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Fernão Lopes – Crónica de D.

João I
Contexto Histórico:
• Em 1383, o rei D. Fernando morreu sem deixar filho varão que lhe sucedesse no trono de Portugal. Como
a sua única filha, D. Beatriz, estava casada com o rei D. João I de Castela, o monarca castelhano pretendia
subir ao trono português. Os patriotas, que não desejavam que Portugal perdesse a independência,
apoiaram a subida ao trono de D. João Mestre de Avis e filho ilegítimo do rei D. Pedro. Gera-se, assim, uma
crise dinástica em Portugal que se resolve em 1385 com a ascensão de D. João Mestre de Avis ao trono
português, tornando-se D. João I de Portugal.
• A crise de 1383-1385 resultou, por isso, numa nova dinastia, a dinastia de Avis. Esta crónica, ao relatar de
forma pormenorizada e intensa todos os eventos desta crise, bem como os que se antecederam e
sucederam, representa a legitimação dessa nova dinastia.
1383 1384 1385
® Morte de D. Fernando.
® Cerco de Lisboa pelo Rei D. ® Cortes de Coimbra
® Regência de D. Leonor Teles.
João de Castela. (convocadas por D. João
® Assassinato do Conde Andeiro
® Adversidades várias sofridas Mestre de Avis).
pelo Mestre de Avis.
pela população de Lisboa. ® Batalha de Aljubarrota.
® Levantamento popular em
® Retirada do cerco devido à ® Início do reinado de D. João
Lisboa.
Peste Negra que assolou a Mestre de Avis como D. João I
® Aclamação do Mestre como
cidade. de Portugal.
Regedor e Defensor do Reino.

Estilo de escrita de Fernão Lopes:


• Fernão Lopes foi um importante produtor de textos literários, ao recriar artisticamente os factos reais,
históricos, dando-lhes, assim, aspetos próximos da ficção.
• Dado que nasceu após o período em questão, recolheu os factos em diversas fontes (documentos,
monumentos, testemunhas etc.) para assim os interpretar na sua Crónica.
• Foi também um excelente artista da prosa literária portuguesa, na medida em que:
® Procurou planificar e estruturar rigorosamente cada capítulo, integrando-o em «quadros» ou
sequências narrativas (Quadro do Cerco de Lisboa);
® Organizou dramaticamente (de forma intensa e através de diálogos) os seus relatos, muitas vezes em
progressão ascendente até um clímax (ponto mais intenso da narrativa), findo o qual a ação decresce
de intensidade dramática;
® Utilizou personagens coletivas, tratadas com rigor, em movimentos coletivos de caráter quase épico;
® Os seus relatos são marcados pelo sensacionalismo, com especial relevo para o visualismo e para o
registo de oralidade;
® Muitas vezes soube alternar sabiamente planos de conjunto com planos de pormenor ou grandes
planos, como hoje se faz no cinema;
® Atribuiu grande importância ao seu narratário, ouvinte ou leitor, conduzindo-o habilmente pelos
acontecimentos, chamando-o ao seu ponto de vista, raramente neutro (daí o tom de conversa, o estilo
coloquial, como o relato de um bom contador de histórias);
® O seu estilo é colorido de imagens, comparações, metáforas sugestivas, ironia subtil ou emoção
sentida.
• De tudo isto resulta que Fernão Lopes é uma espécie de «repórter» dos acontecimentos que narra (e que
não presenciou, ainda que possamos ter a ideia de que, como qualquer bom repórter, ele viu, ouviu, esteve
lá, falou com os intervenientes). De facto, e concluindo, ele conta-nos a História como quem conta
histórias.

Personagens da Crónica de D. João I:


Atores Individuais:
• D. João, Mestre de Avis, é o protagonista:
® Pretendente ao trono, mata o Conde Andeiro e recebe o apoio do povo;
® Representa Portugal na luta pela manutenção da independência;
® Comandante político, coordena as operações e a preparação da defesa de Lisboa;

Disciplina de Português 1
Fernão Lopes – Crónica de D. João I
® No capítulo 11, através do seu aparecimento à janela e posteriormente, após descer para se misturar
com a multidão e a sua saída a cavalgar, pode-se concluir que este apresenta inúmeras características
que o levaram a ser aceite pelo povo português como seu líder, tais como: a sua autoconfiança, a sua
capacidade de decisão e o facto de ele ser destemido e decidido, revelando poder.
• Leonor Teles é retratada como traidora e indigna de ser regente, visto que veio a apoiar o partido do rei
castelhano e, segundo a crónica, é amante do Conde Andeiro.
• Álvaro Pais é o apoiante do Mestre que instiga o levantamento popular; revela-se um homem astuto, com
visão política e inteligência para atingir os seus fins.
Atores coletivos:
• A par dos «atores individuais», o cronista retrata a população portuguesa como uma personagem coletiva.
® No capítulo 11, acompanhamos uma massa de gente que, «a uma vontade», apoia o Mestre.
® No capítulo 115, o povo de Lisboa mobiliza-se para preparar a defesa da cidade.
® No capítulo 148, sofre e resiste ao cerco castelhano.
• O povo é visto como herói: contribui para o desenrolar dos acontecimentos políticos e determina o futuro
do reino.
• O povo tem consciência coletiva e manifesta um sentimento patriótico e a noção de que integra uma
comunidade nacional.
• É com vivacidade que se encenam momentos de grande dramaticidade com um forte apelo visual, em que
se representam a multidão e as suas emoções: a revolta, o sofrimento (durante o cerco) ou a alegria.
• No meio dessa massa de gente, identificam-se grupos sociais (alfaiates, tanoeiros...) e ouvem-se vozes
individuais, que verbalizam, em discurso direto, as suas opiniões.

A afirmação da consciência coletiva:


• A noção de identidade nacional foi sendo criada, ainda que inconsciente, à medida que se consolidaram as
fronteiras portuguesas e, aquando da crise de 1385, o povo português já possuía uma consciência da sua
própria identidade face aos outros povos da Península.
• Na Crónica de D. João I, surge a manifestação de um sentimento comum e popular do valor próprio da
legitimidade e do direito de existência 0 povo, ao sentir a independência do reino e a sua liberdade
ameaçadas durante a Crise de 1383-1385, reage violentamente e luta contra invasão castelhana.
• O sentimento nacional afirma-se porque, nessa ameaça, se fortalece a noção de comunidade, passando a
palavra «Portugal» a definir, não só um território, mas um corpo de gente animado de um pensamento, a
sua nacionalidade.
• A Crónica de D. João I, apesar do seu título, não é tanto a história dos atos e das ações do Mestre, mas sim
a evocação dramática dos acontecimentos nacionais e dos esforços, sacrifícios e feitos do povo inteiro, na
luta heroica pela independência e integridade do seu reino, da sua terra e da sua existência política.
• Em termos narrativos, a consciência de grupo e o sentimento nacional são representados através da noção
de personagem coletiva, quando se trata das massas populares – o povo de Lisboa:
® Revela uma vontade comum e intervém para auxiliar o Mestre, manifestando-se contra a regente D,
Leonor e contra a influência estrangeira (cap.11);
® Organiza-se em conjunto para defender a capital do cerco, de forma empenhada e valorosa (cap.115);
® Sofre em conjunto o cerco imposto pelos castelhanos à cidade de Lisboa, capital do reino (cap.148).

Disciplina de Português 2

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