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BEM-ESTAR,

EDUCAÇÃO E
DIREITOS DA
CRIANÇA

BEM-ESTAR, EDUCAÇÃO E DIREITOS DA CRIANÇA © COLEÇÃO


CO-CONSTRUIR COMUNIDADES CO3. VOLUME I. (ODS 4; 17). ISBN: 978-989-53210-1-8.
ISBN: 978-989-53210-1-8

BEM-ESTAR,
EDUCAÇÃO E
DIREITOS DA
CRIANÇA
Título: Bem-estar, Educação e Direitos da Criança. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação. Formato: PDF Requisitos de
sistema: Adobe Acrobat Reader. PORTUGAL. 2021. © COLEÇÃO CO-CONSTRUIR COMUNIDADES CO3. VOLUME I. (ODS 4; 17). JOIA. ISBN:
978-989-53210-1-8. PORTUGAL. 2021. DECLARAÇÃO DOS AUTORES Os autores dos manuscritos: Atestam não possuir qualquer interesse
comercial que constitua um conflito de interesses em relação ao capítulo científico publicado em suporte electrónico; Ao submeter o
trabalho, os autores tornam-se responsáveis por todo o conteúdo do manuscrito. © Reservados Todos os Direitos de Acordo com a
Legislação em Vigor.

FCT - CIEQV - Projeto nº UID/CED/04748/2020

COORDENAÇÃO | Sónia ALEXANDRE GALINHA


CIE_UMa e CIEQV. IPSantarém, Portugal.

PREFÁCIO | Hermano CARMO


UL – ISCSP - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Portugal.

REVISÃO E ARBITRAGEM Capitulo 9 | Paula Marisa Fortunato VAZ


ESE-IPB e CIEB – Instituto Politécnico de Bragança e Centro de Investigação em Educação Básica,
Portugal.

REVISÃO, ARBITRAGEM, CAPA E CONCEPÇÃO GRÁFICA | Maria Celina de SOUSA REBELO LOPES
PIRES
Lisboa, Portugal.

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ISBN: 978-989-53210-1-8

EQUIPA | CAPÍTULOS

Sónia ALEXANDRE GALINHA


Instituto Politécnico de Santarém, Escola Superior de Educação, Portugal.

Paulo Jorge ALVES


Instituto Piaget de Viseu, Portugal e Universidade Jean Piaget de Angola.

Olívia de CARVALHO
Instituto Jurídico Portucalense (IJP), CEPESE – Centro de Investigação FCT Estudos População,
Economia e Sociedade da Universidade do Porto, Escola Superior de Educação do Instituto de
Estudos Superiores de Fafe; e Universidade Portucalense Infante D. Henrique, Porto, Portugal.

Sofia CASTANHEIRA PAIS


Departamento de Ciências da Educação, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade do Porto. CIIE – UP - Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal.

Pedro CORDEIRO
Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, CINEICC – Centro de
Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental, Portugal.

Sónia da CUNHA URT


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil.

Susana Caetano DOMINGOS


Instituto Politécnico de Tomar, Techn&Art, Portugal.

Simone GONTIJO
Instituto Federal de Brasília, Brasil.

Marisa Oliveira LOPES


Universidade de Santiago, Cabo Verde.

Cristina MACHADO
Escola Superior de Educação do Instituto de Estudos Superiores de Fafe (IESF); CIDI- IESF; CIEd -
Universidade do Minho; Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE – UP).

Ramiro MARQUES
Instituto Politécnico de Santarém, Escola Superior de Educação, Portugal.

Felipe OLIVEIRA
Universidade de São Paulo, Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia
Escolar, Brasil.

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ISBN: 978-989-53210-1-8

Maria Paula PAIXÃO


Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, CINEICC – Centro de
Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental, Portugal.

Juliana PARENTE MATIAS


Instituto Federal de Brasília, Brasil.

Marilene PROENÇA REBELLO DE SOUZA


Universidade de São Paulo, Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia
Escolar, Departamento de Psicologia da Aprendizagem do Desenvolvimento e da Personalidade,
Brasil.

Flavinês REBOLO
Universidade Católica Dom Bosco / UCDB, Brasil.

Eulália ROCHA
Escola Superior de Educação do Instituto de Estudos Superiores de Fafe (IESF); CIDI- IESF, Portugal.

Adelaide ROCHA SANTOS


Agrupamento de Escolas Marcelino Mesquita, Portugal.

Helena Araújo SILVA


Escola Superior de Educação do Instituto de Estudos Superiores de Fafe (IESF); CIDI- IESF, Portugal.

Filipa VERÍSSIMO COELHOSO


ISCE - Instituto Superior de Lisboa e Vale do Tejo, Portugal.

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ISBN: 978-989-53210-1-8

Apresentação

Sónia ALEXANDRE GALINHA


Coordenadora e Docente do Departamento de Educação e Currículo da Escola Superior de Educação de Santarém, Portugal.
Investigadora Integrada do CIE_UMa Centro de Investigação em Educação da Universidade da Madeira, Investigadora
Colaboradora do CIEQV Centro de Investigação em Qualidade de Vida. Doutorada em Psicologia.

Paulo Jorge ALVES


Paulo Jorge Alves, doutorado em Psicologia, na especialidade de Psicologia do Desenvolvimento, pela Universidade de
Coimbra, é professor associado no Instituto Piaget de Viseu. Docente e orientador no Mestrado de Psicologia do
Desenvolvimento e Educação da Universidade Piaget de Angola, coordenador da Unidade de Investigação PSYCO.IP no ISP
Jean Piaget de Benguela. Psicólogo, membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses e da Ordem dos Psicólogos de
Angola. Representante do Núcleo Académico da Psicologia da RACS da Lusofonia. Os seus principais interesses de investigação
centram-se nas seguintes áreas: psicologia do desenvolvimento, educação e aprendizagem, psicologia da personalidade e
psicologia positiva.

Hermano CARMO
Diplomado em Administração Ultramarina (ISCSPU-UTL); Licenciado em Ciências Sociais e Políticas (ISCSP-UTL); Mestre em
Ciência Política (ISCSP-UTL); Doutor em Ciências da Educação, especialidade em Organização de Sistemas de Formação
(UAb); Agregado em Política e Ação Social (ISCSP-UTL). Professor Catedrático Jubilado.

Olívia de CARVALHO
Doutoramento em Psicologia (UCJC- Madrid); Licenciatura em Psicologia Clínica; Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento
da Educação (FPCE-UP); Pós-Graduação em Mindfulness em Contextos de Saúde (FM-UP);Pós-Graduação em Supervisão
Clínica (FPCE-UP); Pós-Graduação em Direito da Criança (Universidade Católica); Psicóloga, Especialista em Psicologia Clínica
e da Saúde - membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Hospital da Lapa, Porto. Docente do Ensino
Superior; Investigadora (Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade – CEPESE) (Instituto Jurídico Portucalense -
Centro de Investigação – IJP). Tem publicados os livros “De pequenino se torce o destino – O valor da Intervenção Precoce”,
“Crescer saudavelmente em Angola” e “A Escola Inclusiva - da Utopia à Realidade”.

Sofia CASTANHEIRA PAIS

Sofia Castanheira Pais é Professora Auxiliar, no Departamento de Ciências da Educação, da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade do Porto. Licenciada e doutorada em Ciências da Educação pela Universidade do
Porto, realizou também nesta universidade a Pós-Graduação em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento com
especialização em Intervenção Precoce e Educação Especial em Contexto Pré-Escolar. Desenvolveu, no Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra, com financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, o projeto de Pós-
doutoramento intitulado “Epidemias do século XXI à luz do fenómeno da medicalização da Educação: implicações
educativas e (in) visibilidades sociais”, sendo a sua investigação pautada pela interface das áreas da educação, da saúde e da
cidadania, em contextos escolares e educativos alargados.

Pedro CORDEIRO
Pedro Cordeiro é licenciado em Psicologia Clínica e doutorado em Psicologia da Educação pela Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Exerce o cargo de professor auxiliar convidado da Escola Superior de Saúde
do Instituto Politécnico de Leiria. Colabora nos programas Integrados de Mestrado e Doutoramento da Faculdade de Psicologia
e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Investigador do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção
Cognitiva e Comportamental (CINEICC) da Universidade de Coimbra, Portugal.

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ISBN: 978-989-53210-1-8

Apresentação
Sónia da CUNHA URT
Graduada em Psicologia, Pedagogia e Administração de Empresas. Pós-Doutorado pela Unicamp, pela Universidad de Alcalá de
Henares e Universidade de Lisboa. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1992). Mestre em
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1989). Professora Pesquisadora Sênior dos Programas de Pós-
Graduação em Educação e em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Diretora da ABEP - Associação
Brasileira de Ensino de Psicologia em Mato Grosso do Sul e Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e
Psicologia - GEPPE/UFMS. Tem experiência na área de Educação, com ênfase na interface Psicologia e Educação, atuando com
o aporte da Psicologia Histórico-Cultural principalmente nos seguintes temas: Identidade; Aprendizagem; Constituição do
Sujeito em Espaços Educativos; Memória, Biografias e Autobiografias na Educação e Psicologia; Políticas Públicas Educacionais
e Práticas Educativas e Formativas.

Susana Caetano DOMINGOS

Doutorada em Educação pela Universidade de Lisboa. Professora Adjunta da Unidade Departamental de Ciências Sociais,
Instituto Politécnico de Tomar. Investigadora do Techn&Art - Centro de Tecnologia, Restauro e Valorização das Artes. Membro
do Grupo de Mentoria / Relações Públicas e Comissão de Divulgação do IPT. Membro do Grupo de Trabalho Inspirar, Partilhar
e Trabalhar - A vida merece tempo - Norma 4552:2016. Coordenadora Pedagógica do Centro de Línguas do IPT, Portugal.

Simone GONTIJO

Professora do Instituto Federal de Brasília é doutora em Educação pela Universidade de Brasília. Atua como docente do curso
de mestrado profissional em Educação Profissional e Tecnológica e no curso de Letras/ Espanhol do campus Ceilândia. Possui
graduação em Pedagogia, Especialização em Política e Estratégia, Administração da educação, Educação a Distância.
Desenvolve pesquisas na área de Formação de Professores e é líder do GEFOR - Grupo de Estudos e Pesquisa em Organização
do Trabalho Pedagógico e Formação Docente.

Marisa Oliveira LOPES

Exerce funções educativas profissionalmente na Cidade da Praia, Cabo Verde. Diretora da US Virtual da Universidade de
Santiago, Cabo Verde, e professora na Universidade de Santiago, Cabo Verde. Concluiu o Mestrado em Educação -
especialização Mediação Educacional e Supervisão na Formação na Universidade do Minho, Braga, assim como a Licenciatura
em Educação -Universidade do Minho, Braga, Portugal. Coordenadora e voluntária: Atelier dos Pikis, Pedra Badejo (Cabo
Verde) - Criação, desenvolvimento, implementação e avaliação do projeto de voluntariado "Atelier dos Pikis" em Santa Cruz.
Em 2016, foi Colaboradora da Juventude em Movimento: Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso - Casa da Botica, Póvoa de
Lanhoso, Portugal. Em 2015/16 foi Estagiária Académica na Casa Manuela Irgher, Pedra Badejo (Cabo Verde) e Estagiária
Académica - Formadora – Mediadora na Escola Secundária Professor "Alfredo da Cruz Silva", Pedra Badejo (Cabo Verde).

Cristina MACHADO

Doutorada em Estudos da Criança - Especialidade de Educação Especial pela Universidade do Minho. Mestre em Criminologia
pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Investigadora em CIDI-IESF e CIEd-Universidade do Minho. Docente em
Escola Superior de Educação de Fafe-Instituto de Estudos Superiores de Fafe, Portugal.

Ramiro MARQUES

Doutorado em Ciências da Educação e Agregado em Educação pela Universidade de Aveiro, é autor de 32 livros sobre
Educação, Ética, Pedagogia e Axiologia Educacional. Coordenou mais de uma dezena de projetos de investigação em Portugal e
colaborou no desenvolvimento de vários projetos de investigação e inovação educacional nos EUA. Tem três livros editados em
Espanha e um no Brasil. Foi membro do Conselho Nacional da Educação e é sócio fundador da Sociedade Portuguesa de
Ciências da Educação. Fez parte dos órgãos dirigentes do Centro de Investigação em Desenvolvimento, Intervenção em
Educação. Ramiro Marques foi Professor Coordenador Principal da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de
Santarém, Membro da sua Comissão Instaladora, Diretor da Escola e Presidente do Conselho Científico da r eferida instituição
de ensino superior.

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Apresentação

Felipe OLIVEIRA
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM-USP),
Mestre pelo Programa de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo e Graduado em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (2012). Membro do Laboratório
Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(LIEPPE-IPUSP), Universidade de São Paulo, Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar,
Brasil.
Maria Paula PAIXÃO
Professora Associada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) e membro
do seu Conselho Científico. No âmbito do Mestrado Integrado em Psicologia tem orientado estágios curriculares e teses de
mestrado na área de especialização em Psicologia da Educação, Desenvolvimento e Aconselhamento. Leciona no Programa
Doutoral em Psicologia da Educação da Universidade de Coimbra (o qual coordenou de 2011 a 2013) e no Programa
Interuniversitário em Psicologia da Educação (Universidade de Coimbra e de Lisboa). Tem diversas publicações nacionais e
internacionais nos domínios do aconselhamento de carreira e da psicologia da educação e da motivação, tendo participado na
organização de diversos eventos nacionais e internacionais nestes domínios. É membro fundador da European Society for
Vocational Designing and Career Counseling e já integrou diversas comissões especializadas para debater a orientação e o
aconselhamento de carreira em Portugal. É atualmente subdiretora FPCEUC.

Juliana PARENTE MATIAS


Mestre em Educação pelo Instituto Politécnico de Santarém, Portugal. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do
Ceará. Atualmente é docente do Curso de Letras Espanhol do Instituto Federal de Brasília Campus Ceilândia, ministrando as
componentes curriculares de Prática de Ensino, Organização da Educação Brasileira, Educação para a diversidade e Estágio
Supervisionado. Participa como pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Organização do Trabalho Pedagógico e
Formação Docente - GEFOR. Possui experiência na área de Educação, com ênfase em Projetos Sociais para juventudes,
Formação de Professores e Assessoria Pedagógica.

Marilene PROENÇA REBELLO DE SOUZA


Professora Titular da Universidade de São Paulo (2015). Psicóloga, graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo
(1978). Mestrado, Doutorado e Livre-Docência em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São
Paulo (1991, 1996 e 2010, respetivamente). Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (1997-atual) e Coordenadora do Programa
de 2006 a 2014. Foi Presidente da Comissão de Pós-Graduação do IPUSP (2011-2014). Professora do Programa de Pós-
Graduação Interunidades em Integração da América Latina da USP/ PROLAM-USP. Coordena o Laboratório Interinstitucional
de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar – LIEPPE e é líder do Grupo de Pesquisa do CNPq Psicologia e Escolarização:
políticas públicas e atividade profissional na perspectiva histórico-crítica. Professora do Curso de Graduação em Psicologia da
USP. Editora Chefe da Revista Psicologia Ciência e Profissão (2002-2004 e 2011-2013, Avaliação Qualis Periódicos A2).
Membro da Diretoria da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (2002-atual) e Presidente atual. Conselheira
do Conselho Federal de Psicologia (2002 a 2004 e de 2011 a 2013) e do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (2005-
2007 e 2008 a 2010).Vice-Presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP (2014-
2016). Diretora do Instituto de Psicologia da USP (2016-2020). Membro do Fórum sobre Medicalização da Educação e da
Sociedade. Realizou Estágio Pós-Doutoral na York University, Canadá (2001-2002) e participou como Professora Visitante em
2007 (bolsa do Consulado Canadense).
Flavinês REBOLO
Graduada em Psicologia pela Universidade do Sagrado Coração / USC (1981). Doutora em Educação pela Universidade de São
Paulo / USP (2005), Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo / USP (1999). Foi professora da Universidade de
Sorocaba / UNISO (2000-2009). Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado e
Doutorado - da Universidade Católica Dom Bosco / UCDB, em Campo Grande, MS. Coordenadora do Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Formação, Trabalho e Bem-Estar Docente/GEBEM (CNPq). Desenvolve pesquisas na interface das áreas da
Educação e Psicologia, com ênfase nos seguintes temas: Formação de professores e Práticas docentes; Trabalho docente; Bem-
estar e Mal-estar docente; Qualidade de vida no trabalho de professor; Histórias de vida na pesquisa qualitativa; Memória,
Biografias e Autobiografias na Educação e Psicologia.
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Apresentação
Eulália Silva ROCHA
Escola Superior de Educação do Instituto de Estudos Superiores de Fafe (IESF), Portugal. Licenciatura em Educação Infância,
Instituto de Educação da Universidade do Minho, Pós-Graduação Universidade do Minho; Área da Educação Especial, Braga;
Adjunta da direção responsável pela Educação Especial, Educação Pré-Escolar, no Agrupamento de Escolas de Montelongo
Fafe; Assessora técnica - pedagógica (Direção) Educação Especial no Agrupamento de Escolas de Montelongo (AEM), Fafe;
Avaliadora externa de Docentes de Educação Especial GR910, do Centro de Formação Francisco de Holanda, Guimarães;
Coordenadora do Departamento de Educação Especial, Coordenadora do Grupo Educação Especial, Membro da Equipa
Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI) do AEM; Membro permanente da Equipa Multidisciplinar de Apoio à
Educação Inclusiva (EMAEI) da Escola Profissional de Fafe; Formadora acreditada junto do Conselho Científico – Pedagógico
de Formação Continua da Universidade do Minho, Braga, Formadora do Centro de Formação Francisco de Holanda,
Guimarães; Membro da Seção de Formação e Monitorização da comissão pedagógica do Centro de Formação Francisco
Holanda (CFFH); Membro da Equipa de Autoavaliação do AEM; Membro do Secretariado das Provas de Aferição/Exames do
Ensino Básico, Membro do Conselho Pedagógico do (AEM), Vice-Coordenadora do Núcleo de Apoios Educativos Agrupamento
de Horizontal de Fafe; Orientadora Pedagógica das atividades de Estágio do Curso de Educadores de Infância da ESEF; Docente
de Educação Especial, GR910 no Agrupamento de Escolas de Montelongo, Fafe.

Adelaide ROCHA SANTOS

Doutorada em Educação na Especialidade de Formação e Supervisão de Professores pela Universidade Nova de Lisboa/
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / ISPA, 2016. Mestre em Ciências da Educação – Inovação Pedagógica pela
Universidade da Madeira, 2009. Docente com 33 anos de serviço. Durante o seu percurso profissional exerceu cargos de
coordenação de grupo disciplinar; foi membro do Conselho Pedagógico e da Comissão de avaliação de desempenho do pessoal
docente do quadro de Agrupamento a que pertence e coordenadora dos seguintes projetos: Tutoria, Clube de Solidariedade,
Parlamento Jovem e de Geminação- Escolas Portuguesas e Timorenses- “Rostos de Esperança”. Como formadora, certificada
pelo Conselho Científico e Pedagógico de Formação Contínua de Braga, dinamizou as seguintes ações de formação: “Professores
Eficazes V.S. Práticas Eficazes” e “Ecologia de sala de aula: relacionamento Interpessoal professor-aluno e a criação de climas
de sala de aula positivos”.

Helena Araújo SILVA

Escola Superior de Educação do Instituto de Estudos Superiores de Fafe (IESF), Portugal. Licenciada em Educação Especial e
Apoios Educativos; Pós-Graduação IESF-Domínio Cognitivo Motor, Área de Educação Especial; Docente de Matemática-Escola
C+S de Carrazedo Montenegro – Valpaços; Coordenadora Pedagógica, Orientadora Pedagógica das atividades de Estágio do
Curso de Educadores de Infância da ESEF; Docente de Educação Especial, Elemento permanente da EMAEI e Coordenadora de
GR910, no Agrupamento de Escolas Santos Simões, Guimarães, Portugal. A frequentar o último ano do Mestrado em Educação
Especial-Domínio Cognitivo e Motor: Escola Superior de Educação do Instituto de Estudos Superiores de Fafe (IESF).

Paula Marisa Fortunato VAZ


Docente do departamento de Psicologia da Escola Superior de Educação (ESE) do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) desde
2007. Desde 2016 é Professora Adjunta no mesmo Departamento. É Doutora em Estudos da Criança-Especialidade de
Educação Especial pelo Instituto de Educação da Universidade do Minho (2015), Pós-Graduada em Educação Especial-
Especialização em Dificuldades de Aprendizagem Específicas (2009) pela mesma universidade, Licenciada em Psicologia
(2002) pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e em Professores do Ensino Básico, Variante de Matemática
e Ciências da Natureza (2008) pela ESEB-IPB. Para além da docência, dedica-se à investigação. Participou no INTEGRA (-TE)
Project - Scientific Routes for Intercultural Integration (2016-2018), que teve como finalidade promover a integração de jovens
oriundos dos PALOP na cidade de Bragança.

Filipa VERÍSSIMO COELHOSO


Doutorada em Psicologia da Saúde e Licenciada em Educação Social. Professora Coordenadora no ISCE - Instituto Superior de
Lisboa e Vale do Tejo, Portugal. Coordenadora da Licenciatura em Educação Social. Co-Coordenadora do Mestrado em
Educação Social.

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ÍNDICE

Cap 1. Arquitetura do modelo de intervenção e promoção escolar [MIPE].……………………………………18


Maria Paula Paixão & Pedro Miguel Cordeiro

Cap 2. Inteligência, conhecimentos e atitudes, para saber ser………………………………………………………37


Paulo Jorge Alves

Cap 3. O papel da mediação socioeducativa para a construção de uma cidadania ativa…………………..51


Marisa Oliveira Lopes

Cap 4. A ética das virtudes na escola……………………………………………………………………………………….…61


Ramiro Marques

Cap 5. Psicologia e escolarização: escolas democráticas e a formação para a democracia………………..69


Felipe Oliveira & Marilene Proença Rebello de Souza

Cap 6. Crise pandémica: incidente crítico potenciador de mudança?...................................................83


Susana Caetano Domingos
Cap 7. Bem-estar docente: uma revisão integrativa das pesquisas produzidas no Brasil…………………………….…………..106
Flavinês Rebolo & Sônia da Cunha Urt

Cap 8. A educação de jovens e adultos silenciada nos currículos dos cursos de formação de
professores…….………………………………………………………………………………………………………………………127
Simone Braz Ferreira Gontijo & Juliana Parente Matias

Cap 9. Perceções dos docentes sobre inclusão na educação:


Um estudo no norte, centro e sul de Portugal…………………………………………………………………………….135
Eulália Silva Rocha, Helena Araújo Silva, Olívia de Carvalho, Sónia Galinha & Cristina Machado

Cap 10. Reflexões sobre o bem-estar e a inclusão na escola:


a perspetiva de adolescentes sobre os desafios da medicalização....………………………………………………157
Sofia Castanheira Pais

Cap 11. Emoções: janelas de oportunidade…………………………………………………………………………………171


Adelaide Rocha Santos

Cap 12. A Educação Social na Intervenção de Comportamentos Aditivos e Dependências…………….191


Filipa Coelhoso

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PREFÁCIO
_____________________________________________________________

Hermano Carmo, Professor jubilado da Universidade de Lisboa (ISCSP)

Ao ler o livro que se segue, vieram-me à memória dois textos que podem servir de ponto de
partida para um olhar sobre a educação como problema complexo1.
No primeiro, publicado há mais de meio século, Margaret Mead defendia2 com razão, que o
processo educativo se havia complexificado significativamente, na evolução das sociedades pré-
industriais para a sociedade industrial e desta para a sociedade que então emergia e que hoje
designamos por sociedade de informação:
• Nas sociedades pré-industriais, a educação resultava de uma dinâmica intergeracional, por
intermédio da qual a herança social era transmitida dos mais velhos para os mais novos, os quais a
interiorizavam por observação, por imitação e, raramente, por treino formal.
• Com a revolução industrial e com as gigantescas migrações internas (dos campos para as
cidades) e externas (entre países e continentes), o processo educativo sofreu uma profunda
complexificação, generalizando e padronizando o treino formal e passando a combinar a
enculturação3 das novas gerações, com a aculturação4 de cada família nuclear no seu conjunto, fruto
do contacto com a sociedade de acolhimento.
• Finalmente, na sociedade de informação, que começou a emergir em meados do século XX,
observava-se que, aos dois processos educativos referidos, se havia associado um terceiro, dos mais
novos para os mais velhos.
Os efeitos desta tripla dinâmica são conhecidos, quer nas suas virtualidades em termos de
criatividade e de mudança acelerada (e.g. nos domínios das NTICs e da educação ambiental), quer no
que respeita às múltiplas tensões que tem provocado (e.g. em termos de perda de autoridade dos
mais velhos).

1
Considerando problemas complexos (wicked problems), como problemas em que, dado número de
variáveis, de protagonistas e de relações em jogo, não existe consenso, quer quanto à sua resolução,
quer mesmo quanto à sua equação (Marques, 2017).
2 Mead, M. (1969). O conflito de gerações. Lisboa: D. Quixote.
3 Considerando a enculturação como o processo através do qual uma pessoa interioriza a cultura

envolvente, por via informal ou formal, ancorando os seus valores, conhecimentos e padrões de
atuação na sua prática quotidiana.
4 Considerando a aculturação como o resultado do contacto de duas ou mais culturas (que pode

conduzir à extinção de uma delas, a assimilação de uma por outra, à sua integração numa cultura
resultante, ou a combinatórias variáveis destes processos).
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Todo este processo veio a dar razão a Paulo Freire, que sempre defendeu a necessidade de uma
educação dialógica, em que o educador, para o ser, tinha de se assumir também como aprendente do
aprendente.
No segundo texto, de Josine Junger-Tas (2001)5, numa investigação sobre a integração social de
minorias étnicas, referia que a velha dicotomia entre condições estruturais e fatores individuais
condicionadores do desenvolvimento humano, não explicava o comportamento diferenciado de
gémeos homozigóticos, socializados na mesma família e na mesma comunidade: segundo ela, a
variável explicativa residia nos chamados fatores de vinculação, provenientes da rede social de apoio
de cada sujeito. Por exemplo, o facto de um ter tido o apoio específico de um familiar, de um(a)
professor(a) ou de uma pessoa significativa que havia orientado o seu desenvolvimento pessoal e
social enquanto o outro não tivera acesso a esse recurso, poderia explicar a sua inclusão ou exclusão
posterior.
A análise dos dois textos fundamenta bem, a meu ver, a preocupação dos vários autores deste
livro em aprofundar a questão da educação, que já não é o que era, e em associá-la à questão dos
direitos humanos e do bem-estar. Ao longo dos vários capítulos, o leitor poderá reconhecer os três
fatores identificados por Gunter-Tas, bem como a tripla dinâmica sugerida por Mead.
Antes de mais, interessa ter em conta que a envolvente das escolas, hoje, constitui um quotidiano
instável, marcado por uma mudança acelerada e descontrolada, por uma desigualdade exclusora e
pela fibrilhação dos sistemas de poder (políticos, institucionais, organizacionais, grupais e
interpessoais). Deste modo, pode-se afirmar, em termos de direitos humanos que, é condição
indispensável à eficácia e à eficiência da educação, garantir o direito a um quotidiano estável.6
A questão do bem-estar, por outro lado implica defender que toda a comunidade educativa7 tenha
as suas necessidades de segurança, sociais e de realização pessoal, minimamente satisfeitas (e.g.
alunos com sentimentos de segurança, bem alimentados, saudáveis, satisfeitos por estarem na
escola, com autoestima e projeto de vida; professores e funcionários, satisfeitos por pertencerem à
escola e ao seu projeto; encarregados de educação e agentes comunitários, confiantes na escola e
satisfeitos por se sentirem incluídos no seu projeto educativo)8.

5 Junger-Tas, J. (2001). Ethnic minorities, social integration and crime. European Journal on
Criminal Policy and Research 9: 5–29. Kluwer Academic Publishers. Printed in the Netherlands.
6 A ideia foi sugerida por José Fontes (2013), num ensaio em que sugeriu a designação de novo direito

humano – o direito a um quotidiano estável – que agregaria um conjunto de direitos já consagrados


no quadro normativo (e.g. direito à vida, à alimentação, à habitação, a um emprego estável, a um
desenvolvimento humano equilibrado, etc.)
7 Alunos, professores, funcionários, encarregados de educação e agentes comunitários.
8 Carmo, H. (2020). Competências para a Cultura Democrática: reflexões sobre o papel da Escola, In

Intervenção Social, Política e Desenvolvimento Comportamental Socius (1), 2019, Perspetivas de


Intervenção para a Mudança no Séc. XXI, Lisboa, Almaletra.
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Como condição de um bem-estar fomentador de um quotidiano estável, está sem dúvida uma
questão aflorada por alguns dos autores: é o desafio de uma educação dialógica9, com o poder
voluntariamente partilhado, que permita assumir a escola como um viveiro de cidadania, ajudando a
construir cidadãos autónomos, solidários e socialmente responsáveis. Efetivamente, só uma escola
com uma gestão colaborativa com autenticidade democrática, permite a alunos e adultos
experimentar papéis de obediência, participação e liderança no quotidiano escolar. Deste modo, a
escola institui-se como um objetivo laboratório de democracia.
Mas para o ser, como referiram outros autores dos capítulos que se seguem, a escola não pode ser
uma ilha, tem de assumir uma parceria virtuosa com a sua rede social de apoio, controlando os
quatro fatores críticos de qualquer processo de governação integrada: uma comunicação de
qualidade, uma participação esclarecida, uma gestão colaborativa da parceria e uma avaliação
adequada10.
Uma vez que a apresentação das linhas mestras dos vários capítulos se encontra já claramente
expressa na introdução que se segue, resta-me recomendar ao leitor a sua leitura reflexiva. Neles
encontrará um olhar multifacetado, mas convergente sobre a questão que nos une, a educação. Neles
registará olhares à escala macro, encarando a educação como problema social e político, à escala
meso, olhando a educação como um desafio organizacional, e à escala micro, procurando analisar
várias facetas da relação educativa como ato interpessoal relevante.
E, uma vez que educar é, antes de mais dar testemunho, um imperativo que perpassa todos os
textos é o da autenticidade. Ou seja, se educar implica que o educador se assuma como referência do
educando, o reverso da defesa dos direitos humanos é o dever de deles dar testemunho no
quotidiano.

9 Freire, P. (1972). Pedagogia do Oprimido. Porto: Afrontamento.


10 Carmo, H. (2020) op. Cit.
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INTRODUÇÃO

O presente livro é parte constituinte de uma interessante coleção dedicada à educação e integra
participações de cooperação internacional em torno da proteção à infância e juventude em Portugal,
Brasil, Angola e Cabo Verde preconizando na sua génese dois dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável, nomeadamente os ODS 4 – Educação de Qualidade e 17 – Parcerias e meios de
Implementação, da Agenda 2030. Neste sentido, simbolicamente lançado no mês de junho, esta
coletânea homenageia todos aqueles que se têm dedicado à educação, mas também, concretamente,
divulga teorias, dados e práticas no seio investigativo assumindo um carácter analítico e dissertivo,
numa combinação de natureza praxeológica e epistemológica. Importa convocar as referências que
norteiam a missão educativa e não menos a primeira Declaração dos Direitos da Criança- a Declaração
de Genebra de 1924 que surge associada às consequências da I Guerra Mundial. Por seu turno, criada
pela ONU em 1946 a UNICEF promove os direitos e o bem-estar das crianças em mais de 190 países e
territórios conforme a sua missão de 1953 como instituição permanente de ajuda e proteção às
crianças de todo o mundo. A Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 20 de novembro de
1959, destaca os princípios fundamentais para o desenvolvimento equilibrado nas primeiras idades
até à adolescência e juventude, assumindo um valor na defesa dos direitos humanos, pela Assembleia
Geral da ONU e UNICEF. A Convenção dos Direitos da Criança é adotada e aberta à assinatura,
ratificação e adesão através da resolução n.º 44/25 em 20 de novembro de 1989 tendo entrado em
vigor na ordem internacional em 2 de setembro de 1990. Em Portugal, data de 26 de janeiro de 1990
com o Decreto de Ratificação publicado em setembro e a entrada em vigor na ordem jurídica
portuguesa a 21 de outubro. O termo “criança” salvaguarda o respeito pelos seus direitos e colocação
dos seus interesses superiores acima de todas as outras considerações. De acordo com legislação
relativa à educação inclusiva, o combate ao insucesso e abandono escolar nos eixos de diagnóstico e
intervenção devem centrar-se essencialmente no trabalho ao nível preventivo, implementado
precocemente e empiricamente validado por sistemas eficientes de sinalização, monitorização e
avaliação do impacto, sustentado técnica-cientificamente.
Não alheios à situação pandémica e às realidades procurámos primeiramente apresentar o MIPE.
Tal como Paixão e Cordeiro referem no capítulo I, a crescente tendência educativa de
territorialização de políticas educativas promotoras de equidade, qualidade e inclusão educativas tem
em vista a coesão territorial e social. O Modelo MIPE – Modelo de Intervenção e Prevenção Escolar
apresentado em primeira linha, insere-se na atenção específica dada aos alunos que se situam ainda
nas bolsas residuais de insucesso escolar ou de sucesso escolar de fraca qualidade, propondo
sinergias na intervenção local dos agentes educativos altamente especializados, como membros de
uma rede colaborativa de apoio à aprendizagem e à inclusão, estimulando medidas inovadoras com

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grande impacto socioescolar, tendo como objetivo a recuperação e consolidação das aprendizagens e
a promoção do bem-estar dos alunos em risco de insucesso. De acordo com os autores do MIPE, este
apresenta uma matriz concetual baseada na teoria e evidência empírica, inscrita no âmbito de
modelos ecológicos de compreensão do desenvolvimento humano. A matriz sistémica subjacente ao
modelo de intervenção do MIPE reflete uma abordagem compreensiva e integradora ao trabalho
preventivo, com forte inscrição na dinâmica do funcionamento escolar, contribuindo para consolidar
sistemas de apoio cada vez mais articulados e flexíveis, que facilitem a aproximação da escola à
família e à comunidade. O seu alinhamento com modelos de intervenção multinível e adaptativos
deixa clara a intenção de promover o alinhamento e a continuidade do trabalho preventivo e
terapêutico, de forma dinâmica e versátil, quando permite ajustar a modalidade e a intensidade da
intervenção ao nível de risco avaliado em cada dimensão.
No capítulo II, Alves defende ainda que a evolução das sociedades contemporâneas e as crises que
ciclicamente lhe estão associadas desafiam a comunidade humana a assumir-se a partir das
qualidades inscritas na sua própria natureza. Neste sentido, urge a implementação de orientações
educativas que resultem da evidência e dos contributos mais substantivos da condição humana. As
escolas precisam de ensinar a usar os domínios mais complexos e flexíveis do conhecimento.
Necessitamos de ensinar a importância de adquirir conhecimentos que sejam integrados no
reportório existencial do sujeito, disposições cognitivas que conferem à experiência quotidiana de
vida aquela liberdade, responsabilidade, autonomia, harmonia, criatividade e bondade que fazem
com que a vida seja “verdadeira, boa e bela”.
Sobre o papel da mediação socioeducativa, o capítulo III visa contribuir com noções teóricas que
demonstram a potencialidade da mediação para a busca de uma sociedade de paz, uma vez que a
reflexão social sobre a construção de uma cidadania ativa surge da convicção de atingirmos até ao
ano de 2030, o objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) 17: “promover sociedades pacíficas e
inclusivas para o desenvolvimento sustentável” e esta partilha analisa o contributo da mediação
nesta busca. A educação e a formação, apesar de serem processos coletivos que acompanham todo o
percurso de socialização e que, por isso, se confundem com a vida, ocorrem fundamentalmente numa
lógica de apropriação individual, porque são sempre os sujeitos que decidem o que fazer com a
informação decorrente do contato com os outros e com os contextos. Segundo a autora, este sujeito
assume, a priori, o papel fundamental no processo de aprendizagem, isto porque a aprendizagem
ocorre quando o sujeito atribui sentido e se apropria do que está a viver. Na atividade quotidiana que
ocorre nos vários espaços de vida – no trabalho, na família e no lazer – o confronto com desafios e
problemas contribui para o desenvolvimento de um conjunto de saberes, capacidades e atitudes e
saber estar com o outro é de máxima importância para as dinâmicas do século XXI e para
construirmos juntos uma cidadania ativa de paz.
No capítulo IV Marques aborda a ética das virtudes na escola. A escola tem de ser vista como uma
comunidade onde se forja o caráter das novas gerações e onde se favorece a realização pessoal (o

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florescimento) do agente. Daí que tenha de ser uma instituição onde as práticas de eficácia sirvam as
práticas excelentes e onde os bens exteriores estejam dependentes dos bens interiores. A prática
pedagógica não anda associada apenas à produção. Se assim fosse, teria um caráter meramente
utilitário. A este propósito convém destacar a distinção que Aristóteles faz entre produção e ação. A
produção visa um produto, enquanto a ação visa a ação em si mesma e pressupõe o desenvolvimento
de atividades que são boas em si, embora, em muitos casos, a ação surja também associada a um
produto.
Seguidamente, ao longo do capítulo V, Oliveira e Proença Rebello de Souza desenvolvem dados
sobre o fim da ditadura civil-militar na sociedade brasileira e os desafios da Educação na procura de
propostas político-pedagógicas que constituam práticas educacionais democráticas, que no quotidiano
da escolarização formem sujeitos que participem ativamente na vida democrática. Nesse sentido, o
estudo tem por objeto as Escolas Democráticas e por objetivo investigar o ideário político-pedagógico
que embasa a concepção destas escolas. A pesquisa parte da perspetiva teórica da Psicologia Escolar
crítica, de compreendendo a escolarização como fenómeno social complexo, síntese de múltiplas
determinações. Como método de investigação foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o
tema e a entrevista com uma diretora de uma Escola Democrática da rede pública de ensino. A
entrevista foi do tipo semiestruturada, sendo analisada com base na Análise de Prosa. Como conclusão
aponta-se a constituição de propostas pedagógicas democráticas e a formação para a democracia no
âmbito da escolarização são dimensões inseparáveis para a superação das contradições estabelecidas
nas relações produzidas em uma sociedade de classes. No caso específico da escola desta pesquisa, os
passos dados para a promoção desta superação centraram-se na busca de respostas em experiência
bem-sucedida de projeto político-pedagógico no movimento das Escolas Democráticas; proposta
político-pedagógica participativa como instrumento de conhecimento e de formação democrática e na
atuação intencional da Direção Escolar para a possibilitar a democratização da escola.
Contextaulizadamente, o capítulo VI, pretende contribuir para a consciencialização da importância
da reflexão e mudança a partir do incidente crítico, das suas emoções e do impacto na relação
pedagógica com os estudantes num período inesperado, e duradouro. De acordo com a autora,
atravessados os momento de emergência 2020/2021, com a propagação da Covid-19, os docentes
sentiram necessidade de uma adaptação em tempo record à generalização do ensino à distância: sem
dúvida que situações de emergência exigem reações de emergência e os docentes têm mostrado estar à
altura do desafio, encarando-o como uma oportunidade de desenvolvimento de diferentes perspetivas
didático-educacionais. A adaptação de alunos e estudantes provou depender de várias variáveis, como
o ambiente social, o ambiente familiar e as características de cada um, como ser único, original e
irrepetível.
Rebolo e Urt, no capítulo VII, defendem que o aumento dos estudos sobre o bem-estar docente nos
últimos anos e a relevância do tema para a vida e o trabalho dos professores justificaram a realização
desta pesquisa que teve por objetivo realizar uma revisão integrativa dos estudos produzidos no Brasil

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sobre a temática. Foram analisados 65 trabalhos (41 dissertações e 14 teses), localizados no Catálogo
de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CTD/CAPES). Os resultados apontam a preponderância de estudos qualitativos, com o aporte teórico
da Psicologia Positiva e realizados com professores da Educação Básica (Fundamental I e II) de
escolas públicas. A maior parte dos estudos traz sugestões de intervenções para a promoção do bem-
estar e/ou minimização do mal-estar docente. Conclui-se apontando as possibilidades para o bem-
estar docente na escola contemporânea e a necessidade de novas pesquisas sobre a temática.
Seguidamente, discute-se o lugar ocupado pela Educação de Jovens e Adultos (EJA) na formação
docente. Para tanto, investigou-se, a partir da análise dos currículos dos cursos de licenciaturas em
Letras de um Instituto Federal (IF), especificamente como os planos de cursos abordam a discussão
acerca da EJA. Foram selecionados três cursos de licenciatura em Letras, a saber: Letras/ Espanhol,
Letras /Inglês e Letras/ Português. A pesquisa, de caráter qualitativo e documental, fundamentou-se
na análise de conteúdo ao examinar os seguintes aspectos dos planos de cursos: identificação do perfil
do ingresso; campo de atuação profissional; identificação das disciplinas que abordam a EJA (carga
horária, obrigatoriedade ou eletividade da disciplina; semestre ofertado e conteúdos abordados). O
estudo apontou a necessidade de se fortalecer os currículos de licenciatura e, consequentemente, a
formação docente em relação a essa modalidade de ensino, pois a voz das juventudes nem sempre se
faz presente nas escolas e, muitas vezes, o professor não sabe como, em termos metodológicos,
fomentar a dialogicidade formadora.
Nesta linha, o capítulo IX constitui-se como uma oportunidade de reflexão sobre as políticas,
culturas e práticas das escolas, em termos organizacionais e pedagógicos, face ao compromisso atual
de “Inclusão e Educação: para todos sem exceção” (UNESCO, 2020). Portugal, conjuntamente com
outros Estados, no Fórum Mundial para a Educação (FME), em Incheon 2015, reafirma e reforça
acordos anteriores, nesse movimento global de uma educação para todos e para cada um. O
enquadramento legislativo português relativo ao Decreto-Lei 54/2018, de 6 de julho, evidencia um
novo paradigma, que implica uma mudança reflexiva, uma responsabilidade partilhada, rumo a uma
comunidade de aprendizagem que promete a todos um maior sucesso. Mas como podem as escolas ser
reestruturadas de forma a apoiarem a comunidade de aprendizagem neste processo inclusivo? Como
podem os docentes ser ajudados a organizar as suas salas de aula assegurando a aprendizagem para
todos e para cada um dos seus alunos? Para compreender esta mudança paradigmática, aplicou-se um
inquérito por questionário “Indicadores para a Inclusão” de Ainscow e Booth (2002), adaptados pela
DGE (2018). No estudo participaram 30 Agrupamentos de Escolas da região Norte, Centro e Sul de
Portugal, 205 docentes do Ensino Básico (Regular e Educação Especial). Os resultados obtidos
demonstram a existência de diferenças significativas entre alguns itens dos diferentes grupos, indicam
ainda que, embora os participantes reconheçam que é importante implementar culturas, políticas e
práticas inclusivas nas escolas, é necessário providenciar mais reflexão, autoavaliação e formação no
âmbito desta temática para toda a comunidade educativa.

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Pais, no capítulo X, e num cenário cada vez mais pautado pela emergência de diagnósticos
médicos, a escola e os/as seus/suas agentes adquirem um papel central no modo como os sinalizam e
acompanham os estudantes. Apesar de se constituir um dos contextos mais relevantes na vida de
crianças e adolescentes, a escola pode significar também lugar de produção do fracasso e de exclusão,
que em nada beneficia o seu bem-estar. Remete, a esse respeito, e não raras vezes, para desígnios
médicos a resolução de desafios de natureza, eminentemente, social educativa. É sobre a resposta da
escola a estudantes com situações de saúde diversas, designadamente com Perturbação da
Hiperatividade e Défice de Atenção (PDHA), que os adolescentes partilham, por meio de grupos de
discussão focalizada e desenhos, as suas leituras e experiências. Segundo a mesma autora, deixam
pistas relevantes para pensar a promoção de bem-estar e de inclusão na escola, reconhecendo o papel
determinante dos professores, enquanto figuras de apoio, e enfatizando a necessidade de processos
mais dialogados e em que possam, efetivamente, participar no que à sua saúde diz respeito.
Seguidamente, Santos consolida que a forma como o ser humano se comporta no seu dia-a-dia é
determinada pelas suas emoções, mas também pelo seu lado racional. De facto, o ideal é encontrar o
equilíbrio entre a razão e a emoção. Uma vida harmoniosa e feliz é atenta às emoções, à emptia. O
cérebro racional permite reconhecer objetos, formas, pessoas, acontecimentos assim como estabelecer
relações entre as nossas perceções e os nossos pensamentos. Também o cérebro emocional pode
tomar “como reféns” todos estes circuitos ficando todas as reações comportamentais à mercê das
emoções. Por esta razão é muito importante que o ser humano encontre harmonia entre a capacidade
de pensar e de sentir de forma a agir e a adaptar-se eficazmente face a desafios e a novas situações.
Neste campo, a família desempenha um papel crucial. Também a escola desempenha um papel
fundamental podendo contribuir para a Educação de Qualidade, um dos Objetivos da Agenda 2030,
para o Desenvolvimento Sustentável. Ao implementar programas de literacia emocional formará
crianças e jovens mais preparados emocionalmente para o mundo de incerteza e insegurança que se
vive na atualidade. É para este sentido maior da educação que vos convocamos.
Por último, no capítulo XII, segundo Coelhoso, o consumo de substâncias psicoativas e os
comportamentos aditivos afetam de forma diferenciada homens e mulheres, de todas as idades,
contextos e nos diferentes ciclos de vida e, como tal, exigem o olhar especializado da intervenção
socioeducativa preconizada pela Educação Social. Este capítulo XII defende a importância da
aplicação da Educação Social no âmbito da intervenção em comportamentos aditivos e dependências,
a partir dos fundamentos da educação e promoção da saúde, da literacia em saúde, da prevenção dos
comportamentos de risco e da valorização dos fatores protetores. No reconhecimento que a Educação
e Promoção da Saúde requerem uma abordagem transdisciplinar, salientam-se os contributos que as
intervenções socioeducativas desenvolvidas pelos Técnicos Superiores de Educação Social potenciam
no âmbito de uma educação preventiva de situações de risco e promotora de comportamentos de
saúde saudáveis.

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ARQUITETURA DO MODELO DE INTERVENÇÃO E PROMOÇÃO ESCOLAR [MIPE]

MARIA PAULA PAIXÃO & PEDRO MIGUEL CORDEIRO

UNIVERSIDADE DE COIMBRA, CINEICC – CENTRO DE INVESTIGAÇÃO EM


NEUROPSICOLOGIA E INTERVENÇÃO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL, FACULDADE DE
PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO, PORTUGAL.

While school systems are not responsible for meeting every need of their students,
when the need directly affects learning, the school must meet the challenge.
Carnegie Task Force on Education of Young Adolescents (1989)

Introdução
A diminuição sustentada das taxas de retenção no ensino básico e secundário e a atenção dada
aos percursos diretos de sucesso sinalizam um momento de viragem na práxis educacional
mobilizando-a para intervenções educativas complexas cada vez mais dirigidas a um número
tendencialmente restrito de alunos, que vivenciam barreiras significativas à aprendizagem e à
inclusão. Por forma a reduzir ao máximo o número de alunos que se encontram em desfasamento
etário, necessário torna-se necessário implementar medidas precisas de intervenção multinível
capazes de detetar precocemente o risco de retenção e, deste modo através de intervenções
atempadas, garantirem respostas às crianças e jovens em maior vulnerabilidade. A crescente
tendência educativa de territorialização de políticas educativas promotoras de equidade, qualidade e
inclusão educativas tendo em vista a coesão territorial e social necessita, em absoluto, de equipas
educativas alargadas formadas por técnicos especializados, bem como de equipas docentes das
escolas e municípios constituindo-se como esteios operacionais capazes de centrar sobre cada aluno
em risco a resposta focada das valências desta equipa multidisciplinar de peritos. Assume-se, a este
nível, como vital a criação de modelos comunicativos que tornem eficazes ações na base da
tecnologia intensiva para o incremento dos resultados escolares em termos de melhoria da qualidade
das aprendizagens, diminuição da retenção e melhoraria das competências comportamentais e
desenvolvimentais (Verdasca, 2019). O Modelo MIPE – Modelo de Intervenção e Prevenção Escolar
insere-se na atenção específica dada aos alunos que se situam ainda nas bolsas residuais de insucesso
escolar ou de sucesso escolar de fraca qualidade, propondo sinergias na intervenção local dos agentes
educativos altamente especializados, como membros de uma rede colaborativa de apoio à

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aprendizagem e à inclusão, estimulando medidas inovadoras com grande impacto socioescolar,


tendo como objetivo a recuperação e consolidação das aprendizagens e a promoção do bem-estar dos
alunos em risco de insucesso.

Enquadramento
A escola é um espaço de aprendizagem formal e um contexto significativo de desenvolvimento
pessoal e social do ser humano. Assim concebida, deve orientar-se para promover o sucesso nas
aprendizagens e assegurar o bem-estar dos alunos, no respeito pelas suas necessidades psicológicas
básicas. São ameaças à concretização deste objetivo as experiências de insucesso e abandono escolar
precoce (Tribunal de Contas, 2020). Por insucesso escolar leia-se a incapacidade de efetivar
aprendizagens dentro dos limites temporais esperados para cada ano ou ciclo de ensino, indicado
pelas taxas de reprovação a disciplinas isoladas, retenção e/ou abandono escolar precoce (Xia &
Kirby, 2009), mas também todo o rendimento abaixo das possibilidades do estudante
(Peixoto,1999). De acordo com esta definição abrangente, o insucesso escolar é indicado, no primeiro
ciclo do ensino básico, pelo sucesso de fraca qualidade (ausência de bons e Muito Bons), sucesso com
risco (transição com Insuficiente a Matemática e a Português) e retenção escolar (Insuficiente a
Matemática e Português).
A etiologia do insucesso escolar e do mal-estar é complexa e multideterminada, refletindo uma
combinatória idiossincrática de fatores de risco e de proteção, situados na esfera pessoal, social e
comunitária. Em diversos estudos têm sido identificados vários fatores de risco para o insucesso
escolar, cuja ação ocorre tanto no plano individual como no plano contextual. Os fatores individuais
incluem: (i) dificuldades específicas de aprendizagem, a (ii) problemas do foro comportamental (e.g.,
de oposição-desafio, absentismo escolar; a fraca auto regulação comportamental e a ausência de
rotinas de estudo); (iii) a má relação com os professores e a fraca integração social e em sala de aula;
(iv) a perceção negativa da escola pelos alunos e, (v) a experiência de estados psicológicos indicativos
de desajustamento (e.g, o baixo autoconceito e autoeficácia escolar, a ansiedade de desempenho, o
baixo valor percebido da aprendizagem, as atribuições não adaptativas de insucesso, a
sintomatologia depressiva e a frustração das necessidades psicológicas básicas (e.g., Cordeiro,
Paixão, Lens, Lacante, & Sheldon, 2016; Miguel et al., 2012). No plano contextual, o baixo estatuto
socioeconómico, a baixa escolaridade da mãe, a presença de práticas letivas controladoras e a
pertença a grupos culturais não dominantes (Atwell, Balfanz, Bridgeland, & Ingram, 2019) parecem
predizer negativamente o aproveitamento e as taxas de retenção, o absentismo e o abandono escolar
precoce (Hoff, Olson, & Peterson, 2015). Adicionalmente, ter um ambiente escolar disfuncional pode
contribuir para o absentismo crónico (Van Eck, Johnson, Bettencourt, & Johnson, 2017). Porém,
cada fator, tomado isoladamente, parece não ter um poder preditivo muito significativo (Legters &
Balfanz, 2010) o que, a par da trajetória não linear do risco e do parco conhecimento relativo à forma

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como os fatores, individuais e contextuais, se organizam em possíveis perfis de risco, deixa em aberto
a necessidade de inovar o conhecimento.
Continuam a persistir bolsas de insucesso escolar no território nacional. Os dados do insucesso e
abandono escolar em Portugal continuam a ser preocupantes, apesar da tendência positiva de
redução do abandono escolar precoce, a qual diminuiu de 12.6% em 2017 (9,7 nas raparigas e 15,3
nos rapazes;), para 8,9% em 2020, ultrapassando a meta europeia, de 10%. (Pordata, 2020).
Contudo, Portugal figura no grupo dos quatro países com uma taxa de retenção escolar acima dos
30% (European Commission/EACEA/Eurydice, 2015), apresentando um valor de 34,3% de alunos
de 15 anos com, pelo menos, uma retenção no seu percurso escolar. A experiência de insucesso
escolar ou de sucesso escolar de fraca qualidade é mais expressiva em alunos que apresentem
condições de vulnerabilidade contextual, incluindo a proveniência de famílias com baixo estatuto
socioeconómico e com baixa escolaridade da mãe e a pertença a grupos culturais não dominantes,
fatores esses que parecem predizer o fraco aproveitamento e as taxas de retenção, o absentismo e o
abandono escolar precoce (e.g. Hoff, Olson & Peterson, 2015).
Estes dados são tanto mais preocupantes, quando se sabe que a experiência de insucesso escolar
apresenta um impacto negativo a médio-longo prazo nos domínios do funcionamento pessoal,
académico, social, acarretando igualmente custos financeiros significativos para o erário público. No
plano pessoal tal como já foi referido, tem um impacto muito negativo no ajustamento
psicossocial, facilitando o envolvimento em trajetórias desenvolvimentais extremamente vulneráveis.
No plano académico, o insucesso escolar tem efeitos nulos ou, inclusivamente, negativos na
recuperação das aprendizagens e resultados escolares. Vários estudos concluem que a retenção
compromete o desenvolvimento de competências autorregulatórias e o envolvimento nas
aprendizagens, a que estão associados indicadores de desmotivação, baixa autoestima e indisciplina.
Associa-se, igualmente, à alienação escolar, aumentando a probabilidade de os alunos ficarem
retidos ou abandonarem precocemente os percursos de educação e formação (Almeida, 2013). Estes
efeitos mais graves quanto mais precoces é a retenção. Em Portugal, a distribuição da retenção
escolar por ciclo de ensino, ilustra uma trajetória de desenvolvimento desfavorável com início
precoce (2º ano do 1º CEB), com um crescimento médio contínuo ao longo dos diferentes níveis de
ensino básico, mais expressivo nos anos pós-transição de ciclo e no ensino secundário (e.g., Miguel,
Rijo, & Lima, 2012). No plano financeiro, a retenção apresenta custos diretos bastante elevados,
sendo, atualmente, a medida mais dispendiosa de combate ao insucesso escolar. De acordo com o
Tribunal de Contas (2012), cada aluno retido custa, em média, 4.415€ por ano e aluno ao estado
português. Alguns relatórios internacionais (e.g., Finlândia, Países Baixos) apontam, ainda, para a
existência de custos indiretos decorrentes do abandono escolar precoce, que rondam um milhão de
euros, por indivíduo, ao longo da sua vida. Os custos indiretos relacionam-se com situações de maior
pobreza, maior incidência de problemas de saúde, de comportamentos de risco e de criminalidade,
como o desemprego cíclico e/ou sistemático, a dependência de prestações sociais e subsídios de

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desemprego, e a menor participação em atividades políticas, sociais e culturais (European


Commission/EACEA/Eurydice, 2015).
A pandemia COVID-19 veio acentuar as assimetrias na equidade, inclusão social e na efetivação
das aprendizagens, associando-se a um possível aumento do insucesso e abandono escolar (Tribunal
de Contas, 2020) ameaçando a concretização do Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (2017),
previstos pela ONU, que pretende assegurar uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade para
todos. Para fazer frente a esta ameaça, é necessário promover a qualidade do sucesso escolar e o
bem-estar de crianças e alunos mais vulneráveis (e.g., Adelman & Taylor, 2008; Balfanz et al., 2007;
Walsh et. al., 2016). Em resposta, a Estrutura de Missão do Plano Nacional de Promoção do Sucesso
Escolar lançou os Planos de Desenvolvimento Pessoal, Social e Comunitário com uma “clara aposta
em intervenções socioeducativas para promover o bem-estar social dos alunos e suas famílias, bem
como intervir sobre os constrangimentos que dificultam as aprendizagens, no sentido de os alunos
melhorarem tanto a assiduidade quanto o envolvimento pessoal na apropriação das diferentes
componentes curriculares” (PNPSE, 2021). As políticas e medidas de combate ao insucesso escolar
requerem a mobilização de estratégias diferenciadoras, focadas na recuperação e consolidação das
aprendizagens, do bem-estar socioemocional, da segurança e do desenvolvimento pessoal e social
dos alunos. Mais recentemente a Direção Geral da Educação publicou o Plano de Recuperação e
Consolidação das Aprendizagens 21|23 Escola+ cujas linhas prioritárias de ação estratégica se situam
ao nível da promoção do sucesso nas aprendizagens, da socialização e do bem-estar físico e mental
dos alunos (DGE, 2021). A concretização da Estratégia de Recuperação e Consolidação das
Aprendizagens 21|23 Escola+ altera o referencial de atuação nas escolas em vários aspetos. Sublinha
a (i) necessidade de selecionar intervenções com solidez científica e validação empírica, (ii) apela a
uma visão mais compreensiva do risco, concebido nas esferas da aprendizagem, saúde mental e
socialização, (iii) reforça a necessidade de redefinir a geografia da rede educativa de apoios, centrada
cada vez mais na escola, na família e na comunidade, (iv) apela à necessidade de avaliar o custo-
eficiência das intervenções, através de processos de monitorização e avaliação de eficácia e eficiência
das medidas, e, (v) reitera a importância dos dados e dos resultados da intervenção para tomar
decisões educativas sustentáveis, divulgar boas práticas e realizar investigação. Contudo, as escolas
utilizam referenciais teóricos distintos, e operacionalizam e monitorizam de forma bastante diversa a
implementação das intervenções orientadas para a promoção do sucesso escolar e no combate às
desigualdades, tornando muito difícil compreender a eficiência comparativa das intervenções. A
eficácia das intervenções é indiscutivelmente desafiada pela metodologia de implementação do Plano
de Recuperação de Aprendizagens.

Modelo de Intervenção e Prevenção Escolar - MIPE


Neste capítulo, apresenta-se a arquitetura do Modelo Intervenção e Prevenção Escolar (doravante
designado por MIPE). O MIPE é um Modelo de implementação dos Planos de Prevenção e

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Intervenção Precoce nas escolas (Strein et al., 2003; Weist, 2001), orientado para apoiar o trabalho
de recuperação e de consolidação das aprendizagens e para promover a saúde mental e o bem-estar
dos alunos. O MIPE está concetualmente enraizado na teoria e na evidência empírica (Adelman &
Taylor, 2008; Kellam & Rebok, 1992; Verdasca, 2019; Kratochwill & Stoiber, 2000; 2003). A
qualidade da implementação do MIPE, no quadro da estratégia de recuperação e consolidação das
aprendizagens, assenta em cinco passos sequenciais.
Em primeiro lugar, parte da definição de um Modelo Territorial Integrado de Gestão dos
Apoios à Aprendizagem e da Qualidade dos Ambientes Educativos que confere identidade, estrutura
e coesão às intervenções educativas da rede de apoios local (Barroso, 2018, Ferrão, 2001). O MIPE
subentende uma forte articulação e coesão vertical entre as diretivas político-institucionais que
definem os eixos prioritários de intervenção (European Commission/EACEA/Eurydice, 2015), a
estratégia de coesão e desenvolvimento dos territórios educativos, (Barroso, 2018), a dinâmica e
funcionamento do sistema de apoios na escola (Becker et al., 2009) e o currículo (e.g., Catalano,
2007; Jenson, 2006; Jenson & Fraser, 2006; Romer, 2003; Woolf, 2008; Sugai & Horner, 2006). O
alinhamento interinstitucional legitima a intervenção e confere-lhe integridade e coesão,
perspetivando-a em continuidade, e não em duplicação de respostas já existentes.
Em segundo lugar, apresenta um modelo teórico unificador, com conceitos, definições e
pressupostos homogéneos. O MIPE apresenta uma matriz teórica ecossistémica, ou
desenvolvimentista-contextualista, segundo a qual o desenvolvimento normativo resulta de uma
construção psicossocial assente em processos de interação contínua e cíclica entre pessoa, processo,
contexto e tempo (Bronfenbrenner, 1979, 1995; Broffenbrenner & Morris, 1998; Elder, 1998; Ford &
Lerner, 1992).A sua grelha concetual fundamenta-se na teoria e evidência empírica (Adelman &
Taylor, 2008; Verdasca, 2019), recebendo influências do modelo de Prevenção e Intervenção Precoce
(e.g., Strein et al., 2003; Weist, 2001) das abordagens multinível à prevenção (Adelman & Taylor,
2006; Mrazek & Haggerty, 1994), dos modelos adaptativos de prevenção (Collins et al., 2004) e da
teoria da resposta à intervenção (Fuchs et al., 2003; Hawken et al., 2008).
Em terceiro lugar, e decorrente do pressuposto anterior, desenvolve-se com base em
referenciais compreensivos de triagem universal de risco, que tornem possível agir ao primeiro sinal
de dificuldade. Por risco entenda-se a exposição a experiências desenvolvimentais tóxicas ou
traumáticas nos ambientes proximais que deixam a criança vulnerável a múltiplos fatores de risco
(Masten, 2001; Rutter, 1993), incluindo o menor envolvimento e persistência em atividades de
progressiva complexidade, tais como as tarefas de aprendizagem (Balfanz, 2009; Bronfenbrenner &
Morris, 2006), a experiência de mal-estar psicológico e o desajustamento psicossocial (Cordeiro et
al., 2016).
Em quarto lugar, estabelece um plano multinível de intervenção preventiva, que alinha a
intervenção da rede multidisciplinar de apoios e dos stakeholders da comunidade. As atividades são
implementadas por referência a um modelo sistémico (e.g., Hansen et al., 2004) e ao trabalho

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multidisciplinar de proximidade, segundo o qual os técnicos especializados colaboram com os


agentes educativos para produzir mudança na criança ou no/a aluno/a, partindo das influências mais
proximais (e.g., família, professor) para as mais distais (Ford & Lerner, 2002; Walsh et. al., 2016). A
operacionalização dos princípios de intervenção subentende a implementação de esquemas
compreensivos de compreensão das dificuldades e planos de intervenção, profundamente integrados
e comprometidos com a estrutura e a dinâmica organizacional das escolas com a rede de apoios
educativos local, o funcionamento familiar e o currículo (Devaney, OíBrien, Resnik, Keister, &
Weissberg, 2006; Hawkins, Catalano, & Kosterman 1999; Kusche & Greenberg, 1994; Sugai &
Horner, 2006),
Em quinto e último lugar, o MIPE recorre a sistemas digitais de monitorização contínua com
o objetivo de aferir o progresso da criança e do/a aluno/a e a qualidade do trabalho desenvolvido
(Moreira & Melo, 2005), e, por esta via, determinar o custo-eficiência das intervenções da rede
multidisciplinar e tomar decisões operacionais relativamente aos “Roteiros de Acompanhamento dos
Alunos com risco”. Pretende-se implementar intervenções coesas de promoção da aprendizagem e
inclusão, com elevada continuidade e alinhamento entre os processos de diferenciação pedagógica,
preventiva e terapêutica, que tornem possível adequar os recursos e as oportunidades dos sistemas
sociais às necessidades dos alunos. Prevê-se, ainda, utilizar os dados existentes para criar
conhecimento em torno da construção do sucesso escolar de qualidade, contribuindo com dados
objetivos para realizar estudos de avaliação da implementação e do impacto das intervenções.
Modelo de Intervenção T.E.A.M
O MIPE é implementado de acordo com o Modelo Operacional T.E.A.M., abaixo descrito nas
suas 4 fases constituintes: Track, Evaluate, Activate, Monitor
Fase 1. [T] – Triagem
Na Fase 1 [Triagem], implementa-se o Protocolo Local de Triagem Multidimensional
de Risco através da identificação de fatores de risco e de proteção nas categorias pessoa, processo e
contexto (Broffenbrenner & Morris, 2006). Na categoria “Pessoa” procede-se à triagem de fatores
de risco centrados nas características do(a) aluno(a). Rastreiam-se fatores categorizados nas
dimensões: (1) exigências - disposições comportamentais que influenciam a interação social e o
crescimento psicológico, (2) recursos - competências internas que influenciam o envolvimento em
processos proximais ativos e (3) disposições - resultados motivacionais estimulados pelo contexto,
que incluem a capacidade de se envolver e de persistir em atividades de progressiva complexidade
(Bronfenbrenner & Morris, 2006). Na subcategoria exigências tria-se risco em indicadores de
absentismo escolar, fraco comportamento pró-social e ausência de rotinas de estudo (e.g., Cordeiro
et al., 2020; Legters & Balfanz, 2010; Neild et al., 2007). Na categoria “Recursos”, rastreiam-se
indicadores de risco nas dimensões recursos cognitivos, tais como déficits de atenção (Wolraich et
al., 1998), déficit na memória de trabalho, na capacidade de planeamento, baixa capacidade de
inibição (Thorell & Nyberg, 2008); recursos emocionais, tais como baixa autoestima, baixa regulação

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e imaturidade emocional (Bird & Sultman, 2010; Brown & Sax, 2013; Kratochwill & Shernoff, 2003);
dificuldades de aprendizagem específicas na escrita (Maughan and Carroll, 2006), na consciência
fonémica (Landerl et al, 2019), e sintomas de hiperatividade/impulsividade (Wolraich et al., 1998).
Por último, na subcategoria disposições triam-se indicadores motivacionais, tais como o fraco valor
percebido da aprendizagem, a baixa autoeficácia académica (Bandura, 1977), a orientação para
objetivos extrínsecos de desempenho (Midgley & Urdan, 2001) e a regulação controlada da
aprendizagem (Ryan and Connell, 1989).
Na categoria “Processo”, procede-se à triagem de atividades ou da qualidade das interações
recíprocas, face-a-face e de influência recíproca e duradoura entre a criança e o ambiente imediato
(Brofenbrenner & Morris, 1998; Kelly et al., 2000). Neste âmbito, tria-se risco em indicadores de
desajustamento psicossocial entre pares, incluindo a baixa vinculação ou rejeição pelo grupo de pares
e o relacionamento com pares antissociais (e.g., Christenson & Havsy, 2004; Christenson et al.,
1992). Integra ainda indicadores de comportamento interpessoal em sala de aula tais como a má
relação professor-aluno/a nos primeiros anos de escolarização (Howes et al., 1994; Meehan et al.,
2003), pese embora, neste caso, o efeito pareça ser mediado pelo fraco envolvimento escolar do
aluno na aprendizagem (Fortin et al., 2004; Furrer & Skinner, 2003). Por último, a categoria
“Contexto” refere-se às características dos ambientes sociais e às oportunidades de aprendizagem
que lhes estão associadas (Ponitz et al., 2008). O microssistema, que se refere às relações que o aluno
estabelece com o meio circundante imediato, evidencia sinais de risco através dos indicadores baixo
envolvimento parental no apoio à aprendizagem e o clima motivacional de sala de aula
predominantemente orientado para objetivos de desempenho (Midgley, 2002). No mesossistema,
que observa a interação entre dois ou mais microssistemas em que a criança está inserida, tria-se
risco no indicador baixo envolvimento entre sistemas de socialização primária.
A triagem criterial de risco é feita a partir do Sistema Integrado de Triagem Universal de
Risco (SITUR), em duas fases sequenciais, designadas por sinalização do(a) aluno(a) para apoio e
análise do perfil de risco. A identificação do aluno(a) para apoio apresenta-se em duas modalidades.
Na primeira modalidade, o/a professor/a: (i) identifica possíveis barreiras à aprendizagem e à
inclusão ou necessidades de saúde especiais no(a) aluno(a), (ii) obtém consentimento informado
junto da família para a sinalização do(a) aluno(a), (iii) preenche o formulário de encaminhamento
(sistema T.E.A.M), e, (iv) informa a Equipa Multidisciplinar de Apoi à Aprendizagem e à Educação
Inclusiva - EMAEI do encaminhamento. De seguida, a entidade para quem foi sinalizada a criança,
procede à triagem técnica multidisciplinar do (a)s aluno (a)s sinalizado (a)s, traça o perfil e o nível de
risco do aluno, atribui-lhe uma prioridade de intervenção por área de especialidade (1= Alta;
2=Moderada, 3=Baixa), e toma uma decisão relativa à modalidade e intensidade da intervenção.
Deste procedimento resulta uma lista seriada de alunos para intervenção, por área de especialidade e
modalidade de intervenção, que é apresentada e discutida com o professor titular de turma. A lista
final de alunos em acompanhamento é, então, apresentada ao coordenador da Equipa

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Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva com o propósito de construir uma visão partilhada
dos casos em acompanhamento.
Fase 2. [E] - Exploração
Procede-se à exploração das dificuldades nas dimensões de risco triadas através de Protocolo de
Avaliação Multidisciplinar (PAM). O PAM congrega elementos de avaliação sumativa e de
avaliação referenciada a critérios, estabelecendo uma linha de continuidade entre a avaliação de
competências, as aprendizagens essenciais e os resultados escolares. De acordo com este protocolo, a
intervenção apresenta níveis de intensidade adaptativos, significando que a intensidade da
intervenção será progressivamente maior quando se observou uma resposta ineficaz a intervenções
implementadas em sistemas de apoio inferiores.
O processo de avaliação das dificuldades apresenta 4 etapas não sequenciais. São elas, a (i) análise
documental (processo individual do aluno, relatórios psicológicos e exames médicos), a (ii) consulta
de múltiplas fontes de informação (entrevistas a pais e professores, assistente operacional e outros
técnicos com intervenção anterior), (iii) a observação naturalista não participativa, (iv) a
administração de testes referenciados a normas, e, (v) a obtenção dos registos de avaliação do último
período letivo em análise.
Os resultados do processo de avaliação, bem como o “Roteiro de intervenção do aluno em risco”
são sistematizados no Relatório de Avaliação Multidisciplinar (RAM), e refletidos com
professor titular de turma e com o encarregado de educação, com o objetivo de tomar decisões
relativas ao planeamento da intervenção. Decide-se, especificamente, quanto à necessidade de ativar
uma resposta técnica multidisciplinar e, em caso afirmativo, decide-se se essa resposta é acionada
pela equipa multidisciplinar, ou se o caso é encaminhado para respostas da escola ou da
comunidade. No caso de a criança ser encaminhada, ativa-se o Protocolo de Encaminhamento
com base em critérios pré-estabelecidos. O modelo de encaminhamento garante eficiência na
comunicação e celeridade na resposta, no quadro de uma tomada de decisão colaborativa que
envolve o(a) técnico(a), o professor titular de turma, a família e os representantes da rede de
respostas da comunidade. Com a partilha eficiente de procedimentos de avaliação e intervenção é
evitada a duplicação de procedimentos, respeitando-se o princípio da perturbação mínima das
rotinas de ensino e de aprendizagem.
Fase 3. [A] - Ativação
Ativa-se o Protocolo de Intervenção Multinível (PIM) com o objetivo de implementar o
“Roteiro de intervenção do aluno em risco”. A modalidade e a intensidade da intervenção assentam
numa organização por nível de risco - Universal, Seletivo e Adicional (Diário da República, 2018).
Podem assumir uma tipologia de intervenção multicomponente, com integração horizontal, ao
apoiar um grupo particular de alunos com o mesmo nível de risco dimensional ou de intervenção
multinível com integração vertical quando se verifica uma intervenção em várias competências com
níveis de risco diferentes (Hawkins et al., 1999).

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A intervenção inscrita no MIPE organiza-se em três sistemas multinível (Alderman & Taylor,
2008). O primeiro sistema, designado Sistema de Promoção e Prevenção, destina-se a grupos
ou turmas que não foram identificados com base em fatores de risco individuais. Inclui atividades de
Intervenção Preventiva Universal (IPU), orientadas para reforçar os fatores de proteção do sucesso
escolar e incrementar a qualidade das práticas de instrução no quadro de uma perspetiva de
desenvolvimento saudável da personalidade (Pittman & Cahill, 1992). Incluem-se, neste âmbito,
ações de rastreio, promoção ou reforço e consolidação de uma ou mais competências inscritas no
perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória - PASEO (Martins et al., 2017), bem como ações
de capacitação da comunidade educativa, destinadas a apoiar as práticas de instrução, estimular a
aprendizagem da leitura e da escrita, promover o comportamento pro-social e o desenvolvimento
socioemocional dos alunos (Pittman & Cahill, 1992; Greenberg & Kusché, 2006).
O segundo sistema, designado Sistema de Intervenção Precoce inclui atividades
estruturadas de Intervenção Preventiva Seletiva, implementadas sob a forma de apoio direto
individual, em pequeno grupo (heterogéneos ou de nível), junto de crianças/aluno (a)s rastreados ou
já sinalizado (a)s com BAI ou sintomas prodrómicos de disfunção ou sintomatologia clinicamente
relevante, e que não responderam positivamente a medidas universais (Bierman, 1986; Catalano,
2007; Jenson, 2006; Romer, 2003; Woolf, 2008). Inclui, ainda, sessões de consultoria ou
capacitação de professores, famílias ou assistentes operacionais destes alunos (ex: programa de
treino parental com crianças com problemas de comportamento).
O terceiro sistema, designado Sistema de Apoio Intensivo apresenta dois níveis de
intervenção. O primeiro nível, de Prevenção Indicada, descreve as atividades de apoio direto
individualizado e sistemático com alunos/as que, mesmo com os esforços ou atividades de prevenção
seletiva não responderam ao tratamento. O segundo nível, de Intervenção Intensiva, descreve as
atividades de apoio direto individualizado com crianças com necessidades de saúde especiais ou
diagnóstico documentado de perturbações que interferem com a aprendizagem e ajustamento
escolar, e que não responderam positivamente a intervenções seletivas. Integra, ainda, intervenções
de consultoria ao pessoal docente e não docente e programas de treino parental aplicados no formato
individual, destinados a generalizar os ganhos terapêuticos, eliminando barreiras contextuais à
implementação de intervenções (Domitrovich et al., 2008; Han & Weiss, 2005).
Fase 4. [A] - Monitorização
Ativa-se o Protocolo de Monitorização e Avaliação da Intervenção (PMAI) dos “Roteiros
de Acompanhamento dos Alunos com risco” com o objetivo de implementar um sistema de
monitorização sistemática da eficiência da implementação e dos resultados da eficácia da intervenção
(ver abaixo, para descrição; Proctor et al., 2011). A monitorização da intervenção é feita a partir de
um Sistema de Registo da Intervenção (SRI) com registo das ações isoladas ou sistemáticas de
intervenção realizadas pela equipa técnica multidisciplinar. Os resultados no progresso das
competências e nos resultados escolares dos alunos são sistematizados em Relatórios de

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Avaliação da Intervenção (RAI) com valor informativo para apoiar processos de avaliação da
eficácia e custo-eficiência da intervenção. A recolha assume, assim, uma modalidade iterativa.
No MIPE, a avaliação da intervenção integra as componentes de “Avaliação do planeamento,
Avaliação do Processo, e Avaliação dos resultados” (Moreira e Melo, 2005; Kröger, 1998; Proctor et
al., 2009). A “Avaliação do Planeamento” recolhe e analisa evidências que permitem verificar em
que medida o plano de intervenção respondeu às necessidades diagnosticadas. O planeamento
integra vários parâmetros, incluindo (1) a justificação da necessidade da intervenção preventiva, (2)
o enquadramento concetual e a explicitação de hipóteses (3) a definição de objetivos claros e
operacionalizáveis, (4), a descrição do grupo-alvo, e, (5) a descrição das metodologias de
investigação/ação, considerando os recursos disponíveis e os resultados esperados. A “Avaliação
do Processo de Implementação” avalia o cumprimento da estrutura de implementação constante
no plano original, através da recolha sistemática de dados. Visa explicar o “quê”, o “porquê” da
intervenção, bem como “quanto” e “como” a intervenção foi eficaz. Inclui as respostas dos
participantes à intervenção, incluindo a aceitação, concordância e satisfação com cada atividade, o
custo do processo de implementação; a adequação da intervenção ao contexto e à dinâmica dos
apoios; a viabilidade da implementação do programa, com sucesso, no contexto; a fidelidade,
referindo-se à adesão, extensão e a qualidade da implementação do programa; a permeabilidade, ou
o grau de integração do modelo de intervenção nos serviços e processos da escola e a adoção ou
transferência de conhecimento, práticas e utilização de ferramentas. A avaliação da eficácia ou
impacto da intervenção específica os efeitos do programa, isto é, em que medida a intervenção
alcançou os resultados esperados, tendo em conta os objetivos traçados. Os resultados do processo
de avaliação permitem quantificar o progresso nos indicadores dimensionais, investigar a sua relação
com as trajetórias de insucesso escolar e fazer recomendações relativamente à organização do
trabalho futuro, criando um referencial objetivo para tomar decisões informadas quanto à forma e
continuidade da intervenção, avaliar a eficácia do trabalho desenvolvido (e.g., Daleiden & Chorpita,
2005) com vista a melhorar a prática (e.g., Bickman, 2008) e determinar a sua sustentabilidade ao
longo do tempo (ver Proctor et al., 2011).
Todas as fases da Intervenção preventiva do MIPE são apoiadas pelo Sistema Digital T.E.A.M.
O sistema T.E.A.M. integra (i) o Sistema Integrado de Triagem Universal de Risco, (ii) o Protocolo de
Avaliação Técnica (PAT) Multidisciplinar, (iii) o Protocolo Multinível de Apoio à Aprendizagem e à
Inclusão, e o (iv) Protocolo de Monitorização e Avaliação da Intervenção. Desta forma, assume-se
como um ecossistema digital de suporte à implementação, acompanhamento e avaliação dos
“Roteiros de Acompanhamento dos Alunos com risco”.

Conclusão
Apresenta-se neste capítulo, o Modelo de Intervenção e Prevenção Escolar (MIPE). O MIPE surge
da necessidade de definir planos personalizados de resposta às necessidades individuais dos alunos,

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agora contextualizados num cenário de regresso à escola marcado pelo impacto da COVID-19
(Ministério da Educação, 2020). O MIPE alinha-se com a proposta lançada junto das escolas pela
Unidade de Missão do Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE) de criação de
planos de promoção do desenvolvimento pessoal, social e comunitário das crianças e aluno (a)s
sendo sua missão a de recuperar e consolidar aprendizagens e promover o bem-estar e a ligação à
escola.
O MIPE apresenta uma matriz concetual baseada na teoria e evidência empírica, inscrita no
âmbito de modelos ecológicos de compreensão do desenvolvimento humano. A matriz sistémica
subjacente ao modelo de intervenção do MIPE reflete uma abordagem compreensiva e integradora
ao trabalho preventivo, com forte inscrição na dinâmica do funcionamento escolar, contribuindo
para consolidar sistemas de apoio cada vez mais articulados e flexíveis, que facilitem a aproximação
da escola à família e à comunidade. Adicionalmente, o seu alinhamento com modelos de intervenção
multinível e adaptativos deixa clara a intenção de promover o alinhamento e a continuidade do
trabalho preventivo e terapêutico, de forma dinâmica e versátil, quando permite ajustar a
modalidade e a intensidade da intervenção ao nível de risco avaliado em cada dimensão.
O modelo operacional do MIPE apresenta rigor metodológico, com um elevado grau de estrutura
e detalhe do modelo de implementação. Este facto, mais do que complexificar ou criar entropia à
fluidez da intervenção, cria um referencial objetivo que permite tomar decisões operacionais com
maior segurança, incluindo aquelas que se prendem com a seleção da população-alvo, bem como das
modalidades e intensidade da intervenção. Por outro lado, a ancoragem dos processos de tomada de
decisão da intervenção em dados quantificáveis, obtidos a partir de indicadores de risco e de
proteção com definições homogéneas e validação empírica, permitem criar um referencial objetivo
de avaliação do custo-eficiência da intervenção, para, a partir dela, informar decisões políticas
quanto à qualidade e sustentabilidade dessa intervenção ao longo do tempo.
A concretização do MIPE em sistemas de intervenção estimula a inovação organizacional, no
sentido em que suscita a reflexão em torno da adequação dos recursos e oportunidades do sistema
escolar às necessidades individuais, com vista a potenciar o seu efeito aditivo na recuperação das
aprendizagens e na promoção do bem-estar, no ajustamento e na saúde psicológica positiva. Implica,
igualmente, uma forte articulação vertical entre técnicos, professores e lideranças escolares,
integradora de aprendizagens e saberes implementados por uma metodologia de trabalho
colaborativo.
Por último, ao preconizar a utilização de sistemas de monitorização sistemáticos dos resultados, o
MIPE torna possível avaliar a qualidade e eficiência do planeamento, da implementação e dos
resultados da intervenção, bem como aferir a congruência do desenho da mesma, promovendo a
convergência de saberes e metodologias. A (des) construção das certezas em cenário de pandemia é
uma oportunidade para desafiar paradigmas e inovar práticas na escola. Adotar o MIPE acrescenta a
possibilidade de o fazer com foco, estrutura e método.

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INTELIGÊNCIA, CONHECIMENTOS E ATITUDES, PARA SABER SER

PAULO JORGE ALVES

INSTITUTO PIAGET, VISEU, PORTUGAL.

Introdução
A aprendizagem, como atividade e atitude, encontra-se universalmente identificada com a
aquisição do conhecimento e o alcance do sentido ético. A primeira está afeta ao uso da inteligência e à
competência do saber-saber e do saber-fazer; a segunda apresenta-se vinculada à sapiencialidade do
saber Ser. O êxito do ato educativo exige, por conseguinte, a harmoniosa e substancial síntese entre os
conteúdos, os processos e a disponibilidade, por parte de quem ensina e por parte de quem aprende,
para um compromisso com a verdade racionalmente confirmada, com o bem e com o belo. Assim, a
consecução do fim último do ato educativo há de encontra-se no esforço de uma cultura e de uma
comunidade (familiar, escolar…) nevralgicamente centradas na descoberta, construção e utilização do
conhecimento, na edificação e na dignificação da condição humana dos seus membros. A pessoa é
aquilo que é pela educação; o valor e a riqueza de um povo residem indiscutivelmente no nível e na
qualidade da formação dos seus membros (Veiga, 2019). Alcançar a verdade das coisas, poder usufruir
desta verdade e com essa verdade poder alcançar aquilo que na condição humana (Humanidade) lhes
está disponível, apresentam-se como o desafio e a recompensa mais gratificantes para os educadores,
assim como os fatores motivacionais mais operantes nos educandos.
Qualificativos ímpares da natureza e da condição humana, a inteligência e os conhecimentos por
ela produzidos compreendem características e potencialidades que estão longe de serem totalmente
conhecidas e, sobretudo, utilizadas. No mesmo sentido, se confirma a certeza de que estas duas
entidades necessitam de ser cuidadas. Na convicção de Edgar Morin o que “não se regenera,
degenera” e a sobreposição de conhecimentos em vez da sua articulação, o simplismo do pensamento
em vez do uso da sua incontornável complexidade (Morin, 1995), a ausência da reflexão sobre o
funcionamento da inteligência e a diferenciada natureza do conhecimento, podem conduzir a um
pensamento mutilado e este a decisões erradas e ilusórias.
Esta convicção é tanto mais evidente quanto mais constatamos que a abundância das
oportunidades e dos meios de acesso à informação e ao conhecimento, o ritmo vertiginoso que estes
produzem em todos nós, podem muito bem-estar a produzir uma “era de vazio” nas crianças e nos
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adolescentes, educandos e educadores, sobretudo naquilo que se refere a uma autêntica experiência
existencial (Alves, 2019). Acontece que o segredo para a liberdade, a paz e a prosperidade de um Povo
(comunidade) residem, acima de tudo, na qualidade do seu Sistema Educativo e no nível de educação
dos seus cidadãos, na qualidade da inteligência e no estilo de pensamento que são colocados ao
serviço da vida que estes constroem ou destroem, o que experienciam e são capazes ou incapazes de
partilhar.
Neste sentido, importa recordar que o modelo teórico piagetiano é mundialmente reconhecido
como referência psicológica e pedagógica na tradução da natureza comportamental do ser humano, na
compreensão dos processos de aprendizagem e aquisição do conhecimento, sobretudo no que se
refere à natureza e à estrutura cognitiva. Para Jean Piaget (1896-1980) a inteligência é o que a pessoa
usa quando não sabe o que fazer, o conhecimento não pode ser uma cópia, visto que é sempre uma
relação entre objeto e sujeito, e a educação deve proporcionar a criação de coisas novas. No entanto,
ainda que as suas propostas sejam universalmente valorizadas, temos assistido nas últimas décadas à
apresentação de algumas abordagens complementares e ao desenvolvimento de algumas propostas já
equacionadas como prováveis na sua teoria explicativa das diferentes formas de inteligência e do
desenvolvimento cognitivo, nomeadamente as relações entre as abordagens criativas, analíticas,
práticas e baseadas na sabedoria como bases para soluções de problemas (Sternberg, et al. 2021).
O movimento metacognitivo e pós-formal, integrado no paradigma Life Span (Baltes & Smith,
2004) foi crescendo em reconhecimento e influência nas atuais teorias de desenvolvimento cognitivo.
Este movimento incide particularmente sobre a possibilidade e os benefícios da consciencialização por
parte das crianças e adolescentes, a capacidade de compreensão sobre a própria aprendizagem e sobre
o efeito que tal disposição exerce na qualidade existencial do sujeito. A partir da relação entre a
situação real do que é atualmente a educação e aquilo que é possível neste domínio, esta abordagem
tem enviado uma mensagem muito importante aos professores: devem tornar os alunos conscientes
da própria aprendizagem a fim de melhorarem a qualidade da mesma e particularmente a sua
qualidade de vida, ou seja, devem estar absolutamente conscientes do como, do porquê e do para que
serve a aplicação do conhecimento. Sem o integrar desta reconhecida necessidade de
consciencialização, a inteligência e o conhecimento, consequentemente a educação e a aprendizagem,
podem resultar num exercício sem sentido e recheado de vazio (Best, 2020). Neste contexto,
salvaguardando as devidas diferenças e condicionantes, tem-se proposto a assimilação e o
desenvolvimento das características próprias do domínio pós-formal do conhecimento humano,
vulgarmente designado como “sabedoria” para os ciclos de desenvolvimento mais iniciais. A
sabedoria pode ensinar-se às crianças e aos adolescentes tornando a inteligência, o conhecimento e as
atitudes em ferramentas para o saber SER.

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Desenvolvimento
A qualidade e o equilíbrio da prestação existencial estão indiscutivelmente associados à qualidade
da aprendizagem, sobretudo àquelas experiências que nos marcam de forma mais significativa.
Sabemos que a identidade (presente) é intrinsecamente suportada pelas memórias (passado) e que
cada ser humano acaba por experienciar e (re) produzir no seu dia-a-dia aquela que foi a sua história
educativa. Trata-se de experiências, aprendizagens, dores, contextos, fracassos e vitórias, que ao longo
do tempo concorreram para a edificação da estrutura da “pessoa” que é cada um de nós (Candau,
2014). Ainda que discordemos da incidência psicanalítica mais determinista, a criança é efetivamente
em muito o pai do adulto; o adulto é em muito o filho da criança. A realidade do “hoje” de cada
indivíduo terá de encontrar-se na construção interativa da informação genética, que nos foi
transmitida pelos progenitores, com a influência que o meio sobre nós exerceu ao longo de um tempo.
Neste sentido, a infância e a adolescência revestem-se de uma particular apetência para o registo
de marcas que, na vida de cada um de nós, se tornam atemporais. Neste período dourado do
desenvolvimento humano cada ser está especialmente disponível e necessitado para acolher tudo
quanto através do ato educativo, mais ou menos formal, possa alimentar uma estrutura em
incontornável desenvolvimento (Monteiro, et al., 2020). A estrutura bio-psico-socio-axiológica que
nos constitui reclama e agradece, de forma muito especial nestes períodos do desenvolvimento
humano, tudo quanto possa contribuir para a edificação do sujeito.
Ora, nas mais diversas tradições educativas dos povos encontram-se disposições pós-formais de
pensamento que mundialmente são assumidas como sérias concorrentes para a “arte existencial”,
uma forma de ser que se revela não tanto na exposição teórica, no conhecimento factual, mas
sobretudo na capacidade de conduzir a vida da melhor forma (Marchand, 2002). Trata-se de uma
qualidade de Ser, uma potência interior que, servindo-se da inteligência, produz conhecimentos e
experiências que se orientam para lá daquilo que a própria inteligência de forma direta consegue
proporcionar. Trata-se de disposições existenciais que se manifestam através de uma grande abertura
a tudo aquilo que existe, uma disponibilidade para o crescimento individual no espaço do “nós” e uma
bondade excecional, são “a jóia e o cume da evolução cultural e da ontogénese humana” (Baltes &
Staudinger, 2000).
Esta postura existencial, reportando-se a vastos e especiais corpos de conhecimento, é igualmente
tocada pela consciência sobre os limites e pela transitoriedade do que em cada época é alcançado.
Ainda que partindo de interpretações diferentes, os mais diversos paradigmas testemunham a inter-
relação entre as coisas e os acontecimentos, situando na fonte criadora ou na plenitude cósmica o
sentido da vida, do desenvolvimento e da atividade humana. Esta disposição de aprendizagem revela-
se na capacidade de nos libertarmos do mal sob todas as suas formas: não somente da ignorância, do
erro e da ilusão, mas também do sofrimento, da tristeza, da maldade, do desânimo e do ódio (Alves,
2011). Esta inteligência, o conhecimento e as atitudes por ela apoiadas, funcionam a partir de uma
sincronização da pessoa com tudo aquilo que existe e de um ritmo cardíaco comum.

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Na história literária e bíblica do Povo Judeu esta disposição humana encontra-se na inteligência
utilizada pelo tecelão e pelo marceneiro (Êx. 28,3); na esperteza da mulher que salva a sua terra (2
Sam. 20, 16-22); na arte de bem governar (Núm. 11, 17) e na astúcia de conseguir o melhor proveito
das circunstâncias (Sab. 10, 9-12). Nos livros sagrados este princípio dinâmico da existência enobrece
os velhos, orienta os jovens, faz da mulher um tesouro e do lar um céu. Utilizando o conselho (Pr.
8,14), a correção e a disciplina (Pr. 5, 12-23), convidando à reflexão (Pr. 3, 21) e exortando à prudência
(Pr. 2, 23).
Na perspetiva filosófico-teológica que atravessou toda a Idade Média encontramos o domínio da
excelência existencial identificado quase sempre com uma forma superior de conhecimento; não é um
simples saber, antes o domínio do saber, uma verdadeira arte de viver, cujo êxito estava ordenado
para a vida Bela, a vida Verdadeira, a vida Boa (Barros, 2005). A segurança daquele que usa este tipo
de conhecimento reside na liberdade resultante da compreensão clara das coisas, na consonância
entre a compreensão da realidade e o comportamento assumido, e no acolhimento do Espírito. O
sábio é o único que se basta a si próprio para ser feliz, é o mestre de si próprio porque alcançou a
questão fulcral da existência humana: “como viver?”.
No mesmo sentido se poderá encontrar esta orientação educativa, proposta também para as idades
mais precoces, na filosofia, pedagogia e cultura Oriental. A essência dos ensinamentos de Confúcio, a
Educação Superior, reside no princípio da “Humanidade” compartilhada (Sivananda, 2005), amando
as pessoas enquanto elas crescem e vivendo sempre no sentido do bem. Os seus ensinamentos
previam a transmissão de normas de conduta, como o esforço constante para cultivar a estrutura da
personalidade e estabelecer assim a harmonia do corpo social. A inteligência e a atividade educativa
estavam ao serviço da “revolução”: dando destaque ao direito e ao dever das decisões pessoais;
promovendo a inclusão, com particular atenção e disponibilidade para os indivíduos comuns. Toda a
pedagogia estava orientada no sentido do predomínio do viver sobre o pensar. O pensamento surge da
vida e dela recebe a explicação e até a fecundidade.
Nas conclusões da Filosofia contemporânea encontra-se a tensão constante na direção da
totalidade que permite romper o mecanismo da quietude e penetrar no espaço da vicissitude
existencial, em que qualquer realidade pode ser conhecida. A conceção filosófica contemporânea
apresenta uma visão da existência em que a multidimensionalidade agita ferozmente a natureza e o
próprio homem. Através do uso equilibrado de todos os instrumentos do saber (aritmética, geometria,
música, lógica, poesia, astrologia, física, ética...) a pessoa pode orientar-se no universo complexo do
conhecimento e alcançar a unidade ontológica. Este caminho do conhecimento pressupõe o uso da
razão, da ciência e da sabedoria (Luises, 2006). Este conhecimento não habita em lugares comuns,
por isso são necessárias a persistência, a dedicação e a humildade, para lá chegar.
A primeira grande abordagem experimental, no contexto da Psicologia Positiva, ficará por certo a
deve-se a Sternberg (1990) que na sua obra “Sabedoria: Natureza, Origem e desenvolvimento” a
apresenta de forma estruturada e com inclinação empírica. Os estudos produzidos por Baltes e

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Staudinger (2000), na preocupação de conceptualizar esta realidade, procedem a uma descrição das
componentes que a constituem. Constatam que esta “arte existencial de Ser” se situa em níveis muito
altos de funcionamento humano, representado, por isso, o objetivo último do desenvolvimento e da
aprendizagem. Afirma-se a relação coordenada e equilibrada entre as componentes cognitiva, afetiva e
motivacional, constituindo a sua aquisição o fim supremo do desenvolvimento humano, ao longo de
todas as idades (Barros, 2005). No progressivo desenvolvimento dos ciclos de vida, a ação é cada vez
mais precedida da reflexão e seguida da análise das consequências sobre a própria ação.
A inclinação experimental intensificou-se nos últimos anos, dado o interesse declarado dos
psicólogos cognitivistas nos aspetos positivos do desenvolvimento e da aprendizagem. Esta condição
qualitativa é estudada e proposta pelos psicólogos do desenvolvimento e da educação como o
elemento que confere humanidade e universalidade à pessoa, como condição para a elevação da
pessoa ao seu melhor ser, como a esperança de uma sociedade que deve privilegiar o uso da mente e a
prática das virtudes. A investigação (Alves, 2011; Baltes & Staudinger, 2000; Sternberg, 2004) vai
revelando correlações significativas entre os níveis desta disposição da inteligência e das atitudes
com os níveis de satisfação com a vida; relações significativas com a harmonia, a afetividade humana,
a natureza e a espiritualidade; ela aparece implicitamente relacionada com a experiência de vida, o
controlo emocional, a reflexão, a abertura de espírito ou simplicidade e a satisfação.
Confirma-se como uma habilidade para refletir o próprio pensamento e aprender os processos que
lhe estão subjacentes. O conhecimento metacognitivo é aquele que reporta aos fatores ou variáveis que
agem e interagem de modo a afetar o curso e o resultado dos empreendimentos cognitivos. Sternberg
(2004) compara a sabedoria às habilidades metacognitivas requeridas para identificar e resolver os
problemas. Neste sentido, a sabedoria estaria sempre direcionada para alcançar um bem comum.
Maxwell (2004) diz que a sabedoria pode ser considerada como uma meta-capacidade, que nos
permite ordenar as nossas habilidades mais específicas e as capacidades para tal, em geral, nós
podemos utilizá-las para perceber o que é de valor em diversos contextos específicos. Porém, não se
trata de uma conclusão absolutamente unânime, atendendo a que, por exemplo, Sternberg (1990)
defende que a pessoa sábia supera o que é designado frequentemente como pensamento
metacognitivo.
Na análise exploratória desta temática constatamos que Sternberg (2000) confirma ainda as
qualidades deste tipo de disposição numa relação muito implícita com juízo ético-moral. Com efeito,
este juízo moral é exigido pela solução do problema e das questões que não se atingem ou
compreendem se não a partir da aplicação do princípio moral. Neste contexto, situamos o contributo
de diversos investigadores que, no iniciar deste século, nos ofereceram a evidência persuasiva de uma
Inteligência Espiritual (Emmons, 2000; Sisk & Torrance, 2001, Zohar & Marshall, 2001; King, 2002).
O modo espiritualmente inteligente de resolver qualquer problema, teórico ou prático, é colocá-lo
numa perspetiva ampla a partir da qual se vê com maior claridade. A perspetiva de conhecimento
mais profunda é a que emana do centro, do último significado ou valor que inspira essa situação ou

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problema. Assim, a IES (Spiritual Intelligence) é percebida como a capacidade interna e inata do
cérebro e da psique humana que extrai os seus recursos mais profundos do miolo do próprio universo.
Nos estudos (Alves, 2007, 2011) que tiveram como objetivo a construção de uma escala destinada a
aferir os conceitos e fatores associados à Sabedoria. Os resultados obtidos a partir da aplicação da
Escala Sobre Sabedoria revelaram não só as suas adequadas propriedades psicométricas, mas
permitiram-nos confirmar a existência dos três fatores (inteligência, personalidade e transcendência)
distribuídos pelos seguintes itens:

Fatores Itens
Simplicidade
Serenidade
Valores associados à Personalidade Bondade
Controlo emocional
Capacidade de perdoar
Humor
Capacidade de resolver problemas
Ajuizar bem
Valores associados à Inteligência Reflexão
Conhecimento Abundante
Resposta a situação imprevista
Saber envelhecer
Vida para além da morte
Relação com o transcendente
Vontade transcendente
Valores associados à Transcendência
Atitude espiritual
Existência e poder de Deus

A habilidade de fazer boas escolhas, o ter uma clara compreensão do que está envolvido ao
fazermos boas escolhas, é hoje especialmente importante. O poder e a influência da sociedade para
controlar as nossas vidas e afetar toda a nossa existência, terá aumentado em ordem de magnitude nas
últimas décadas. Precisamos de responder seriamente a este desafio e controlar esse poder que sub-
repticiamente nos escraviza e impede de beneficiar da totalidade e valores da nossa natureza humana
(cognitiva, afetivo-emocional e espiritual).
Neste sentido, propomos a descoberta e sobretudo a utilização dos domínios pós-formais da
inteligência como caminho de mais humanidade, dimensão através da qual se há-de elevar no
educando a riqueza e a beleza da sua humanidade. A evidência empírica é certamente a exigência
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necessária para que tal se torne uma realidade, um método para as escolas ou uma ação que é na
realidade usada pelas pessoas, em público e nos papéis pessoais, a fim de beneficiarmos da totalidade
da nossa humanidade. As escolas precisam de ensinar a saber Ser e não apenas a recordação factual e
os superficiais níveis de consulta e de análise. Necessitamos de ensinar aos alunos a importância de
adquirir conhecimentos, não apenas a quantidade do que sabem, mas como usam esse conhecimento.
A Educação pode e deve ajudar a tornarmo-nos mais humanos (Savater, 1997). Há falta de sabedoria
educacional no ensino escolar, falta o investimento em dimensões que conferem à educação e à
aprendizagem aquela liberdade, responsabilidade, harmonia, criatividade e bondade que fazem com
que a vida seja “Verdadeira, Boa e Bela”.
Como já atrás referimos a excelência do saber Ser está empiricamente conotada com o pensamento
pós-formal, ou seja, um nível de desenvolvimento cognitivo-existencial que supera o nível mais
elevado dos estádios cognitivos formulados por Piaget, o nível das operações formais (Alves, 2011);
está associada ao adiantado estado de desenvolvimento da personalidade (Kunzmann & Baltes, 2003;
Maxwell, 2007); remete para disposições de acolhimento e relacionamento com a transcendência
(Bianchi, 2005). Consideramos, portanto, necessário e urgente que se desenvolvam e promovam em
cada pessoa, assim como na consciência coletiva, as marcas da sabedoria através do investimento na
promoção da inteligência humana, na valorização das características da sua personalidade e no
acolhimento do transcendente.
Sternberg (2004) num excelente exercício projetivo daquilo que poderia ser a orientação educativa
nos Estados Unidos da América, aponta para quatro alternativas reais de incremento do domínio pós-
formal da inteligência humana no sistema de ensino. Uma das possibilidades aponta para o
conhecimento enciclopédico generalizado. Este caminho abre espaço à generalização do
conhecimento, a partir da abundância e disponibilidade excecional da informação e da memorização
de acontecimentos, não apenas da sua consulta. Claro que as crianças ou os adultos necessitam de
uma base de conhecimentos a partir dos quais é possível pensar e viver. Mas há que estabelecer uma
diferença entre uma base sólida e esclarecida de conhecimentos e o muito comum reservatório de
informação. Esta via conta e depende claramente do contributo e das oportunidades que as novas
tecnologias de informação e comunicação disponibilizam ao sujeito, concretamente a internet,
associadas a um espírito crítico que requer a hábil análise, a capacidade de avaliação e a interpretação.
Neste contexto, urge a tarefa de promover informações que devem ser armazenadas de forma
organizada, para que se tornem facilmente recuperáveis quando necessárias. O saber com base numa
coleção de conhecimentos sem conexão e a integração dos factos dificilmente constituirá uma boa
orientação educativa. Na linha de pensamento preconizada por Jean Piaget, o processo de ensino-
aprendizagem deveria ocorrer num ambiente favorável à cooperação, à discussão, à crítica mútua, à
reflexão dos problemas levantados pela troca de informação. A partilha desta convicção e sobretudo a
experiência de vários anos de lecionação no Ensino Superior levam-nos a admitir que, em grande
parte, os nossos sistemas educativos estão hoje a facilitar o “copy-paste”, ficando os alunos altamente

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vulneráveis às falácias cognitivas. Diríamos que vivemos na civilização do uso do conhecimento, mas
não da sabedoria, um conhecimento temperado pelo juízo crítico e pelo envolvimento pessoal no
alcance de uma boa solução (Ferreira & Alves, 2011).
Reportando-se a esta realidade, Stanovich (2002) usa o termo “dysrationalia” para descrever este
tipo de pensamento que as pessoas exibem quando não pensam criticamente. Os alunos podem aceder
a uma infinitude de informações falaciosas que estão disfarçadas de conhecimento, sem que tenham a
capacidade de destrinçar o que é verdadeiro conhecimento e o que é “lixo” informativo, pensamento
simplista no qual se sentem confortáveis sobretudo porque não constitui qualquer tipo de desafio à
atividade reflexiva do sujeito. Quando somos educados no sentido de confiarmos somente nas nossas
recordações mais recentes, em vez de nos fundarmos no pensamento crítico, ficamos mais suscetíveis
de cometer uma variedade imensa de falácias indutivas quotidianas, particularmente falácias de
relevância. Estas estão mais comprometidas quando as premissas de um argumento não têm
nenhuma expressão na sua conclusão, ou seja, quando a conclusão for irrelevante quanto à
possibilidade de argumentar a forma como chegamos até ela.
Uma outra alternativa equacionada para o futuro educativo dos povos é a designada “the ideal of
the critical thinker”. Esta perspetiva pressupõe uma clara aposta no pensamento crítico, na
capacidade de resolver problemas, decompondo e construindo o processo de solução: reconhecendo a
existência do problema; definindo a natureza do problema; representando o problema mentalmente,
utilizando recursos mentais e físicos para a solução do problema; formulando uma estratégia para
resolver o problema; monitorizando a solução do problema, e avaliando o resultado mesmo depois de
ter alcançado a solução. O objetivo seria não apenas aplicar estes processos nos problemas escolares,
mas também nas situações mais comuns do dia-a-dia.
Neste sentido, deveríamos promover as faculdades individuais para poder criar, inventar,
descobrir, explorar, imaginar e problematizar. Os estudantes poderiam ser melhores se
desenvolvessem a capacidade de interpretar a perspetiva dos outros, confrontando-a
permanentemente de forma crítica e flexível. O pensamento flexível (Spiro, 1987) ou o conhecimento
na ação (Schon, 1987) não pode ser considerado como um luxo, ele é uma necessidade premente na
vida de qualquer pessoa que pretenda beneficiar da totalidade da sua condição e natureza humana.
Este esforço de promover pensadores críticos constitui uma meta admirável para o sistema de ensino,
tanto mais que contribuirá para reduzir o volume das falácias cognitivas acima descritas.
A terceira via equacionada por Sternberg (2004) aponta para o “successfully intelligent thinkers”,
uma veia de pensadores inteligentes que se perceciona como absolutamente necessária enquanto
referência de excelência para os níveis de satisfação e realização pessoal. Estes pensadores possuem as
habilidades criativas que proporcionam o aparecimento de novas ideias; as habilidades analíticas para
saber se elas são boas ideias, e as capacidades práticas para saber como implementar as ideias e a
capacidade de persuadir outros acerca do valor e da necessidade dessas ideias. A partir destes modelos
vivos, os educadores poderiam promover o desempenho criativo, encorajando os alunos a definirem e

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a redefinirem os seus próprios problemas e projetos. Os adultos podem encorajar o pensamento


criativo (Lopes & Silva, 2019), fazendo com que os mais novos escolham o seu próprio caminho de
abordagem a uma determinada situação, escolhendo o seu próprio modo de resolver os problemas,
dando-lhes a possibilidade de escolher novamente se descobrirem que a opção deles foi errada. Os
alunos precisam de aprender a necessidade de persuadir outras pessoas com as suas boas ideias. Se
fizerem um projeto científico, se criarem uma obra de arte, eles deveriam estar preparados para
descrever por que razões consideram que tem valor e deve ser assumido pelos outros.
Esta atitude criativa tem necessariamente de possuir ainda a fortaleza da perseverança. Os
professores podem preparar os alunos para estes tipos de experiências descrevendo obstáculos que
eles, os seus amigos, e figuras distintas em sociedade enfrentaram quando procuraram ser criativos.
Caso contrário, os alunos podem pensar que são os únicos a serem confrontados por obstáculos.
Podemos igualmente sugerir a minimização da sua preocupação relativa ao que os outros pensam,
elogiando o seu esforço pessoal. Devemos pedagogicamente destacar a importância do assumir
sensatamente o risco encorajando a criatividade (Kaplan, 2019). Apesar de a criatividade não ser
muito apreciada em determinados modelos educativos formais, temos consciência de que todas as
boas iniciativas e descobertas requerem algum risco, todas as soluções e construções requerem
pensamento criativo. Igualmente sabemos que não serão muitos os alunos que estão dispostos a levar
para a escola esse mesmo arriscar.
Finalmente, o quarto prognóstico aponta para o ensino do domínio pós-formal da cognição
humana, com a perceção clara de que a abundância de inteligência pode não ser suficiente e, por isso,
defende-se que as escolas precisam de ensinar a sabedoria. Quando isso acontecer nós estaremos a
ensinar aos alunos não apenas a importância do que se sabe, mas a forma correta de aplicar esse
conhecimento: a responsabilidade. Pessoas inteligentes mas irresponsáveis exibem regularmente
quatro falácias cognitivo-comportamentais: o egocentrismo, quando as pessoas pensam e atuam
predominantemente a partir do seu mundo experiencial e de significância; a omnisciência cognitiva,
quando tomam decisões desastrosas baseados em conhecimentos que estão errados ou incompletos
mas que eles não reconhecem como tal; a omnipotência do conhecimento, que resulta de situações em
que a pessoa está em situação de poder e este acaba por cegar a clarividência e o bom senso; e a
invulnerabilidade, que vem da convicção de que o conhecimento abundante protege de todos os
perigos e livra do erro. Ora as disposições pós-formais do conhecimento (Leeman, et al., 2021)
contrastam com tudo isto, na medida em que se estruturam a partir da reflexão, da regulação
emocional, do humor, da experiência de vida e da abertura de espírito, acompanhadas da humildade
que faz com que a pessoa saiba que não sabe, como também o que pode ser conhecido e não pode ser
conhecido num determinado tempo e lugar.
Atendendo a que a inteligência pós-formal está associada com os tipos excelentes de deliberação e
resolução de problemas, tal facto acaba por promover o crescimento nos outros indivíduos. As pessoas
que usam este tipo de inteligência estão particularmente atentas à perspetiva dos outros, assim como

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criam facilmente uma plataforma segura na qual os outros podem explorar os seus próprios valores,
pensamentos, ações e decisões (Webster, 2019). Entendemos que seria útil para a sociedade promover
nos seus cidadãos esta preocupação demonstrada pelos indivíduos sábios, assim como a capacidade
para aceitarem os outros de forma compassiva e sem julgamento.
Necessitamos de disposições cognitivas que permitam encontrar um sentido e um significado nas
águas turbulentas da vida, usar as experiências emocionais negativas como catalisadores para o
crescimento emocional, a compreensão enriquecida, e a exploração de significados mais fundos da
experiência humana (Wong, 2020). Necessitamos de investir na educação de indivíduos com um grau
elevado de maturidade pessoal e emocional e de profundidade que podem ser padrões de referência
na experiência comum de qualquer ser humano.
Para atingirmos estes níveis, teremos de orientar-nos por estratégias de desenvolvimento e
educação que tenham em conta o conhecimento intelectual pertinente e responsável, com disposições
que envolvam a clarividência da análise, a intervenção prudente, o raciocínio saudável e transparente,
a perspetiva holística, o saber quando deve agir e quando não deve agir, a antevisão e antecipação aos
problemas, a atitude espiritual. Precisamos urgentemente de sistemas de educação que proponham
programas e instituições formativas que se dediquem a ajudar as pessoas a alcançar este estádio de
sabedoria. Ferrari e Potworowski (2008) também estão absolutamente convencidos de que esta
natureza da cognição humana pode e deve ser ensinada, enquanto energia existencialmente
regeneradora. A inteligência, os conhecimentos e as atitudes, que concorram para uma ordem inteira
de bons modos de ser, de viver e de lidar com o mundo.

Considerações finais
A sublime arte de aprender e educar terá de estar permanentemente aberta ao diálogo construído a
partir da análise, da crítica, da construção e da reconstrução racional, à integração dos valores, de
modo a pensar a verdade e a vida a partir de dentro da própria verdade e da própria vida (Fontes,
1990). Sentimos a urgência desta consciencialização, de políticas educativas e de práticas pedagógicas
que favoreçam a identidade do educador como mestre e proporcionem a oportunidade do educando se
assumir como promotor da sua existência. Só através de um autêntico sentido e significado acerca
daquilo que é a educação e o educar poderemos alcançar em plenitude a humanidade de que
participamos, ou seja, só pela educação, educadores e educandos, se tornarão verdadeira e
autenticamente “pessoa”.
Acrescenta-se, neste contexto, a importância da qualidade relacional em que ocorre o ato educativo
e a substância afetiva-emocional que o envolve concorrem em muito, diria até em tudo, para que o
ensino-aprendizagem possa fluir e registar, tanto em quem aprende como em quem ensina,
verdadeiras marcas atemporais de ser. Nem sempre esta consciência se encontra no ato educativo,
nem sempre esta verdade está presente em quem educa e em quem aprende. Num total
desconhecimento, quando não desprezo, pelas dinâmicas e necessidades internas do sujeito crescente,

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educamos como se não estivéssemos ou não tivéssemos de marcar (criar marcas de vida e marcos de
referência); educamos na esterilidade mecânica e desprovida de sentimentos e, sobretudo, na ausência
da consciência daquilo que os nossos atos estão a produzir no presente e estão a semear para o futuro.
Apostamos nas nossas crenças e verdades, nas estratégias pedagógicas e nas psicopedagogias, mas
facilmente esquecemos que o êxito destas está dependente da paixão com que educamos, da alegria
com que ensinamos, da estima e do respeito com que acolhemos cada um daqueles que a nós foi
confiado, da tolerância e da aceitação com que respondemos à diferença e à novidade, do amor com
que bafejamos todos quantos hão-de levar marcas do “nós”… O Amor é indiscutivelmente a mais bela
e proveitosa forma de educação dado que é aquela que mais concorre para a atemporalidade do ato
educativo. Muito educa a mãe e o pai que amam, maternal e paternalmente; muito educa o professor
que avesso a uma qualquer alquimia afetivo-emocional, que não raro degenera no envolvimento
insensato entre educandos e educadores, não se inibe de dignamente respeitar os seus alunos, amar a
beleza do seu desenvolvimento e humildemente reconhecer a grandeza da sua aprendizagem; muito
educa o porteiro de uma escola ou o vizinho da nossa casa quando, no sentido da co-responsabilidade
comunitária, são arautos da cidadania e referências éticas credíveis para os mais pequenitos.
Na atividade académica desenvolvida nos últimos anos, temos estado a contribuir, com motivado
esforço, para este interesse científico com que nas últimas décadas a psicologia se debruçou sobre o
domínio pós-formal do conhecimento humano. Certamente, não será ainda suficiente para projetar
um modelo de atitudes cognitivas e existenciais, sobretudo para os que suspeitam que nem eles nem
os seus concidadãos podem aceder a um nível excelente de realização humana. Acreditamos, contudo,
que se trata de um empreendimento que há-de produzir bons frutos, que há-de dar aos seres humanos
a oportunidade de usarem um enorme poder que, paulatinamente, temos ganho para o bem-estar de
todos. Desejamos, desde os primeiros momentos do estudo contribuir para que a excelência pós-
formal seja disponibilizada e promovida universalmente como recurso ao serviço da ímpar aptidão
cognitiva, da indispensável dignidade e da indubitável qualidade da pessoa humana.
Equacionando a aplicação da inteligência e da experiência para o alcance do bem comum, é
necessário promover nos cidadãos um equilíbrio entre as dimensões intra-pessoal, inter-pessoal e
extra-pessoal. As pessoas não podem atender apenas a tudo o que existe dentro ou fora de si, mas
atender a tudo aquilo em que sentem alguma responsabilidade. Uma implicação desta visão é que
simplesmente ser inteligente não é suficiente, é necessário viver de forma inteligente. É importante
ser sábio. Por isso se defende que as escolas deveriam considerar seriamente a possibilidade de formar
nas capacidades relacionadas com a sabedoria. Isto porque o conhecimento é insuficiente para o
pensamento sábio e não garante satisfação, felicidade, ou comportamento que vá para além da
perspetiva mais pessoal e egocêntrica.
Acompanhando à evolução das sociedades hodiernas, tal qual como já anteriormente referimos,
percebemos que a comunidade humana não tem outra alternativa se não a de tomar a
responsabilidade pelo destino da terra e pela formação do homem. Se não o fizermos, corremos

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seriamente o risco de esgotar os recursos que sempre nos estiveram acessíveis e condescender na
“escravidão” do ser humano relativamente a modelos tecnicamente avançados e liberalmente
implementados. Acompanhe-se a atual crise económica, o aquecimento global, à manipulação
genética, à fome e conflitos em tantos lugares do globo, a força e influência dos meios informativos, o
poder de tantos meios que sub-repticiamente nos controlam e anulam a capacidade de refletirmos e
livremente escolhermos o melhor. É necessário e urgente que se desenvolvam e promovam em cada
pessoa (Best, 2020), assim como na consciência coletiva, as marcas de uma disposição existencial de
excelência.
Para tal, muito importa que se invista na promoção das características pós-formais da inteligência
humana. Esse pensamento pós-formal, ou seja, esse nível de desenvolvimento cognitivo-existencial,
que começa com a utilização da inteligência reflexiva e a procura de um modo de vida que seria
governado através da reflexão racional. No mesmo sentido, deve promover-se a aplicação da
inteligência e da experiência real de vida para o alcance do bem comum e para o alcance das
qualidades que a natureza humana encerra.
Concluímos, recordando que no espaço inter-relacional do encontro humano, sempre nos cativa a
oportunidade de reunirmos com o conhecimento inteligível e abundante. Estar com alguém que usa
do saber, dialogar com o bom senso e aprender com quem ensina é oportunidade relativamente rara
que de modo algum desejamos desperdiçar. Contudo, este gozo cognitivo-social só alcança o nível das
marcas existenciais (atemporais) quando reconhecemos, naquele com quem nos encontramos, uma
apurada consonância entre a reflexão e a inflexão, o dito e o vivido, o verbo e a self. O conhecimento
nas entranhas da identidade é, indiscutivelmente, a variável preditora de uma disposição sapiencial
que nos encanta e que é capaz de nos alunos produzir marcas de “ser”. A sabedoria é a única
credencial exigida para o reconhecimento de um professor / um educador como “catedrático da vida”,
é a único fator verdadeiramente potencializador da humanidade integral no Homem (o Homem
sábio).
As primeiras impressões que averbamos, ao revisitarmos a longa história da humanidade, ficam
vinculadas à ênfase da problemática que envolve a natureza humana e à sensação de que
continuamos, ainda hoje, numa fase introdutória da compreensão e, sobretudo, utilização das
inúmeras potencialidades inscritas nessa natureza, particularmente no que às capacidades da
inteligência diz respeito (Alves, 2011). Simetricamente estaremos, já há algumas décadas, numa
situação de acentuada crise do uso da razão, com reconhecido movimento para o espaço vazio de
raciocínio e recheado de fantástico, ou estaremos num tempo de uso diferenciado que nos permite até
conhecer melhor a complexidade do real (Wunenburger, 1990).

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O PAPEL DA MEDIAÇÃO SOCIOEDUCATIVA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA CIDADANIA ATIVA


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MARISA OLIVEIRA LOPES

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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO, PRAIA, CABO VERDE.

A mediação, nomeadamente a mediação socioeducativa, é assumida cada vez mais


(…) ao ser reconhecida como uma atividade para assegurar a gestão das diferenças
e dos diferendos e a coesão social.

(Silva & Moreira, 2009, p.7)

Introdução
Saber relacionar e estar com o outro é considerado, na perspetiva de muitos autores, uma das
competências fundamentais para o século XXI. A mediação socioeducativa pode e deve atuar em
diferentes contextos, sejam eles sociais, escolares, empresariais, educativos, comunitários, entre
outros, sempre de forma a contribuir para a propensão da paz e do respeito, ou seja, para construir
uma cidadania ativa e consciente do seu papel para o progresso.
O diagnóstico de necessidades é, no campo da educação, fulcral para orientar e fundamentar o
processo de intervenção. Revela-se imprescindível, uma vez que permite dar sentido operativo às
decisões formativas de qualquer dispositivo de mediação e, contribui para alcançar o estado
“desejável” no contexto. Isto é, é importante dar uma resposta às necessidades encontradas no
público-alvo, de modo a que a intervenção vá ao encontro dos seus interesses/expetativas e tenha,
neste sentido, significado os intervenientes. Neste sentido, McCawley (2009, p.3) refere que “A need
assessment also provides a method to learn what has already been done and what gaps in learning
remain. This allows the educator to make informed decisions about needed investments, thereby
extending the reach and impact of educational programming”.
Procurando intervir e trabalhar do ponto de vista mediador sempre como um processo
emancipatório/transformador/dialógico, pois tentamos apelar ao encorajamento da crítica, à
construção colaborativa de um acordo e à negociação de papéis e decisões. Isto é, a dimensão da
reflexão visa uma melhoria e desenvolvimento das práticas, pois enquadra a aprendizagem de um
modo contínuo, envolvendo as pessoas e os seus conhecimentos. Pressupõe, portanto, uma perspetiva
de aperfeiçoamento ao longo da vida, pois através da reflexão é possível aceder a significados e
negociar a construção de novos sentidos. Por isso, esta perspetiva assenta em pressupostos
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construtivistas, visto que reconhece que os indivíduos são agentes fulcrais no processo de
aprendizagem, logo dever-se-á valorizar os seus conhecimentos prévios.
Nesta linha de pensamento, o processo de mediação implica, sempre, repensar em práticas e
atitudes que, de certo modo, estimulem a reflexibilidade, a autonomia e a reflexão. Entenda-se
reflexividade como um processo contínuo de construção de saberes, uma vez que, através da reflexão,
os indivíduos identificam questões e elementos-chave de uma assunto que emerge como sendo
significativo para si, o que conduz a um diálogo consigo próprio e com outros. Isto é, a prática da
reflexão envolve experiência e incerteza, pois é o questionamento que nos leva a refletir, a questionar,
com vista a uma nova compreensão da realidade. Todavia, é essencial ter em conta que quando
refletimos devem estar predispostos a uma mudança de perspetivas (diálogo connosco e com os
outros), pois só assim se constrói e (re) constrói o conhecimento e consecutivamente a nossa forma de
estar em sociedade. Assim sendo, podemos afirmar que a reflexão é um processo contínuo de
desenvolvimento e aprendizagem:
(…) Implica saber recorrer ao saber, a saberes de várias naturezas, avaliá-los nos
contributos que podem trazer à solução do problema em questão. Implica também
conhecer-se a si próprio nos seus valores e nas suas concepções, mas igualmente ser
capaz de descobrir, no agir e no dizer dos outros, as suas posturas, crenças,
conhecimentos e anseios. Implica dialogar, confrontar, reflectir para criar novos olhares
e novas formas de agir (Alarcão,1996, p. 12)

O desenvolvimento destas competências fomenta a construção de sociedade cívica ativa e


desenvolvimento de relações coesas e possibilita uma convivência mais harmoniosa, pressupostos que
se esperam de uma ação mediadora, “ (…) o desenvolvimento de competências sociais/relacionais;
capacidades e atitudes comunicacionais; capacidades e atitudes emocionais; atitudes de cooperação e
negociação e ainda capacidade de autodeterminação e autonomia.” (Costa, p. 160, citado por Aguiar,
2013, p. 200).

Concetualização da mediação
(…) la mediación como un instituto que aporta a una transformación cultural, en el
sentido de colaborar con la modificación de una concepción litigiosa como forma de
abordar las diferencias entre los individuos, promovendo en los ciudadanos una actitud
proactiva ante la búsqueda de soluciones de sus conflictos (Aréchaga et al.,2004, p.28).

A complexidade associada à definição de “mediação” e as suas múltiplas funções leva a uma


complexidade em redor da sua definição. Segundo Torremorel (2008, p. 16) “(…) esclarecer o que é ou
não é a mediação, originou, até agora, mais controvérsias, do que pontos de acordo.” Contudo,
analisando a origem da palavra podemos verificar que deriva etimologicamente do latim - medium,

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medius, mediare, mediato - que significa intervenção humana entre as duas partes, ou seja, há
interferência de um terceiro elemento.
A mediação é um conceito amplo e com múltiplas intervenções, igualmente ricas e substanciais
para o fortalecimento de relações interpessoais e para a construção de uma sociedade com valores
sociais promotores de uma convivência saudável.
Assim, é importante na ação educadora / mediadora prevenir os conflitos e fomentar um espírito
de partilha de opiniões, experiências e de decisões em grupo, uma vez que, a mediação contribui para
“ (…) desenvolver a capacidade de tomar decisões, de comunicar de forma positiva e eficaz, de gerar
empatia, de estabelecer e manter relações interpessoais, de utilizar as emoções de forma adequada, de
utilizar o pensamento crítico e criativo na resolução de problemas.” (Morgado & Oliveira, 2009 p. 53).
Relativamente à ação preventiva e formadora da mediação, à ação resolutiva e reguladora da
sociedade e à ação transformadora da mediação, acredito que estas três ações, trabalhadas e
exploradas conjuntamente, sejam a peça-chave para a construção de uma sociedade mais igualitária e
promotora de convivências saudáveis, pois a mediação promove a diversidade de opiniões e o respeito
pelas mesmas, aceita os contributos de cada um, responsabiliza os participantes pelas suas ações,
promove a construção do grupo e da comunidade com valores sociais importantes, fortalece as
relações, potencia a autonomia e a tomada de decisões, desenvolve as potencialidades das pessoas,
estimula a reconciliação através da reconstrução de vínculos, como também procura estabelecer novos
laços.

Áreas de intervenção

Os conflitos assumem diferentes aspectos, surgem por motivos diferentes e variam de


intensidade, fazem parte da vida das pessoas e, de acordo com o modo como são
assumidos, tanto podem gerar, como, pelo contrário, podem abrir vias de destruição e
desconhecimento dos direitos e necessidades que, como seres humanos, todos temos.
(Torrego, 2003,p. 29 citado por Sousa, 2014)

A mediação é uma área com múltiplas intervenções que juntas fazem a diferença. A mediação pode
ser aplicada na escola – mediação escolar – desenvolvendo competências pessoais e profissionais
junto de alunos, professores e funcionários, fomentando relações saudáveis entre os diferentes
intervenientes, mas também pode ser comunitária, social, familiar, ambiental, penal de forma a dar
conta de todos os contextos de intervenção.
Na nossa sociedade, o conflito é uma realidade cada vez mais frequente, resultado quer da disputa
de interesses entre os indivíduos, como da competição profissional, dos desacordos, desavenças, e
mesmo das relações sociais, não só relativamente às pessoas, mas também em relação às instituições
(como a família, a escola, entre outros). Isto é, o conflito existe, muitas vezes, por partilharmos pontos
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de vista distintos uns dos outros, por termos dificuldade em comunicar e fazer-nos perceber, ou pela
dificuldade em compreender o outro, entre outras coisas. Deste modo, existe uma tipologia dos
conflitos que assume uma elevada importância, na medida em que permite uma melhor compreensão
dos mesmos e, consequentemente, uma melhor atuação na procura de solução para eles. Segundo
Moore (1998) citado por Sousa (2014), os conflitos podem ser classificados em: conflitos estruturais
(desigualdade de recursos, poder, autoridade desigual, pressões de tempo, etc), de valor (crenças,
ideologias, religiões distintas, etc), de relacionamento (comunicação inadequada ou deficiente,
emoções fortes, perceções equivocadas, estereótipos, etc), de interesse (competição percebida ou real
sobre o conteúdo) e quanto aos dados (falta de informação ou informação errada, pontos de vista e
interpretações diferentes, etc). Assim, entende-se por conflito um “Fenómeno de incompatibilidade
entre pessoas ou grupos, em que existe um conjunto de fins e/ou valores que são inconciliáveis uns
com os outros” (Jares, 2002, p. 21 citado por Sousa, 2014). De acordo com o autor, a estrutura do
conflito assenta em quatro variáveis: as suas causas, os seus protagonistas, o seu processo e a forma
como os protagonistas encaram o conflito, e por fim, o contexto onde este se produz.
Como é percetível, são necessárias medidas para atenuar esta realidade que se tem vindo a
expandir a cada dia que passa. Estas medidas podem passar pelo desenvolvimento de projetos que
proporcionem o desenvolvimento de competências pessoais e sociais relativamente à forma de
encarar, resolver e prevenir conflitos. Estas competências são essenciais, uma vez que contribuirão
para uma sociedade mais justa, participativa e colaborativa, na medida em que:

El dispositivo de la mediación otorga la palabra a los sujetos que padecen y el mediador


escucha, desde una posición neutral, sus relatos (verdades que en tanto sujetos se
constituyen en verdades subjetivas) para evaluar (éste es el saber del mediador) si
podrán disseñar estrategias consensuadas y conseguir aquello que dicen necessitar y
acompañarlos en ese proceso sosteniendo su conflicto (Aréchaga et al., 2004, p.25).

Assim, a mediação surge como uma possibilidade de mudança/transformação social, uma vez que
é “(...) uma ferramenta de diálogo e de encontro interpessoal que pode contribuir para melhorar as
relações interpessoais e a procura de soluções satisfatórias em situações de conflito” (Torrego,
2000,p.12). Nesta sequência de ideias, Freire e Caetano (2012) citados por Sousa (2014) consideram
que a mediação socioeducativa é entendida como um instrumento que procura reforçar o bem-estar
social e a coesão social dos grupos e da sociedade em geral, através de uma aprendizagem alternativa
de práticas de gestão das relações humanas, que dê resposta aos problemas e desafios sociais e
educativos.
A ideia de mudança e, assim, de intervenção, tem subjacente a perspetiva de rutura com o
comodismo com a qual nos deparamos frequentemente. Tal como Paulo Freire (2012) afirma: “nos
tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de

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novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela” (Freire, 2012, p.75). Nesta sequência de
ideias, para o autor “ (…) mudar é difícil, mas é possível” (ibidem, 2012, p.76). Isto é, por mais
obstáculos que possamos encontrar aquando da nossa intervenção enquanto agentes
transformadores, não podemos desistir nem deixar que os outros se entreguem ao conformismo. Só
conseguimos concretizar o verdadeiro sentido da Educação/Mediação se nos tornarmos pró-ativos e
se nos comprometermos com a ideia de uma sociedade mais justa, mais humana e mais democrática.
Só é possível alcançar este ideal de sociedade se cada indivíduo participar livremente nas tomadas de
decisões, daí ser a voluntariedade uma condição essencial no processo de mediação, uma vez que
“supone la decisión de assistir a la mediación y es un elemento vital y indispensable para su
desarrollo” (Aréchaga et al.,2004). Esta tomada de decisão deve resultar de uma análise crítica,
reflexiva e consciente conduzindo a um empowerment fundamental para a intervenção.
Em suma, “a mediação é uma técnica de resolução de conflitos onde uma terceira pessoa actua, de
forma imparcial, como um facilitador entre os intervenientes do conflito, auxiliando no encontro de
uma solução que satisfaça as partes envolvidas” (Almeida et al., 2013 citado por Sousa, 2014, p.41).
Esta terceira parte, o mediador, deverá pensar o conflito num ponto de vista diferente, isto é, ampliar
a sua visão em relação ao conflito, deverá compreender a perspetiva do outro, imaginar novas
possibilidades para a sua solução e avaliar a melhor forma de o solucionar. Por isso, perguntas como
“que esperam de mim?”; “o que pretendem resolver?” e “em que querem ser ajudados” são objeto de
trabalho de um mediador.

O papel da comunicação
O papel do mediador é o de acionar redes de interação e comunicação, proporcionar as
pontes, as passereles, que promovam a aproximação daqueles que não conseguem ou têm
dificuldade em comunicar (-se) (Freire, 2006 cit. por Silva et al., 2010, p.121)

É através da comunicação que os seres humanos partilham diferentes informações entre si,
tornando o ato de comunicar uma atividade essencial para a vida em sociedade. Assim sendo, a
comunicação é um importante instrumento para uma boa mediação, uma vez que é através da
comunicação que o ser humano se consegue aproximar do outro. De acordo com Aréchaga et al.
(2004):

(…) la mediación ofrece una escucha a la multideterminación de una controversia a los


efectos de identificar aquellos temas posibles de una solución racional, concreta y
conjunta con el otro, alojando la singularidad de cada uno, entendiendo por esta la
modalidad de interpretación de la realidade, creencias, costumbres y el afecto
concominante (p.40).

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Assim sendo, pode-se concluir que a comunicação tanto pode servir para o básico do dia-a-dia,
como por exemplo pedir um café, mas também para partilhar sentimentos, emoções, posições
ideológicas, entre outras coisas mais complexas.
A clareza e a assertividade da nossa comunicação dependem da nossa habilidade e pré-disposição.
Uma comunicação assertiva passa por emitir uma mensagem seguindo um objetivo, procurando
racionalmente o equilíbrio das emoções, demonstrando, assim, respeito por si próprio e pelos outros.
Permite às pessoas serem mais construtivas na relação com os outros, assim como aumenta a
autoconfiança, diminui a ansiedade em situações sociais, favorece a comunicação interpessoal,
possibilita uma maior proximidade entre as pessoas e uma maior satisfação com a expressão das suas
emoções.
As relações interpessoais são todos os contactos entre as pessoas e acontecem em todos os meios
(meio familiar, educativo, social, institucional, profissional). Assim sendo, as relações interpessoais
têm uma grande importância para a qualidade de vida pessoal e profissional. Estas relações podem ser
trabalhadas e melhoradas através do processo de mediação, uma vez que estas relações surgem
quando iniciamos o processo de autoconhecimento, estudando os nossos sentimentos e os nossos
conflitos internos. Assim podemos modificar o ambiente de trabalho, o nosso mundo exterior e
resolver conflitos e problemas que enfrentamos no dia-a-dia. O indivíduo que conhece bem os seus
sentimentos e emoções consegue expressar-se, comunicar melhor e manter uma saudável rede de
relacionamentos.

Educação para a Cidadania Ativa

"Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se


educam entre si, mediatizados pelo mundo." (Freire, 2012, p.79)

A Educação nos dias de hoje ainda é entendida, por alguns, como tendo apenas o seu lugar na
escola (educação formal). Nós, educadores, sabemos que essa não é a realidade e é também parte da
nossa missão, mudar as mentalidades para que as pessoas continuem a investir na sua educação ao
longo de toda a vida.
A Educação está presente em todos os contextos em que vivemos, desde que nascemos até ao
último dia das nossas vidas, podendo estes contextos variar numa escala de formalidade e
informalidade. Neste sentido “a educação e instrução, longe se de limitar ao período de escolaridade,
deve prolongar-se por toda a vida, abarcar todos os domínios do saber e conhecimentos práticos,
utilizar todos os meios possíveis e possibilitar a todo o indivíduo um desenvolvimento pleno da sua
personalidade” (UNESCO, 1976, p. 11).
Tendo a Educação como finalidade o desenvolvimento integral da pessoa, uma vez que
desenvolve todas as suas dimensões (a nível pessoal, social, profissional), torna-se, assim, uma forma
de mudança/transformação social, que pretende que a pessoa se desenvolva para enfrentar os desafios
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da sociedade. Como a sociedade está em permanentes mudanças, é importante que os indivíduos as


acompanhem, e é neste sentido que a educação, também, deve atuar. E, para que exista
mudança/transformação social, não pode existir espaço para neutralidade e comodismos, pois a ideia
de mudança e, assim, de intervenção, tem subjacente a perspetiva de rutura com o comodismo com a
qual nos deparamos frequentemente, uma vez que, tal como Freire (2012) refere, somos seres
“capazes de observar, de comparar, de avaliar, de escolher, de decidir, de intervir, de romper, de optar,
nos fizermos seres éticos e se abriu para nós a probabilidade de transgredir a ética, jamais poderia
aceitar a transgressão como um direito, mas como uma possibilidade” (p.91).
O educador deve estar capacitado para transformar a realidade, intervindo e recriando-a. Uma das
principais características que o educador deve trabalhar em si mesmo, é a sua versatilidade, pois este
terá que adequar os seus saberes ao público-alvo que tem em mãos, assim como terá que respeitar a
bagagem que este traz consigo. Neste sentido, “mulheres e homens, somos os únicos seres que, social
e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é
uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada.
Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao
risco e à aventura do espírito” (Freire, 2012, p.70).
Nesta ótica, podemos afirmar que a educação para a autonomização pessoal e a e a construção de
uma cidadania ativa se relaciona com a área da mediação, uma vez que esta é um instrumento que
facilita o desenvolvimento de competências de caráter pessoal e social, facilita o diálogo e melhora as
relações interpessoais. Deste modo, a mediação procura promover o desenvolvimento do indivíduo,
para que este se sinta realizado a nível pessoal/ social e desenvolva competências para se relacionar
com os outros e que desenvolva, ainda, estratégias que permitam prevenir/resolver os seus conflitos.
Assim sendo, a mediação consiste num empowerment, isto é, numa capacitação dos indivíduos para
que estes saibam estar e conviver com respeito e em paz.
Neste sentido, podemos ver a mediação também como uma estratégia de regulação social, que vai
ao encontro dos interesses, necessidades das pessoas. Como tal, é preciso ter a noção que o processo
de mediação é de carácter voluntário, uma vez que para existir, os seus intervenientes têm que
participar livremente. Por isso, o mediador deverá sensibilizar para o processo de mediação e possuir
algumas competências como a escuta ativa, empatia, ser bom comunicador, ser imparcial, entre
outras. Então o papel do educador consiste em estabelecer a interação dos pares, promover uma
cultura de paz, orientar o outro no seu desenvolvimento humano, proporcionar condições capazes de
educar indivíduos em crescimento numa sociedade caracterizada por mudanças constantes,
conferindo-lhes autonomia na medida em que o “respeito pela autonomia e à dignidade de cada um é
um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. (Freire, 2012,
p.63). Então, como facilitadores de aprendizagens, um promotor de desafios, um amigo crítico, o
educador tem o papel de acompanhar a caminhada da prática pedagógica e de incentivar todos
aqueles que estão envolvidos no processo e perceber a vontade de aprender ao longo da vida e para

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isso é “fundamental contribuir positivamente para que o educando vá sendo artífice de sua formação
com a ajuda necessária do educador.” (Freire, 2012, p.70).
O pensamento de Paulo Freire permite reforçar a ideia que a aprendizagem é coincidente com o
ciclo vital e que é indissociável do processo de crescimento do indivíduo. Paulo Freire, ao defender que
o ser humano, por natureza, é inacabado, tem subjacente a ideia que o processo de aprendizagem é
essencial para a sua sobrevivência, o que fundamenta a aprendizagem resultante das práticas sociais
em que se envolve, em todos os tempos e espaços da vida. Isto porque aprender é um processo
natural, que se realiza de uma forma autónoma e na relação com os outros. A mediação assume, então,
um papel fulcral nesta iniciativa, na medida em que é um processo orientado a conferir às pessoas
competências de análise e, assim, serem autores das suas próprias decisões levando-as à reflexão e à
procura de alternativas. É um processo dirigido à desconstrução dos impasses que afetam uma
relação, transformando um contexto de confronto em contexto colaborativo, é então um meio de
resolução de conflitos que consiste na intervenção de uma terceira parte, alheia ao conflito e
imparcial, aceite pelas partes em disputa e sem poder de decisão sobre elas, com o objetivo de fazer
com que cheguem por si mesmas a um acordo por meio do diálogo e da negociação.
Sendo que um dos principais objetivos da mediação é estabelecer relações positivas entre as
pessoas e ao mediador cabe ter a capacidade de promover um diálogo gerador de atitudes de
cooperação entre as partes, com a finalidade de alcançar os objetivos desejados pelos atores
envolvidos. A mudança só pode ser efetiva se for determinada por nós próprios na interação com os
outros, portanto, considero que cabe ao aluno e à restante comunidade educativa a sugestão de
alternativas e de caminhos a seguir.
Convêm perceber que a sociedade em que vivemos é propensa e inúmeras informações, muitas
vezes falsas e sem fundamento, isto porque a sociedade de informação confere o conhecimento e a
sociedade do conhecimento confere competências, pelo meio, está a sociedade, à qual pertencem
todos que, de uma forma ou de outra, são envolvidos no mundo tecnológico e têm a sua existência
orientada pela mesma.
É importante saber selecionar a informação pois, hoje em dia, é tal a montanha de informação que
é necessário o homem possuir métodos seletivos da mesma com intuito de obter conhecimento útil
para a tomada de decisões eficazes. Isto porque a informação representa “ (...) o conjunto de dados es
fundamentalemente objetiva. (...) El problema radica en si se tiene o no informacion y en si la que se
tiene es suficiente.” (Alonso, 1991, p.159).
Significa isto que a nova sociedade emergente se está a configurar de acordo com a influência
recebida das novas tecnologias, as quais, por seu turno, determinam não só o nível das relações
individuais de cada ser humano com o seu microcosmo, mas também o nível das relações
estabelecidas com o mundo que o rodeia, chegando, inclusive, a condicioná-las.
O processo de mediação é complexo, podendo comportar os conceitos de resolução de conflitos (ou
gestão de conflitos), acordo, comunicação, transformação.

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Na vivência em comunidade, é necessário gerar empatias e desenvolver e/ou consolidar valores,


como aceitar os outros, independentemente das diferenças, promover o respeito mútuo e o diálogo
para assim promover uma sociedade da paz, tendo como referência os trabalhos já realizados (Alzate,
2005; Jares, 2007; Silva, 2010; Silva et al. 2010; Torrego, 2008; Pinto da Costa et al., 2016; Flores et
al.2018).
A mediação é uma forma de nos fazer (re) pensar, de forma crítica nos nossos preconceitos e nas
nossas representações sociais e assim abalar com os preconceitos que estão predefinidos na nossa
mente, e construir uma nova sociedade capaz de ajudar, ouvir e escutar, respeitar, promover a
diferença, e assim enriquecer e melhorar as relações sociais.
A mediação para além de prevenir/ resolver um conflito, promove o desenvolvimento profissional
e pessoal, a regulação e gestão social e contribuí para fomentar o crescimento democrático de um país,
melhora o clima da organização, promove a participação ativa e o culto pela paz.

Considerações finais

O clima de respeito nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas.


(Freire, 2012, p.88).

A complexidade social, que hoje presenciamos leva-nos a questionar valores, direitos, deveres e
interesses, e nós na prática profissional enquanto mediadores, devemos prezar o respeito pelo outro,
independentemente dos seus erros, das suas falhas, temos que os ouvir e tentar compreender, para
assim intervirmos o mais corretamente. Enquanto ser humano é difícil, mas é possível, porque a
Mediação envolve-nos como a componente imparcial, aquele que está a fazer a ponte na regulação das
duas partes.
A mediação proporciona, através da comunicação, uma intervenção mais célere, menos onerosa e
mais co-participativa e facilitadora de diálogo, capaz de regular as situações de conflito reconstruir a
relação dos intervenientes.
A mediação, então, enquanto instrumento de gestão da comunicação das interações permite
instaurar novas dinâmicas relacionais duradouras e contributivas entre os diferentes intervenientes.
Aqui, o mediador assume-se como um elo da comunicação com experiência profissional onde garante
uma prática baseada nos princípios de confidencialidade, neutralidade, imparcialidade.
É então, é uma forma de lidar com um conflito (como, por exemplo, em caso de separação,
divórcio, brigas entre vizinhos, etc.) através da qual um terceiro (o mediador ou a mediadora) ajuda as
pessoas a se comunicarem melhor, a negociarem e, se possível, a chegarem a um acordo para assim
construírem relações saudáveis e saberem estar em comunidade, trabalhando assim para alcançar o
objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) décimo sétimo: “promover sociedades pacíficas e
inclusivas para o desenvolvimento sustentável”.

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A ÉTICA DAS VIRTUDES NA ESCOLA

RAMIRO MARQUES

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE SANTARÉM, PORTUGAL.

Introdução
Qual é o contributo que a escola pode dar para a aquisição das virtudes intelectuais e das virtudes
do caráter? Pode a escola, enquanto instituição, favorecer o desenvolvimento de práticas excelentes e,
enquanto tal, permitir a realização de atividades com objetivos internos ao agente? Pode a escola ser
um local de construção da eudaimonia pelo agente? Ou será que as escolas estatais dos nossos dias se
afastaram dessa missão e já não são capazes de assegurar as condições propícias ao desenvolvimento
do caráter dos agentes? Será que as escolas deixaram de ser comunidades onde se adquirem e
praticam as virtudes intelectuais e as virtudes do caráter?

Desenvolvimento
As práticas excelentes exigem do agente a aquisição e o uso das virtudes intelectuais e das virtudes
do caráter. A prática pedagógica não é exceção. A inteligência e a sabedoria são as duas virtudes
intelectuais que nos permitem aceder ao conhecimento universal. A prudência (phronesis) é a virtude
intelectual que nos permite a escolha dos meios adequados para atingirmos as finalidades nobres. As
virtudes do caráter, nomeadamente a coragem, a temperança, a justiça, a responsabilidade, o respeito,
a generosidade, a esperança e a fé, são a condição necessária para que o agente faça uma escolha
adequada dos objetivos admiráveis e nobres e seja capaz de exercer as funções exigidas de forma
excelente. A este respeito convém fazer a distinção entre funções eficazes e funções excelentes. As
primeiras visam atingir de forma adequada objetivos exteriores ao agente e não estão diretamente
relacionadas com os bens interiores. As segundas visam o florescimento do agente e estão
relacionadas com a aquisição de bens interiores.
Diz-se que uma atividade promove o florescimento do agente quando contribui para a sua auto-
atualização e a sua realização pessoal, ou dito de outra forma, a sua eudaimonia. As atividades
excelentes geram prazer por si próprias e acompanham a realização da atividade, ao contrário das
atividades eficazes que só geram prazer quando o agente conclui com sucesso a atividade. Uma vida
repleta de atividades excelentes é uma condição necessária para se atingir o florescimento pessoal.
Convém também fazermos a distinção entre práticas e instituições. O xadrez, a medicina e a
biologia são práticas. Os clubes de xadrez, os hospitais e os laboratórios são instituições. As
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instituições estão naturalmente preocupadas com a produção de bens externos. O seu objetivo é a
produção e a eficácia. O negócio das instituições é a produção de bens materiais com valor de
mercado. A escola é uma instituição, mas o ensino é uma prática. As instituições estão estruturadas
em termos de estatuto, poder e hierarquia. As práticas são conjuntos de atividades que exigem a
mobilização das virtudes intelectuais e das virtudes do caráter e que podem ter objetivos internos e
externos. Só quando têm objetivos internos ao agente é que as práticas podem aspirar à excelência,
recebendo a qualificação de práticas aretaicas. Os objetivos externos das atividades têm que ver com a
produção e com a eficácia. Os objetivos internos das atividades têm que ver com a excelência, os
prazeres e a eudaimonia, ou seja, o florescimento da pessoa. Regra geral, nas sociedades
materialmente desenvolvidas e com economia capitalista, as instituições visam a eficácia e não o
florescimento do agente ou a excelência das práticas. Essa contradição pode conduzir à criação de
obstáculos ao desenvolvimento de práticas excelentes e ao florescimento pessoal dos agentes. A única
forma de esbater esta contradição é conseguir que a instituição, neste caso, a escola, esteja
impregnada de virtudes intelectuais e de virtudes do caráter. Uma escola sem justiça, temperança,
amizade, coragem, esperança e fé não consegue resistir ao poder corrupto das instituições.
Uma outra distinção que interessa fazer é destacar a diferença entre bens internos e bens externos
associados às práticas. Os bens internos são bens que o agente considera bons em si. Os bens externos
são bens que apenas têm valor instrumental. Ao contrário dos bens internos, que não se esgotam e
cuja posse pelo sujeito não impede a posse deles por outros sujeitos, os bens externos são sempre
propriedade de alguém e quanto mais bens externos um sujeito tem, menos bens dessa natureza há
para distribuir pelos outros. Aristóteles não dispensa a utilidade dos bens externos. No entanto,
considera que devem estar ao serviço dos bens internos. Da mesma forma, as práticas eficazes e as
atividades que servem objetivos exteriores, as quais são tão necessárias ao cumprimento das funções
das instituições, devem estar ao serviço e depender das práticas excelentes e das atividades que
servem objetivos internos ao agente. Essa é a única forma de evitar que o poder corrupto das
instituições, intimamente ligado à competição, à eficácia e à criação de produtos com valor de
mercado, não impeça os agentes de desenvolverem práticas excelentes e atividades boas em si, as
quais são condição necessária à construção da eudaimonia e do florescimento pessoal do agente. A
única forma de evitar a alienação do agente é permitir-lhe o desenvolvimento de práticas excelentes e
de atividades com objetivos internos. A escola como instituição e o ensino como prática vivem imersos
nessa tensão. A escola é uma comunidade com um grande poder de intervenção no processo de
aquisição das virtudes intelectuais e das virtudes do caráter. Não pode, portanto, ser encarada como
uma qualquer instituição da economia capitalista nem pode ser vista como uma agência do Estado ao
serviço da economia e das empresas. Não sendo a escola uma instituição que produz bens exteriores,
ela não pode nem deve estar sujeita às leis do mercado, nem o currículo deve estar ao serviço de
interesses políticos ou económicos conjunturais.

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A escola tem de ser vista como uma comunidade onde se forja o caráter das novas gerações e onde
se favorece a realização pessoal (o florescimento) do agente. Daí que tenha de ser uma instituição
onde as práticas de eficácia sirvam as práticas excelentes e onde os bens exteriores estejam
dependentes dos bens interiores. Só servindo essa hierarquia, a escola evita ser uma instituição
corrupta e pode aspirar a ser uma instituição ao serviço do florescimento pessoal de alunos e
professores. Sempre que se afasta dessa hierarquia, a escola tende a transformar-se num comunidade
viciosa e corrupta, completamente hostil ao processo de aquisição das virtudes intelectuais e das
virtudes do caráter.
A prática pedagógica não anda associada apenas à produção. Se assim fosse, teria um caráter
meramente utilitário. A este propósito convém destacar a distinção que Aristóteles faz entre produção
e ação. A produção visa um produto, enquanto a ação visa a ação em si mesma e pressupõe o
desenvolvimento de atividades que são boas em si, embora, em muitos casos, a ação surja também
associada a um produto. A ação não é uma atividade meramente utilitária. É uma atividade que,
exercida de forma excelente, gera prazer e se basta a si própria. A prática pedagógica inclui ação e
produto e exige praxis e hábitos11. Ela exige atividades com objetivos internos, isto é, que se bastam a
si próprios e que deem prazer enquanto tais e não como instrumento para atingir objetivos exteriores.
Uma prática pedagógica que inclua atividades meramente utilitárias, isto é, que se destinem a cumprir
objetivos exteriores à atividade, pode ser eficaz mas nunca será motivante para o professor. O
professor precisa de tirar prazer das atividades inerentes à prática pedagógica sob pena de encarar a
profissão sem entusiasmo e dedicação. O mesmo acontece com os alunos. Para que o sujeito tire
prazer de uma atividade é preciso que ela permita atingir objetivos internos à atividade. É por isso que
a profissão docente tem de ser encarada como uma profissão de ajuda e cuidado e, nesse sentido, é
profundamente ética, antes de ser deontológica.
As práticas excelentes incluem atividades com objetivos internos, ou seja, atividades que se bastam
a si próprias, e exigem um certo nível de autonomia por parte do agente. Ao contrário das práticas
eficazes, que visam a produção, de acordo com normas e regras definidas pela hierarquia institucional,
as práticas excelentes visam atividades boas em si e que são geradoras de prazer. Nesta último caso, o
agente não perde o poder de decisão, nem o controlo sobre todo o processo de realização das
atividades.
As práticas que visam apenas a produção têm um caráter utilitário e andam associadas a atividades
com objetivos exteriores ao agente. As práticas excelentes, pelo contrário, têm valor próprio. Neste
caso, incluem atividades de natureza cooperativa e que respeitam critérios de excelência, através das

11Aristóteles (1985). Nichomachean Ethics. (Introdução, tradução e notas de Terence Irwin).


Indianapolis: Hackett, 1103ª20, 1103ª25, 1104ª, 1104b15, 1104ª25, 1105ª30 e 1140b4-6.

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quais os agentes exercem não apenas competências, mas também virtudes, e procedem à sua auto-
atualização. Quando isso acontece, as práticas têm valor não apenas porque delas se retira um produto
útil, mas também pelo prazer que se retira do seu exercício.
A ética da prática pedagógica exige a aquisição e o uso de virtudes intelectuais (inteligência,
sabedoria e prudência) e de virtudes do caráter (temperança, justiça, amizade, coragem e esperança).
Tão importante como ser diligente, pontual, assíduo e cumpridor, é ser-se prudente, temperado, justo,
amigo e corajoso. O problema é que estas virtudes não se ensinam. Aprendem-se mas não se ensinam.
As virtudes do caráter não são adquiridas pelo ensino, mas sim pelo hábito. Nenhuma das virtudes
de caráter surge naturalmente. As crianças não nascem com elas. Embora as crianças nasçam com os
sentidos naturalmente ativos, por exemplo a visão ou a audição, o mesmo não acontece com as
virtudes de caráter que carecem de tempo, experiência, prática e atos repetidos, de forma a se
tornarem hábitos.
Se as virtudes de caráter surgissem naturalmente, como os sentidos, é claro que não podiam ser
mudadas pelo hábito. Não é o hábito de ver ou de ouvir que aguça e melhora o sentido da visão ou da
audição, mas é o hábito de ser justo, corajoso, temperado e prudente que aguça e melhora cada uma
dessas virtudes do caráter.
As virtudes do caráter são adquiridas da mesma forma que nós adquirimos a mestria nas artes e
nos ofícios: pelo exemplo, pela prática supervisionada e pelo hábito de fazer. Esta questão não é de
pouca importância. Repare-se: se as virtudes do caráter se adquirem pelo hábito, uma comunidade
onde rareiam oportunidades para a criação de bons hábitos é totalmente hostil à aquisição das
virtudes do caráter. Podemos generalizar e afirmar que o mesmo acontece na sociedade e na vida
política em geral. Um país com um poder político hostil à prática das virtudes não oferece as
condições de base para o desenvolvimento do caráter dos cidadãos. Um poder político hostil à prática
das virtudes é, por exemplo, um poder político favorável à corrupção, clemente para com o crime
organizado ou fomentador de rivalidades étnicas. À semelhança das virtudes, também os vícios se
adquirem pelo hábito. Da mesma forma que um mau professor de música produz um mau músico,
também os pais e professores, pouco preocupados com as virtudes de caráter, tendem a favorecer o
desenvolvimento do mau caráter nas crianças e nos jovens. Uma escola que se tenha tornado numa
comunidade hostil às virtudes do caráter potencia um ambiente favorável à aquisição dos vícios. É
fácil identificar os vícios que um tal ambiente hostil favorece: injustiça, imprudência, intemperança,
insensibilidade, cobardia, desonestidade, irresponsabilidade, entre outros. Na medida em que o bom
caráter floresce pela repetição de atividades propícias, a comunidade deve proporcionar o exercício
dessas atividades.

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A habituação deve evitar quer o excesso quer a deficiência. Aristóteles12 avisa-nos que tanto o
excesso como a deficiência numa atividade podem arruinar quer a formação dos hábitos quer das
virtudes a eles associadas.
Vejamos o exemplo da coragem. Se uma pessoa evita e tem medo de tudo, está aberto o caminho
para a aquisição do hábito da cobardia e, concomitantemente, do vício que lhe anda associado. Da
mesma forma, se o indivíduo não for capaz de refrear o usufruto de prazeres em excesso, está aberto o
caminho para a aquisição do hábito da intemperança e do vício que lhe anda associado. Contudo, se o
indivíduo se abstém de todos os prazeres, torna-se insensível. Como vimos, quer a coragem, quer a
temperança podem ser destruídas quer pelo excesso quer pela deficiência.
Aristóteles chama-nos a atenção para o papel que o prazer e a dor têm no processo de habituação.
Por exemplo, se o indivíduo consegue ser firme face às situações difíceis e tira prazer disso, então essa
pessoa torna-se corajosa; mas se isso lhe provoca dor, então tende a tornar-se cobarde. Se o indivíduo
sente prazer na capacidade de resistir ao excesso de prazeres, usufruindo-os com moderação, então
podemos dizer que é temperado. Se, pelo contrário, sofre em refrear-se, temos de afirmar que é
intemperado13. Resulta daqui que a educação correta é aquela que nos faz sentir prazer e dor nas
coisas certas. Para os casos em que o indivíduo retira prazer nas coisas erradas, importa que o
processo educativo proceda à necessária correção, da mesma forma que o médico faz perante os
sintomas de uma determinada doença. A virtude é, então, uma espécie de estado que leva à realização
das melhores ações corretas que dizem respeito aos prazeres e às dores e o vício é o seu contrário. E
Aristóteles avisa que a aquisição das virtudes exige prática continuada e não apenas teoria: “há
muitos, contudo, que não agem, antes se refugiam em argumentos, pensando que fazem filosofia e que
essa é a forma de educar para a excelência. No fundo, são como as pessoas doentes que ouvem
atentamente o médico mas que não põem em prática as suas instruções”14.
Não há dúvida de que Aristóteles afirma que os estados de caráter são adquiridos pela prática de
ações correspondentes15. É possível fazer uma leitura correta da teoria aristotélica da virtude,
afirmando que grande parte do ímpeto da habituação é essencialmente não cognitivo e anda associado
à parte não racional da alma. Embora Aristóteles tenha aceite de Platão a ideia de uma parte racional
da alma separada da parte não racional, o filósofo considera que a parte desiderativa (que comanda os
desejos) da alma não racional (os apetites e as emoções) pode ouvir a razão e, portanto, ser orientada
e corrigida pela parte racional da alma. Para Aristóteles a racionalização dos desejos e apetites
constitui uma forma de ouvir e obedecer à autoridade da parte superior da alma, precisamente a parte
racional. Para ilustrar este processo, Aristóteles dá o exemplo do filho que obedece ao pai. A definição

12 Idem, 1104ª15.
13 Ibid, 1104b5.
14 Ibid 1105b15.
15 Aristóteles (1985). Nichomachean Ethics. (Introdução, tradução e notas de Terence Irwin).

Indianapolis: Hackett, 1144b30.


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que Aristóteles dá de caráter encaixa nesse argumento: o caráter é uma qualidade da parte da alma
que é não racional mas que é capaz de seguir a razão, de acordo com um princípio de prescrição. É
possível inferir que, na teoria aristotélica, a prática é vista, fundamentalmente, como o treino não
racional dos desejos em direção a objetos apropriados. Dito assim, parece que os hábitos são vistos
como essencialmente separados do desenvolvimento das capacidades reflexivas e racionais. Parece,
também, que o desenvolvimento dos hábitos surge antes do desenvolvimento das capacidades
reflexivas. Contudo, é preciso não esquecer que Aristóteles não partilhava uma perspetiva meramente
mecânica da relação entre o processo de habituação e o desenvolvimento do caráter. Aliás, uma
perspetiva puramente mecânica não consegue explicar como é que se faz a transição entre a infância e
a maturidade moral. A perspetiva mecânica não explica como é que uma criança que possui virtudes
geradas apenas pelo hábito se transforma num adulto capaz de fazer uso da razão prática. Aristóteles
parece resolver esta questão quando afirma, no Livro VI, que não se pode ser bom sem razão prática
nem sábio sem virtude16. É possível concluir que Aristóteles defende uma posição algo
desenvolvimentista, considerando que se regista uma evolução do uso das capacidades racionais e da
razão prática até se atingir a maturidade moral e que tanto os hábitos como a cognição têm um papel
importante a desempenhar nesse processo. Ou seja, o hábito não é visto de forma estática e passiva
mas sim de forma crítica e reflexiva. Há, portanto, forma de treinar a razão prática e esse treino pode
iniciar-se na infância através dos métodos da tentativa e erro e do inquérito racional. As deficiências
na razão prática não são fixas, mas sim temporárias, e, portanto, é de crer que a criança passe por
várias etapas nesse processo de desenvolvimento. Por outro lado, a falta de competências deliberativas
na criança não implica a ausência de outras capacidades cognitivas que permitem respostas éticas
adequadas. A criança precisa da orientação de uma razão externa visto não possuir ainda as
capacidades deliberativas completamente desenvolvidas, nem o domínio da razão prática, para poder
deliberar e agir de forma autónoma. Este argumento é de extrema importância. Se a criança não
dispõe, ainda, de uma razão prática adequadamente desenvolvida, então precisa da direção,
orientação, supervisão e correção dos adultos, ficando, assim, legitimada a educação com autoridade.
Podemos, pois, afirmar que um professor e uma escola sem autoridade não podem, por definição,
desempenhar bem o papel educativo. Esta constatação leva-me a afirmar que um dos principais
problemas que explicam um certo fracasso da escola atual é, precisamente, a erosão da autoridade dos
professores. O mesmo se poderá dizer em relação à educação em contexto familiar. É hoje muito mais
difícil educar os filhos porque os pais e os professores perderam muito da sua autoridade.
Sendo o caráter a aquisição de estados através da habituação, é fácil concluir que a habituação tem
um papel central nas virtudes do caráter. A habituação envolve, essencialmente, prática e repetição.
Os atos realizados repetidamente tornam-se hábitos e permitem a aquisição de capacidades que

16 Idem, 1144b30.

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parecem quase naturais e que se constituem numa quase segunda natureza do sujeito. Contudo, a
explicação que Aristóteles nos dá sobre o papel da habituação é mais complexa do que parece. À
primeira vista, julgamos estar perante uma teoria que tende a considerar os hábitos e a prática de
forma passiva e mecânica, mas uma leitura mais fina leva-nos a concluir que Aristóteles defende uma
visão crítica da prática. A ação pressupõe a discriminação de uma situação em ordem a dar uma
resposta adequada e anda sempre associada aos objetivos e ao modo, não sendo possível separar o
momento exterior da ação (o comportamento) dos momentos cognitivos e afetivos interiores (o
processo deliberativo).
Aristóteles considera que a repetição permite a melhoria da ação, ou seja, tornamo-nos mais
excelentes na realização de uma determinada arte, através da repetição e da prática. Quanto mais
praticamos melhores nos tornamos. Contudo, repetir uma ação não significa fazê-la sempre da mesma
maneira. Não é assim que as coisas acontecem na realidade. Quando repetimos uma ação,
costumamos introduzir algumas alterações, impostas pela aprendizagem que a prática continuada nos
facilita. Ou seja, a repetição costuma andar associada ao progresso e à melhoria. Uma ação repetida
varia sempre alguma coisa, tanto em termos de comportamento como das emoções associadas.

Considerações finais

Podemos concluir que aprender através da repetição exige tentar uma aproximação gradual a uma
ação ideal que foi estabelecida como o objetivo do agente. A prática crítica é, então, um refinamento
de repetição de ações através de sucessivas tentativas, cada uma mais refinada do que a anterior. Não
é, portanto, uma repetição mecânica da mesma ação. A prática permite o progresso sempre que a
repetição for crítica. Uma repetição é crítica sempre que o agente tem presente o objetivo da ação, o
reconhecimento dos erros anteriores, a compreensão das instruções e a avaliação das ações passadas.
Uma ação excelente combinará sempre um juízo sobre as circunstâncias, as emoções reativas e um
certo nível de decisão sobre como agir. Uma vez que a prática não é mecânica e a repetição, para
originar aprendizagem e progresso, tem de ser crítica, o processo de aprendizagem das capacidades
exige a presença de um mestre. Infere-se, então, que o papel dos pais e dos professores é
absolutamente crítico na aprendizagem das virtudes do caráter. Mas os pais e os professores só podem
desempenhar o seu papel de educadores se possuírem as virtudes do caráter, porque um mau mestre
faz do aprendiz um mau praticante.

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Referências
Hooft, S. (2006). Understanding Virtue Ethics. Bucks: Acumen.
Knight, K. (2007). Aristotelian Philosophy: Ethics and Politics from Aristotle to Macintyre.
Cambridge: Polity Press.
Lannstrom, A. (2006). Loving the Fine: Virtue and Happiness in Aristotle`s Ethics. Indiana:
University of Notre Dame.
Marques, R. (2007). Cidadania na Escola. Lisboa: Livros Horizonte.
Welchman, J. (2006). The Practice of Virtue: Classic and Contemporary Readings in Virtue
Ethics. Indianapolis: Hackett.

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PSICOLOGIA E ESCOLARIZAÇÃO: ESCOLAS DEMOCRÁTICAS E A FORMAÇÃO PARA A


DEMOCRACIA

FELIPE OLIVEIRA & MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, INSTITUTO DE PSICOLOGIA,


SÃO PAULO, BRASIL.

Introdução
O tema Psicologia e Democracia é muito caro à Psicologia, bem como à Psicologia Escolar e
Educacional brasileira. Durante muitas décadas, os questionamentos às dimensões ideológicas da
Psicologia, como ciência e profissão, conduziram a perspetivas de interpretação do humano baseadas
em compreender os processos de submissão e rebeldia presentes nas relações humanas, sociais e
educacionais (Patto, 2016).
No âmbito da escolarização, as contribuições do conhecimento da Psicologia têm possibilitado
denúncias e enfrentamentos de práticas preconceituosas, disciplinares, discriminatórias e de
humilhação, vividas pelos estudantes das classes populares – produtoras de imensas massas de
analfabetos funcionais, de excluídos da escola e na escola (Ferraro, 2004).
Ao compreender mais profundamente os aspetos que constituem os processos de escolarização, a
Psicologia Escolar e Educacional numa perspetiva crítica define a atuação profissional em três grandes
eixos: compromisso com uma educação democrática; utilização de referenciais interpretativos que
abarquem a complexidade da escolarização; propostas de intervenção que promovam a transformação
das práticas escolares em melhoria da qualidade da educação (Checchia & Souza, 2003).
Portanto, o compromisso com uma educação democrática se constitui por meio de práticas
escolares que enfrentem as contradições de uma escola numa sociedade de classes, que explicitem os
mecanismos de humilhação, de discriminação e de preconceito e que busquem a superação das
desigualdades sociais. É nesse contexto que se insere este estudo, de maneira a lutar por propostas
político-pedagógicas que constituam práticas educacionais democráticas que, no dia-a-dia da
escolarização, formem adultos, crianças e jovens para participar ativamente na vida democrática. O
interesse desta pesquisa está em como se constituem tais propostas pedagógicas e como se produz a
formação para a democracia no âmbito da escolarização. Buscamos respostas num movimento
internacional que vem se consolidando no Brasil denominado Escolas Democráticas, compreendidas
enquanto organizações pedagógicas em que os estudantes definem suas trajetórias de aprendizagem,
sem currículos compulsórios e com uma gestão participativa e processos decisórios que incluem
estudantes, educadores e funcionários (Singer, 1997). Assim, a pesquisa tem como objetivo investigar

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o ideário político-pedagógico que embasa a concepção destas escolas, com ênfase em como esta
proposta vem se materializando na educação pública.

Desenvolvimento
As chamadas Escolas Democráticas são também comumente relacionadas a um movimento mais
amplo chamado “Escola Nova”. Ambos surgem a partir da crítica à pedagogia tradicional, defendendo
que a criança tenha um papel central no processo educativo; entretanto, o movimento da Escola Nova
acabou trilhando um caminho próprio que não foi seguido pelas Escolas Democráticas. É possível
notar ainda a semelhança das Escolas Democráticas com as experiências educacionais anarquistas e a
pedagogia libertária, ainda que não exista menção de influência direta (Singer, 1997).
A primeira Escola Democrática conhecida foi fundada e dirigida pelo escritor Leon Tolstoi em
1857, na Rússia. Yásnaia-Poliana era uma escola gratuita, com concepções e práticas pedagógicas
influenciadas pelas ideias de Rousseau e que se dedicava a atender os filhos dos camponeses pobres
da região. O contexto histórico de transformações decorrentes das revoluções burguesas e da luta pelo
socialismo também exerceu grande influência sobre tal iniciativa. O socialismo, por desejar a
emancipação dos indivíduos com relação tanto à Igreja, quanto com relação ao Estado burguês,
acabou perseguido por ambos e, sob a acusação de disseminarem ideias socialistas, inúmeras escolas
foram fechadas, entre elas a Yásnaia-Poliana (Singer, 1997).
Com o passar do tempo, em vários países foram surgindo iniciativas que se reivindicam como
Escolas Democráticas, tal como definido por Singer (1997), com liberdade curricular para os
estudantes e possibilidade de participação nas regras institucionais. Ao mesmo tempo, também
surgiram iniciativas semelhantes que podem ser classificadas como Escolas Democráticas, mas que
não reivindicam o termo. O fato é que em ambos casos cada uma das iniciativas possui especificidades
e singularidades relativas aos seus contextos.
Ainda que no Brasil o surgimento das Escolas Democráticas ocorra a partir de iniciativas no campo
da educação privada (Wrege, 2012), o presente trabalho opta por investigar as escolas ligadas à esfera
pública, pois o acesso a uma educação de qualidade deve ser um direito a toda população e não algo
limitado pela condição económica, uma vez que democracia propõem como princípio a possibilidade
de todos poderem participar em igualdade de condição.
A pesquisa também considera, conforme aponta Cury (2015), que “na formulação legal, o princípio
democrático da gestão está adstrito ao “ensino público” (p. 201). Além disso, investigar experiências
conhecidas como Escolas Democráticas que se realizam no âmbito da educação pública é fundamental
para conhecer criticamente suas práticas e funcionamentos, considerando a possibilidade de serem
disseminadas por toda a rede pública, sempre em acordo com os princípios dos marcos legais
nacionais da educação.
Ademais, conforme afirma Teixeira (1968), para a manutenção da forma de vida democrática é
fundamental uma educação pública que alcance a totalidade da população, sob o risco de a
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democracia retroceder a um regime oligárquico em que apenas uma minoria “esclarecida” se valha do
conhecimento conquistado para dominar as massas. Coloca-se, portanto, como dever da sociedade
“oferecer a todos os indivíduos acesso aos meios de desenvolver suas capacidades, a fim de habilitá-los
à maior participação possível nos atos e instituições em que transcorra sua vida, participação que é
essencial à sua dignidade de ser humano” (p. 14).
As Escolas Democráticas propõem configurações de funcionamento escolar que buscam romper
com o que está estabelecido como hegemónico no campo da educação, promovendo uma maior
participação e capacidade de intervenção por parte dos estudantes e seus responsáveis. Com isso, tais
iniciativas podem ajudar a apresentar soluções para o ensino, contribuindo para o desenvolvimento
da educação pública compromissada em formar para a participação democrática.
Cabe, portanto, relembrar que a democracia é um fato recente na história do país, bem como são
recentes os marcos legais que buscam produzir condições para práticas institucionais. Abaixo
destacamos alguns.
Promulgada após o fim da ditadura civil-militar, a Constituição Federal de 1988 traz em seu
interior a valorização da democracia. Fruto de debates de diversos segmentos da sociedade civil
(Perrella, 2012, p. 84), esse marco legal incorpora em seu texto “os clamores dos educadores que,
exigindo a democratização da sociedade e da escola pública brasileiras, buscaram traduzí-los em
preceitos legais” (Cury, 2015, p. 199). À época, os movimentos docentes apontavam para a necessidade
de expansão do ensino e promoção de sua universalização, primando pela qualidade e gratuidade.
Também denunciavam o autoritarismo advindo dos órgãos centrais que incidia sobre as práticas
pedagógicas e o ambiente escolar.
Os embates e debates que se seguiram após a promulgação da Constituição Federal de 1988
gradativamente contribuíram para a promoção da democracia nas relações escolares como princípio
também em outros importantes marcos legais da educação brasileira que se seguiram, como o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) de 199617. Ambos vão promover uma maior descentralização de poder com relação a
organização do funcionamento escolar garantindo, ao menos legalmente, uma maior autonomia dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico e garantindo também a possibilidade

17 Como exemplo, temos o capítulo IV do ECA, que afirma no parágrafo único do artigo 53, que “é
direito dos país ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da
definição das propostas educacionais”; da LDB de 1996 temos os artigos 3, que em seu item VIII
indica que um dos princípios orientadores da educação é justamente a “gestão democrática do
ensino público” e o artigo 14, que estabelece, em seu item primeiro, a “participação dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” e, em seu item segundo,
a “participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes”.

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de participação da comunidade local em conselhos que decidem as práticas e os rumos adotados pela
comunidade escolar.
Perrella (2012) aponta que diversos movimentos políticos de luta por direitos nos anos 1970 e 1980
contribuíram para produzir um maior interesse de participação no funcionamento das instituições
públicas. Entretanto, alerta que apesar de todo o avanço democrático proporcionado pelas lutas e
reivindicações populares, passadas quase três décadas desde a promulgação da Constituição Federal
de 1988 “a gestão democrática da escola pública, mesmo tendo sido reconhecida como avanço pelos
diferentes segmentos da sociedade, ainda não se firmou como uma realidade, demandando esforço
coletivo para sua efetivação (p. 84).
Apesar dos importantes avanços conquistados e para além da dificuldade em concretizar muito do
que está previsto legalmente é importante destacar que a LDB de 1996 “foi fruto de um substitutivo na
Câmara Federal que solapou toda a discussão ampla e democrática travada com a sociedade
brasileira” (Digiovanni, 2016, p. 138).
Assim, se por um lado os marcos legais da educação nacional prevêem a gestão democrática do
ensino público ao mesmo tempo, por outro lado, o modo como são constituídas as políticas públicas
educacionais atualmente no Brasil é significativamente autoritário, sendo implantadas de modo
hierarquizado e pouco democrático, centralmente decididas por órgãos governamentais distantes da
realidade escolar e que desconsideram a história dos profissionais da educação e todo conhecimento
acumulado a partir de sua prática educacional. Ao mesmo tempo, em grande medida, as políticas
públicas em educação exigem que justamente esses profissionais levem a cabo ações que não
ajudaram a construir e que, a partir de suas experiências, muitas vezes discordam significativamente,
de tal modo que essas políticas contribuem para o aprofundamento da alienação do trabalho
pedagógico (Souza, 2010a).
Nos últimos anos, como exemplo, é possível notar o tensionamento no campo da educação entre
Estado e sociedade civil organizada. No ano de 2015, ocorreu a greve de maior duração do Sindicato
dos Professores do Ensino Oficial do Estado (Apeoesp), que durou 92 dias e contou com mais de 20
manifestações; estendeu-se por conta de dificuldade em negociar imposta pelo governo estadual
(Cruz, 2015; Araújo 2015). Nesse mesmo ano também ocorreu o lamentável episódio no Centro Cívico
de Curitiba, Paraná. Enquanto a Assembleia Legislativa do estado votava o projeto de reforma da
Paranáprevidência, professores (e outras categorias do funcionalismo público) que protestavam
contra tal medida foram duramente reprimidos pela polícia. O grau de violência foi tamanho que tal
episódio passou a ser popularmente referido como “batalha do centro cívico”, ou “massacre do centro
cívico” (Fier, 2015; Palagano, 2015).
Tanto a longa greve dos professores de São Paulo, quanto o episódio ocorrido no Paraná ilustram a
incapacidade do poder público em dialogar e articular uma interlocução com os profissionais da
educação. A incapacidade em dialogar também se faz presente com relação aos estudantes.

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Também em 2015, o estado de São Paulo presenciou uma significativa mobilização dos estudantes
secundaristas. Em setembro daquele ano, o governo do estado anunciou um processo de
reorganização escolar que implicaria no fechamento de quase 100 escolas e na realocação de mais de
300 mil estudantes (Brum, 2015). Como reação a tal proposta, após inúmeras tentativas frustradas de
diálogo, os estudantes começam a protestar. Inicialmente o fizeram por meio de grandes marchas
pacíficas, duramente reprimidas pela Polícia Militar e cujas pautas foram ignoradas pela grande
media. Como resposta, os estudantes decidem então ocupar as escolas como estratégia para dar
visibilidade às pautas. Esse protesto se espalhou por mais de 200 escolas por todo o estado fazendo o
governo retroceder em sua decisão (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016). A mobilização dos
estudantes de São Paulo inspirou estudantes de outros estados havendo ocupações semelhantes no
Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande Do Sul, Ceará, Paraná e Minas Gerais (Martin, 2016; Rossi, 2016;
Farina & Scirea, 2016; Gama, 2016).
Na segunda metade de 2016, o governo Temer propõe a reforma do ensino médio através da
Medida Provisória no. 746/2016 e apresenta também a Proposta de Emenda Constitucional 241, esta
última com duros impactos para a educação, sendo apelidada pelos movimentos sociais de "PEC
(Proposta de Emenda à Constituição) do fim do mundo". Frente a essas iniciativas do governo federal,
estudantes secundaristas de todo o país se mobilizam em uma nova rodada de ocupações, com
destaque para o estado do Paraná que chegou a ter mais de 800 escolas ocupadas.
O grande número de escolas ocupadas em 2015 e 2016 indica que há também uma dificuldade do
poder público em articular proposições junto aos estudantes, do mesmo modo como há dificuldade
em articular políticas junto aos profissionais da educação. Esses exemplos da história recente do país
indicam como, apesar de estarmos há mais de 30 anos do fim da ditadura civil-militar, a
democratização da sociedade ainda enfrenta significativos embates.
A escola é o ambiente de significativa centralidade para a formação das novas gerações, pois a
“Educação é o processo através do qual os indivíduos se apropriam dos conhecimentos historicamente
produzidos pela humanidade e a Educação escolar é necessária e universal para o desenvolvimento
das características humanas não naturais, mas formadas historicamente” (Tanamachi, 2000, p. 95).
Com isso, investigar as Escolas Democráticas, seu ideário pedagógico e sua materialização tornaram-
se fundamentais de forma a buscar elementos para construção de uma educação pública e uma
Psicologia Escolar e Educacional que contribuam para a superação de práticas e concepções
autoritárias, discriminatórias e preconceituosas, promovendo a democratização das relações sociais de
maneira ampla.

Método
Para orientar o método, a pesquisa tem como base teórica a Psicologia Escolar crítica, de
inspiração marxista, que propõe investigar a escolarização como fenómeno social complexo, síntese de
múltiplas determinações, considerando seus aspetos de ordem institucional, econômica, política,

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histórica e cultural. Nesse sentido, é importante resgatar que, a partir da década de 1980, a Psicologia
Escolar inicia um movimento de reflexão crítica a respeito de suas fundamentações teóricas e das
atuações práticas do psicólogo no campo educacional. Tais práticas, de fundamentação
essencialmente positivista, insistiam em explicações para o fenómeno do fracasso escolar que
reincidiam repetitivamente no aluno, desconsiderando outras dimensões do fenómeno escolar (Bock,
2000; Meira, 2000; Patto, 1990; Souza, 2000, 2010b, 2010c; Tanamachi, 2000).
Entretanto, apesar do avanço dos movimentos de crítica no interior da Psicologia a partir dos anos
de 1980, Bock (2000) aponta que a visão da Psicologia tradicional ainda predomina, com sua
compreensão liberal de homem, de caráter idealista, tomando-o apenas em sua individualidade sem
considerar as dimensões sociais e culturais em sua constituição, além de contribuir para a
naturalização do humano, desconsiderando seu caráter histórico. Ao desconsiderar esses elementos
constitutivos das relações humanas contemporâneas, a Psicologia contribui para a manutenção das
desigualdades inerentes ao modo capitalista de produção.
Meira (2000) afirma que na sociedade capitalista uma conceção de teoria e prática que se pretenda
crítica em Psicologia Escolar deve estar implicada com a efetivação da democratização educacional,
levando em conta quatro aspetos imprescindíveis para a produção de conhecimento: “reflexão
dialética, crítica do conhecimento, denúncia da degradação humana e possibilidades de ser utilizado
como um instrumento de transformação social” (p. 39).

É importante destacar ainda que um processo de investigação nessa perspetiva deve ter como base
na noção de que a objetividade científica
só se torna possível à medida que se compreender a realidade enquanto processo que se
constrói na trama complexa das relações sociais, que se buscar captar os fenómenos não
como fatos em si, nem tampouco como ideias sobre os fatos, mas sim como concretudes
históricas, sínteses de múltiplas determinações (Meira, 2000, p. 41).

Ao mesmo tempo em que denuncia a condição de degradação a que está submetida parcela
significativa da humanidade, as elaborações críticas também apontam determinados aspetos para
superar, por intermédio da ação humana, a condição de exploração inerente ao sistema capitalista.
Com base na perspetiva teórica acima apresentada, uma das etapas iniciais da pesquisa consistiu
na busca por artigos que tratassem a respeito das Escolas Democráticas – com ênfase em experiências
brasileiras – que tivessem sido publicados em revistas conceituadas da área de Psicologia Escolar e
Educação. O período escolhido para o levantamento de artigos foram do ano 2000 a 2014, e
investigou as seguintes revistas: Educação e Pesquisa, ligada à Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo; Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, ligada ao Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP); Revista Psicologia Escolar e Educacional,
ligada à Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE); Revista Brasileira de

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Educação, ligada à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Não


cabe, entretanto, aprofundar neste momento os detalhes de tal levantamento, mas sim assinalar que
não foi encontrado nenhum artigo referente às Escolas Democráticas nestes importantes periódicos
das áreas de Psicologia e Educação. Porém, ao todo foram selecionados 16 artigos que tratam sobre os
princípios da gestão democrática e a participação de estudantes e da comunidade no funcionamento
escolar que foram de fundamental importância para o presente trabalho à medida que apresentam
considerações que serviram de apoio para as análises e discussões realizadas.
Além do levantamento de artigos optamos pela realização de uma entrevista com a diretora de uma
Escola Democrática da rede pública de educação, uma das escolas pioneiras no Brasil a mudar sua
maneira de estabelecer o currículo, a prática pedagógica, a gestão e a relação com a comunidade.
Como ferramenta de investigação foi utilizada a entrevista do tipo semiestruturada (Bleger, 1980;
Bogdan & Biklen, 1994; Bosi, 2003) com perguntas que buscavam saber sobre a história institucional,
o quotidiano escolar; o papel da escola na formação do cidadão, a relação com sistema educacional e
com outras Escolas Democráticas. O conteúdo das respostas foi investigado com base na Análise de
Prosa (André, 1983) e serão apresentados a seguir, com destaque para as questões da Gestão e da
relação com a comunidade.

Resultados e discussão
Breve contexto da escola pública participante da pesquisa

A escola pública estudada pertence à Rede Municipal da cidade de São Paulo e iniciou a
implantação de uma proposta democrática de gestão a partir de 1996. Os motivos que conduziram a
esta mudança centraram-se nas dificuldades comumente constatadas nas redes públicas: alto índice
de evasão escolar, insatisfação dos docentes, distanciamento da comunidade, gestão centralizada no
diretor, dentre outros aspetos. A presença de uma nova diretora na escola possibilitou a implantação
de um movimento de enfrentamento dessas dificuldades. Nesse momento, a diretora que assumia teve
conhecimento da experiência portuguesa da Escola da Ponte (Groppa & Sayão, 2004), projeto
educacional bem-sucedido e que foi então inspirador das propostas implementadas no projeto
político-pedagógico construído a partir desse momento, de maneira a envolver professores,
funcionários, comunidade e estudantes nas decisões escolares.

A proposta político-pedagógica participativa como instrumento de conhecimento e


de formação democrática
A proposta pedagógica da escola tem como base a compreensão de que a participação dos
estudantes é o principal meio de desenvolver seu interesse, seja o interesse pelos conteúdos
curriculares, seja o interesse na elaboração e manutenção do funcionamento do espaço coletivo. A
escola parte do envolvimento dos estudantes com as tarefas para expandi-las e apresentar novos
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conteúdos, de modo que existem diversas práticas centradas na participação dos alunos como, por
exemplo, as rodas de conversa, assembleias de alunos e grupos de responsabilidade. Y. Dourado
(comunicação pessoal, 2015) propõe como algo central à organização de todo processo educativo a
ideia de expandir os conhecimentos dos alunos partindo de seus interesses. No mesmo sentido, Freire
(2011) também aponta como indispensável a estratégia pedagógica de partir daquilo que as pessoas
conhecem, isto é, construir o conhecimento crítico a partir da vivência concreta.
Um outro aspeto a ser destacado no trabalho político-pedagógico desta escola refere-se à
apropriação do conhecimento pelos estudantes de maneira que os conteúdos presentes no processo de
aprendizagem sejam significativos para eles. As pesquisas no âmbito da Psicologia Histórico-Cultural
destacam esta dimensão fundamental do processo de aprendizagem, como analisam Asbarh e Souza
(2014):
para que a aprendizagem escolar ocorra, as ações de estudo dos estudantes devem ter
um sentido pessoal correspondente aos motivos e aos significados sociais da atividade
de estudo, no sentido da promoção do desenvolvimento humano.

E para que haja essa atribuição de sentidos, devemos considerar no processo pedagógico as
seguintes dimensões:
Mediação afetiva no processo de aprendizagem; as ações geradoras de motivos de
aprendizagem, que podem transformar a necessidade de aprender em motivos da
atividade de estudo; a importância da coletividade na constituição da atividade de
estudo; e a ação orientada do professor como elemento central na formação dos motivos
dos estudantes.

Em síntese, a compreensão desta escola sobre a formação democrática no processo político-


pedagógico está intrinsecamente articulada com a dimensão da participação e da atribuição de sentido
a esta participação e aos conteúdos estudados. Esta difícil relação pedagógica tem-se mostrado
fundamental para a execução do projeto político-pedagógico.

A atuação da Direção Escolar na democratização da escola


A gestão democrática do ensino público é uma das grandes conquistas populares da história
recente do país. Em que pesem as contradições e disputas que se dão no processo de sua elaboração,
os princípios presentes nos marcos legais educacionais dão amplas condições para que as escolas, com
a participação direta da população, criem propostas educativas singulares, que busquem responder
suas necessidades e interesses. Com isso, as Escolas Democráticas surgem como uma alternativa que
pode, a partir de suas experiências, de suas tentativas de inventar e reinventar práticas pedagógicas,
trazer contribuições para toda a educação pública.

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A trajetória profissional da diretora desta escola não difere de outras educadoras de sua geração,
mas apresenta marcas de práticas de gestão democrática, a partir de sua experiência na implantação
dos Conselhos de Escola no Governo Municipal da Prefeita Luiza Erundina (1989-1993). O que se
destaca em sua atuação está exatamente na proposta participativa de gestão, centrada na
articulação com professores e comunidade local, permitindo a participação ativa da comunidade
(Groppa & Sayão 2004). Este trabalho de participação encontra no dispositivo do Conselho Escolar
um território institucional fundamental. Mas esta proposta participativa de gestão precisa ser
conquistada diariamente, fruto de um trabalho formativo de participação da comunidade, de maneira
a conhecer e respeitar os marcos legais educacionais, sem cair no legalismo, reforçando a importância
do Projeto Político-Pedagógico da escola. Monteiro (2007) afirma que “para participar efetivamente se
faz necessário um mínimo de conhecimento e capacidade política”, porém faz a ressalva de que “as
próprias experiências [de participação] do indivíduo suprem parcialmente a necessidade desses
requisitos” (p.376). Rovira (2000) enfatiza que a formação para a participação da comunidade está
ligada a uma dimensão prática concreta importante, ou seja, “si enseña a participar participando”18 (p.
57). Entretanto, para além do aprendizado ligado à dimensão da prática concreta de participação, a
escola deve, ativa e conscientemente, buscar promover uma formação não somente dos alunos mas
também da comunidade, para que esta última compreenda as relações da escola com o sistema
educacional e a legislação educativa.
O processo participativo não isenta o diretor da dimensão administrativa de sua prática.
Entretanto, ao reconhecer os limites burocráticos e se envolver em práticas pedagógicas a diretora
apresenta uma compreensão que se aproxima daquela proposta por Paro (2010) de que a direção
“contém a administração e simultaneamente lhe é mais abrangente” (p. 769). E, mais do que ser
abrangente, a direção se orienta de acordo com uma filosofia e política da educação que se estrutura a
partir da preocupação com a participação ativa da comunidade. Ainda que os mecanismos de
participação estejam previstos em leis, as condições concretas do funcionamento escolar e da
sociedade contribuem para que estes não funcionem como deveriam na promoção da democratização
da educação. Assim, uma direção escolar com maior ou menor inclinação à participação da
comunidade pode ser um fator determinante.
Entretanto, mesmo que o diretor tenha interesse em promover a participação e mesmo que tenha
amplos poderes para tal, ele também possui restrições. Ele está submetido à responsabilidade
funcional de seu cargo e deve responder às instâncias superiores pelas decisões tomadas
coletivamente. Tal configuração o coloca em uma posição, de certo modo, frágil, à medida que
algumas decisões coletivas podem ter graves consequências para ele. Ao mesmo tempo, o convoca a
uma função formativa junto à comunidade para que esta possa compreender os limites e
possibilidades da escola no interior do sistema educacional público. Não é fácil, muito menos simples,

18 Tradução livre: “se ensina a participar participando”.

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estar nesse lugar de quem se dispõe a se abrir para a participação da comunidade; é preciso enfrentar
dificuldades e inventar soluções cotidianamente, sempre buscando respaldo nos marcos legais e nas
decisões coletivo (que podem eventualmente ser antagónicos).
Além disso, o que é exigido do cargo de direção pelo sistema educacional se concentra em aspetos
meramente administrativos (no sentido restrito do termo), tomando a escola como qualquer
empreendimento, de maneira que o que é exigido pouco depende da formação pedagógica do diretor.
Mais do que isso, tais exigências administrativas, de caráter mais burocrático, deixam de lado aquilo
que é central na educação escolar, justamente as especificidades de sua finalidade, a necessidade de
relações democráticas para a constituição de sujeitos-históricos.

Considerações finais
Analisando a temática, é possível afirmar que a constituição de propostas pedagógicas
democráticas e a formação para a democracia no âmbito da escolarização são dimensões inseparáveis
para a superação das contradições estabelecidas nas relações produzidas em uma sociedade de classes.
Na materialidade da vida diária escolar, são muitos os desafios para a implementação de uma Escola
Democrática. No caso específico da escola desta pesquisa, os passos dados para a promoção desta
superação centraram-se nos seguintes aspetos: busca de respostas em experiência bem-sucedida de
projeto político-pedagógico no movimento da Escola Democrática; proposta político-pedagógica
participativa como instrumento de conhecimento e de formação democrática e na atuação da Direção
Escolar na democratização da escola.
Cury (2015) afirma que o oposto à democracia é o autoritarismo. Nesse sentido, quando uma
escola se afirma (ou é conhecida como) Escola Democrática, uma pergunta logo vem à tona: se essas
são Escolas Democráticas, as outras, em contrapartida, são escolas autoritárias? A resposta para tal
questão não é simples e necessita de cuidado e atenção para as nuances e sutilezas existentes na
relação entre Educação e Democracia.
Libâneo (2014) indica que a dimensão da democratização da escola é encarada sob diferentes
perspetivas. Por um lado, existe a preocupação de órgãos oficiais em garantir o acesso das camadas
mais pobres à escola sem, entretanto, garantir condições mínimas para manutenção de tal acesso. Por
outro lado, existe uma parcela dos educadores mais críticos que compreendem que a democratização
se faz através da transformação dos mecanismos de tomadas de decisão sobre o funcionamento
escolar. Entretanto, ambos deixam de lado o essencial, isto é, democratizar o conhecimento, não
sendo suficiente apenas a democratização do acesso à escola e do processo de tomada de decisões pois
“a contribuição essencial da educação escolar para a democratização da sociedade consiste no
cumprimento de sua função primordial, o ensino” (p.12).
Nesse movimento de pensar a democratização da sociedade é preciso considerar, ainda que
brevemente, a constituição histórica da democracia. Conforme aponta Rosenfeld (2009), a

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democracia surge na antiguidade como um sistema político de governo das cidades-estado da Grécia,
contrapondo-se à monarquia e a aristocracia. Em seu sentido etimológico a palavra democracia
significa “governo do povo” ou “governo da maioria”, enquanto a monarquia era o “governo de um só”
e a aristocracia “governo de alguns”. Na antiguidade “a maioria” possuía um significado mais restrito
do que atualmente, pois naquele momento ela “denota apenas aqueles cidadãos reconhecidos
politicamente como tais, à exclusão de todos aqueles que se dedicavam às tarefas de reprodução física
e material” (p. 8). Estavam excluídos de participar, portanto, as mulheres, os escravos, as crianças e
também os estrangeiros. Ou seja, desde o início a democracia ainda que tenha representado avanços e
que se pretenda contemplar a ampla participação das pessoas nas decisões, o faz excluindo parte
significativa da sociedade.
Araújo (2002) aponta como ao longo do século XX diversas formas de governos (e pessoas) se
intitularam democráticos e, como exemplo, cita o sistema de governo capitalista estadunidense, o
socialismo da União Soviética, o modelo de Estado nazista de Hitler, o fascismo de Mussolini, o
regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1980. Para ele isso é um indicativo de que “a palavra
democracia, enfim, parece permitir que qualquer forma de governo seja concebida como democrática,
dependendo da definição que lhe seja dada e das intenções do governante” (p. 28). O autor aponta
também que algo semelhante acontece também no campo educacional, em que a maioria dos
educadores e das escolas se intitulam democráticos “sem se preocupar com a base conceitual e prática
sobre a qual elaboram tal autoconceito” (p. 28).
Nesse sentido, esperamos ter contribuído para a construção de práticas e concepções democráticas,
tanto para a Educação, quanto para a Psicologia, sempre tendo em conta, como nos alerta Mészáros
(2014), que diz, “Com relação ao futuro, a democracia corre perigo. Por isso, para nós é uma
obrigação, é extremamente importante manter solidamente os valores da democracia e defendê-la das
tendências e forças autoritárias que são inseparáveis do capital”.
A escola democrática é um importante dispositivo para a formação para a democracia, com todas
as contradições e desafios nela presentes e na sua relação com a sociedade de classes em que se insere.

Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Educação,
Brasil, pelo apoio à pesquisa realizada.

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Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

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ISBN: 978-989-53210-1-8

CRISE PANDÉMICA: INCIDENTE CRÍTICO POTENCIADOR DE MUDANÇA?

SUSANA CAETANO DOMINGOS

INSTITUTO POLITÉCNICO DE TOMAR – TECHN&ART, PORTUGAL.

Introdução
A reflexão é um exercício de oportunidades para olhar para trás e rever ocorrências, projetando
novas ideias para o futuro. Refletir sobre inesperados problemas que forçaram docentes e discentes à
mudança contribuirá para a abertura destes a novas ideias, descobrindo-se novas formas de agir.
Atravessados os momento de emergência 2020/2021, com a propagação da Covid-19, os docentes
sentiram necessidade de uma adaptação em tempo record à generalização do ensino à distância. Sem
dúvida que situações de emergência exigem reações de emergência e os docentes têm mostrado estar à
altura do desafio, encarando-o como uma oportunidade de desenvolvimento de diferentes perspetivas
didático-educacionais. A adaptação de alunos e estudantes provou depender de várias variáveis, como
o ambiente social, o ambiente familiar e as características de cada um, como ser único, original e
irrepetível.
Olhar para esta realidade da perspetiva dum Incidente Crítico à escala mundial, observar o
comportamento de todos os envolvidos na realidade educacional, a sua reação ao mesmo, a mudança
provocada pelo exterior e a forma como reagimos a uma situação tão exigente merece-me atenção.
Neste capítulo, pretende-se contribuir para a consciencialização da importância da reflexão e
mudança a partir do incidente crítico, das suas emoções e do impacto na relação pedagógica com os
estudantes num período inesperado, e duradouro.

Desenvolvimento
1. Incidente crítico
Assumindo a noção de que a mudança deve envolver os participantes, que deverão refletir sobre os
processos nos quais estão envolvidos, surge o conceito de Incidente Crítico.
Foi nos Estados Unidos, com John Flanagan, que esta técnica foi desenhada. Centrando a sua
atenção no comportamento observável, é um conceito behaviorista, que pressupõe a descrição
operacional da situação, referindo-se Flanagan a incidente como “… toda a atividade humana
observável, suficientemente completa, para que por meio dela se possam fazer induções ou previsões
sobre o indivíduo que realiza a ação” (Flaganan, 1954, p.166). Este autor de referência da psicologia e
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da pedagogia esclarece o que, na sua perspetiva, transforma um incidente em “crítico” afirmando que
“para ser crítico um incidente deve dar-se numa situação tal que o fim ou intenção da ação apareçam
suficientemente claros ao observador e que as consequências da ação sejam evidentes” (Flaganan,
1954, p.166).
Apesar de ter inicialmente surgido como técnica de formação na Força Aérea Americana, cedo
chegou também à área do ensino, ainda com Flanagan a desenvolver na década de 1960 dois projetos
que implicavam a técnica dos incidentes críticos: o Project Talent e o Project PLAN, sendo neste
último a técnica dos Incidente Crítico a sua base metodológica.
Na área educacional, encontramos várias investigações e publicações sobre esta prática, aplicada
em diversas situações e em diferentes contextos, os quais tentarei apresentar de forma breve.
Ao dedicar-me ao estudo concetual do Incidente Crítico, ao longo deste capítulo tentarei apresentar e
clarificar algumas destas definições, sendo que, desde já, me refiro às principais diferenças:
1) Se por um lado alguns autores apresentam Incidente Crítico como um determinado
acontecimento desestabilizador na prática profissional, outros apresentam-no como uma modalidade
de formação;
2) Uma perspetiva é a de que um Incidente Crítico é um caso externo, que contrapõe a de que é
uma experiência real da prática profissional;
3) Outra diferença prende-se com o método de análise de Incidente Crítico: se se realiza
individualmente pelo docente, ou em conjunto, por exemplo por um grupo de docentes.
Em Portugal, Maria Teresa Estrela e Albano Estrela (1994) discutiram a aplicação desta técnica no
ensino, reconhecendo-lhe desde logo, grande utilidade. Inicialmente referiram-se a três aspetos
essenciais:
1) o registo de Incidente Crítico pelo professor, o que permite um conhecimento mais profundo dos
alunos;
2) a utilização desta técnica como ponte entre a formação teórica e a prática pedagógica;
3) a utilização da técnica dos Incidente Crítico como base de apoio à elaboração de instrumentos de
avaliação.
Retomando a análise da evolução, explicação e mutação do conceito, importa fazer referência à
obra de Loffredi e Silva (1981) que, no início dos anos oitenta, recorreram à técnica dos Incidentes
Críticos na área da formação de orientadores educacionais, categorizando em três tipos a análise dos
incidentes que envolviam estes agentes educativos:
1) a análise de Incidentes Críticos por meio de alternativas de ação;
2) a análise de Incidentes Críticos por meio de questionamento dirigido;
3) a análise de Incidentes Críticos sob a forma de simulação.
Apresentar a definição deste conceito implica obrigatoriamente passar por Tripp, que nos seus
estudos clarifica que não são apenas os acontecimentos indicados como positivos que poderão

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contribuir para um bom ensino, sendo também o percursor na explicação da diferença entre Incidente e
Incidente Crítico esclarecendo
Incidentes acontecem, mas Incidentes Críticos são produzidos pelo modo
como olhamos uma situação: um Incidente Crítico é uma interpretação do
significado de um evento. Muitas vezes os eventos que relatamos e
relembramos são coisas rotineiras que nos fazem sentir felizes ou infelizes…
(Tripp, 1993, p.7).

Outro autor de referência, Woods (1997), vai mais longe nesta distinção, distinguindo “experiência
ou evento crítico” de “Incidente Crítico”, conceitos que importa aqui apresentar e clarificar. Na visão
de Woods, os Incidentes Críticos não são previsíveis, planeados nem controlados; são sim “momentos
e episódios altamente energéticos que têm enormes consequências para o desenvolvimento e
mudanças pessoais (…)”. E é aqui, neste último conceito que encaixo os últimos dois anos. A
pandemia mundial não foi previsível, planeada e dificilmente controlada. e vejo-a como um momento
significativo com ainda desconhecidas consequências para o desenvolvimento e mudança.

1.1 Incidentes Críticos e o ensino


Um acontecimento delimitado no tempo e no espaço que, ao ultrapassar um determinado limite
emocional do professor, coloca em crise ou destabiliza o seu modo de agir convencional é a definição
de Incidente Crítico apresentada por Everly e Mitchell em 1999. Segundo os autores, o Incidente
Crítico provoca a necessidade de rever conceções e estratégias, mas também sentimentos do docente.
Deste modo, a técnica dos Incidentes Críticos é apresentada como uma ferramenta capaz de provocar
mudanças significativas na sua identidade profissional.
Bolívar, acérrimo defensor de que é na dimensão pessoal que está a base do desenvolvimento
profissional, afirma claramente que esta dimensão deverá assumir o seu papel de merecido destaque,
e após se dedicar ao estudo dos ciclos de vida de professores, destaca “o papel que os incidentes
críticos desempenham na evolução e identidade profissional” (Bolívar, 2002, p.62). Apresenta
Incidentes de um modo que se aproxima de Woods na sua concetualização.
Bolívar (2002) identifica um Incidente Crítico como um momento de crise, que pode reforçar uma
identidade ou alterar-lhe o rumo, tanto profissional, como pessoalmente. Este tipo de Incidente
Crítico implica também que o sujeito o reconheça e identifique como um momento marcante.
Em 2008, Farrell, assim como Hussu, Toom e Patrikainen retomam a conceção de Tripp (1993).
Acreditam que ao analisar o Incidente Crítico mais do que uma vez, em diferentes fases, se abre portas
a uma mudança mais consciente.
Uma experiência não planificada que se converte em objeto de investigação por parte dos docentes
com o objetivo de estudar profundamente a situação para produzir conhecimento é a definição
apresentada por Litwin em 2009.

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Monereo (2010) recupera a definição de Everly e Mitchell, de que um Incidente Crítico é um


acontecimento delimitado no tempo e no espaço e que ao ultrapassar um determinado limite
emocional do professor, coloca em crise ou destabiliza o seu modo de agir convencional,
acrescentando ainda que, para recuperar o controlo da situação, o docente tem, muitas vezes, que
utilizar mecanismos psicológicos profundos, capazes de criar novas versões de si próprio, ou seja, uma
nova identidade. Fica também claro que, para este autor, para que um Incidente Crítico tenha o
devido efeito é necessário que os intervenientes o vejam como tal.
E é assim, nesta perspetiva, que associamos a crise pandémica claramente a um incidente crítico
na área da educação à escala mundial.

1.2 Incidentes Críticos e a formação de professores


A utilização dos Incidentes Críticos como técnica tem sido utilizada em vários campos de
investigação. Hoje em dia a aplicação desta técnica tem expandido para outras áreas, nas quais se
encontra a educação. Weise (2011) justifica esta expansão com o reconhecimento da validade e
eficácia da técnica, valorizando a sua aplicação prática, flexibilidade e versatilidade.
Assim, a análise de Incidentes Críticos é reconhecida como um método qualitativo e
fenomenológico, capaz de permitir aos sujeitos refletir sobre os acontecimentos ocorridos e os
sentimentos e emoções experienciados pelos intervenientes (Weise, 2011).
No campo da educação a utilização da técnica tem despertado interesse e revela-se capaz de
construir uma metodologia na área da formação de professores, por demonstrar potencial para se
desenvolver no meio autêntico.
Nesta linha assume-se como primeira fase aquela em que se situa o Incidente Crítico no contexto,
definindo o seu significado, descrevendo os antecedentes ou outros elementos relevantes.
De seguida, analisa-se o desenvolvimento do Incidente Crítico, através do levantamento da
situação, do motivo desestabilizador, do comportamento dos intervenientes, o timeline, as decisões
tomadas, as emoções e sentimentos provocados e as consequências do mesmo.
Por fim, a redescrição ou interpretação que o próprio sujeito faz relativamente ao sucedido: como
explica a base do problema, os fatores desencadeadores, as formas de atuação, as decisões tomadas, as
emoções que irromperam e ainda a forma como olha o acontecimento numa perspetiva regressiva.
Da interpretação de Navas, Garcia, Molero e Cuadrado (2002) e de Rosales (2000) podemos
identificar quatro tipos de Incidentes Críticos:
1) os incidentes didáticos, relacionados com a planificação, a metodologia, os conteúdos, a gestão do
tempo e/ou a avaliação;
2) os incidentes organizativos, de caráter institucional ou ao nível da aula;
3) os incidentes referentes a ajuda ou negociações docente-alunos na aula;
4) os Incidentes relativos ao sentido e à responsabilidade, isto é, ao significado das ações e aos aspetos
afetivos ou interrelacionais.

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Em 2012, o desenvolvimento do estudo piloto “SharEVents. La utilización de informes


compartidos sobre incidentes críticos como medio para la formación docente” (Monereo, Panadero &
Scartezinio, 2012) equaciona a possibilidade de partilhar as perceções de alunos e docentes do ensino
superior, e revela potencial para provocar mudanças substanciais e profundas na identidade
profissional do docente. A publicação do livro “Enseñando a enseñar en la Universidad: La Formación
del Profesorado basada en Incidentes Criticos” (2014), com a coordenação de Carles Monereo, propõe
sistemas de formação inovadores, baseados numa ação integral sobre as conceções, estratégias,
emoções e sentimentos sobre a docência.
Coloca-se aqui uma grande questão: a crise pandémica não encaixa em nenhuma destas definições,
mas é sem dúvida um momento desestabilizador, marcante na identidade de cada um de nós e por
isso, reflexivo e potenciador de mudança e transformação.

2.Reflexão Docente
2.1 Exploração do conceito
O poder da reflexão tem sido estudado, de modo mais frequente, nos últimos anos e é-lhe já
reconhecida a devida importância no que diz respeito à proporcionalidade direta existente entre a
reflexão e a melhoria das práticas (Alarcão, 1996; Dewey 1933; Kemmis, 2001; Oliveira &Serrazina,
1999; Schön, 1987; Zeichner 1993, 2003, 2008).
How we think (1910, 1933) e Logic: The theory of inquiry (1938) de John Dewey são obras
pioneiras no assunto da reflexão. Introduziu a distinção entre o pensamento e o pensamento analítico,
assumindo que este último surge quando há um problema real para resolver.
Dewey (1933, cit. in Zeichner, 1993, p. 18) apresenta a reflexão como sendo “uma maneira de
encarar e responder aos problemas, uma maneira de ser professor”. Contudo, não são competências
que se adquiram, por exemplo, através do estudo. É um processo de desenvolvimento do pensamento,
para o qual Dewey (1933, cit. in Zeichner, 1993) definiu três atitudes essenciais do professor: a
abertura de espírito, a responsabilidade e a sinceridade.
A abertura de espírito pressupõe, primeiro, que o professor assuma que pode errar. Depois é
essencial que demonstre sensibilidade, disponibilidade e capacidade para ouvir opiniões, aceitar
críticas e ainda para se autocriticar. A segunda atitude, a responsabilidade, transporta-nos para a
reflexão do professor sobre as consequências do trabalho que desenvolve, as quais podem ser
pessoais, académicas, sociais e/ou políticas. Por fim, a sinceridade, tem um papel de destaque, pois a
fiabilidade das conclusões obtidas depende em grande parte do facto de a reflexão ter sido sincera.
Para que o desenvolvimento da reflexão possa ser real no campo da Educação, Dewey defende que
é necessário um equilíbrio entre a reflexão e a rotina, entre o ato e o pensamento. Para este autor, a
capacidade para refletir surge do reconhecimento de um problema, de um dúvida e a aceitação da
incerteza.
E é neste ambiente de incerteza que toda a comunidade educativa tem vivido.

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O pensamento crítico ou reflexivo pressupõe uma avaliação contínua de crenças, de princípios e de


hipóteses em relação a uma panóplia de dados e de possíveis interpretações desses dados. Com grande
influência no domínio educacional, Donald Schön e Kenneth Zeichner são claramente autores de
referência. Schön deu grandes passos relativamente à noção de “prática reflexiva”. Segundo este autor
(1992), a reflexão é o que leva a que o profissional interiorize o seu modo de conhecer a realidade com
que se depara. Schön argumentou que através da reflexão e da reflexão-na-ação os professores
poderão reinterpretar e reenquadrar o seu trabalho e, consequentemente, tornar-se-ão “práticos
reflexivos”. Assim, Schön propõe um modelo de prática reflexiva, distinguindo a reflexão na ação, a
reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.
Clarificando, a reflexão na e sobre a ação são processos geralmente reativos, distinguindo-se pelo
momento em que ocorrem: a reflexão na ação ocorre durante a prática, sendo que a reflexão sobre a
ação, como o próprio nome indica, ocorre num momento posterior ao acontecimento.
Neste momento a reflexão na e sobre a ação ressoa em mim como urgente e uma das únicas formas
de recuperarmos deste momento de crise. É necessário ganhar um olhar exterior, afastarmo-nos desta
realidade, reconstruirmos toda a estrutura educativa já tantas vezes posta em causa, mas sem grande
sucesso.
Já Éraut (1995), propunha a reflexão depois e a reflexão distanciada da ação.
Também Day (2001) acredita que, a prática da reflexão-na-ação pode ser vantajosa mas
dificilmente resultará numa reavaliação crítica ou numa mudança.
A reflexão sobre a reflexão-na-ação proposta por Schön refere-se à análise que o professor realiza
sobre as características e processos da sua ação num momento posterior, resumindo-a como “uma
ação, uma observação e uma descrição, que exige o uso de palavras” (Schön, 1992, p. 83). Através
desta reflexão pretende-se que o profissional seja capaz de entender e interpretar os problemas e
encontrar soluções para os mesmos, estabelecendo a ligação entre a teoria e a prática. No fundo, é este
processo de reflexão que ajuda o profissional a evoluir pois é uma reflexão orientada para a ação
futura.
Nesta linha de pensamento, Day também refere que “para que continuem a desenvolver-se
profissionalmente, os professores têm de envolver-se em diferentes tipos de reflexão, na investigação-
ação e na narrativa, ao longo da carreira, e ser apoiados para enfrentarem os desafios que tal
empreendimento implica (Day, 2001, p. 84).
No trabalho de Wellington e Austin (1996) podemos encontrar cinco sentidos da prática reflexiva,
resumidos por Day (2004, p. 161). A orientação imediata, como o próprio nome indica, resolve as
questões no imediato, no momento em que decorrem, tendo por isso normalmente um pouco efeito
duradouro, sendo superficial. A orientação técnica, focada no comportamento, orienta e controla a
prática. A orientação deliberativa prende-se com relação entre a realização das atividades e a
descoberta do significado pessoal dum contexto educacional. A orientação dialética assenta num
questionamento contínuo que promove a emancipação e a responsabilidade pessoal. Por fim, a

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orientação transpessoal, focada nas relações do eu interior e exterior, enfatiza o desenvolvimento


pessoal.

2.2 O conceito revisitado e níveis de reflexão


Apresentando-se a reflexão como um conceito bastante analisado pretendemos ainda resumir
outros sentidos que apontam a reflexão como um salto para o pensamento crítico (Korthagen, 2004),
que ajuda à construção de conhecimento no ensino (Conway, 2001), desenvolvendo a autorregulação
dos professores.
Korthagen (2009) considera que o ensino tem sido orientado de forma racional e consciente, logo,
a reflexão tem incidido sobretudo sobre processos de tomada de decisões também conscientes e
racionais, exclusivos do pensamento analítico. Por outro lado, se o foco passar a ser o lado
intrapessoal do professor, os aspetos não racionais do comportamento de ensino, a reflexão sobre os
aspetos menos conscientes do processo ganhará mais destaque.
Assim, Korthagen apresenta o modelo ALACT (Action / Looking back on the action / Awareness of
essential aspects / Creating alternative methods of action / Trial). Este modelo desenvolve-se a partir
da ação, seguida da reflexão sobre a ação. Com a tomada de consciência de determinados aspetos
essenciais é possível a criação de métodos alternativos de ação que precederão o ensaio.

Figura 1 - Modelo ALACT da Reflexão, adaptado de Flores e Veiga Simão (2009)

Korthagen (2009) resume a sua compreensão de reflexão da seguinte forma:


“1. É benéfica se os professores forem estimulados a refletir sobre as suas
próprias experiências da sala de aula com base nas suas preocupações
pessoais.”
2. É benéfica se a reflexão sobre as fontes não racionais do comportamento
estiver incluída.

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3. É benéfica se essa reflexão seguir uma estrutura sistémica e se essa


estrutura for explícita.
4. É benéfica se essa estrutura for introduzida de forma gradual.
5. É benéfica se se promover a meta-reflexão.
6. É benéfica se se promover a aprendizagem reflexiva assistida por pares.”
A procura de clarificação da noção de reflexão tem levado também à distinção da reflexão por
níveis. Apresentamos na Figura 2. o modelo de níveis de reflexão de Korthagen (2004).

Ambiente
Comportamento

Competências

Crenças

Identidade

Missão

Figura 2 - Modelo de níveis de reflexão de Korthagen (2004)

Este modelo apresenta seis níveis de reflexão: o primeiro nível, o ambiente/meio prende-se com a
capacidade do professor refletir sobre, por exemplo, a escola, uma turma ou até um determinado
aluno; o segundo nível intitulado comportamento versa sobre a capacidade do docente refletir sobre o
seu comportamento pedagógico; a reflexão acerca das competências surge no terceiro nível, o nível
intermédio deste modelo de níveis da reflexão. A partir daqui, quando se atinge metade dos níveis que
compõem o modelo, começa a atingir-se níveis de reflexão mais profundos. A reflexão sobre as
crenças, o quinto nível, ou sobre a própria identidade profissional ou pessoal, é já dum nível de
exigência maior. Por fim, o último nível “que se refere à inspiração pessoal do professor, aos ideais e

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aos propósitos morais” (Korthagen, 2009, p. 53) é de um nível já transpessoal, que versa sobre qual o
papel do indivíduo na escola, na sociedade, no mundo; quais as suas missões enquanto professores.
É de referir que estes níveis não devem ser vistos de forma isolada, mas sim interrelacionada. É
através da articulação entre todos os níveis que se conseguirá encontrar o equilíbrio.
Reportando-se ao cerne do modelo, a identidade e a missão, o autor refere-se à reflexão nuclear,
não só porque estes níveis estão mais próximos do centro do indivíduo, mas também porque através
desta reflexão o indivíduo entra em contacto com as suas características centrais que, muitas vezes,
até o próprio desconhecia.
Vemos assim que a reflexão, não é, nem pode ser apenas um processo cognitivo, pois “tal como o
próprio ensino, exige um compromisso emocional e envolve a mente e o coração” (Day, 2001, p. 84).

3. Mudança
3.1 Novos caminhos para a mudança
Desde os anos 60 que a questão da mudança em contexto educativo tem sido objeto de um estudo
mais profundo, seja relativamente ao tempo da mudança, ao seu contexto ou aos seus agentes.
Entre os anos 60 e 80 as teorias de mudança estavam intrinsecamente relacionadas com a
“inovação”. Nesta fase, pós segunda guerra mundial, os professores tinham bastante autonomia, em
virtude do momento histórico que se atravessava, e por isso era-lhes deixado o poder da tomada de
decisão relativamente a transformações ou inovações, ou seja, à definição da mudança. Assim, as
alterações ocorriam sobretudo provocadas pelos funcionários das escolas e da administração
educativa. A mudança era vista como um processo linear com quatro fases: iniciação; implementação;
continuação e resultado (Hargreaves & Fullan, 1992).
A esta fase em que o papel interno da escola era bastante ativo quanto à mudança, seguiu-se uma
época na qual “as forças internas veem-se, agora, numa situação em que têm que reagir às mudanças
em vez de as iniciarem” (Goodson, 2008, p. 153).
A forma dos professores olharem a mudança varia. Agora, olham-na com desconfiança, têm
reservas em aceitar propostas vindas do exterior, que veem como impostas por quem não conhece por
dentro a realidade das escolas. Entra-se numa fase de conflito entre os agentes internos e os externos
da escola, mostrando-se os professores frequentemente contra as propostas de mudança que surgem
do exterior, reagindo negativamente, numa postura meramente reativa.
Teorizadores dos anos 80 e 90 apelam, então, à importância basilar do professor nos processos de
mudança, isto é, apelam à dimensão pessoal da mudança, pois não olham o professor como um
profissional técnico que se limita a executar tarefas ordenadas por alguém, mas sim como “um
construtivista” (Clark & Peterson, 1986) que processa informação, decide, produz conhecimento
prático, tem crenças e rotinas, que intervém na sua atividade profissional (Garcia, 2013).
Ao recuarmos até este tempo, encontramos Guskey (1986) que considera a mudança como um
processo que envolve uma melhoria qualitativa e que tem obrigatoriamente que levar em conta que os

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professores são o principal agente desta mudança. Do mesmo modo, Fullan e Park reconhecem que “a
mudança é um processo, não um evento” (1981, p. 49).
Guskey (1986) apresenta, então, um modelo de mudança do professor, cujo foco principal é a ideia
de que as crenças e atitudes dos professores só mudam quando estes veem uma relação direta entre a
mudança e os resultados positivos dos alunos. Para o autor o foco da questão está no facto de que a
melhoria (resultados mais positivos na aprendizagem dos alunos) geralmente vem antes e pode ser
vista como um pré-requisito para que se dê uma alteração significativa nas crenças e atitudes da
maioria dos professores.
Também Sheehy (1981) considera que aderir à mudança surge quando ocorre uma alteração
interna nas crenças e nos planos dos indivíduos.
Fullan (1985) afirma que gerir a mudança complica-se devido aos processos pessoais de
aprendizagem que causam ansiedade nos sujeitos, apontando também a mudança como um processo
recíproco entre comportamento e crenças.
Importa aqui caracterizar o modo como se vê a mudança a partir desta época. Fernandes (2000, p.
49) recuperando as ideias de Fullan sobre a mudança menciona:
1) não pode ser imposta, nem minuciosamente regulamentada, porque isso
teria como efeito institucionalizá–la e torná–la superficial, diminuindo o
alcance dos seus objetivos e consequentemente o seu impacto;
2) é incerta, gerando, por isso, ansiedade, stresse, medo do desconhecido.
Produz, simultaneamente, aprendizagem, sendo todos estes estados – os
positivos e os negativos – intrínsecos ao processo de mudança;
3) é problemática, contribuindo os problemas para provocar novas ideias e
novos avanços, sendo a ausência de problemas sinal de que é de pequeno
alcance o que se está a tentar mudar;
4) exige tempo, não sendo desejável o seu planeamento prematuro, uma vez
que visão e planeamento estratégico não precedem a ação, antes emergem
dela. Neste sentido, há necessidade de “dar tempo” a que as diferentes visões
pessoais possam convergir e ser partilhadas com vista à construção de
objetivos comuns.

Fullan refere ainda que a mudança educativa deve ser também uma forma de superar o isolamento
e o individualismo muitas vezes existentes na profissão, apelando à colaboração entre os professores.
Contudo, chama a atenção para que a peer pressure não se sobreponha ao pensamento individual.
Saraiva (2001) refere-se às características da mudança, reforçando que esta deve ver “de dentro”, não
pode ser forçada. Nesta linha de pensamento, o professor desenvolve ativamente o seu processo de
mudança, mudança esta que tem que ser interiorizada, para que não seja temporária e superficial.
Com o verdadeiro envolvimento do professor, a mudança atinge níveis profundos que incluem a

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modificação ou a transformação de várias dimensões (valores, atitudes, emoções e perceções) que


orientam a prática.
Encaramos o final dos anos 90 e a passagem para o século XXI como a fase em que a mudança é
vista como internamente dependente dos sujeitos. Assim, a uma primeira fase, na qual se via a
mudança como sendo dominada pelos agentes externos (anos 60 e 70), seguiu-se a fase da imposição
de interesses externos (anos 80 e 90), culminando agora na fase em que o ênfase é claramente dado à
dimensão pessoal do professor.
Pelo modo como apresentamos o parágrafo anterior é possível de imediato compreender que um
dos principais problemas na forma como se viu a mudança a longo do tempo foi precisamente o olhá-
la como algo estanque que depende de um único fator para prosseguir.
Na realidade “necessitamos de novos modelos de mudança educativa que restabeleçam o equilíbrio
entre as questões internas, as relações externas e as perspetivas pessoais dessa mudança.” (Goodson,
2008, p. 162). A necessidade de equilibrar estes três aspetos e de integrá-los é essencial para que se
consiga uma mudança educativa real, coerente, eficaz e eficiente.
Segundo Caetano, “a mudança surge, assim, como um processo lento, que
imprevisivelmente se acelera, num tempo onde os propósitos se vão
definindo, em fluxo aberto, pelo que confluem, em aglomerados
complexos, mudanças de saberes, de competências, de valores e objetivos,
de ações de pesquisa e de intervenção, de atitudes e competências de
reflexão e de pesquisa” (2003, p. 33).

Para Richardson e Placier (2001), a ideia do carácter eminentemente individual da mudança, fá-la
integrar-se simultaneamente num sistema complexo de processos de mudança que se relacionam
entre si. Esta é, então, uma perspetiva complexa de mudança, que reconhece a importância de aspetos
associados à multidimensionalidade, às interações não-lineares, à sensibilidade aos contextos e à
auto-organização (Morin,1999).
Hopkins, Ainscow e West (1994) referem-se aos processos de mudança dos indivíduos ao nível do
seu pensamento e da sua ação. O modelo de Posner, Strike, Hewson e Gertzog (1982), baseado nos
conceitos piagetianos de assimilação e acomodação categoriza as mudanças nas crenças segundo o
impacto pessoal mais ou menos profundo e estruturante. Num dos pólos encontra-se a incorporação
de crenças no sistema já existente, enquanto no outro estaria a reorganização do sistema existente que
acomodaria a nova crença. Na realidade, “quanto mais enraizada a crença, menos profunda seria a
mudança” (Freire, Bahia, Estrela & Amaral, 2012, p. 4). De facto, as crenças mais profundas estão
relacionadas com a vida emocional e identidade pessoal, encontrando-se por isso num nível difícil de
alcançar. Contudo, quando tal sucede, estas são as mudanças que produzem maior impacto.

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Pajares (1992) refere também que a mudança de crenças depende da compreensão e aceitação de
que as crenças pessoais de cada um já não são as adequadas e, por isso, deseja a mudança. Neste
sentido, a reflexão pode originar mudança.
Richardson e Placier (2001) mencionam duas perspetivas de mudança: a dimensão cognitiva,
afetiva ou comportamental de um indivíduo ou de um pequeno grupo e a dimensão organizacional da
mudança, que integra aspetos estruturais, culturais e políticos da organização escolar com mudanças
nos professores e no ensino.
A ideia de mudança cognitiva ou conceptual é também apresentada por Weise (2011) e
fundamenta-se em trabalhos de autores cognitivos, como os de Ausubel, Novak e Hanesian (1978).
Este tipo de mudança pressupõe que o docente deve conhecer determinados modelos de ação que
adota na sua prática. Alcançar a mudança nestes níveis de ação depende sobretudo da vontade do
professor. Contudo, nesta perspetiva, transferir a mudança para aplicação noutros contextos ou com
outros grupos de alunos pode ser difícil, o que é apresentado como uma debilidade deste tipo de
mudança.
Esta autora refere-se à mudança focada na relação entre a reflexão sobre a prática e a prática
reflexiva. Como base a esta linha de pensamento está o conceito de professor reflexivo de Schön,
ancorado no pensamento reflexivo e originado numa atitude de constante problematização e reflexão
sobre a ação. Nesta perspetiva é dada importância à tomada de consciência que os professores têm (ou
concretizam) da sua própria conceção e prática e/ou do conflito entre o que pensa e faz, ou o que
gostaria de pensar e fazer (Zeichner & Liston, 1996). Assim, o conceito de profissional reflexivo surge
como essencial na concretização de uma mudança baseada na própria prática.
Uma terceira abordagem apresentada por Weise (2011) entende a mudança da prática docente não
como uma mudança pessoal e isolada, mas como uma mudança sistémica. Nesta perspetiva olha-se a
prática docente como um conjunto de modos de agir e a mudança será a variação nestes modos de
agir, acreditando que ao aprender com a experiência dos outros, melhoraremos a nossa possibilidade
de êxito.
Ainda nesta linha a autora referencia os estudos de Watzlawick, Weakland e Fisch (1995) sobre a
mudança e os problemas humanos, os quais indicam que a mudança não obedece necessariamente a
uma racionalidade e intencionalidade e, por isso, nem sempre têm uma direção clara ou ocorrem de
acordo com o previsto.
A forma mais simples de mudança é, para estes autores, a mudança de posição. A mudança de tipo
1 é apresentada como uma mudança que se produz no interior do sistema. A mudança de tipo 2 é a
mudança ao nível do funcionamento, que implica rutura, ao contrário do tipo 1 que é adaptativa.
Sem dúvida que o “papel central do professor como chave da mudança educacional e ainda a
importância do professor desenvolver a sua própria capacidade de mudar” (Caetano, 2003, p. 29) se
revela essencial.

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Também Goodson refere que “é importante e adequado conceder à transformação pessoal um


lugar de destaque na análise da mudança.” (2001, p. 47). Esta ideia tem vindo a ganhar espaço na
literatura, seja através dos trabalhos de Gardner (1995) sobre as mentes criativas, de Goleman sobre a
inteligência emocional, de Hargreaves sobre as emoções na educação ou os de Goodson sobre a vida e
o trabalho dos professores. Estes trabalhos vão no sentido do reconhecimento que, sem o real
envolvimento ao nível do pessoal dos professores, as mudanças ou reformas acabam por não
conseguir dar-se e muito menos manter-se no tempo.
Contudo, para uma mudança verdadeira, à vontade interna do docente, deve aliar-se o
desenvolvimento institucional. Com o objetivo de alcançar o sucesso da mudança educativa,
Fernandes (2000) refere-se à necessidade de desenvolver uma visão comum e com sentido moral,
fortalecer a ligação ao meio envolvente, estabelecer parcerias, procurando oportunidades para
conjugar esforços com outros.
Caetano (2003) equaciona cinco processos de mudança: pela ação, pela investigação, pela teoria,
pela interação/cooperação, pela reflexão. Vejamos o que se entende por cada um. Quanto à mudança
pela via da ação direta, entende-se o processo de intervenção com fins educativos imediatos (em sala
de aula ou não). A mudança pela investigação contempla todo o trabalho orientado para a pesquisa,
rigoroso, sistemático e que cumpra de forma rigorosa os procedimentos da investigação. A
aprendizagem teórica, obtida autonomamente ou em processos de formação, que inclui leituras
realizadas, de textos científicos ou não, contribui para a mudança pela via da teoria. Através da
interação/colaboração alcança-se também a mudança. Neste campo incluem-se os processos
colaborativos, seja num grupo de investigação, na escola, na comunidade ou noutros.
A mudança pela reflexão baseia-se em “processos de distanciamento em relação às situações
operando cognitivamente sobre elas, durante ou após o seu desenvolvimento, na busca de alternativas
de concetualização, de compreensão das situações ou da ação.” (Caetano, 2003, p. 45). O modo de
alcançar a mudança por esta via pode ser crítico, criativo ou aplicativo. O objeto da reflexão pode ser a
ação, a reflexão sobre a ação ou a reflexão sobre a reflexão.
De acordo com Veiga Simão, Caetano e Flores (2005), há três ideias centrais no que diz respeito
ao tema da mudança:
i) a mudança processual, ou seja, “a mudança é um processo complexo que
pressupõe a interação entre fatores pessoais e contextuais”;
ii)a mudança nas atitudes e crenças, isto é, “a mudança é um processo
interativo e multidimensional que inclui mudanças ao nível das crenças e
das práticas e a articulação entre ambas”;
iii) a mudança conceptual, pois “está intrinsecamente ligada à aprendizagem
e ao desenvolvimento” (p. 175).

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As mesmas autoras classificam os tipos de mudança da seguinte forma: duradouras ou transitórias;


sistemáticas ou pontuais; alargadas ou circunscritas; mais ou menos substitutivas; aglomeradas ou
não.
Sobre a formação que alcança mudanças duradouras, sistemáticas, alargadas e organizadas de
forma coerente, as autoras sugerem uma formação que desenvolva no professor “o comprometimento
com uma prática reflexiva, uma atitude investigativa permanente e um sentido de autoria dos projetos
em que se envolve (pela utilização isomórfica, na formação, da teoria, da reflexão e da investigação em
torno de projetos dos próprios professores)” (p. 185).
Após esta apresentação sobre os processos de mudança, coloca-se a questão “Em que áreas é
possível alcançar a mudança?”.
Caetano (2003, p. 47) identifica áreas nas quais é possível verificar a ocorrência de mudanças:
i) a área informativa (mudanças ao nível do que “o que se sabe”);
ii) a área operativa (alcançar mudanças relativas ao “saber fazer” e ao “que se sabe sobre o fazer”);
iii) a área valorativa (mudanças sobre “o que deve ser” e “o que se deve fazer”);
iv) a área emocional/identitária (alcançar mudanças ao nível das emoções, da gestão das emoções
e/ou das motivações);
v) a área profissional (mudanças quanto aos objetivos da ação, à ação, aos efeitos da ação, a nível
profissional ou extraprofissional);
vi) o área do pensamento (mudanças ao nível do processo de pensamento, distinguindo processos
intuitivo-emocionais e processos reflexivos).
A estreita ligação entre os conceitos de mudança e de aprendizagem e desenvolvimento
profissional (Garcia 2009, Day, 2001) surge também na literatura. Garcia, por exemplo, realça seis
dimensões do desenvolvimento profissional dos professores: o desenvolvimento pedagógico; o
conhecimento e compreensão de si mesmo; o desenvolvimento cognitivo; o desenvolvimento teórico;
o desenvolvimento profissional através da investigação e o desenvolvimento da carreira. Às dimensões
apresentadas por Marcelo está subjacente uma perspetiva evolutiva, de continuidade.
Assim, é essencial uma abordagem na formação de professores que promova o seu caráter
contextual, organizacional e orientado para a mudança.
Será este momento o contexto para a mudança? Grande parte das alterações estão de facto já
instituídas e uma significativa parte dos professores, com mais ou menos dificuldade, esforçaram-se
para que esta mudança ocorresse com o menos prejuízo para os alunos. Resta agora tentar perceber
qual o verdadeiro nível que esta mudança alcança e o tempo que poderá durar.

3.2 Níveis de mudança


Apresentados os processos e as áreas da mudança, importa aqui definir também alguma teorização
relativa aos níveis de mudança. Percebendo como mudar e onde mudar, importa clarificar até que
ponto se alcança essa mudança.

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Caetano (2003) refere-se a sete campos que relaciona com os níveis de mudança, polarizando-os,
como se pode ver na tabela 1.

Níveis Polos opostos


Efemeridade Permanência Transitoriedade
Profundidade Grau de afetação 1 Grau de afetação 2
Extensão Situações idênticas Situações diferentes
Radicalidade Grau de continuidade 1 Grau de continuidade 2
Sistematicidade Pontual Sistémica
Molaridade Isolada Aglomerada
Convicção Incerteza Certeza
Tabela 1 - Níveis de Mudança segundo A. P. Caetano

i) a efemeridade, que se relaciona com o carácter de permanência ou transitoriedade da mudança;


ii) a profundidade, ligada ao grau de afetação do sistema (quando a mudança acontece dentro do
sistema, não alterando a estrutura ou padrão de funcionamento é uma mudança de 1º grau; quando a
mudança é profunda e os envolvidos revelam consciência da mesma, valorizando-a alterando o seu
pensamento e/ou conduta, esta é uma mudança de 2º grau);
iii) a extensão prende-se sobretudo com a aplicação da mudança, se em situações semelhantes ou se
pode aplicar-se noutro tipo de situações;
iv) a radicalidade, relaciona-se com o grau de continuidade da mudança, percebendo-se aqui
diferentes tipos de mudança alcançada:
- a desestruturadora – destrói-se o que existe sem encontrar uma nova forma;
- a substitutiva - dá-se uma mera substituição de elementos;
- a cumulativa – a mudança vem adicionar elementos, mantendo-se os existentes;
- a integrativa – os novos elementos sobrepõe-se aos anteriores, gerando mudança;
- a reconstitutiva ou não mudança – como o nome indica, mantém-se o anterior.
v) a sistematicidade prende-se com a frequência da mudança, pode ser pontual ou sistemática;
vi) a molaridade, indicando a quantidade de aspetos que sofreram mudança, isto é, se a mudança é
isolada ou grupal (aglomerada)
vii) a convicção dando conta do grau de certeza/incerteza da perceção do sujeito face à mudança.
Segundo Caetano (2003), “a verdadeira mudança de nível 2 (…) exige uma transformação das
relações e das posições das partes conscientes do eu em relação às inconscientes, uma estruturação no
processo do mundo interior e uma emergência de passagens ou de saltos ao nível do mundo exterior.
Onde havia um paradoxo é lançada uma ponte entre os contrários, forma–se uma continuidade onde
havia um corte (…) os contrários podem ser reconhecidos com exigência coexistente” (p. 70).

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A partir da investigação de Weise (2011), Monereo, Panadero e Scartezinio (2012) e Panadero e


Monereo (2014) propõem também cinco níveis de mudança que vão do mais superficial ao mais
profundo, partindo da análise de Incidentes Críticos (IC), que apresento na tabela 2.

Nível Variável Natureza da mudança


1 Surgimento do IC Aparecimento e Consciência do IC
2 Reflexão sobre o impacto do IC Mudança no discurso do docente
3 Novas estratégias de práticas Mudança nas práticas na sala de aula
pedagógicas
4 Aprendizagem através do IC Consciência da mudança nas representações e
nas práticas
5 Permanência da aprendizagem Permanência no tempo da mudança nas
ao longo do tempo representações e nas práticas

Tabela 2 - Níveis de mudança na Identidade Profissional depois de um Incidente Crítico


Nota. Adaptado de Panadero e Monereo (2014)

De acordo com o quadro acima podemos perceber que, segundo os autores, as mudanças podem
ter diferentes níveis de profundidade.
No nível 1 de mudança, o mais superficial, após se dar o IC, o docente percebe-o como tal.
No nível 2 é possível perceber a existência de reflexão sobre o IC, havendo mudança na identidade
narrativa, ou seja, percebe-se que o docente altera explicitamente a interpretação da realidade.
No nível 3, a reflexão sobre a realidade é mais profunda dando origem a novas práticas. Para além
de mudanças ao nível da identidade narrativa, há uma possível mudança na identidade da ação, isto é,
o docente apresenta sinas de proceder a mudanças nas suas práticas.
Com maior grau de profundidade, o nível 4 dá provas duma mudança na identidade da ação, há
uma consciência de modificações ao nível das representações mas também das práticas. Neste nível de
mudança o docente revela consciência de que adquiriu novas competências nas suas práticas.
Quando ocorre uma mudança de nível 5, o nível mais profundo da mudança, significa que se deu
uma mudança permanente na identidade do professor prolongando a duração no tempo, tanto ao
nível do discurso como das práticas e representações.
Goodson (2008) refere-se a três aspetos essenciais da mudança que considera necessitarem ainda
de estudo e que integrem os setores interno, externo e pessoal.
O primeiro prende-se com o reconhecimento da mudança enquanto processo. Apesar deste
conceito ter alguns anos, o autor considera que faltam ainda investigações que se dediquem ao estudo
deste fenómeno sociopolítico.

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Os contextos de mudança, ou seja, os tempos e espaços em que esta ocorre, são também
merecedores de mais atenção na perspetiva de Goodson.
“A personalidade de mudança” é a terceira questão levantada por Goodson. A análise da forma
como se cruzam as vidas pessoais e profissionais com as mudanças geradas interiormente ou
recebidas externamente deverá ser objeto de análise mais profunda. Na opinião do autor, que
subscrevemos, “muitas reformas e mudanças desprovidas de paixão e de um sentido de propósito,
embora fortemente financiadas, estão a definhar, produzindo, muitas vezes, resultados mínimos ou
até contraditórios” (2008, p. 120).
Apesar de concordar que as condições e o ritmo da mudança alteraram-se significativamente na
última década, no meu ponto de vista subscrevo a ideia de que “a teoria da mudança precisa de
encarar a reforma da escola como um aspeto do desenvolvimento pessoal e, inversamente, de pensar a
própria mudança e o desenvolvimento pessoal dos professores enquanto reforma” (Goodson, 2008, p.
132).
A adaptação ou mudança das escolas face à realidade deveria envolver os intervenientes de forma a
facilitar a aceitação da mesma, pois a mudança é difícil a todos (Perrenoud, 1993).
A resistência à mudança, ou alguma dose dela, pode ser vista como condição para que esta se
verifique, uma vez que permite alguma continuidade que dê segurança aos indivíduos e alguma
estabilidade aos sistemas. Sempre que as mudanças, internas ou externas, perturbem a realidade
percecionada pelos professores, este processo de equilíbrio surge como forma de superar o sentimento
de perda, a baixa autoestima, a confusão e o conflito.
Levar os docentes a refletir sobre situações que os próprios ou os alunos identificam como
Incidentes Críticos, sendo este, na nossa perspetiva, um acontecimento comum do quotidiano do
docente. Contudo desta vez, o incidente foi gravíssimo e transversal. Qualquer docente, aluno ou outro
profissional irá assumir este nome quando pensar em 2020 e 2021.
Defendemos, no entanto, que o Incidente Crítico não tem que ser sempre gravemente
problemático ou causador de conflito, desde que os intervenientes o olhem como uma porta
entreaberta para a mudança que se abrirá com a reflexão crítica.

Considerações finais
O estudo das emoções na sala de aula exige que se olhe a relação pedagógica como uma relação
interpessoal que depende do processo de comunicação uma vez que se entende “o professor na sua
sala de aula como um retórico que deve tanto procurar convencer quanto comover a sua audiência. Se
a primeira parte é sobretudo cognitiva, lógica, a segunda é sobretudo emotiva e motivacional”
(Rodrigues, 2002, p. 24). A relação pedagógica engloba todos os intervenientes diretos e indiretos do
processo pedagógico (Estrela, 2002).
Especificamente no campo do ensino, há ainda de ressalvar que considero que a relação
pedagógica engloba todos os intervenientes diretos e indiretos do processo pedagógico (Estrela,

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2002). O estudo das emoções na sala de aula exige que se olhe a relação pedagógica como uma relação
interpessoal que depende do processo de comunicação uma vez que se entende “o professor na sua
sala de aula como um retórico que deve tanto procurar convencer quanto comover a sua audiência. Se
a primeira parte é sobretudo cognitiva, lógica, a segunda é sobretudo emotiva e motivacional”
(Rodrigues, 2002, p. 24). Empurrados para salas de aula virtuais, onde ficou a relação pedagógica?
Encontram-se vários estudos que reforçam a importância da relação interpessoal, o envolvimento
afetivo e o comprometimento pessoal (Amado, Freire, Carvalho & André, 2009; Bahia, Freire, Estrela
& Amaral, 2012; Estrela, 2009; Freire, Bahia, Estrela & Amaral, 2012).
Amado, Freire, Carvalho e André (2009) mencionam que se torna cada vez mais premente
“produzir conhecimento em torno da relevante dimensão afetiva das vidas dos professores, dos alunos
e da interação entre ambos” (p. 76). Na perspetiva dos autores o desenvolvimento duma relação
pedagógica de qualidade dá-se pelo desenvolvimento de competências básicas nas questões da
afetividade. Assim, a capacidade de empatia, respeito mútuo, conhecimento e crença nas capacidades
dos outros assumem-se como essenciais e têm efeito na motivação para a aprendizagem e no clima de
convivência saudável. Neste momento pandémico vários são os relatos de professores e alunos sobre a
perca irrecuperável (?) da relação interpessoal.
Olhando de forma direta para o momento atual em que impera o distanciamento social é óbvio que
o problema do afastamento entre docente e discentes é real.
Importa então refletir sobre como atenuar essa realidade, assumindo de forma clara a perspetiva
de que a relação pedagógica é fulcral para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. A
manutenção de momentos síncronos no decorrer das atividades letivas deverá ser assumida pelos
docentes não só como um momento para esclarecimento de dúvidas, mas também como o momento
que ajudará a esbater o distanciamento, contribuindo para o desenvolvimento da relação pedagógica.
Então, se por um lado, estas sessões síncronas contribuem para baixar os níveis de ansiedade dos
discentes perante dificuldades de conteúdos, por outro, serão o período de tempo adequado para que
estes sintam que alguém os está a ouvir e a dedicar-lhes a ajuda necessária. Assim, reforça-se o
sentido da relação pedagógica para ambos os intervenientes.
A gestão deste momento de crise imposta pelo distanciamento social a que o vírus Covid-19 obriga,
tendo como consequência a suspensão de atividades letivas presenciais, veio trazer uma nova variável
à desafiante tarefa dos docentes, que já relegam algumas vezes para segundo plano o papel das suas
emoções e a relação pedagógica. Ultrapassar estes desafios de forma emocionalmente equilibrada
apenas se torna possível através do trabalho da aptidão emocional de cada um, a qual segundo
Goleman (2010) mais não é do que “uma meta-habilidade que determina o modo melhor ou pior
como seremos capazes de usar outras capacidades que possamos ter, incluindo o intelecto puro” (p.
56).
Talvez este seja o mote para uma nova visão emocional dos docentes. Talvez esta crise pandémica
enquanto incidente crítico grave para todos os seres humanos, seja a oportunidade para nos

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assumirmos como seres emocionais, especialmente, no desempenho da função docente. A mudança


de paradigma que poderá estar subjacente a estas mudanças drásticas pode, a meu ver, trazer alguns
benefícios para todo o processo de aprendizagem, recordando-nos a importância que cada um de nós
tem como ser social e emocional.

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BEM-ESTAR DOCENTE: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DAS PESQUISAS PRODUZIDAS NO BRASIL

FLAVINÊS REBOLO1 & SÔNIA DA CUNHA URT2

1UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO, BRASIL.

2UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL, BRASIL.

Introdução

A partir das últimas décadas do século XX o interesse pela maior compreensão dos aspetos
positivos que tornam a vida humana “uma experiência digna de ser vivida” (Neri, 2002), que
determinam e influenciam as relações prazerosas do homem (consigo mesmo, com o outro, com o
meio), tem crescido no âmbito de várias ciências. Nesse contexto, na área da Educação pode-se
constatar, a partir dos anos de 1990, um aumento significativo de pesquisas sobre a felicidade, a
qualidade de vida no trabalho, a satisfação e o bem-estar dos professores.
O bem-estar docente tem sido utilizado por vários pesquisadores, com diferentes conceituações
mas que apresentam vários pontos de convergência. Para Jesus (2006, p. 131) o “conceito de bem-
estar docente foi proposto como alternativa à abordagem do mal-estar docente” e definido como

a motivação e a realização do professor, em virtude do conjunto de


competências (resiliência) e de estratégias (coping) que este desenvolve para
conseguir fazer face às exigências e dificuldades profissionais, superando-as
e optimizando o seu próprio funcionamento. (Jesus, 2006, p. 131)

Posteriormente, Jesus e Rezende (2009, p. 17) afirmam que esse conceito é “resultado da
orientação geral positiva do sujeito para os acontecimentos de vida” e que “a sensação de bem-estar é
fruto de um equilíbrio entre as possibilidades e os desejos, entre as capacidades e as necessidades”.
Para Mosquera e Stobäus (2006, p. 373) o bem-estar docente “diz respeito à própria motivação e
realização do professor, quer na dimensão pessoal, quer na dimensão profissional. Dois momentos
existenciais respondem por níveis mais elevados de bem-estar: formação docente e sentido
profissional.”

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Para Rebolo (2012, p. 24) o bem-estar docente “é resultado de um processo complexo que, embora
pertencente ao âmbito do subjetivo, está altamente relacionado com as especificidades dessa atividade
laboral e com o contexto social e organizacional onde esse trabalho é realizado”. Segundo a autora,
esse processo se constitui a partir da intersecção de duas dimensões, “uma objetiva (que corresponde
às características do trabalho em si e às condições socioeconômicas, relacionais e de infraestrutura
existentes para a realização do trabalho)” e outra “subjetiva (relacionada às características pessoais do
professor e diz respeito tanto às competências e habilidades que possui quanto às suas necessidades,
desejos, valores, crenças, formação e projeto de vida) que compõem a relação do professor com o
trabalho e com a organização escolar”.
A intersecção dessas duas dimensões refere-se às avaliações, cognitiva e afetiva, que o
professor faz de si próprio, da atividade que realiza e das condições existentes para o
desempenho do trabalho. Quando o resultado dessa avaliação for positivo, haverá a
possibilidade de bem-estar; quando for negativo, ocorrerá o mal-estar, um estado de
desconforto, resultante de insatisfações e conflitos, que desencadeará estratégias de
enfrentamento, as quais se constituem em ações que visam eliminar ou minimizar a
sensação de mal-estar e caminhar em direção ao bem- estar. (Rebolo, 2012, p. 24)

Nesse sentido, o bem-estar docente pode ser considerado como um estado resultante de múltiplas
variáveis, interdependentes e inter-relacionadas, relacionadas às condições sociais (de vida e de
trabalho) e institucionais onde o trabalho é realizado e, também, às características
pessoais/individuais de cada professor. A complexidade desse constructo leva a uma grande
diversidade de fatores que interveem no processo de construção do bem-estar docente e que
direcionam as pesquisas, entre os quais pode-se citar características pessoais, fatores motivacionais,
fatores relacionados à formação dos professores, às relações interpessoais na escola, às condições de
trabalho, às políticas públicas, etc., como se pode observar na nuvem de palavras19 elaborada com as
palavras-chave dos trabalhos analisados.

19 A nuvem de palavras (Figura 1) foi elaborada no wordart (https://wordart.com/create), com as


palavras-chave de cada estudo. A nuvem de palavras é um método heurístico de análise que
possibilita visualizar, de forma resumida, os termos mais utilizados em determinado texto e/ou
conjunto de palavras.

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Word Ar t 10 /0 2/20 14 ' 3 6

Figura 1 - Nuvem de palavras elaborada com as palavras-chave dos trabalhos analisados

Fonte: Elaborado pelas autoras.

O desafio de conhecer o que já foi pesquisado sobre determinado tema é cada vez maior, tendo em
vista o grande crescimento de pesquisas em todas as áreas de conhecimento. No entanto, é essencial
enfrentar esse desafio e conhecer o que já foi produzido com o objetivo de trazer contribuições efetivas
para novas pesquisas e para o avanço do conhecimento. Nesse sentido, justifica-se a realização de uma
pesquisa de revisão integrativa para que se possa organizar e sintetizar como essa temática tem sido
estudada no Brasil.

Metodologia

Esta pesquisa, de abordagem qualitativa, descritiva e analítica, foi realizada a partir do


mapeamento e análise das teses e dissertações produzidas nos Programas de Pós-Graduação no Brasil.
O levantamento dos estudos foi realizado entre agosto e setembro de 2019 e atualizado em abril de
2020, no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CTD/CAPES), com a palavra-chave: “bem-estar docente”, colocada entre aspas para
delimitar a busca. Não se usou recorte temporal, ou seja, todos os trabalhos, independentemente
about :blank Página 1 d e 1 da
data de publicação, foram considerados para a análise. Foram localizados 65 trabalhos (41
Dissertações e 14 Teses) produzidos nos últimos 17 anos (de 2002 a 2019). Todos os resumos desses
trabalhos foram catalogados e, para os trabalhos anteriores à Plataforma Sucupira, que não
continham o resumo no CTD/CAPES, os resumos foram buscados na Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações (BDTD/IBICT) ou nos sites das universidades onde os trabalhos foram
realizados.

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Os 65 estudos localizados foram mapeados e organizados em eixos temáticos, agrupando os


trabalhos que mais se aproximavam, utilizando como critérios de aproximação os objetivos, os aportes
teórico-metodológicos e os resultados dos estudos. As análises são apresentadas a seguir em quatro
partes: 1- Caracterização das pesquisas; 2- Enfoques específicos e objetivo das pesquisas; 3- Aportes
teórico-metodológicos e 4- Resultados.

Resultados e discussões
1. Caracterização das pesquisas
Com a análise dos 65 trabalhos constatou-se que há um crescente aumento das investigações sobre
a temática, no Brasil, nos últimos 17 anos (Figura 2). Desde o primeiro estudo, realizado em 2002,
percebe-se que foi crescente o número de trabalhos, sendo os anos de 2014 e 2015 os que tiveram
maior número de pesquisas defendidas.

Figura 2 - Número de Teses e Dissertações sobre bem-estar docente por ano de defesa

Fonte: Elaborado pelas autoras

Em relação às instituições de ensino nas quais os trabalhos foram realizados, constatou-se que a
questão do bem-estar docente foi investigada, nos últimos 17 anos, em 25 universidades brasileiras,
sendo a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (com 19 estudos) e a Universidade
Católica Dom Bosco (com 14 estudos) as instituições com maior número de investigações sobre o
tema.
Quanto aos professores participantes como sujeitos nessas pesquisas, temos os seguintes
resultados: dois estudos (Silva, 2015b; Martins, 2017) realizados com professores da Educação
Infantil; seis estudos (Fossatti, 2009; Zambon, 2014; Queiroz, 2014; Weber, 2009; Martins, 2016;
Cacciari, 2015) com professores do Ensino Superior e os demais estudos investigaram professores da
Educação Básica (Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio), sendo que os professores do Ensino
Fundamental I e II são os sujeitos da grande maioria dos estudos.

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2. Enfoques específicos e objetivos das pesquisas

Embora em todas as pesquisas o foco principal tenha sido o bem-estar docente, haviam diferenças
significativas nos objetivos gerais e específicos, com delimitações que ora se aproximam e ora se
distanciam, mas que se complementam para a explicação do constructo. De acordo com essas
delimitações, foram criados quatro eixos para o agrupamento das pesquisas analisadas: 1) Aspetos
organizacionais e pessoais que influenciam o bem-estar docente e/ou o mal-estar docente; 2)
Contribuições das formações (inicial e continuada) e das estratégias de enfrentamento (individuais e
coletivas) para a construção do bem-estar docente; 3) Influências do bem-estar/mal-estar docente na
prática pedagógica e 4) Propostas de intervenção para a promoção do bem-estar docente.

2.1 Aspetos organizacionais e pessoais que influenciam o bem-estar docente e/ou o


mal-estar docente
No primeiro eixo estão agrupadas as pesquisas que tinham por objetivo identificar os fatores que
influenciam o bem-estar e/ou o mal-estar docente, relacionados tanto à aspetos organizacionais (do
ambiente, organização escolar e gestão escolar) quanto à aspetos pessoais (motivação, autoimagem,
estratégias de enfrentamento, entre outros), abordados concomitantemente. Cabe destacar que a
inclusão do mal-estar docente, na formulação dos objetivos da maior parte das pesquisas desse grupo,
indica, como já apontado por Rebolo e Bueno (2014, p. 328), que o bem-estar, quando alcançado,
“não implica um estado permanente e constante de harmonia, satisfação e realização, pois a vida não
permite isto e nem sempre as necessidades, expectativas e desejos são satisfeitos integralmente”,
assim, mesmo quando os professores afirmam sentirem bem-estar no trabalho, se pode encontrar
“referências a aspetos insatisfatórios, que são geradores de mal-estar”.
As pesquisas buscaram identificar os fatores responsáveis por fazer das escolas locais positivos de
trabalho (Pinheiro, 2011), os elementos constitutivos do exercício profissional e/ou do trabalho
docente (Godoi, 2013; Trentin, 2014; Furtado, 2014), e os fatores do quotidiano escolar que
influenciam as dinâmicas de desenvolvimento do bem-estar/mal-estar docente (Mendes, 2011;
Martins, 2017). Ainda nessa perspetiva, algumas pesquisas delimitaram os fatores organizacionais
com um ou alguns elementos do contexto, como por exemplo, o trabalho de professores em escolas
indígenas (Silva, 2018a), o papel da gestão escolar no bem-estar docente (Silva, 2015a; Santos, 2012) e
o impacto da implementação de novas matrizes curriculares e ações oriundas do planeamento
estratégico para o bem-estar institucional (Dohms, 2016) ou, ainda, relacionando esses fatores com os
processos de formação (Ferreira, 2015) e profissionalização dos professores (Machado, 2014; Ferreira,
2015) e ao uso das tecnologias de informação e comunicação nas práticas pedagógicas (Amorim,
2018).

Outro grupo de pesquisas, ainda neste eixo de análise, centrou as investigações nas vivências
pessoais e profissionais de professores (Sampaio, 2014; Weber, 2009; Rodrigues, 2011; Zacharias,

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2012), destacando aspetos como autoestima, autoimagem, autorrealização e as perceções dos


professores sobre as relações docentes-discentes (Britto, 2008). Silva (2017a) investigou os aspetos
sociais, intelectuais e emocionais que se compilam em pontos positivos e negativos sobre o trabalho e
Araújo (2015) destacou os sentimentos que levam as pessoas a ingressarem e permanecerem na
profissão docente, as manifestações dos sentimentos no exercício de seu magistério e como esses
sentimentos afetam o professor no seu trabalho. Silva (2017b) focalizou a estruturação da identidade
profissional dos professores frente às situações de satisfação e insatisfação profissional, relacionando
tais situações com o conceito de mal-estar e bem-estar docente.

2.2 Contribuições das formações (inicial e continuada) e das estratégias de


enfrentamento (individuais e coletivas) para a construção do bem-estar docente
Outras pesquisas, além de identificar os fatores geradores de bem-estar docente, buscaram
identificar, também, as estratégias utilizadas pelos educadores como enfrentamento de possíveis
fatores geradores de mal-estar e situações de insatisfação e conflitos vivenciados na escola (Lapo,
2005; Zambon, 2014; Metz, 2015; Scaramuzza, 2015). Silveira (2014) analisa os stressores
relacionados ao trabalho em classes inclusivas, com alunos portadores de necessidades especiais e
Rosa (2015) as satisfações e insatisfações dos professores que atuam em salas de recursos
multifuncionais para o atendimento educacional especializado para alunos com surdez. As estratégias
de enfrentamento no trabalho de professores não indígenas que atuam com a disciplina de
Matemática no contexto da escola indígena foram investigadas por Silva (2018a). O estudo de Sousa
(2016) tem por objetivo analisar a prática de atividade física como um dos fatores que podem
influenciar e promover o bem-estar docente e Zacharias (2012) propõe identificar os elementos que
possam contribuir para a diminuição do mal-estar e a promoção do bem-estar docente relacionados à
autoimagem/autoestima e autorrealização.
Além de analisar os fatores geradores de bem-estar, as pesquisas buscaram identificar, nas
formações inicial e continuada, elementos que pudessem contribuir para a minimização do stresse e
do mal-estar docente e para a promoção do bem-estar dos professores (Trentin, 2014; Gmeiner, 2014;
Santos, 2016; Simões, 2013; Sampaio, 2014; Silva, 2018; Santos, 2019; Scaramuzza, 2015). Nestas
pesquisas os autores se propunham a investigar o processo de formação inicial, como espaço de
paradoxos, onde as alegrias e tristezas, a perseverança e as dificuldades relativas ao ambiente escolar e
ao trabalho docente devem ser trabalhadas, levando os futuros professores a se repensarem,
construindo uma autoimagem positiva, darem sentido ao trabalho que será desenvolvido futuramente
e subsidiando para o enfrentamento das dificuldades. Sampaio (2014) objetiva analisar os aspetos de
mal/bem-estar docente, autoimagem e autoestima, vivenciados tanto na formação inicial como na
continuada. Sampaio (2014) e Silva (2018) investigam a escola como local de formação, tanto do
professor iniciante como do professor mais experiente. Santos (2019) e Scaramuzza (2015) investigam

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o impacto da formação continuada para o desenvolvimento profissional e a satisfação/insatisfação dos


professores com o trabalho.

2.3 Influências do bem-estar/mal-estar docente na prática pedagógica


No terceiro eixo, as pesquisas com foco sobre as influencias do bem-estar/mal-estar docente na
prática pedagógica e nos processos de ensino e aprendizagem buscaram entender as possíveis
influencias que o mal/bem-estar docente pode provocar no fazer docente (Dohms, 2011), a natureza
das dificuldades enfrentadas pelos professores ao buscarem promover a aprendizagem dos seus
alunos (Bezerra, 2010) e como os desafios enfrentados pelos docentes na inclusão do aluno surdo em
sala de aula afetam o bem-estar dos professores e o processo de ensino e aprendizagem (Martins,
2016). Ainda nesta perspetiva, a pesquisa de Cacciari (2015) buscou compreender se, e em que
medida, o bem-estar dos professores estaria associado às virtudes que consideram importantes para
ser um bom professor, ao seu comportamento como docente, à qualidade do papel no trabalho e aos
seus valores individuais. Cardoso (2014) investiga os elementos constituintes da docência, como estes
interferem nas escolhas profissionais e quais relações desses elementos com o bem-estar e o mal-estar
docente na atuação pessoal e profissional.

2.4 Propostas de intervenção para a promoção do bem-estar docente


No quarto eixo, estão as pesquisas-intervenção de Sampaio (2008), Tolfo (2017), Santiago (2019) e
Sousa (2018), que foram desenvolvidas com aplicação e análise dos resultados de programas que
visavam à promoção do bem-estar docente. A pesquisa de Sampaio (2008) teve por objetivo analisar
as repercussões sobre as práticas e posturas dos professores, tanto na vida pessoal como na
profissional, de atividades teóricas e práticas que os conduziram a reflexões sobre situações de mal-
estar para situações de bem-estar, num processo de formação continuada, iniciada com oficinas. Tolfo
(2017) objetivou criar um programa de formação continuada que se constituísse em um espaço para
reflexões e integração do grupo de professores, ampliando as possibilidades da ação docente e que
auxiliasse no enfrentamento do mal-estar a fim de alcançar o bem-estar docente. Santiago (2019)
discute sobre a importância da educação emocional do professor no contexto de sala de aula e visou
construir, de forma colaborativa, uma formação continuada com alternativas metodológicas com
vistas a uma educação emocional que colabore para a realização profissional e promova o bem-estar
docente. Ainda neste eixo, com abordagem de pesquisa-formação, Sousa (2018) objetivou, por meio
de encontros formativos com professores, discutir o cuidado e o enriquecimento da ação docente
como meio propiciar relações construtivas, que valorizam não somente o ensino, mas também os
vínculos, fortalecendo a educação humanista e o bem-estar de professores e alunos.

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3. Aportes teórico-metodológicos e instrumentos/procedimentos para coleta e


análise dos dados

3.1 Aportes teóricos


Foram identificados quatro aportes teóricos, utilizados nas pesquisas analisadas, para a
investigação do bem-estar docente: Psicologia Positiva, Materialismo Histórico Dialético, Psicologia
Sócio-Histórica e Psicodinâmica do Trabalho.
As pesquisas de Lapo (2005), Ferreira (2009), Fossatti (2009), Zambon (2014), Silva (2018a),
Weber (2009), Dohms (2016), Rodrigues (2011), Silva (2015a), Scaramuzza (2015), Gonçalves (2008),
Zacharias (2012), Rosa (2015), Martins (2017), Amorim (2018), Gmeiner (2014), Martins (2016) e
Cacciari (2015), utilizando o aporte teórico da Psicologia Positiva, que é um campo recente da
Psicologia, identificaram aspetos positivos das experiências e vivencias cotidianas dos professores.
Aspetos esses que, identificados e compreendidos, contribuem para o equilíbrio e o bem-estar físico e
psíquico das pessoas, contribuindo, inclusive, para a prevenção de patologias e para o enfrentamento
positivo do que é problemático na vida e no trabalho das pessoas.
Três pesquisas utilizaram o aporte teórico do materialismo histórico dialético, sendo duas pesquisas
de revisão de literatura (Machado, 2014; Ferreira, 2015) e uma empírica, que buscou compreender os
“sentidos discursivos sobre o mal-estar e o bem-estar docente em referência ao professor universitário
pelas categorias de totalidade, historicidade, contradição e práxis” (Queiroz, 2014).
Na perspetiva da Psicologia Sócio-Histórica, a pesquisa de Silva (2015b) analisou a questão do
bem-estar/mal-estar docente com especial destaque para as categorias sentido e significado,
pensamento e linguagem, necessidades e motivos, atividade, mediação e historicidade.
Com o aporte da Psicodinâmica do trabalho, Araújo (2015) analisou as relações entre trabalho,
prazer e sofrimento, procurando identificar as situações causadoras de mal-estar e sofrimento aos
professores em seus ambientes de trabalho e, também, os mecanismos de defesa utilizados por esses
professores frente a essas situações.

3.2. Tipos de pesquisas e instrumentos/procedimentos para coleta e análise dos


dados
A grande maioria (62) das pesquisas analisadas eram pesquisas empíricas, sendo apenas (3)
pesquisas bibliográficas, do tipo estado do conhecimento.
As pesquisas do tipo estado do conhecimento (Queiroz, 2014; Machado, 2014; Ferreira, 2015)
analisaram e sistematizaram as produções sobre bem-estar docente realizadas no período de 2000 a
2015, utilizando teses e dissertações constantes no CTD/CAPES e na BDTD/IBICT e artigos
publicados em periódicos Qualis A e B.
Dentre as pesquisas empíricas, foram utilizadas a abordagem quantitativa, mista (quanti-
qualitativa) e qualitativa.

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A abordagem quantitativa foi a menos recorrente, sendo utilizada apenas por Santos (2012), com a
aplicação de um questionário, elaborado pelo próprio autor, para analisar as perceções de professores
sobre seus líderes educacionais.
Com um número maior de pesquisas, a abordagem mista (quanti-qualitativa) foi utilizada por 12
pesquisadores, que utilizaram para a coleta de dados vários instrumentos e procedimentos
combinados, da seguinte forma: questionário e observações (Dohms, 2016), questionários e escalas
(Dohms, 2011; Pinheiro, 2011; Silva, 2015a; Cardoso, 2014; Santos, 2016), questionário, entrevistas e
escalas (Lapo, 2005; Mendes, 2011; Sousa, 2016; Metz, 2015; Zacharias, 2012; Furtado, 2014;
Sampaio, 2008).
Os questionários utilizados nessas pesquisas foram de dois tipos: 1) elaborados pelo(a) autor(a) do
estudo para a coleta de dados sociodemográficos e profissionais, com perguntas de respostas abertas e
fechadas, e 2) construídos e validados em outras pesquisas e adaptados para os estudos analisados,
como por exemplo: Questionários de Mal-estar Docente, de Autoimagem e Autoestima e de
Autorrealização, de Stobäus; Instrumento para Avaliação das variáveis que constituem indicadores do
bem/mal-estar docente, de Jesus; Questionário de Autorrealização Baseado na Teoria de Abraham
Maslow e Instrumento para Avaliação das Variáveis que Constituem Indicadores do Bem/Mal-Estar
Docente, de Jesus.
As escalas utilizadas foram: Escala de Qualidade dos Papéis do Trabalho; Escala de Importância e
Percepção das Forças de Caráter – Versão Docente; Lista de Comportamentos do Professor; Escala de
Satisfação com a Vida; Escala de Bem-Estar Afetivo no Trabalho; Questionário Internacional de
Atividade Física (IPAQ), versão curta; Escala de Bem-estar Docente (EBED), versão resumida; Escala
de Bem-estar Subjetivo formada pelas Escalas de Afetos Positivo e Afeto Negativo e escala de
Satisfação de Vida.
As análises dos questionários foram realizadas com o programa estatístico SPSS 17.0-Windows e
versão 18, utilizando os seguintes procedimentos: estatística descritiva, comparação entre médias,
Teste-t pareado, correlação de Pearson e regressão logística das variáveis; e as análises das entrevistas
foram realizadas com a análise de conteúdo de Bardin, a análise textual, a partir do software
IRAMUTEQ, e a grounded-theory, ou Teoria Fundamentada nos Dados, que permite a produção de
uma teoria a partir da experiência estudada.
A abordagem qualitativa foi a mais utilizada e os instrumentos de coleta de dados foram
entrevistas, questionários e escalas, mesmos procedimentos utilizados nas pesquisas de abordagem
mista, diferindo, principalmente, nos procedimentos de análise.
O tipo de entrevista mais utilizado nas pesquisas de abordagem qualitativa foi a semiestruturada,
realizada individual e presencialmente (Ferreira, 2009; Fossatti, 2009; Zambon, 2014; Silva, 2018a;
Sampaio, 2014; Godoi, 2013; Scaramuzza, 2015; Rosa, 2015; Mello, 2017; Martins, 2017; Amorim,
2018; Gmeiner, 2014; Martins, 2016; Araujo, 2015; Santos, 2016; Silva, 2017b) e/ou via internet
(Weber, 2009). Também foram utilizadas entrevistas recorrentes e reflexivas (Silva, 2015b),

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entrevistas grupais com a técnica de Grupo Focal (Lapo, 2005; Trentin, 2014) e entrevista por pautas
(Britto, 2008).
Além de questionários para coletar dados sociodemográficos e profissionais, também foram
utilizados o Questionário de Qualidade de Vida no Trabalho; Questionário de Motivação Inicial;
Questionário de Autoimagem e Autoestima e o Questionário DASS-21. As escalas utilizadas foram:
Escala de bem-estar docente (EBED) e Escala de Satisfação no Trabalho.
As análises dos dados coletados com as entrevistas foram realizadas por meio da Análise de
conteúdo de Bardin (8 pesquisas); Análise temática de Schütze (4 pesquisas); Análise Textual
Discursiva (ATD) (2 pesquisas) e Núcleo de Significação (1 pesquisa). Os questionários e escalas foram
analisados com estatística descritiva.

4. Resultados das pesquisas: determinantes e implicações do bem-estar para a vida e


o trabalho dos professores
A maioria das pesquisas analisadas investigaram os fatores que influenciam o bem-estar e/ou mal-
estar, relacionados tanto à aspetos organizacionais e do trabalho docente (do ambiente, organização
escolar e gestão escolar) quanto à aspetos pessoais (motivação, autoimagem, estratégias de
enfrentamento, entre outros). Embora esses aspetos sejam interdependentes para a constituição do
bem-estar e/ou mal-estar docente, na maioria das pesquisas são abordados separadamente. Nesse
sentido, utilizou-se o modelo de análise para o bem-estar e/ou mal-estar docente proposto por Rebolo
(2012), na tentativa de organizar os resultados desses estudos na direção de possibilitar a elaboração
de um constructo que possa explicar, de forma mais ampla, essa questão. Assim, os resultados foram
agrupados em duas dimensões (objetiva e subjetiva) sendo que na dimensão objetiva20, segundo
Rebolo (2012), estão os fatores relacionados às especificidades do trabalho docente e organizacionais
das instituições escolares e os da dimensão subjetiva relacionados às características pessoais dos
professores.
Relacionados à dimensão objetiva do trabalho docente, os resultados das pesquisas apontam vários
fatores (relacionados aos componentes da atividade laboral, relacional; socioeconômico e
infraestrutural) que são geradores tanto de bem-estar docente como mal-estar docente. Apresenta-se,
a seguir, os resultados obtidos nas pesquisas analisadas.
Os fatores relacionados ao componente da atividade laboral que proporcionam bem-estar aos
professores, identificados pelos pesquisadores, foram os seguintes: a possibilidade de utilizar a
criatividade e a autonomia para realizar o trabalho (Godoi, 2013; Mello, 2017; Rosa, 2015); a
identificação com a proposta pedagógica da escola, o que facilita ainda mais a sensação de bem-estar

20Os fatores relacionados a dimensão objetiva do trabalho são agrupados em quatro componentes:
Componente da atividade laboral: conjunto de tarefas que o trabalho docente comporta e suas
especificidades; Componente relacional: as relações interpessoais mantidas na instituição escolar;
Componente socioeconômico e Componente infraestrutural. (Rebolo, 2014, p. 325)
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(Pinheiro, 2011); o fato de apreciam seu trabalho, sentindo prazer e satisfação em realiza-lo (Britto,
2008); a autonomia que os professores gozam no desenvolvimento do trabalho que realizam (Martins,
2017; Santos, 2016). Também foram identificados fatores, deste componente do trabalho, que geram
mal-estar e insatisfação dos professores como, por exemplo, o “tempo acelerado para gerir inúmeros
procedimentos quotidianos, que acabam ocupando grande parte do tempo das aulas em questões não
diretamente relacionadas ao ensino e aprendizagem dos conteúdos” (Bezerra, 2010).
Em relação ao componente relacional são apontados como propiciadores de bem-estar: ambiente
psicossocial e valorização do professor e do seu trabalho (Pinheiro, 2011; Rosa, 2015); boa relação
interpessoal com colegas de trabalho, alunos e gestores (Furtado, 2014) e uma vivência saudável,
harmoniosa, prazerosa no ambiente escolar (Weber, 2009; Zacharias, 2012); possibilidade de diálogo
entre as pessoas (Dohms, 2016), apoio da gestão escolar, gestão qualificada e humana, postura
dialógica, afetiva e de escuta do gestor (Silva, 2015a; Rodrigues, 2011); o compartilhamento das
tarefas e responsabilidades, o trabalho coletivo e a troca entre professores (Sousa, 2016; Silva, 2015b);
o aprendizado, o reconhecimento e a boa relação entre professor e estudante (Rodrigues, 2011; Metz,
2015; Santos, 2016). E os fatores que geram mal-estar e insatisfação dos professores identificados
foram: as relações interpessoais não saudáveis e desrespeitosas, principalmente por parte dos
estudantes (Dohms, 2016; Britto, 2008); falta de feedback sobre o trabalho realizado (Dohms, 2016);
estressores relacionados especialmente às condições de trabalho docente e ao engajamento dos alunos
(Silveira, 2014) e o relacionamento com familiares dos alunos (Dohms, 2011).
Em relação ao componente socioeconómico, os fatores apontados como propiciadores de bem-
estar foram: a oferta de formação continuada (Pinheiro, 2011; Rodrigues, 2011; Sousa, 2016;
Zacharias, 2012; Rosa, 2015); o acompanhamento e as estruturas de apoio (Pinheiro, 2011); a
contribuição social do seu trabalho para uma sociedade melhor (Godoi, 2013; Mendes, 2011);
reconhecimento social e valorização do professor (Sousa, 2016; Zacharias, 2012; Mello, 2017; Furtado,
2014), a jornada de trabalho (Silva, 2015a; Mello, 2017). E os fatores apontados como geradores de
mal-estar e insatisfação dos professores, foram: as condições inadequadas de trabalho (Silveira, 2014),
os baixos salários e a insegurança financeira (Dohms, 2011), o elevado número de carga horária
semanal (Britto, 2008); o não reconhecimento por parte da Instituição e da comunidade, que envolve
perda do status social e proletarização dos professores (Metz, 2015; Araújo, 2015; Silva, 2017b); as
burocracias escolares que geram sobrecarga de trabalho (Dohms, 2011); a falta de políticas públicas
que possam efetivamente ser aplicadas ao quotidiano escolar e as reformas educacionais que não
consideram as reais condições de trabalho (Araujo, 2015; Silva, 2017b).
Em relação ao componente infraestrutural, os fatores geradores de bem-estar estão relacionados
aos recursos disponíveis na escola (Pinheiro, 2011); ao ambiente limpo e organizado (Dohms, 2016);
boas condições de infraestrutura (Weber, 2009); que geram boas condições de trabalho e confortável
estrutura escolar (Silva, 2015b). Também foram identificados fatores, deste componente do trabalho,
que geram mal-estar e insatisfação dos professores e que se caracterizam pelas instalações e condições

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gerais de infraestrutura deficitárias, pela falta de equipamentos, instrumentos e materiais pedagógicos


(Bezerra, 2010; Dohms, 2011; Rosa, 2015; Mello, 2017; Martins, 2017; Amorim, 2018); a precariedade
das condições de trabalho (Scaramuzza, 2015); o número elevado de alunos por turma (Bezerra,
2010). Cabe ressaltar que para os professores de artes, música e educação física, a questão da
infraestrutura inadequada e a falta de materiais pedagógicos são os fatores de maior insatisfação.
A dimensão subjetiva, segundo Rebolo e Bueno (2014, p. 325), está relacionada às características
pessoais (competências, habilidades, necessidades, desejos, valores, crenças, formação e projeto de
vida) e compreende, além desses aspetos, também aspetos relacionados à auto aceitação, ao
relacionamento positivo com outras pessoas e ao crescimento pessoal. Relacionada a esta dimensão,
os fatores identificados pelos pesquisadores, nas dissertações e teses analisadas, e que se constituem
como geradores de bem-estar são: o empenho na execução das tarefas e a capacidade de superar os
desafios (Pinheiro, 2011; Furtado, 2014); a identificação com a profissão e com a proposta da escola
(Pinheiro, 2011; Cardoso, 2014); a satisfação com a vida e com o trabalho que realizam (Furtado,
2014; Sousa, 2016), autoimagem positiva e alta autoestima (Dohms, 2011; Mendes, 2011); sentimento
de autorrealização (Godoi, 2013; Mendes, 2011); importância da resiliência e seus processos
evolutivos para a diminuição dos níveis de mal-estar docente (Silva, 2017a); o uso das virtudes,
principalmente a temperança, a transcendência e a humanidade, além das forças de caráter no
trabalho para a diminuição da vivência de emoções negativas, e com vistas ao aumento de emoções
positivas e dos níveis de bem-estar subjetivo (Sousa, 2016; Sousa, 2016; Santos, 2016). E entre os
fatores relacionados à dimensão subjetiva e identificados como geradores de mal-estar estão: os
índices elevados de stresse e exaustão (Mendes, 2011; Bezerra,2010), dificuldade em atender alunos
com necessidades educacionais especiais (Dohms, 2011); insatisfação com a possibilidade de satisfazer
as necessidades físicas e de autorrealização (Zacharias, 2012) e sentimento de impotência frente à
vulnerabilidade social de crianças e jovens (Silva, 2017b).
Além de analisar os fatores geradores de bem-estar, treze pesquisas (Zambon, 2014; Silva, 2018a;
Sampaio, 2014; Sousa, 2016; Scaramuzza, 2015; Zacharias, 2012; Rodrigues, 2011; Trentin, 2014;
Martins, 2017; Gmeiner, 2014; Santos, 2016; Silva, 2017b) buscaram identificar, nas formações inicial
e continuada, elementos que pudessem contribuir para a minimização do stresse e do mal-estar
docente e para a promoção do bem-estar dos professores (Trentin, 2014; Gmeiner, 2014; Santos,
2016) e, também, as estratégias de enfrentamento (individuais e coletivas) utilizadas pelos professores
para o evitamento do mal-estar docente.
Em relação às formações, tanto inicial como continuada, as pesquisas de (Trentin, 2014; Martins,
2017; Gmeiner, 2014; Santos, 2016) apontam a importância do processo formativo para a preparação
dos professores não apenas em termos técnicos-científicos, mas também, oferecendo subsídios que
contribuam para que os professores melhorem “sua prática e se sintam mais satisfeitos e confiantes
como professores por terem ampliado seus conhecimentos para o trabalho na escola” (Gmeiner, 2014)
e por conseguirem utilizar estratégias de enfrentamento frente aos desafios da escola contemporânea.

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No entanto, como afirma Santos (2016), ainda “permanecem grandes lacunas no processo formativo
dos professores e há fragilidades no processo do ensinar e do aprender na relação com o
reconhecimento do outro, o empoderamento e a autoridade.” Sampaio (2014) sugere que a
necessidade de “fomentar a formação continuada e permanente, iniciando com reformulações nos
cursos de Licenciatura e na fase inicial de docência [...] com ações voltadas para o desenvolvimento de
competências, tanto teóricas como práticas, para fazer frente às diversas situações do universo
docente que concorrem para gerar mal-estar docente, direcionando ao bem-estar docente”. As
docentes entrevistadas por Scaramuzza (2015) afirmaram que, “no início da carreira, as emoções
vividas foram de medo e insegurança [...] e que a graduação não contribuiu de forma efetiva para a
docência”, principalmente no que se refere à “preparação necessária dos professores para atuar de
forma eficiente com os alunos com deficiências”.
As estratégias de enfrentamento utilizadas pelos professores dos estudos analisados frente às
adversidades do quotidiano escolar e que contribuem para a minimização do mal-estar e para a
construção do bem-estar docente foram: o “coping focalizado no problema, com a finalidade de
modificar a situação a partir da redução da dissonância cognitiva e de negociações interpessoais”
(Lapo, 2005). Na pesquisa de Zambon (2014), as estratégias de enfrentamento mais utilizadas
estavam relacionadas às atividades de lazer dos professores, ao preparo emocional e à motivação para
o trabalho, ao investimento em atividades físicas, à capacidade de organização e gestão eficiente do
tempo livre e à vivência da espiritualidade. O coping adaptativo, na pesquisa de Silveira (2014),
correlacionou-se diretamente com variáveis pessoais e do trabalho e inversamente com o total de
sintomas de stresse. Outra forma de enfrentamento das dificuldades para a realização do trabalho foi
por meio dos planeamentos de aula, divisão da classe por nível de desenvolvimento, com reforço, com
o distanciamento do problema e com buscas de informações e conteúdos na internet, o que
contribuiu, segundo os sujeitos da pesquisa de Scaramuzza (2015) para a construção do bem-estar. Na
mesma linha de atuação, os professores da pesquisa realizada por Dohms (2011), para diminuir o
stresse, procuraram estabelecer relações positivas com seus alunos, o apoio de colegas docentes e do
sindicato, planejar com antecedência as atividades, administrar bem o tempo e reconhecer suas
próprias limitações, recorrer a hobbys e passatempos, poder desabafar com seus familiares/colegas. A
resiliência e a formação pessoal aparecem na pesquisa de Rodrigues (2011) como estratégias que
contribuíram para que os professores apresentassem características mais otimistas e valores mais
humanos frente à vida e ao trabalho, contribuindo, assim, para o bem-estar.
As influencias do bem-estar/mal-estar docente na prática pedagógica e nos processos de ensino e
aprendizagem foi o foco das pesquisas de (Bezerra, 2010; Dohms, 2011; Cardoso, 2014; Martins, 2016;
Araújo, 2015; Cacciari, 2015). Nessas pesquisas os autores buscaram entender “as possíveis
influencias que o mal/bem-estar docente pode provocar no fazer docente” (Dohms, 2016), “a natureza
das dificuldades enfrentadas pelos professores ao buscarem promover a aprendizagem dos seus
aluno” (Bezerra, 2010) e como “os desafios enfrentados pelos docentes na inclusão do aluno surdo em

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sala de aula” afetam o bem-estar dos professores e o processo de ensino e aprendizagem (Martins,
2016). Ainda nesta perspetiva, a pesquisa de (Cacciari, 2015) buscou “compreender se, e em que
medida, o bem-estar dos professores estaria associado às virtudes que consideram importantes para
ser um bom professor, ao seu comportamento como docente, à qualidade do papel no trabalho e aos
seus valores individuais”. Cardoso (2014) e Silva (2015b), a partir dos resultados de suas pesquisas
afirmam que o bem-estar dos professores interfere positivamente na atuação profissional,
vislumbrando a possibilidade dos professores desenvolverem uma prática pedagógica comprometida
com o processo de ensino e aprendizagem e de maior envolvimento com as necessidades educacionais
dos alunos.
A pesquisa-formação desenvolvida por Sousa (2018) traz como resultado o livro Cuidado em
Educação: guia de reflexão e formação para educadores, composto dos roteiros de cinco encontros
realizados com os professores, além de outros materiais práticos e facilitadores da imersão do cuidado
em grupo, visando oferecer práticas inovadoras que fortaleçam a educação humanista, pensando no
ser integrado e não somente instrumental, no todo e não somente nas partes dos processos
educativos.
As pesquisas de Sampaio (2008), Tolfo (2017) e Santiago (2019) foram as únicas do tipo
intervenção, com aplicação e análise dos resultados de um Programa de Promoção do bem-estar
docente. Na pesquisa de Sampaio (2008), o Programa de Apoio ao Bem-Estar Docente foi
desenvolvido em 19 sessões abrangendo as dimensões física, social, cognitiva, afetiva e espiritual, em
trabalhos coletivos em sala de aula e saídas a campo, e indicou uma melhora nas estratégias de coping
utilizadas pelos professores, principalmente nas questões relacionadas às relações interpessoais, ao
cuidado com a sua saúde e equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, auxiliando no enfrentamento
e superação de mal-estar em direção ao bem-estar docente, com repercussões profissionais e pessoais.
Tolfo (2017), após aplicar o Programa de Formação Continuada voltado aos professores, organizado a
partir das sugestões dos mesmos e das demandas que ficaram evidenciadas com a pesquisa, afirma
que o programa se constitui em um espaço para reflexões e integração do grupo, ampliando as
possibilidades da ação docente e auxiliando no enfrentamento do mal-estar a fim de alcançar o bem-
estar docente. Santiago (2019) propôs um programa de Educação Emocional, a fim de construir, de
forma colaborativa, alternativas metodológicas que eduquem as emoções e colaborem para a
realização profissional e o bem-estar dos professores.
Outras pesquisas, que apesar de não terem como objetivo implantar e/ou analisar propostas de
intervenção que visassem a promoção do bem-estar docente, a partir das evidências dos resultados
obtidos, fizeram proposições de intervenções. Zacharias (2012) recomenda algumas medidas de
intervenção por parte de setores responsáveis pela educação, como o Estado, a família e a gestão
pedagógica e, também, pelos próprios professores, que podem e devem investir em alguns elementos
que contribuam para sua satisfação e realização pessoal e profissional, como o autoconceito, a
autoimagem, a autoestima, a autorrealização, o bem-estar, a afetividade, o coping e a resiliência.

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Em outras duas pesquisas, as intervenções sugeridas dizem respeito à ações propositivas,


relacionadas ao preparo dos gestores para a administração do bem-estar na escola, sugerindo que o
tema bem-estar docente seja incluído nas formações de gestores escolares, bem como sua promoção
se constitua em uma das atribuições do gestor (Silva, 2015a) e, também, a inclusão de algumas
sugestões para a equipe gestora da escola, com o intuito de promover um aprimoramento das ações de
gestão no sentido de proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento do bem-estar nos
docentes (Santos, 2012).
Outro grupo de pesquisas sugerem intervenções no sentido de tornar a escola um ambiente de
apoio e acolhimento, propiciando relações interpessoais harmoniosas, positivas e baseadas no afeto
(Mendes, 2011), da adoção de ações que contribuam para a melhoria da saúde docente, tanto por parte
das instituições de ensino quanto da sociedade (Dohms, 2011; Cardoso, 2014).
Cardoso (2014), Zambon (2014), Santos (2016) e Macena (2014) sugerem a necessidade de
formação continuada, que leve em conta os elementos pessoais e profissionais e programas de
desenvolvimento de competências individuais e coletivas para os docentes que propiciem estratégias
de prevenção e/ou enfrentamento ao stresse ocupacional dos professores e à diminuição da vivência
de emoções negativas, com vistas ao aumento de emoções positivas e dos níveis de bem-estar
subjetivo do professor no seu trabalho. E Silva (2018b) aponta a necessidade de políticas públicas
efetivas que assegurem aos professores as condições objetivas e inter subjetivas para a aprendizagem
na/da docência e para o seu desenvolvimento profissional, em ambiências escolares positivamente
acolhedoras.

Considerações finais
Este capítulo apresentou como o bem-estar docente vem sendo investigado por pesquisadores
brasileiros, permitindo compreender e sintetizar os modos como o conhecimento sobre essa temática
vem sendo construído, histórica e cientificamente, bem como os fatores e as dinâmicas (individuais e
grupais) que possibilitam ou dificultam a construção do bem-estar dos professores.
Os resultados evidenciam que 52% das pesquisas realizadas sobre a temática foram desenvolvidas
em duas universidades (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Universidade
Católica Dom Bosco) e 90% em Programas de Pós-Graduação da área da Educação.
Quanto aos objetivos, as pesquisas buscaram identificar, prioritariamente, os aspetos
organizacionais e pessoais, as contribuições das formações (inicial e continuada) e das estratégias de
enfrentamento (individuais e coletivas) para a construção do bem-estar docente, as influências do
bem-estar/mal-estar docente na prática pedagógica. Os pesquisadores utilizaram, em sua maioria, a
abordagem qualitativa, com o uso de entrevistas semiestruturadas. No entanto, também foram
utilizadas a abordagem quantitativa e mista (quali-quantitativa), com a aplicação de questionários,
inventários e escalas. As análises foram realizadas com análise de conteúdo de Bardin (8 pesquisas),
análise temática de Schütze (4 pesquisas), análise textual discursiva (ATD) (2 pesquisas) e Núcleo de
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Significação (1 pesquisa). Os questionários e escalas foram analisados com estatística descritiva.


Quanto ao aporte teórico utilizado, foi possível identificar que o referencial mais utilizado, embora
não declarado explicitamente em todos os resumos, foi o da Psicologia Positiva (60 pesquisas).
Também foram utilizados o Materialismo Histórico Dialético (3 pesquisas), a Psicologia Sócio-
Histórica (1 pesquisa) e a Psicodinâmica do Trabalho (1 pesquisa).
Quanto aos fatores propiciadores de bem-estar docente, os resultados das pesquisas analisadas
apontam que estão relacionados à satisfação e/ou perceção dos professores em relação à aspetos
organizacionais, do trabalho e pessoais. No entanto, são poucas as pesquisas que buscam explicar
teoricamente, ou conceitualmente, as diferenças entre perceção e satisfação e, a partir daí, explicar
como a avaliação (positiva ou negativa) desses aspetos é feita pelo professor e pode influenciar o bem-
estar e/ou mal-estar docente.
Entre os aspetos mais destacados como propiciadores do bem-estar docente estão: o ambiente
escolar acolhedor, a gestão escolar qualificada e humana, as relações interpessoais harmoniosas e que
ofereçam apoio socio-emocional e o trabalho coletivo / colaborativo entre professores. Esses aspetos
estão relacionados ao componente relacional do trabalho que, segundo Rebolo (2012), é o que tem-se
mostrado mais determinante para a obtenção do bem-estar dos professores.
Alguns estudos também destacam a importância das formações, inicial e continuada, e a
adequação dessas formações às necessidades dos professores frente às novas demandas da educação
contemporânea, bem como à necessidade de formações não apenas centradas em aspetos técnico-
instrumentais, mas que abordem aspetos subjetivos, emocionais e inter-relacionais.
Frente às adversidades do quotidiano escolar que geram o mal-estar, os pesquisadores
identificaram diversas estratégias de enfrentamento utilizadas pelos professores, entre elas: o coping
focalizado no problema e o coping adaptativo, atividades físicas e de lazer, o planeamento e a
adequação de procedimentos didático-pedagógicos e a busca de apoio de colegas. Neste aspeto
aparece, ainda, a resiliência como fator que pode propiciar otimismo e valores mais humanos frente à
vida e ao trabalho, contribuindo, assim, para o bem-estar docente.
As situações de bem-estar/mal-estar docente também foram investigadas quanto às influências
que têm nas práticas pedagógicas dos professores; e os resultados apontam que o bem-estar interfere
positivamente na atuação profissional, favorecendo o desenvolvimento de práticas pedagógicas
comprometidas com o processo de ensino e aprendizagem e com as necessidades dos alunos.
Quase todas as pesquisas apontaram sugestões e proposições de intervenções necessárias para a
promoção do bem-estar docente, que vão desde a criação de políticas públicas educacionais de
valorização e formação de professores, passando por ações da gestão escolar, da sociedade e das
famílias de apoio, acolhimento e respeito aos professores, até iniciativas dos próprios professores no
sentido de investirem em elementos que contribuam para sua satisfação e realização pessoal e
profissional, como o autoconceito, a autoimagem, a autoestima e a autorrealização. No entanto, dos 65
estudos analisados, apenas três, Sampaio (2008), Tolfo (2017) e Santiago (2019), se constituíram

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como pesquisa intervenção, aplicando programas de promoção de bem-estar docente e discutindo e


analisando os resultados. Cabe destacar a importância desse tipo de pesquisa que aponta formas de
preparar os professores para o enfrentamento das dificuldades do quotidiano escolar e fortalece-los no
sentido da construção do bem-estar subjetivo e da luta pelo bem-estar profissional.
Conclui-se que há uma grande multiplicidade de fatores (socioeconômicos, relacionais,
infraestruturais e da própria atividade de trabalho) que influenciam o bem-estar dos professores, daí a
importância de se identificar, como fizeram os pesquisadores dos estudos analisados, os fatores
determinantes do bem-estar. No entanto, deve-se considerar que os mesmos fatores poderão ser
avaliados diferentemente por diferentes professores e, nesse sentido, é importante, também, apontar a
necessidade de pesquisas futuras que busquem explicar as diferenças entre perceção e satisfação para
que se possa compreender, a partir daí, como a avaliação (positiva ou negativa) do professor em
relação a si mesmo como trabalhador, às suas condições de trabalho e ao resultado do seu trabalho é
feita e desencadeia o bem-estar e/ou o mal-estar docente.
Finalmente, destaca-se uma das limitações deste trabalho, que se refere ao fato de ter sido
realizado a partir dos resumos, que nem sempre apresentam as informações completas e necessárias
sobre a pesquisa realizada. Mas, segundo Ferreira (2002), um conjunto de resumos oferece uma
história da produção acadêmica e as especificidades dessa produção. Assim, espera-se ter contribuído
para o avanço do conhecimento teórico e metodológico sobre a temática do bem-estar docente.

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A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS SILENCIADA NOS CURRÍCULOS DOS CURSOS DE


FORMAÇÃO DE PROFESSORES
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SIMONE GONTIJO & JULIANA PARENTE MATIAS

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INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA, BRASIL.

Introdução

No cerrado brasileiro, os longos períodos de estiagem deixam a vegetação seca e com aparência de
vida se foi. Porém, com o anúncio da primavera e a volta das chuvas o verde ressurge e a vida se
renova. É uma nova oportunidade, uma renovação. Esse artigo discute a Educação de Jovens e
Adultos (EJA) percebida, tal como o cerrado na primavera, como uma oportunidade para oferecer
àquele que foi, em algum momento de sua vida, alijado da escola, retornar e florescer.
O despertar para as reflexões relacionadas à Educação de Jovens e Adultos aflora o entendimento
dessa modalidade de ensino a partir de suas especificidades, levando em consideração o perfil diverso
do estudante, em sua maioria, jovens e adultos das periferias brasileiras. Trabalhadores que trazem
para o âmbito escolar a necessidade de abordar, no contexto de sua formação, a realidade na qual
estão inseridos sob a ótica das várias diversidades, tais como: classe social, gênero, raça, etnia, dentre
outras.
Mas, para isso, é preciso cuidar da qualidade da oferta do ensino ofertado na EJA. Nesse trabalho,
analisou-se a formação docente para o trabalho pedagógico com os estudantes da EJA a partir da
categoria currículo e considerando que estudante jovem e adulto passou por um processo de exclusão
escolar e voltou à escola com anseios e esperança de que a educação possa transformar suas vidas.
Esperança no sentido da ação, pois “... esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é
construir, esperançar é não desistir” (Freire, 2014, p.110).
Segundo a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a
educação básica é “para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”, com acesso público,
gratuito, com oferta no ensino diurno e noturno com o intuito de adequar as condições do estudante
trabalhador. (Brasil, 1996, Art. 208º). Portanto, rompe-se com a visão de um ensino supletivo e é
apontada a necessidade de se pensar ações específicas voltadas para a educação de jovens e adultos.
Como modalidade da educação básica, há a necessidade de se pensar a EJA a partir de um trabalho
pedagógico específico que tenha como diretriz a promoção da autonomia possibilitando uma
“apropriação do mundo do fazer, do conhecer, do agir e do conviver” (Brasil, 2000, p. 35). Uma vez
que esses sujeitos, de alguma forma, foram excluídos do acesso à educação em algum momento da
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vida e “como jovens e adultos, muitos deles trabalhadores, maduros, com larga experiência
profissional ou com expectativa de (re) inserção no mercado de trabalho” possuem necessidades de
aprendizagens específicas (Brasil, 2000, p. 33).
Para que essa educação seja materializada é necessário que o professor esteja preparado para atuar
com esse público, levando em consideração que o retorno à escola desses estudantes se dá por uma
motivação pessoal e social. Porém, nem sempre essa discussão se faz presente nos cursos de formação
docente, apesar de seus egressos atuarem em todas as modalidades da educação básica, inclusive a
EJA.
Nesse sentido, este estudo investigou os projetos pedagógicos de três cursos de licenciatura em
Letras de um Instituto Federal, no que tange a formação para atuar na educação de jovens e adultos.

Metodologia

Esse estudo se configura como uma pesquisa de cunho qualitativo e documental. Para Oliveira
(2007) “a pesquisa documental caracteriza-se pela busca de informações em documentos que não
receberam nenhum tratamento científico”(p.28). Caracterizou como um estudo exploratório, uma vez
que buscou nos projetos pedagógicos dos cursos de licenciaturas em Letras ofertados em um Instituto
Federal como se dá a formação para atuar na educação de jovens e adultos.

Nos projetos pedagógicos dos cursos foram analisados os seguintes aspectos: a) organização
curricular; b) identificação do perfil do egresso e campo de atuação profissional; c) a EJA no
currículos dos cursos (carga horária, obrigatoriedade ou eletividade da disciplina, semestre no qual a
disciplina é ofertada e conteúdos abordados).

Resultados e Discussão

Inicialmente foi realizado um levantamento considerando a motivação da oferta, a organização


curricular e campo de atuação do egresso dos cursos de Letras e, num segundo momento, como a
Educação de Jovens e Adultos é abordada nos projetos pedagógicos dos cursos.

a) Organização curricular

A discussão em torno do currículo se configura como um espaço central nas trajetórias de


formação. Silva (2011) afirma que currículo é lugar, espaço e relação de poder e que os percursos
formativos dão centralidade na constituição de identidades.

Destaca-se que os três cursos de licenciatura têm seus currículos organizados em 8 semestres carga
horária total variando de 3.204 a 3.213 horas. As disciplinas são organizadas em formação geral

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(técnico-científico); formação específica (pedagógica e instrumental); optativas; prática de ensino;


estágio supervisionado e atividades complementares.

Para Arroyo (2013) o currículo marcado por trajetórias históricas de relações de poder em que
núcleos comuns são legitimados e, muitas vezes, segregam a diversidade de coletivos sociais
constituindo o currículo num território em disputa.

Portanto, a constituição de um curso em semestres, sua carga horária e forma como estão
distribuídas, a despeito das amarras legais se configuram a partir das disputas retratadas por Arroyo.

b) Perfil do egresso e Campo de atuação profissional

No perfil do egresso dos cursos são apresentados como pontos fundamentais a formação sólida e
abrangente em conteúdos dos diversos campos do campo do saber; a atuação como docentes das
respectivas áreas na educação básica, em cursos livres, desenvolvimento de materiais pedagógicos e
artístico-culturais e; quaisquer atividades que demandem proficiência em língua específica de forma
autónoma e criativa.

Em relação ao campo de atuação profissional, os três cursos visam formar estudantes para atuar na
educação básica em todas as suas modalidades de ensino.

Nesse contexto, entende-se o termo “modalidade”, como uma “classificação dada pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, a determinadas formas de educação que
podem localizar-se nos diferentes níveis da educação escolar”, dentre elas a Educação de Jovens e
Adultos (Menezes, 2001).

Destaca-se que no curso de Letras/ Espanhol o projeto pedagógico prevê que o licenciado seja capaz
de:

Refletir criticamente sobre sua prática e se reconhecer como um profissional em constante


transformação; desenvolver práticas e ações que fomentem a melhoria em sua realidade de
atuação; dominar os aspectos linguísticos e literários da Língua Espanhola; ter domínio das
cinco habilidades: compreensão oral e escrita, expressão oral e escrita e interação
linguístico-social; analisar, escolher e produzir materiais didáticos para o ensino da Língua
Espanhola que contemplem, além dos conteúdos linguísticos, aqueles relacionados às
variedades culturais e dialetais [1].

Assim, seu campo de atuação está voltado primordialmente ao magistério, mesmo que o Projeto
Pedagógico do Curso (PPC) apresente um universo possibilidades de trabalho.

c) A EJA no currículos dos cursos

No curso de Letras/ Português está previsto um componente curricular de Prática de ensino com
ementa dedicada a EJA. Os cursos de Letras/Espanhol e Letras/ Inglês não têm componentes

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curriculares dedicados à EJA, sendo que no primeiro não há referência a essa modalidade de ensino e
o segundo faz menção alusão a ela no campo de atuação profissional e estágio supervisionado.

A referência a Educação de Jovens e Adultos na ementa da componente curricular de Estágio


Supervisionado nos induz a refletir sobre a importância de uma discussão mais sólida em torno das
especificidades do público que é recebido na EJA, pois é necessária uma metodologia que levem em
consideração os conhecimentos prévios que esse público traz para o chão da sala de aula.

O curso de Letras/Português apresenta um componente curricular com ementa específica voltada à


formação docente para atuação na EJA. Curricularmente localizado no sétimo semestre do curso, tem
carga horária de 60 horas/aula. Sua ementa prevê o estudo da contextualização da Educação de
Jovens e Adultos no Brasil, a observação e crítica de uma aula nessa modalidade e a elaboração,
execução e análise de uma sequência didática de duas aulas voltadas a EJA.

Infere-se que por ser uma disciplina direcionada à prática pedagógica, com caráter fortemente
marcado pela ação docente, possibilita ao estudante fazer conexões com a sua práxis pedagógica.

É importante destacar que os professores egressos desse curso ministrarão aulas em todos os
níveis da educação básica, seja na modalidade regular ou na EJA, uma vez que os processos de
alfabetização e letramento que perpassam a escolarização dos sujeitos, sendo fundamental sua
formação para atuar com esses sujeitos a partir do entendimento das identidades articuladas a uma
educação humanizadora (Arroyo, 2017).

No curso de Letras/ Espanhol destaca-se a invisibilização e o silenciamento em torno da EJA,


apesar das especificades desse público quanto à práticas pedagógicas diferenciadas. Entende-se que
esse público num estágio de vida diferente dos estudantes da educação básica regular, com
experiências, expectativas, condições sociais próprios, o que faz com que seja necessário metodologias
específicas para essa modalidade de ensino.

É fundamental a reflexão do lugar da língua espanhola na oferta da EJA, muitas vezes centrada
pelos documentos oficiais no ensino médio regular ou em caráter optativo (Brasil, 2018).

Devem ser contemplados, sem prejuízo da integração e articulação das diferentes áreas do
conhecimento, estudos e práticas de: [...] IX - língua inglesa, podendo ser oferecidas outras línguas
estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade da
instituição ou rede de ensino (BRASIL, 2018, grifo nosso).

Leffa (2017) afirma o acesso ao estudo de línguas estrangeiras é um direito coletivo e não um luxo
concedido a poucos. Grando e Müller (2014) acrescentam a importância do acesso ao estudo da língua
espanhola na EJA, pois ele:

oportuniza aos alunos novas situações favorecedoras da comunicação tanto na escola,


como no cotidiano [...] pois faz com que esse estudante tenha a possibilidade de usar esse

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idioma para obter acesso a várias áreas do conhecimento, como por exemplo, nas
relações com pessoas, no uso de tecnologia e na compra de produtos de seu próprio uso
como celulares, eletrodomésticos, dentre outros (p.12).

O curso Letras/ Inglês apresenta uma primeira manifestação em relação à EJA no projeto
pedagógico, no que diz respeito ao campo de atuação profissional ao afirmar que o profissional
egresso do curso poderá ministrar aulas em componentes curriculares de todas as modalidades da
educação básica, deixando subentendida a atuação na EJA. A EJA também está descrita no estágio
supervisionado ao se considerar como:

[...] local de estágio que o discente poderá entender a significação da escola e o laço que
esta possui com sua comunidade, percebendo como deve articular o conteúdo
curricular adquirido no Ensino Superior à sala de aula do Ensino Fundamental e/ou
Médio, nas respectivas modalidades de educação (Educação de Jovens e Adultos,
Educação Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação do Campo,
Educação Escolar Indígena, Educação a Distância e Educação Escolar Quilombola)
(grifo nosso).

Porém, há descrição de outros componentes curriculares ou discussões previstas nas ementas do


estágio supervisionado que fomentem a formação docente para atuar na modalidade de ensino.

Assim, apesar de estar presente no plano de curso e nas ementas das componentes curriculares de
estágio, o documento apresenta uma visão geral da compreensão da estrutura da língua inglesa
relacionada ao ensino fundamental e médio, não abordando metodologias relativas à Educação de
Jovens e Adultos.

Destaca-se que as diretrizes Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
apontam:

[...] a necessidade de pensar a especificidade desses alunos e de superar a prática de


trabalhar com eles da mesma forma que se trabalha com os alunos do ensino
fundamental ou médio regular [...] conferindo significado aos currículos e às práticas de
ensino (Brasil, 2001, p.26).

É preciso estar atento a discussão pedagógica acerca dessa modalidade de ensino, pois excluir do
processo de formação docente a possibilidade de entender a constituição de coletivos que ficaram à
margem da sociedade é ocultar suas demandas e elimina-los dos processos formativos.

Arroyo (2017) nos chama a reflexão que a EJA se caracterizou por ser o lócus em que se condensa a
tensa construção histórica de identidades coletivas que foram por muito tempo segregadas e
oprimidas, mas que também se apresentarem com luta e resistência na afirmação de novas
identidades coletivas.

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Considerações finais

A discussão em torno da formação de professores para atuar na EJA não é uma discussão nova,
uma vez que essa modalidade faz parte de uma trajetória histórica dos movimentos populares e foi se
fortalecendo desde a década de 1960. Apesar de nos últimos anos existir uma maior discussão nas
universidades públicas em relação ao tema, ainda existem desafios em torno da formação de
professores para atuar nessa modalidade. A ausência de disciplinas ou de habilitações específicas de
educação de jovens e adultos nos cursos de formação inicial de nível médio e superior tem dificultado
o despertar e o aprofundamento das reflexões sobre as diversas dimensões que constituem essa
modalidade educativa (VIEIRA, 2016, p. 66). Entender a Educação de Jovens e Adultos como uma
modalidade de ensino da educação básica que necessita de uma identidade própria e um olhar
diferenciado em relação à organização institucional e curricular, torna-se também essencial um olhar
diferenciado em relação a formação de professores. Percebe-se nos cursos investigados o objetivo
comum de formar professores para atuar na educação básica, porém há uma lacuna quanto à
formação para além da modalidade regular. E, apesar de dois dos cursos terem citado a EJA, ainda
existe uma invisibilidade dessa modalidade de ensino, um esquecimento dessa formação. Destaca-se
que, “[...] no Brasil, um curso de formação de professores não pode deixar de lado a questão da
educação de jovens e adultos, que ainda é uma necessidade social expressiva” (Brasil, 2001, p. 26).
Este estudo aponta a necessidade de se ampliar a discussão em torno das modalidades de ensino da
educação, em especial da educação de jovens e adultos, bem como considerar as legislações que
colocam a questão da educação de jovens e adultos como uma necessidade social. É fundamental
reconhecer as especificidades desses sujeitos, uma vez que são necessárias metodologias adequadas e
situações didáticas significativas para que se consiga alcançar permanência e êxito no processo de
ensino-aprendizagem fazendo, a transposição da leitura e promovendo uma educação libertadora a
partir das conscientização dos sujeitos (Freire, 2020).

[1] A fonte foi omitida para preservar o sigilo do curso.

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PERCEÇÕES DOS DOCENTES SOBRE INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO:


UM ESTUDO NO NORTE, CENTRO E SUL DE PORTUGAL
_______________________________________________________________________

EULÁLIA SILVA ROCHA1, HELENA ARAÚJO SILVA1, OLÍVIA DE CARVALHO1,2 ,

SÓNIA GALINHA3 & CRISTINA MACHADO1

______________________________________________________________________

1ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO INSTITUTO DE ESTUDOS SUPERIORES DE FAFE

1 2UNIVERSIDADE PORTUCALENSE INFANTE D. HENRIQUE (UPT)

3ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE SANTARÉM, PORTUGAL.

Introdução
O movimento inclusivo analisado por diferentes áreas científicas, nomeadamente por psicólogos,
pedagogos e sociólogos, apresenta resultados que sustentam um poderoso movimento social que
emergiu e que penetrou na vida das escolas, universidades, publicações, artigos científicos e debates
internacionais (Barragán, 2010). Nos últimos 30 anos, verificam-se grandes esforços internacionais
para encorajar o desenvolvimento da educação inclusiva (Ainscow, 2020, p.7).
Mundialmente adotada e apoiada, a Declaração de Salamanca estabelece o princípio fundamental
da inclusão nas escolas de acordo com o qual, “todas as crianças devem aprender juntas, sempre que
possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam apresentar. As
escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades dos seus alunos.” (Pereira,
2020, p.15).
O Fórum Mundial para a Educação (FME), realizado em 2015, Incheon, Coreia do Sul, onde
participaram 160 países, entre eles Portugal, vem fortalecer “o legado da Declaração de Salamanca e
apela a uma transformação revolucionária dos sistemas e sociedades educativas” (Pereira, 2020, p.15).
No entender de Rodrigues (2017), a Declaração de Incheon deveria ser um documento de estudo
obrigatório para qualquer curso de pedagogia ou áreas relacionadas, por abordar e apontar para
princípios muito simples, mas determinantes para a educação inclusiva, como “os objetivos serem
considerados atingidos, quando atingidos por todos” (p.293).
Em Incheon são reafirmados e reforçados compromissos anteriores assumidos pelo movimento
global educação para todos, iniciado em Jomtien, em 1990, e reiterado em Dakar, em 2000. Após
balanço dos progressos e metas atingidas, todos se responsabilizam, e comprometem com caráter de
urgência, com “Agenda 2030 e o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4”. Este documento
estabelece uma nova visão para a educação para os próximos 15 anos, “assegurar a educação inclusiva

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e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”


(UNESCO, 2015b, p. 5). Numa escola que, de acordo com Costa (2018),

abre as portas de entrada e que garante que, à saída, todos alcançaram aquilo a que têm
direito: um perfil de base humanista, ancorado no desenvolvimento de valores e de
competências que os torna aptos ao exercício de uma cidadania ativa exercida em
liberdade e proporcionadora de bem-estar. (p.11).

Os mesmos pressupostos são vinculados pela UNESCO (2020), que reforça que a educação com
qualidade é inclusiva, equitativa, e é a “base de um sistema educativo de boa qualidade, que permite a
todas as crianças, jovens e adultos aprender e atingir todo o seu potencial” (p. 22).
Mas apesar dos esforços, indica Pereira (2020), na promoção de uma educação de qualidade para
todos, estes ainda se manifestam insuficientes, pois implicam a necessária transformação de sistemas
e políticas educativas, para o cumprimento das metas da Agenda, e o Objetivo de Desenvolvimento
Sustentável 4 (p.15). A UNESCO, segundo Pereira (2020), no “Fórum Internacional sobre Inclusão e
Equidade na Educação - Todos os alunos importam”, realizado em 2019, na Colômbia, mais uma vez
recorre “ao seu poder para dar um novo impulso à inclusão e à equidade na educação, no contexto da
Agenda 2030” (p.15). Propõe a construção de entendimentos, e compromissos comuns, renovando e
fortalecendo com os presentes a indispensabilidade da implementação da Educação Inclusiva, através
da promoção de culturas, políticas e práticas educativas, promotoras de inclusão (Pereira, 2020, p.15).
Esta opção temática resulta de um somatório de vontades, interesses e inquietações sentidas, a
nível pessoal e profissional, enquanto docentes de Educação Especial, mas também decorre da
responsabilidade de informar e relembrar a premência de implementar procedimentos e estratégias,
baseados em compromissos assumidos a nível nacional e internacional.
A sua realização constitui-se como uma oportunidade de investigação, e um exíguo contributo para
este gigantesco projeto educativo nacional de Compromisso com a Inclusão na Educação. Pretende-se
também contribuir para colmatar o referido por Azevedo (2019), a existência de “uma separação entre
a ação educativa escolar e os resultados da investigação científica, provocando perdas para o trabalho
dos docentes, das escolas e das políticas” (p.12).

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Desenvolvimento

A Diretora-geral da UNESCO, Azoulay (2020), na sequência do Relatório de Monitorização Global


da Educação de 2020 (Relatório GEM), afirma que “nunca foi tão crucial tornar a educação um direito
universal e uma realidade para todos. Sendo o seu contributo essencial na construção de sociedades
inclusivas e democráticas, onde opiniões distintas podem ser manifestadas livremente, todas as vozes
podem ser ouvidas, numa celebração da diversidade” (p. 7).
Os desafios para a Inclusão na Educação, segundo Azoulay (2020), são enormes, pois “as
oportunidades educacionais continuam a ser distribuídas de forma desigual. Muitos estudantes ainda
encontram grandes barreiras a uma educação de qualidade” (UNESCO, 2020, p. 5). Bordieu, citado
por Rodrigues (2014), menciona que “para que os mais favorecidos sejam favorecidos e os mais
desfavorecidos sejam desfavorecidos, basta que a escola não faça nada” (p.80). Nas convicções de
Costa (2018), “pretende-se que a educação seja um direito efetivo de todos e não um privilégio de
alguns “(DGE 2018, p.4). Convictamente, Correia (2000) entende que o ato de incluir todos os alunos
na escola, permite criar sociedades fortes e resilientes onde “todas as crianças, seja qual for o seu
estatuto sócio- económico, classe social, sexo, crença religiosa, capacidade, cultura ou língua,
pertencem à nossa comunidade e, por conseguinte, às nossas escolas”. Acreditamos, assim, no ato de
incluir como um ato facilitador da criação de uma sociedade mais forte e resiliente (p.5). Também
Carvalho (2000) descreve a inclusão como “um imperativo que molda o imediato, mas é também a
vontade de estar no futuro, antecipando-o, unindo todos os pontos do continente inventivo e
imaginativo” onde o desejo de futuro e a sua emergência não são vividos passivamente (p. 31).
Segundo a UNESCO (2008), citado por Rodrigues (2014), a Educação Inclusiva pode-se
conceptualizar em quatro pilares: a) é um processo (e não algo que se tem ou que se é), b) identifica e
elimina as barreiras à aprendizagem, c) promove a presença, participação e sucesso de todos os alunos
e d) dirigindo-se em particular aos alunos em risco de exclusão, marginalização ou insucesso, na
verdade, dirige-se a todos os alunos (p. 82). Do que foi dito, ressalta que os caminhos para a
construção de uma escola inclusiva não são fáceis, nem de conceber, nem de concretizar. Mas não é
utópica, pois como afirma Costa (2018), é já uma realidade presente em muitas comunidades
educativas onde os alunos com deficiência crescem com os outros; há escolas em que as práticas
curriculares mitigam os efeitos da pobreza; há escolas em que alunos de comunidades migrantes
desenvolvem aprendizagens como outros.” (p.4).
As políticas ao nível da Educação, no nosso país, têm vindo a responder a estes desafios de forma
convergente, através de um quadro normativo congruente, e interdependente, onde se inclui o Perfil
dos Alunos (PA), a Autonomia e Flexibilização Curricular, as Aprendizagens Essenciais (AE), a
Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, e a Educação Inclusiva. Com a determinação de
construir uma escola inclusiva, a 6 de julho de 2018, foi promulgado o Decreto-lei 54/2018. Surge um
novo quadro legal com uma abordagem sistémica, contínua e integrada do percurso escolar
(DGE,2018). A mudança de paradigma apresentada no Decreto-Lei nº 54/2018, envolve na sua
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operacionalização rupturas profundas na estrutura escolar e no sistema educativo. Este decreto vem
estabelecer “os princípios e as normas que garantem a inclusão, enquanto processo que visa responder
à diversidade das necessidades e potencialidades de todos e de cada um dos alunos, através do
aumento da participação nos processos de aprendizagem e na vida da comunidade educativa” (Ponto
1, Art.º 1.º). O diploma rompe com a necessidade de categorizar para intervir, focando-se, sim, nas
respostas que a escola disponibiliza, a todos os alunos. Advoga-se um processo de avaliação de suporte
à aprendizagem valorizando aspetos académicos, comportamentais, sociais e emocionais do aluno,
assim como fatores ambientais, sendo que decorre desta interação, a sequenciação e dinâmica da
intervenção. O atual modelo, foi alvo de elogios, pela organização All Means All (2018) “Aliança
Australiana para a Educação Inclusiva”, que se referiu a Portugal, como “Um país pequeno que dá
grandes passos para a inclusão na educação”. A organização transmite as mais calorosas felicitações
ao governo e ao povo português, pelo seu empenho, em adotar uma abordagem sistémica à educação
inclusiva, como base de uma sociedade equitativa e inclusiva para todos. Refere, ainda, o comunicado
que como a Austrália, e muitos outros países, Portugal promulgou legislação que torna a
discriminação por deficiência, em educação ilegal. No entanto, ao contrário da Austrália, Portugal foi
muito mais longe na criação de um quadro legal explícito para a inclusão na educação de alunos com e
sem deficiência. Também a European Agency for Special Needs and Inclusive Education (2018),
valoriza o contributo de Portugal, e descreve o Decreto-Lei 54/2018, como uma “Lei Inovadora” para a
Educação Inclusiva. Menciona ainda que esta “nova lei inovadora de Educação Inclusiva portuguesa
fornecerá alguns dos recursos europeus mais inovadores e genuinamente inclusivos para o futuro”.
Para Almeida (2020), “este paradigma remete-nos para a construção de uma escola de qualidade com
todos e para todos, numa perspetiva de inclusão e de articulação com a família, comunidade e todos os
técnicos envolvidos” (p.3). A Diretora Geral da UNESCO, Azoulay (2020) reforça que este movimento
inclusivo não é negociável. Ignorar a inclusão significa contrariar os esforços de quem luta para
construir um mundo melhor. Podemos não conseguir alcançá-la por completo, mas é a nossa única
opção (p. 35). Costa (2018) convoca as comunidades de aprendizagem para o compromisso com a
escola inclusiva
uma escola na qual todos os alunos têm oportunidade de realizar aprendizagens
significativas e na qual todos são respeitados e valorizados, uma escola que corrige
assimetrias e que desenvolve ao máximo o potencial de cada aluno, é um desígnio
nacional e um desafio para o qual estamos TODOS convocados (p.4).

A inclusão na educação, definida pela UNESCO (2020), significa garantir que todos os estudantes se
sintam valorizados e respeitados, e que possam desfrutar de um verdadeiro “sentimento de pertença”
(p.7). Mas lembra a inclusão não pode ser realizada, a menos que os professores sejam agentes de
mudança, com valores, conhecimentos e atitudes que permitam que todos os estudantes tenham
sucesso. Acrescenta também que “o ensino inclusivo exige que os professores estejam abertos à
diversidade e tenham a consciência de que todos os estudantes aprendem relacionando a sala de aula
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a suas experiências de vida” (UNESCO, 2020. p. 18). Uma escola inclusiva é uma escola em
movimento, uma escola que progride sempre, que nunca atinge um estado de perfeição, afirma
Sanches (2011), citando Booth, Ainscow, Black-Hawkins, Vaughan e Shaw (2000), que se trata de uma
escola que é capaz de

gerir e tirar partido das mais-valias que comporta a diversidade dos seus alunos e
colaboradores, desde os diretores aos alunos, passando pelos encarregados de educação,
elementos da comunidade, funcionários e professores; é uma escola sem ‘grades’, aberta
e disponível para o diálogo e a negociação dos seus conteúdos e processos de
operacionalização (p.137).

Ainscow (2005) apresenta a inclusão como o maior desafio colocado aos sistemas educativos em
todo o mundo, sendo que, em alguns países, a educação inclusiva é vista como uma forma de
responder a crianças com deficiências na educação regular. Mas reforça “internacionalmente é cada
vez mais vista como uma reforma que apoia e acolhe favoravelmente a diversidade entre todos os
alunos” (Ainscow, 2005, p. 109). A eficácia e sucesso das escolas inclusivas fundamentadas em
culturas, políticas e práticas inclusivas, contribuem para uma maior equidade na educação
(Rodrigues, 2014, p.82). Mas

implica rejeitar, por princípio, a exclusão (presencial ou académica) de qualquer aluno da


comunidade escolar. Para isso, a escola que pretende seguir uma política de Educação
Inclusiva (EI) desenvolve políticas, culturas e práticas que valorizam o contributo ativo
de cada aluno para a construção de um conhecimento construído e partilhado e desta
forma atingir a qualidade académica e sociocultural sem discriminação (Rodrigues,
2006, p.2)

Também a Direção Geral da Educação entende que o sucesso para a implementação da Inclusão na
Educação implica considerar e agregar três dimensões: Culturas, Políticas e Práticas, numa construção
permanente de comunidades de aprendizagens inclusivas. Não obstante a existência de diferentes
conceptualizações sobre a inclusão, perspetivar a educação inclusiva implica considerar as três
dimensões que a mesma incorpora: a dimensão ética, referente aos princípios e valores que se
encontram na sua génese, a dimensão relativa à implementação de medidas de política educativa que
promovam e enquadrem a ação das escolas e das suas comunidades educativas e a dimensão
respeitante às práticas educativas. “Estas dimensões não são estáticas, pelo que nenhuma pode ser
negligenciada por qualquer sistema educativo que se proponha prosseguir o objetivo da inclusão”
(DGE, 2018, p. 11). Transformar a escola, para Rodrigues (2014), “e torná-la mais equitativa e
inclusiva implica, pois, uma análise da forma como a escola ensina e como a escola aprende, e implica
uma atuação em múltiplos domínios de escola” (p. 86).
Com o propósito de contribuir para a construção da escola inclusiva, European Agency for
Development in Special Needs Education (2009), propõe um projeto a vários especialistas, cujo
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objetivo seria analisar e identificar indicadores relevantes, desenvolvidos a nível europeu e a nível
internacional, promotores da educação inclusiva. Dos resultados do projeto, conclui-se que têm sido
realizados alguns trabalhos importantes de investigação e estudos, visando apoiar e melhorar a
qualidade da educação, em contextos inclusivos (p.19). Um desses trabalhos pertence a Booth e
Ainscow que, nos primeiros anos do século XXI, desenvolveram uma série de indicadores para apoiar
o desenvolvimento de escolas inclusivas, intitulado “Índex para a inclusão – desenvolvendo a
aprendizagem e a participação na escola”, com o objetivo de promoverem a construção de
comunidades de aprendizagem. Este documento assume-se como um guião para um projeto
dinâmico, reflexivo, cuja intervenção se foca na política, na cultura e nas práticas de toda a escola.
Pretende não somente responder a um problema específico de determinado grupo da população
escolar, mas aos problemas de toda a comunidade educativa (EADSNE, 2009, p.19). Para os autores
do Index, citados por Armstrong (2014), a Inclusão na Educação implica
“a) Valorizar igualmente alunos e professores,

b) Aumentar a participação e reduzir a exclusão das culturas, dos currículos e das comunidades,

c) Reestruturar culturas, políticas e práticas nas escolas para que possam responder à diversidade dos
alunos,

d) Reduzir os obstáculos à aprendizagem e participação para todos os alunos (e não só os que têm
deficiências ou os que são identificados como elegíveis para os apoios da Educação Especial).

e) Ver as diferenças dos alunos como um recurso para apoiar a aprendizagem e não um problema que
precisa de ser resolvido,

f) Reconhecer o direito dos alunos a ter uma educação na comunidade em que vivem.

g) Melhorar as escolas para professores e alunos.

h) Enfatizar o papel das escolas na construção de uma comunidade,

no desenvolvimento de valores e na melhoria dos sucessos.

i) Promover relações entre a escola e a comunidade.

j) Reconhecer que a inclusão na educação é parte integrante da inclusão na sociedade” (pp. 16-17).

O Índex é um guia para as comunidades educativas, pois compreende um conjunto de materiais para
apoio às escolas, no seu processo de desenvolvimento inclusivo. A preocupação é mudar a ênfase de
uma inclusão centrada nas crianças individualmente, para uma inclusão orientada para o
desenvolvimento de escolas inclusivas (Moital, 2012).

Booth e Ainscow (2002) consideram que as três dimensões, culturas, políticas e práticas inclusivas,
estão obrigatoriamente correlacionadas e são necessárias para implementar o processo de inclusão na
Educação, num processo de mudança efetiva (pp.14-15). A fim de clarificar, Ainscow e Booth (2002)
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reforçam que no Índex, o conceito de inclusão não está apenas associado a crianças e jovens que
apresentam necessidades educativas especiais, mas refere-se à educação de todos os alunos. Este
documento oferece às escolas um instrumento de autoavaliação e de desenvolvimento, construído a
partir dos pontos de vista dos profissionais, dos gestores, dos alunos, e dos pais, assim como dos
outros membros da comunidade. Implica uma observação pormenorizada sobre a forma como se
podem diminuir, em relação a qualquer aluno, as barreiras à sua aprendizagem e à sua participação
(p. 5). Santos (2014) menciona que o Index para a Inclusão está atualmente na sua terceira edição,
tendo a primeira sido criada em 2000, a segunda em 2002 e a terceira lançada em 2011, esta última
revista por um dos seus autores, Tony Booth (p.487). Booth, Ainscow (2002), citado por Moital
(2012), referem que a versão portuguesa, foi produzida pelos Cidadãos do Mundo, a partir da
autorização escrita da CSIE (Centre fot Studies on Inclusive Education), com tradução em 2002, de
Ana Bernard da Costa e José Vaz Pinto. Esclarecem os seus autores que o guia Index é constituído por
cinco partes, apresentando a primeira parte uma abordagem das escolas numa perspectiva inclusiva.
Destacam ainda, que o documento pode ser utilizado de variadas maneiras e descrevem o seu
conteúdo. Nesta primeira parte, os autores pretendem definir alguns conceitos - chave, como
“inclusão, barreiras à aprendizagem e à participação, e apoio à diversidade”, com o objetivo de
proporcionar “uma linguagem que facilita a discussão sobre o desenvolvimento da educação inclusiva”
(Booth, Ainscow (2002, p.7). O segundo elemento da primeira parte do documento define o
enquadramento da avaliação, e apresenta as dimensões e secções como partes estruturantes do
processo de avaliação da escola (Booth, Ainscow, 2002, p. 7). O terceiro elemento desta primeira
parte, descreve os materiais de avaliação: indicadores e perguntas. Os indicadores segundo os autores
“constituem uma declaração de intenções que, ao serem comparados com as situações vigentes,
conduzem ao estabelecimento de prioridades para o desenvolvimento. “O significado de cada
indicador é clarificado através duma série de perguntas” (Booth, Ainscow, 2002, p. 14-15). A segunda
parte do documento, para Booth e Ainscow (2002), baseia-se na utilização do Índex como parte de
todo um planeamento da ação educativa visando o desenvolvimento da escola. Esta parte tem cinco
fases: a primeira fase, “começar a trabalhar com o Índex”, indica a constituição de um grupo para
coordenar o projeto, a segunda “conhecer a escola”, a terceira “elaborar um plano de desenvolvimento
(projeto educativo) inclusivo”, a quarta “implementar as prioridades” e a quinta parte “avaliar o
processo do Índex», através de um processo de autoavaliação. A equipa revê globalmente os
progressos verificados, destacando “mudança das culturas, das políticas e das práticas” e sugere
propostas de melhoria (p.22). Booth e Ainscow (2002) consideram que as três dimensões, culturas,
políticas e práticas inclusivas, estão obrigatoriamente correlacionadas, e são necessárias para
implementar o processo de inclusão na educação, num processo de mudança efetiva (p.14). Na parte
três do documento, são apresentados os indicadores e as perguntas desenvolvidos a partir de três
dimensões, relacionadas entre si: A - Criar culturas inclusivas, B - Produzir políticas inclusivas e C -
Desenvolver práticas inclusivas. Cada dimensão (A, B e C) divide-se em por sua vez em seis secções

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(A.1, A.2, B.1, B.2. C.1, C.2) com a finalidade de focar a atenção naquilo que é necessário fazer, para
aumentar a aprendizagem e a participação na escola: A1 Construir o sentido de comunidade, A2
Estabelecer valores inclusivos, B1 Desenvolver escola para todos, B2 Organizar o apoio à diversidade,
C1 Organizar a aprendizagem e C2 Mobilizar recursos (Booth e Ainscow, 2002, p.52).

(…) focaliza-se sobre a criação de uma


comunidade segura, aceitante, colaboradora e
A1 - Construir o sentido de estimulante, na qual todas as pessoas são
comunidade valorizadas e consideradas como
Dimensão A
fundamentais nos empreendimentos de todos
Criar culturas os estudantes. Trata do desenvolvimento de
inclusivas valores de inclusão em toda a comunidade
educativa: estudantes; pais e encarregados de
A2 - Estabelecer valores educação; professores, membros da direção e
inclusivos auxiliares de educação.
(…) assegura que a inclusão penetre em todos
os planos da escola. As políticas encorajam a
B1 - Desenvolver escola para participação dos alunos e dos educadores,
todos desde que começam a fazer parte da escola,
procuram abranger todos os alunos da
Dimensão B localidade e minimizar as pressões de
exclusão. Todas estas políticas envolvem
Implementar políticas estratégias claras de mudança. Consideram-se
inclusivas como apoio todas as atividades que conduzem
a um aumento da capacidade de resposta à
B2 - Organizar o apoio à
diversidade dos alunos. Todas as formas de
diversidade
apoio são organizadas de acordo com os
princípios inclusivos e enquadram-se numa
única estrutura.

(…) tem a ver com o desenvolvimento de


práticas que traduzem as culturas e as
C1 – Organizar a políticas inclusivas da escola. As aulas são
aprendizagem dadas de forma a responder à diversidade dos
Dimensão C alunos. Estes são encorajados a participar em
todos os aspetos da sua educação, o que
Promover práticas implica que se tenha em conta as suas
inclusivas experiências realizadas fora da escola e os
C2 – Mobilizar recursos conhecimentos aí adquiridos. Para além dos
recursos materiais, os educadores utilizam,
como recursos de apoio à aprendizagem e à
participação, os seus próprios saberes,
mutuamente partilhados, os alunos, os pais e
as comunidades.

Quadro 1 - Dimensões e Seções dos Indicadores para a Inclusão


Fonte: Adaptado pelas autoras de Booth, Ainscow (2002)

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Os Indicadores para a Inclusão, de acordo com os seus autores, Ainscow e Booth (2002), são

um recurso de apoio ao desenvolvimento das escolas. É um documento abrangente que


pode ajudar todos que procuram progredir e encontrar novos caminhos na sua área de
intervenção. Os materiais são elaborados a partir dos conhecimentos e da experiência
que as pessoas têm sobre a sua própria prática. Desafiam e apoiam o desenvolvimento de
qualquer escola, independentemente desta se considerar como mais ou menos inclusiva
(p. 5).

Estes indicadores “constituem uma declaração de intenções que, ao serem comparados


com as situações vigentes, conduzem ao estabelecimento de prioridades para o
desenvolvimento. As questões permitem explorar com pormenor os indicadores,
provocando uma reflexão sobre cada um. Em conjunto, facultam uma avaliação
pormenorizada de todos os aspetos da escola e ajudam a identificar as prioridades
relativas à mudança” (Booth, Ainscow, 2002, pp.14-15).

Também a Direção Geral da Educação (2018) salienta que os Indicadores para a inclusão “tem
como objetivo apoiar o processo de autoconhecimento das escolas, com vista à definição de
prioridades de mudança para o desenvolvimento da inclusão” (p.8).

Método
Participantes
O universo em estudo é constituído por 205 docentes (Regular e Educação Especial), envolve todos
os níveis de ensino (Básico e Secundário), de 30 Agrupamentos de Escolas da região Norte, Centro e
Sul de Portugal. No que respeita à amostra socio demográfica (Tabela I), podemos verificar que é
constituída por uma significativa maioria de sujeitos do género feminino 75,6% (n=155), com
diferentes faixas etárias, situando-se grande parte dos inquiridos 42,4% (n=87) entre os 46 e os 55
anos, apresentando uma distribuição da experiência profissional que predominantemente 42,4%
(n=188) localizada entre os vinte um e os trinta anos de serviço, com diferentes habilitações,
prevalecendo 51,7% (n=106) a licenciatura e 39,5% (n=81) apresentam formação especializada em
Educação Especial.

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Género N % Habilitações académicas N %

75,
Feminino 155 Bacharelato 6 2,9
6
Masculino 50 24,4 Licenciatura 106 51,7

Idade N % Pós-graduação 43 21%

< 35 anos 2 1% Mestrado 48 23,4


35-45 anos 58 28,3 Doutoramento 2 1%
42,
46-55 anos 87 Formação Especializada N %
4
> 56 anos 58 28,3 Ensino Regular 98 47,8%
Tempo de serviço N % Educação Especial 81 39,5%

< 10 anos 7 3,4 Administração Escolar 19 9,3%


10-20 anos 46 22,4 Supervisão Pedagógica 7 3,4%
42, Atualmente leciona
21-30 anos 188 N %
4
> 31 anos 64 31,2 Ensino Regular 117 57,1%

Educação Especial 60 29,3%

Apoio Educativo 5 2,4%

Outra 23 11,2%

Tabela I - Dados sócio demográficos dos sujeitos participantes no estudo


Fonte: Elaborada pelos autores

Relativamente ao contexto profissional, tabela II, reponderam inquiridos das regiões norte, centro
e sul. Perante os resultados podemos afirmar que a maioria das respostas é fornecida por docentes da
Região Norte 88,8% (n=182) e distribuídos pelos diversos níveis de ensino, destacando-se o 3º ciclo
30,7% (n=63), seguido do 1º ciclo com 25,4% (n=152), o ensino secundário com 21% (n=43), e o 2º
ciclo com 15,6% (n=32). Os inquiridos apresentam uma situação profissional estável, pois na sua
grande maioria 67,3% (n=138) pertencem ao quadro de agrupamento ou quadro de escola.

Região N % Situação N %
profissional

Norte 182 88,8 Contratado 29 14,1


Centro 14 6,8 QZP 38 18,5
Sul 9 4,4 QA/QE 138 67,3

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Nível de ensino que leciona N %


Pré-Escolar 15 7,3
1º ciclo 52 25,4%
2º ciclo 32 15,6%
3º ciclo 63 30,7%
Secundário 43 21%

Tabela II - Contexto profissional dos sujeitos participantes no estudo

Fonte: Elaborada pelos autores

Quanto às funções de liderança ou cargos, tabela III, os resultados revelam que 66,3% (n=136) dos
inquiridos, não exerce qualquer cargo de liderança, sendo que 33,7% (n=69) desenvolve a sua
atividade na execução de diferentes tipos de lideranças ou cargos. Pela análise das respostas, destaca-
se o cargo de coordenador de departamento 4,8% (n=10), seguido do coordenador de diretores de
turma 4,3% (n=9), o coordenador de educação especial 3,9% (n=8), o diretor de turma 3,4% (n=7), o
diretor, adjunto do diretor e o coordenador da EMAEI com a percentagem de 2,9% (n=6).

Cargo de liderança/cargo N %

Sim 69 33,7
Não 136 66,3

Tipo de liderança/cargo N %

Diretor(a) 6 2,9%

Subdiretor 3 1,5%

Adjunto Diretor 6 2,9%

Coordenador (a) EMAEI 6 2,9%

Coordenador(a) Educação Especial 8 3,9%

Coordenador de departamento 10 4,8%

Coordenador de diretores de turma 9 4,3%

Diretores de turma 7 3,4%

Coordenador de Estabelecimento 3 1,5%

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Coordenador Biblioteca escolar 1 0,5%

Administrador escolar 2 1%

Membro do conselho geral 1 0,5%

Subcoordenador de grupo 200 1 0,5%

Coordenador do Clube Europeu 1 0,5%

Liderança Intermédia 1 0,5%

Coordenador da Equipa de trabalho 1 0,5%


Colaborativo – CEB-TC
Coordenador de grupo 3 1,5%

Tabela III - Distribuição dos docentes quanto às funções de liderança/cargos


Fonte: Elaborada pelos autores

Instrumento

Neste estudo optámos por delimitar a aplicação do instrumento de recolha de dados apenas aos
docentes. A metodologia utilizada foi quantitativa, com aplicação de um questionário, elaborada a
partir da escala de Likert em 3 pontos: Concordo Inteiramente; Concordo Parcialmente, Discordo. O
cerne deste questionário centrou-se no anexo 1: “Indicadores para a Inclusão”, traduzido e adaptado
de Mel Ainscow e Tony Booth, e fazem parte do manual “Para uma Educação Inclusiva: Manual de
Apoio à Prática como recursos Indicativos” (DGE, 2018, p. 68). O questionário “Indicadores para a
Inclusão”, manteve a estrutura original, respeitando as três dimensões: A - Criar culturas inclusivas; B
– Implementar políticas inclusivas; C – Promover práticas inclusivas e as seis seções: A1 Construir o
sentido de comunidade, A2 Estabelecer valores inclusivos, B1 Desenvolver escola para todos, B2
Organizar o apoio à diversidade, C1 Organizar a aprendizagem e C2 Mobilizar recursos, e os 38
indicadores: A.1.1 Todos se sentem bem-vindos. A.1.2 Os alunos entreajudam-se. A.1.3 Os professores
colaboram entre si. A.1.4 Os professores e os alunos respeitam-se mutuamente. A.1.5 Os professores e
os pais trabalham em parceria. A.1.6 Os professores e a direção da escola trabalham em conjunto.
A.1.7 Realizo várias atividades conjuntas para que os alunos com NE participem mais. A.2.1 A
comunidade está envolvida na escola. A.2.2 Os professores têm elevadas expectativas para todos os
alunos. A.2.3 Os professores, a direção, os alunos e os pais partilham uma filosofia de inclusão. A.2.3
Todos os alunos são igualmente valorizados. A.2.4 A relação professor/aluno é baseada no respeito
mútuo. A.2.5 A escola procura remover barreiras à aprendizagem e à participação de todos os alunos.
A.2.6 A escola empenha-se em minimizar todas as formas de discriminização. B.1.1 Os novos
professores são ajudados a integrar-se na escola. B.1.2 A escola procura admitir todos os alunos da sua
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área geográfica. B.1.3 A escola procura tornar o seu edifício acessível a todos. B.1.4 Todos os novos
alunos são ajudados a integrar-se na escola. B.1.5 As turmas são organizadas de forma a valorizar
todos os alunos. B.2.1 Todas as formas de apoio são coordenadas. B.2.2 As ações de formação ajudam
os professores a responder à diversidade dos alunos. B.2.3 A escola procura minimizara exclusão de
alunos por motivos disciplinares. B.2.4 A escola procura eliminar as barreiras que impedem a
frequência escolar. B.2.5 A escola procura eliminar a violência escolar. C.1.1 As aulas são planeadas em
função da aprendizagem de todos os alunos.C.1.2 As aulas encorajam a participação de todos os
alunos. C.1.3 As aulas promovem a compreensão da diferença. C.1.4 Os alunos são ativamente
envolvidos na sua própria aprendizagem. C.1.5 Os alunos aprendem de forma colaborativa. C.1.6 A
avaliação promove a aprendizagem de todos os alunos. C.1.7 A disciplina no contexto da sala de aula é
baseada no respeito mútuo. C.1.8 Os professores planificam, ensinam e avaliam em parceria. C.1.9 Os
professores de apoio provem a participação e a aprendizagem de todos os alunos. C.1.10 Os TPC
contribuem para a aprendizagem de todos os alunos. C.1.11 Todos os alunos participam nas atividades
fora da sala de aula. C.2.1 A diversidade dos alunos é utlizada como recurso para o ensino e a
aprendizagem. C.2.2 O saber dos professores é plenamente utilizado. C.2.3 Os professores
desenvolvem recursos para apoiar a aprendizagem e a participação. C.2.4 Os recursos da comunidade
são conhecidos e utilizados. C.2.5. Os recursos da escola são distribuídos de forma justa para que
possam apoiar a inclusão.

Procedimentos

Todos os Agrupamentos de Escolas do Norte, Centro e Sul, através do seu diretor, foram
contatados pelos pesquisadores, de forma a requerer que encaminhassem o questionário,
disponibilizado online, aos respetivos docentes do Agrupamento de Escolas. Para a distribuição e
recolha dos questionários, optámos pelo método correio eletrônico, tendo sido ambas as tarefas
realizadas pelas autoras. Os diretores foram abordados diretamente, tendo-lhes sido comunicado por
escrito, no e-mail assim como na parte inicial do questionário, o seu objetivo, a importância da
participação, e a garantia de anonimato e confidencialidade no tratamento dos dados. Após o seu
acordo em participar, os docentes responderam livremente e voluntariamente às questões através do
Google Forms. Após a obtenção de um número considerável de questionários, procedeu-se à análise
quantitativa dos dados e à interpretação dos resultados. Os resultados são apresentados de forma
descritiva e com recurso a representações através de tabelas. Para o tratamento de dados, obedeceu-se
à sequência lógica das questões e das respostas, através dos programas informáticos: Microsoft Word
e Microsoft Excel do ambiente Windows 7, Office7.

Resultados

Para a análise dos resultados, recorreu-se a uma análise descritiva em termos de cálculo de
frequências, e percentagem de respostas às questões do questionário. O quadro II ilustra a frequência
absoluta das respostas dos participantes, relativas à dimensão, criar culturas inclusivas,
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contemplando as seções, A1- Construir o sentido de Comunidade; A2 - Estabelecer valores inclusivos.


Cada secção engloba um conjunto de indicadores identificados de A.1.1 a A.2.6.

Item CI CP D

A.1.1 Todos se sentem bem-vindos. 99 48,3% 100 48,8% 6 3,0%


A.1.2 Os alunos entreajudam-se. 75 36,6% 125 61,0% 5 2,4%
A.1.3 Os professores colaboram entre si. 86 42,0% 116 56,6% 3 1,5%
A.1.4 Os professores e os alunos 97 47,3% 103 50,2% 5 2,5%
respeitam-se mutuamente.
A.1.5 Os professores e os pais trabalham 50 24,3% 136 66,3% 19 9,3%
em parceria.
A.1.6 Os professores e a direção da 120 58,5% 77 37,6% 8 3,9%
escola trabalham em conjunto.
A.1.7 Realizo várias atividades conjuntas 132 64,3% 65 31,7% 8 3,9%
para que os alunos com NE participem
mais.
A.2.1 A comunidade está envolvida na 86 41,9% 107 52,1% 12 5,8%
escola.
A.2.2 Os professores têm elevadas 53 25,8% 123 60,0% 29 14,1%
expectativas para todos os alunos.
A.2.3 Os professores, a direção, os 96 46,8% 93 45,3% 16 7,8%
alunos e os pais partilham uma filosofia
de inclusão.
A.2.3 Todos os alunos são igualmente 113 55,1% 77 37,5% 15 7,3%
valorizados.
A.2.4 A relação professor/aluno é 154 75,1% 48 23,4% 3 1,4%
baseada no respeito mútuo.
A.2.5 A escola procura remover 140 68,2% 60 29,2% 5 2,4%
barreiras à aprendizagem e à
participação de todos os alunos.
A.2.6 A escola empenha-se em 144 70,2% 56 27,3% 5 2,4%
minimizar todas as formas de
discriminização.
Quadro II - Culturas Inclusivas

Fonte: Adaptado de: Ainscow e Booth (2002) e DGE (2018)

Analisando as respostas relativas ao questionário aplicado, podemos verificar no quadro II, e no


primeiro grupo de indicadores (48,3%), que os docentes têm a perceção de que são bem-vindos ao
agrupamento (A1), mas (51,8%), duvidam ou discordam. Existem dúvidas quanto ao trabalho
colaborativo entre os profissionais de educação, os pais e a comunidade local, pois 66, 3%, concordam
parcialmente e 9,3%, discordam. Já o trabalho colaborativo com a direção é referido como positivo

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pois 58,5%, referem trabalhar em conjunto. No que diz respeito ao estabelecimento de valores
inclusivos (A2), os resultados sugerem que todos os alunos são valorizados de igual forma e que a
relação professor/aluno é suportada no respeito mútuo. Já no que diz respeito às elevadas
expectativas para todos os alunos, observamos que a maioria (60,0% e 14,1%, respetivamente) dos
professores só concorda até certo ponto ou discorda. No que concerne à escola, os participantes
concordam inteiramente (70,2%) que ela se empenha em minimizar todas as formas de discriminação,
assim como 68,2% é da opinião que procura remover as barreiras à aprendizagem e à participação de
todos os alunos o que vai de encontro à filosofia de inclusão.

O quadro III mantém a frequência absoluta das respostas dos participantes, relativas à dimensão
implementar políticas inclusivas, contemplando as seções, B1- Desenvolver a escola para todos; B2 -
Organizar o apoio à diversidade. Contando com os indicadores identificados de B.1.1 a B.2.4.

Item CI CP D

B.1.1 Os novos professores são ajudados a 125 61,0% 76 37,0% 4 1,9%


integrar-se na escola.

B.1.2 A escola procura admitir todos os alunos 172 83,9% 30 14,6% 3 1,4%
da sua área geográfica.

B.1.3 A escola procura tornar o seu edifício 162 79,0% 41 20,0% 2 0,9%
acessível a todos.

B.1.4 Todos os novos alunos são ajudados a 142 69,2% 56 27,3% 7 3,4%
integrar-se na escola.

B.1.5 As turmas são organizadas de forma a 102 49,7% 83 40,5% 20 9,7%


valorizar todos os alunos.

B.2.1 Todas as formas de apoio são 102 49,7% 89 43,4% 14 6,8%


coordenadas.

B.2.2 As ações de formação ajudam os 100 48,8% 93 45,4% 12 5,8%


professores a responder à diversidade dos
alunos.

B.2.3 A escola procura minimizara exclusão de 119 58,0% 80 39,0% 6 2,9%


alunos por motivos disciplinares.

B.2.4 A escola procura eliminar as barreiras 152 74,1% 51 24,9% 2 0,9%


que impedem a frequência escolar.

B.2.5 A escola procura eliminar a violência 153 74,6% 48 23,4% 4 1,9%


escolar.

Quadro III - Políticas Inclusivas

Fonte: Adaptado de: Ainscow e Booth (2002) e DGE (2018)

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Os dados constantes no quadro III, revelam que a grande maioria dos docentes (B1) é da opinião
que recebe ajuda aquando da sua integração na escola (61,0%), assim como 69,2% afirma que o
mesmo se verifica para os novos alunos que integram a escola. A maioria concorda inteiramente que a
escola, não só procura tornar o seu edifício acessível (79,0%), como admite todos os alunos da sua
área geográfica (83,9%). Nos itens (B2) os participantes não são unânimes sobre o facto de as ações de
formação os ajudarem a responder à diversidade dos alunos, visto que 48,8% respondeu que concorda
inteiramente, já com a resposta de concordância parcial temos 51, 2% (45,4% e 5,8% respetivamente).
No que concerne, todas as formas de apoio serem coordenadas, também verificamos alguma divisão
nas respostas dado que 50,2% concorda até certo ponto ou discorda, e concordam inteiramente
49,7%.

O quadro IV apresenta frequência absoluta das respostas dos participantes, relativas à dimensão, C
– Promover práticas inclusivas, contemplando as seções, C1 - Organizar a aprendizagem e a C2 -
Mobilizar recursos. Com os indicadores identificados de C.1.1 a C.2.5.

Item CI CP D

C.1.1 As aulas são planeadas em função da 91 44,3% 103 50,2% 11 5,3%


aprendizagem de todos os alunos.

C.1.2 As aulas encorajam a participação de todos 101 49,2% 95 46,3% 9 4,3%


os alunos.

C.1.3 As aulas promovem a compreensão da 105 51,2% 93 45,3% 7 3,4%


diferença.

C.1.4 Os alunos são ativamente envolvidos na sua 93 45,3% 106 51,7% 6 2,9%
própria aprendizagem.

C.1.5 Os alunos aprendem de forma colaborativa. 99 48,2% 97 47,3% 9 4,3%

C.1.6 A avaliação promove a aprendizagem de 93 45,3% 99 48,2% 13 6,3%


todos os alunos.

C.1.7 A disciplina no contexto da sala de aula é 147 71,7% 56 27,3% 2 0,9%


baseada no respeito mútuo.

C.1.8 Os professores planificam, ensinam e 100 48,8% 91 44,3% 14 6,8%


avaliam em parceria.

C.1.9 Os professores de apoio provem a 122 59,5% 75 36,6% 8 3,9%


participação e a aprendizagem de todos os alunos.

C.1.10 Os TPC contribuem para a aprendizagem de 50 24,3% 123 60,0% 32 15,6%


todos os alunos.

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C.1.11 Todos os alunos participam nas atividades 79 38,5% 100 48,8% 26 12,7%
fora da sala de aula.

C.2.1 A diversidade dos alunos é utlizada como 93 45,3% 94 45,8% 18 8,7%


recurso para o ensino e a aprendizagem.

C.2.2 O saber dos professores é plenamente 85 41,4% 103 50,2% 17 8,2%


utilizado.

C.2.3 Os professores desenvolvem recursos para 120 58,5% 77 37,5% 8 3,9%


apoiar a aprendizagem e a participação.

C.2.4 Os recursos da comunidade são conhecidos 73 35,6% 116 56,5% 16 7,8%


e utilizados.

C.2.5Os recursos da escola são distribuídos de 103 50,2% 89 43,4% 13 6,3%


forma justa para que possam apoiar a inclusão.

Quadro IV - Práticas Inclusivas

Fonte: Adaptado de Ainscow e Booth (2002) e DGE (2018)

Neste fator, a dimensão com maior peso é a que diz respeito à promoção de práticas inclusivas,
com especial incidência nos aspetos relacionados com a organização da aprendizagem (C1), como é
evidenciado no quadro VI. Na análise dos dados verifica-se que os inquiridos sugerem que só 44,3%
dos professores organiza as suas aulas em função da aprendizagem de todos os alunos, sendo que
55,5% concorda até certo ponto ou discorda. Também no que diz respeito aos professores
planificarem, ensinarem e avaliarem em parceria, 51,1% refere que discorda ou concorda
parcialmente, assim como no que concerne às aulas serem preparadas de forma a encorajar todos os
alunos, 50,6% concorda parcialmente ou discorda. No que respeita à avaliação, “promover a
aprendizagem de todos os alunos” também se conclui que 45,3% concorda inteiramente e 48,2% e
6,3%, respetivamente, responderam concordar até certo ponto ou discordarem. Nos aspetos
relacionados com a mobilização de recursos (C2), 74,3% dos inquiridos respondeu que concorda
parcialmente ou discorda do conhecimento e utilização dos recursos da comunidade. Na leitura dos
resultados verificamos que 58,5% dos participantes é da opinião que os professores desenvolvem
recursos para apoiar a aprendizagem e a participação. Verificamos ainda que 50,2% dos inquiridos
concorda inteiramente que a distribuição dos recursos da escola é efetuada de forma justa para que
possam apoiar a inclusão e 49,7 % concorda até certo ponto ou discorda, o que nos deixa algumas
dúvidas, visto não existir unanimidade.

Discussão
Os resultados deste estudo levam-nos a concluir que os participantes, na sua maioria, na dimensão
criação de Culturas Inclusivas, e na seção relacionada com os valores inclusivos (A2), revelam algum
empenho. Na seção (A1), construção do sentido de comunidade, o trabalho colaborativo entre

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professores, alunos e família apresenta-se como um desafio conforme evidencia o quadro II. Verifica -
se que os docentes e os alunos que chegam de novo ao agrupamento são, na generalidade, ajudados a
integrar-se. Os docentes questionados consideram, no âmbito da implementação de políticas
educativas e para o desenvolvimento de uma escola para todos (B1), que as respostas na maioria são
eficazes. Na organização do apoio à diversidade (B2), reconhecem necessidades de melhorias na
coordenação dos apoios, assim como na formação específica para o apoio à diversidade. Na dimensão
promoção de práticas inclusivas e nos aspetos relacionados com a organização da aprendizagem (C1),
os docentes, maioritariamente, como evidencia o quadro IV, apresentam fragilidades na planificação,
metodologias e avaliação, em resposta a todos os alunos. É promovida a disciplina, baseada no
respeito mútuo, assim como no apoio à aprendizagem e participação de todos os alunos. Nos aspetos
relacionados com a mobilização de recursos (C2), os mesmos sugerem que a resposta à diversidade e o
seu envolvimento nas atividades fora da sala, merece um maior investimento, e que os seus
conhecimentos académicos não são utilizados na prática docente para apoiar a aprendizagem e a
participação de todos os alunos. Os resultados obtidos pelo nosso estudo revelam ser consistentes com
algumas das conclusões de estudos anteriores, onde se descrevem fragilidades ao nível das políticas,
culturas e práticas inclusivas, manifestadas por vários sistemas educativos em todo o mundo
(Ainscow, 2020, p.14). Ainscow (2020), perante as dificuldades partilhadas pelos diferentes sistemas
educativos, propõe melhorias baseadas na definição clara, e amplamente compreendidas por todos,
dos conceitos relacionados com Inclusão e Equidade, entre outros. Sugere que as metodologias e
estratégias aplicadas comtemplem registo de evidências, sobre o seu impacto na presença,
participação e desempenho de todos os alunos. Lembra a importância do reconhecimento e do
destaque das atividades e projetos promotores de práticas inclusivas. Quanto às lideranças, estas
“devem promover e orientar o trabalho de todos os docentes, para o compromisso com a inclusão na
educação”. Refere também a importância de “as comunidades educativas valorizarem a experiência, e
o conhecimento de todos”. Menciona a importância da divulgação, e partilha dos sucessos e das boas
experiências com toda a comunidade. “O envolvimento de todos e de cada um é crucial” (Ainscow,
2020, p.14).

Considerações finais

Portugal internacionalmente é reconhecido e valorizado pela sua determinação na implementação


de políticas inclusivas, aplicadas através do seu quadro normativo. As organizações envolvidas e
comprometidas com a inclusão na educação consideram o nosso país inovador na criação e aplicação
de medidas inclusivas. Estamos perante uma mudança reflexiva e necessária, com responsabilidade
consentida, partilhada, rumo a uma comunidade de aprendizagem inclusiva que promete a todos um
maior sucesso. Assumimos, de acordo com os resultados deste estudo, a importância de um maior
investimento na formação dos professores, das lideranças, envolvendo alunos, famílias e outros

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agentes educativos, sobre culturas, políticas e práticas inclusivas. A análise dos resultados destaca
também a necessidade de as escolas definirem desafios, identificarem obstáculos e barreiras,
promoverem a autoavaliação e autorregulação sistemática, apoiadas num trabalho colaborativo em
equipa, com envolvimento de todos, pais e comunidades em geral. A UNESCO (2015a) ressalva a
importância do que nos é exigido a todos, ou seja, a capacidade e a competência para que, entre a
“calma e a urgência” possamos garantir o efetivo “acesso, na equidade e na inclusão, bem como na
qualidade e nos resultados da aprendizagem de Todos e de Cada Um dos alunos” (p.3). Alerta que
“tornar a educação mais inclusiva não é algo negociável é a nossa única opção” (UNESCO, 2020, p.1).
Como a UNESCO e, reavivando a Declaração Universal dos Direitos Humanos com 70 anos,
reforçamos esta indispensabilidade na promoção de Inclusão na Educação, que é e foi uma luta de
toda uma civilização “que não esquece de onde viemos, que analisa onde estamos para nos ajudar a
perceber para onde queremos ir” (Rodrigues, 2019, p.22).

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REFLEXÕES SOBRE O BEM-ESTAR E A INCLUSÃO NA ESCOLA: A PERSPETIVA DE


ADOLESCENTES SOBRE OS DESAFIOS DA MEDICALIZAÇÃO

_______________________________________________________________________

SOFIA CASTANHEIRA PAIS


_______________________________________________________________________
CENTRO DE INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO EDUCATIVAS,
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO,
PORTO, PORTUGAL.

Introdução
O século XXI tem sido pautado por um vasto leque de condições de saúde entendidas como
perturbadoras – embora nem sempre se conclua se mais inquietantes para o/a próprio/a ou para
os/as que o/a rodeiam. Não raras vezes, a presença de diagnósticos, mais ou menos dúbios, tem vim a
ser interpretada como uma crescente medicalização da sociedade e uma individualização de questões
de natureza, essencialmente, social, educativa, etc. (Edwards, Howlett, Akrich & Rabeharisoa, 2012).
Trata-se, como referem Veneza e Viégas (2020, p. 47), de entender o exercício de medicalizar como
“um processo reducionista e determinista de naturalização da vida, por meio do qual se estabelecem
matrizes normativas e ideias regulatórias que buscam padronizar […] o que é humano”.
Este processo normalizador, resultante da combinação entre as ciências biomédicas e a educação,
tantas vezes usado para definir o que deve ser entendido como normal ou anormal, ou, como padrão
ou desvio, tem encontrado nos diagnósticos médicos, designadamente psiquiátricos, um dispositivo
nuclear para explicar e intervir junto de alunos/as considerados problemáticos/as (Figueira &
Caliman, 2014). O diagnóstico de PHDA parece ser disso exemplo. Alvo de controvérsia, há décadas,
este distúrbio tem vindo a proliferar entre crianças e jovens, vendo na escola um contexto favorável à
sua sinalização e configuração (Patto, 2015; Ribeiro, 2019).
De facto, ainda que repleta de potencialidades e com efeitos protetivos da infância, a escola pode
constituir-se também lugar de produção do fracasso e de exclusão, que em nada beneficia o bem-estar
das crianças e dos/as jovens. A este respeito, importa assumir que “as experiências escolares são
resultantes da relação dinâmica de diferentes fatores e elementos [e, portanto,] os problemas que
emergem no contexto escolar devem ser analisados e considerados por perspetivas diversas, e não por
um viés único centralizado nos/as estudantes” (Ribeiro, 2020, p. 120). Mais, a ideia de que a escola
deve reconhecer as crianças e os/as jovens como atores sociais, influenciados e influenciadores da
realidade que as/os rodeia, enfatiza a necessidade de as escutar e considerar aquilo que são as suas
leituras e expressões do mundo e de si próprias (James & James, 2004).

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Desenvolvimento

A saúde, a doença e a construção social de diagnósticos

Existe, nos dias de hoje, uma extensa lista de transtornos mentais listados e com relativa
importância no campo da intervenção médico-terapêutica, mas também educativa e social. De facto, o
campo da saúde mental tem vindo, ao longo dos anos, a abarcar um conjunto de manifestações
denominadas, em cada momento histórico, por significados culturais vastos e extremamente
complexos. “Aquilo que hoje, nas sociedades ocidentais, a psiquiatria designa por doença mental foi,
ao longo dos séculos, entendido com recurso a interpretações diferentes” (Alves, 2010, p.18),
reforçando-se, assim, a premissa de que, mais do que um dado da natureza, a doença mental resulta
de uma construção social e cultural (Jutel, 2011). Neste sentido, ‘‘as doenças mentais são constituídas
por sistemas sociais repletos de significado” (Alves, 2010: 6) que não dispensam uma profunda
contextualização no tempo e no espaço. Paralelamente, a forma como são interpretadas e
enquadradas jurídica e clinicamente tem estado aquém das demais doenças inseridas no universo da
saúde física, gerando direta e indiretamente inúmeros custos e implicações, designadamente ao nível
da qualidade de vida das pessoas (Mrazek & Haggerty, 1994).
Desejavelmente articuladas, medicina e pedagogia são dois campos disciplinares de enorme
relevância cuja relação nem sempre é de simetria (Pais, Menezes e Nunes, 2016). “O domínio do saber
sobre a criança passa cada vez mais do universo pedagógico ao universo médico-psicológico”
(Guarido, 2007: 155). Escalas de inteligência desenvolvidas por Binet e Simon, como outros
instrumentos da mesma natureza, contribuíram para consolidar a ideia de que o diagnóstico e o
tratamento de crianças e jovens são estabelecidos a partir das condições de aprendizagem que
deveriam ou não ser capazes de manifestar (Guarido, 2007). Numa outra lógica, instrumentos como o
Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria (DSM) têm e continuam
a ter, igualmente, um papel preponderante, não apenas na classificação de comportamentos com
efeitos na qualidade das experiências de crianças/jovens em idade escolar, mas para influenciar o seu
percurso académico e social (Aguiar, 2004). Veja-se que, de edição para edição, as terminologias que
figuram na DSM têm sido progressivamente alteradas, com a eliminação de alguns diagnósticos
(como seja o caso da homossexualidade) e a introdução de novos rótulos de doença.
De facto, o que se tem vindo a constatar é que a aplicação destes instrumentos tem tido por base
uma definição de normatividade muito próxima do que comummente apelidamos de “normalidade”.
Nesta linha, e partindo da premissa de que “normalidade advém da sua normatividade” (Canguilhem,
2009, p. 56), o que se verifica, desde sempre, é que as pessoas que se diferenciam ou incomodam,
quer seja por questionarem ou rejeitarem normas sociais, tendem a ser segregadas. Ora, o espaço da
escola enceta, inúmeras vezes, este exercício de diferenciação não conhecendo, porventura, inteira e
totalmente os fatores que estão na sua génese (Nunes, 2013; Pais, Menezes & Nunes, 2016; Ribeiro,
2020).
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A escola e os riscos da medicalização


A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem vindo a ser preterida no cenário escolar e
educativo, quer em termos de integração e sucesso escolar, quer em termos de desenvolvimento e de
construção pessoal e social dos alunos (Lansdown, 2002). Significa isto que a mudança de
prioridades, a necessidade de escutar a voz das crianças e dos jovens, e a promoção de discursos
plurais e alternativos são algumas das sugestões que Landsdown (2002) apresenta para alterar o
paradigma que tem tornado a escola, tantas vezes, (apenas) sinónimo de instrução. Reservando algum
espaço para a reflexão sobre a definição da educação e o lugar que ocupa no quotidiano das crianças e
jovens, conclui-se que à escola cabem outras responsabilidades para além da instrução, entre as quais
a construção de um projeto social que acentua a relevância da formação pessoal e social dos alunos
(Delors et al, 1996).
De facto, o contexto escolar é central, não apenas para o desenvolvimento integral de indivíduos,
mas também porque constitui, a par disso, um espaço primordial para a construção social de
significados com potencial para a sua integração, o seu bem-estar e a qualidade das suas experiências.
Contudo, e particularmente em situações que parecem refletir diversidade ao que é conhecido e
esperado, sem dar conta dos seus efeitos excludentes, a escola remete para desígnios médicos a
resolução de desafios de natureza, eminentemente, educativa (Guarido, 2007; Figueira & Caliman,
2014; Lemos, 2014). A medicalização de crianças e adolescentes, no âmbito da educação escolar,
significa, assim, adotar abordagens médicas para tratar aspetos da vida que não têm necessariamente
origem patológica (Lima & Caponi, 2011; Patto, 2015; Pais, Menezes & Nunes, 2016).
É, por conseguinte, a tendência a associar comportamentos sociais e educativos a discursos
médicos e a leituras, essencialmente, biologicistas que a escola parece considerar, tantas vezes, na sua
abordagem. E com isto, reproduz um conjunto de expressões que privilegiam a norma, socorrendo-se
de rótulos com potencial explicativo do que é diverso (Collares & Moysés, 2010). Como explicam
Coimbra e colaboradores (2020, p. 6),
nesta epidemia de diagnósticos em que, quem não se enquadra em rígidos
padrões e normas induzidos pela arquitetura quantitivista e condutivista de
instrumentos cuja construção e linguagem pseudocientífica mascara muitas vezes
uma ideologia de homogeneização e de controlo, tem a esperá-lo a condição de
doente e a consequente prescrição terapêutica com medicamentos milagrosos
que farão a harmonia do mundo.

É certo que muitos destes processos de “fabricar etiquetas” (Herpin, 1982) emergem na escola, no
entanto está longe de ser esta apenas a que contribui para experiências potencialmente
medicalizantes. É, aliás, inevitável considerar o contexto social e político que dá origem às
legitimações e controvérsias a respeito desses diagnósticos. E, nesse sentido, um entendimento

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situado dos fatores macroestruturais é nuclear para se abarcar a complexidade do fenómeno da


medicalização escolar e se refletir sobre a proteção e o bem-estar de crianças e jovens (Nunes, 2013).
Assim, é objetivo deste estudo compreender a perspetiva de adolescentes relativamente à inclusão e
bem-estar de alunos/as com PDHA, a partir da sua experiência na escola.

Metodologia
A ideia de que uma boa teoria “é uma narrativa coerente que nos permite ver uma parcela do
mundo por outros olhos” (Graue & Walsh,2003, p. 42) inspirou a organização deste estudo21,
assumindo-se que, para falar sobre inclusão e bem-estar a partir de experiências de adolescentes não o
faríamos sem escutá-los. Ou seja, entendemos que os/as participantes neste trabalho são agentes de
significado na prática social, sem os quais não seria possível ter uma visão tão esclarecida sobre os
elementos estruturais da sociedade, como a escola, a inclusão e o bem-estar. São, por isso, vistos como
seres históricos, sociais, culturais…que vivem num tempo e num lugar reais e, portanto,
necessariamente situados. Afinal, pesquisar com crianças e jovens implica reconhecer que a sua
perspetiva do mundo é válida e acessível, se adequada a abordagem ética e metodológica (Graue &
Walsh, 2003; Flewitt, 2005; Bartos, 2012).
Assim, o estudo que aqui se apresenta envolve a realização de dois grupos de discussão focalizada
com adolescentes entre os 13 e os 14 anos, de uma escola pública no Norte de Portugal. Os dados
foram recolhidos em áudio, transcritos e tratados através de análise conteúdo. O estudo inclui ainda a
recolha e a exploração de desenhos e fotografias destes/as adolescentes, por meio de photovoice. Estes
dados foram colhidos durante o ano de 2015. A combinação destas técnicas metodológicas tem
inerente a ideia de que um desenho metodológico que pressupõe um continuum interativo pode ser
potenciador de novas perspetivas e de maior qualidade à própria investigação (Newman & Benz, 1998;
Flick, 2004). Ou seja, no caso particular deste estudo, esta postura pluralista beneficia, não apenas
uma compreensão mais profunda das experiências dos adolescentes a respeito da inclusão e do bem-
estar, mas também uma maior densidade na análise e na discussão dos dados obtidos.
A escolha do grupo de discussão focalizada prende-se com o facto de possibilitar uma coprodução
discursiva e favorecer, particularmente, no caso de adolescentes e jovens, condições para a sua
participação ativa, designadamente na exploração de tópicos relacionados com a saúde (Carey, 1994;
Waterton & Wynne (1999). Os grupos de discussão focalizada aproximam-se das entrevistas em grupo
dada a organização e a logística que envolvem, distinguindo-se, no entanto, pelo modo como o
investigador modera e participa na sessão (Cohen, Manion & Morrison, 2000). Privilegia-se uma
participação fluída sobre um ou mais temas lançados pelo/a moderador/a ou resultantes da discussão
em torno de um tema-maior. De facto, no caso deste estudo, mais do que possibilitar a exploração do

21 Os dados recolhidos e discutidos neste texto são parte de um projeto de Pós-Doutoramento,


financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (ref.ª SFRH/BPD/86182/2012).

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tema das situações de saúde diversas no contexto escolar, previstas inicialmente, o grupo de discussão
permitiu abordar outras dimensões, não menos importante, como sejam, a construção e o
acompanhamento do diagnóstico da PDHA, que adiante se detalha.
É, precisamente, a ideia de um conhecimento partilhado, plural e, portanto, não necessariamente
consensual sobre determinado assunto ou acontecimento que esteve inerente à opção por esta
abordagem metodológica (Michel, 1999; Bohnsack, 2004). Esta técnica metodológica revela-se,
efetivamente, útil como fim em si mesmo, uma vez que proporciona um ambiente de reflexão e
discussão conjunta cujos dados resultantes expressam, habitualmente, uma riqueza de informação
substancial. Trata-se, pois, de “uma técnica de investigação que coleciona dados através das interações
do grupo a partir de um tópico determinado pelo investigador” (Morgan, 1997, p. 6), de forma situada
(Baker & Hinton, 2001). Nesta linha, a natureza contextual desta abordagem implica que a recolha de
dados remeta para uma análise e uma interpretação que subjaz à situação do grupo de discussão
focalizada em concreto, pelo que, apesar da sua riqueza, nem sempre pode ser considerada
literalmente, devendo, por isso, preservar os significados dos participantes (Morgan, 1997; Green &
Hart, 1999; Moreira, 2007).
Nesta linha, e porque os/as participantes manifestaram interesse em partilhar entendimentos e
sentimentos por via da fotografia e do desenho, a técnica do photovoice andou a par dos grupos de
discussão focalizada. Considerada adequada para explorar temas relacionados com a saúde, em
particular a saúde pública, e baseada no potencial de abordagens transdisciplinares (Dennis et al,
2009; Han & Oliffe, 2016), o photovoice permitiu uma reflexão mais profunda sobre as experiências
dos/as participantes a partir da fotografia e do desenho (Castleden, et al., 2008). Embora não seja
consensual a adoção desta técnica, pelas dificuldades de interpretação de informação obtida por via de
fotografias ou outro tipo de imagem, a literatura revela o seu potencial para desocultar e permitir que
os/as participantes vejam as suas práticas quotidianas, sejam lugares, perceções, ou dinâmicas
relacionais, de formas alternativas (Yamashita, 2002; Han & Oliffe, 2016).
De facto, assente nos princípios da investigação colaborativa, o photovoice permitiu, no caso deste
estudo, que, de sessão para sessão, com intervalos de cerca de duas semanas, alguns/mas
participantes partilhassem em grupo imagens que, posteriormente, deram origem a discussões
coletivas em torno de: experiências de bem-estar e mal-estar, por razões de saúde, na escola;
significados do diagnóstico de PDHA; efeitos da medicação na dinâmica escolar; implicações nas
relações interpares e na performance académica, entre outras. A discussão, a partir daí, gerada
permitiu explorar de forma mais detalhada sentimentos e vivências dos/as próprios/as relativamente
a estes tópicos de análise, bem como possibilitou que outros/as se posicionassem criticamente sobre
os mesmos. No contexto deste artigo, apresenta-se um desenho sobre o significado do diagnóstico da
PDHA.
A participação dos/as adolescentes, quer nos grupos de discussão focalizada, quer na experiência
do photovoice, foi voluntária, consentida e assentida (Flewitt, 2005; Skanfors, 2009) e apenas as

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fotografias e imagens recolhidas autorizadas pelos/as seus/suas autores/as foram mobilizadas para o
contexto deste estudo. As restantes foram analisadas em grupo e mantidas pelos/as próprios/as. Por
razões de natureza ética, designadamente confidencialidade e anonimato, não se identificam os nomes
dos/as participantes e a proveniência das imagens que captaram.

Apresentação e discussão de resultados

Os dados que, de seguida, se apresentam dão conta de três dimensões resultantes dos grupos de
discussão focalizada com os/as adolescentes. A primeira dimensão remete para os/as intervenientes
reconhecidos/as pelo seu papel apoiante em situações de maior vulnerabilidade causada por questões
de saúde, designadamente PDHA. A segunda dimensão refere-se à integração de alunos/as com o
mesmo diagnóstico. E a terceira dimensão dá conta da relação entre a performance e a toma de
medicação.

Intervenientes no processo de apoio

Os/As adolescentes referem, sem dificuldade, um conjunto de agentes com relevância no


processo de suporte a situações de saúde evidenciadas no contexto escolar. O excerto seguinte mostra,
por um lado, quem são as pessoas mais diretamente implicadas no processo e, por outro lado, revela
como os/as professores/as são, particularmente, reconhecidos/as pelos/as adolescentes como peças-
chave, não apenas porque podem dar suporte em situações de maior vulnerabilidade, mas também
porque, ao fazerem “de maneira diferente”, como refere José, podem evitar que o/a aluno/a desista.

António – Os pais.

Álvaro – Os médicos.

Pedro - Por exemplo, os psicólogos.

António – Sim, os psicólogos da escola.

Paula – Ou lá de fora. Há quem possa ter acompanhamento em clínicas. Nem


todos, mas há quem tenha.

Andreia – Sim, ambos, aliás.

José – E claro, os professores.

Vítor – Sim, os professores e os amigos.

José – São, os professores são mesmo fundamentais.

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Andreia - Podem incentivar.

Paula – Eles podem apoiar

José - Podem ajudar os alunos de maneira diferente e fazer com que não
desistam.

A ideia de que os/as professores/as são peças-chave na escola, de forma geral, e no


encaminhamento que fazem de situaçoes de risco ou que gerem dúvida não é nova e não se reduz ao
domínio da saúde. Contudo, o que se sabe, nomeadamente no caso específico do PDHA, é que
tendem a ser figuras centrais na discriminaçao de categorias diferenciadas de alunos/as (Graham,
2007; Pais, Menezes e Nunes, 2016). Esta premissa não pode, por isso, ser alheia ao modo como o
papel do/a professor/ é percecionado pelos/as alunos/as, sob pena de defraudar um conjunto
expectativas, assentes em relaçoes de confiança e proximidade, e de desempenhos no sentido da
prestação de apoio.

Integração de alunos/as com diagnóstico de PDHA

A perceção dos/as adolescentes sobre a integração de alunos/as com diagnósticos de PDHA denota
algumas dificuldades no processo e um conjunto de sentimentos, como sejam exclusão, diferença,
estranheza.

Carlos - É um bocado difícil.

Paulo – Sim, é um difícil.

Ana - Depende.

Carlos – Eu acho que é muito mesmo.

Paulo –Eu acho, que sentem-se excluídos de…

Luís - Eu acho que não são normais como nós.

Susana – Sentem-se diferentes.

Enquanto, num primeiro momento, o grupo fala de forma livre e sem acentuar a experiência de
nenhum/a aluno/a em específico, num segundo, os/as adolescentes referem o caso de um colega que
conhecem com diagnóstico e sobre o qual recaem algumas preocupações. Se, por um lado, expressam

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dificuldade em agir e falar para não o melindrar, por outro lado, admitem que podia ter um
acompanhamento diferenciado e que isso o beneficiaria. Veja-se o discurso seguinte:

Carlos - Eu acho que, por exemplo, se o João não estivesse aqui era bom para
nós, porque não tínhamos que estar sempre preocupados com o que vamos
dizer…

Paulo - Pois. Ou como vamos lidar com ele.

Carlos - Claro.

E - Mas porquê? Porque vocês teriam receio de o melindrar de alguma maneira,


é isso?

Resposta do Grupo: Sim.

Carlos – Tipo, nós somos amigos e ele acha que se errar nas coisas da escola,
nós vamos notar de maneira diferente. Vamos associar ao problema que ele
tem. Como se nós estivéssemos a sugerir que ele deveria ter um outro
acompanhamento, não é?

Sofia - Ele poderia ficar melhor se tivesse. Isso é verdade.

Paulo - Se eu estivesse na situação dele eu não gostava que estivéssemos a


sempre falar sobre ele.

Carlos – Sim, e mesmo os professores falam. Não é agradável perceber que se é


notado por estas razões.

Esta ideia de sugerir “um outro acompanhamento” é defendida por diversos/as autores/as que
reclamam formas alternativas de pensar a relação educativa e dispositivos de trabalho pedagógico
(Moysés, 2001; Tuleski 2007; Pais, Menezes & Nunes, 2016). Mais, não se trata, por isso, de reduzir “o
problema” ao/à aluno/a, mas de pôr em comum possibilidades que enfatizem os direitos e a agência
do/a próprio, em prol do seu bem-estar e da sua inclusão.

Relação entre a performance e a toma de medicação

Os temas em análise nos grupos de discussão focalizada foram, em alguns momentos


inspirados por desenhos e fotografias trazidas pelos/as participantes e a figura 1 revela uma relação
ténue entre o significado do diagnóstico de PHDA e a competência percebida perante a ausência da

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medicação. Ou seja, transmite a ideia de que à toma de um medicamento está intimamente associada
a perceção de maior ou menor competência para o desempenho escolar.

Figura 1 - Significado da Perturbação da Hiperatividade e Défice de Atenção

Fonte: Representação gráfica de uma aluna (Sofia) de 14 anos, 2015

Como no desenho da Sofia, o discurso do grupo que a seguir se apresenta, mostra claramente
que, sem prejuízo de ser necessária, a toma de medicação re/configura a perceção do/a próprio/a
naquilo que é a sua performance académica, de tal modo que faz com que sinta “falta de confiança”
(Sérgio).

Sérgio – [Muitas vezes, estes colegas têm] Falta de confiança.

César - Para mim, a medicação é muito necessária. É tipo ter umas meias da
sorte.

(O grupo riu)

César – Porque [o aluno hiperativo] não consegue concentrar-se sem aqueles


medicamentos.

Joaquim – Sim e acha que não vai conseguir de outra forma.

Sérgio - Sim, é muito [a ideia de que] “eu não vou conseguir estudar o
suficiente para tirar boa nota”.

Joaquim – Sim.

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Vasco - E já não é só a situação do diagnóstico; tem as expectativas dos pais.

Sérgio - Ter aquela insegurança.

Vasco - Sentir pressão de tirar boas notas durante o ano, porque tem sempre
aquelas expetativas de que vai tirar boa nota no exame. E se não tirar…

Maria - E depois começa a pensar, “e se eu não conseguir” fazer aquilo….

Vasco - Pois “e se eu não conseguir tirar uma média alta para poder entrar na
faculdade”...

A par do diagnóstico e da toma de medicação, às quais a perceção de sucesso escolar parecem estar
associadas, as expectativas da família têm também centralidade, como mostram os discursos dos/as
participantes. Em linha com estudos voltados para os consumos de performance (Lopes, 2014),
percebe-se que há, de facto, quase um pensamento mágico em torno da medicação naquilo que pode
ser o seu efeito a nível do sucesso académico. Reside no medicamento a esperança de corresponder às
expectativas da família sobre o que são e deveriam ser as notas nos exames, a média e a possibilidade
de entrada na faculdade.

Considerações finais
Os resultados deste estudo refletem a inevitabilidade de considerarmos uma dimensão partilhada
na produção e no acompanhamento de diagnósticos. São, por isso, convocados a esta discussão,
enquanto figuras de apoio relevantes para os/as adolescentes, vários atores, como sejam as famílias,
os/as pares, os/as profissionais de Saúde, mas também os/as professores/as. E é sobre o potencial
destes/as últimos/as que os/as adolescentes falam. E, se a esse respeito, lhes conferem a capacidade
de “fazer diferente”, operar mudança e garantir um suporte particularmente significativo, fazem
referência a situações de exclusão. Nesta linha, nos seus discursos, os/as adolescentes deixam pistas
de como a relação educativa e a diferenciação pedagógica podem ser, no contexto da emergência e
desenvolvimento de diagnósticos, importantes ingredientes para promover o bem-estar e a inclusão
na sala de aula. Mais, os seus relatos em torno dos desempenhos e do lugar que a medicação ocupa
nas suas vidas e nos seus quotidianos são elucidativos relativamente à necessidade de processos mais
dialogados, informados e nos quais os/as próprios/as adolescentes estejam, efetivamente, implicados.
Não se trata, por isso, apenas de atender à performance e a um conjunto de expectativas de sucesso,
mas de considerar que à toma de medicação se espera que estejam associados processos adaptativos,
nos quais os/as adolescentes sejam conhecedores dos seus reais efeitos. Encarar a medicação como
“meias da sorte”, como refere César, ou aceitar que a toma de medicação pode resultar ou significar
falta de confiança ou perceção de baixa autoeficácia impele, por conseguinte, a uma discussão mais
profunda sobre o tema com os/as adolescentes.

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Recolhidas as perspetivas dos/as adolescentes, torna-se claro que há aspetos pontuados a


propósito do seu bem-estar e inclusão que, não apenas, ganham visibilidade, como contribuem para
uma compreensão mais profunda da complexidade da escola e das suas dinâmicas a respeito de
alunos/as com situações de saúde diversas. Isto implica que, por um lado, se assume
determinantemente que escrever e investigar sobre crianças e adolescentes significa envolvê-los/as na
pesquisa e considerar formas (eventualmente, mais) alternativas que permitam que se exprimam mais
livremente e nos seus termos. Implica também, por outro lado, que materializar, através da escrita, as
suas leituras do mundo e dos problemas é, em certa medida, tomar partido. Ou seja, trata-se de
entender como o processo de produção escrita científica e académica tem, além de outras finalidades,
tornar visíveis experiências vividas, perceções e discussões em torno de temas, como o deste trabalho,
algo sensíveis. Fazê-lo requer, inevitavelmente, integrar dimensões sociais, culturais e políticas. De
facto, a dimensão política é, como admitem Cohen, Manion e Morrison (2000), inescapável à
investigação educativa, quer seja a nível micro ou macropolítico. Se, por um lado, a integração destas
dimensões pode significar riscos sobretudo para as pessoas e/ou os grupos envolvidos na investigação
e referidos no processo de escrita, por outro lado, é o facto de estas dimensões serem contempladas
que torna possível repensar e questionar decisões, políticas e reais implicações na vida destas pessoas
(Ezzy, 2002). No caso deste estudo, é tanto ou mais importante, pois trata-se de pensar o bem-estar e
a inclusão de crianças e adolescentes com condições de saúde diversas, a partir da sua experiência na
escola. E tal pode significar acolher modos de agir que contribuam para resistir à tentação de olhar a
infância e a adolescência como “distúrbios” (Wedge, 2016).
Agradecimentos

A autora gostaria de estender o seu agradecimento a todos/as os/as participantes neste estudo,
designadamente os/as adolescentes, professores/as e famílias generosamente envolvidos/as nas suas
diferentes etapas. Um agradecimento especial estende-se também a Isabel Menezes e João Arriscado
Nunes, supervisores deste trabalho, nos anos em que o estudo se desenvolveu. E, finalmente, à
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, entidade financiadora do projeto maior em que este estudo se
circunscreveu (SFRH/BPD/86182/2012).

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EMOÇÕES: JANELAS DE OPORTUNIDADE

ADELAIDE ROCHA SANTOS

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS MARCELINO MESQUITA, PORTUGAL.

Introdução
Segundo Chabot (2000) etimologicamente a palavra “emoção” vem do verbo emovere que significa
“pôr em movimento”. Nesta palavra está também contido o termo “moção” que possui a mesma raiz
que a palavra “motor”. Podemos dizer que as nossas emoções nos põem em movimento, que nos
fazem agir, em suma, que são o motor dos nossos comportamentos. A emoção e a razão são essenciais
ao desenvolvimento da personalidade integral do ser humano e têm muita importância para o seu
destino pessoal
Os sentimentos de segurança, outrora com origem nas tradições, a pertença a um grupo, a uma
família, devem, encontrar-se em nós. Assediados por conflitos internos, que anteriormente se
solucionavam pela adesão a um papel social rigoroso e bem definido, muitos de nós ficamos
desorientados perante os problemas da vida. Perante este facto Filliozat (1997) coloca as seguintes
questões: mas quem é que nos ensinou a ouvir os nossos impulsos profundos? Quem é que nos
ensinou a seguir as inclinações do nosso coração? Só o acesso às nossas verdadeiras emoções é que
pode permitir-nos responder aos desafios que a nossa sociedade e a sua complexidade nos impõem.
O caminho para o sucesso é demasiado complexo para ser reduzido apenas à emoção. Contudo, os
défices emocionais são claramente potenciadores de toda uma vasta gama de problemas constituindo
um domínio onde podemos intervir. De facto, dado o peso que as emoções assumem na vida, quer das
pessoas individuais quer dos profissionais e das organizações é animadora a notícia otimista de que
não é uma competência absolutamente nata, mas, tal como Goleman (1996) afirma, aprender a lidar
com as emoções dura a vida toda.
No entanto, sublinhamos que as emoções devem ser tidas particularmente em atenção na 1ª
infância, período de crescimento fundamental para a formação da personalidade das crianças, num
ambiente familiar em que haja modelos cuidadores que sirvam de orientadores emocionais e na
escola, através de programas que trabalhem competências emocionais que contribuam para formar
crianças e jovens com personalidades harmoniosas e mais resilientes.

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1. A cultura ocidental e as emoções


A cultura ocidental tem tido uma atitude peculiar em relação às emoções humanas. Apesar de
reconhecermos a sua existência elas foram sempre subestimadas. A literatura retratou o mundo das
emoções como excêntrico, irrefletido, incontrolável, caprichoso e, até mesmo, como sinistro. Pois o
percurso "científico", estável e de confiança tem sido o da razão e da lógica. Como Damásio (1994, p.
13) evidencia,

cresci habituado a aceitar que os mecanismos da razão existam numa região separada
da mente onde as emoções não eram autorizadas a penetrar e, quando pensava no
cérebro subjacente a essa mente, assumia a existência de sistemas neurológicos
diferentes para a razão e para a emoção. Esta era então uma perspetiva largamente
difundida acerca da relação entre razão e emoção, tanto em termos mentais como em
termos neurológicos.

Face ao exposto parece-nos legítimo questionar, tal como Jensen (2002) e se aquilo que nos parece
lógico fosse, na realidade emocional? E se fosse mais racional incluirmos as emoções nos nossos
pensamentos e tomadas de decisão? Talvez possa parecer uma ideia absurda. A ciência trata de factos
e não de sentimentos. Consequentemente, a maioria dos cientistas e, em particular, os biólogos e
neurocientistas consideravam o estudo sério das emoções, como diz Jensen (ibidem) "um suicídio
profissional" sendo dominante a perspetiva de que se tratava de um assunto para psiquiatras. Não
obstante, nos últimos anos, têm vindo a ser acumuladas provas que demonstram que o ato de pensar,
sentir e decidir pressupõe um trabalho em conjunto do cérebro emocional e do cérebro racional. Como
diz Märtin e Boeck (1997), "Os neurologistas puseram fim a velhos dualismos seculares entre o corpo e
a alma, por um lado, e entre a razão e as emoções, por outro” (p.15).

2. Emoção e Razão
A emoção como entidade imprescindível e integrada na unidade reconhecida como homem parece
ser recente, mas de facto não é assim. O princípio ético-filosófico de mente-no-corpo dominou as
técnicas médicas desde Hipócrates até ao Renascimento.
No percurso histórico, parece ter sido o aforismo de Descartes, ao conceber o homem como o primado
da razão, a grande ponte de viragem desse percurso, que terá alterado, em contexto e consequências,
os comportamentos técnico-científicos.
Esta ideia cartesiana de dualidade entre a mente pensante e corpo físico marcou de forma crucial
todas as áreas do conhecimento. Só muito recentemente, e já na última década do séc. XX, alguns
cientistas, partindo de estudos em animais e humanos (Damásio, 1994, 2000, 2003) vêm completar e
fundamentar a teoria psicanalítica ao constatarem a importância dos comportamentos emocionais na
sobrevivência e reprodução, ao nível da função cognitiva intra e interativa, bem como a importância
das emoções primárias ligadas a esses comportamentos emocionais.

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As perspetivas de Damásio (ibidem), Goleman (1996), Jensen (2002), Märtin e Boeck (1997),
Gottman e DeClaire (1999) entre outros, evidenciaram que a mente emocional e a mente racional se
intersecionam e completam comprovando que os nossos raciocínios têm como leme as tonalidades
emocionais e a forma como são experienciadas. Estes autores reforçam a perspetiva da importância
das emoções como pano de fundo da qualidade e eficácia nas decisões no comportamento e raciocínio
a ponto de já não se falar somente de quociente de inteligência (Q.I.) mas também de quociente
emocional (Q.E.).
Este pressuposto torna não só imprescindível o reconhecimento da importância das emoções e,
naturalmente, a sua gestão, como também legitima quaisquer questões que se coloquem no sentido de
aplicar na prática essa energia, gerindo-a e objetivando-a para as questões pessoais e para as decisões
que a vida nos desafia a tomar.
É vulgar dizermos que o ser humano é um ser racional mas, por outro lado, dizemos que é sensível
e emotivo. Podemos dizer que temos dois cérebros: um cérebro racional e um cérebro emocional.
Como sublinha Märtin e Boeck (1997), "as emoções são importantes para o pensamento, os
pensamentos são importantes para as emoções" (p.31).
O cérebro racional funciona por aproximações e hipóteses. É lógico e pragmático, percebe as coisas
e integra-as num sistema coerente e estruturado. Quando chega uma nova informação, procura situá-
la no seu sistema conceptual e de convicções. Se a nova informação não encontra o seu lugar neste
sistema, possui a capacidade de se questionar e de se modificar em função dos novos dados que acaba
de adquirir. O cérebro racional atenua e relativiza as ondas emotivas que nos invadem, afina e
aperfeiçoa os modelos de reação do cérebro emocional que são, comparativamente, primitivos.
(Damásio, 1994, 2000, 2003; Märtin & Boeck, ibidem).
O cérebro emocional defende a nossa sobrevivência em situações-limite porque reconhece, com
rapidez, as situações de perigo e põe em marcha reações de defesa pré-programadas. Ocupa-se da
transformação fisiológica dos processos do cérebro racional. Facilita-nos, sobretudo, a tomada de
decisões racionais porque nos dá uma linha de orientação intuitiva que nos ajuda a decidir entre uma
enorme quantidade de possibilidades. O cérebro emocional é totalmente irracional e ilógico. Assume
as suas convicções como verdades absolutas e rejeita sistematicamente tudo o que o possa contrariar
(Chabot, 2000; Goleman, 1996).

3. O sempre eterno debate sobre as emoções


Segundo Chabot (ibidem), no início do séc. XX, William James e Carl Lange evidenciaram que
cada emoção deve ter um esquema de ativação fisiológica que lhe é próprio e propuseram que a
perceção das alterações corporais constitui a experiência objetiva da emoção e formularam a teoria
periférica (das emoções) de James-Lange. Ambos defendiam que a emoção resultaria da tomada de
consciência das alterações viscerais periféricas desencadeadas pela perceção do estímulo que se
fossem diferentes provocariam emoções diferentes.

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Durante a década de 1920, Walter Cannon e seu colega Phillip Bard cit. por Chabot (2000)
procederam a experiências e enunciaram a chamada Teoria Talâmica ou Córtico-Encefálica chegando
à conclusão que as estruturas do cérebro (o tálamo e o hipotálamo) desempenham um duplo papel:
enviam, ao mesmo tempo, mensagens em direção ao corpo, a fim de o fazer agir, e em direção ao
córtex cerebral para que possa perceber a emoção. Para eles a reação fisiológica e a perceção da
emoção são simultâneas. Para Stanley Schachter cit. por Chabot (ibidem), a emoção é uma resultante
da avaliação daquilo que se passa no ambiente e no interior do nosso organismo. Sendo a reação
fisiológica muito pouco específica. É a avaliação cognitiva, em simultâneo com a modificação
fisiológica e a situação, que nos permite identificar emoções como o medo, a cólera ou a alegria. Os
trabalhos de investigação que se seguiram aos de James e Lange voltaram a pôr em causa a existência
de esquemas específicos para cada uma das emoções. Os trabalhos de Ekman (cit. por Chabot, ibidem)
e seus colaboradores demonstraram, por seu lado, que as emoções têm mesmo padrões específicos,
mas que estes são mais complexos do que haviam sido imaginados por Lange, no início do século XX.
De facto, Ekman (cit. por Chabot, ibidem) e seus colaboradores observaram que os diferentes
componentes da respiração (ritmo, amplitude, movimentos respiratórios, (etc.) variam de uma
emoção para outra.22
Não parece haver um conceito exato de emoção. Cada conceito encontrado emerge da respetiva
abordagem teórica, donde não ser pacífica a definição de emoção. Damásio (1994, 2000, 2003)
entende a essência da emoção como um conjunto de mudanças a que ele chama de estado do corpo
que seriam induzidas pelos órgãos através das terminações nervosas, sob controlo do sistema cerebral,
podendo essas mudanças serem percetíveis do exterior ou só pelo próprio. Nesta perspetiva, o mesmo
autor define emoção como a combinação de um processo avaliativo mental, simples ou complexo, que
emite alterações dirigidas, maioritariamente, ao corpo pelo que se verificaria o estado emocional do
corpo e, minoritariamente, ao cérebro, pelo que se verificariam as alterações mentais adicionais.
Assim, definimos emoção nos seguintes termos,

A emoção é a combinação de um processo avaliatório mental, simples ou complexo, com


respostas disposicionais a esse processo, na sua maioria dirigidas ao corpo propriamente
dito, resultando num estado emocional do corpo, mas também dirigidas ao próprio
cérebro […] resultando em alterações mentais adicionais. (Damásio, 1994, p.153)

22 Chabot (2000) afirma que o coração bate mais rapidamente com as emoções negativas. A
temperatura da pele fica mais elevada sob o efeito da ira do que sob o efeito do medo e da tristeza
e isso permite-nos compreender de onde vêm as expressões "ferver de raiva" ou "gelar de medo".

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O que é relevante em Damásio (1994, 2000, 2003) é o facto de ter demonstrado a impossibilidade
de separar a emoção da razão defendendo mesmo que alguém privado das suas emoções alteraria as
decisões, supostamente, racionais. O autor defende que se sabemos que temos medo, que estamos
irados ou apaixonados é porque a nossa consciência reuniu, ao mesmo tempo, um conjunto de
manifestações corporais e de imagens mentais que as acompanham para constituir um todo. Para o
autor a emoção diz respeito, simultaneamente, às representações corporais e às representações
mentais. (Damásio, ibidem)
O autor expõe que pensamos com o nosso corpo e com as nossas emoções não existindo a razão
pura. Ao defender que os processos de pensamento passam pelo corpo assume que sem emoções não
poderiam existir raciocínios assertivos. Constatou que se houver lesão nos lóbulos frontais há
incapacidade de sentir e exprimir emoções e que, simultaneamente, ocorrem perturbações no
raciocínio. Também constatou que, pessoas com lesões na amígdala e no córtex cingulado eram
incapazes de raciocinar corretamente além de apresentarem défice no raciocínio e na expressão
emocional. Define a essência da emoção como as mudanças no que chama estado de corpo,
taquicardia, mal-estar visceral, positivos ou negativos, e que seriam induzidas em muitos órgãos,
através das terminações das células nervosas, sob controlo do sistema cerebral específico.
É importante compreendermos que uma emoção é uma reação a qualquer coisa que ocorre no
nosso ambiente, mas é também uma reação que pode surgir no seguimento de qualquer coisa que se
passa no nosso espírito. Nós podemos viver uma situação e reagir emotivamente, mas também
podemos simplesmente imaginar uma situação e reagir da mesma forma. Isto significa que existe nos
nossos neurónios um conjunto de associações entre acontecimentos e sensações, agradáveis ou
desagradáveis, que se manifestam em alguma parte do nosso corpo. A associação entre os
acontecimentos e as sensações deixa marcas no nosso ser. Estas marcas são os marcadores somáticos
definidos por Damásio (1994) como, "um caso especial do uso de sentimentos que foram criados a
partir das emoções secundárias. Estas emoções e sentimentos foram ligados, por via da aprendizagem,
a certos tipos de resultados futuros ligados a determinados cenários" (p. 186).
Damásio (1994, 2000, 2003) designa à parte do processo que se torna pública emoção e à parte
privada chama sentimentos, mas a primeira precede, em tempo de ocorrência e em desenvolvimento,
a segunda. A mesma noção da impossível dicotomia entre racionalidade e emoções viria a ser
reforçada por Goleman (1996). Este autor destaca as evidentes possibilidades de disciplinar a mente
emocional para direcionar e mesmo potencializar a mente racional. Goleman (ibidem) não define
termos para emoção, mas “interpreta-a” como um sentimento e os raciocínios daí derivados estados
psicológicos e biológicos e o leque de propensões para a ação. Tal conceção investe fortemente na
evidência da energia emocional como um capital determinante de comportamentos e decisões. De
facto, quanto mais evoluem os conhecimentos sobre as emoções mais precisa se torna a elaboração de
uma teoria sobre o processo emocional.

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4. Emoções primárias e secundárias


A maioria dos especialistas sobre emoções reconhece que existe um certo número de emoções
primárias inatas, ou seja, programadas geneticamente. Damásio (ibidem) afirma que estamos
programados para reagir com uma emoção de modo pré-organizado quando determinadas
características dos estímulos, no mundo ou nos nossos corpos, são detetadas, individualmente ou em
conjunto. Para este autor uma emoção primária constitui-se de: alterações corporais (fúria, raiva) =>
sensação da emoção (no que o sentimento desempenha função relevante) => perceção da relação
objeto/estado emocional do corpo. Para Damásio (1994, 2000, 2003), é possível que nós sejamos
programados para responder através de uma reação emocional à perceção de certos sinais que
caracterizam os estímulos que chegam do mundo exterior, ou do interior do nosso corpo, de maneira
isolada ou combinada.
As emoções primárias desempenham um papel crucial para assegurar a nossa sobrevivência.
Contudo, se as emoções primárias servem para garantir a nossa sobrevivência, numerosas reações
emocionais são, frequentemente, inúteis e, às vezes mesmo, prejudiciais, quando surgem sem razão,
em circunstâncias que, de maneira alguma, colocam em risco a nossa sobrevivência, ou a dos outros.
Estas emoções, muitas vezes, exageradas e perniciosas, são as emoções secundárias e que, ao contrário
das inatas, resultam de uma aprendizagem. Provêm de uma associação entre diversos acontecimentos
e reações emocionais primárias e relacionam-se com a nossa avaliação da situação. A respeito das
emoções secundárias Damásio (1994) refere que "…ocorrem mal começamos a ter sentimentos e a
formar ligações sistemáticas entre categorias de objetos e situações, por um lado, e emoções
primárias, por outro…" (p.149). Quaisquer danos na área pré-frontal, sistema límbico, amígdala e
cíngulo anterior originam um défice no processamento emocional e, como tal, na capacidade de
tomada de decisão. Na realidade, os Seres Humanos podem experimentar uma mistura de emoções.
Como Chabot (2000) diz: "no universo das emoções nada é preto ou branco mas tingido ao infinito"
(p.25).

5. Funcionamento das emoções


Os estados sentimentais gerais e as emoções intensas como, por exemplo, de medo e de prazer
tomam, no cérebro, vias biológicas separadas. “Enquanto os sentimentos viajam num circuito, uma
estrada mais lenta que atravessa o corpo, as emoções apanham sempre as “super-auto-estradas” do
cérebro”(Jensen 2002, p.114).

Segundo Jensen (ibidem) LeDoux encontrou, na área central do cérebro, um feixe de neurónios
que conduz diretamente do tálamo à amígdala. Alguma informação terá prioridade emocional antes
de se conseguir medir o pensamento. Qualquer experiência que invoque ameaça, ou que ative o
circuito do prazer do nosso cérebro, ativa neurónios específicos que apenas respondem a estes

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acontecimentos. Numa emergência, a avaliação demorada pode custar a vida. Qualquer situação “de
vida ou morte” requer recursos imediatos e não reflexão ou contemplação. Isto permite tornarmo-nos,
como Goleman (1996) sugere “ emocionalmente reféns” das nossas respostas, pois que "a emoção, no
sentido mais literal da palavra, bloqueia a passagem da razão" (Märtin & Boeck, 1997, p.43).
De um modo geral, podemos distinguir numa emoção cinco características particulares: 1)
modificações fisiológicas, como a aceleração do ritmo cardíaco, o aumento da tensão arterial, a
transpiração, a secura da boca, as tensões musculares, etc. Estas modificações fisiológicas podem
tomar duas orientações; a ativação ou a inibição. Um conjunto de estruturas nervosas e endócrinas
entram em jogo. Os eixos do sistema nervoso simpático e parassimpático asseguram a ativação ou a
inibição do organismo. Diversas zonas do tronco cerebral emitem mensagens ascendentes que ativam
o cérebro e enviam mensagens descendentes que ativam os órgãos do corpo. Finalmente, as glândulas
suprarrenais segregam a adrenalina; 2) sensações, agradáveis ou desagradáveis, como a alegria, o
prazer, a repulsa, a dor, a calma, a apatia, etc. (Chabot, 2000). Portanto, todas as emoções têm um
cariz agradável ou desagradável. Estas sensações são asseguradas por zonas cerebrais que foram
identificadas como centros de prazer e desprazer e são estas sensações que orientam os
comportamentos no sentido de procurar as primeiras e evitar as segundas; 3) as expressões faciais e
corporais, como o sobrolho franzido, os olhos semicerrados, os maxilares e os músculos tensos, os
ombros projetados para trás, etc. mostra que todas as emoções são acompanhadas por um conjunto de
expressões do rosto e do corpo. Estas expressões são, segundo Ekman, universais. Qualquer que seja a
cultura, a cor da pele ou origem étnica pode-se reconhecer uma expressão de medo, de ira, de tristeza,
de alegria, de repulsa ou de surpresa e serve de sistema de comunicação dos nossos estados de
espírito; 4) os comportamentos adaptativos, como a aproximação ou o afastamento, a fuga ou a luta, a
ternura ou a agressão, etc. mostram que as emoções desencadeiam, de certa forma, vários
comportamentos que servem para garantir a nossa sobrevivência. De facto, frente a um agressor, por
exemplo, é necessário fugir ou atacar. As emoções estão, pois, diretamente, associadas a
comportamentos específicos; 5) uma avaliação cognitiva que passa pelos nossos valores, ideais e
princípios e que se destina a determinar se a situação que se desenrola é aceitável, correta, justa ou
não. (Chabot, 2000; Goleman, 1996; Damásio 1994, 2000, 2003 e Jensen, 2002).

6. A trindade do cérebro
Presentemente, o ramo da investigação cerebral que se ocupa da conjugação do espírito e das
emoções concentra-se, sobretudo, em compreender as interações entre as três zonas do cérebro
situadas umas sobre as outras: o bolbo raquidiano, o sistema límbico e o neocórtex, ou córtex cerebral
(Filliozat, 1997; Märtin & Boeck, 1997; Chabot, ibidem)
- O bolbo raquidiano – é a parte mais antiga e primitiva do cérebro. Surgiu como um
prolongamento da espinal-medula e é responsável pelas funções vitais sobre as quais não se pode,

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normalmente, influir de forma consciente, como a respiração e o metabolismo. Tem ainda a função de
controlar os impulsos, os instintos e os reflexos.
- O sistema límbico e amígdala: (o cérebro emocional) que desempenha um papel
fundamental na nossa vida anímica que se pode chamar, com toda a justiça, o centro emocional do
cérebro. O sistema límbico envolve o bolbo raquidiano e permitiu registar e memorizar informações. É
formado por um vasto emaranhado de estruturas, núcleos e conexões fibrosas. As suas estruturas
mais importantes são o córtex límbico e a sua zona periférica, o conjunto do hipocampo e a amígdala.
Enquanto o hipocampo, juntamente com algumas partes do córtex cerebral, armazena os
conhecimentos de factos e contextos da nossa vida, a amígdala é a especialista para os assuntos
emocionais.
As investigações e os testes clínicos indicam que a importância da amígdala para o nosso
comportamento social e para a nossa capacidade de recordar é maior do que podemos imaginar. A
amígdala é uma estrutura fulcral para as emoções. Chabot (2000) designa a amígdala como uma
"espécie de sentinela" que examina de forma rápida e "grosseira" cada indício do que nós percebemos.
Perante esses indícios envia uma mensagem por todo o corpo e cérebro para que o Ser Humano reaja
em função da sua análise preliminar. Os "conhecimentos" que a amígdala possui sobre as coisas e
acontecimentos e as reações comportamentais despoletadas sob o seu comando, provêm da sua
capacidade de memorizar. É a memória emocional. Esta memória regista todos os vínculos
condicionados que existem entre os acontecimentos, as pessoas e as coisas.
É, portanto, a amígdala que retém na memória as nossas reações emocionais primárias e
secundárias. O sistema límbico está em constante interação, tanto com o neocórtex como com o bolbo
raquidiano. Particularmente estreita é a colaboração entre a amígdala e o lóbulo pré-frontal do
neocórtex. (Chabot, ibidem; Goleman, 1996; Greenberg & Snell, in Salovey & Sluyter, 1999; Märtin &
Boeck, 1997; Filliozat, 1997).
- O neocórtex: o cérebro racional. Aos instintos, impulsos e emoções juntou-se a capacidade
de pensar de forma abstrata e, para além do instante presente, a capacidade de compreender as
relações globais existentes, a desenvolver um "eu" consciente e uma vida emocional complexa. É
apenas com a aparição do neocórtex que se torna possível a integração das diferentes impressões
sensoriais para a formação de um todo.
A vida puramente emocional é aperfeiçoada, ordenada e enriquecida graças à interpretação
racional das perceções que se processam no neocórtex. Assim, o neocórtex permite-nos além de
resolver um problema, ou aprender uma língua nova, por exemplo, proporcionar à nossa vida
emocional uma nova dimensão. "…Isoladamente o neocórtex não seria mais que um ótimo
computador de alto rendimento…" (Märtin & Boeck, 1997, p. 40).
Os lóbulos pré-frontais e frontais assumem um papel especial na assimilação neocortical das
emoções e assumem duas tarefas muito importantes: 1) moderam as nossas reações emocionais,
travando os sinais emitidos pelo cérebro límbico e 2) desenvolvem planos de atuação concretos para

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situações emocionais. Enquanto a amígdala do sistema límbico proporciona os primeiros socorros em


situações emocionais extremas, o lóbulo pré-frontal ocupa-se da delicada coordenação das nossas
emoções.

7. Da racionalidade emocional ao comportamento relacional


Por tudo atrás exposto é claro que, muito para além dos comportamentos impulsivos e instintivos,
também os comportamentos racionalizados resultam tanto do neocórtex como das estruturas arcaicas
subcorticais nas quais a amígdala tem um papel preponderante. Desta forma, ficou comprovado que a
racionalidade é o resultado conjunto dessas estruturas coordenadas, em relação constante entre si,
não podendo até funcionar independentemente, o que determina que não há um centro para os
comportamentos sociais e que, ao contrário, estes dependem dessa relação interestrutural (Damásio,
1994, 2000, 2003; Greenberg & Snell in Salovey & Sluyter, 1999; Märtin & Boeck, ibidem; Jensen,
2002). Esta noção, aliás, já partilhada pela grande maioria dos autores, é que a emoção induziria essa
componente motora e expressiva, que se revelaria num comportamento expressivo corporal, com
origem na atividade neuromuscular. O que significa que há uma integração das ações neuronais e
expressivo- comportamentais num todo.
Numa hipótese relativamente recente e atualmente mantida, Damásio (ibidem) defende mesmo
que pensamos com o corpo e com as emoções, porque o processo de raciocínio passa pelo corpo,
através dos estados de corpo que, ligados a uma sucessiva aprendizagem, experienciada em diferentes
situações, formam um conjunto de perceções, que a amígdala e o hipocampo detêm em memória. Se,
por exemplo, alguém quiser retomar uma relação com um ex-amigo bem colocado, é a análise fria que
racionaliza as vantagens/inconvenientes que leva à decisão de se relacionar, mas é a representação
mental de uma zanga, através de estados de corpo negativos, que constitui a base emocional para a
decisão de não querer mais nada com essa pessoa.
Damásio (1994, 2000, 2003), refere que já William James, ao defender que os comportamentos
motores e viscerais, ao serem percecionados, influenciavam a experiência emocional, estava a apontar
como a consciência que se tem dessas alterações é determinante. De uma forma muito mais explícita,
é Damásio (ibidem) quem vem atribuir à emoção não só funções essenciais no comportamento pessoal
e social, mas, também, no tipo de significado que a pessoa atribui a uma determinada circunstância,
no sentido de escolher o tipo de comportamento adequado. Na vida em geral, essas manifestações,
biológicas jamesianas – percecionadas a nível neuronal como estados de corpo – constituem, na
opinião deste autor, indicadores que permitem orientar as decisões neocorticais e selecionar a ação a
tomar no sentido da sobrevivência e da qualidade dessa sobrevivência. Tal paradigma aplica-se,
também, à vida social, à qualidade relacional, nomeadamente ao nível da aceitação, influência social,
pessoal e, em particular, a nível educativo. As emoções primárias (viscerais, jamesianas) são agora
imagens mentais que se foram originando nas sucessivas experiências ao longo da vida e foram
deixando (experiência a experiência) a sua impressão (memória de um estímulo), no cérebro
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(Damásio, ibidem), modificando as conexões interneurónios, a partir das quais se constituem as


recordações/memórias. Estas imagens-memórias fundem-se em representações potenciais
materializadas por conexões interneurónios a que Damásio (1994, p. 193) chama zonas de
convergência. Esta complexa rede racional-emocional, que resulta da ação de grupos de neurónios
interconectados em zonas equidistantes do cérebro, está em comunicação e em estreita relação com o
corpo todo, através do córtex motor, córtex somatossensorial, secreções hormonais, resposta visceral,
muscular ou cerebral, neurotransmissores e mediadores químicos.

8. Janelas de oportunidade - a importância da primeira infância


Consideramos a 1ª infância como uma etapa de vida determinante para os alicerces das bases de
uma sólida formação a nível das emoções
Sabemos que, a emoção é muito importante, conforme já evidenciamos, para o processo
educacional porque impulsiona a atenção e, por sua vez, a aprendizagem e a memória. Como mostram
vários autores Stern (1992), Spitz (1988), Bowlby (1985, 1990, 1993), Brazelton e Cramer (1989),
Rivier (1977), Winnicott (1996), Bower (1983), há poucas dúvidas de que a maneira pela qual o
comportamento, as emoções e a cognição se integram na primeira década do desenvolvimento da
pessoa tem importantes implicações no funcionamento psicológico e emocional durante o curso da
vida. A este respeito, Bronfenbrenner (1996) defende que, “A aprendizagem e o desenvolvimento são
facilitados pela participação da pessoa desenvolvente em padrões progressivamente mais complexos
de atividade recíprocos com alguém a quem a pessoa desenvolveu um apego emocional sólido e
duradouro” (p. 49).
Durante o processo de amadurecimento, alguns componentes do desenvolvimento emocional
precedem formas posteriores de cognição. No início do desenvolvimento, o afeto, como os autores
atrás referiram, é um importante precursor de outras maneiras de pensar e, em consequência, deve
ser integrado a outras funções para atingir o amadurecimento ideal. Stern (1992) sublinha que "…a
vida sem afeto é tão difícil de imaginar como a vida sem cognição…" (p. 85). Este facto é apoiado por
estudos neurobiológicos que indicam que o sistema emocional-límbico está ativo antes de se
estabelecer a rede de informações primárias necessárias para a cognição.
O cérebro desenvolve-se pela superprodução de sinapses durante o período pré-natal e primeira
infância. As sinapses são removidas ou reforçadas, como resultado de experiências anteriores, bem
como do processo de amadurecimento. Assim, o cérebro desenvolve-se, em parte, pela perda de
conexões que não são utilizadas. Este processo é designado por «escultura ontogenética ou morte
sináptica» (Greenberg & Snell, in Salovey & Sluyter, 1999) ou «poda» como Goleman (1996) designa.
Por isso, os autores (Stern, 1992; Spitz, 1988; Bowlby, 1985, 1990, 1993; Brazelton & Cramer, 1989;
Rivier, 1977; Winnicott, 1996) argumentam que a natureza das primeiras interações pais-filhos parece
influenciar padrões de conectividade neural que funcionam como um agente mediador no
comportamento social.

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Sabemos que a 1ª infância é um período importante para o estabelecimento de tais redes neurais.
Sendo esta fase tão importante leva Bower (1983) a afirmar que, “…É o período mais significativo da
vida para a afirmação da personalidade…” (p.189). Bowlby (ibidem) sublinha que existem fortes
razões para acreditar que o alicerce sobre o qual se constrói uma personalidade estável e
autoconfiante é a certeza descuidada de contar com a presença e o apoio das figuras de apego.

Permitindo-lhe explorar seu ambiente com confiança e lidar com eles, eficazmente, essa
experiência também promove seu senso de competência […] a personalidade se torna
cada vez mais estruturada para operar de maneira moderadamente controlada e
resiliente e cada vez mais capaz de continuar assim mesmo em circunstâncias adversas
(Bowlby, ibidem, p.402).

A poda, ao eliminar as sinapses irrelevantes, melhora a relação sinal-ruído do cérebro, ao remover


a causa do "ruído". Este processo é constante e rápido. A experiência, especialmente a infância,
esculpe o cérebro. (Goleman, ibidem).
No decorrer da infância as interconexões entre o sistema límbico e o neocortex aumentam e
diferenciam-se o que permite que o processamento da experiência emocional se ligue a outras áreas
do cérebro, além de permitir mudanças qualitativas no desenvolvimento emocional. Os lobos frontais
desempenham um papel essencial, especialmente nas áreas de autocontrolo ou de prevalência dos
impulsos emocionais. O facto de os lobos frontais se desenvolverem durante um período tão longo, em
grande parte, caracterizado pela formação de conexões com outras regiões do cérebro, traz
implicações importantes para os efeitos potenciais das influências ambientais no desenvolvimento
dessas conexões. Salgueiro (1996, p. 54) sublinha que, “A construção complexa ativa do corpo, de
onde emergirá a mente, necessita de matrizes organizadoras exteriores ao bebé, a primeira das quais,
será necessariamente a mãe”.
As emoções fornecem aos bebés e às crianças na 1ª infância uma maneira de se comunicarem com
os outros, assim como consigo mesmas. Segundo Wallon (1969), "O começo do ser humano pelo
estádio afetivo ou emocional […] orienta as primeiras impressões da criança para os outros e coloca
nela, em primeiro plano, a sociabilidade" (p. 134). Para Spitz (1988), se as relações entre mãe-bebé
que ele designa por "relação objetal", marcada por uma contínua inter-relação circular, no decurso do
primeiro ano de vida, forem impróprias, desviadas ou insuficientes terão consequências que colocam
em risco a própria base da sociedade. Como o autor sublinha, "Sem um modelo, as vítimas de relações
objetal perturbadas apresentarão, subsequentemente, deficiências na capacidade de relacionar-se"
(Spitz, ibidem, p. 224). Para o autor, estas crianças não estão equipadas para as formas mais
adiantadas e complexas de intercâmbio pessoal e social. Como são crianças "emocionalmente
mutiladas" não podem adaptar-se à sociedade "A indigência dessas crianças traduzir-se-á na aridez
das relações sociais do adolescente […] seu único recurso é a violência" (Spitz, ibidem, p. 224).

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Embora a comunicação por meio da expressão afetiva permaneça disponível ao indivíduo durante
toda a vida, é ela a principal maneira de comunicação disponível durante a 1ª infância. Também Rivier
(1977) sublinha que as atitudes afetivas profundas da mãe quando são positivas, têm uma eficácia
notável; elas aguçam o conhecimento das necessidades e dos desejos do seu filho, conhecimento que
se torna intuição.
Os sinais que emanam do inconsciente são estáveis e coerentes oferecendo às crianças a segurança
que lhe é necessária. Podemos afirmar como Märtin e Boeck (1997) que é nos primeiros dias de vida
que se forma, de forma decisiva, o mundo emocional. Como refere Bronfenbrenner (1996) que toda a
falha na relação da díade desenvolvimental23 fará do bebé uma criança e depois um adulto inseguro e,
como tal, desvalorizado, vítima de profundos sentimentos de inferioridade. Também, Bower (1983)
argumenta que bons cuidados maternos, nesta fase, que permitam o desenvolvimento de rotinas
profundas e íntimas de comunicação produzem bons efeitos na criança em desenvolvimento,
possibilitando aprimorar capacidades interpessoais futuras. Assim, nesta fase, se o bebé desenvolver
uma relação com a mãe, ou figura cuidadora, marcada por afeto, sentimento positivo e pela
reciprocidade circular desenvolverá um forte sentimento de segurança ”condição sine qua non da
formação equilibrada do Ego e do desenvolvimento harmonioso da personalidade” (Rivier, 1977,
p.41). A partir deste sentimento de segurança nascerá a estima de si mesmo, a valorização do Self, o
autocontrole, a atitude aberta perante aquilo que é novo, a capacidade de empatia, o saber desfrutar
do contacto com os outros que são as bases do Self.

A primeira infância oferece uma oportunidade única para o desenvolvimento das


capacidades latentes. Isso é também válido para o desenvolvimento do mundo
emocional" (Märtin & Boeck, 1997, p. 156).

Pela reação das pessoas que cuidam dos bebés diante das suas manifestações emocionais, o bebé,
lentamente, constrói expectativas com relação à natureza da interação social. Deste modo, acredita-se
que a maneira pela qual tais emoções são socializadas, no início do desenvolvimento, tenha um
importante impacto na posterior capacidade da criança controlar e partilhar emoções (Rayner, 1978).
Stern (1992) evidencia no seu trabalho, que a reação seletiva de quem se ocupa das crianças à
manifestação emocional de um bebé informa-o sobre que emoções são permitidas e, assim, socializa
as subsequentes manifestações afetivas do bebé. Durante os 3 primeiros anos de vida, todo o
reportório de sinais afetivos desenvolve-se e esses sinais/manifestações tornam-se,
subsequentemente, disponíveis para o resto da vida do indivíduo. Como Bower (ibidem, p. 188) diz
"Um bebé feliz tornar-se-á muito provavelmente um adulto feliz".

23 Bronfenbrenner, U. (1996) define uma díade desenvolvimental como uma interação entre dois
elementos, neste caso mãe-bebé, marcada por relações de reciprocidade, complexidade
progressivamente crescente e mutualidade de sentimentos positivos.

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Também, Spitz (1988) evidencia que todas as relações humanas posteriores têm origem na relação
mãe-filho, "a capacidade do ser humano para estabelecer relações sociais é adquirida na relação mãe-
filho. É através desse relacionamento […] se estabelece o modelo para todas as relações humanas
posteriores" (p. 221).
Embora o desenvolvimento emocional prossiga com rapidez durante a 1ª infância, os processos
cognitivos e linguísticos são pouco desenvolvidos. Como resultado, quando o bebé experimenta stresse
emocional (ansiedade, medo, euforia, tédio, tristeza, etc.) somente os processos sensório motores
estão disponíveis para o controle da emoção, que Rivier (1977) designa por linguagem "expressiva" e
puramente afetiva, mas que representam as primeiras bases da linguagem. Spitz (ibidem) refere-se a
este tipo de comunicações como egocêntricas, uma vez que se tratam de fenómenos de descarga, não
dirigidos e não intencionais, em resposta a processos interiores. Quando a criança conquista a
linguagem pode começar a expressar, de maneira mais coerente e organizada, o que antes podia
apenas manifestar por atos, imagens ou demonstrações de afeto (Rayner, 1978). Por meio da rotulação
verbal de estados emocionais, a criança desenvolverá uma nova e poderosa forma de autocontrolo e
autoexpressão. "A linguagem é assim um meio crucial com o qual se realiza a socialização emocional"
(Schaffer, 1996, p. 287). De facto, o uso da linguagem para exprimir emoções pode facilitar o controlo
sobre expressões emocionais não-verbais desenvolvendo, assim, o controle das próprias emoções. A
linguagem ajudará o comportamento e o controle emocional da criança em três etapas: 1ª) auxiliará a
função interna de mediadora entre intenção ou desejo e a ação comportamental. Deficiências neste
domínio, segundo estudos efetuados, estarão na origem de comportamentos impulsivos e de outras
condutas anti sociais; 2ª) comunicarão o estado interior de uma pessoa a outra; 3ª) permitirá que a
criança se torne consciente de como se está sentindo. Assim, a fala começa como uma maneira de
comunicação com os outros, porém, mais tarde, passa a ter uma função de auto-orientação; a fala
deixa de meramente acompanhar a ação e começa a ajudar a organização dos processos
comportamentais (Greenberg & Snell, in Salovey & Sluyter, 1999 e Rayner, ibidem). Em suma,
linguagem e comunicação têm muitas funções: fornecem os meios para simbolizar as atitudes de uma
pessoa em relação às outras; debater problemas e agir em relação a eles tanto no aspeto psíquico
interior (intrapessoal) quanto no relacionamento interpessoal; aprimorar o autocontrolo e aumentar a
autoconsciência.

9. O papel da família na orientação emocional das crianças e jovens


Em quase todas as sociedades, a família foi sempre o primeiro intermediário entre a criança e o
mundo exterior. Como sublinha Schaffer (1996) “…a família é a unidade básica dentro da qual a
criança é apresentada à vida social…” (p. 242). A família prevê as necessidades fisiológicas das
crianças e, ao mesmo tempo, fá-las evoluir para uma personalidade autónoma e social. O
desenvolvimento harmonioso da personalidade da criança assenta sobre a organização dinâmica da
família em que vive (Cordeiro, 1979). Schaffer (ibidem) evidencia que as interações diárias que as

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crianças experimentam no seio da família, quer como participantes, quer como observadores,
apresentam, frequentemente, uma natureza extremamente emocional. Estas interações têm
importantes consequências no desenvolvimento efetivo da criança.
Sendo cada família caracterizada por um clima emocional específico, Eisenberg et al, in Salovey e
Sluyter (1999), mostram que as situações familiares requerem, com frequência, que os seus membros
comuniquem suas necessidades e desejos, sendo, certamente, o principal contexto em que as
competências emocionais das crianças se desenvolvem. Também para Goleman (1996) a vida familiar
é a primeira escola para aprendizagem emocional.
neste caldeirão de intimidade aprendemos como sentirmo-nos a respeito de nós próprios
e como os outros reagirão aos nossos sentimentos; o que pensar a respeito desses
sentimentos e que escolhas temos ao nosso dispor para reagir; como ler e exprimir
esperanças e medos. Esta aprendizagem emocional funciona não só através das coisas
que os pais dizem e fazem diretamente às crianças, mas também dos modelos que
oferecem no modo como lidam com os seus próprios sentimentos (Goleman, ibidem, p.
212).

De acordo com o paradigma da aprendizagem social, enunciado por Bandura (1994), grande parte
da aprendizagem verifica-se através de um processo de observação da execução de modelos sociais e
das suas respetivas consequências (Sprinthall & Spinthall, 1993). Os autores evidenciam que grande
parte do reportório comportamental da pessoa pode ser adquirida através da imitação ou daquilo que
observamos dos outros.
Face ao exposto, consideramos que os pais desempenham um papel determinante na educação e
orientação emocional no campo das emoções dos filhos por meio das interações que ocorrem no seio
familiar e, assim, servirem como modelos, de acordo com a teoria de aprendizagem social. “O
comportamento, as estruturas cognitivas internas e o meio interagem de forma a cada uma atuar
como determinante indissociável da outra” (Sprinthall & Spinthall, ibidem, p. 253). A influência
socializante dos pais pode exercer-se de forma direta ou indireta e diferenciam-se pela intenção ou
objetivo.
As influências da socialização direta são tentativas intencionais dos pais de influenciar ou facilitar
o comportamento emocional dos filhos. Os pais, em geral, fazem isso ao assumirem o papel de
orientadores e organizadores. Um exemplo de influência direta é orientar os filhos no que diz respeito
à expressão das emoções adequadas. As regras sobre como expressar de maneira apropriada as
emoções sentidas são passadas diretamente pelos pais aos filhos com a intenção de ajudá-los a
desenvolverem competências emocionais socialmente adequadas (Eisenberg et al., in Salovey &
Sluyter, 1999), pois como evidencia Schaffer (1996, p. 286) “a socialização emocional baseia-se na
mutualidade entre progenitor e criança e não na imposição unilateral de um sobre o outro”. Uma
outra componente de extrema importância que se pode observar no seio da família são os diálogos

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não- verbais, isto é, intercâmbios de sinais afetivos como os faciais e os gestuais que são
determinantes, desde muito cedo, para a formação da personalidade das crianças e jovens. Quando a
criança adquire e domina a capacidade linguística passa a ser capaz de falar sobre as emoções. Os
diálogos sobre as emoções constituem um novo meio a partir do qual os adultos podem influenciar o
curso do desenvolvimento afetivo das crianças.
Schaffer (1996) sublinha que estudos efetuados sobre dinâmicas familiares evidenciaram que as
crianças que cresceram no seio de famílias onde eram frequentes os diálogos acerca dos estados
sentimentais estavam mais aptas a fazer juízos sobre as emoções dos outros. Também Eisenberg et al.,
in Salovey e Sluyter, (1999) evidenciaram que as crianças que vivenciaram, no seio da família, diálogos
emocionais eram mais propensas a comportamentos socialmente apropriados e registaram menos
problemas psicológicos, quando mais velhas.

10. Educação de qualidade: o papel da escola na gestão das emoções


A escola tem sido criticada pelo desinteresse revelado pela inteligência ética e emocional, como
campo de reflexão e de intervenção nas relações e nos conflitos e como ajuda na construção das
diversas subjetividades dos alunos. Sebarroja (2001), mostra que, para que ocorra “inovação” nas
escolas é necessário, entre outros fatores, um novo modelo formativo que implique uma sintonia
maior entre o pensar e o sentir, entre o desenvolvimento da abstração e dos diversos aspetos da
personalidade e que em qualquer proposta educativa deve-se associar o conhecimento com o afeto, o
pensamento com os sentimentos, o raciocínio com a moralidade, o académico com o pessoal, as
aprendizagens com os valores. A faceta afetiva da aprendizagem é a interação vital entre a forma como
nos sentimos e a forma como agimos e pensamos.
A tradição racionalista da modernidade desvalorizou o papel das emoções na atividade humana e
preconizou o seu controlo pela razão. A afetividade não se encontra prevista nos currículos da escola
nem é tão pouco considerada importante face aos conteúdos formais. Esta perspetiva refletiu-se na
ação educativa que menosprezou, também, o papel das emoções optando por reprimi-las ou mantê-las
a um nível de fraca expressão. (Santos, 2009).
Na educação formal segue-se a lógica cartesiana caracterizada por uma especialização de áreas
onde cada professor é responsável por um saber não realizando a integração adequada entre os
conhecimentos necessários a serem construídos. Atualmente, é bem diferente a compreensão acerca
dos sentimentos e emoções e das funções que estas desempenham no processo educativo. Para que se
compreenda o ser humano deve-se considerá-lo como um todo, isto é, deve-se ter em conta a parte
emocional e a racional. (Santos, ibidem). O facto de as emoções desempenharem uma função de
“sensores” extremamente importantes justifica que não devem ser esquecidas do ponto de vista
educativo. Para alcançar uma educação de qualidade deve-se considerar as emoções como um
importante contributo para o processo de ensino e aprendizagem e, ainda, incluir a dimensão
emocional na meta curricular a atingir pelos alunos o que implica repensar o papel da escola, no
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contexto atual. Importa referir a este propósito que o Relatório para a UNESCO, da Comissão
Internacional sobre a Educação para o século XXI (1996) considera que uma das missões da escola é a
“descoberta progressiva do outro”. Passando a descoberta do outro, necessariamente, pela descoberta
de si mesmo e por dar aos jovens uma visão ajustada do mundo, a educação deve, sobretudo, ajudar os
jovens a descobrirem-se a si mesmos. Só assim poderão colocar-se no lugar dos outros e
compreenderem as suas emoções. Defendemos tal como Goleman (1996) que as escolas devem
implementar programas que permitam às crianças e jovens aprenderem a identificarem,
compreenderem e a gerirem as suas emoções. Deste modo, as escolas estarão a contribuir para
alcançar um dos objetivos (Educação de Qualidade) da Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (setembro de 2015). Tendo as
emoções um papel tão importante na vida de todos os Seres Humanos é importante que as escolas
tenham em conta nas suas ofertas educativas programas que incluam esta dimensão a ser trabalhada a
fim de não deixar ao acaso as lições emocionais perdendo as crianças e jovens a janela de
oportunidades oferecida pela lenta maturação do cérebro e podendo, deste modo, cultivarem um
reportório emocional saudável. Este reportório permitirá mais tarde, quando entrarem no mundo do
trabalho, a lidarem com a adversidade, a frustração, a tornarem-se mais resilientes e empáticos, a
lidarem com a insegurança e incerteza que caracterizam o Mundo atual. Estas características
certamente contribuem para uma Educação de Qualidade.

Considerações finais
Qualquer conceção da natureza humana que descure o poder das emoções pecará por uma
lamentável miopia, pois as nossas ações dependem tanto e, às vezes mais, das nossas emoções como
do nosso lado mais racional (Santos, 2016).
Existem dois cérebros, duas mentes: a mente emocional e a mente racional (Goleman,1996;
Chabot,2000). A forma como nos comportamos no nosso dia-a-dia é determinado pela mente
emocional, dado que as nossas emoções são o motor propulsor das nossas ações. A razão não pode
funcionar no seu melhor sem o contributo da mente emocional. O importante é o equilíbrio entre a
emoção e a razão.
O velho paradigma que postulava um ideal da razão livre dos constrangimentos da emoção é
substituído por um novo paradigma que mostra a importância de harmonizar a razão com a emoção.
Dito de outro modo, é apenas a coordenação da capacidade de sentir com a capacidade de pensar que
proporciona ao ser humano um amplo leque de possibilidades de expressão e que é único na natureza.
(Märtin e Boeck,1977). A emoção é esse estado biopsicológico que permite iniciar ações, motivações e
tem implicações que nem sempre são justificáveis de forma racional.
O cérebro desenvolve-se pela superprodução de sinapses durante o período pré-natal e primeira
infância. As sinapses são removidas ou reforçadas como resultado de experiências anteriores ou
resultantes do amadurecimento. (Santos, 2009). O processo de “escultura ontogenética” ou “morte
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sinática” (Greenberg & Snell, in Salovey & Sluyter, 1999) ou “poda” (Goleman, 1996) é influenciado
pelas interações das crianças com os pais e/ou cuidadores.
Dada a importância das emoções na vida diária dos seres humanos é muito importante
proporcionar oportunidades que permitam às crianças e jovens o desenvolvimento de competências
no campo das emoções que lhes permita aprender a gerir o universo das mesmas em que gravitam.
Sendo a 1ª infância o período temporal determinante na formação de redes neurais conduz Bower
(1983) a afirmar que esta é a fase mais significativa da vida para a afirmação da personalidade da
criança. O autor sublinha que se esta explorar o seu ambiente com confiança e se contar com a
presença e apoio das figuras de apego irá construir uma personalidade estável e autoconfiante. O
modo como a família lida com a criança é em si mesmo um modelo de competência de gestão de
emoções, ou de falta dessa mesma competência. Dito de outro modo, a forma como os
pais/cuidadores expressam as suas emoções na relação que estabelecem com os filhos/crianças
influência a competência socio emocional destes. Se vivenciarem um clima onde a expressão de
hostilidade for constante estas crianças revelam menor capacidade de negociação em situações de
conflito e fraco desempenho em tarefas que envolvam a compreensão de emoções. (Eisenberg et al., in
Salovey & Sluyter, 1999). Os pais/cuidadores que aceitam as emoções negativas das crianças e que
aproveitam esses momentos mais emotivos como oportunidades para ensinarem importantes lições
de vida e estreitarem relações de proximidade são designados como “orientadores emocionais”
(Gottman & DeClaire,1999; Goleman, 1996; Cury,2004). Segundo os autores, estas crianças são
emocionalmente mais saudáveis, apresentam um aproveitamento académico superior, estabelecem
melhores relacionamentos com os colegas, apresentam menos problemas comportamentais e são mais
resilientes face a situações de stresse emocional.
Refira-se que, quanto ao papel da escola, na vida das crianças e jovens, na escola não se aprende o
que são as emoções, como funcionam, como nos influenciam e como interferem nas relações que
estabelecemos com os outros. Somos, como afirma Chabot (2000), "praticamente analfabetos no que
se refere a este assunto" (p.10).
O sistema educativo incide, sobretudo, no intelecto, na lógica, no raciocínio e na organização
visual-espacial, isto é, um conjunto de atividades que solicita o Q.I. (Quociente Intelectual). O lado
cognitivo da aprendizagem chama mais a atenção, mas uma outra parte subcorrente continua a
persistir: é o domínio das emoções, o tão falado aspeto afetivo da aprendizagem. "…Todos sabemos
que “está lá” mas é encarado muitas vezes como uma distração para a aprendizagem…" (Jensen, 2002,
p. 111). Com frequência, ouvimos que quanto mais uma pessoa cultiva o seu quociente intelectual
maiores são as suas hipóteses de sucesso na vida. Sabemos que o quociente intelectual está
correlacionado com o sucesso escolar, mas parece-nos legítimo questionar, tal como Chabot (2000) se
o sucesso na escola pode garantir o sucesso na vida em geral? Será que as boas notas na escola podem
assegurar o sucesso nas relações interpessoais, sociais, no campo afetivo ou, ainda, na gestão do

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stresse? A este respeito Jensen (ibidem) refere que “não existe nenhuma separação entre a mente e as
emoções; as emoções, o pensamento e a aprendizagem estão todos ligados (p. 111).
Por tudo o que ficou exposto, ficou demonstrado o valor inequívoco das emoções na vida diária do
Ser Humano sendo a 1ª infância um período de crescimento fundamental e determinante na formação
da personalidade das crianças. Neste processo a família desempenha um papel crucial servindo como
modelos na gestão de emoções. Também as escolas desempenham um papel fundamental ao
proporcionarem aos alunos programas formativos no domínio das emoções, conducentes ao
desenvolvimento das suas competências sociais e relacionais, a autoconsciência emocional e empatia
relativamente a si e aos outros. Pelas razões referidas, no mundo das emoções, a 1ª infância, a família
e a escola apresentam-se como Janelas de Oportunidades únicas.

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A EDUCAÇÃO SOCIAL NA INTERVENÇÃO DE COMPORTAMENTOS ADITIVOS E


DEPENDÊNCIAS

FILIPA COELHOSO

ISCE – INSTITUTO SUPERIOR DE LISBOA E VALE DO TEJO, PORTUGAL.

Educação Social: Fundamentos de uma Intervenção Socioeducativa no âmbito dos


Comportamentos de Saúde
A Educação Social (ES) aplica-se no espaço de desenvolvimento pessoal e social a partir de uma
intervenção socioeducativa assente no protagonismo individual e/ou coletivo das pessoas, e nas suas
(inter) relações com o meio. Através da educação não-formal, a ES centra-se no desenvolvimento de
atitudes e comportamentos que permitam capacitar as pessoas para um processo participativo e
corresponsável de (re) construção de uma educação promotora de caminhos de autonomia e de
empoderamento ao longo da vida (Coelhoso, Carvalho, & Mucharreira, 2020)
A ES, enquanto processo educativo não-formal, é reconhecida enquanto o objeto de estudo e
âmbito de aplicação da Pedagogia Social (PS). A PS pode, de forma sumária, ser caracterizada
enquanto uma ciência pedagógica e social, que aplica os conhecimentos (saber) à praxis (saber-fazer)
na resolução de problemas educativos do trabalho/espaço social, na valorização da socialização e na
promoção da qualidade de vida e bem-estar das pessoas e comunidades. Trata-se, portanto, de uma
ciência prática e aplicada que apresenta um caracter plural e interdisciplinar, que necessita e valoriza
o papel interventivo e participativo dos sujeitos e que tem como objetivo intervir, promover e
melhorar os contextos e realidades socioeducativas (Pérez Serrano, Fernández, & García llamas, 2014;
Serrano, 2009).
O espaço de ação da ES e a sua relevância no âmbito da promoção da melhoria de qualidade de vida
e bem-estar reconhece a importância dos domínios biopsicossociais dos indivíduos, grupos e
comunidades. Neste sentido, temos de considerar as características biológicas, psicológicas e sociais
numa permanente e sistemática interação com o ambiente, os contextos e cenários de vida, para se
otimizarem intervenções socioeducativas adequadas e eficazes que permitam a adoção de
comportamentos de saúde saudáveis. Comecemos, então, por compreender a relação entre os
diferentes conceitos de saúde.
O conceito de saúde foi definido em 1948, aquando da constituição da Organização Mundial de
Saúde (OMS), como um “estado de pleno bem-estar físico, psíquico e social e não apenas a ausência de
doença” (p.100). Mais tarde, em 1986, na Carta de Ottawa destaca-se que a saúde deve ser entendida
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enquanto um conceito positivo que enfatiza os recursos sociais e pessoais e as capacidades físicas,
assim como, se determinam como “condições e recursos fundamentais para a saúde a paz, abrigo,
educação, alimentação, rendimento, ecossistemas estáveis, recursos sustentáveis, justiça social e
equidade”, reforçando que a “melhoria da saúde requer uma base segura nestes pré-requisitos
básicos” e que o “indivíduo ou grupo deve ser capaz de identificar e realizar aspirações, para satisfazer
necessidades e para mudar ou lidar com o meio ambiente. A saúde é, portanto, vista como um recurso
para a vida quotidiana, não o objetivo da vida”. (World Health Organization, 1948, 1986).
A Promoção da Saúde (PdS) procura alcançar a equidade em saúde, por forma a garantir
oportunidades e recursos que permitam que todas as pessoas atinjam seu potencial máximo de saúde.
Neste sentido, para a persecução deste objetivo é fundamental que se desenvolvam princípios
basilares como ambientes de apoio, acesso à informação, habilidades para a vida e se criem
oportunidades para que as pessoas possam fazer escolhas saudáveis, por forma a garantir que sejam
capazes de ser protagonistas e assumam o controlo dos diferentes domínios que determinam a sua
saúde (World Health Organization, 1986).
Por sua vez, a EpS, concentra-se no desenvolvimento de competências dos indivíduos, a partir de
através de técnicas educacionais, motivacionais, de capacitação e consciencialização, que permitam
contribuir para processos de aprendizagem, por forma a aumentar e melhorar o conhecimento e as
habilidades para vida (life skills) inerentes à saúde individual e comunitária. Assim, a EpS não se foca
apenas na partilha de informações, mas também no incremento da motivação, das habilidades e da
confiança (autoeficácia) necessárias para que os indivíduos possam atuar em prol da sua saúde de
forma competente e, desta forma, influenciar a sua vida (World Health Organization, 1998).
No que concerne à LS, esta desempenha uma função mediadora entre educação e saúde,
estabelecendo uma relação recíproca e associativa (Stars, 2018). Ao ser compreendida como um
relevante determinante de saúde, é definida como a “capacidade de usar as competências de aceder,
compreender e avaliar a informação em saúde, aplicando-as no dia-a-dia para a tomada de decisão em
diferentes contextos, tendo em conta as escolhas possíveis” (Loureiro, 2015, p. 1). Como tal, é
considerada como o resultado de uma EpS eficaz, uma vez que ao valorizar os fatores psicológicos,
sociais e ambientais que contribuem para o processo de tomada de decisão e de adoção de
comportamentos de saúde, aumenta a capacidade dos indivíduos de acederem e utilizarem
informações e conhecimentos de forma a promover e manter uma boa saúde, contribuindo para o
processo de empowerment das pessoas (World Health Organization, 1998).
Como é percetível através do exposto, várias são as relações entre os principais conceitos de saúde. A
OMS apresenta esta relação através da figura1.

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Figura 1 - Relação entre conceitos de saúde

A análise à figura 1 sintetiza, de forma simples, a relação entre os domínios individuais e


ambientais no âmbito da mudança de comportamentos de saúde. Os fatores intrínsecos
(competências individuais), potenciados a partir da EpS, e os fatores extrínsecos (suporte ambiental)
aliados às políticas de saúde pública devem articular-se em prol do desenvolvimento da literacia em
saúde. A combinação de páticas educativas, motivacionais que permitam a consciencialização, o
conhecimento e a aquisição de competências, aliadas a políticas públicas saudáveis que forneçam o
suporte ambiental, irá encorajar, promover e melhorar a mudança de comportamento e,
naturalmente, conduzir a melhores resultados de saúde e maior equidade (World Health
Organization, 2012).
Face ao exposto, torna-se evidente a importância que os determinantes individuais e sociais
representam na saúde, no bem-estar e na qualidade de vida das pessoas, grupos e comunidades e,
neste sentido, clarifica-se e reclama-se o espaço da ES e da intervenção socioeducativa no âmbito da
Promoção da Saúde, da Educação para a Saúde e da Literacia em Saúde. Recorde-se que a Educação
Social se desenvolve nos contextos de vida (sociais, ambientais, familiares, escolares, comunitários,
etc.) com vista ao desenvolvimento de competências pessoais e sociais que possibilitem caminhos de
autonomização, a partir de uma conceção relacional, “emancipatória, transformadora e
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transformativa” (Timóteo & Bretão, 2012, p. 17) e como tal, “positiva, potenciadora, promotora e
preventiva” (Coelhoso et al., 2020, p. 75).
Assim, a Educação Social pode e deve contribuir para o desenvolvimento de uma educação
promotora de comportamentos de saúde e de uma educação preventiva de comportamentos de risco,
como o caso do consumo de substâncias e comportamentos aditivos.

Adição e Comportamentos Aditivos

Quando pensamos em comportamentos aditivos e dependências desde logo nos remetemos para um
fenómeno complexo, multidimensional, multifatorial e que exige uma análise e abordagem
interdisciplinar. Para além disso, assume-se que se trata de uma realidade de difícil compreensão, que
se encontra em permanente mutação, e que encerra em si, muitas vezes, preconceitos e estigmas de
representação pessoal e social pelos impactos causados ao nível individual (biopsicossocial), familiar,
comunitário e social.
A própria perceção sobre o conceito de adição, encontra-se mais associada a uma doença que
implica o consumo abusivo de substâncias psicoativas (em especial de álcool e substâncias ilícitas) e
não tanto a um conjunto de atividades, sem substâncias, que podem também estar associadas a
comportamentos aditivos (como por exemplo: o jogo a dinheiro (gambling), o jogo online (gaming),
videojogos e internet), e que são muitas vezes percecionadas como menos aditivas e causadoras de
doença (Lang & Rosenberg, 2016). Contudo, apesar destas perceções, importa que se compreenda que
a adição é uma doença crónica do cérebro ao nível do sistema de recompensa, da motivação, memória
e envolve interações complexas entre os circuitos do cérebro, a genética, o meio ambiente, as
experiências de vida de um indivíduo. É a disfunção nesses circuitos que leva a manifestações
biológicas, psicológicas, sociais e espirituais características, que se refletem nos indivíduos que
procuram patologicamente recompensa e/ou alívio pelo uso de substâncias e outros comportamentos.
Neste sentido,
a adição é caracterizada pela manutenção ou incapacidade da pessoa se abster, de forma
consciente, da utilização de substância(s) ou da adoção de comportamentos compulsivos,
apesar das consequências prejudiciais sentidas. Apesar da sua complexidade, a adição é
tratável e os esforços de prevenção, bem como as abordagens de tratamento, são
geralmente tão bem-sucedidos quanto aqueles para outras doenças crónicas (American
Society of Addiction Medicine, 2011, 2019).

O consumo de substâncias e os comportamentos aditivos apresentam como premissa o “princípio


do prazer”, ou seja, quando o consumo de uma droga ou o desenvolvimento de uma outra atividade
prazerosa (exº jogo) se verifica, ocorre um impacto no circuito de recompensa do cérebro, provocando
uma sensação de prazer e euforia através da libertação de dopamina. Os picos de dopamina no

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circuito de recompensa, associados por exemplo ao consumo de drogas, causam o reforço de


comportamentos prazerosos, mas prejudiciais à saúde, levando as pessoas a repetir o comportamento
continuamente. O consumo continuado de substâncias psicoativas, produz um processo de adaptação
do cérebro e reduz a capacidade de resposta do circuito de recompensa e, como tal, os níveis de prazer
e euforia sentidos inicialmente vão diminuindo em comparação com a sensação sentida aquando da
primeira toma e, por isso, os níveis de tolerância diminuem havendo a necessidade de aumentar a
dose da substância ou frequência do comportamento para atingir os efeitos prazerosos iniciais. Para
além disso, estes processos adaptativos contribuem para que a pessoa se sinta cada vez menos capaz
de obter prazer em outras atividades ou comportamentos que gostava (NIDA, 2018).
O entendimento do conceito de adição aqui explanado é fundamental para se compreender o
fenómeno do consumo de substâncias e dos comportamentos aditivos, uma vez que, é a partir deste,
que podemos pensar de que forma podemos atuar em prol do desenvolvimento de intervenções
socioeducativas preventivas, de intervenção sobre o problema/ situação e de (re) educação e
(re)inserção, no âmbito da Educação Social. Prevenir comportamentos aditivos implica uma EpS
sustentada que contribua para a promoção das competências individuais que possibilitem processos
de tomada de decisão conscientes, por parte dos envolvidos, em prol da saúde e bem-estar tendo em
conta os seus contextos e cenários de vida. Por outro lado, atuar sobre o problema, ou seja, sobre
comportamentos abusivos ou dependentes, para além da análise e interpretação psicossocial e
educativa e sociocomunitária, requer (também) a compreensão do processo biológico por forma a
adequar as ações, e a evitar estigmas e preconceitos, uma vez que “na adição os processos de tomada
de decisão são disfuncionais e que essa disfunção pode ser fundamental para o início ou manutenção
do comportamento aditivo” e, como tal, “o modo como os indivíduos dependentes de drogas avaliam e
escolhem entre recompensas com e sem drogas é consistentemente diferente dos indivíduos não
dependentes” (Koffarnus & Kaplan, 2018, p. 71).
Desta forma, vamos então aprofundar de que forma a Educação Social pode contribuir para uma
educação preventiva e uma intervenção, suportada na evidência, de comportamentos aditivos com ou
sem substância.

Contributos da Educação Social na Prevenção e Intervenção em Comportamentos


Aditivos e Dependências

A Educação Social pode contribuir de forma significativa para a prevenção e intervenção em


comportamentos aditivos e dependências. Como temos verificado, os comportamentos aditivos com
ou sem substância, requerem uma abordagem holística da pessoa em permanente interação com os
seus contextos familiares, sociais e comunitários. Isto significa que as abordagens de intervenção
devem ser interdisciplinares no sentido de melhor se potenciarem recursos tecnocientíficos
adequados, eficazes e baseados na evidência. Desenhar, desenvolver, aplicar e avaliar projetos e/ou

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programas de prevenção e intervenção de e sobre comportamentos aditivos requer o domínio e


interseção das ciências da saúde, das ciências sociais e do comportamento e das ciências da educação.
A intervenção psicossocial é de extrema relevância para a promoção de estilos de vida saudáveis,
uma vez que, apoia o desenvolvimento de comportamentos, competências e atitudes, bem como,
potencia a gestão da informação e da motivação. Para além disso, intervenções psicossociais baseadas
na evidência demonstram resultados significativos ao nível do tratamento, desde a abstinência, à
manutenção do tratamento, ao desenvolvimento psicossocial e, naturalmente, à prevenção das
recaídas (Marsch & Dallery, 2012). Com base neste pressuposto, e recordando os princípios da
intervenção socioeducativa explanados anteriormente, percebemos que a ES, no âmbito do seu
processo educativo não-formal, atua na intervenção psicossocial contribuindo para os processos de
(re) aprendizagem individual, familiar, comunitária e social. Assim, a ES atua numa perspetiva
educadora e preventiva por forma a evitar os comportamentos aditivos e ou dependências a partir do
desenvolvimento de competências pessoais e sociais que promovam processos de tomada de decisão
conscientes. Por outro lado, em caso de comportamentos aditivos ou dependentes, a ES centra a sua
abordagem no processo de “aprender a viver com”, ou seja, relevando os fatores protetores individuais
e sociocomunitários, potenciando-os enquanto competências para minimizar danos biopsicossociais e
para aumentar níveis de confiança e competência para caminhos de mudança de comportamento.
Desta forma, emerge que se otimizem, de forma integrada, os fatores de promoção ou proteção da
saúde individuais (resiliência, autoestima, sentimento de pertença, participação e protagonismo),
comunitários (dimensão familiar, redes de apoio, coesão comunitária, solidariedade intergeracional,
tolerância, etc.), organizacionais (recursos ambientais para a promoção da saúde física, mental e
social, segurança no emprego, habitação, democracia política e justiça social) por forma a se
incrementarem níveis de bem-estar e saúde geral, realização e sustentabilidade (Van Bortel,
Wickramasinghe, Morgan, & Martin, 2019). Importa, no entanto, que a intervenção com vista à
mudança de comportamento seja melhorada, tanto ao nível do processo de condução das
intervenções, como nas consequentes avaliações dos seus efeitos (Michie, West, Sheals, & Godinho,
2018).
Os processos de mudança de comportamento, estejam ou não associados a comportamentos
aditivos (com ou sem substância), são extremamente complexos e desafiantes. O intricado das
dimensões sistémicas associadas exige um olhar sério, competente e real. No que concerne aos
comportamentos aditivos e dependências vários são os estigmas, representações e (pré) conceitos
sentidos pela incapacidade de “compreensão” do fenómeno. Questões como: “como é possível as
pessoas perpetuarem comportamentos prejudiciais à sua saúde e bem-estar físico, psicológico e
social?”, “como é que as pessoas não controlam os impulsos de consumo/ comportamento?”, etc,
surgem frequentemente e podem comprometer o processo de intervenção. Mais do que procurar
“causas” ou “justificações” para os comportamentos, a Educação Social deve centrar-se na pessoa e no

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momento presente para desenvolver um caminho de futuro, através de uma relação pedagógica de
confiança, ética e sem julgamentos.
Na prática, a intervenção em e sobre comportamentos aditivos e dependências, cumpre as mesmas
“regras” inerentes a qualquer processo de intervenção socioeducativo e, como tal, exige o respeito pela
pessoa nos seus espaços de interação biopsicossociais, posicionando-a no centro da ação,
reconhecendo-a e dando-lhe o verdadeiro protagonismo e, naturalmente, pondo em evidência o
domínio técnico-científico sobre o âmbito de intervenção.
Tendo o profissional de Educação Social (Técnico Superior de Educação Social) consciência e
conhecimento que os comportamentos aditivos com ou sem substância estabelecem uma correlação
positiva com os indicadores de regulação emocional e afetividade/pertença, assim como, os
determinantes de saúde sociais exercem uma forte influência nos comportamentos de saúde (Estévez,
Jáuregui, Sánchez-Marcos, López-González, & Griffiths, 2017; Spencer, 2018), e que a forma como os
indivíduos adictos avaliam e tomam decisões é consistentemente diferente de indivíduos não
dependentes (Koffarnus & Kaplan, 2018), então, temos as premissas fundamentais para desenhar e
planear intervenções socioeducativas adequadas a cada pessoa/grupo e contexto e promotoras de
saúde e bem-estar.
Para além disso, a evidência científica destaca a literacia em saúde como um bem pessoal e
comunitário, cujas competências e habilidades inerentes contribuem para a melhoria dos processos de
tomada de decisão e reforço dos fatores protetores, servindo como um mecanismo mediador e
moderador para desenvolver os determinantes sociais (Nutbeam & Lloyd, 2021), pelo que se torna,
também, manifesto o espaço de ação da Educação Social no âmbito dos comportamentos de saúde, até
porque, como explicitam Nubeam e Lloyd (2021) são necessárias respostas mais sistemáticas para
apoiar a melhoria da literacia em saúde, de forma diferenciada e contemplando todos os domínios
sociais.
Ao longo de vários anos têm sido estudados vários programas eficazes de prevenção sobre os
comportamentos aditivos e dependências, tendo sido enunciados 16 princípios que visam apoiar os
profissionais de prevenção (National Institute on Drug Abuse, 2014) e, como tal, os Técnicos
Superiores de Educação Social devem reconhece-los para poder aplica-los.
Assim, e de acordo com National Institute on Drug Abuse [NIDA] (2014), os programas de
prevenção devem: (1) aumentar os fatores de proteção e reverter ou reduzir os fatores de risco; (2)
incluir todas as formas de consumo de drogas [e comportamentos] associados; (3) considerar o tipo
de problema de abuso de drogas na comunidade local, para direcionar os fatores de risco modificáveis
e fortalecer os fatores de proteção identificados; assim como devem (4) ser adaptados para abordar os
riscos específicos às características da população ou do público, como idade, sexo e etnia, para
melhorar a eficácia do programa.
Relativamente aos programas de prevenção centrados na família (5) estes devem contribuir para
aumentar os laços e relacionamentos familiares, incluindo o desenvolvimento de competências

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parentais que visem a educação, informação, monitorização, supervisão e acompanhamento, no


sentido de reforçar comportamentos positivos e adequados, assim como, apoiar na definição de regras
e disciplina moderadas.
Salienta-se, também, que os programas de prevenção podem ser projetados para intervir desde a
infância (6) abordando fatores de risco como comportamento agressivo, habilidades sociais
deficientes e dificuldades académicas. Neste mesmo sentido, caminham os princípios 7 e 8 que
relevam a importância de se desenvolverem aprendizagens académicas e socioemocionais desde a
primeira infância (7), com o reforço da vertente educativa no âmbito do autocontrolo, da consciência
emocional, da comunicação e resolução de problemas sociais e escolares e, mais tarde, ao nível da
infância-juventude (8) os programas devem contribuir para aumentar a competência académica e
emocional com o desenvolvimento de habilidades que promovam hábitos de estudo e comunicação, as
relações entre pares, a autoeficácia e assertividade e, naturalmente, competências de resistência a
consumos abusivos, reforçando atitudes de saúde e antidrogas e incremento de compromissos
pessoais contra o consumo de drogas. Neste mesmo sentido, o princípio 14 enfatiza a importância de
se incluírem processos formativos a professores que contribuam para a promoção de comportamentos
positivos, de melhorias no desempenho, de incremento da motivação académica e do vínculo escolar
dos alunos.
O NIDA (2014) destaca também a importância de se desenvolverem programas de prevenção para
a população em geral (9) assentes em pontos de transição chave, bem como a importância de
programas comunitários (10) combinados que alcancem populações em vários locais, por exemplo em
escolas, clubes, organizações (11), uma vez que, se tornam mais eficazes quando apresentam
mensagens consistentes para toda a comunidade. No caso de as comunidades adaptarem programas já
existentes às suas realidades e necessidades (12), é determinante que as mesmas mantenham os
elementos essenciais da intervenção original, nomeadamente ao nível da estrutura (como o programa
é organizado e construído), do conteúdo (as informações, habilidades e estratégias do programa) e da
forma de aplicação (como o programa é adaptado, implementado e avaliado).
Importa, ainda, destacar que os programas de prevenção devem ser de longo prazo, com
intervenções repetidas para reforçar os objetivos originais de prevenção (13), tornando-se mais
eficazes quando incluem técnicas interativas que promovam o envolvimento ativo no processo de
aprendizagem e capacitação (15). Por fim, destaca-se que programas de prevenção suportados na
evidência e investigação (16) tornam-se mais eficazes economicamente, reduzindo custos (National
Institute on Drug Abuse, 2014).
Através da apresentação dos 16 princípios inerentes aos programas de prevenção, destaca-se o
papel fulcral que a ES pode, e deve, desempenhar no âmbito do desenho, desenvolvimento e avaliação
de intervenções educativas e preventivas baseadas na evidência científica. Como verificámos, os
pressupostos e espaços de intervenção (escolares, familiares, sociais e comunitários) são comuns aos

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objetivos da ES e, como tal, os seus profissionais devem assumir-se como agentes fundamentais neste
desafio complexo, desafiante e interdisciplinar de prevenir comportamentos aditivos e dependências.
Contudo, a ES não se posiciona apenas no processo promotor de comportamentos de saúde e de
prevenção do risco, mas também assume a sua preponderância no âmbito do tratamento, reabilitação
e prevenção da recaída.
Neste sentido, e de acordo com a perspetiva da autora, a intervenção em comportamentos aditivos
com ou sem substâncias no âmbito da ES pode consubstanciar em 3 domínios:
1) Prevenir comportamentos de saúde não saudáveis através de ações educativas promotoras
de saúde e do desenvolvimento de competências pessoais e sociais, nos diferentes
contextos e ao longo da vida.
2) Apoiar o processo de recuperação e tratamento, com o desenvolvimento de estratégias
socioeducativas que visem a gestão dos determinantes de saúde individuais e sociais
inerentes à condição e contextos de vida.
3) (Re) Aprender a viver sem comportamento aditivo/dependência e, naturalmente, evitar
que a situação problema regresse.
No fundo, esta é uma analogia à tipologia clássica de Caplan aplicada à ES, que diferencia
diferentes âmbitos de intervenção, nomeadamente: 1) a Prevenção Primária, que se caracteriza por ser
uma intervenção antes do problema e tem como objetivo evitar o aparecimento do problema/doença;
2) a Prevenção Secundária, que procura atuar o mais rápida e eficazmente possível de forma a tratar o
problema/doença com a maior brevidade uma vez que este não foi evitado pela prevenção primária e,
finamente, 3) a Prevenção Terciária, que procura reabilitar os sujeitos que já têm o problema/doença
e procura evitar o acréscimo de problemas e situações de recaída (Moreira, 2005).
Por forma a concluir o exposto ao longo do presente capítulo, a ES pode efetivamente contribuir
para a melhoria da qualidade de vida e bem-estar das pessoas, família e comunidades através de ações
socioeducativas concertadas e interdisciplinares, pelo que se lança o desafio de, no âmbito dos
comportamentos aditivos e dependências, também se apostar numa ação educativa plena, centrada
nas pessoas e nos seus cenários de vida.

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ISBN: 978-989-53210-1-8

FCT - CIEQV - Projeto nº UID/CED/04748/2020

O presente livro é parte constituinte de uma interessante coleção


dedicada à educação e integra participações de cooperação internacional em
torno da proteção à infância em Portugal, Brasil, Angola e Cabo Verde
preconizando na sua génese dois dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável, nomeadamente os ODS 4 – Educação de Qualidade e 17 –
Parcerias e meios de Implementação, da Agenda 2030.
In Introdução

(…) Fundamenta bem, a meu ver, a preocupação dos vários autores deste
livro em aprofundar a questão da educação (…) e em associá-la à questão dos
direitos humanos e do bem-estar. Ao longo dos vários capítulos, o leitor
poderá reconhecer os três fatores identificados por Gunter-Tas, bem como a
tripla dinâmica sugerida por Mead. (…). A questão do bem-estar (…) implica
defender que toda a comunidade educativa tenha as suas necessidades de
segurança, sociais e de realização pessoal, minimamente satisfeitas (e.g.
alunos com sentimentos de segurança (…) com autoestima e projeto de vida;
professores e funcionários, satisfeitos por pertencerem à escola e ao seu
projeto; encarregados de educação e agentes comunitários, confiantes na
escola e satisfeitos por se sentirem incluídos no seu projeto educativo).
In Prefácio Hermano Carmo, Professor jubilado da Universidade de
Lisboa (ISCSP). Portugal.

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