido como autor, por isso se encontra no artigo 26º CP
O instigador é aquele que determina outra pessoa à prática do facto = cria naquele que
executa o facto, uma vontade de o praticar, vontade essa que o autor material não teria se não
fosse convencido a tal
“quem, dolosamente, ...” o instigador tem que ter dolo; o autor também tem que ter
dolo, não pode ser negligente
O instigador não domina a vontade do autor, só coloca esse pensamento na cabeça do
autor material

Cumplicidade
Surge no art 27º do CP
Auxílio/apoio material - cumplicidade material
Auxílio/apoio moral - cumplicidade moral

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O cúmplice tem que ter o conhecimento do apoio que está a dar, que este apoio pode
levar à prática de um crime
Existe uma obrigatoriedade na atenuação da pena (n. 2 do Art 27º CP)
Arts 72º e 73º do CP
O autor já está convencido a cumprir o crime, o cúmplice dá-lhe uma mera ajuda

Os participantes só são punidos se os autores tiverem praticado um facto,


simultaneamente, típico e ilícito
Teoria da acessoriedade limitada
dá-nos a regra da punibilidade do participante
Um autor pode não ser punido e o participante pode e vice-versa
Ex: A, menor, pede a B uma arma para matar X.
A mata X com a arma de fogo de B.
A como não é maior de idade, não tem culpa; mas B, sendo maior, já tem
culpa.

O juízo de culpa é individual e intransmissível - Art 29º do CP


A ilicitude não é individual e intransmissível - art 28º do CP
ex: recusa de médico

Preterintenção
“Além da intenção”
Crime preterintencional, segundo Manuel Cavaleiro de Ferreira, pressupõe a intenção
de cometer um crime distinto do cometido, sendo o crime objeto da intenção menos grave
que o crime cometido (exemplo: A grávida está a impedir a passagem, B empurra-a só para
poder passar, A cai devido ao empurrão e acaba por sofrer um aborto).

Princípio da ofensividade
Quanto mais longe tiver os artigos mais difícil sabemos qual o bem jurídico
danificado/violado

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Teoria do domínio do facto

Comparticipação criminosa (art. 26º CP)


Existe comparticipação criminosa quando existe um concurso de pessoas /
envolvimento de vários agentes na prática do mesmo ilícito tipo (crime).
Intervenientes com diferentes posições, nem todos serão punidos da mesma maneira,
nem todos se assumem como autores do crime e de harmonia com o contributo que cada um
presta analisa-se o tipo de intervenção.

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A maior parte dos crimes são unipessoais, ou seja, basta a presença de um agente para
serem consumados.

• Autor mediato
Aquele que pratica o facto por intermédio de outrem. Não domina a execução do facto,
mas exerce um domínio sobre a vontade daquele que realiza o facto (executor material).

1. Indução em erro relevante


Ex: A quer matar B, que sabe que ao almoço dorme a sesta entre as palhas, então faz
uma aposta com C, pedindo-lhe para acertar com uma forquilha nas palhas. C executou
materialmente o homicídio, mas A dominou a vontade de C, respondendo como autor
mediato do crime.

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ti
ti

2. Instrumentalização de vontade débil ou frágil


Ex: A oferece um gelado a uma criança, mas para isso ela tem de atirar uma pedra
contra o vidro da carrinha dos gelados, partindo-o.

3. Coação física absoluta

• Coautoria
Aquele que conjuntamente com outro concorre para a execução de um crime. Tem de
haver um acordo de vontades.
- dependente: os contributos dos vários coautores não são de tal forma relacionados que
sem um o contributo de um os outros não possam consumar o crime.
- complementar: os contributos estão de tal forma relacionados que sem o contributo de
um dos coautores não é possível se consumar o ilícito.

Participação stricto sensu

Aqueles que se envolvem na prática de um facto ilícito, mas não têm o domínio positivo
desse facto ilícito. Não é deles que depende o “se”, “quando” e “como” da realização do
facto. Não têm, ao contrário dos autores, a possibilidade de fazer evoluir o facto para a
consumação – têm o domínio negativo.

• Instigadores – art. 26º CP


Não obstando o facto desta figura estar inserida no art. que tem como epígrafe
“autoria”, este art. não nos diz quem é o autor, mas sim quem dos comparticipantes é punido
como autor, independentemente de o ser ou não. Aquele que determina outra pessoa à prática
do facto, criando naquele que vai executar o facto (autor) uma vontade de o praticar, que o
autor não teria se não fosse o incitamento (vontade “ex novo”).
É duplamente dolosa, o instigador tem de ter dolo em criar a vontade criminosa no autor
material e o autor do facto também tem de ter dolo, não há participação negligente. Toda a
participação é necessariamente dolosa.

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Como se distingue a instigação da autoria mediata? O autor mediato, tal como o


instigador não executam materialmente o facto, mas fazem isso através de oura pessoa.
Enquanto o autor mediato ainda tem domínio da execução do facto, porque domina a vontade
do executor do facto, induzindo-o em erro, coagindo-o, etc., o instigador não domina a
vontade do autor material, cria-a, sendo assim um mero participante.

• Cumplicidade – art. 27º CP


Aquele que dolosamente presta auxílio material a outra pessoa para a prática de um
crime doloso (cúmplice material). Aquele que dolosamente presta auxílio moral a outra
pessoa para a prática de um crime doloso (cúmplice moral).
➢ Material (Ex: António quer matar B, mas tem a sua arma estragada, por isso,
pede a arma a C, dizendo-lhe que o seu objetivo é matar B, fornecendo-lhe assim um
auxílio material).
➢ Moral (Ex: Maria desabafa com Teresa dizendo que tá grávida, mas que não
quer levar a gravidez para a frente e Teresa apoia a sua decisão, dando-lhe apoio
moral à prática do crime de aborto ilegal).
A cumplicidade é sempre dolosa. O cúmplice tem de ter conhecimento que o contributo
moral ou material que está a prestar a outra pessoa se destina à prática daquele um crime. E a
pessoa a quem é prestada o contributo moral ou material tem também de, dolosamente,
praticar o crime.
O que distingue a cumplicidade da instigação é que em termos sancionatórios, a pena,
pois o legislador entende que a forma de participação que merece menor censura e, por
conseguinte, menor pena é a cumplicidade (art. 27º, nº 2 CP). Obrigatoriedade da atenuação
da pena. A pena é menor do que a do instigador porque o seu contributo considera-se de
menor desvalor, pois enquanto que na instigação, o instigado só comete o crime porque o
instigador criou nele essa vontade, na cumplicidade no autor já está determinada a prática do
crime.
Esta distinção entre autoria e participantes é importante porque os participantes só são
punidos se o autor tiver praticado um facto que pelo menos seja típico e ilícito. A
responsabilidade criminal do participante depende e é acessória da prática pelo autor de um
facto que pelo menos tenha essas duas características – teoria da acessoriedade limitada.

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Significa isto que como a culpa é um juízo pessoal, individual e intransmissível, cada
comparticipante é punido segundo o grau da sua culpa, independentemente da culpa do autor.

Ex: A com 15 anos de idade pede a B, com 20 que lhe empreste a arma de fogo para
com ela matar X. B empresa-lhe mesmo assim. Temos uma situação de comparticipação
criminosa no homicídio de X. B é assim um cúmplice material. O facto é típico e ilícito, mas
quanto à culpa A é menor de idade, logo não é um facto culposo. Mas, como em sede de
culpa, B (cúmplice) é maior de idade é imputável, vai ser punido como cúmplice do crime de
homicídio praticado em autoria material por A, pela pessoa de X.
Se a culpa é individual e intransmissível, já a ilicitude não é. É possível transmitir entre
participantes a ilicitude ou o grau da ilicitude (art. 28º CP).

Ex: Crime de recusa de médico – para que alguém esteja numa situação de necessidade
chama um médico e esse médico recusa auxílio, esse médico recorre em um crime. A é
casada com um médico. A está já deitada com o seu marido e toca o telemóvel dele com a D.
Luísa a chamar o médico pois estava-se a sentir mal e quem atende é a A, dizendo ao seu
marido que a chamada tinha sido engano. No dia a seguir D. Luísa morre. A como não é
médica não incorre no crime de recusa de médico, mas incorre nesse crime pois induz o
marido em erro relevante, bastando que um dos participantes tenha a qualidade de que
depende a ilicitude.

A escola de Lisboa entende que o fundamento da agravação é simultaneamente um


maior ilícito e uma maior culpa. Do ponto de vista da gravidade da ilicitude matar um vizinho
não é a mesma coisa que matar o pai, que é simultaneamente mais ilícito e culposo. Isto é
importante porque se os homicídios forem comparticipados há comparticipantes que podem
ter as qualidades previstas no art. 132º (ascendente, descendente, adotante, adotado, etc.).
Para a escola de Coimbra o fundamento para agravação é só uma maior culpa.

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——— Crimes contra a vida —————————

Artigos 131º a 139º do Código Penal

Direito à vida está presente no artigo 24º da CRP; no seu número 2 refere que “em caso
algum haverá pena de morte” — existe aqui presente o princípio da humanidade das penas

A vida humana inicia-se com o parto e a personalidade jurídica adquire-se no momento


do nascimento completo e com vida; existem, assim, três formas de parto: i) parto normal; ii)
parto por cesariana ou cirúrgico; iii) parto induzido ou provocado
A tutela dos crimes contra a vida inicia-se com o parto e cessa com a morte.
Critérios para a morte
i) morte cerebral (critério adotado pelo legislador do CP português) - existe uma lesão
irreversível do sistema nervoso;
ii) cessação das funções vitais (sendo estas a respiratória e a circulatória);
iii) critérios utilitaristas;
iv) critério situacional duplo (exemplo: utilização das máquinas para alimentar uma
pessoa).

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Artigo 131º CP Homicídio Simples

Elementos objetivos desse ilícito típico:


— referência ao agente (autor material do facto);
— conduta ou ação tipica;
— objeto da ação (outra pessoa viva);
— resultado;
— nexo de causalidade.

Elemento subjetivo desse ilícito típico


— incriminação dolosa (artigo 13º CP)

Principais classificações típicas do homicídio simples:


1. Crime geral ou comum — qualquer pessoa pode ser agente deste crime;
2. Crime unipessoal — basta uma pessoa para consumar este crime;
3. Crime de dano ou lesão — a sua consumação exige a efetiva lesão do bem jurídico
da norma incriminadora;
4. Crime instantâneo com efeito duradouro — a situação de ilicitude ocorrer e esgota-
se com a produção da morte;
5. A moldura penal admite a tentativa (artigo 23º n.1 CP)

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

I. Generalidades

O tipo legal fundamental dos crimes contra a vida.


O bem jurídico protegido: a vida de outra pessoa.
Em algumas legislações chega-se a fazer corresponder aos dois tipos de ilícito
fundamentais dois tipos normativos de agentes diversos: o “homicida” e o “assassino”.

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Esta construção dualista não se afigura hoje nem político-criminalmente, nem


dogmaticamente conveniente. A construção dos crimes contra ávida a partir de um duplo
fundamento dá origem às maiores dificuldades dogmáticas e pode construir raiz de soluções
de problemas concretos incorretas e inadequadas.

II. O bem jurídico

O bem jurídico é a vida humana. A partir daqui não falta quem defenda que o bem
jurídico protegido por este preceito é exatamente o mesmo que se encontra tutelado pela
incriminação do aborto. Conduz à discussão sobre se a vida intra-uterina é a mesma vida que
o crime de homicídio protege. Acentue que a distinção entre homicídio e aborto se não pode
fazer ao nível do bem jurídico, mas só deve fazer-se ao nível do objeto do facto: este seria, no
crime de homicídio a pessoa já nascida, no crime de aborto a pessoa ainda não nascida.
A precisão a que poderá então ser-se convidado é à de que o bem jurídico protegido
pelo homicídio não é simplesmente a vida humana, mas, mais rigorosamente, a vida de
pessoa já nascida (diversamente no caso do aborto).

III. O tipo objetivo de ilícito

O tipo objetivo de ilícito do homicídio consiste em matar outra pessoa.

1. O início da vida
O momento em que começa a vida para efeitos de delimitação do âmbito de proteção da
norma relativa ao homicídio. Duas teses: segundo uma delas a vida começaria, tal como para
o direito civil é prescrito pelo artigo 66º n.1 CC, com a completação do processo de
nascimento, tal como releva Maia Gonçalves, autor do código anotado de 1992; segundo a
outra tese a proteção dispensada pelo crime de homicídio iniciar-se-ia não com a conclusão,
mas pelo contrário, com o início do ato de nascimento.

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Esta segunda tese é de sufragar. Em favor da primeira não é lícito esgrimir com
necessidades ou conveniências de unidade da ordem jurídica — por um lado, que um tal
unidade não é de nenhum modo posta em causa pela diversidade de determinações
conceituais e materiais operadas em diferentes domínios ou ramos de uma mesma ordem
jurídica; e por funcionalidade e uma racionalidade próprias, que conduziram justamente
àquilo que Bruns (doutrina alemã) chamou de “libertação do direito penal relativamente ao
pensamento civilístico” — e nisto reside o essencial e decisivo — é que o fim da proteção da
norma do homicídio impõe que a morte dada durante o parto, seja qual for a via pela qual este
se opere, se considere já um verdadeiro homicídio, antes que um mero aborto.
Argumento textual: o de que, por um lado, o art 136º pune como homicídio privilegiado
a morte dada pela mão ao seu filho durante o parto e, por conseguinte, num momento em que
o processo de nascimento não se completou ainda; e o de que, por outro lado, o crime de
aborto é expressamente considerado como crime contra a vida intra-uterina. Doutrinas e
jurisprudências absolutamente dominantes no direito alemão.
O momento verifica-se quando se iniciam contrações ritmadas, intensas e frequentes
que previsivelmente conduzirão à expulsão do feto — tanto faz serem naturais ou induzidas
de forma artificial. Mesmo que as contrações não se verifiquem e tiverem lugar o processo
cirúrgico (cesariana), será o momento em que este processo se inicia a marcar o início da
possibilidade de realização do tipo de ilícito objetivo do homicídio.
A capacidade de vida autónoma do feto não é pressuposto da qualidade de pessoa para
efeito da integração do tipo objetivo de ilícito.
Questões de resolução extremamente difícil são hoje colocadas pelas chamadas
condutas médicas pré-natais, isto é, por aquelas condutas que têm efeitos verificáveis já
depois de iniciado o ato de nascimento, mas foram levadas a cabo em momento anterior.
Artigo 3º, decisivo apenas pode ser o momento da conduta. O problema aqui em questão não
pode ser corretamente resolvido em função nem do momento da conduta nem da verificação
do resultado.
Correta parece só poder ser a solução segundo a qual decisivo é o momento em que a
atuação começa a produzir efeitos sobre o nascituro.

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2. Termo da vida
Determinação do momento da morte, momento a partir do qual cessa a tutela jurídico-
penal dispensada por aquele tipo. A qualidade de pessoa para efeito do tipo ilícito objetivo do
homicídio termina com a morte: o cadáver não é mais pessoa para este efeito. O problema
tornou-se um dos mais debatidos na doutrina jurídico-penal por efeito da descoberta médico-
científica das técnicas de reanimação; e exasperou-se nos últimos anos pela necessidade de
obter órgãos do cadáver que permitam a transplantação.
O CP não contém preceitos que direta ou indiretamente acorram à resolução do
problema. Em Portugal todavia a ciência médica e a doutrina jurídico-penal foram
progressivamente convergindo na necessidade de substituir o critério tradicional pelo critério
da morte cerebral.
Não parece lícito, se é que é possível, distinguir a vida biológica e a vida humana
segundo um critério de relevância biológica. Deve concluir-se pelo bom fundamento, para
efeito em causa, do critério da morte cerebral: é esta que, segundo o estado atual dos
conhecimentos, define a irreversível ausência da vida. Morte é assim a destruição anatómica
estrutural do cérebro na sua totalidade; nunca uma mera lesão cerebral.
Comprovação da morte cerebral — além do EEG, têm sido apontados outros critérios
nomeadamente o que deriva da diferença de oxigenação do sistema venoso-arterial cerebral;
este critério depara com altas probabilidades de erro.
A solução jurídico-penal mais razoável pareceria ser a de exigir em todos os casos o
exame clínico-neurológico, complementando-o pelo critério das linhas isoelétricas do EEG.

3. Eutanásia
O moriturus constitui objeto possível do crime de homicídio: até à ocorrência da morte
cerebral, matar outra pessoa conforma sempre uma conduta objetivamente integrante do tipo
de ilícito do homicídio. Eutanásia — auxílio médico à morte.
No conceito de eutanásia vieram a ser enxertadas doutrinalmente as situações que
ficaram conhecidas como das “vidas indignas de serem vividas”. O aniquilamento de doentes
mentais ou semelhantes, mesmo que incuráveis, preenche sempre o tipo objetivo de ilícito do
homicídio e relativamente a ele só podem intervir as causas de justificação ou de exclusão da
culpa, rigorosamente, nos termos gerais; e isto ainda mesmo nos casos em que a doença e a

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sua incurabilidade sejam comprovadas logo no momento do nascimento ou


extraordinariamente próximo dele.
Completamente diferente é a situação problemática da verdadeira eutanásia, em que se
trata do auxílio médico à morte de um paciente já incurso num processo de sofrimento cruel e
que, segundo o estado dos conhecimentos da medicina e um fundado juízo de prognose
médica, conduzirá inevitavelmente à morte; auxílio médico que previsivelmente determinará
um encurtamento do período de vida do moribundo. Devem distinguir-se situações várias.
Distinções fundamentais entre “eutanásia passiva”, “eutanásia ativa indireta” e “eutanásia
ativa direta”.
De eutanásia passiva fala-se com propriedade quando o médico renuncia a medidas
suscetíveis de conservar ou de prolongar a vida de doentes em estado desesperado. Neste
problemática existe uma conduta omissiva do médico.
Preenchimento do tipo objetivo de ilícito do homicídio existirá sempre que o doente
solicite ao médico que prossiga a intervenção; ao menos enquanto o doente mantiver a
consciência ou for ainda previsível que a recupere. Tipicamente ilícito no sentido das
intervenção médica arbitrária será o prosseguimento da intervenção ou a utilização de certos
meios conservatórios se o doente os recusa ou os proíbe.
Em todos os casos em que o consentimento do doente não possa ser obtido parece dever
em princípio negar-se a tipificado, no sentido do homicídio, da omissão de prosseguir o
tratamento. A esta solução conduz a ausência de sentido pessoal ou social de um tal
“tratamento” e do verdadeiro atentado à dignidade humana do moribundo que em muitos
casos a continuação da intervenção médica representa.
A utilização de meios destinados a poupar o moribundo a dores e a sofrimentos quando
é previsível um encurtamento eventual e não muito sensível do período de vida como
consequência lateral indesejada, embora, da subministração dos meios (casos chamados de
eutanásia ativa indireta), preenche o tipo objetivo de ilícito do homicídio. A doutrina inclina-
se para considerar justificava a conduta do médico; fundamentações entre as quais, a do risco
permitido. Este será o caso em que o médico pretende acorrer ao interesse (real ou
presumido) do paciente na supressão das dores e do sofrimento e usa do cuidado devido de
acordo com as circunstancias concretas; e em que o paciente se conforma com o risco de
morte antecipada.

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Um intencional ou necessário encurtamento ativo do período de vida do paciente é o


caso do chamado eutanásia ativa direta. Ele preenche o tipo objetivo do ilícito do homicídio.
Sem uma intervenção legislativa torna-se extremamente difícil alcançar a impunibilidade
legislativa destas hipóteses, devendo considerar-se ultrapassadas as teorias que pretendiam
fazer funcionar aqui, em geral, uma causa de justificação. Dispensa de pena, por via do
estado de necessidade desculpante (artigo 35º n.2).
Duas hipóteses que não preenchem o tipo objetivo de ilícito do homicídio. É uma delas
a do auxilio médico à morte que corra sob a forma de ajuda ao suicídio; e a da cessação da
intervenção médica em momento posterior à morte cerebral: qualquer interrupção da
intervenção, mesmo que ela conduza à cessação da função respiratória e circulatória ainda
subsistentes, não preenche nunca o tipo objetivo de ilícito do homicídio.

4. Suicídio
O tipo objetivo do ilícito do homicídio exige que se mate outra pessoa, é o mesmo que
dizer, pessoa diferente do agente. O suicídio não é punível; e não é logo porque a conduta
respetiva não integra o tipo objetivo do ilícito do homicídio. Isto não significa que o suicídio
não apresente interesse e relevância para o direito penal; mas justifica que a problemática
respetiva seja afastada do tratamento do crime de homicídio e remetida, na parte relevante,
para o do crime de ajuda ao suicídio.

5. Conclusão
O tipo objetivo de ilícito do homicídio deve pois dizer-se que ele se realiza com a morte
de outra pessoa, isto é, com o causar a morte de pessoa diferente do agente; põe-se fim a uma
estéril e ultrapassado querela entre finalistas e causalidade aceita do sentido do elemento
típico “matar”. “Causar a morte” significa que tem de estabelecer o indispensável nexo de
imputação objetiva do resultado à conduta. Com absoluta irrelevância dos meios e do modo
através dos quais a morte é provocadora (direta ou indiretamente, por conduta ativa ou
omissiva, sejam utilizados meios físicos ou psíquicos, resulte aquela do encurtamento do
período de vida de uma pessoa são ou do apressado momento da morte de um moribundo,
ocorra ela imediatamente ou após um período longo relativamente à ação ou omissão).

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IV. O tipo subjetivo de ilícito

O tipo subjetivo de ilícito do homicídio exige o dolo em qualquer das suas formas
contempladas no art 14º: direto, necessário ou eventual. Trata-se por isso de um tipo
relativamente ao qual se verifica aquilo que a doutrina chama de total congruência entre a sua
parte objetiva e a parte subjetiva. Importa sublinhar que, para se verificar dolo eventual
relativamente a condutas objetivamente e mesmo extremamente perigosas, não basta que o
agente preveja o perigo de resultado e se conforme com ele, tornando-se antes sempre
necessário quer aquele preveja e se conforme com o próprio resultado; e o mesmo se dirá
para ações cometidas em estado de afeto, por mais que as regras da experiência mostrem que
a ações como a levada a cabo se segue normalmente o resultado morte.
Em matéria de erro sobre o tipo, artigo 16º n.1, será em princípio, irrelevante o erro
sobre o decurso da causalidade (caso de escola: A com dolo homicida, dá um tiro a B e,
erroneamente convencido que o matou, enterra-o para ocultar o crime; B vem a falecer por
asfixia).

V. Causas de justificação
A doutrina geral das causas de justificação, quando conexionada com o tipo de ilícito do
homicídio, conduz a que devam acentuar-se sobretudo os pontos seguintes:
Consentimento (efetivo - art 38º; presumido - art 39º) não exclui a ilicitude do
homicídio doloso.
Em matéria de legítima defesa revela-se hoje alguma tendência para denegar a
justificação do homicídio nos casos em que a agressão se dirigia à ofensa de bens jurídicos
diferentes da vida e da integridade física “essencial”. Esta doutrina não parece dever merecer
acolhimento. O que tem particular relevo são ideias comuns a todo o instituto como a de que
a legítima defesa não deve ser admitida perante agressão a bens jurídicos de valor
insignificante; e também a de que, em certos casos, onde falte algum dos pressupostos da
legítima defesa, deverá porventura aceitar-se a existência de uma causa supra-legal de
justificação do tipo das chamadas “situações de quase legítima defesa” ou do “estado de
necessidade defensivo”.

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Exigindo o artigo 34º alínea b), para a justificação por direito de necessidade, uma
“sensível superioridade do interesse a salvaguardar”, bem se compreende que não haja casos
em que o tipo de ilícito do homicídio possa ser justificado por essa via. Um critério
quantitativo não deve relevar quando está em jogo o bem jurídico “vida humana”. Já são
pensáveis hipóteses de justificação através do conflito de deveres ou de ordem legítima da
autoridade.
Um problema especial é o da já mencionada perfuração. Fica afastada a possibilidade
de configurar a situação como de conflito de deveres justificaste porque a situação se traduz
sempre em matar uma pessoa para salvar outra. Apela-se ao estado de necessidade defensivo;
uma situação de que a “perfuração”, por mais trágica que seja, como na verdade é, constitui
na doutrina, desde há muito, um casado paradigmático: a via de resolução do problema seria
a de advogar uma intervenção legislativa no sentido de submeter a perfuração ao regime da
interrupção da gravidez por indicação terapêutica estrita.
Outro problema específico é o do homicídio derivado da utilização de uma arma de
fogo por autoridade. Não deve defender-se que a atuação da autoridade seria aqui fortemente
condicionada do que a comandita do particular, por obediência a um estrito princípio de
proporcionalidade dos bens jurídicos, mesmo em matéria de legítima defesa de terceiros.
Deve afirmar-se que para as autoridades policiais valem os princípios gerais da justificação
do homicídio sem quaisquer especialidades. Com as consequências que daí advêm em
matéria de “legitimidade da ordem da autoridade” para efeito do artigo 36º.
Homicídio cometido na guerra. Os homicídios cometidos na guerra encontram-se a
coberto da justificação oferecida pela ideia de adequação social. Esta fundamentação revelar-
se-á em muitos casos insuficiente, tornando-se necessária a análise do caso concreto. Para
determinar se o caso concreto do homicídio se encontra ou não coberto pelo direito
internacional da guerra e pelas suas normas específicas. Deve ter-se em atenção finalmente
que esta matéria apresenta estreitíssima conexão com a relativa aos chamados crimes contra a
paz e humanidade.

VI. As causas de exclusão da culpa


As causas mais frequentes residirão quer em situações de inimputabilidade (artigo 20º
n.1) ou do estado de necessidade desculpante (artigo 35º), derivadas de estados de afeto, com

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particular incidência nas hipóteses de eutanásia; quer em situações de excesso de legítima


defesa.

VII. As formas especiais do crime


1. Tentativa
A tentativa no cometimento do homicídio é sempre punível por força do disposto do
artigo 23º n.1. A particular gravidade do crime em questão, há por vezes tendência
jurisprudência para antecipar o mais possível o início da tentativa, reputando atos de
execução o que verdadeiramente não passa ainda de atos preparatórios, em princípio não
puníveis. Esta tendência é injustificável e deve ser decididamente combatida. Necessitados de
particular atenção são, em matéria de tentativa de homicídio, os problemas relacionados com
a desistência, em virtude da possibilidade frequente de continuação da atuação típica.

2. Comparticipação
E matéria de autoria e de cumplicidade valem completamente as regras gerais. Questões
relativamente a um mesmo crime de homicídio, pode um comparticipaste ser punido por
homicídio simples e outro por homicídio qualificado ou privilegiado. O problema de
determinar se se está perante uma comparticipação no crime de homicídio ou antes perante
uma autoria do crime de incitamento ou ajuda ao suicídio.

3. Concurso
O crime de homicídio do artigo 131º cede sempre relativamente à sua qualificação
como homicídio privilegiado ou qualificado. Salvo se, este último não tiver passado do
estado de tentativa.
Uma tentativa de homicídio (tentativa impossível, art 23º n.3) pode porém já concorrer,
em concurso efetivo, com um homicídio por negligência nos termos do artigo 137º. Já porém
relativamente ao homicídio doloso consumado, o crime do artigo 137º só aparentemente pode
concorrer com o artigo 131º.
O problema sem dúvida mais complexo é o do concurso entre os crimes de homicídio e
de ofensa à integridade física.

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Igualmente problemática é a questão do concurso entre o crime de homicídio e um


qualquer crime agravado pelo resultado morte, nomeadamente a de saber se pode admitir-se a
verificação de um concurso efetivo, pelo menos relativamente aos crimes agravados pelo
evento chamados impuros. O problema é porém específico dos diversos crimes agarrados
pelo resultado.

VIII. A pena
A pena cominada pelo homicídio simples é a de 8 a 16 anos de prisão.

Notas do Código Anotado de Manuel Maia Gonçalves, de 1992, 6ª edição Almedina

O objeto do crime de homicídio é a pessoa humana.


remeter para artigo 66º n.1 CC — começo da personalidade
Como o homicídio é um crime material ou de resultado, por sua própria natureza e pela
expressão legal matar outrem, põem-se aqui em toda a sua extensão os problemas da
definição do nexo de causalidade que deve ligar o comportamento do agente causador ao
resultado causado.
Quanto ao elemento subjetivo da infração há que referir que o crime previsto neste
artigo é o de homicídio doloso. O dolo pode revestir qualquer das suas formas (direto,
necessário ou eventual). Se não existir dolo questiona-se se existe juízo de culpa que
configure um das formas de negligência; se não existir dolo nem negligência, o facto não é
punível.
A lei não define os meios de execução do crime de homicídio, logo podem ser uns
quaisquer.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 17



Artigo 132º CP Homicídio Qualificado

Notas do Livro Comentário Coimbrincense ao Código penal

I. Relações entre homicídio (“simples”) e homicídio qualificado: o método da


qualificação
O homicídio qualificado é uma forma agravada do homicídio simples.
O legislador português de 1982 seguiu a combinação de um critério generalizador,
determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica chamada dos exemplos-padrão. Por
outras palavras, a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente
numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a “especial
censurabilidade ou perversidade” do agente referida no n.1; verificação indiciada por
circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados
no n.2. Elementos estes, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do
tipo de aula e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede
que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos aos descritos e que integrem o
tipo de culpa qualificados. Devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos
elementos constitutivos do tipo orientador que resulta de uma imagem global do facto
agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no artigo 132º n.2.
O método de qualificação, do ponto de vista político-criminal. Vem este método
permitindo à jurisprudência portuguesa um uso moderado e criterioso.
O método qualificados adotado em matéria de homicídio é igualmente aceitável, por um
lado, do ponto de vista dogmático, se bem que aqui depare com algumas objeções sérias,
sendo a principal objeção a da questão de saber se os exemplos-padrão constantes do artigo
132º n.2 constituem em definitivo elementos do tipo de ilícito, elementos do tipo de culpa,
elementos uns do tipo de ilícito e outro do tipo de culpa, ou simples circunstâncias
determinantes da medida da pena. Todas estas concepções têm encontrado defensores na
doutrina alemã. Muitos dos elementos constantes das diversas alíneas do artigo 132º n.2, em
si mesmos tomados, não contendem diretamente com uma atitude mais desvaliosa do agente,
mas sim com um mais acentuado desvalor da ação e da conduta, com a forma de
cometimento do crime. Não é esse maior desvalor da conduta determinante da gravação,

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 18

antes ele é mediado sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a especial
censurabilidade ou perversidade do agente, é dizer, o especial tipo de culpa do homicídio
agravado. Não há objeções de princípio a que se defenda que a gravação da culpa é em todos
os casos suportada por uma correspondente gravação do conteúdo do ilícito.
O método utilizado revela-se incensurável à luz do princípio da legalidade. Teresa Serra
refere “na medida em que a enumeração exemplificativa concretiza e determina o critério
generalizador e o critério generalizador delimita a enumeração exemplificativa, numa
interação decisiva estabelecida entre as duas partes do preceito do artigo 132º, a técnica dos
exemplos-padrão conduz a um resultado qualitativamente novo (…). Daí que deva afirmar-se
a inteira compatibilidade dos exemplos-padrão com o princípio da legalidade e a função de
garantia da lei penal, designadamente com a exigência da máxima determinação da lei penal
e da proibição da analogia em direito penal”. Fernanda Palma releva “que deve por isso
considerar-se a interpretação restritiva ou até corretiva de todo o conteúdo” do artigo 132º e
tendente, em definitivo, a fazer das circunstâncias constantes das alíneas do artigo 132º n.2
elementos constitutivos de um especial tipo objetivo e/ou subjetivo de ilícito.
Violador da legalidade se revelará já o procedimento traduzido em fazer um apelo
direto à cláusula da especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer
passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de por isso comprovar a existência de um caso
expressamente previsto no artigo 132º ou de uma situação valorativamente análoga.
O método qualificados do homicídio acabador de expor foi integralmente respeitado
pela diferente redação do artigo 132º constante das alterações do CP de 1998, de acordo com
a Proposta de Lei 160/VII. A nova redação deixa intocados, com efeito, o n.1 e o proémio do
n.2 do artigo 132º, limitando-se a acrescentar e a alargar o catálogo dos exemplos-padrão.
.
II. O tipo de culpa.
O homicídio doloso é através da verificação da “especial censurabilidade ou
perversidade do agente”. Todavia, o pensamento da lei e o de pretender imputar à “especial
censurabilidade” aquelas condutas em que o juízo de culpa se fundamenta na refração, ao
nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas e à
“especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 19

na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente


desvaliosas.
1. Artigo 132 nº2 alínea a).
Aponta como exemplo padrão o agente “ser descendente ou ascendente, adotado ou
adotante da vítima”. Particular justificação para a ideia de que circunstancias como esta
seriam particularmente indicativas de que a agravação do homicídio tem que ver também
com um maior desvalor do tipo de ilícito.
Não parece exato, como defende Fernanda Palma que nestes casos “não é necessária
nenhuma motivação especial do agente para que o homicídio seja qualificado. Basta que o
agente tenha consciência do grau de parentesco com a vítima”.
A qualificação pode ser afastada se o pai mata o filho dominado pelo desespero de o ver
sofrer de forma atroz com uma doença terminal. Ou o caso que a filha mata o pai para
terminar com os maus-tratos que a vítima infligia à mulher e mãe do agente. No crime de
parricídio a regra é que se verifica censurabilidade ou perversidade.
2. Artigo 132 nº2 alínea b).
Aponta como exemplo padrão o seguinte: “praticar facto contra pessoa
particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez”.
Consagrou-se este exemplo padrão cuja estrutura valorativa se liga, de forma clara, à situação
de desamparo da vítima em razão da idade, deficiência (física ou psíquica), doença ou
gravidez, independentemente do carácter insidioso ou não do meio utilizado para matar.
Todavia se dirá que a situação objetiva da vítima desencadeia por si a agravação: morte
infligida por razões de misericórdia a uma criança moribunda e em sofrimento não terá força
qualificadora desta alínea; mas já a poderá ter ausência total de defesa derivada de uma
situação de desamparo social profundo e irreversível.
3. Artigo 132 nº3 alínea c).
Traduz-se em o agente “empregar tortura ou ato de crueldade para aumentar o
sofrimento da vítima”. Isto é, em o agente servir de uma forma de atuação causadora da
morte em que o sofrimento físico ou psíquico infligido pelo ato de matar ou pelos atos que o
antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela sua intensidade ou duração a medida necessária de
causar a morte. O ato de crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento da vítima:
relação meio/fim.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 20

Pode ter ocorrido tortura, mas a qualificação não ter lugar porque o agente foi
dominado de emoção violenta. Por outro lado, a morte pode ser causada por ato que, não
devendo qualificar-se de tortura ou cruel, constitua em todo o caso um tratamento degradante
ou desumano que permite verificar uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.
4. Artigo 132 nº2 alínea d).
Ser determinado a matar por “avidez” significa a pulsão para satisfazer um desejo
ilimitado de lucro à custa de uma desconsideração brutal da vida de outrem.; pelo “prazer de
matar” significa o gosto do aniquilamento da vida humana sem que tenha de se reconduzir
para anomalia psíquica (artigo 20). Para “excitação ou para satisfação do instinto sexual”
significa que a motivação requerida se verifica não apenas quando a morte da vitima visa
determinar a libertação do agente da pulsão sexual mas também sempre que aquela serve a
prática de atos necrófilos ou para despertar o instinto sexual; por “qualquer motivo torpe ou
fútil” significa que o motivo de atuação avaliado segundo as conceções éticas e morais
ancoradas na comunidade deve ser considerado pesadamente repugnante ou baixo que não é
ou nem sequer chega a ser um motivo.

5. Artigo 132 nº2 alínea e).


O homicídio é determinado por “ódio racial, religioso ou político”. O homicídio por
ódio político é suscetível de revelar a especial perversidade do agente, visto tratar-se de uma
motivação especialmente rejeitada pela comunidade num estado de direito. Trata-se se uma
alínea que qualifica o homicídio pelo ódio a qualquer um dos exemplos padrão referidos e
outros através de elementos substancialmente análogos.
6. Artigo 132 nº2 alínea f).
A circunstância de o agente “ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir
outro crime”. Não é assim necessário que este outro crime venha a ter lugar, ainda que
mesmo só sob forma tentada, bastando que, no plano do agente, o homicídio surja como
determinado, ainda que só de forma eventual, pela perpetração de um outro crime. Não é
necessário que o homicida seja agente do outro crime, podendo este ser cometido por
“terceiro”, como necessário não é ainda que o homicídio cometido com dolo intencional ou
direto bastando o eventual.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 21


As circunstâncias de o agente “ter em vista facilitar a fuga ou assegurar a


impunidade do agente de um crime”. Ter-se-á tratado sobretudo de equiparar, ao
encobrimento de um crime o favorecimento pessoal do seu agente.
O exemplo de qualificação ter o agente praticado o facto para se subtrair à captura ou ao
cumprimento de reações privativas de liberdade, incluindo os casos em que o agente é
deslocado, sob custódia ou ainda, quando em fuga, para adquirir meios de subsistência.
7. Artigo 132 nº2 alínea g).
Circunstância de o agente “praticar o facto com, pelo menos, mais duas pessoas ou
utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo
comum”. Juntam-se deste modo nesta alínea três constelações que se deixam reduzir à
mesma estrutura valorativa através da ideia da particular perigosidade do meio empregado e
da consequente maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima.
Praticar o facto com, pelo menos mais duas pessoas. Pode pensar-se que necessário se
torna que ocorra no quadro de uma associação criminosa que tenha pelo menos 3 membros.
Pode ser ainda menos exigente a interpretação que se verifique uma hipótese de mera
comparticipação de 3 ou mais pessoas no homicídio; devendo ainda discutir-se se pelo menos
3 pessoas devem ser autores ou se pode tratar-se de autores e cúmplices. O teor literal do
preceito parece indicar que o exemplo padrão só deverá considerar-se preenchido quando no
facto comparticipem pelo menos 3 agentes em coautoria: “juntamente com outro ou outros” é
precisamente a expressão do artigo 25 para definir a coautoria; além de que o cúmplice
verdadeiramente não pratica um facto de homicídio, mas participa em um facto praticado por
outrem. Decisivo é considerar que uma interpretação menos exigente da circunstância pode
ser aceite se considerar que não é a comparticipação em si e por si mesma que constitui o
exemplo padrão, mas apenas se e quando ela determinar uma particular perigosidade do meio
e uma consequente dificuldade da vítima se defender. E verificar especial censurabilidade ou
perversidade.
Utilizar meio particularmente perigoso é servir-se para matar de um instrumento,
método ou de um processo que dificultem significativamente a defesa da vítima e que criem
ou sejam suscetíveis de criar perigo de lesão para outros bens jurídicos. Exigindo a lei que
eles sejam particularmente perigosos há que concluir que: o meio se revele uma perigosidade
muito superior à normal nos meios usados para matar (pistola, facas, etc.…) e ser

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 22

indispensável determinar se a natureza do meio utilizado resulta de especial censurabilidade


ou perversidade do agente.
Crimes de perigo comum são constantes dos artigos 272 a 286 e deve fazer-se através
da falta de escrúpulo em princípio revelada pela utilização de um meio adequado à criação ou
produção de perigo comum análoga à dos descritos.
8. Artigo 132 nº2 alínea h).
A circunstância do agente “utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso”. A
utilização de veneno deve ser posta ao mesmo nível da de qualquer outro meio insidioso,
derivando a possibilidade de qualificação da circunstância de os meios utilizados tornarem
especialmente difícil a defesa da vítima ou arrastarem consigo o perigo de lesão de séria
indeterminada de bens jurídicos. O que serve também para dar a compreender que insidioso é
toda a forma de atuação sobre a vítima com características análogas à do veneno, ou seja, de
forma oculta.
9. Artigo 132 nº2 alínea i).
É a premeditação. O efeito agravante da premeditação agravar-se-á pela reflexão que
precederia e acompanharia a execução, deste modo indicando uma acrescida perigosidade. A
frieza, firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução indiciada pela sua persistência
durante um apreciável período de tempo reveladora de uma forte vontade criminosa.
A frieza de animo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção
de matar por mais de 24 horas. Qualquer premeditação durante um apreciável período de
tempo será análogo as 24 horas que aparece expresso no elemento padrão, suscetível de
indiciar a culpa agravada.
III. Relações entre o tipo objetivo de ilícito, o tipo subjetivo de ilícito e o tipo de
culpa. Dolo e erro.
O homicídio qualificado é punível a título de dolo sob qualquer uma das formas
inscritas no artigo 14. O que o aplicador tem de fazer é só, partir da situação tal como ela foi
representada pelo agente E a partir dela perguntar se a situação corresponder a um exemplo
padrão ou uma situação substancialmente análoga; e se, em caso afirmativo, se comprova
uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Nada disto, pois, ocorre já a nível
do tipo subjetivo de ilícito (cuja total congruência com o tipo objetivo de ilícito se mantém
assim intocada), mas em último termo a nível do tipo de culpa.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 23

IV. As formas especiais de crime.


1. Tentativa.
Saber se os atos de execução praticados revelam já a especial censurabilidade do
agente. Em caso afirmativo o agente deve ser punido por tentativa de homicídio qualificado;
em caso negativo por tentativa de homicídio simples.
Situação diversa será a de o homicídio simples se ter consumado, mas as circunstâncias
que fundamentam o exemplo padrão terem sido apenas tentadas. A solução aí é punição por
homicídio simples consumado com elementos agravantes da pena. Não será admissível a
punição por tentativa de homicídio qualificado, mas apenas por tentativa de homicídio
simples- quando se não encontrarem totalmente preenchidos, a morte não chega a ocorrer.
2.Comparticipação.
Se todas as circunstâncias contidas no artigo 132 nº2 não são mais que casos
exemplares que podem conduzir à integração do tipo de culpa agravado consagrado no nº1 e
se, como é indispensável à afirmação do dolo, para integração daquele tipo tem de partir-se
das representações do agente- fica então próxima a afirmação de que a contribuição de cada
um dos agentes para o facto tem de ser valorada autonomamente, enquanto fundadora ou não
de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. É perfeitamente possível que um
coautor seja punido por homicídio qualificado outro por homicídio simples; como, por outro
lado, que o comparticipante seja punido como autor de homicídio qualificado e o cúmplice de
homicídio simples.
Houve quem defendesse que os comparticipantes cujo comportamento não fosse causa
da morte, o caso dos instigadores e dos cúmplices não poderiam ser punidos por homicídio
qualificado. Um concurso entre homicídio simples e qualificado, se ocorrerem elementos
constitutivos de mais de um exemplo padrão ambos com relevo para a qualificação da atitude
do agente, um só poderá ter efeito. A pena no ordenamento jurídico português é
suficientemente moderada, impedindo, em todos os casos sem exceção, a pena de morte ou a
prisão perpétua. De facto, a moldura penal revela insuficiente para o dado sentimento de
vingança mas é sabido que a satisfação desse sentimento nada auxilia a prevenção.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 24

Notas do Código Anotado de Manuel Maia Gonçalves, de 1992, 6ª edição Almedina

Comentário à alínea i) do n.2:


o legislador não refere o que se deve entender por veneno; desde modo, o legislador
quer que os julgadores tenham mais meabilidade; trata-se de indóceis reveladores de culpa e
não de elementos do tipo do crime, pelo que o julgador tem toda a maleabilidade sem risco de
violar o princípio nullum crime sine lege; // por meio insidioso, o próprio sentido literal é
amplo, cabendo nele inclusive os meios traiçoeiros e desleais

Comentário à alínea j) do n.2:


o legislador refere que basta que o agente que com frieza de ânimo ou com reflexão
sobre o crime e os meios empregados pois nisto já se encontra a essência da premeditação.
N.2 al. a):
Prof Eduardo Correia, no seu livro Direito Criminal, 1965, II, refere “… se o facto, por
um lado, aumenta a gravidade do ilícito, porque além do mal do crime se violam os deveres
de respeito, amizade, subordinação ou disciplina, por outro lado indicia uma maior
capacidade criminosa pelo não respeito dos motivos inibitórios do crime que a tais relações
devem andar ligados. Este último aspeto, junto à consideração de que as referidas relações
são pessoais, poderia parecer permitir a conclusão de que uma tal circunstancia não tem
natureza real, mas sim pessoal. Deve notar-se que as referidas relações (al. a) n.2) não deixam
de agravar a ilicitude, não só na medida em que provocam maior alarme, como na medida em
que podem simplificar a realização do delito, o que lhes tira a natureza de próprias. … Deve,
contudo, averiguar-se se no caso concreto as relações enunciada correspondem à razão de ser
da sua função agravante. Compreende-se, efetivamente que um certa relação, ex: pai e filho
justifique, não uma agravação mas sim uma atenuação”; estas conclusões levam-nos à
conclusão de que a gravação continua a ter um fundamento misto, fluindo que ela é extensiva
a todos os comparticipastes (art 28º e 29º CP), quando à pessoalidade da culpa.
n.2 al. d):
Consiste a essência desta circunstância um aumento cruel e desnecessário do sofrimento
da vítima (existe um prolongamento da sua dor); por conseguinte, não a integram uma
simples repetição de golpes; os atos, embora cruéis, para abreviar a morte nem tão-pouco os

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 25




atos praticados post mortem sobre o cadáver ou para impedir ou dificultar a prova do crime;
existe uma perversidade por parte do autor do crime;
N.2 al. e):
O agente do crime é determinado por avidez quando movido por ganância, ou seja, pelo
desejo de obter vantagens de ordem material com a realização do crime; é determinado pelo
prazer de matar quando atua para realização de um gosto ou de uma satisfação pessoal,
revelando insensibilidade moral e personalidade mal formada; o homicídio é consentido por
excitação quando o arguido procede por mero exibicionismo e é comido para satisfação do
instinto sexual quando o agente o pratica cisando a realização de desejos ou instinto dessa
natureza — aqui o homicídio é crime-meio; motivo torpe é aquele que, pela baixeza de
caráter que revela, ofende em grau elevado a moralidade média das pessoas e torna o agente
mais censurável; motivo fútil é aquele que não tem qualquer relevo, que não chega a ser
motivo, que não pode sequer razoavelmente explicar a conduta, trata-se de um motivo
notoriamente desaproporcionado para ser sequer um começo de explicação da conduta.
N.2 al. f):
Existe uma proibição da discriminação em função dos conceitos mencionados nessa
alínea.
n.2 al. g):
Embora se trata de circunstância essencialmente relativa à culpa, que não opera
automaticamente, deve ponderar-se que neste caso existirá em regra aquela especial
censurabilidade que está na base da agravação, já que o dolo específico assim o inculca.
Frieza de ânimo consiste em a vontade se formar de modo frio, lento, reflexivo,
cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução e persistente na resolução

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Artigo 133º CP Homicídio Privilegiado

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

I. Homicídio privilegiado: fundamento e consequências.


O artigo 133 consagra hipóteses de homicídio privilegiado em função de uma cláusula
de exigibilidade diminuída legalmente concretizada. A emoção violenta compreensível, a
compaixão, o desespero ou um motivo de relevante valor social ou moral privilegiam o
homicídio. Diminui sensivelmente a culpa do agente. Não fica a dever-se nem uma
imputabilidade diminuída nem uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma
exigibilidade diminuída de comportamento diferente, é o estado de afeto. Estado que pode
ligar-se a uma diminuição da imputabilidade ou da consciência do ilícito, mas que opera
sobre a culpa a nível da exigibilidade. Se a especial diminuição da culpa determina ou não
uma diminuição gradual da gravidade do ilícito.
Não há razão para distinguir no preceito dois grupos de hipóteses- um que englobaria a
compreensível emoção violenta, a compaixão e o desespero, outro que abarcaria os motivos
de relevante valor social ou moral. O último ganharia relevo ao nível do tipo de ilícito. O
primeiro a diminuição da capacidade psicológica do agente, segundo o principio da
exigibilidade. A compreensível emoção violenta, a compaixão e o desespero privilegiam não
quando afetam o poder de resistência à pulsão interior (poder de agir de outra maneira), mas,
apenas quando diminuem de forma sensível a exigibilidade de outro comportamento e são,
por conseguinte, motivo de relevante valor social ou moral, elementos atinentes à culpa.
O efeito diminuidor da culpa ficar-se-á a dever ao reconhecimento que naquela situação
o agente age “fiel ao direito” teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por
ele afetado na sua decisão, influenciando o normal cumprimento das suas intenções. É
expressa a lei a exigir que o agente atua “dominado” por aqueles estados ou motivos.
Problema será saber se com este fundamento, um preceito como o artigo 133 não é
inteiramente dispensável face ao método usado pelo legislador em matéria de atenuação
especial da pena (artigo 72).
Questão é ainda saber se, sempre que o juiz considere verificados os pressupostos que
depende o privilegiamento, deve necessariamente renunciar a uma atenuação especial da

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 27


pena. O princípio geral de proibição de dupla valoração. Proíbe que o mesmo substrato
considerado pelo artigo 133 seja de novo valorado para efeito de atenuação especial da pena.
Mas é evidente que para alem dos elementos descritos no mesmo artigo, podem convergir
outros e diferentes para efeito dos artigos 71 e 72.
II. Os elementos privilegiadores.
Compreensível emoção violenta é um forte estado de afeto emocional provocado por
uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem
normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível. Não se trata aqui de qualquer
valoração social ou moral de estado de afeto, mas apenas da sua verificação nos termos
preditos. Pode assim, deste ponto de vista, retificar-se um certo paralelo entre esta situação e
a que, para diversos efeitos, o direito penal português conhecia sob da provocação.
Provocação suficiente, iste é, aquela que atingiu “uma tal intensidade tal que, face a ela, seria
razoavelmente de esperar que o provocado reagisse através de uma agressão”. Tal como na
provocação suficiente, também na emoção violenta compreensível o que está em questão não
é uma inimputabilidade.
O requisito da compreensibilidade de emoção representa ainda uma exigência adicional
relativamente ao puro critério de menor exigibilidade subjacente a todo o preceito. Sem
deverem ser omitidas as dificuldades desta conceção. Que se exija da emoção violenta que
seja compreensível, mas já não da compaixão ou desespero, é coisa que se aceita quando se
considere aquela exigência adicional vale para estados de afeto.
A jurisdição portuguesa interpreta a exigência de que a emoção seja compreensível no
sentido da necessária exigência de uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto
que desencadeia e o facto provocado.
Por se exigir da emoção que diminua sensivelmente a culpa é que não assume relevo a
questão de saber se ma origem do estado emocional esteve um qualquer comportamento
ilícito ou injusto do próprio agente.
Costa Pinto- Critica a jurisprudência dominante por negar o privilegiamento do
homicídio, em nome de falta de nexo de causalidade entre o motivo e a prática do crime,
quando a vítima seja pessoa estranha ao desencadeamento da situação: pois, como não trata
aqui de provocação da vítima, mas de diminuição da culpa do agente. Restando porem saber
se a emoção violenta neste caso diminui a culpa do agente. O que revelará também por aqui

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 28


como a exigência autónoma de diminuição sensível da culpa tem sentido mesmo perante uma
compreensível emoção violenta.
Para a compaixão (estado de afeto ligado à solidariedade) e o desespero (estado de afeto
ligado à angústia, depressão e revolta) ligam aos casos de humilhação prolongada. O efeito
de menor exigibilidade suscetível de diminuir sensivelmente a culpa do agente: não se torna
necessário suceder com a emoção, que eles devam ter-se também como compreensíveis.
Motivo de relevante valor social ou moral em caso algum se poderão avaliar como tais
motivos de pureza rácica, de superioridade política ou desta casta, ou de necessidade de
extermínio de infiéis, de opositores ou de dissidentes. Só isto porém deverá fazer o aplicador,
não distinguir entre motivos de relevante valor social ou moral adequados ou inadequados às
conceções sociais e morais do próprio aplicador ou mesmo prevalentes na comunidade num
dado momento.
III. As formas especiais do crime.
2. Comparticipação.
A tentativa é punível. É perfeitamente compreensível que um comparticipante deva ser
punido por homicídio privilegiado e outro por homicídio simples ou qualificado (alguém
movido por avidez que, todavia, dissimula, instiga ou auxilia outrem, desesperado pelos
sofrimentos de que padece o seu pai moribundo).
3. Concurso e Pena
O concurso, todavia, só pode dar-se entre os elementos objetivos de uma e outra
hipótese, nunca entre os tipos de culpa respetivos. No mesmo caso concreto jamais pode
coincidir uma especial censurabilidade ou perversidade da sua culpa. Assim é perfeitamente
possível que uma mãe solteira, dominada por compreensível emoção violenta, mate o seu
filho depois de refletir sobre os meios ou mesmo de ter persistido por mais de 24 horas. Mas
uma das duas: ou a emoção violenta compreensível determina a premeditação, a diminuição
da culpa e o agente devem ser punidos pelo artigo 133. A pena é de 1 a 5 anos.

Notas do Código Anotado de Manuel Maia Gonçalves, de 1992, 6ª edição Almedina

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 29

O elemento determinante do enquadramento neste homicídio privilegiado é a


diminuição sensível da culpa do agente. Os factores da diminuição da culpa podem ser
quaisquer, desde que tenham relevante valor social ou moral.
Deve existir o nexo de causalidade entre a emoção violenta, a compaixão e qualquer
outro motivo de relevante valor social ou moral e a prática do crime.
O seu campo de aplicação é limitado pela diminuição sensível da culpa em virtude de
emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de diminuição sensível da culpa e a
conduta. A atenuação aqui prevista é específica de homicídio.
Exige-se um estado de emoção violenta e que o agente mate dominado por este estado,
que este seja compreensível; para que o homicídio voluntário se tenha como privilegiado
basta que o réu atue dominado por uma compreensível emoção violenta, que lhe diminua
sensivelmente a culpa; aqui, a emoção violenta será circunstância modificativa quando
diminua sensivelmente a culpa do agente, e se mostre compreensível, não sendo esta
compreensível quando a sua conduta tenha contribuído decisiva e ilegitimamente, esta será
ainda atenuante geral quando não seja suficiente para alterar a qualificação do homicídio para
privilegiado; havendo desproporção entre o facto injusto e a reação do agente, a emoção
violenta causada por aquele facto nunca pode ser compreensível, só podendo ser
compreensível (isto é, natural ou aceitável) desde que exista uma adequada relação de
proporcionalidade entre o facto injusto provocador e o facto ilícito provocado.
São requisitos essenciais do homicídio privilegiado que o agente tenha acuado sobre o
domínio de medo ou emoção violenta e que este estado possa considerar-se desculpável, isto
é, motivo por circunstâncias que o tornem desculpável; não pode considerar-se desculpável o
estado emocional se ele tiver sido causado por uma situação criada pelo agente, através de
um seu comportamento censurável.
A provocação compreende dois elementos: um estado emotivo de ira ou de cólera do
provocado e um facto injusto do provocador determinante daquele estado emotivo. É
necessário que se verifique proporção entre o facto injusto e o crime cometido. Para que o
homicídio possa ser punido pelo artigo 133º CP não basta que se verifique um estado de
emoção violenta: é preciso que este seja compreensível; e só é compreensível desde que

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 30



exista uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o


facto ilícito do provocado.
A verificação dos estado de compreensível emoção violenta, necessário para que a
conduta do agente integre o crime de homicídio privilegiado, implica a existência de uma
adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador (vítima) e o facto
ilícito do provocado (agente).
A atenuação no crime de homicídio privilegiado exige a existência do tal nexo de
causalidade entre a emoção violenta e a prática do crime, o que não se verifica quando a
atuação do dente se dirige injustificadamente contra pessoa diversa daquela que, porventura,
tenha agredido este.
Um elemento determinante é a diminuição sensível da culpa do agente, sendo
indiferentes os factores dessa diminuição, desde que tenham relevante valor social ou moral.
Não é exigível que a reação do agente se desenvolva imediatamente após ter sofrido o
ato injusto alheio provocador do seu violento estado emotivo, mas é indispensável que o
agente atue enquanto perdura esse estado; para que se verifique o homicídio privilegiado não
basta o estado de emoção violenta, sendo ainda indispensável que esse estado emotivo seja
compreensível, o que só se sucede desde que exista uma adequada proporcionalidade entre o
facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocado.
Verificando-se desproporção entre o facto injusto e a reação do agente, a emoção
violenta nunca pode ser compreensível.
Requisitos do homicídio privilegiado:
i) que a causa determinante da conduta tenha relevante valor social ou moral, que
diminua sensivelmente a culpa;
ii) Que não haja desproporção entre o eventual facto injusto representado pelo agente e
a sua reação, a morte da vítima; verificada essa desproporção, nunca a emoção pode ser
compreensível, pelo que o comportamento não pode constituir homicídio privilegiado.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 31


Artigo 134º CP Homicídio a pedido da vítima (é diferente !!!)

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

I. Generalidades
O Homicídio a pedido da vítima é uma forma que configura uma forma privilegiada do
crime fundamental de homicídio. O homicídio a pedido da vítima reproduz o núcleo essencial
do ilícito típico de crime de homicídio. Deve, por outro lado, precisar-se que esta arrumação
classificatória e sistemática pode ter reflexos a nível de comparticipação.
O regime de privilégio radica no “pedido sério, instante e expresso” da vítima que
determina tanto a redução do ilícito como da culpa do agente. No pedido atualiza-se a
autonomia e a autodeterminação da vítima bem como a sua renúncia à tutela do bem jurídico
com a consequente redução do conteúdo do ilícito.
II. A controvérsia sobre a legitimação politico-criminal da infração.
Compreensão teológica prevalece a ideia de interesse ou domínio. Em segundo lugar a
propensão da autolesão e heterolesão consentida. A lesão consentida de bens jurídicos alheios
não é mais do que uma forma mediata de autolesão. A autoleão e a heterolesão consentida são
apenas formas diferentes de expressão da autonomia do portador do bem jurídicos.
Costa Andrade- admite a isenção de pena nos casos em casos em que, pressuposto o
pedido instante, sério e expresso, se trata de “pôr termo a um estado de sofrimento, o mais
doloroso e já não suportável pelo paciente, e que não pode ser evitado ou mitigado de outro
modo”.
III. O tipo objetivo.
1. Remissão
Para se verificar a infração agente tem de “matar outra pessoa”. Isto é, tem de se
verificar aqui todos os pressupostos do tipo objetivo do crime de homicídio. O que vale
sobretudo para as matérias atinentes ao bem jurídico, objeto da ação, conduta típica,
causalidade, imputação objetivo. A exigência da realização do ilícito típico homicídio
determina a exclusão do âmbito do homicídio a pedido da vítima dos factos que possam
levar-se à conta de suicídio, auxilio ao suicídio ou mesmo à eutanásia indireta.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 32

2. Distinção entre o homicídio a pedido da vítima e incitamento ou ajuda ao


suicídio.
O homicídio a pedido da vítima exclui os casos de participação ou auxílio ao suicídio
(artigo 135). A área do facto punível a título de homicídio a pedido da vítima acaba quando a
cooperação na realização do desejo de morrer de alguém se converte de mera ajuda em
comportamento típico do autor. Dai a importância da distinção entre as duas figuras.
A importância da distinção tem como reflexo a extrema complexidade da sua
atualização em concreto. Exemplo: A entrega a pistola a B, que coloca a arma na nuca e
dispara atravessando a cabeça com a bala (ajuda ao suicídio). E doutro lado B mata o próprio
A pedido deste (homicídio a pedido da vítima). Haverá homicídio a pedido da vítima quando
o suicida ponha na mão dos outros a sua própria vida. O protagonista do acontecimento é um
agente terceiro que produz a morte a essa pessoa. Enquanto o auxílio ao suicídio o
protagonista do acontecimento é o próprio suicida e outro apenas auxilia.
A doutrina da comparticipação referida ao tipo e em consonância com o pensamento
subjacente ao artigo 134, poderá oferecer uma distinção adequada. “Comete suicídio aquele
que, no momento cítico a partir do qual já não é possível o retorno, detém nas próprias mãos
a decisão sobre a sua vida”.
3. Conduta típica.
Para além de matar outra pessoa, o que singulariza o homicídio a pedido da vítima e
explica p regime de privilégio que a lei lhe dispensa, é o facto de a produção da morte
resultar do exercício autorresponsável da autodeterminação da vítima. Para tanto prescreve a
lei um conjunto de exigências adicionais: “determinado pedido sério, instante e expresso”.
O primeiro pressuposto (matar outra pessoa) tem de acrescer mais dois: em primeiro lugar, a
existência de um pedido sério instante e expresso; em segundo lugar que o agente atue
determinado por aquele pedido. São estes os 3 pressupostos que definem o tipo objetivo da
incriminação (artigo 135).
O pedido que a lei significar que não basta o simples consentimento da vítima ou
qualquer atitude passiva ou equivalente. Significa que a vítima tem de intervir ativamente no
processo de formação da decisão do agente. Com o pedido, a vítima tem de dar a conhecer a
sua vontade de morrer e de receber a morte nas mãos da pessoa indicada. O pedido tem de
existir antes e durante a atuação do agente e pode ser revogado a todo o tempo. É

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 33

determinado o quem, o quando e aforma de ação da produção da morte. O pedido tem de ser
feito diretamente ao agente e não por um intermediário.
A seriedade que aponta para a vontade verdadeira desempenha um papel de travão ou
inibição. Visa impedir a atuação apressada ou precipitada. A seriedade está excluída sempre
que o pedido assenta em vicio de vontade onde se possa determinar a invalidade do
consentimento.
A capacidade, a vítima deve, pelo menos satisfazer as exigências de que a lei faz
depender a validade e eficácia do consentimento. Por vias disso, não será pedido sério feito
por menor de 16 anos.
O pedido tem de ser instante, seguramente a qualificação que, marca a diferença entre
o pedido relevante para efeitos de homicídio a pedido da vítima e o normal consentimento.
O pedido tem de ser expresso, não tem de ser feito por palavras. Não basta um pedido
meramente presumido ou deduzido pelas circunstâncias e comportamentos da vítima.
Só pode beneficiar do 134 o agente que tiver praticado o facto determinado pelo agente
da vítima. Entre o pedido da vítima e a decisão do agente tem de haver um nexo de
causalidade.
4. Omissão.
Situações frequentes são aquelas que alguém é investido de posição de garante
(médicos) e correspondendo um pedido sério e instante de um doente para o médico deixar de
lavar a cabo os tratamentos que poderiam impedir a morte da vítima.
Exemplo: A médico da família de B, doente grave e dolorosa. A dirigiu a casa de B e
encontrou no chão com um papel a pedir para não intervir no seu suicido e não a salvar. A foi
punido por homicídio a pedido da vítima por omissão.
A doutrina maioritária denega a punibilidade do homicídio a pedido da vítima por
omissão. A punição da omissão está afastada porquanto a oposição do agente faz cessar o
dever de garante. Contra a oposição d paciente deve estar excluído o dever de ação. Saber se
é médico não interfere em qualquer diferença essencial se a interrupção do tratamento é feita
pelo médico ou qualquer terceiro.
IV. O tipo subjetivo.
Pressupõe dolo do agente podendo ser este direto ou eventual (o agente que não confia
na eficácia letal do método escolhido pela vítima e apesar disso prossegue com a ação). Se o

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 34

agente atua sem saber do pedido, ele será punido pelos restantes artigos não beneficiando do
134. Se o agente atua convencido da verificação dos pressupostos não deixa de beneficiar do
artigo 134. O homicídio a pedido da vítima não conhece forma negligente.
O consentimento nunca será causa justificativa para o homicídio e o homicídio a pedido
da vítima não é justificado com legitima defesa.
VI. Culpa.
O regime do 134 releva uma redução da culpa que configura uma manifestação de
exigibilidade diminuída. O legislador considera que o pedido sério, instante e expresso
configura uma circunstância exterior que diminui as inibições da vida alheia.
VII. As formas especiais do crime.
1. Tentativa e comparticipação
A tentativa é punível nos termos do nº2. Contudo em caso de desistência da tentativa se,
entretanto, se tiverem verificado ofensas corporais é chamado a tentativa qualificada.
O autor pode ser qualquer pessoa desde que destinatária do pedido. Se o pedido foi
dirigido ao médico, a enfermeira que com ele colaborar responderá (como co-autora ou
cúmplice consoante os casos) pelo crime de homicídio. O mesmo vale na hipótese inversa de
apenas o cúmplice e não o autor ter sido determinado pelo pedido. Quem fica impune é
sempre a vítima, não podendo esta ser punida por instigar outrem.
O homicídio a pedido da vítima afastará as demais formas de homicídio.

Notas do Código Anotado de Manuel Maia Gonçalves, de 1992, 6ª edição Almedina

Trata-se de um homicídio privilegiado em que a grande mitigação da pena mergulha


numa culpa diminuta.
Põem-se aqui questões paralelas à da provocação; assim exige-se nexo de causalidade
entre o pedido instante, consciente, leve e expresso e o ato de matar; a inexistência desse
nexo fará incorrer o agente no crime de homicídio simples, suposto que se não verifique
subsunção a uma norma especial.
A vida humana é um bem indisponível, mesmo para o ofendido; é justamente o bem
jurídico de maior valoração. Dai que o consentimento não seja um obstáculo à ilicitude, e daí

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 35

também, o particular rigor da lei, à semelhança do que se verifica nas disposições de direito
comparado, nas exigências que faz quanto aos requisitos do pedido da vítima.
A provocação é mais ampla quando a efeito atentivo, sendo também o seu campo de
aplicação limitado pelas coordenadas fácticas aí descritas, sem esquecer a necessária relação
de causa para o efeito entre o pedido instante, sério e expresso da vítima e o autor da morte.
Sendo a vítima menor, e verificando-se todos os pressupostos deste artigo, o agente é
punido pelo artigo 133º; o menor tem que ser imputável, por um inimputável não poderá
formular um pedido sério e digno de aceitação; por esta razão o pedido feito por um
inimputável maior nunca poderá estar abrangido pela previsão desde artigo.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 36


Artigo 135º CP Incitamento ou Ajuda ao Suicídio (existe alterações no n.2!!!)

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

I. Generalidades
O código penal português incrimina o auxílio ao suicídio. A incriminação da
participação do suicídio de outrem é uma decisão político criminal de fundo de primeiro
plano. Não parece que a consagração positiva da incriminação resulte na redução da
complexidade que dele se poderia esperar. Descontando o caso obvio da participação ativa no
suicídio, onde as águas se separam, já o mesmo não se verifica em áreas como a omissão, a
negligencia ou o erro. E face às quais o interprete e aplicador do direito dispõe da
incriminação.
O incitamento ou ajuda ao suicídio é um delito independente e não uma forma
privilegiada do homicídio.
II. O bem jurídico.
O bem jurídico típico é a vida humana e, mais precisamente a vida de outra pessoa. O
que está em causa na incriminação do incitamento ou ajuda ao suicídio é ainda o propósito de
densificar e reforçar com que a ordem jurídica que rodear a vida humana, protegendo-a de
todas as formas de desrespeito.
É precisamente a identificação da vida humana como bem jurídico tutelado que
empresta à incriminação do incitamento ou ajuda ao suicídio a indispensável legitimação
material.
Se o homicídio a pedido da vítima é punido então o auxílio ao suicídio também deve sê-
lo pois ambas configuram pelo seu conteúdo diferentes formas de participação num suicídio.
Para o homicídio a pedido da vítima é determinante a morte de outra pessoa, para o auxílio ao
suicídio é o suicídio por mão própria.
III. O tipo objetivo.
2. Fronteira entre o suicídio e o homicídio (autoria mediata).
O critério essencial deve ser o do domínio do facto sobre o momento que traz a morte
com ele.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 37

A inimputabilidade não determina a exclusão do caso do campo do suicídio e a sua


conversão em homicídio. Em desfavor desta solução, poderá invocar-se uma menor
segurança. O que é decisivo é a capacidade para representar o carácter autodestrutivo da sua
conduta e a liberdade para se decidir naquele sentido. Tal capacidade será seguramente de
denegar-se a um menor de 14 anos. É certo que também a inimputabilidade por anomalia
psíquica há-se valer como um sintoma daquela incapacidade.
3. A conduta típica.
A lei incrimina duas modalidades da conduta: o incitamento e a ajuda ao suicídio são
idênticas à instigação e cumplicidade só que aqui o suicídio não é um facto típico e ilícito.
Incitar significa determinar outrem à pratica do suicídio sob forma de influencia
psíquica sobre a vitima, despertando nela a decisão de por termo à vida. Tem de assumir
comportamento positivo noa devendo realizar-se por omissão.

Ajudar é toda a forma de cooperação que é causal e relação à conduta do suicida na sua
conformação. Pode ser ajuda material ou moral. A faculdade de B pedir um produto que o
mate de forma rápida e A der-lhe um produto que o mata de forma lenta terá de responder por
homicídio. Tem de haver nexo de causalidade entre ajuda e suicídio.
IV. O tipo subjetivo.
A infração só é punível a nível de dolo, sendo suficiente o dolo eventual. O dolo tem de
abranger o suicídio: para além de compreender o incitamento ou ajuda, tem de abarcar
também a realização do suicídio. Se o agente sabe que a vítima não conhece o carácter letal
da sua conduta ou que a sua decisão não é livre e responsável então ele quer cometer
homicídio, devendo ser punido como tal. Já se o agente pensa, erradamente, que a decisão da
vítima é livre e responsável então ele tenta cometer incitamento ou ajuda ao suicídio quando
está a praticar homicídio. A negligência não é punível (não é punível o polícia que deixa a sua
arma em cima da mesa que a companheira usa para se suicidar).
VI. As formas especiais do Crime: Tentativa, concurso, a pena e agravação.
Só é punível se o suicídio vier a ser tentado ou a consumar-se. A partir daqui questionar
se a tentativa é ou não punível converter-se em boa medida num problema dogmático.
Alcance da consumação pode: a) a tentativa não é punível a entender-se que o tipo de ilícito
se esgota no incitamento ou ajuda independentemente de o suicídio ser consumado ou

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 38


tentado; b) Entender-se que a infração de incitamento ou ajuda ao suicídio só se consuma


com a produção efetiva da morte do suicídio.
Pode haver concurso ideal com outras infrações quando o meio utilizado para ajudar ou
incitar configura um ilícito criminal envolva o suicídio de uma mulher grávida, pode haver
aborto punível. Pode haver concurso real com o homicídio a pedido da vítima. É o que
acontece quando o agente aceita dar o golpe de misericórdia.
O Homicídio a pedido da vítima parece ser mais censurável menos do ponto de vista do
lado do suicídio, pelo menos na modalidade da conduta de incitar.
A qualificação da infração por circunstâncias atinentes à pessoa da vítima: ser menor de
16 anos ou ter capacidade de valoração ou ter capacidade de valoração ou determinação
sensivelmente diminuída

Notas do Código Anotado de Manuel Maia Gonçalves, de 1992, 6ª edição Almedina

No n.1 pressupõe que o suicida agiu com discernimento e por sua livre vontade. Se há
atuação de outrem com incitamento ou ajuda por tal forma intensos que forma determinantes
do suicídio, haverá uma forma subtil de homicídio, incriminada pelo artigo 26º CP, não
obstando a isso a interposição da vontade do suicida, ja que ela fora violentada. O homicídio
poderá mesmo ser agravado.
Incrimina-se não só a prestação de ajuda ao suicídio mas também o incitamento ao
mesmo.
Prestar ajuda significa fornecer meios ou qualquer outro género de cooperação que
facilite o suicídio. A omissão pura pode integrar este conceito. Aqui a doutrina diverge, pois,
Pacheco refere que “prestar auxilia é algo mais do que silêncio, omissão; isto é abster-se, não
fazer nada, e quem faz nada, quem se abstém, não presta auxílio a nenhum intento”. A
distinção entre omissão pura e ação é aqui por vezes difícil. Assim, Cuello Calón entende que
quem comete este crime aquele que, de acordo com outra pessoa, presenciou impassível que
o suicida escrevia uma carta, despedindo-se dos seus pais, e como permitia que ele se
suicidasse sem tratar de impedir o ato homicida, pois que isto constitui um ato de auxílio
moral e mesmo material, ativo e passivo.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 39

Incitar ao suicídio significa exercitar, instigar, dar força de ânimo para que outrem se
suicide. Os autores expendem que o incitamento dever ser direto e eficaz, podendo apontar-
se, neste sentido, Cuello Calón e outros autores. Cremos que deve aqui fazer-se a restrição
que resulta do que já foi exposto; se a atuação foi determinante ao suicídio verificar-se-á
antes tipicidade do crime de homicídio.
É elemento subjetivo deste crime a intenção de incitar outrem a suicidar-se ou de lhe
prestar ajuda para esse efeito. Trata-se de um crime essencialmente doloso; para além disto
não se exige qualquer dolo específico, sendo indiferente para a existência do crime (não para
a graduação da culpa) que o agente vise fins altruístas ou, segundo o seu entendimento,
humanitários.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 40

Artigo 136º CP Infanticídio (no antigo fala tmb para ocultar desonra !!!)

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

Notas do Código Anotado de Manuel Maia Gonçalves, de 1992, 6ª edição Almedina

O campo de aplicação temporal deste artigo é restrito pois se circunscreve ao tempo


durante o qual o parto se desenvolve ou a mãe ainda está sob influência perturbadora. Se este
ainda não se desencadeou pode haver aborto; se já terminou e a mãe já não sofre de
influência perturbadora poderá haver homicídio.
Trata-se na realidade de um homicídio privilegiado, sendo a pena coincidente. No
entanto, o tipo está aqui limitado tanto temporalmente, como pela exigência específica de a
ação ser praticada pela mãe por se encontrar perturbada por efeito do parto, tudo isto como
índice de uma forte diminuição da culpa. Na verdade, a atenuação aqui prevista respeita
apenas à mãe, não abrangendo o pai nem os avós do bebé.
Este crime só pode ser praticado dolosamente. Isto não prejudica a possibilidade de
verificação do crime do homicídio involuntário, se se verificarem os respetivos pressupostos.
Este artigo protege a vida humana contra atos de desespero praticados pela mãe
enquanto está sob a influência do parto.
Não têm aqui cabimento as normas dos n.1 e 2 do art 66º do CC sobre o começo da
personalidade jurídica. A lei penal estabelece a proteção da pessoa humana num campo vais
vasto, por razões intuitivas. Objeto do crime é o infante, a partir do momento em que o parto,
natural ou provocado, começou, e até ao termo da sua influência. Não importa que não se
tenha autonomizado em relação à mãe; a morte pode ocorrer ainda dentro do organismo
materno. Também não importa que o infante seja ou não viável; o requisito da viabilidade não
é mesmo exigido em legislações menos terminantes que a nossa.
No caso do infanticídio, o enterramento de cadáver fora do local próprio e a falta de
declaração de nascimento e óbito, visando a ocultação do cadáver e do crime pelo próprio

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 41


agente, constituem auto-encobrimento não punível e não contravenções com punição


autónoma.
É subsumível a um crime de infanticídio, cometido por omissão, a conduta daqueles
que, com o fim de darem a morte a um recém-nascido, omitem os deveres de assistência
elementares em tais circunstâncias, e que a todos incumbem, especialmente aos pais.
Age com dolo particularmente intenso a mãe infanticida que oculta a sua gravidez
durante todo o tempo, a denunciar a formação remota. Persistente do seu propósito criminoso
e que revela a firmeza da sua determinação ao tomar possível vencer sozinha a perturbação
emocional própria de um paro como o seu e que lhe permitiu a atividade posteriormente
desenvolvida para se desfazer do cadáver do filho.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 42

Artigo 137º CP Homicídio por negligência (é diferente !!!)

Notas das aulas

Negligência grosseira apresenta um grau expandido de negligência “normal”


Situação especialmente perigosa

Negligência — violação de um dever objectivo de cuidado; a negligêcia está onde está


o perigo; existe falta de cuidado (um dever objetivo de cuidado; não é um juízo de cuidado)
Conduta perigosa

Porque é que o agente é punido?


ou porque foi negligente duma forma consciente
ou porque foi negligente duma forma inconsciente (abaixo desta não há punição)

A negligência distingue-se do dolo porque este é dominado pela vontade de cometer o


crime; a negligência é dominada pelo dever objetivo de cuidado

Confronto — art 137º vs 131º

Conduta típica — matar outra pessoa


Bem jurídico — vida humana de pessoa já nascida

Princípio da confiança — relaciona-se muito com os homicídios e ofensas à integridade


física a título de negligência

Dever objetivo de cuidado — simples indicio que efetivamente podemos estar perante o
crime cometido com negligencia

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 43







Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

II. O tipo de ilícito.


2. Os critérios da imputação objetiva e a sua concretização
O ilícito tipo negligente não é preenchido quando o agente não criou, não assumiu ou
não potenciou um perigo típico para a vida da vítima: ou porque o perigo não chegou ao
limite juridicamente relevante (Ex: jovem convida a namorada para ir passear no parque e ela
morre atingida por um raio); ou porque se manteve dentro dos limites do risco permitido (Ex:
o cirurgião que deixa o seu paciente morrer por ser uma cirurgia arriscada); ou mesmo porque
o agente se limitou a contribuir para a autocolocação em perigo dolosa de outra pessoa.
Na concretização dos critérios de imputação objetiva da morte à conduta cabe desde
logo particular relevo à violação de normas de cuidado da mais diversa ordem. “O que
abstrato é perigoso, pode deixar de ser no caso concreto”. A violação de normas de cuidado
assume relvo em domínios altamente especializados que importa riscos de vida para outras
pessoas. O agente não deve atuar antes de ser informado ou esclarecido sobre tais riscos; se
não o faz e a morte de outrem surge, a violação pode integrar o homicídio negligente (EX: O
médico informado pelo paciente que tem um problema no coração e não resolve fazer exames
complementares, acabando o paciente por morrer).
A negligencia na assunção ou aceitação. Trata-se de responsabilidade pelo qual o agente
não está preparado porque lhe faltam condições ou conhecimento para efetuar uma atividade
perigosa (Ex: O condutor que atropela o peão e tem problemas de visão ou sabe que é incapaz
de dominar situações rodoviárias responde por homicídio negligente).
Princípio da confiança. Este princípio tem por base a confiança para com outros de que
vão agir de forma correta dentro do quadro da licitude. (Ex: o condutor que detém prioridade
no cruzamento, confia nos restantes para que não avancem dado que não são eles que tem a
prioridade. Só assim não sucederá se o condutor se aperceber que o outro condutor não vai
respeitar a sua prioridade). A divisão de tarefas também pressupõe a confiança onde cada
membro tem de confiar no outro na execução de tarefas, exceto se houver alguém em fase de
aprendizagem onde é necessário uma supervisão e controlo.
3. A questão do critério generalizador ou individualizador no homicídio negligente.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 44


A doutrina dominante considera que o tipo de ilícito negligente se preenche com a


violação de um dever objetivo de cuidado, enquanto toda a questão da capacidade individual
do agente para o observar deve ser remetida para a culpa.
A nível de tipo de ilícito do homicídio negligente, das capacidades individuais do
agente, quando superiores ou inferiores à capacidade do homem médio. Quando inferiores
não recai sobre a ilicitude, mas sim sobre a culpa (Ex: o condutor que atropela um peão e tem
uma doença que diminui os reflexos e sabe, é condenado por homicídio negligente). O
mesmo acontece quanto às capacidades superiores à media mas neste caso recai sobre o tipo
ilícito do homicídio negligente (Ex: o médico cirúrgico não usa a sua excecional capacidade
para operar um terceiro e este acaba por falecer, responde por homicídio negligente).

III. As causas de justificação e as causas de exclusão da culpa.


As causa de justificação remete para as situações como intervenções médicas, o tráfico
rodoviário ou até a prática de desportos perigosos não suscitarem sequer a questão de uma
responsabilização apesar de se por a hipótese de ter o dever objetivo de cuidado (Isto muda
consoante o caso concreto).
A negligencia não é só uma forma de culpa, mas um ilícito autónomo, a ele devem
verificar-se as causas gerais de exclusão da culpa nomeadamente a inimputabilidade e o
estado de necessidade desculpante. A capacidade individual do agente deve corresponder aos
deveres ínsitos no tipo de ilícito. A negligencia na assunção ou na aceitação assumem
especial relevo (Ex: O condutor que tem um ataque cardíaco ao volante a mata um peão não
tem culpa, mas se tiver feito exames médicos e o médico proibir de conduzir então ai é
homicídio negligente.).
V. A negligência grosseira (nº2).
A negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de
negligencia. Constitui uma mera circunstância modificativa da moldura penal operante ao
nível da medida legal da pena; uma forma de culpa; uma característica da atitude do agente;
ou uma graduação do ilícito em função do dever especial de cuidado violado do perigo
aumentado ou da probabilidade da verificação do resultado.
Implica uma especial intensificação da negligencia ao nível da culpa e do ilícito. A este
último nível torna-se indispensável que seja perante uma ação particularmente perigosa e de

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 45


um resultado de verificação provável à luz da conduta adotada. Ou o agente revelou uma


atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-
penal.
VI. As formas especiais do crime: Comparticipação, concurso e pena.
O autor pode não ser apenas autor imediato, como o autor atrás do autor. Assim, o
mandante ou o incitador de um comportamento que vem em terminar em homicídio
negligente (Ex: Patrão que manda o motorista exceder os limites de velocidade e matam um
peão ou o A que dá estupefacientes a B sabendo que é dependente e este morre). Frequentes
são os casos de autoria paralela em que o resultado é produzido imediatamente por um, mas
só porque o outro anteriormente violou um dever objetivo de cuidado (Ex: A mata B com o
automóvel com manobra perigosa por que C deu a carta de condução em troca de favores).
Se através da mesma ação está a morte de várias pessoas estar-se-á perante uma
hipótese de concurso efetivo que é possível entre o homicídio negligente e a omissão de
auxílio. O concurso aparente existirá com crimes qualificados por evento mortal.
A pena é a de até 3 anos de prisão ou a de multa ou em caso de negligencia grosseira a
de até 5 anos de prisão. Apesar de ser um crime contra pessoas vivas, a pena de multa deve-se
ao facto de se estar perante um crime sem dolo e que pode assumir, o seu conteúdo de culpa
uma gravidade relativamente pequena e não se verificar nele a exigência de pena de prisão.

Notas do Código Anotado de Manuel Maia Gonçalves, de 1992, 6ª edição Almedina

Exigência do nexo causal entre a conduta negligente e a morte.


Negligência grosseira trata-se de negligência qualificada, em que a culpa é agravada
pelo elevado teor de imprevisão ou de fala de cuidados elementares.
Deve ter-se em contra a culpa da vítima, uma vez que, não acumulando a especial
qualificação da culpa do réu, implica uma diminuição.
Pelo facto de haver concorrência de culpas do réu e da vítima num homicídio
involuntário, não se segue que a prisão deva ser substituída por multa, pois nos casos de
homicídio involuntário com culpa grave por parte do réu essa substituição não deve, em
regra, efectivares.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 46

Pegar em uma arma carregada por si próprio há poucas horas e apontá-la à cabeça de
outrem, a escassos centímetro, constitui falta de cuidado em que o homem médio não incorre,
integrando o conceito de negligência grosseira do n.2 deste preceito legal.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 47


Artigo 138º CP Exposição ou Abandono (é diferente !!!)

Notas da aula

Se não houver crime concreto, exige-se que haja perigo (perigo esse que tem que ser
provado).
No número 2 deste preceito legal, existe um aumento do limite mínimo da moldura
penal caso seja realizado por pai/filho/adotado/adotante.
No número 3 esta em causa dois crimes agravados pelo resultado — crimes
preterintencionais.
Aqui esta em causa um omissão de auxílio muito especial porque só pode ser praticada
por algumas pessoas.
Na alínea a) do n.1 está em causa retirar a vítima dum lugar onde não está a correr
perigo (de um lugar onde esta está segura) para um lugar onde a vítima passar a estar em
perigo de vida; pressupõe-se que a vítima não se pode deslocar para um local seguro e, por
conseguinte, não se pode defender (aqui tem que se ter em conta as características da vítima,
por exemplo: se é uma pessoa que tem alguma dificuldade motora)
Na alínea b) do n.1 só cabe lugar a quem tem o cuidado de vigiar, guardar, assistir
enquanto que na alínea a) pode ser realizada por qualquer pessoa.
Na alínea b) existe um perigo de vida; tem que se ver o que é que este abandono
significa; existe um sentido de omitir/não levar a cabo os deveres que são impostos à pessoa
que tem o dever de guardar, vigiar, assistir a vítima.
O agente tem conhecimento que tem que vigiar a vítima e que a vida da vítima depende
da sua atitude.
O dolo tem que se estender a todos os elementos do tipo.

——

Violação do dever vigiar; a morte resulta da falta de cuidado. O agente expõe a vítima a
uma situação de perigo ou abandona a vítima numa situação de perigo. A exposição ao
abandono exige dolo não sendo punível por negligencia. Crime de dolo: há conhecimento de

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 48

todos os elementos do tipo (elemento intelectual) e há vontade (elemento volitivo); o agente


tem de saber que há perigo de vida, na exposição ou abandono, e tem de saber que a vítima
não tem capacidade para sair desse perigo; o dolo tem de se estender a todos os elementos do
tipo. A forma como a vítima é exposta ao perigo é irrelevante, não é preciso que haja
violência ou ameaça
Bem jurídico protegido é a vida humana pessoa já nascida, crime de perigo concreto, a
vida fica em perigo (há perigo de vida). O bem jurídico é protegido para alem da sua própria
destruição.
É crime de perigo concreto porque o perigo é elemento do tipo; exige que haja perigo,
que tem de ser produzido. Quanto mais distante do crime de dano, mais difícil é perceber o
bem jurídico que deve ser protegido
2 modalidades de conduta diferentes: 1. crime de exposição e 2. crime de abandono
(aumento do limite mínimo da moldura penal pratico-abstrata).
O objetivo deste artigo: alguém que cria um perigo para a vida da vítima, isto porque
viola deveres que lhe incumbem; omissão de auxílio muito especial, pois só pode ser
praticada por algumas pessoas (alínea a) e b)); violação de deveres.
Conduta típica: 1º elemento do tipo: n1 - colocar em perigo a vida de outra pessoa; 2º
elemento do tipo: Alínea a) - retirar a vítima de um lugar onde a sua vida, naquele momento,
não sofre qualquer perigo, para outro lugar onde ela passa a estar em perigo de vida, como
também é incapaz de, por si só, se defender; crime de perigo comum (não exige qualidades
especiais do agente), pode ser cometido por qualquer pessoa. Alínea b) – houve perigo de
vida, o abandono não tem de ser “sair porta fora”, mas o agente pode permanecer no mesmo
lugar que a vítima, é no sentido de omitir os deveres que lhe são impostos; crime de perigo
específico, pois exige qualidades especiais do agente, esta pessoa tem o dever de evitar o pôr
a vida da vítima em perigo porque ao agente cabia o dever de cuidar.
N2 - se o facto for praticado por ascendente ou descente a moldura penal aumenta,
agravação em função das qualidades especiais do agente.
A conjunção do art.138 n1 b) com o art.138 n3 – é um crime preterintencional; ex: um
pai sai de casa às 7h, sabe que o filho está doente, sabe que a situação se pode agravar, mas
não se importa, deixando o filho numa situação de perigo, quando volta a casa já de noite, o

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 49

filho está morto. Há a existência de um crime fundamental doloso que leva a um evento
agravante, com consequência de morte, ligado a título de negligencia
Crimes preterintencionais – é constituído pela prática de um crime fundamental doloso,
a consequência deste crime é a morte; o agente não tem dolo de morte, mas fruto da prática
de um crime fundamental por parte do agente, este posiciona-se de forma negligente face ao
evento agravante morte, esta morte é consequência da prática do crime doloso; entre o crime
fundamental doloso e o evento agravante gera-se uma fusão íntima.

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

Notas do Código Anotado de Manuel Maia Gonçalves, de 1992, 6ª edição Almedina

No n.1 trata-se de simples crimes de perigo, pelo que houve muita cautela na fixação da
moldura penal, evitando-se penas excessivamente pesadas
No n.1 e respetivas alíneas prevêem crimes de perigo, que se consumam com a
exposição ou o abandono.
Tornou-se mais claro que o crime por ser praticado tanto por ação como por omissão,
mas que no caso da alínea b) é ainda necessário que exista um deves específico de educar,
vigiar ou assistir, dever esse que terá de radicar na lei.
O elemento subjetivo da infração consiste no dolo quanto à situação de exposição ou
abandono, isto é quanto à verificação da tipicidade do n.1, e de negligência ou mera culpa
quanto ao resultado, tal como resulta, da problemática dos crimes preterintencionais.
Põem-se aqui as questões que decorrem da delimitação entre culpa consciente e dolo
eventual. Se o agente, podendo prever o resultado, atuou com inconsideração, confiando em
que ele se não verificava, ou se não se conformou com a sua verificação, terá praticado este
crime. Se, pelo contrário, ele atuou conformando-se com o resultado, que previra, haverá
dolo eventual e, consequentemente, não se verificará este crime, mas o de homicídio
voluntário.

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 50

Em qualquer das infrações previstas neste artigo, o elemento constitutivo que é o


exposto ou abandonado se encontre em situação de perigo para a vida.

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Artigo 139º CP Propaganda ao suicídio

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

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——— Crimes contra a vida intra-uterina —————————

Artigo 140º CP Aborto (é diferente !!!)

Notas da aula

Bem jurídico protegido — vida uterina (é um bem jurídico autónomo da mulher)


Objeto — feto
Conduta típica — fazer abortar/destruição do feto

No caso em que:
o aborto é realizado com o consentimento da mulher grávida: são punidos a mulher
grávida e a pessoa que a fez abortar.
o aborto é realizado sem o consentimento da mulher grávida: somente é punida a
pessoa que a fez abortar.

O artigo 140º n.3 tem presente 3 situações: i) a do consentimento; ii) abortar por si
própria; iii) abortar por facto alheio

— só se protege o embrião já alojado no útero (artigos 140º e 141º CP);


— é um crime de resultado e pode ser praticado por qualquer conduta;
— existe um problema de nexo causal;
— o aborto em Portugal não é punido na forma negligente mas sim pela forma dolosa.

Número 1
trata-se do caso mais gravoso;
sem consentimento da mulher;
crime comum (pode ser cometido por qualquer outra pessoa).

Número 2
moldura penal abstrata atenuada;

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 53








fator de redução do ilícito e não da culpa;


crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa).
Número 3
a própria grávida é a autora do crime.

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

Notas do Código Anotado de Manuel Maia Gonçalves, de 1992, 6ª edição Almedina

O objeto do crime de aborto é o feto, enquanto no ventre materno.


O feto começa com a fecundação, e desde o momento desta é possível ser praticado o
crime de aborto.
O saber-se se o feto é ou não viável e se pode dar origem a um ser malformado ou que
venha a sofrer de doença incurável pode agora interessar, pois que então a interrupção da
gravidez feria nos termos da alínea c) n.1 do mesmo disposto legal, constituirá um aborto
eugénio, onde a ilicitude está excluída.
Os meios de execução do aborto podem ser qualquer um. Tais meios podem ser
medicamentos, físicos, psíquicos ou revestir qualquer outra natureza. Ponto é que tenham
potencialidade causal para provocar o aborto; não tendo esta potencialidade, ou não se
encontrando a mulher grávida, estar-se-á perante um caso de tentativa (impossível).
A vida intra-uterina compartilha da proteção que CRP confere à vida humana enquanto
bem constitucionalmente protegido (isto é, valor constitucional objetivo), mas não pode gozar
de proteção constitucional do direito à vida propriamente dita que só cabe às pessoas, pois só
estas podem ser titulares de direitos fundamentais (não há direitos fundamentais sem sujeito),
pelo que o regime constitucional de proteção especial do direito à vida não vale diretamente e
de pleno para a vida intra-uterina. Sendo difícil conceber que possa haver qualquer outro
direito que, em colisão com o direito à vida, possa justificar o sacrifício deste, já são

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 54





configuráveis hipóteses em que o bem constitucionalmente protegido que é a vida pré-natal,


enquanto valor objetivo, tenha de ceder, em caso de conflito, não apenas com outros valores
ou bens constitucionais, mas sobretudo com certos direitos fundamentais, designadamente os
direitos da mulher e outros valores ou interesses constitucionalmente protegidos, e em
nenhuma dessas situações é ilegítima ou inaceitável em termos constitucionais, a solução de
não penalizar o aborto.

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Artigo 141º CP Aborto Agravado

Notas da aula

Número 1
o evento agravante é a morte ou a ofensa à integridade física grave da mulher grávida;
é do aborto que surge ou a morte ou a ofensa à integridade física grave da mulher
grávida.

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

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Artigo 142º CP Interrupção da gravidez não punível

Notas da aula

Consagra a interrupção voluntária da gravidez não punível.

Número 1
a) vida contra vida (mulher vs feto); pode ser realizada em qualquer momento.
b) visa proteger a mulher, a sua saúde ou até mesmo a sua vida, mas tem que ser feita
nos primeiros 3 meses;
c) 1ª parte: tem que haver motivos seguros para prever que o nascituro irá sofrer
doença grave ou malformação congénita e tem que ser realizada nos primeiros 6 meses da
gravidez; 2ª parte: é a exceção, realizada em todo o tempo;
d) há suspeita de que a mulher engravidou, por exemplo, na sequência de uma
violação, só se se poder comprovar isso; tem que ser feita nos primeiros 4 meses da gravidez;
e) …

Estamos perante o modelo das indicações a medida do aborto


+
Modelo dos prazos — nem sempre a lei exige a verificação dos prazos

——

Deixa de ser crime e passa a ser uma interrupção de gravidez não punível apenas nos
termos das alíneas. Requisitos de observação obrigatória: 1 requisito – nº 1, não é punível a
interrupção feita por medico ou sob a sua direção, com o consentimento da mulher gravida,
em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido. 2 requisito (depende da
alínea):
Alínea a) - situação de vida da mulher contra a vida intrauterina (vida contra vida), ou
que se mostre que mulher irá ficar com lesões graves e irreversíveis (pressupostos

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 57









cumulativos) para o corpo, saúde física ou psíquica. A interrupção pode ser feita a qualquer
momento da gravidez e que o perigo não possa ser removível de outro modo. O perigo tem de
ser atual e não meramente potencial. – Indicação medica ou terapêutica em sentido estrito
Alínea b) - proteger a mulher, a sua saúde ou a sua vida, mas o perigo de morte já não é
certo, é provável; aqui não se exige o carácter irreversível da lesão do corpo ou da saúde mas
sim que seja duradoura (dois requisitos cumulativos); a interrupção só pode ser feita nas
primeiras 12 semanas de gravidez – indicação medica ou terapêutica em sentido lapso
Alínea c) - 1ª parte: o feto sofre de uma doença incurável ou de uma má formação
congénita, neste caso a mulher pode abortar até às 24 semanas; 2ª parte: no caso de feto
inviável (não sobrevive fora do ventre materno ou não terão qualquer esperança de vida fora
dele), a interrupção pode ser feita a qualquer momento – indicação embriopática.
Alínea d) - há suspeita de que a mulher engravidou na sequência de um crime contra a
sua liberdade ou a sua autodeterminação sexual; a interrupção é feita nas primeiras 16
semanas – indicação criminal.
Alínea e) – veio a ser decidida mais tarde que as outras alíneas; a mulher pode abortar
livremente, sem ter de se justificar, até às 10 semanas.
Modelo das indicações nas alíneas a), b), c) e d) – vida intrauterina por um lado e
alguns interesses da gravida de outro lado (a sua vida, a sua saúde física e psíquica, a sua
integridade física e a sua liberdade e autodeterminação sexual).
Nº 2 – a verificação das circunstâncias é certificada em atestado medico escrito e
assinado antes da interrupção, e tem de ser feito por médico daquele que irá fazer a
interrupção.
Nº 4 – como é prestado o consentimento: a) quando é exigido observação de prazo; b)
quando a mulher decide abortar livremente
Nº 5 – caso a mulher gravida seja menor de 16 anos ou psiquicamente incapaz
Há um prazo máximo porque quanto mais avançada for a gravidez mais riscos pode vir
a trazer para a gravida. Nunca chega a ser um facto típico; é muito mais que uma causa de
exclusão da ilicitude, é juridicamente relevante, mas não tem relevância penal desde que siga
o art.142 (fazer uma coisa que é permitida pelo código penal).
Não é possível obter consentimento a mulher com idade inferior a 16 anos. O médico
decide unicamente em função daquilo que considerar que é a solução mais correta e razoável

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 58

do conflito de interesses da grávida e do feto à luz da teleologia legal. O agente precisa de


atuar no conhecimento dos pressupostos que depende a justificação. A culpa e a punibilidade
não tem fundamento. A interrupção tem de ser feita dentro dos prazos (Ver artigo 25 da CRP)
Casos práticos:
C está gravida de 11 semanas, esta é bailarina profissional e não pretende levar a cabo a
dita gravidez porque vai perder o seu trabalho. Gravida não poderá dançar. Nessa
conformidade, C pede a B, um médico famoso, que a faça abortar. Do aborto resulta a morte
do feto, mas surgem complicações na realização do mesmo, há uma situação inflamatória que
determina a remoção do útero e do ovário que C
Determine a responsabilidade jurídico-penal dos intervenientes.
R: Quando a gravida pede ao medico para a fazer abortar, tem uma ação relevante, há
uma exteriorização da vontade. É típica de aborto ativo art.140 n3, na medida em que a
mulher gravida dá o seu consentimento a terceiro, e assim é autora material do disposto. Este
facto é típico e os elementos deste facto típico estão preenchidos, temos a agente que é a
gravida a conduta típica é fazer abortar e o resultado típico e a morte do feto. C tem dolo de
aborto, conhece e quer matar o feto neste sentido o n3 do art.140, está preenchido. Não
nenhum tipo justificador da ilicitude. Quanto à culpa terá mais de 16 anos e não sofrerá de
nenhuma anomalia psíquica, e por isso será punida. Ela própria foi vítima, em consequência
do aborto ou dos bens utilizados desse fim, de uma circunstância agravante do art.141 n1.
Esta agravação é apenas aplicável a terceiro que tanha feito a mulher gravida a abortar. Então,
A seria punida nos termos do n3 do art.140, o medico é autor material nos termos do art.26 1ª
parte, de um crime de aborto consentido nos termos do n2 do art.140, sendo punido com pena
de prisão porque o facto não está justificado, nos termos do art.141, tem consciência da culpa
e por isso seria punido nos termos do art.140 n2. Porem o que resulta do art.141 n2 é que a
pena do medico será agravada. O evento agravante só pode ser imputado ao agente a título de
negligencia, é um crime preterintencional (se o agente não quis a produção do resultado
agravante, a pena agravada tem de ser imputada ao agente a título de negligente; o agente
quer dolosamente o aborto, mas produz negligentemente a morte ou uma ofensa à integridade
física grave).

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 59

No termos do art.141, temos de saber objetivamente o que o legislador considera como


resultado à ofensa à integridade física grave: é exclusivamente o que está consagrado nas
alíneas
Enquanto a gravida iria ser punida por aborto ativo nos termos do art.140 n3. O médico
iria ser punido por aborto consentido nos termos do art.140 n2, mas agravado com ofensa à
integridade física grave, segundo o art.141 n1 remetendo ao 144 n1 a).
Caso prático:
A está gravida de 12 semanas e vai ter com o pai da criança C, empresário milionário e
bem casado, e dá-lhe a conhecer a gravidez. Ciente que C não pretendia divorcia-se, o que
seria inevitável caso a mulher viesse a descobrir a infidelidade, A diz a C que está disposta a
interromper a gravidez desde que este transfira para a sua conta bancária 1 milhão de euros. C
assim faz e, cumprindo o acordado, A fizesse abortar junto de uma parteira que cobra 500
euros pela realização do abroto.
Determine a responsabilidade jurídico-penal dos intervenientes.
R: A mulher gravida tem responsabilidade criminal, nos termos do art.140 n3, é um
aborto ativo onde ela dá o consentimento a um terceiro para lhe fazer o aborto.
A responsabilidade jurídico-penal da parteira esta realiza um aborto consentido nos
termos do art.140 n2. No entanto, esta parteira realiza o aborto com intenção lucrativa e, por
isso, a sua responsabilidade é agravada nos termos do art.141 n2.
Do ponto de vista da consagração legislativa desta agravação, ela nunca é aplicada à
mulher grávida. No entanto, neste caso, não se vê porquê que esta agravação não poderá ser
aplicada a mulher gravida pois ela própria propõe ao pai da criança que realizará a
interrupção se este lhe der 1 milhão de euros. Aqui até quem tem mais intenção lucrativa é a
gravida. Do ponto de vista legislativo e segundo o n1 e 2 do art.141 (pois é sempre aplicado a
terceiro), nunca se pode aplicar esta agravação à habitualidade da mulher gravida, no entanto,
quem realiza o aborto com intenção lucrativa já não temos a limitação daquele artigo e
segundo a 2ª parte do n2 do art.141, por isso não há nenhum motivo para que a parteira seja
aplicada a agravação e à mulher gravida não seja. Por isso, do ponto de vista dogmático, a
agravação poderia ser aplicada à mulher gravida.
Caso prático:

DIREITO PENAL III DANIELA SIMÕES 60

A, gravida de 12 semanas, encontra-se perto de uma escada rolante, num centro


comercial. B, como esta estivesse a impedir o acesso à dita escada, dá-lhe um empurrão que a
faz cair, causando-lhe ferimentos (fratura da tíbia e o aborto).
Determine a responsabilidade jurídico-penal de B.
R: Deste facto decorrem 2 eventos: por um lado uma ofensa à integridade física e por
outro lado o aborto.
A encontrasse gravida de 12 semanas e uma gravida de 3 meses não é muito notória a
gravidez. B sabia ou não que A estava gravida? Partindo do princípio que não sabia, dolo de
aborto ele jamais poderá ter tido. Não havendo dolo de aborto, não há crime de aborto, pois o
crime de aborto não pode ser negligente (art.13). Não há responsabilidade criminal de B
quanto ao crime de aborto. O agente estava em erro porque ele não representou a existência
do elemento essencial à consumação do crime de aborto, art.16 n1.
Subsistirá só a responsabilidade B pelas ofensas à integridade física. Se o agente com o
empurrão só quis produzir ofensas à integridade física e isso veio a acontecer, art.153
Muitas vezes sabemos que há quedas de escadas que acabam por ser fatais. Se o agente
quando empurrou a vítima, se representou que ela pudesse bater com a cabeça nos vários
lancis das escadas e até pudesse morrer, e tivesse atuado conformando-se com o resultado,
estaríamos perante uma tentativa de homicídio, pelo menos com dolo eventual, por força das
disposições conjugadas dos art.131, 14 n3 e 22. Sendo este empurrão por motivos fúteis,
desproporcionais de onde a culpa pode estar agravada (art.132 n1 e 2 e)). Não podemos olhar
apenas ao que objetivamente acontece, se o agente representou a possibilidade da vítima
poder morrer, mesmo que isso não tenha acontecido, já estamos perante uma tentativa de
homicídio.
B, autor material, sabia que A estava gravida. As coisas mudam de figura relativamente
ao crime de aborto. Se o agente sabe que ela estava gravida de 12 semanas, o que é uma
gravidez recente e então com maior risco, sabe que ao empurrá-la esta cai desamparada e que
vai bater com o corpo nas várias escadas, o agente, relativamente ao aborto, há de querer
deixar representar a possibilidade de esta gravida vir a abortar, tendo-se conformado com o
mesmo e assim há dolo eventual. Trata.se de um aborto não consentido nos termos do art.140
n1, responsabilidade criminal por aborto não consentido, em autoria criminal e com dolo
eventual art.14 n3. Neste contexto e relativamente à fratura da tíbia, sabendo o agente que A

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estava gravida, existe uma especial censurabilidade e perversidade, podendo vir a ser
responsabilizado pelo art.132.

Notas do Comentário Conimbricense do Código Penal de Jorge de Figueiredo Dias

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