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Universidade Federal do Pará

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


História
(Bacharelado)

Alessandra Moreira Galvão

Resenha do texto A questão racial e o preconceito de cor em São Domingos - Haiti (1789
-1794)

BELÉM
2023
O artigo A questão racial e o preconceito de cor em São Domingos - Haiti (1789
-1794), do doutorando em História Berno Logis, tem como problemática em seu texto a
hierarquia racial e as consequências que ela produziu no aspecto político, econômico e social,
tendo como um dos resultados a diferenciação entre os mestiços e os negros (LOGIS, 2022, p.
259). Para tratar deste problema, Logis traz como objetivo analisar o preconceito de
cor/racismo, a construção dele e como ele se desdobrou dentro do recorte de 1789 a 1794.
Durante a leitura foram percebidos alguns conceitos como: mestiço; pessoas de cor;
preconceito de cor; crioulos; bossales; escravidão; hierarquia social. Além disso, foram
apresentados atores que fizeram parte do que resultou na revolução do Haiti, são eles: Julien
Raymond; Jean-Jacques Dessalines; Gérard Barthélemy; Jean-Baptiste Symphor Linstant de
Pradine; Vincent Ogé. Também apresenta o deputado Moreau de Saint Rémy que era contra a
ascensão dos mestiços na economia e política da então colônia francesa de São Domingos.

Com isto posto, adentremos as explicações contidas no texto. O sujeito com maior
protagonismo no artigo de Logis é Julien Raymonde, ao qual é apresentado ao leitor como
filho da relação entre uma mulher de cor nascida em São Domingos e herdeira de um antigo
colono e um homem branco francês (LOGIS, 2022, p. 262). Julien Raymonde possuía certo
poder aquisitivo e o segundo casamento com Françoise Dasmard-Challe, mulher de cor e
viúva de um grande proprietário, permitiu o aumento de sua fortuna (LOGIS, 2022, p. 262).
Toda luta de Raymonde dá-se por ser um homem de cor, livre querendo os mesmos direitos
que os proprietários de fazendas e escravos brancos tinham. Nesse ponto chegamos a
hierarquia apresentada durante todo texto. Como primeiro ponto a ser destacado, a população
de cor era entendida como os descendentes das uniões inter-raciais (LOGIS, 2022, p. 261), os
mestiços, estes que compreendiam “mais da metade da população da colônia, que possuía
metade da terra, além de um terço dos homens que a cultivavam (...) além de um terço dos
escravizados” (LOGIS, 2022, p. 270 e 272). Com esta citação é perceptível a diferenciação
feita entre mestiços e escravizados negros e como os proprietários de cor eram a favor da
manutnção da escravidão dos bossales (LOGIS, 2022, p. 273).

Contudo, essa estrutura escravista e preconceituosa baseava-se em uma hierarquia


racial, institucionalizada por mecanismos políticos e jurídicos que objetivavam legitimar e
manter a escravidão (LOGIS, 2022, p. 269 e 279). Isto era sustentado por três aspectos que
são: o social, onde apresenta o caráter de interdependência entre o senhor e o escravizado,
pois as necessidades do opressor só podem ser depositadas no oprimido. “Este último, por sua
vez, na sua condição de escravizado, não existe por si, mas sim para preencher e responder às
necessidades de seu senhor” (LOGIS, 2022, p. 279). Aspecto jurídico, que segundo o autor
“foi considerado por muito tempo a base do sistema escravocrata, estabelecendo limites e
diferenças nos privilégios dos atores sociais de acordo com o grupo ao qual pertence”(LOGIS,
2022, p. 279) ele também explica que Código Negro, promulgado em 1685, quanto a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, publicada em 1789, foram responsaveis
pela manutenção da escravidão em São Domingos. O último aspecto apresentado é o racial, o
qual aborda justamente a hierarquia racial já mencionada que detêm como lógica a
desigualdade natural entre as raças, elevando a condição de supremacia ao branco europeu
(LOGIS, 2022, p. 271 e 279).

Em conclusão, o artigo nos expõe os conflitos entre os brancos e mestiços por poder,
os primeiros por permanência e exclusividade e os segundos por ascensão, inserção e
reconhecimento na vida política e econômica na colônia de São Domingos. Nem um dos dois
grupos tinham como objetivos o fim da escravidão. No lado oposto, estavam os negros
escravizados que lutavam por sua liberdade (LOGIS, 2022, p. 280). Logis expõe que entre os
séculos XIX e XX foi atribuída a questão racial que levou o Haiti a desenvolver debates sobre
a construção de um “país historicamente racializado” (LOGIS, 2022, p. 285).

Apesar dos conflitos internos que ocorreram no


período pósindependência, ainda no início do século
XIX, entre pessoas de cor e os antigos escravizados
que dividiram o país caribenho em dois grupos
mestiços, no Sul e no Oeste, regiões que
concentravam a maior parte da população mestiça, e
negros, antigos escravizados no Norte, área
conhecida por ter concentrado durante o período
colonial uma forte quantidade de escravizados, além
de ter sido a região onde se deu início ao levante de
1791. Essa divisão política e potencialmente
geográfica da nova nação independente resulta das
políticas coloniais vigentes ao longo do processo
escravista (LOGIS, 2022, p. 286-287)

Entretanto o autor aponta que, mesmo possuindo critérios de diferenciação, resultados


do racismo e da escravidão, diferenta das sociedades presntes nas outas nações da América
Latina, o racismo no Haiti não se tornou tão perceptivo, estruturado e institucionalizado
(LOGIS, 2022, p. 287). Para confirmar tal ideia Logis diz “Não se pode dizer que o
preconceito de cor ou o racismo é algo superado no Haiti, portanto, é possível afirmar que ali
o fato de ser negro não determina seu lugar na hierarquia social, igual às outras realidades de
outros países que sofreram a escravização europeia na região” (LOGIS, 2022, p. 287). Para
encerrar o texto, Logis fala da permanência do racismo nas sociedades, porém explica que
para combatê-lo é de extrema importância que a população negra permaneça unida, sem
distinção (LOGIS, 2022, p. 288).

Como análise ao que foi proposto pela ementa da disciplina, minhas conclusões sobre
o texto abordam os aspectos da abrangência da questão racial e do preconceito de cor para
toda a América Latina, não os limitando ao território da antiga colônia francesa São
Domingos, hoje Haiti. E relacionando aos textos de Rafael Marquese, João Paulo Pimenta e
Carlos Antonio Aguirre Rojas, permite compreender os processos que levaram à Revolução
do Haiti, serem introduzidos em um contexto global, relacionando aspectos geográficos
distintos com momentos históricos, que outrora, eram identificados como separados uns dos
outros. Com isso o texto de Berno Logis está inserido em uma historiografia global.
REFERÊNCIAS

LOGIS, Berno. A questão racial e o preconceito de cor em São Domingos-Haiti (1789-1794). Revista
Eletrônica da ANPHLAC, nº 33, 2022, pp. 257-292.
https://revista.anphlac.org.br/anphlac/article/view/4052/3444.

MARQUESE, Rafael, PIMENTA, João Paulo. Tradições de história global na América Latinadicio
e no Caribe. História da Historiografia, nº 17, abril 2015, pp. 30-49.
https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/775/529

ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. O “longo século XX” da historiografia latino-americana


contemporânea: 1870-2025? In: América Latina: História e Presente. Campinas: Papirus, 2004, pp.
45-76

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