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DOS ORGANOCLORADOS AOS ORGANOFOSFORADOS: O PRINCÍPIO DA

PRECAUÇÃO E OS IMPACTOS NA TRÍPLICE ESTRUTURA DA


SUSTENTABILIDADE

Ana Carolina da Veiga Dias1


Maria Claudia da Silva Antunes de Souza2

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar como se dá a regulamentação do uso dos agrotóxicos, em
especial dos organoclorados e fosforados, bem como a aplicabilidade do princípio da precaução e as
consequências, nas três dimensões da Sustentabilidade, da utilização dessas substâncias. A partir de
pareceres de órgãos públicos acerca da toxidade dos agrotóxicos, doutrinas de Direito Ambiental e obras
de autores como Fritjof Capra e Rachel Carson, constatou-se indutivamente que apesar de o
ordenamento jurídico brasileiro prever o direito das presentes e futuras gerações a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida, os princípios e instrumentos normativos não
estão sendo aplicados de maneira a efetivar tal direito, causando impactos e danos para o meio
ambiente e toda a sociedade.

Palavras-chave: Agrotóxicos, Desenvolvimento Sustentável; Organofosforados;


Princípio da Precaução; Sustentabilidade.

INTRODUÇÃO
Os agrotóxicos são agentes que se infiltram nos processos mais íntimos do
meio ambiente e dos organismos biológicos. A legislação brasileira se mostrou
consciente dos danos causados agrotóxicos organoclorados, como o DDT, e por isso
adotou a posição preventiva de banir sua utilização. No entanto, apesar de o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida também serem

1
Acadêmica do 5º período do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí. Bolsista PIBIC e do
grupo de estudo “Observatório de Direito Ambiental e Sustentabilidade”. E-mail:
anaveigadias@gmail.com.
2
Doutora e Mestre em "Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad" pela Universidade de Alicante -
Espanha. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - Brasil, Graduada em Direito
pela Universidade do Vale do Itajaí - Brasil. Professora no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Ciência Jurídica, nos cursos de Doutorado e Mestrado em Direito e na Graduação no Curso de
Direito da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Coordenadora do Grupo de Pesquisa: “Estado,
Direito Ambiental, Transnacionalidade e Sustentabilidade”, cadastrado no CNPq/EDATS/UNIVALI.
Coordenadora do Projeto de pesquisa aprovado no CNPQ intitulado: “Possibilidades e Limites da
Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil e Impacto na Gestão Ambiental Portuária” (2013/2015).
Coordenadora do Projeto de pesquisa aprovado através do Edital MCTI/CNPQ/UNIVERSAL 14/2014,
intitulado "Análise comparada dos limites e das possibilidades da Avaliação Ambiental Estratégica e sua
efetivação com vistas a contribuir para uma melhor gestão ambiental da atividade portuária no Brasil e
na Espanha" (2015/2017). Coordenadora do Projeto de pesquisa aprovado através da FAPESC -
EDITAL 09/2015- intitulado "Limites e possibilidades da Avaliação Ambiental Estratégica e sua efetivação
com vistas a contribuir para uma melhor Gestão Ambiental da Atividade Portuária Catarinense".
(2016/2018). Membro vitalício à Cadeira n. 11 da Academia Catarinense de Letras Jurídicas (ACALEJ).
Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Membro da Comissão de Direito Ambiental
do IAB (2016/2018). Advogada e Consultora Jurídica.  E-mail: mclaudia@univali.br.
ameaçados pelo uso dos organofosforados, a postura estatal foi divergente. Vê-se,
assim, que não obstante a mudança de paradigma, comprovações científicas do perigo
dos compostos de fósforo à saúde humana e ambiental e o princípio da precaução,
todas as três dimensões da Sustentabilidade são ameaçadas pelo uso destes
compostos.
Assim, com base nos estudos prévios, tem-se como base o problema de
pesquisa de que o uso indiscriminado dos agrotóxicos é responsável por uma série de
problemas ambientais, sociais e até mesmo econômicos. No ordenamento jurídico
brasileiro está previsto o direito das presentes e futuras gerações a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida. Entretanto, os princípios e
instrumentos normativos estão sendo aplicados a fim que tal direito possa ser
efetivado? Quais as consequências para o meio ambiente e toda a sociedade?
Além disso, o objetivo geral é estudar as leis, princípios e direitos relacionados a
utilização dos agrotóxicos e as consequências do seu uso nas três dimensões da
Sustentabilidade. Além de objetivos específicos como conhecer o histórico da
inserção dos agrotóxicos na agricultura brasileira e seu tratamento no ordenamento
jurídico; compreender o princípio da precaução e analisar sua aplicabilidade; identificar
os impactos e danos nas dimensões ambiental, social e econômica causados pela
utilização dos agrotóxicos, em especial os organofosforados.
O método a ser utilizado será o indutivo principalmente por meio da
pesquisa bibliográfica, documental e de pareceres de órgãos públicos acerca da
toxidade dos agrotóxicos. Sendo utilizadas técnicas do referente, da categoria,
fichamento e dos conceitos operacionais.
Dessa forma, visando ao seguimento lógico da apresentação da pesquisa, na
primeira parte, nomeada “de defensivos agrícolas a agrotóxicos”, o histórico e a
inserção destes produtos no Brasil são expostos, bem como as leis criadas para
disciplinar sua utilização. A segunda parte, “o princípio da precaução”, traz a
explanação deste princípio e o caso concreto de carência de sua aplicabilidade na
regulamentação do uso dos organofosforados. A terceira parte “os impactos na tríplice
estrutura da Sustentabilidade” apresenta inicialmente os conceitos de Desenvolvimento
Sustentável e a definição da Sustentabilidade como aquela fundamentada em três
pilares: ambiental, social e econômico. Assim, esta terceira parte subdivide-se nas
respectivas dimensões da Sustentabilidade para melhor e mais claramente abordar os
impactos e danos ocasionados pelo uso dos agrotóxicos, em especial dos compostos
orgânicos de fósforo.

1 – DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS A AGROTÓXICOS


A história dos agrotóxicos começa com a mudança da concepção e da função
da agricultura para o homem do século XX. De acordo Fritjof Capra, em sua obra “O
ponto de mutação” a agricultura era uma atividade “originalmente dedicada a alimentar
e sustentar a vida”3, mas que “converteu-se num importante risco para a saúde
individual, social e ecológica.” 4 No entanto, antes desse risco se tornar conhecido por
toda sociedade, e até mesmo depois, seus principais agentes foram aclamados e
condecorados como instrumentos do progresso.
Segundo a Lei 7.802 de 11 de julho de 1989 consideram-se agrotóxicos:
Os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,
destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e
beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas,
nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes
urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da
flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos
considerados nocivos; substâncias e produtos, empregados como
desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento. 5

O uso dessas substâncias como armas químicas para combater as pragas e


outras epidemias naturais que assolavam as plantações teve início em meados de
19206. Dez anos depois, no final da década de 30, o descobridor do DDT (Dicloro-
Difenil-Tricloroetano), o químico suíço Paul Müller, recebeu o Premio Nobel por sua
revolucionária descoberta.7 Simultaneamente, na Alemanha, o químico Gerhard
Schrader desvendava as propriedades dos compostos orgânicos de fósforo, as quais
foram em sua grande maioria mantidas em segredo, sendo a outra parte utilizada na
produção dos mortais gases de nervos e inseticidas. 8 Porém, nos anos 40, em meio a
Segunda Guerra Mundial, o uso da substância clorada se expandiu amplamente e
destacou-se das demais. Durante a Guerra, na Itália, “o DDT em pó foi pulverizado na

3
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2012. p. 253.
4
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 253.
5
BRASIL. Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7802.htm>. Acesso em: 21 fev 2017.
6
TROIAN, Alessandra. et al. O uso de agrotóxicos na produção de fumo: algumas percepções de
agricultores da comunidade Cândido Brum, no município de Arvorezinha (RS). 43º Congresso da
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Porto Alegre, 2009. Disponível em:
<http://www.sober.org.br/palestra/13/844.pdf> . Acesso em 20 fev 2017.
7
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. 2. ed. São Paulo: Pórtico, 1969. p. 30.
8
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. p. 38.
pele da população para prevenir epidemias de tifo transmitidas por piolhos, que
causavam alta mortalidade.”9
O DDT é um composto da família dos organoclorados “à base de carbono com
radicais de cloro e altamente resistentes aos mecanismos de decomposição dos
sistemas biológicos.”10 Seu caráter lipofílico, de alta afinidade e solubilidade em
gorduras, lhe confere expressiva absorção pelos organismos biológicos.
Porém, esse organoclorado é apenas um dos representantes do enorme arsenal
de produtos que foram oferecidos aos agricultores.
O uso maciço de fertilizantes e pesticidas químicos mudou toda a estrutura
básica da agricultura e da lavoura. A indústria persuadiu os agricultores de que
podiam lucrar muito desenvolvendo uma única cultura altamente lucrativa em
campos imensos e controlando parasitas e pragas com produtos químicos. Os
resultados dessa prática de monoculturas de uma única safra foram grandes
perdas de variedade genética nos campos e, por conseguinte, altos riscos de
grandes áreas de terras cultivadas serem destruídas por uma única praga. 11

Essa transformação no modo de cultivar os alimentos trouxe crescimento inédito


à produção agrícola e esta nova fase de produtividade e lucros seria saudada como
Revolução Verde.12 A justificativa da utilização de métodos mais eficazes no cultivo
agrícola residia na preocupação com o provimento da subsistência a toda população
mundial. Contudo, para Frances Moore Lappé e Joseph Collins tal alegação de
escassez de alimentos é um mito e “as agrocompanhias não resolvem o problema da
fome; pelo contrário, elas o perpetuam e até o agravam.” 13 Consoante, Capra afirma
que “o problema da fome no mundo não é, em absoluto, um problema técnico; é social
e político”14 e que “a desigualdade é o principal obstáculo a todas as tentativas atuais
de combate à fome no mundo.”15
Aliada a esse argumento altruísta do uso dos agrotóxicos estava “uma gigante
operação publicitária patrocinada pelas empresas multinacionais, conjugada a uma
agressiva estratégia de vendas e à participação direta do Estado” 16 que marcou os

9
FLORES, Araceli Verônica. et al. Organoclorados: um problema de saúde pública. Ambiente &
Sociedade – Vol. VII nº. 2 jul./dez. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/asoc/v7n2/24690.pdf>.
Acesso em: 20 fev 2017.
10
SAVOY, Vera Lúcia Tedeschi. Palestra: Classificação dos agrotóxicos. Biológico, São Paulo, v.73, n.1,
p.91-92, jan./jun., 2011. Disponível em:
<http://www.biologico.sp.gov.br/docs/bio/v73_1/savoy_palestra.pdf>. Acesso em: 20 fev 2017.
11
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 247.
12
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 246.
13
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 251.
14
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 251.
15
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 251
16
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. p 26.
anos sessenta e setenta e foram responsáveis pelo aumento exponencial do consumo
dessas substâncias.
A propaganda enaltecia valores ideológicos, segundo os quais somente
possuía valor social aquela propriedade que tivesse condições de absorver as
mais modernas técnicas – máquinas, implementos, novas variedades e,
evidentemente, agrotóxicos. Explorando fartamente valores como eficiência,
segurança, garantia, certeza, a publicidade dos venenos contribuiu
favoravelmente para modificar antigos hábitos no meio rural, tidos como
‘atrasados’ pela nova agricultura química-industrial.17

No Brasil, o ápice da intervenção/contribuição do Estado para esse processo


que Fritjof Capra chamou de "quimioterapia" na agricultura 18, ocorreu em 1975 com o
Plano Nacional de Desenvolvimento. Esse programa foi responsável pela abertura do
comércio de agrotóxicos no país ao obrigar “o agricultor a comprar as referidas
substâncias químicas com recursos do crédito rural, ao instituir a inclusão de uma cota
definida de agrotóxico para cada financiamento requerido.” 19 O plano estava inserido
num contexto político e econômico em que o objetivo era a expansão industrial, a visão
progressista tentando acelerar o desenvolvimento de todas as maneiras possíveis e a
qualquer custo. O Estado chegou a beneficiar “as multinacionais de agrotóxicos ao
dispensar de qualquer controle o comércio e o uso desses produtos. Na prática, exigia-
se apenas o registro no Ministério da Agricultura, operação resumida a mero ritual
burocrático.”20

A edição de portarias intensificou-se na década de 1970, coincidindo com o


aumento do consumo de agrotóxicos no pais. Tais portarias, ao tratarem de
matérias que exigiam apreciação legislativa, não produziam qualquer efeito e,
por conseguinte, tornavam-se ineficazes como instrumentos de controle dos
agrotóxicos.21

Entretanto, as inúmeras implicações da comercialização e do uso indiscriminado


de agrotóxicos juntamente com as diversas comprovações dos impactos ambientais
causados pelo ser humano de outras formas foram o estopim para a passagem do
antropocentrismo, o modelo no qual o homem se encontra no centro do universo, como
figura principal e autônoma, necessariamente independente do meio ambiente 22, para o
17
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 26.
18
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 249.
19
PIRES et al. apud TROIAN, Alessandra. et al. O uso de agrotóxicos na produção de fumo: algumas
percepções de agricultores da comunidade Cândido Brum, no município de Arvorezinha (RS). 43º
Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Porto Alegre, 2009.
Disponível em: <http://www.sober.org.br/palestra/13/844.pdf> . Acesso em 20 fev 2017.
20
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 27.
21
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 52.
22
MALGARIM, Emmanuelle de Araujo. Sustentabilidade, perspectivas e desafios para a inserção do
sujeito com consciência ecológica. XXIV Congresso nacional do CONPEDI - UFMG/FUMEC /DOM
HELDER CÂMARA. Direito Ambiental e socioambientalismo II. Belo Horizonte, 2015. p. 284. Disponível
biocentrismo. “A descoberta da vulnerabilidade crítica dos sistemas ecológicos à
intervenção humana veio modificar a compreensão ética acerca de nós mesmos, como
fator causal no mundo, fazendo surgir a natureza como novo objeto do agir humano”. 23
Assim, como colocado por Capra:
A evolução de uma sociedade, inclusive a evolução do seu sistema econômico,
está intimamente ligada a mudanças no sistema de valores que serve de base
a todas as suas manifestações. Os valores que inspiram a vida de uma
sociedade determinarão sua visão de mundo, assim como as instituições
religiosas, os empreendimentos científicos e a tecnologia, além das ações
políticas e econômicas que a caracterizam. Uma vez expresso e codificado o
conjunto de valores e metas, ele constituirá a estrutura das percepções,
intuições e opções da sociedade para que haja inovação e adaptação social. À
medida que o sistema de valores culturais muda — frequentemente em
resposta a desafios ambientais —, surgem novos padrões de evolução
cultural.24

Tomada consciência dos riscos das atividades antrópicas no meio ambiente e de


seu efeito reflexo na espécie humana, o sistema de valores da sociedade da década de
80 foi paulatinamente alterado. A Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 que dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente demonstrou que os fatos antiecológicos foram
reavaliados e o meio ambiente elevado ao patamar ocupado pela economia nacional.
Essa lei também foi o marco brasileiro de uma nova etapa, depois de duas fases
antropocêntricas de tutelas ambientais econômicas e sanitárias, surgia o biocentrismo,
visão que:
[...] tem a pretensão de obstaculizar a usurpação dos recursos naturais,
propondo a formação de juízos de reconhecimento e proteção de uma posição
de autonomia do patrimônio natural, concebe valor intrínseco à natureza,
impondo um comportamento de prudência ao homem.25

A disposição sobre o meio ambiente por intermédio desse dispositivo legal


também foi imprescindível para a efetivação do próprio direito dos brasileiros ao meio
ambiente equilibrado. O artigo 225 da Constituição Federal dispõe que “todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

em: <http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/j0duvo2k/t12qkiQeNpmBhm13.pdf>. Acesso em: 20


fev 2017.
23
SENDIM apud MALGARIM, Emmanuelle de Araujo. Sustentabilidade, perspectivas e desafios para
a inserção do sujeito com consciência ecológica. XXIV Congresso nacional do CONPEDI -
UFMG/FUMEC /DOM HELDER CÂMARA. Direito Ambiental e socioambientalismo II. Belo Horizonte,
2015. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/j0duvo2k/t12qkiQeNpmBhm13.pdf>. Acesso em: 20 fev
2017.
24
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 185.
25
MALGARIM, Emmanuelle de Araujo. Sustentabilidade, perspectivas e desafios para a inserção do
sujeito com consciência ecológica. XXIV Congresso nacional do CONPEDI - UFMG/FUMEC /DOM
HELDER CÂMARA. Direito Ambiental e socioambientalismo II. Belo Horizonte, 2015. P. 291. Disponível
em: <http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/j0duvo2k/t12qkiQeNpmBhm13.pdf>. Acesso em: 20
fev 2017.
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” 26
Esse artigo ainda vem de encontro ao momento de inovação no campo dos
direitos fundamentais. Herança dos ideais da Revolução Francesa, a terceira dimensão
ou geração desses direitos, a dimensão da fraternidade, começa a manifestar-se no
final do século XX. São os chamados direitos difusos e coletivos, dentre eles o direito
ao progresso, desenvolvimento, paz, comunicação e ao próprio meio ambiente. São
todos patrimônios comuns da humanidade, destinados à espécie humana.
Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando
assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos
interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana,
atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do
equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio
público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo.27

A definição de meio ambiente como “um patrimônio público a ser


necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo” 28 de Paulo de
Bessa Antunes é análoga a esta visão solidária da terceira dimensão. Porém, somente
com a Lei nº 6.938 que se positivou o conceito jurídico de meio ambiente o qual,
conforme o artigo 3º, I, é um “conjunto de condições, leis, influências e integrações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas.”29
Édis Milaré ressalta “o recurso ao Direito como elemento essencial para coibir,
com regras coercitivas, penalidades e imposições oficiais, a desordem e a prepotência
dos poderosos.”30 Deste modo, para assegurar a efetividade do direito de todos a um
meio ambiente ecologicamente equilibrado, o parágrafo primeiro, inciso V, do artigo
225 preceitua que “incumbe ao Poder Público: controlar a produção, a comercialização
e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a

26
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 16 fev 2017.
27
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm>. Acesso em: 21 fev 2017.
28
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.229.
29
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm>. Acesso em: 21 fev 2017.
30
MILARÉ, Édis. Reação jurídica à danosidade ambiental: contribuição para o delineamento de um
microssistema de responsabilidade. PUC-SP. São Paulo, 2016. p. 79. Disponível em:<
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/18874/2/%C3%89dis%20Milar%C3%A9.pdf>. Acesso em: 22
fev 2017.
qualidade de vida e o meio ambiente.”31 Vê-se então que a produção, comercialização
e o uso dos defensivos agrícolas, termo cunhado de eufemismo em uma tentativa de
ocultar sua real toxidade para o meio agrícola e possibilitar sua utilização sem
questionamentos, deve ser controlado pelo Poder Público e é requisito para a saúde
humana e ambiental.
Assim, a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, posteriormente regulamentada
pelo Decreto 4.074, de 4 de janeiro de 2002 , deu um grande passo em direção ao
equilíbrio ecológico ao deter a utilização irrestrita dos organoclorados, como o DDT, no
parágrafo único de seu artigo 20. Na letra da lei especificou-se que “aos titulares do
registro de produtos agrotóxicos que têm como componentes os organoclorados será
exigida imediata reavaliação de seu registro.” 32 Como exposto anteriormente:
Muitos compostos organoclorados, oriundos tanto de fontes agrícolas como
industriais, apresentam, frequentemente, alta resistência à degradação química
e biológica e alta solubilidade em lipídios. A combinação entre a baixa
solubilidade em água e a alta capacidade de adsorção na matéria orgânica leva
ao acúmulo desses compostos ao longo da cadeia alimentar, especialmente
nos tecidos ricos em gorduras dos organismos vivos.33

Essa decisão suscitou a representação da indústria química que invocou ser


inconstitucional a proibição do uso desses agrotóxicos, as empresas alegaram que as
“medidas foram gratuitas e inspiradas em campanha emocional” 34 A despeito dessas
afirmações, sabe-se que a deliberação partiu do Grupo Estadual de Defensivos
Agrícolas (GEDA), “que reúne autoridades ligadas à saúde, agropecuária, pesquisa
ambiental e à área ambiental do Rio Grande do Sul.” 35
A própria Associação Nacional de Defensivos Agrícolas, ardorosa defensora do
emprego de agrotóxicos na agricultura, editou os Anais do III Curso de
Toxicologia, onde reconhece que as intoxicações por organoclorados provocam
distúrbios neurológicos (parestesias na língua e membros, fotofobia, vertigem,
alterações de equilíbrio, atoxia, convulsões, coma, alterações no
eletroencefalograma). Reconhece ainda efeitos gastrointestinais (gastrite com
ou sem vômitos e diarreias) e respiratórias (irritação laringo-traqueal, tosse,
broncopneumonia e bracodipnéia, respiração lenta).36

Além da preocupação com a saúde das pessoas que poderiam ser


contaminadas por essas substâncias, a preocupação se estendia ao meio ambiente,
31
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 16 fev 2017.
32
BRASIL. Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7802.htm>. Acesso em: 21 fev 2017.
33
FLORES, Araceli Verônica. et al. Organoclorados: um problema de saúde pública. Ambiente &
Sociedade – Vol. VII nº. 2 jul./dez. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/asoc/v7n2/24690.pdf>.
Acesso em: 20 fev 2017.
34
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 52.
35
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 52.
36
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p. 42 e 43.
onde a estabilidade química desses compostos lhes conferia prolongada permanência
no ambiente e seus organismos. 37 Essa providência se deu em função de anos de
estudos e comprovação científica dos inúmeros danos causados pelo DDT e outros
organoclorados. Diante dessas circunstâncias, o manejo indiferenciado dessas
substâncias contrariaria o princípio da prevenção. Esse princípio aplica-se “a impactos
ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um
conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos
futuros mais prováveis”.38
Entretanto, de acordo com Rachel Carson, norte-americana bióloga, ecologista e
autora da obra “Primavera Silenciosa”, os inseticidas modernos, pertencentes ao amplo
grupo dos agrotóxicos, são mortíferos e divididos em apenas duas grandes famílias, a
dos organoclorados e dos organofosforados. 39 O segundo grupo é formado por
compostos orgânicos derivados do ácido fosfórico, tiofosfórico ou ditiofosfórico. 40 Sabe-
se então, que ambos grupos de agrotóxicos são semelhantemente tóxicos, um porém
tem no ordenamento jurídico ampla limitação de seu manejo enquanto o outro, na
grande maioria de suas espécies, ainda é comercializado e utilizado de forma
indiscriminada.

2- O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Segundo Capra, “o envenenamento químico passa a fazer parte, cada vez mais,
de nossa vida”41. Para o físico norte-americano, os riscos à saúde humana representam
“meros efeitos diretos e óbvios da tecnologia humana sobre o meio ambiente natural” 42.
Consoante esta afirmação está o princípio da precaução, que busca evitar danos
futuros diante da incerteza dos riscos das atividades do presente.
Efeitos menos óbvios mas possivelmente muitíssimos perigosos só
recentemente foram reconhecidos, e ainda não foram compreendidos em toda
a sua extensão. Contudo, tornou-se claro que nossa tecnologia está
perturbando seriamente e pode até estar destruindo os sistemas ecológicos de
que depende a nossa existência.43

37
FLORES, Araceli Verônica. et al. Organoclorados: um problema de saúde pública. Ambiente &
Sociedade – Vol. VII nº. 2 jul./dez. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/asoc/v7n2/24690.pdf>.
Acesso em: 20 fev 2017.
38
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p. 35.
39
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. p. 28.
40
SAVOY, Vera Lúcia Tedeschi. Palestra: Classificação dos agrotóxicos. Biológico, São Paulo, v.73, n.1,
p.91-92, jan./jun., 2011. Disponível em:
<http://www.biologico.sp.gov.br/docs/bio/v73_1/savoy_palestra.pdf>. Acesso em: 20 fev 2017.
41
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 23.
42
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 23.
43
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 23.
Antes, no entanto, de discorrer sobre a precaução, é preciso entendimento do
conceito de dano ambiental, definição intimamente ligada à aplicabilidade desse
princípio, e do conhecimento, na visão de grandes cientistas, da sociedade atual.
A definição de dano ambiental não se encontra positivada na lei brasileira,
contudo, Édis Milaré traz uma noção de um dano provável ou futuro encontrado nas
obras de Ulrich Beck. Assim, dano ambiental é visto como um:
[...] Evento possível mas imperceptível ao senso comum -, o qual, diante de
sua incerteza, indeterminação, invisibilidade, além de sua probabilidade e
magnitude desconhecidas, é marca e preocupação de uma nova fase da
sociedade moderna, hoje conhecida como “sociedade de risco” ou “sociedade
de incertezas”.44

Essa sociedade de risco assemelha-se muito a atual realidade. Ulrich Beck,


cientista político alemão, escreveu em 1999, seu livro “A sociedade de risco”, onde
aponta serem os riscos globais e relacionados à decisões políticas, administrativas e
técnicas. Para ele, a tecnologia é controversa e os cálculos da margem de segurança
estabelecido pelo setor privado não solvem os possíveis danos causados por crises
econômicas, catástrofes naturais e mudanças climáticas.
Vê-se que muito dessa sociedade de incertezas fundamenta-se na
ambição econômica e progressista. “Olhando-se o mundo das Bolsas, aquilata-se o
quanto a ‘cultura do risco’ contamina os setores financeiros e os governos, jogando, na
maior parte das vezes, com os bens alheios.” 45 A precaução exige estudos e trabalho, o
que implica investimento de capital. Diante da lógica econômica atual, a dúvida que
implicasse a interdição de uma atividade, na grande maioria das vezes produtiva, seria
um desperdício monetário. Assim, o próprio Tratado de Direito Europeu do Meio
Ambiente alegou que “as opiniões dos cientistas e dos economistas são
frequentemente divergentes na matéria, especialmente quando se trata de avaliar os
danos evitados e aqueles que ficam sob a responsabilidade das gerações futuras.” 46
É, pois, com o objetivo de evitar danos ambientais e, dessa maneira, garantir o
direito das futuras gerações humanas à sadia qualidade de vida bem como à
continuidade da natureza do planeta 47, que o princípio da precaução preconiza que em

44
MILARÉ, Édis. Reação jurídica à danosidade ambiental: contribuição para o delineamento de um
microssistema de responsabilidade. PUC-SP. São Paulo, 2016. p. 02. Disponível em:<
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/18874/2/%C3%89dis%20Milar%C3%A9.pdf>. Acesso em: 22
fev 2017.
45
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 67.
46
Traité de Droit Européen de l’Environnement apud MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental
Brasileiro. p. 66.
47
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 56.
caso de dúvida ou de incerteza sobre qualquer dano ambiental deve-se agir de forma
preventiva. O caráter preventivo é semelhante ao princípio da prevenção, mas a grande
inovação da precaução está na dúvida científica que “expressa com argumentos
razoáveis, não dispensa a prevenção.”48
As medidas de prevenção não devem ser postergadas. [...] Postergar é esperar
acontecer. A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar
no futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo
ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões
humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. 49

O provável dano futuro, “muitas vezes, não pode ser provado de plano, vindo a
materializar-se, somente, com o decorrer do tempo”. 50 Assim, postergar as medidas
preventivas seria deixar a encargo das futuras gerações cuidar e arcar com as
consequências dessa negligência. O que contraria outro princípio ambiental, o princípio
da equidade intergeracional que assegura dever o acesso aos recursos naturais, aos
bens que integram o ambiente planetário, satisfazer as necessidades comuns de todos
os habitantes da Terra, inclusive as futuras gerações. 51 Por essas razões e com a
finalidade maior de preservar o meio ambiente:
O princípio da precaução entra no domínio do direito público que se chama
‘poder de polícia’ da administração. O Estado, que, tradicionalmente, se
encarrega da salubridade, da tranquilidade, da segurança, pode e deve para
este fim tomar medidas que contradigam, reduzam, limitem, suspendam
algumas das liberdades do homem e do cidadão. [...] O Estado pode suspender
uma grande liberdade, ainda mesmo que ele não possa apoiar sua decisão em
uma certeza científica.52

Esse poder de polícia estatal pode ser constatado em um caso concreto após
aproximadamente sete anos de longas discussões e distintos pareceres de acordo com
as aspirações de cada interessado. Trata-se da reavaliação de agrotóxicos prevista no
Decreto nº 4.074, de 2002, que efetivou-se com a publicação da Instrução Normativa
Conjunta n° 2, de 2006. 53 O início das discussões datam do ano de 2006 quando
falava-se sobre a alteração da Ingestão Diária Aceitável (IDA), porém, no ano seguinte,

48
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 65.
49
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 67.
50
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.205.
51
SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes; MAFRA, Juliete Ruana. A sustentabilidade e seus reflexos
dimensionais na avaliação ambiental estratégica: o ciclo do equilíbrio do bem-estar. p. 5. Disponível
em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=ec82bd533b0033cb>. Acesso em: 21 fev 2017.
52
François Ewald apud MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 68.
53
ANVISA. Reavaliação de agrotóxicos. 20 de junho de 2016. Disponível
em:<http://portal.anvisa.gov.br/informacoes-tecnicas13/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/
reavaliacao-de-agrotoxicos/219201/pop_up?
_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_viewMode=print&_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_languageId=en_
US>. Acesso em 30 mai 2017.
uma liminar suspendeu essa revisão. 54 Em 22 de fevereiro de 2008 foi publicada a RDC
(Resolução da Diretoria Colegiada) de número 10 pela Anvisa 55, Agência Nacional de
Vigilância Sanitária. Tal resolução formalizou o processo de reavaliação toxicológica 14
substâncias ativas utilizadas na composição de agrotóxicos, sendo que deste grupo,
cinco compostos pertenciam à família dos organofosforados: Acefato, Fosmete,
Parationa Metílica, Metamidofós, Triclorfom e Forato. Novamente, uma liminar foi
obtida para suspender o processo. Ainda no mesmo ano, a RDC nº 48 dispôs sobre os
procedimentos a ser adotados na reavaliação toxicológica e suspendeu a liminar
anterior.
Essas seis substâncias foram reavaliadas e reguladas por suas respectivas
resoluções. O Triclorfom foi o primeiro a ser banido pela resolução nº 37/2010, o
Fosmete submetido a restrições e reavaliações 56. A RDC nº01 de janeiro de 2011
baniu o Metamidofós, dois anos depois a Resolução nº 45 foi publicada estatuindo o
“regulamento técnico para o ingrediente ativo Acefato em decorrência de sua
reavaliação toxicológica.”57, o uso do Forato foi banido em março de 2015 pela RDC nº
12 e a comercialização de agrotóxicos a base de Parationa Metílica foi proibida apenas
a partir de 1º de setembro de 2016. 58
Ao analisar separadamente o caso dos agrotóxicos de Acefato, verifica-se que
foi alegada como motivação para a reavaliação suspeita de carcinogenicidade e

54
ANVISA. Reavaliação Toxicológica do Ingrediente Ativo Acefato. Gerência Geral de Toxicologia –
GGTOX. 29 de janeiro de 2013. Disponível
em:<http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117758/Apres_Acefato_DICOL_2013%2B210113.pdf/
d7afb571-a75c-4017-a3ea-610047ff7abb>. Acesso em: 25 mai 2017.
55
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Resolução RDC nº 10, de 22 de fevereiro de 2008.
Diário Oficial da União. ISSN 1677-7042. Nº 37, segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008. p. 60.
Disponível em:<https://www.mprs.mp.br/areas/gapp/arquivos/rdc_anvisa_10_2008.pdf>. Acesso em: 30
mai 2017.
56
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Reavaliação Toxicológica Paraquate. CPNBR –
GGTOX. Superintendência de Toxicologia - SUTOX. Brasília, 04 de novembro de 2015. p. 5.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/
capadr/audiencias-publicas/audiencias-publicas-2015/audiencia-publica-04-de-novembro-de-2015-
anvisa>. Acesso em 30 mai 2017.
57
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Resolução RDC nº 45, de 2 de outubro de 2013.
Regulamento técnico para o ingrediente ativo acefato em decorrência de sua reavaliação toxicológica.
Diário Oficial da União. ISSN 1677-7042. Nº 193, sexta-feira, 4 de outubro de 2013. p. 115. Disponível
em:<http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117758/RDC%2B452013.pdf/123c9216-c11f-4b95-
9fcb-9d949acf6788>. Acesso em: 30 mai 2017.
58
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Proibido uso de agrotóxicos com Parationa
Metílica. 02 de setembro de 2016. Disponível
em:<http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/proibido-uso-de-
agrotoxicos-com-parationa-metilica/219201?inheritRedirect=false>. Acesso em: 30 mai 2017.
toxicidade reprodutiva para seres humanos com base em estudos epidemiológicos e
em animais que reportaram efeitos neurotóxicos.59
A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Environmental
Protection Agency – EPA) classificou o acefato como Possível Carcinógeno
Humano, ou classe C. A agência americana EPA inclui nessa classe as
substâncias para as quais há evidências de carcinogenicidade obtidas em
estudos experimentais, mas que não foram adequadamente avaliadas em
estudos com seres humanos. [...] Não existem, até o momento, estudos
epidemiológicos que tenham investigado a associação entre exposição ao
acefato e a ocorrência de câncer em seres humanos. 60

A partir do exposto, vê-se que foram declarados incertos os efeitos e danos de


tal substância. No entanto, segundo o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman
Benjamin, célebre por suas decisões pró-ambientais, “o princípio da precaução
pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu
o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio
ambiente não lhe é potencialmente lesiva.” 61 Assim, as manifestações contrárias ás
restrições e limitações do uso de agrotóxicos a base de Acefato fundamentaram-se em
um parecer técnico que afirmou que os produtos apresentam pureza superior a 98% e
portanto não apresentam potencial genotóxico. A respeito da carcinogenicidade
alegaram ser as evidências limitadas e não confirmadas em duas espécies animais.
Questionou-se ainda o estudo sobre os índices diários de ingestão (IDA) o qual
derivariam de um delineamento incorreto, com espaçamento inadequado de doses. 62
Em resposta, a Fundação Oswaldo Cruz revisou os danos e concluiu que a
carcinogenicidade fora confirmada em uma de duas espécies analisadas, o que já
constitui condição de proibição do Acefato, além de que foram obtidos resultados
negativos quando a porcentagem de pureza do produto era igual ou superior a 98. 63
59
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Reavaliação Toxicológica do Ingrediente Ativo
Acefato. Gerência Geral de Toxicologia – GGTOX. 29 de janeiro de 2013. Disponível
em:<http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117758/Apres_Acefato_DICOL_2013%2B210113.pdf/
d7afb571-a75c-4017-a3ea-610047ff7abb>. Acesso em: 30 mai 2017.
60
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Nota técnica. Reavaliação toxicológica do
ingrediente ativo acefato. Gerência Geral de Toxicologia e Gerência de Análise Toxicológica. p. 29.
Disponível em:<http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117758/Nota%2Bt%25C3%25A9cnica
%2Bdo%2Bacefato.pdf/dea442bb-8270-4fc7-9234-01334f26c00e>. Acesso em: 30 mai 2017.
61
BRASIL. Jurisprudência em teses. Superior Tribunal de Justiça. Brasília, 18 de Março de 2015 - Nº
30. p. 2. Disponível em:<http://www.stj.jus.br/internet_docs/jurisprudencia/jurisprudenciaemteses/
jurisprud%C3%AAncia%20em%20teses%2030%20-%20direito%20ambiental.pdf>. Acesso em: 30 mai
2017.
62
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Reavaliação Toxicológica do Ingrediente Ativo
Acefato. Gerência Geral de Toxicologia – GGTOX. 29 de janeiro de 2013. Disponível
em:<http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117758/Apres_Acefato_DICOL_2013%2B210113.pdf/
d7afb571-a75c-4017-a3ea-610047ff7abb>. Acesso em: 30 mai 2017.
63
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Reavaliação Toxicológica do Ingrediente Ativo
Acefato. Gerência Geral de Toxicologia – GGTOX. 29 de janeiro de 2013. Disponível
em:<http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117758/Apres_Acefato_DICOL_2013%2B210113.pdf/
Vê-se que o argumento maior da contenção do uso do Acefato consiste na saúde
humana, porém, posto que meio ambiente é também um conjunto de condições e
integrações de ordem química e biológica que permite e rege a vida em todas as suas
formas64, a saúde do homem encontra-se incluída nesta definição.
Apesar de relativas comprovações e do propósito da reavaliação dos
agrotóxicos, o uso do Acefato não foi completamente banido no Brasil. Diferentemente
da União Europeia, que mesmo sem comprovações e certezas científicas, desde março
de 2003 deixou de incluir essa substância no Anexo I da Diretiva 91/414/CEE relativa à
colocação dos produtos fitofarmacêuticos, outro eufemismo para agrotóxicos, no
mercado.65 No entanto, foi exposto em decisão que faz jurisprudência no STJ do
Ministro Relator Humberto Martins, tendo o Ministro Herman Benjamin votado em
concordância, que “as normas ambientais devem atender aos fins sociais a que  se
destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração de acordo com o princípio
hermenêutico in dubio pro natura.” 66Assim, a legislação brasileira adotou certas
limitações ao uso desse composto:
O Acefato não poderá ser aplicado em estufas, de forma manual e costal, nem
ser utilizado em produtos de uso domissanitário ou em jardinagem. A nova
monografia da substância também proíbe a aplicação nas culturas de cravo,
crisântemo, fumo, pimentão, rosa e tomate de mesa.
Nas culturas de brócolis, couve, couve-flor e repolho o produto poderá ser
utilizado somente até que sejam registrados agrotóxicos substitutos ao Acefato.
A norma determina ainda que a Anvisa dê prioridade no registro de substitutos
para estas culturas. Em outras oito culturas o produto continuará a ser utilizado
(Amendoim; Algodão; Batata; Citros; Feijão; Melão; Soja; Tomate para fins
industriais.).67

Essa disposição restritiva somente pôde ser consumada graças a manifestação


favorável da sociedade. Ao avaliar a toxidade dos agrotóxicos a Anvisa revisa os
d7afb571-a75c-4017-a3ea-610047ff7abb>. Acesso em: 30 mai 2017.
64
BRASIL. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. In: Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 set. 1981. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm>. Acesso em: 21 fev. 2017.
65
BRASIL. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. In: Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 set. 1981. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm>. Acesso em: 21 fev. 2017.
66
BRASIL. Embargos de declaração no recurso especial Nº 1.367.923 - RJ (2011⁄0086453-6). 2ª Turma.
Processual civil. Administrativo. Ambiental. Omissão inexsitente. Devido enfrentamento das questões
aduzidas.Conclusão contrária ao interesse das partes. Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro
Humberto Martins. Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2013. Disponível
em:<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24599286/embargos-de-declaracao-no-recurso-especial-
edcl-no-resp-1367923-rj-2011-0086453-6-stj/inteiro-teor-24599287>. Acesso em: 30 mai 2017.
67
ANVISA (Agência Nacional d Vigilância Sanitária). Agrotóxico acefato terá regras mais restritas. 03
de janeiro de 2013. Disponível em:<http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/
content/agrotoxico-acefato-tera-regras-mais-restritas/219201/pop_up?inheritRedirect=false>. Acesso em:
30 mai 2017.
pareceres técnicos e após classificar os resultados de acordo com a lei brasileira
submete os resultados à consulta pública para a sociedade se manifestar. 68 Esse
procedimento vem de encontro ao dever jurídico de toda a coletividade de proteger o
meio ambiente. 69
No caso do Acefato, das 1471 assinaturas, 1441 foram favoráveis à
proposta de decisão da Anvisa.70
Contudo, a participação social em questões concernentes ao meio ambiente
somente ocorre quando a população civil está munida de informação. O artigo 5º, XXIII
da Constiuição Federal preceitua que:
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da
lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
indispensável à segurança da sociedade e do estado.71

Além disso, “o direito de acesso às informações públicas decorre do princípio


da publicidade ou da transparência administrativa” 72 e faz-se imprescindível para uma
real proteção ambiental e da própria democracia participativa. Daí extrai-se o princípio
democrático, “que assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na elaboração
das políticas públicas ambientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre
matéria referente à defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de
recursos ambientais.”73 Todavia,

[...] junto com a informação, a educação relativa a questões do meio ambiente


é um pressuposto para a participação popular para que a defesa do meio
ambiente seja efetivada. Ambas estão interligadas já que a educação se faz
por meio da conscientização e, portanto, da informação, bem como porque,
sem educação, não se despertará a vontade de buscar mais informações.
Nesse sentido, a própria Lei 9.795/99 (que instituiu a Política Nacional de
Educação Ambiental) estabelece como um dos objetivos fundamentais da

68
ANVISA. Reavaliação de agrotóxicos. 20 de junho de 2016. Disponível
em:<http://portal.anvisa.gov.br/informacoes-tecnicas13/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/
reavaliacao-de-agrotoxicos/219201/pop_up?
_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_viewMode=print&_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_languageId=en_
US>. Acesso em 30 mai 2017.
69
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.205.
70
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Reavaliação Toxicológica do Ingrediente Ativo
Acefato. Gerência Geral de Toxicologia – GGTOX. 29 de janeiro de 2013. Disponível
em:<http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117758/Apres_Acefato_DICOL_2013%2B210113.pdf/
d7afb571-a75c-4017-a3ea-610047ff7abb>. Acesso em: 30 mai 2017.
71
BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 16 fev. 2017.
72
DEL'OLMO, Elisa Cerioli. Informação Ambiental como direito e dever fundamental. Faculdade de
Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 27 de novembro de 2007. p. 17.
Disponível em:<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_2/
Elisa_Cerioli.pdf>. Acesso em 30 mai 2017.
73
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p. 28.
educação ambiental, a garantia de democratização das informações
ambientais.74

O direito à informação, em especial à informação ambiental, na visão de


doutrinadores como Paulo Bonavides, já compõe uma quarta dimensão de direitos
fundamentais, influenciada pelo neoliberalismo e a globalização. São direitos que
concretizam uma sociedade “aberta ao futuro, em sua dimensão de máxima
universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações
de convivência”75 Essa perspectiva de vanguarda associa-se à preocupação com as
futuras gerações e à tomada de consciência de que os impactos e danos ambientais
não respeitam fronteiras geográficas estabelecidas pelo homem.
O direito à informação, que também é um dos princípios fundamentais do
Direito Ambiental, concretiza o princípio democrático, é pressuposto para a educação
ambiental e para a participação da sociedade em defesa do meio ambiente. Direta ou
indiretamente o acesso à informação associa-se ao princípio da precaução, pois a
tutela do meio ambiente também está nas mãos dos cidadãos e, como visto no caso da
reavaliação dos agrotóxicos, nenhuma decisão pode ser positivada sem a anuência da
coletividade. Constata-se então que os direitos, deveres e princípios estão todos
interligados e são indiscutivelmente dependentes, semelhante é a natureza, o ser
humano, o meio ambiente.

3- OS IMPACTOS NA TRÍPLICE ESTRUTURA DA SUSTENTABILIDADE


A interdependência e associação que se observa em relação aos princípios
ambientais e no próprio ordenamento jurídico constata-se igualmente no ambiente
natural e em sua relação com a espécie humana. No entanto, a ciência e a tecnologia
atual há muito tempo são influenciadas pela “crença seiscentista de que uma
compreensão da natureza implica sua dominação pelo homem” 76.
O século XVII é marcado por descobertas científicas e pensamentos filosóficos
que revolucionaram as certezas da época. A física newtoniana, com seu método

74
DEL'OLMO, Elisa Cerioli. Informação Ambiental como direito e dever fundamental. Faculdade de
Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 27 de novembro de 2007. p. 42.
Disponível em:<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_2/
Elisa_Cerioli.pdf>. Acesso em 30 mai 2017.
75
BONAVIDES apud DEL'OLMO, Elisa Cerioli. Informação Ambiental como direito e dever fundamental.
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 27 de novembro de
2007. p. 12. Disponível em:<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/
trabalhos2007_2/Elisa_Cerioli.pdf>. Acesso em 30 mai 2017.
76
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 42.
mecanicista, comparou o meio ambiente a uma máquina. 77 O reducionismo da filosofia
de Francis Bacon alegou que os fenômenos complexos poderiam “sempre ser
entendidos desde que se os reduzisse a seus componentes básicos e se investigasse
os mecanismos através dos quais esses componentes interagem” 78. E a concepção
cartesiana instituiu a dúvida, porém a partir de uma ótica cética, a qual requeria que
somente poderia ser considerado existente o que pudesse ser provado, dessa forma,
duvidar-se-ia do que poderia ser duvidado. 79 Essas revoluções dos pensamentos
“serviram como fundamento lógico para o tratamento do meio ambiente natural, como
se ele fosse formado de peças separadas a serem exploradas por diferentes grupos de
interesses.”80
A drástica mudança na imagem da natureza, de organismo para máquina, teve
um poderoso efeito sobre a atitude das pessoas em relação ao meio ambiente
natural. A visão de mundo orgânica da Idade Média implicava um sistema de
valores que conduzia ao comportamento ecológico. Nas palavras de Carolyn
Merchant: "A imagem da terra como organismo vivo e mãe nutriente serviu
como restrição cultural, limitando as ações dos seres humanos. Não se mata
facilmente uma mãe, perfurando suas entranhas em busca de ouro ou
mutilando seu corpo. [...] Enquanto a terra fosse considerada viva e sensível,
seria uma violação do comportamento ético humano levar a efeito atos
destrutivos contra ela".81

A imagem da terra como organismo, entretanto, vem lentamente incorporando-


se ao sistema de valores da atualidade. A física, após deixar seu legado mecanicista
ao meio ambiente, moderniza-se e ressurge caracterizada por palavras como orgânica,
holística, ecológica e sistêmica. “O universo deixa de ser visto como uma máquina,
composta de uma infinidade de objetos, para ser descrito como um todo dinâmico,
indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas e só podem ser
entendidas como modelos de um processo cósmico.” 82

Sabe-se que, como colocado por Leonardo Boff em seu texto “O século dos
direito da Mãe Terra” - nome sugestivo para designar o período de inovações e
avanços durante este século XXI - “não estamos mais dentro do antropocentrismo que
desconhecia o valor intrínseco de cada ser, independentemente, do uso que fizermos
dele. Cresce mais e mais a clara consciência de que tudo o que existe merece existir e

77
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 42.
78
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 46.
79
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 46.
80
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 39.
81
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 58.
82
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 75.
tudo o que vive merece viver” 83.
vê-se, então que os ideias sistêmicos estão sendo introduzidos na sociedade para
serem analisados e avaliados, o que permite falar-se em sustentabilidade. Pois esta, de
acordo com Klaus Bosselmann, “não pode ser definida sem uma maior reflexão sobre
valores e princípios”84.
Na sua forma mais elementar, a sustentabilidade reflete a pura necessidade. O
ar que respiramos, a água que bebemos, os solos que fornecem o nosso
alimento são essenciais para nossa sobrevivência. A regra básica da existência
humana é manter a sustentabilidade das condições de vida de que depende. 85

Esta caracterização de sustentabilidade trazida por Bosselmann em sua obra “O


princípio da sustentabilidade” mostra sua importância e qualidade elementar para a
existência da vida humana. Contudo, uma definição mais ampla e sistemática é
apresentada por Maria Cláudia da Silva Antunes de Souza:
[...] A Sustentabilidade consiste no pensamento de capacitação global para a
preservação da vida humana equilibrada, consequentemente, da proteção
ambiental, mas não só isso, também da extinção ou diminuição de outras
mazelas sociais que agem contrárias a esperança do retardamento da
sobrevivência do homem na Terra.86

O princípio da sustentabilidade consiste em uma proposta axiológica para os


problemas que assombram a humanidade em escala global. A proposta é ética,
carregada de valores que conduzem a efetiva proteção do meio ambiente, atendendo
assim as necessidades atuais dos homens e garantindo a continuidade da espécie
humana. A materialização, porém, da sustentabilidade se dá por meio do
desenvolvimento sustentável e este “deve ser entendido como aplicação do princípio
da sustentabilidade, e não o contrário.”87
As diferenças entre Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável afloram
com um processo em que a primeira se relaciona com o fim, enquanto o
segundo com o meio. O Desenvolvimento Sustentável como meio para que
seja possível obter equilíbrio entre o progresso, a industrialização, o consumo e
a estabilidade ambiental, como objetivo a Sustentabilidade e o bem estar da
sociedade.88

83
BOFF, Leonardo. O século dos direitos da Mãe Terra. 2009. Disponível
em:<http://leonardoboff.com/site/vista/2009/maio08.htm>. Acesso em: 21 fev 2017.
84
BOSSELMANN, Klaus. O Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 25.
85
BOSSELMANN, Klaus. O Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. p. 25.
86
SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes; MAFRA, Juliete Ruana. A sustentabilidade e seus reflexos
dimensionais na avaliação ambiental estratégica: o ciclo do equilíbrio do bem-estar. p. 5. Disponível
em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=ec82bd533b0033cb>. Acesso em: 21 fev 2017.
87
BOSSELMANN, Klaus. O Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. p. 27.
88
SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes; MAFRA, Juliete Ruana. A sustentabilidade e seus reflexos
dimensionais na avaliação ambiental estratégica: o ciclo do equilíbrio do bem-estar. p. 5. Disponível
em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=ec82bd533b0033cb>. Acesso em: 21 fev 2017.
O desenvolvimento sustentável é o instrumento da sustentabilidade e seu
objetivo é “definir um modelo econômico capaz de gerar riquezas e bem estar,
concomitantemente que fomente a coesão social e impeça a degradação do
ambiente.”89 Pode-se resumir este conceito quando se é constatado que o
desenvolvimento para a sustentabilidade pressupõe equilíbrio entre as dimensões
ambientais, econômicas e sociais90, os componentes da tríplice estrutura da
Sustentabilidade.
Não obstante, Bosselmann escreve que a governança para a sustentabilidade
tem suas origens nos valores e na percepção holística e, a despeito do início da
mudança de paradigmas e da passagem do cartesianismo para a concepção
sistemática, ele escreve que, ainda, a ênfase atual é sobre a governança econômica,
sendo esta posição “produto de valores que colocam o ganho pessoal, de curto prazo,
acime a da igualdade social e da segurança humana.” 91 É a disparidade entre os três
tripés sustentáveis que resulta no caos ambiental e social da atualidade. Os interesses
econômicos e a ambição humana se sobressaem sem consciência dos danos e riscos
que causam e projetam no futuro. Não diferente, pois, é a agricultura na maior parte do
mundo e especialmente no Brasil:
Decorrente desse modelo químico dependente de agrotóxicos examinamos a
cadeia produtiva do agronegócio que reveste-se de um processo de
insustentabilidade ambiental, pois no seu espaço se cria um território com
muitas e novas situações de vulnerabilidades ocupacionais, sanitárias,
ambientais e sociais que induzem eventos nocivos que se externalizam em
trabalho degradante e escravo, acidentes de trabalho, intoxicações humanas,
cânceres, malformações, mutilados, sequelados e ainda, contaminação com
agrotóxicos e fertilizantes químicos das águas, ar, chuva e solo em todos os
espaços ou setores da cadeia produtiva do agronegócio. 92

Este modelo degradante repleto de vulnerabilidades exposto pelo dossiê sobre


os impactos dos agrotóxicos na saúde da ABRASCO, a Associação Brasileira de
Saúde Coletividade, tem como um de seus membros colaboradores os agrotóxicos
organofosforados. Viu-se que a proibição de determinados compostos de fósforo foi
recente e que alguns ainda continuam em circulação embora com mais restrições.
89
SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes; MAFRA, Juliete Ruana. A sustentabilidade e seus reflexos
dimensionais na avaliação ambiental estratégica: o ciclo do equilíbrio do bem-estar. p. 4. Disponível
em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=ec82bd533b0033cb>. Acesso em: 21 fev 2017.
90
MILARÉ, Édis. Reação jurídica à danosidade ambiental: contribuição para o delineamento de um
microssistema de responsabilidade. PUC-SP. São Paulo, 2016. p. 36. Disponível em:<
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/18874/2/%C3%89dis%20Milar%C3%A9.pdf>. Acesso em: 22
fev 2017.
91
BOSSELMANN, Klaus. O Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. p. 220.
92
ABRASCO. Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde: parte 2 – agrotóxicos, saúde,
ambiente e sustentabilidade. Dossie ABRASCO. Rio de Janeiro, junho de 2012. p. 31.
Entretanto, sua utilização passada e presente deixou e deixa impactos na sociedade e
no meio ambiente visto que a classe dos organofosforados é a que mais causa
intoxicações devido sua alta toxicidade e a facilidade com que se adquire produtos
registrados para uso agrícola, veterinário ou doméstico contendo estas substâncias. 93

3.1. DIMENSÃO AMBIENTAL


Os principais riscos e danos dos compostos fosforados à sustentabilidade
apresentam-se primeiramente na agricultura, que em sua essência mais óbvia é “um
intrincado processo biológico, ditado pela natureza e não como mero processo físico e
químico, ditado pela vontade humana” 94 e de forma substancial nas pessoas ligadas
direta ou indiretamente a ela. Aldous Huxley em sua obra “A situação humana” chegou
a criticar Platão por sua visão platônica, inclusive dos agricultores:
Platão atribui todos os problemas não ao homem mas a uma mudança no
clima. Pensou que o que acontecera a Ática (a erosão do solo de sua terra
nativa que já acontecia no quinto século antes de Cristo) fora causado por uma
série de inundações. Mas creio que, se ele não estivesse tão interessado em
ideia platônicas, e se preocupasse um pouco mais com o que os agricultores
faziam, provavelmente teria visto que eram precisamente esses divinos
lavradores que deixavam o solo arruinado e empobrecido como os gregos do
seu tempo o encontraram – e Deus sabe que era relativamente fértil,
comparado ao de agora.95

No Brasil predomina a monocultura, um sistema ecológico muito simplificado que


resulta em um meio desequilibrado, infestado de pragas e doenças. Nesse contexto, os
agrotóxicos são apresentados aos agricultores como defensivos agrícolas com a
função de eliminar as pestes. Contudo, a instabilidade ecológica causada pelo cultivo
de apenas uma espécie de planta é agravada pela própria utilização de agrotóxicos
uma vez que os insetos e ervas daninhas que se tenta combater desenvolvem
resistência a tais compostos e tornam-se ainda mais fortes. 96 “Em 1977, foram
consumidos 40.628 toneladas de princípios ativos, sendo que em 1965 esse consumo
era de 17.972 toneladas de princípios ativos. Em 1958, tínhamos 193 pragas na nossa
agricultura; em 1976, 593. Isso representa um incremento de 107%, ou 22 novas
pragas por ano.”97 Num ciclo sem fim, o fortalecimento das pestes leva ao uso de mais
aditivos químicos, em menores intervalos de tempo, em doses mais concentradas e
93
VOMMARO, Alanna. et al. Praguicidas organofosforados e sua toxidade. Universidade Vale do Rio
Doce. Governador Valadares, 2010. Disponível em:<
http://www.pergamum.univale.br/pergamum/tcc/Praguicidasorganofosforadosesuatoxicidade.pdf>.
Acesso em: 21 fev 2017.
94
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 21.
95
HUXLEY, Aldous. A situação humana. 2. ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2016. p.29.
96
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 23.
97
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 23.
formulações cada vez mais toxicas 98, enquanto apenas a produtividade e os lucros são
vislumbrados:
Os agricultores, tal como os médicos, lidam com organismos vivos que são
seriamente afetados pela abordagem mecanicista e reducionista de nossa
ciência e tecnologia. À semelhança do organismo humano, o solo é um sistema
vivo que tem de permanecer em estado de equilíbrio dinâmico para ser
saudável. Quando esse equilíbrio é perturbado, ocorre um crescimento
patológico de certos componentes — bactérias ou células cancerosas no corpo
humano, ervas daninhas ou pragas nos campos. A doença sobrevirá e,
finalmente, o organismo morrerá ou se converterá em matéria inorgânica. 99

Já havia observado Karl Marx que todo progresso na agricultura capitalista,


sistema ideológico e econômico dominante na atualidade, “é o progresso na arte de
explorar tanto o trabalhador como o solo.” 100Consoante, o escritor e político francês,
Visconde de Chateaubriand, constatou que “as florestas precedem as civilizações, e os
desertos as seguem.”101
Essas afirmações podem ser verificadas ao se analisar o tratamento que é dado
à aplicação das substâncias agrotóxicas nas lavouras. Os acidentes que ocorrem
durante o processo, as chamadas ‘derivas’, são muitas vezes fruto da falta de
treinamento, das rápidas mudanças das condições climáticas ou ainda por descuido ou
um ato inseguro do pulverizador. 102 Tais acidentes culpabilizam o clima e o próprio
trabalhador, porém, a EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
acrescenta que:
[...] existe normalmente uma “deriva técnica” que acontece com os atuais
equipamentos de pulverização, que mesmo com calibração, temperatura e
ventos ideais, eles deixam apenas cerca de 32% dos agrotóxicos pulverizados
retidos nas plantas, 19% vai pelo ar para outras áreas circunvizinhas da
aplicação e 49% vai para o solo que após algum tempo, parte dele se evapora,
outra parte lixívia para o lençol freático e outra parte se degrada. 103

Com isso, verifica-se que é de conhecimento científico e das autoridades que


existe a dispersão de certa quantidade de agrotóxico para os diversos sistemas que
compõem o meio ambiente, para o ar, solo e lençóis freáticos. Essa realidade dentro
dos limites estabelecidos pelo homem de aceitação contribuem para o “fenômeno da

98
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 23.
99
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 245.
100
MARX, Karl apud CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 202.
101
Chateaubriand apud HUXLEY, Aldous. A situação humana. p. 20.eaubriand, apud Huxley
102
ABRASCO. Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde: parte 2 – agrotóxicos, saúde,
ambiente e sustentabilidade. p. 33.
103
ABRASCO. Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde: parte 2 – agrotóxicos, saúde,
ambiente e sustentabilidade. p. 33.
magnificação biológica, cujos mecanismos tendem a concentrar, nos sistemas
biológicos, os produtos tóxicos persistentes encontrados no ambiente.” 104
Fritjof Capra escreveu que “uma das mais sérias ameaças, quase totalmente
ignorada até recentemente, é o envenenamento da água e do ar por resíduos químicos
tóxicos.”105 Sabe-se que o lançamento acidental de pesticidas em lagos, rios e baias às
vezes causam mortalidade massiva de peixes e seus compostos são potentemente
tóxicos para pequenos organismos aquáticos.
O uso dos organofosforados foi expandido nos anos 70, pois se apresentou
como alternativa aos ainda mais nocivos compostos clorados. Após seu uso contínuo,
foi constatada sua grande eficácia no combate as pragas agrícolas e seus efeitos
considerados relativamente menos lesivos ao meio ambiente, porém não o suficiente
para serem negligenciados.106 As substâncias fosfóricas, muito solúveis em gorduras,
pouco em meio aquoso e de baixa volatilidade, degradam-se com maior rapidez na
natureza ao entrar em contato com o ar ou com a luz solar. 107 Seus antecessores, os
organoclorados, caracterizam-se pela “alta resistência à degradação química e
biológica e alta solubilidade em lipídios” 108 o que “leva ao acúmulo desses compostos
ao longo da cadeia alimentar, especialmente nos tecidos ricos em gorduras dos
organismos vivos”109.
Mas, mesmo com essas características que possam tornar os organofosforados
levemente menos danosos ao ambiente natural, a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária, EMBRAPA, realizou um estudo do risco de contaminação de águas
superficiais e subterrâneas em relação às características dos agrotóxicos. A análise
permitiu verificar que dentre os agrotóxicos analisados, alguns dos que possuem maior
mobilidade no ambiente são os organofosforados: Metamidofós, Triclorfom, Acefato e

104
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 46.
105
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 228.
106
INVS (Institut de Veille Sanitaire). Pesticides organophosphorés. 2011. Disponível
em:<http://invs.santepubliquefrance.fr/Dossiers-thematiques/Environnement-et-sante/Biosurveillance/
Index-de-A-a-Z/P/Pesticides-organophosphores>. Acesso em: 22 fev 2017. Tradução livre.
107
INVS (Institut de Veille Sanitaire). Pesticides organophosphorés. 2011. Disponível
em:<http://invs.santepubliquefrance.fr/Dossiers-thematiques/Environnement-et-sante/Biosurveillance/
Index-de-A-a-Z/P/Pesticides-organophosphores>. Acesso em: 22 fev 2017. Tradução livre.
108
FLORES, Araceli Verônica. et al. Organoclorados: um problema de saúde pública. Ambiente &
Sociedade – Vol. VII nº. 2 jul./dez. 2004. p.114. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/asoc/v7n2/24690.pdf>. Acesso em: 20 fev 2017.
109
FLORES, Araceli Verônica. et al. Organoclorados: um problema de saúde pública. Ambiente &
Sociedade – Vol. VII nº. 2 jul./dez. 2004. p.114. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/asoc/v7n2/24690.pdf>. Acesso em: 20 fev 2017.
Dimetoato e Monocrotofós.110 Os dois primeiros banidos do mercado e o terceiro
regulamentado, como visto anteriormente. Os produtos a base de Dimetoato são
classificados como muito perigosos ao meio ambiente, altamente tóxico para
crustáceos, aves, abelhas e outros insetos. 111 Já o Monocrotofós teve seu uso proibido
pela RDC nº 215/2006 e está incluído na lista de substâncias perigosas da Convenção
de Roterdã, a qual o Brasil é signatário desde 1997 e que trata do controle do trânsito
internacional desse composto.112 Consoante, o Instituto de Vigilância Sanitária da
França ao se pronunciar sobre esse grupo químico disse ainda ser possível detectar
pequenas quantidades de seus compostos nos alimentos e na água potável. 113
Consoante, sabe-se que deformações congênitas e anencefalia podem ser provocados
por um fator interno que age no organismo materno, como podem ser provocados por
problemas ambientais. Questiona-se então se esta mobilidade ambiental, ou seja, a
capacidade dos agrotóxicos de penetrar nos sistemas biológicos e neles se
comportarem de forma a alterar as dinâmicas naturais, dos organofosforados, não seria
participante no fenômeno da magnificação biológica, o processo pelo qual a
concentração química em um organismo se torna maior que a concentração no ar ou
na água do ambiente. Como resultado desta bioacumulação pode ocorrer que um
composto químico consiga concentrar-se nos diversos níveis trópicos e tornar-se a
cada vez mais concentrado conforme é transmitido de organismo a organismo na
cadeia alimentar, a chamada biomagnificação. Assim, vê-se que tanto por vias
ambientais como pela transmissão hereditária a contaminação do meio ambiente pelos
agrotóxicos afeta a saúde humana.

3.2. DIMENSÃO SOCIAL

110
ABRASCO. Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde: parte 2 – agrotóxicos, saúde,
ambiente e sustentabilidade. p. 59.
111
ADAPAR (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná). Dimetoato 500 ec nortox.Disponível
em:<http://www.adapar.pr.gov.br/arquivos/File/defis/DFI/Bulas/Inseticidas/
DIMETOATO500ECNORTOX.pdf>. Acesso em: 22 fev 2017.
112
ANVISA (Agência Nacional de Segurança Sanitária). Resolução-RDC nº 215, de 14 de dezembro de
2006. Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?
jornal=1&pagina=127&data=15/12/2006>. Acesso em: 22 fev 2017. ANVISA (Agência Nacional de
Segurança Sanitária). Resolução-RDC nº 215, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em:
<http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=127&data=15/12/2006>.
Acesso em: 22 fev 2017.
113
ANVISA (Agência Nacional de Segurança Sanitária). Resolução-RDC nº 215, de 14 de dezembro de
2006. Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?
jornal=1&pagina=127&data=15/12/2006>. Acesso em: 22 fev 2017.
Para Edis Milaré a saúde da coletividade humana depende da saúde do
Planeta.114 O bem estar e a qualidade de vida do homem podem ser medidos pelo
equilíbrio ambiental que o cerca, consequentemente, “a deterioração do meio ambiente
natural tem sido acompanhada de um correspondente aumento nos problemas de
saúde dos indivíduos”.115
Os agrotóxicos são portadores de uma enorme potência biológica, “eles
possuem poder imenso não somente de envenenar, mas também de penetrar nos
processos mais íntimos e vitais do organismo, modificando-os em sentido sinistro e,
com frequência, em sentido mortal”.116Entretanto, na maioria das vezes não é possível
comprovar a relação de causalidade entre a exposição a esses venenos e as
intoxicações e doenças manifestadas por conta da dificuldade em se realizar um
diagnóstico preciso117.
Especificamente quanto aos inseticidas organofosforados, ao adentrarem na
corrente sanguínea do homem, destroem enzimas com funções essenciais para o
funcionamento do corpo humano, atingindo principalmente o sistema nervoso. A
acetilcolina é um neurotransmissor responsável pela passagem dos impulsos nervosos
de um nervo para outro e após desempenhar sua função é eliminada do organismo. Tal
existência, segundo Rachel Carson, efêmera, impede que os mesmos impulsos
continuem sendo transmitidos pela mesma ponte neurológica, o que levaria a
movimentos descoordenados do corpo como tremores, espasmos, e até uma possível
morte após tais efeitos.118 Porém, quem executa a tarefa de eliminar a acetilcolina do
corpo, depois que ela não se faz mais necessária é a enzima colinesterase, o alvo dos
organofosforados. Os efeitos tóxicos se dão pela falta da enzima contingente que
resulta em um enorme acúmulo de acetilcolina nas terminações nervosas e toda ordem
do organismo é alterada.119
Quanto às vias de contaminação, os organofosforados podem ser absorvidos
por via dérmica, respiratória e oral, sendo a dérmica a principal via de penetração nos
envenenamentos ocupacionais, visto que “a taxa de absorção cutânea é aumentada
114
MILARÉ, Édis. Reação jurídica à danosidade ambiental: contribuição para o delineamento de um
microssistema de responsabilidade. PUC-SP. São Paulo, 2016. p. 43. Disponível em:<
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/18874/2/%C3%89dis%20Milar%C3%A9.pdf>. Acesso em: 22
fev 2017.
115
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 23.
116
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. p. 26.
117
ABRASCO. Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde: parte 2 – agrotóxicos, saúde,
ambiente e sustentabilidade. p. 47 e 49
118
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. p. 38 e 39.
119
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. p. 38 e 39.
em temperaturas elevadas ou ainda quando há lesões na pele” 120
, seguida pela
respiratória.
A exposição repetida ao veneno reduz o nível de colinesterase, até que o
indivíduo alcança o limite do envenenamento agudo, limite este além do qual
ele pode ser empurrado por meio de uma bem pequena exposição adicional. 121

Outro problema está no cerne da produção agrícola. A exposição repetida dos


trabalhadores agrícolas às substâncias organofosforadas, apesar de em pequenas
doses, são acompanhadas de sintomas como dificuldade de elocução, perda de
concentração, diminuição da eficiência cognitiva, nervosismo e depressão. 122 Em
especial os dois últimos sintomas explicam as estatísticas que provam os danos
desses compostos químicos no emocional e psicológico do homem.
O risco, entretanto, da contaminação por esses compostos não fica restrito ao
meio agrícola e seus trabalhadores. Um ensaio empírico permitiu que “níveis relevantes
de inibição enzimática fossem detectados em concentrações de pesticidas abaixo da
maioria das Ingestões Diárias Aceitáveis (IDAs) adotadas para os mesmos em
legislações nacionais e internacionais”. 123
No Brasil, a ocorrência de intoxicações por pesticidas do grupo dos OF
continua sendo alta, apesar de seu uso ter diminuído em relação à década dos
anos oitenta. Os dados estatísticos dos Centros de Toxicologia de Belo
Horizonte, Campinas, Florianópolis, Ribeirão Preto, Londrina e Maringá,
mostram que, de 495 casos de intoxicações ocupacionais, cerca de 34,9%
foram devidos a organofosforados; de 622 casos de tentativas de suicídio,
38,1% resultaram do uso de compostos deste grupo; de 38 casos de óbitos,
44,7% foram devidos a organofosforados (CAVALIERE, 1996). 124

Apesar de os organofosforados apresentavam a qualidade de serem facilmente


degradados e excretados pela urina 125, foi verificado que “a exposição repetida aos

120
VOMMARO, Alanna. et al. Praguicidas organofosforados e sua toxidade. Universidade Vale do Rio
Doce. Governador Valadares, 2010. p. 24 Disponível em:<
http://www.pergamum.univale.br/pergamum/tcc/Praguicidasorganofosforadosesuatoxicidade.pdf>.
Acesso em: 21 fev 2017.
121
CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. p. 39.
122
ONIL, Samuel; SAINT-LAURENT, Louis. Guide de prévention pour les utilisateurs de pesticides
en agriculture maraîchère. Institut Nacional de Santé Publique du Québec. Jjunho 2001. Disponível
em:<https://www.inspq.qc.ca/pdf/publications/045_pesticides_agriculture.pdf>. Acesso em: 22 fev 2017.
Tradução livre.
123
LINHARES, Amanda Guedes. Efeito de pesticidas organofosforados e carbamatos sobre a
acetilcolinesterase eritrocitária humana e seu potencial uso como biomarcador da exposição
ocupacional. Universidade Federal de Pernambuco. 2013. Disponível em:<
http://repositorio.ufpe.br/bitstream/handle/123456789/13270/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Amanda
%20Guedes%20Linhares.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 20 fev 2017.
124
VOMMARO, Alanna. et al. Praguicidas organofosforados e sua toxidade. Universidade Vale do Rio
Doce. Governador Valadares, 2010. p. 14 e 15. Disponível em:<
http://www.pergamum.univale.br/pergamum/tcc/Praguicidasorganofosforadosesuatoxicidade.pdf>.
Acesso em: 21 fev 2017.
125
SÃO PAULO. Governo do Estado de São Paulo: Secretaria da Saúde. Toxicologia de Praguicidas.
Disponível em: <http://www.saude.sp.gov.br/resources/sucen/programas/arquivos-seguranca-do-
organofosforados pode ter efeito cumulativo” 126 e essa evidência torna o fenômeno da
bioacumulação iminente, podendo ocasionar efeitos mutagênicos que “não se
restringem à população diretamente atingida, mas [que] vão afetar as futuras gerações,
onde irão acumular-se as mutações recessivas, que se manifestarão sob a forma de
doenças genéticas”.127
Diversos pesticidas organofosforados e alguns carbamatos, incluindo alguns de
seus metabólitos, são capazes de provocar malformações congênitas, afetar a
fertilidade e produzir efeitos genéticos tóxicos, inclusive câncer (WHO, 1986a;
1986b). [...] Os efeitos teratogênicos dos agrotóxicos podem resultar da
exposição intra-uterina do indivíduo em formação e mediante a ação
mutagênica nos gametas dos progenitores nas primeiras etapas da gestação.
Das malformações congênitas de fácil diagnóstico clínico, as que se
destacaram pela influência de agrotóxicos em estudo realizado no Chile foram
a síndrome de down, espinha bífida e hidrocefalia (ROJAS et al., 2000). 128

Com tais constatações é possível notar que boa parcela da população está
exposta aos efeitos nocivos dos organofosforados e, assim como a ele, a todos os
outros inúmeros agrotóxicos. Os impactos no organismo humano, principalmente na
integridade orgânica e psicológica dos trabalhadores, são reflexos de uma indústria de
produtos alimentícios que, para Capra, “representa um notável exemplo dos riscos para
a saúde gerados por interesses comerciais”. 129 O que se compromete é a saúde da
coletividade que vive no presente, porém, dado o efeito cumulativo desse grupo de
agrotóxicos e suas já estudadas consequências, as futuras gerações são injustamente
condenadas a suportar os ônus das ambições da sociedade contemporânea.

3.3. DIMENSÃO ECONÔMICA


Os riscos e danos a que estão submetidos o meio ambiente e toda a espécie
humana, de acordo com Capra “são apenas subprodutos casuais do progresso
tecnológico; são características integrantes de um sistema econômico obcecado com o
crescimento e a expansão, e que continua a intensificar sua alta tecnologia numa
tentativa de aumentar a produtividade”. 130 A busca pelo ilusório crescimento ilimitado

trabalho/sequi5.pdf>. Acesso em: 22 fev 2017.


126
TROIAN, Alessandra. et al. O uso de agrotóxicos na produção de fumo: algumas percepções de
agricultores da comunidade Cândido Brum, no município de Arvorezinha (RS). 43º Congresso da
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Porto Alegre, 2009. Disponível em:
<http://www.sober.org.br/palestra/13/844.pdf> . Acesso em 20 fev 2017.
127
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p. 42.
128
LINHARES, Amanda Guedes. Efeito de pesticidas organofosforados e carbamatos sobre a
acetilcolinesterase eritrocitária humana e seu potencial uso como biomarcador da exposição
ocupacional. Universidade Federal de Pernambuco. 2013. p. 11. Disponível em:<
http://repositorio.ufpe.br/bitstream/handle/123456789/13270/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Amanda
%20Guedes%20Linhares.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 20 fev 2017.
129
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 241 e 242.
130
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 228.
que tem como base o controle, a produção em massa e a padronização dos produtos e
métodos,131 é contrário à agricultura que não utiliza aditivos químicos. Por isso, os
agricultores, em busca da própria sobrevivência no mercado, tornam-se dependentes
deste tóxico modelo econômico-produtivo. Um processo que se apresenta paradoxal
dado que, como colocado por Marx, "o trabalhador nada pode criar sem a natureza,
sem o mundo sensório, externo. Esse é o material em que seu trabalho se manifesta,
no qual está ativo, a partir do qual e por meio do qual ele produz" 132.
No entanto, o trabalhador do campo, na grande maioria das vezes, não está
ciente dos riscos a que ele e o meio ambiente estão sujeitos pela utilização de
agrotóxicos e que tais produtos são responsáveis por tornar o trabalho agrícola “uma
das mais perigosas ocupações na atualidade”. 133 A desinformação também atinge a
população consumidora em geral, que não tem conhecimento dos aditivos químicos
utilizados no cultivo dos alimentos que ingere. Hoje em dia, produtos vindos da terra já
não são mais sinônimo de saúde e longevidade como foram no passado.
Tal alienação, porém, é apenas uma das características da atual economia. De
acordo com o modelo econômico competitivo de Adam Smith, um dos pressupostos
básicos da economia é “a informação livre e perfeita para todos os participantes numa
transação de mercado”.134 Sabe-se que essa condição é frequentemente violada no
mercado e impossibilita a participação popular como consequência de seu desrespeito
ao princípio da informação. O que é ainda mais agravado posto que a economia:
Tenta determinar o que é valioso num dado momento, estudando os valores
relativos de troca de bens e serviços. Portanto, a economia é, entre as ciências
sociais, a mais normativa e a mais claramente dependente de valores. Seus
modelos e teorias basear-se-ão sempre num certo sistema de valores e numa
certa concepção da natureza humana.135

Dada à importância dos valores da sociedade na construção dos ordenamentos


jurídicos, atualmente “é o mercado que atua com enorme força, fluidez e liberdade,
praticamente impondo as regras do jogo”.136
Hoje existe no Brasil um pacto político/econômico onde predominam os
interesses da bancada ruralista para uma maior liberalização do uso de

131
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 43.
132
MARX, Karl apud CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 201.
133
ABRASCO. Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde: parte 2 – agrotóxicos, saúde,
ambiente e sustentabilidade. p. 49.
134
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 194 e 195.
135
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 185.
136
SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes. Noções da Teoria da Sustentabilidade: um olhar sobre a
educação ambiental. Empório do Direito, 2015. Disponível em:< http://emporiododireito.com.br/nocoes-
da-teoria-da-sustentabilidade-um-olhar-sobre-a-educacao-ambiental-por-maria-claudia-antunes-de-
souza-2/>. Acesso em: 21 fev 2017.
agrotóxicos no âmbito do legislativo (mais de 40 projetos de lei nessa direção),
no executivo (pressões sobre os órgãos reguladores como a ANVISA), no
judiciário (impunidade nas mortes no campo), na pesquisa (mais de 95% dos
recursos da EMBRAPA estão voltados para o agronegócio) e na mídia (o
agronegócio possui até canais de televisão).137

Não obstante, “essa lógica de submissão exclui ou sufoca outras dimensões


imprescindíveis para a Sustentabilidade como a ecologia e o imprescindível controle
político e social”.138 Pode-se dizer que desta influência axiológica e comercial resulta a
primazia da dimensão econômica e, isto posto, deve-se atentar que a saúde do meio
ambiente e da população implicam gastos, que poderiam ser evitados, ao Poder
Público. Os danos causados a coletividade e principalmente a muitos agricultores
constituem uma questão de saúde pública. 139 E, diante desta situação, “ressalta-se o
recurso ao Direito como elemento essencial para coibir, com regras coercitivas,
penalidades e imposições oficiais, a desordem e a prepotência dos poderosos
(poluidores, no caso)”.140 Entretanto,

[...] o poder das grandes empresas impregna virtualmente todas as facetas da


vida pública. Elas controlam o processo legislativo, distorcem a informação
transmitida ao público através dos meios de comunicação de massa e
determinam, em grau significativo, o funcionamento do nosso sistema
educacional e a direção da pesquisa acadêmica.141

Porém, acima ainda desse sistema de valores plantado pelas grandes


companhias, “donas de tecnologias de alto risco e enormes custos sociais e
ecológicos”142, está um pensamento maior e mais amplo: a própria concepção
reducionista e fragmentária da atual economia. “De um modo geral, os economistas
não reconhecem que a economia é meramente um dos aspectos de todo um contexto
ecológico e social: um sistema vivo composto de seres humanos em contínua interação
e com seus recursos naturais”.143

137
ABRASCO. Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde: parte 2 – agrotóxicos, saúde,
ambiente e sustentabilidade. p. 115.
138
SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes. Noções da Teoria da Sustentabilidade: um olhar sobre a
educação ambiental. Empório do Direito, 2015. Disponível em:< http://emporiododireito.com.br/nocoes-
da-teoria-da-sustentabilidade-um-olhar-sobre-a-educacao-ambiental-por-maria-claudia-antunes-de-
souza-2/>. Acesso em: 21 fev 2017.
139
FERRARI, Antenor. Agrotóxicos: a praga da dominação. p 45.
140
MILARÉ, Édis. Reação jurídica à danosidade ambiental: contribuição para o delineamento de um
microssistema de responsabilidade. PUC-SP. São Paulo, 2016. p. 79. Disponível em:<
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/18874/2/%C3%89dis%20Milar%C3%A9.pdf>. Acesso em: 22
fev 2017.
141
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 214.
142
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 199.
143
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 183.
Considerando que a governança para a sustentabilidade tem suas próprias
origens na percepção holística e valores de fundo, a ênfase atual sobre a
governança econômica é produto de valores que colocam o ganho pessoal, de
curto prazo, acima da igualdade social e da segurança humana. O problema
não é tanta a racionalidade econômica subjacente, mas a sua posição
dominante em qualquer forma de governo. O foco defensivo e reativo, baseado
na especialização e na resolução de problemas da governança ambiental,
contrasta com a necessidade de projetar abordagens proativas e imaginativas
redesenhadas para a saúde e bem-estar do planeta. 144

Nota-se que a atual “estrutura conceitual da economia é inadequada para


explicar os custos sociais e ambientais gerados por toda a atividade econômica”. 145
Além das despesas com a saúde pública devido às enfermidades desenvolvidas em
razão das contaminações por agrotóxicos, a incerteza e até mesmo o total
desconhecimento dos reais efeitos a médio e longo prazo do tratamento químico na
produção agrícola transfere à humanidade, em especial as gerações vindouras, um
risco ambiental talvez impossível de ser evitado ou reparado, dentre eles o
empobrecimento e a esterilidade do solo bem como as mutações genéticas
descontroladas, tanto no ser humano como nas outras espécies animais e vegetais.
Assim, o modelo sistemático aparece como contrastante à visão econômica
reducionista dos dias de hoje de forma a defender a saúde do homem e do meio
ambiente. Em consonância a ética da solidariedade, que não permite que a ganância
econômica deixe às futuras gerações “apenas os ossos do banquete da vida”. 146 É
preciso que o homem se liberte das ideias platônicas de crescimento ilimitado a custo
de sua própria espécie e de seu planeta.

CONCLUSÃO
A simetria entre o meio ambiente, os interesses da sociedade e a economia são
pressupostos para uma sociedade sustentável e também para a efetiva concretização
do direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia
qualidade de vida.
A restrição legislativa ao uso dos organoclorados foi um grande avanço para o
alcance desta paridade, e consequentemente da Sustentabilidade. No entanto, sua
substituição pelos organofosforados mostrou ser a postura estatal paradoxal quanto à
144
BOSSELMANN, Klaus. O Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. p.
220.
145
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 219.
146
MILARÉ, Édis. Reação jurídica à danosidade ambiental: contribuição para o delineamento de um
microssistema de responsabilidade. PUC-SP. São Paulo, 2016. p. 77. Disponível em:<
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/18874/2/%C3%89dis%20Milar%C3%A9.pdf>. Acesso em: 22
fev 2017.
vontade de tutelar a saúde humana e ambiental face às ambições econômicas do setor
agrícola, de forma a até mesmo desrespeitar o princípio da precaução.
Apesar disto, foi visto que já houve um avanço e a tutela do meio ambiente
passou de mero interesse antropocêntrico para real preocupação. Agora, então, busca-
se a total libertação da agricultura química, o que garantirá o direito a todos de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida.

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