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Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo

2008 set-dez; 20(3): 267-73

UMA NOVA PROPOSTA EM ODONTOPEDIATRIA: FASE ADÉQUO-RESTAURADORA.


A NEW PROPOSAL IN PEDIATRIC DENTISTRY: PHASE APPROPRIATE RESTORER.

Luís Otávio de Araújo Pereira *


Gerson Lopes**

RESUMO
O plano de tratamento pode ser definido após identificação, anamnese, exame físico-clínico e exames
complementares do paciente. Didaticamente, ele pode ser dividido nas seguintes fases: urgência, sistêmica,
preparatória (etapa preventiva e adequação do meio bucal), restauradora e de manutenção. A adequação do
meio bucal inclui, entre outros procedimentos, a remoção parcial do tecido cariado e o selamento provi-
sório das lesões cavitadas. O cimento de ionômero de vidro tornou-se o material de escolha para essa fina-
lidade devido às suas propriedades físico-químicas. A fase restauradora se caracteriza pela recuperação da
forma, função e estética dos dentes e pelo caráter definitivo das restaurações. Atualmente existem técnicas
em que os cimentos de ionômero de vidro são utilizados como material restaurador definitivo em dentes
decíduos. Verificou-se, por meio de revista da literatura, que há autores que consideram as restaurações com
cimento de ionômero de vidro que recuperam forma, função e estética, parte da fase de adequação do meio
bucal (Araújo et al.1 2002, Guedes-pinto e Duarte9 1999, Noronha17 2005, Noronha18 1996 Queiroz et al.24
2005, Rodrigues e Côrrea 27 1998, Silva et al.29 2005, Van Waes33 2002); para outros, elas fazem parte da
fase restauradora (Bresciani5 2003, Duarte8 2003, Oliveira et al.20 1998, Ramos et al.26 2001, Tourino et
al.32 2002) e há ainda aqueles que utilizam essas restaurações nas duas fases (Nesbit13, 15 2002). Então, para
abrigar as restaurações realizadas durante a adequação do meio bucal e que têm, ao mesmo tempo, todas as
características da fase restauradora, sugere-se a criação de uma nova fase: a fase adéquo-restauradora.
DESCRITORES: Plano de tratamento –Odontopediatria.
ABSTRACT
A treatment plan can be defined after identification, anamnese, clinical, physical and complementary
examination on the patient. Didactically, it can be divided into the following phases: urgency, systemic,
preparatory (preventive stage and oral cavity adequacy), restorative and support. Oral cavity adequacy in-
cludes, besides another procedures, carie tissue partial removing and its temporary sealing off, and, in that
case, glass ionomer cement became the best choice, because of its physical and chemical properties. Res-
toring phase is marked by tooth recuperation shape, function and esthetic. Besides, there is the definitive
character of the restores. Nowadays, there are restorative techniques that commend partial or total remove
of carie tissue, where glass ionomer cements are used as restoring material. It’s proved, by literature, that
some authors consider restorations with glass ionomer cement, that recover shape, function and esthetic
performed by ART technique or conventional technique, part of the phase of cavity adequacy. (Araújo et
al.1 2002, Guedes-pinto e Duarte9 1999, Noronha17 2005, Noronha18 1996 Queiroz et al.24 2005, Rodri-
gues e Côrrea 27 1998, Silva et al.29 2005, Van Waes33 2002). Other authors think those restorations are part
of restoring phase. (Bresciani5 2003, Duarte8 2003, Oliveira et al.20 1998, Ramos et al.26 2001, Tourino et
al.32 2001). There are still others who use those restorations in both phases. (Nesbit13, 15 2002) So, in order
to put together all restorations performed during oral cavity adequacy – that have, at the same time, all the
characteristics of restoring phase – the creation of a new phase is suggested: the suitable restoring phase.
DESCRIPTORS: Patient care planning –Pediatric dentistry

*Especialista em Odontopediatria
**Professor Assistente da Disciplina de Odontopediatria da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID, Professor Responsável pela Disciplina de Saúde
Coletiva da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID, Coordenador do Curso de Especialização em Odontopediatria da Associação Paulista de Cirurgiões
Dentistas – APCD São José dos Campos

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INTRODUÇÃO Hallonsten et al.10 (1981) evidenciam a importância


Em odontopediatria, o tratamento deve ter como de elaborar o plano de tratamento em fases diferenciadas,
objetivos a prevenção da cárie dentária, da doença pe- principalmente para crianças que apresentam maiores ne-
riodontal e das maloclusões (Duarte8 2003) e ser con- cessidades terapêuticas (Hallonsten et al.10 1981).
siderado parte de um programa permanente de saúde, Rodrigues e Corrêa27 (1998) dividem o plano de tra-
não devendo, portanto, apenas reabilitar o paciente, mas tamento em quatro fases. A fase sistêmica só é necessária
assegurar-lhe condições futuras de saúde. caso haja necessidade de algum cuidado especial para o
Para que isso aconteça de forma ordenada, o profis- tratamento dentário. A fase preparatória inclui medidas
sional pode valer-se da estruturação do tratamento do seu preventivas básicas e, em crianças com cavidades de cá-
paciente em fases, obedecendo a uma certa sequência que rie abertas, a adequação do meio bucal. Esta pode incluir
evita improvisos e ajuda na organização dos procedimen- exodontias, procedimentos endodônticos, curetagem das
tos a serem executados. lesões de cárie e fechamento com óxido de zinco e euge-
É consenso entre vários autores 1, 4, 6, 9,16, 18, 27, 29, 33 que, nol ou cimento de ionômero de vidro. A fase restauradora
após identificação, anamnese, exame físico-clínico e exa- caracteriza-se pela recuperação da forma e da função dos
mes complementares, pode-se concluir o diagnóstico in- dentes através da restauração das cavidades com o uso de
tegral do paciente e determinar o prognóstico e o plano materiais mais duradouros ou próteses. Na fase de manu-
de tratamento (Rodrigues e Corrêa27 1998). tenção faz-se o acompanhamento da criança por meio de
O plano de tratamento odontológico consiste em retornos programados de acordo com o seu risco à cárie
uma lista ordenada de procedimentos que objetivam (Rodrigues e Corrêa27 1998).
atender às necessidades e expectativas do paciente e, em Divisão semelhante faz Noronha16,17,18 (2002, 2005,
odontopediatria, deve-se levar em consideração que esses 1996), que também estrutura o plano de tratamento em
procedimentos serão aplicados em um paciente em fase quatro fases. A fase de avaliação e/ou urgência caracteriza-
de crescimento e desenvolvimento e que, além do impac- se pela administração das urgências clínicas, avaliações
to imediato, terão reflexos na sua saúde futura. geral, bucal e comportamental do paciente. Na fase de
A Odontologia está sujeita a rápidas mudanças devido adequação do paciente, a adaptação comportamental e
aos avanços tecnológicos e científicos (Silva et al.29 2005). adequação do meio bucal (curetagem superficial das le-
Entre esses avanços estão o entendimento amplo da do- sões cavitadas e selamento temporário) criam um ambien-
ença cárie e seu diagnóstico, o conceito de risco de cárie te propício para a cura. A terceira fase é a do tratamento
e o surgimento de materiais cariostáticos para selamento reabilitador, que tem como objetivo deixar os dentes es-
da cavidade. Isso permitiu o surgimento de técnicas mi- tética e funcionalmente adequados. A última fase, a de
nimamente invasivas como selamento do tecido cariado, manutenção preventiva, deve manter a saúde do pacien-
remoção parcial do tecido cariado e tratamento restaura- te e evitar que a doença reapareça (Noronha16,17,18, 2002,
dor atraumático (ART). 2005, 1996).
A técnica ART surgiu nos anos 80 e consiste na remo- Guedes-Pinto e Duarte9 (1999) e Duarte et al.8 (2003)
ção parcial do tecido cariado por meio de instrumentos dividem o plano de tratamento em: urgências, (geral-
manuais e selamento da cavidade com cimento de ionô- mente se referem ao controle da dor); tratamento mé-
mero de vidro. Esse material possui propriedades físico- dico-sistêmico, que só existe se houver algum problema
químicas que indicam sua utilização tanto durante a fase de origem geral; etapa de educação do paciente, na qual
de adequação do meio bucal quanto como material res- além de educar o paciente, o profissional deverá motivá-
taurador. lo e obter sua colaboração; tratamento preparatório, que
Como as restaurações realizadas com cimento de io- consiste basicamente na remoção de focos (exodontias e
nômero de vidro pela técnica ART e as restaurações reali- terapias pulpares) e na adequação do meio bucal, que é a
zadas com cimento de ionômero de vidro resino-modifi- eliminação da placa cariogênica da superfície do esmalte,
cado cumprem as duas funções, este trabalho propõe uma curetagem da camada infectada das lesões dentinárias e
nova fase na divisão didática do plano de tratamento. seu selamento com cimento temporário à base de óxido
de zinco-eugenol. Nessa fase, deve ser realizada a avaliação
REVISÃO DA LITERATURA da dieta do paciente e, nos casos de cavidades rasas e ex-
2.1. Plano de tratamento tensas, podem ser utilizadas substâncias cariostáticas. Na

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fase do tratamento restaurador deve-se recuperar a forma em 1971, na tentativa de unir no mesmo material a ca-
e a função do aparelho mastigatório; e o controle periódi- pacidade de liberação de flúor dos cimentos de silicato
co é feito de acordo com a necessidade de cada paciente e a biocompatibilidade e adesividade dos cimentos de
(Guedes-Pinto e Duarte9 (1999) e Duarte et al.8 (2003). policarboxilato. Desde então vem, sofrendo constante
Já Stefanac e Nesbit31 (2001) sugerem que o pla- aprimoramento, melhorando, assim, suas propriedades
no de tratamento seja dividido em fase sistêmica – na mecânicas tais como adesividade às estruturas dentárias,
qual o dentista deve estabilizar e manter a saúde física biocompatibilidade, coeficiente de expansão térmica li-
do paciente (Stefanac30 2001); fase aguda – que deve near próxima à do dente e liberação de flúor (Bresciani5
conter procedimentos de diagnóstico e tratamento das 2003).
urgências (Stefanac e Nesbit31 2001); fase de controle Em 1989 surgiram os ionômeros modificados por
da doença – que inclui instruções sobre higiene e dieta, resina que contém monômeros resinosos que permitem
aplicações de flúor, restauração das lesões de cárie com uma ativação de polimerização através de luz halógena.
materiais provisórios ou definitivos (CIV) e aplicação Esses cimentos têm propriedades físicas superiores às dos
de selantes Nesbit13 2001 ; a fase definitiva abrange as convencionais e exibem vantagens como tempo de tra-
terapias periodontais, tratamentos ortodônticos, ajus- balho controlado e rápido endurecimento, entre outros
tes oclusais, procedimentos de dentística restauradora e (Bresciani5 2003). Essas propriedades permitiram a re-
cosmética, exodontias e terapias pulpares que não foram alização de restaurações conservadoras e minimamente
realizadas na fase aguda e as próteses (Nesbit15 2001); e invasivas de lesões de cárie (Curtis et al.7 2002).
a fase de manutenção, que é um organizado sistema de Com o surgimento da técnica ART, houve a neces-
cuidados periódicos (Nesbit 14 2001). sidade de se melhorar as propriedades físicas dos CIV.
Araújo et al.1 (2002) e Blinkhorn e Zadeh-Kabir4 Então, surgiram os CIV de alta viscosidade, que possu-
(2003) dividem o plano de tratamento em tratamento íam propriedades físicas melhoradas e mantinham sua
imediato (resolução da dor e recuperação da saúde), me- ativação química, fator indispensável para a aplicação da
diato (reabilitação funcional) e programa de manutenção técnica. A adesividade à estrutura dental aliada ao coe-
(Araújo et al.1 2002, Blinkhorn e Zadeh-Kabir4 2003). ficiente de expansão térmica linear semelhante ao dente
Dentro da fase de tratamento imediato é realizada a ade- contribui para o bom vedamento marginal e longevida-
quação do meio bucal, com o objetivo de diminuir o de das restaurações com CIV na técnica ART (Bresciani5
número de microorganismos e facilitar a higiene (Araújo 2003).
et al.1 2002).
Queiroz et al.24 (2005) entendem que a primeira fase ART
do plano de tratamento deve ser a adequação do meio O Tratamento Restaurador Atraumático (ART) é
bucal que abrange aconselhamento dietético, instruções uma técnica introduzida em 1985, preconizada e aceita,
de higiene bucal, profilaxia profissional, aplicação de flu- desde 1994, pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
oretos e uso de antimicrobianos para pacientes de alto para tratamento da doença cárie dentária (Raggio et al.25
risco/atividade de cárie. Quando existem lesões de cárie 2004) em populações de áreas onde falta infra-estrutura
cavitadas e abertas, essa etapa deve incluir a escavação para a realização de um tratamento odontológico tradi-
e o selamento em massa das cavidades, a realização de cional (Ramos et al.26 2001).
tratamento endodôntico emergencial e a extração de ra- Ramos et al.26 (2001) afirmam que a técnica do ART
ízes residuais com o objetivo de controlar a atividade de se enquadra perfeitamente dentro da filosofia moderna
cárie, reduzir a microbiota bucal e condicionar a criança do tratamento restaurador, que se baseia na mínima in-
para receber os tratamentos posteriores. Depois disso, tervenção e na precoce interceptação do processo carioso
o tratamento restaurador deve ser iniciado. O plano de (Ramos et al.26 2001).
tratamento deve incluir a elaboração de um programa Em análises clínica, ultraestrutural e química, Mas-
preventivo que assegura à criança condições de saúde bu- sara et al.12 (2002) concluiu que o ART criou condições
cal (Queiroz et al.24 2005). para a remineralização da dentina desmineralizada e su-
geriu que houve um processo fisiológico de reparação te-
Cimento de ionômero de vidro cidual. Neste estudo, o parâmetro de textura da dentina,
O cimento de ionômero de vidro foi desenvolvido removida em lascas ou escamas, constituiu-se num crité-

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rio clínico confiável (Massara et al.12 2002). o máximo de estrutura possível. O tratamento restau-
Tourino et al.32 (2002) acreditam que a combinação rador atraumático, em que esse padrão de remoção de
de três tipos de medidas contribui para a detenção do tecido cariado é utilizado, tem mostrado sucesso tanto
processo carioso: isolamento do processo carioso através para dentes permanentes como para dentes decíduos
do selamento da cavidade, escavação da dentina e uso de (Imparato e Braga11 2005).
material cariostático e que a utilização da técnica ART Oliveira et al.20 (1998) dizem que a adequação do
causa menor desconforto ao paciente que as técnicas meio bucal pode ser definida como sendo o conjunto de
convencionais (Tourino et al.32 2002). medidas que leve ao controle da doença cárie, uma fase
Wambier et al.34 (2003) observaram que o ART intermediária entre o estado da cavidade bucal como se
apresentou maior percentual de indicação para os den- apresenta no ato da consulta e o estado final de con-
tes decíduos que para os permanentes (Wambier et al.34 trole da doença cárie e que o ART não é uma etapa de
2003). transição, e sim um tratamento curativo definitivo. Os
Bresciani5 (2003) mostra que a seleção do paciente mesmos autores concluem que existem pelo menos três
é muito importante e deve seguir critérios de inclusão e pontos em comum entre o ART e a adequação do meio
exclusão. Os critérios de inclusão são: bucal: a remoção de tecido cariado por meio de instru-
tQSFTFOÎBEFMFTÍPDBSJPTBFOWPMWFOEPEFOUJOB mentos manuais, o emprego de cimento de ionômero de
tBCFSUVSBTVmDJFOUFQBSBFOUSBEBEPNFOPSFTDBWB- vidro e o pronto preenchimento das cavidades (Oliveira
dor; et al.20, 2002) .
tBVTÐODJBEFTJOUPNBUPMPHJBEPMPSPTB NPCJMJEBEFF A fase restauradora caracteriza-se pela recuperação da
fístula. forma e função dos dentes 8, 9, 11, 16, 17, 18, 27, 33 e restabeleci-
Os critérios de exclusão são: mento da estética 1, 11, 16,17, 18 por meio de materiais que
tFOWPMWJNFOUPQVMQBS têm caráter definitivo.
tQSFTFOÎBEFEPS BCTDFTTP NPCJMJEBEFPVGÓTUVMB Tourino et al.32 (2002) acreditam que o selamento
tGBMUBEFBDFTTPËEFOUJOBDBSJBEB UBOUPFNTVQFSGÓ- das cavidades com CIV tem caráter definitivo, diferin-
cies oclusais quanto proximais (Bresciani5 2003). do do comportamento provisório da adequação bucal.
A técnica é simples e deve ser executada com rigor Entretanto não veem nenhum problema em se aplicar
para obtenção dos resultados terapêuticos desejados. a técnica ART e, em outro momento, serem realizadas
Os passos da técnica são: remoção do esmalte desmi- outras “restaurações” (Tourino et al.32 2002).
neralizado sem suporte; remoção do tecido cariado não Araújo et al.1 (2002) alegam que as restaurações re-
recuperável; condicionamento da cavidade com agente alizadas na fase de adequação do meio bucal não têm,
ácido; lavagem e secagem da cavidade com bolinhas de necessariamente, caráter provisório, e que o material de
algodão; inserção do cimento de ionômero de vidro na escolha é o cimento de ionômero de vidro resinoso mo-
cavidade; aplicação de verniz à prova de água para pro- dificado em função de sua boa propriedade de adesão e
teger o material (Noronha et al.19 2002, Oliveira et al.20 biocompatibilidade (Araújo et al.1 2002).
1998). Rodrigues e Corrêa27 (1998) e Noronha18,16,17 (2002,
Raggio et al.25 (2004) acrescentam que esse tratamen- 2005, 1996) entendem que as restaurações com cimento
to consiste também em orientações de dieta e higiene de ionômero de vidro fazem parte da adequação do meio
periódicas, além do tratamento das lesões cariosas pre- e que devem ser substituídas por materiais restauradores
sentes (Raggio et al.25 2004). mais resistentes e duradouros (Noronha17 2005 Noro-
nha18 1996 Rodrigues e Corrêa27 1998). No entanto,
DISCUSSÃO
para Pinheiro et al.21,23 (2003,2004) essa substituição é
A remoção cirúrgica da lesão de cárie foi proposta desnecessária até mesmo nos casos de capeamento pul-
numa época em que a etiologia da doença não tinha a par indireto (Pinheiro et al.22 2003) , já que a dentina
abrangência que tem hoje. Buscava-se deixar o dente o afetada pela cárie pós-remoção atraumática apresenta ca-
mais “limpo” possível, o que na maioria das vezes leva- racterísticas clínicas e estruturais que permitem a manu-
va a um desgaste desnecessário. Atualmente, sabe-se que tenção desse tecido para a execução de qualquer técnica
com o mínimo, ou até mesmo nenhuma remoção do restauradora (Imparato e Braga11 2005, Pinheiro et al.21
tecido dentário pode-se controlar a doença, preservando 2003).

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As restaurações de ionômero de vidro vêm sendo em- t"EFRVBÎÍPEPNFJP


pregadas com resultados satisfatórios na fase restaurado- Exodontia
ra (Bresciani5 2003), e o ART considerado um tratamen- Tratamento endodôntico:
to preventivo restaurador devido à durabilidade do CIV Pulpotomia
(Ramos et al.26 2001). Apesar disso, grande parte dos Pulpectomia
autores ainda entendem que as restaurações feitas com Penetração desinfetante
esse material devem ser consideradas parte da adequação Remoção total de tecido cariado e preenchimento
do meio bucal 1, 17, 18, 24, 27, 29, 33. com: Óxido de Zinco e Eugenol
Stefanac e Nesbit31 (2001) recomendam o uso das CIV convencional
restaurações de ionômero de vidro tanto na fase de con- Remoção parcial de tecido cariado e preenchimento
trole da doença, como material intermediário, quanto na com: Óxido de Zinco e Eugenol
fase definitiva do tratamento, como material restaurador
(Nesbit13 2001, Nesbit e Stefanac15 2001) .
Então, pode-se questionar: as restaurações de cimen- t'BTFBEÏRVPSFTUBVSBEPSB
to de ionômero de vidro realizadas com a técnica ART
ou técnica convencional devem ser inseridas em qual fase t3FTUBVSBÎÍPDPN$*7SFTJOPNPEJmDBEP
do plano de tratamento? t"35
Dessa forma, a criação de uma fase adéquo-restaura-
dora responderia a essa questão quando as restaurações t'BTF3FTUBVSBEPSB
exercerem a função de adequar o meio bucal, e não ti- t3FTUBVSBÎÜFTDPN "NÈMHBNB
verem caráter provisório como os casos de ART e das Resina Composta
restaurações com cimento de ionômero de vidro resino- t1SØUFTF
modificado (que recuperam forma, função e estética). Unitária: Coroa de aço.
Portanto, o plano de tratamento apresentaria as seguin- Resina composta: direta
tes fases e seus respectivos procedimentos: Indireta
Parcial fixa
• Fase de urgência: eliminação de focos de infecção Parcial removível: mantenedor estético
e dor. funcional
mantenedor de espa-
t'BTF4JTUÐNJDB ço
Total
t'BTF1SFQBSBUØSJB
t&UBQBQSFWFOUJWB t'BTFEF.BOVUFOÎÍP
Evidenciação de placa bacteriana
Polimento coronário CONCLUSÃO
Aplicação tópica de flúor A divisão didática do plano de tratamento deve
Orientação e motivação de higiene bucal acompanhar as mudanças e avanços que ocorrem na
Orientação e motivação para dieta alimentar Odontologia.
A inserção da fase adéquo-restauradora torna essa di-
visão mais atual e de acordo com a filosofia de mínima
intervenção e preservação da estrutura dental.

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Recebido em: 02/06/2007
Aceito em: 06/04/2008

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