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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias

Técnica de apoio à reprodução numa espécie pecuária

Transferência Embrionária

Mónica Maria Gomes Freitas (66501)

Rafaela Ferreira da Fonseca (73005)

Mestrado em Engenharia Zootécnica

Unidade Curricular de Reprodução Animal Avançada

Professor José Carlos Marques de Almeida

VILA REAL, 2021


Índice

Introdução
A inseminação artificial (IA) continua a desempenhar um papel central na
biotecnologia da reprodução, mas nos últimos anos técnicas como a transferência
embrionária (TE) têm vindo a ganhar mais importância, permitindo a exploração do
património genético feminino. A TE é uma técnica mais rentável para os produtores de
animais de raça pura registados. Atualmente, o uso mais comum da transferência
embrionária em programas de produção animal é a proliferação de fenótipos desejáveis
e a produção de touros para inseminação artificial. No futuro, a TE, além de aumentar a
taxa de ganho genética nos efetivos também permitirá a criação de novas linhas
germinais, por meio da capacidade de modificar geneticamente animais pecuários com
vista a aumentar a sua eficiência produtiva e reprodutiva. Este melhoramento é essencial
para responder aos desafios futuros na produção animal, decorrentes do crescimento
contínuo da população humana e da disponibilidade limitada de terras aráveis e
restrições ambientais.
Este trabalho tem como principais objetivos justificar a utilização da
transferência embrionária nas espécies pecuárias, bem como, perceber a sua importância
económica e analisar perspetivas futuras desta técnica.

Palavras-Chave: Transferência embrionária, técnicas reprodutivas, eficiência


reprodutiva, genética, implantação embrionária

Breve descrição e evolução da técnica de Transferência Embrionária


A transferência embrionária (TE) é um processo pelo qual um embrião é
recolhido de uma fêmea dadora e depois transferido para uma fêmea receptora onde o
embrião completa o seu desenvolvimento. Apesar das aplicações e das técnicas
associadas à transferência embrionária estejam constantemente a ser alvo de uma
revisão extensiva, uma contextualização histórica pode ser útil. Em 1949 as primeiras
experiências de TE descreveram uma técnica de recuperação de embriões não-cirúrgica,
mas não foi bem sucedida, pelo que as TE continuaram a ser feitas de forma cirúrgica
até aos anos 70. Assim começaram a ser feitos os primeiros programas comerciais de
TE que assentavam na exposição cirúrgica do útero e dos ovários, sendo que a dadora
estava sob anestesia geral. Este tipo de técnica tornava necessárias instalações onde se
pudesse proceder à cirurgia e limitou o uso da tecnologia na indústria leiteira porque o
úbere das vacas leiteiras fica na zona média-ventral, local onde era feita a incisão para
aceder ao útero e aos ovários no procedimento de TE.
Só em 1976 é que a recuperação não cirúrgica de embriões se tornou
suficientemente desenvolvida para ser uma prática usada normalmente. No início da
década de 80 as técnicas não cirúrgicas de TE foram desenvolvidas de modo a permitir
TE nas explorações.
No final da década de 70 a indústria da TE cresceu rapidamente tanto em termos
de dadoras como em termos de recetores e de explorações que queriam praticar essa
técnica. Está registado que em 1981 mais de 17 000 gestações resultaram da TE nos
EUA.
Em 2011, ou seja, mais recentemente foram registados procedimentos de TE no
mundo inteiro tendo sido contados 572 432 embriões bovinos in vivo.
Apesar de não ter havido um aumento considerável, desde os anos 90 até à
atualidade, no número de embriões produzidos por cada vaca (superovulada) dadora, a
importância da dinâmica folicular e o surgimento dos métodos de sincronização
folicular simplificaram os métodos pelos quais se pode alcançar a superovulação, o que
resultou num aumento da produção de embriões por unidade de tempo. As vacas
dadoras estão a ser superestimuladas com muita mais frequência do que no passado e
mais embriões estão a ser produzidos por ano. A aplicação de procedimentos
semelhantes aos recetores fez com que a deteção do estro ou a espera de retorno ao cio
da vaca deixasse de ser necessária, facilitando a transferência embrionária a tempo fixo.
Em Portugal a transferência de embriões limita-se apenas a bovinos leiteiros,
mas é uma técnica ainda pouco disseminada.
Após a inseminação artificial e sincronização de estros, a transferência
embrionária é a terceira biotecnologia mais usada em todo o mundo.

Transferência Embrionária

Bovinos

A colheita de embriões em bovinos é um procedimento invasivo, caro, muito


demorado e com muito trabalho envolvido. As técnicas não cirúrgicas são mais fáceis
para quem faz a TE e para os animais são procedimentos mais simples e mais baratos.
Assim podem ser extraídos embriões da vaca viva com um cateter que alcança os cornos
uterinos.
Normalmente os embriões são recolhidos 6 a 8 dias depois do estro, nestes dias
os embriões variam o seu desenvolvimento de mórula ao ponto de blastocisto
expandido.
Os estudos revelaram que os processos invasivos eram muito mais eficazes na
TE mesmo quando feitos com médicos veterinários com pouca experiência em palpação
retal e na IA, em comparação com os métodos pouco invasivos, nos quais era necessária
muita experiência para que a TE fosse bem sucedida.
Neste estudo não houve dados de perda evidente da taxa de gestação com a
transição da transferência cirúrgica para a não cirúrgica de embriões.
O desenvolvimento da TE não cirúrgica em bovinos melhorados geneticamente
a partir da implementação de protocolos de IA, permitiu que os dadores tivessem o
número desejado de recetores de embriões e os ciclos estricos sincronizados, o que é
importante para um plano de TE bem sucedido. Num grupo de vacas sincronizadas
podem ser inseminadas todas ao mesmo tempo e dessa forma a colheita de embriões
pode ser feita também ao mesmo tempo.
Neste estudo ficou comprovado que a taxa de gestação foi significativamente
maior em recetores dos embriões com estros induzidos do que em recetores com estros
naturais.

Suínos
A TE tem implicações produtivas e económicas sem precedentes para o sector
suinícola. No entanto, a aplicação desta técnica em porcos tem sido considerada pouco
exequível durante décadas principalmente devido às exigências das técnicas cirúrgicas
para a recolha de embriões e deposição de embriões nos recetores, juntamente com os
desafios na preservação dos embriões. Esta situação mudou drasticamente na última
década, uma vez que a tecnologia atual permite a transferência embrionária não
cirúrgica e preservação de embriões a curto e longo prazo.

Equinos

A transferência de um embrião do útero de uma égua para outra égua requer


monitorização pré ovulatória, a qual é feita por ultrassonografia retal.
A transferência embrionária em éguas pode ser usada para obter mais do que um
potro por égua dadora/ano ou porque o dono de uma égua de competição não quer que
ela passe pela gestação e os custos que isso acarreta se a pretender manter em
competição.
A TE em éguas de alta competição pode ser complexo dado os efeitos de stress
derivados da manipulação repetida da égua, o que pode induzir endometrites.
A transferência embrionária pode servir para recuperar embriões das éguas
dadoras que são capazes da conceção, mas acabam por sofrer a morte embrionária
precoce, o que se pode dever a fibrose periglandular uterina ou a problemas que advêm
da idade.
Uma das principais limitações da transferência embrionária nas éguas é que a
dadora tem de ter um trato reprodutivo funcional pelo menos ao ponto de o esperma
chegar aos ovidutos.
Existem duas abordagens para obter os oócitos de uma égua dadora. A primeira
é a aspiração do folículo dominante e estimulação para se recuperar um oócito in vitro
maduro pouco antes da ovulação. A segunda é a aspiração de todos os folículos
imaturos nos ovários, sem estimulação ovariana, para recuperar oócitos imaturos que
devem então ser amadurecidos in vitro em oócitos maduros, que são oócitos que
retomaram a meiose e atingiram a metáfase II estado em que o oócito é ovulado e no
qual é capaz de ser fertilizado. O oócito retoma a meiose em resposta ao sinal de LH
endógeno ou após estimulação exógena com a hormona da gonadotrofina GnRH.

Fatores que afetam a TE e as taxas de gestação


As práticas de TE em bovinos têm sido utilizadas comercialmente por muitas
décadas. No meio científico está estabelecido que há um conjunto de fatores que afetam
as gestações estabelecidas por TE. Tradicionalmente, o local de deposição do embrião, a
dificuldade da transferência por pontuação e o tempo necessário para o procedimento da
TE ser levado a cabo.
O efeito do local de implantação do embrião no corno uterino já foi explorado
no passado, contudo a pontuação da dificuldade de acesso ao local de transferência e o
tempo necessário para a implantação dos embriões no útero não tem sido alvo de muito
estudo.
Além disso, os estudos têm-se vindo a focar mais nos efeitos da implantação da
gestação no animal recetor, o que leva à especulação dos efeitos das variáveis
tradicionais nas taxas de gestação. Fatores como a seleção dos dadores e dos recetores e
a sincronização entre a fase de desenvolvimento do embrião e o útero recetor podem
influenciar a magnitude dos diversos efeitos destas variáveis.
As variáveis que estão a ser alvo de estudo são o local da transferência do
embrião, a pontuação da TE e o tempo necessário para o procedimento da transferência
do embrião. Relativamente, aos locais de implantação estes podem ser no terço cranial,
no terço médio ou no terço caudal entre os cornos uterinos e os ovários, no caso da
pontuação da transferência embrionária esta está num intervalo de 1 a 3, sendo 1
excelente e 3 muito pobre, com base na dificuldade de acesso ao local de implantação
do embrião.
Os embriões frescos e congelados in vivo de vacas Bos taurus foram transferidos
para vacas da mesma espécie. A tendência foi para haver mais gestações quando os
embriões eram depositados no terço cranial do útero em comparação quando colocados
no terço médio ou no terço caudal. Ainda é relevante referir que nos casos de menor
grau de dificuldade no processo das transferências (pontuação 1) também houve relação
com um maior número de gestações estabelecidas. Para além disto, quando foi
necessário menos tempo para a realização do procedimento da TE também houve uma
maior taxa de gestação. Com estes resultados é percetível que todas as variáveis
apresentadas, o local de implantação no útero, a dificuldade de acesso a esse mesmo
local e o tempo, afetam o sucesso das taxas de gestação.
Finalmente, ao termos todos os fatores avaliados em consideração, os efeitos da
localização, a pontuação da transferência embrionária em relação à dificuldade de
acesso ao local da implantação e, ainda, o tempo gasto chega-se à conclusão que a TE
ao ser praticada deve, não só ser feita de forma precisa no que respeita ao local de
implantação do embrião no corno uterino, mas também deve ser feita da forma que
necessite o mínimo de manipulação do útero e ainda deve ser tido em conta o tempo,
pois este não deve ser um procedimento demorado (< 9 minutos).

Perspetivas da TE

A técnica da TE é utilizada no mundo inteiro, sendo produzidos anualmente


mais de 750 000 embriões a partir de dadoras superovuladas e são produzidos mais de
450 000 embriões através de técnicas in vitro. A superovulação e a colheita de embriões
são feitas, frequentemente, de 30 em 30 dias. A criopreservação e a transferência de
embriões congelados resulta em taxas de gestação próximas das realizadas recorrendo a
embriões frescos.
Desde que a zona pelúcida esteja intacta, a produção de embriões bovinos in
vivo pode ser feita tornando o embrião livre de agentes patogénicos através de
procedimentos de lavagem e para tal são marcados, anualmente, milhares de embriões
congelados.
A TE como técnica de apoio à reprodução é uma técnica alvo de críticas,
especialmente por ser considerada culpado por disseminação de doenças na indústria
pecuária. Contudo, há estudos que comprovam que embriões bovinos in vivos não
transmitem doenças infeciosas.
O IETS, a Sociedade Internacional de Transferência Embrionária, categorizou
agentes infeciosos com base no risco de transmissão por embriões bovinos.
As doenças da categoria 1: agentes infeciosos para os quais já existem
evidências suficientes que mostram que o risco de transmissão é insignificante, desde
que os embriões sejam tratados adequadamente entre a colheita e transferência. Isto
inclui a inspeção da zona pelúcida a uma ampliação a 50x e procedimentos de
tratamento e de lavagem com tripsina. As doenças desta categoria são Leucose Bovina
Enzoótica, Doença da mão-pé-boca do gado bovino, Febre catarral bovina , Brucelose
bovina, Rinotraqueite bovina infeciosa e Encefalite herpética bovina.
As doenças da categoria 2, 3 e 4: são aquelas doenças das quais não há tanta
informação disponível.
Os resultados revelaram que nenhuma das doenças infeciosas estudadas foi
transmitida por embriões bovinos produzidos in vivo. Consequentemente, tem vindo a
ser sugerido na comunidade científica que se use a TE para salvaguardar a genética de
algumas raças face a um surto de doença. Assim é comprovado que o custo, o trabalho e
a dificuldade desta técnica é compensada pela sua eficiência.
Para além disto, a técnica de TE ainda permite a deteção pré-natal do sexo de um
feto, o que tem um grande impacto económico, através do uso de PCR.
A introdução de conceitos de reprodução de precisão baseados na edição do
genoma é um passo importante para permitir os desenvolvimentos necessários para
enfrentar os desafios de impacto na segurança alimentar global, sustentabilidade
ambiental e bem-estar animal. As estimativas da necessidade futura dos produtos com
origem animal indicam que a produção de carne terá de aumentar pelo menos 70% para
fazer face a esta procura crescente. Como a maioria das terras aráveis já está em
produção, existe um claro desafio aos criadores de espécies pecuárias em aumentar a
eficiência da produção alimentar, tanto nas empresas de produção animal intensivas
como extensivas de forma sustentável.

Desafios da Transferência Embrionária

Os maiores desafios frequentemente associados a este tipo de técnicas ocorrem


em países em desenvolvimento. Sendo os principais constrangimentos, o acesso
insuficiente à terra e outros recursos produtivos, condições de comércio desfavoráveis
especialmente para produtos de origem animal, falta de base de dados sobre animais e
proprietários de animais, singularidade das raças, falta de cientistas, técnicos e
trabalhadores de campo, ausência de coordenação entre a indústria, universidades e
instituições tecnológicas, tecnologia dispendiosa a adquirir a partir do mundo
desenvolvido, investimento negligenciável na biotecnologia animal, falta de política
clara e compromisso por parte do governo, desconsideração do conhecimento indígena e
da gestão dos recursos agrícolas locais. Embora essa tecnologia não esteja
comercialmente disponível nos países em desenvolvimento, a tecnologia TE poderia
fornecer oportunidades para a conservação e o desenvolvimento de raças menores.

Conclusão
A transferência embrionária comercial tornou-se numa indústria muito bem
estabelecida, mesmo sendo baixo o número de crias produzidas anualmente. Isto deve-
se à qualidade dos animais produzidos e ao aumento dos ganhos genéticos reais, o que
demonstra o impacto significativo da TE na produção animal, sendo estes aspetos mais
notórios na indústria de produção de vacas leiteiras. Além disso, a grande maioria do
sémen usado, em procedimentos de inseminação artificial na mesma indústria, é
proveniente de touros resultantes de processos de transferência embrionária. As técnicas
de TE têm vindo a melhorar nos últimos 40 anos, de modo a que os embriões
congelados possam ser transferidos para os recetores adequados de uma forma tão fácil
e simples quanto é feito um procedimento de inseminação artificial. A produção de
embriões in vitro, bem como a sexagem espermática e embrionária, com recurso à
técnica da TE, são procedimentos igualmente bem sucedidos. A combinação do uso do
procedimento de TE em vacas geneticamente melhoradas e com o recurso de esperma
de touros também geneticamente melhorados é aparentemente o uso mais comum desta
técnica de apoio à reprodução.

Questões
1. Porquê é que é usada a técnica de transferência embrionária nas diferentes
espécies pecuárias?
2. Qual o custo-eficiência da técnica de transferência embrionária?

Bibliografia

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