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Responsabilidade social e o

ciclo de vida dos artefatos


Cardoso, Redig e Rangel

Teoria e Crítica do Design


Profª Ana Bandeira
2020/2
O design se define por seus
objetos ou por seu processo?
o design se define por seus objetos ou por seu processo?

» “pelos objetos que produz,


conforme argumenta a maioria das autoridades modernistas,
então só aquelas atividades que geram uma produção de natureza
industrial podem ser enquadradas na definição”.
o design se define por seus objetos ou por seu processo?

» “pelos objetos que produz,


conforme argumenta a maioria das autoridades modernistas,
então só aquelas atividades que geram uma produção de natureza
industrial podem ser enquadradas na definição”.

» “Se, por outro lado, a definição do design se pauta no próprio


processo de projetar, então pouco importa, a rigor, a forma de
produção”. (p.16)

[Se, por outro lado, o ato de projetar é o único fator determinante,


então o que diferencia um designer de um arquiteto, de um
engenheiro, de um artista plástico ou de qualquer outro profissional
que utiliza o projeto como elo entre a concepção e a fabricação?]
o design se define por seus objetos ou por seu processo?

[PRODUTO + PROCESSO]

“na maneira em que os processos do design


incidem sobre os seus produtos, investindo-os de
significados alheios à sua natureza intrínseca” (p.17).
(fetichismo dos objetos)*
o design se define por seus objetos ou por seu processo?
[PRODUTO + PROCESSO]

“na maneira em que os processos do design


incidem sobre os seus produtos, investindo-os de
significados alheios à sua natureza intrínseca” (p.17).
(fetichismo dos objetos)*
* fetichismo é o ato de investir os objetos de significados que não lhes são
inerentes (p.28).
o design se define por seus objetos ou por seu processo?
[PRODUTO + PROCESSO]

“na maneira em que os processos do design


incidem sobre os seus produtos, investindo-os de
significados alheios à sua natureza intrínseca” (p.17).
(fetichismo dos objetos)*
* fetichismo é o ato de investir os objetos de significados que não lhes são
inerentes (p.28).

Para um esboço de definição:


o design é, em última análise, um processo de investir os objetos de
significados, significados estes que podem variar infinitamente
de forma e de função, e é nesse sentido que ele se insere em uma
ampla tradição ‘fetichista’ (p. 29).
Design como cultura material
o processo de projetar e de fabricar objetos

Do ponto de vista antropológico, o design é uma entre diversas


atividades projetuais, bem como as artes, o artesanato, a arquitetura, a
engenharia e outras que visam a objetivação no seu sentido estrito, ou seja, dar
existência concreta e autônoma a ideias abstratas e subjetivas (p.19).

Mais correta do que ‘objeto’, no contexto atual, seria a palavra


‘artefato’, a qual se refere especificamente aos objetos
produzidos pelo trabalho humano, em contraposição aos objetos
naturais ou acidentais.

objeto artefato
Cultura material
Ao considerarmos o conjunto de artefatos produzidos e usados por um
determinado grupo ou por uma determinada sociedade, chegamos ao
conceito de ‘cultura material’.

“O design constitui, grosso modo, a fonte mais importante da


maior parte da cultura material de uma sociedade que, mais do que
qualquer outra sociedade que já existiu, pauta a sua identidade
cultural na abundância material que tem conseguido gerar”. (p. 22)
Cultura material
Cultura material
O significado do artefato para o usuário não se reduz ao seu
funcionamento e seria mais adequado falar de ‘funções’ do
objeto do que de ‘função’, principalmente no que diz respeito à
sua inserção em um sistema de produção, circulação e consumo
de mercadorias.

Se pensarmos no artefato não como uma entidade abstrata


mas a partir de exemplos concretos, torna-se evidente que
nenhum objeto possui um significado monolítico ou fixo.

Os artefatos existem no tempo e no espaço e vão, portanto,


perdendo sentidos antigos e adquirindo novos à medida
que mudam de contexto.
o que é um significado inerente?
Significado inerente
Os artefatos, mesmo não possuindo significados permanentes ou fixos,
são capazes de conter significados ligados tão intimamente à
sua natureza física e concreta, que estes podem ser considerados
mais ou menos ‘inerentes’, ou seja, estáveis em um grau infinitamente
maior do que qualquer significado verbal.

Os artefatos possuem, então, diversos níveis de


significados:
»alguns universais e inerentes (as garrafas são
feitas para conter líquidos),
»outros extremamente pessoais e volúveis
(“papai usava esta garrafa para guardar o seu
conhaque especial”).
Significados e significantes
A função do designer não é de atribuir ao objeto aquilo que ele já
possui, aquilo que já faz parte (in haerere) da sua natureza,
mas de enriquecê-lo, de fazer colar – aderir mesmo (ad haerere) –
significados de outros níveis bem mais complexos do que aqueles
básicos que dizem respeito apenas à sua identidade essencial.

[...] na condição pós-moderna,


as noções de tempo e história são fluidas. […]
retrô e revival se retroalimentam […]
todas as épocas passadas convivem em simultaneidade
com o contemporâneo.

CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo.


São Paulo: Cosac Naify, 2012. p. 79
Significados e significantes
Assumindo que o design não é uma atividade neutra, mas que
também pretende gerar significados,
os designers sentir-se-iam mais livres para discutir abertamente o
problema urgente da natureza dos significados que podem e devem
gerar como um grupo. Cabe pensar:
Significados e significantes
Assumindo que o design não é uma atividade neutra, mas que
também pretende gerar significados,
os designers sentir-se-iam mais livres para discutir abertamente o
problema urgente da natureza dos significados que podem e devem
gerar como um grupo. Cabe pensar:

não seria o bom design aquele


que consegue embutir sentidos
duradouros nos artefatos,
atingindo um grau de aderência
relativamente alto?
“Às vezes, é
preciso mudar
muito
para continuar
sendo o
mesmo.” (p. 85)
“Às vezes, é
preciso mudar
muito
para continuar
sendo o
mesmo.” (p. 85)

Que tipo de cultura material pretendemos legar às gerações futuras


como testamento da nossa época e da nossa sociedade?
Ciclo de vida do artefato
Os objetos não morrem; sobrevivem, nem que seja como lixo ou
resíduos (p. 155).

Lixo nada mais é do que matéria desprovida de sentido (p. 157).

Descarte ≠ coleta | coleção

Necessidade de projetar o pós-uso abre um imenso desafio que


promete revolucionar o pensamento do design (p. 167).
Ciclo de vida do artefato

O pós-uso é o horizonte distante da


materialidade que se recusa a morrer (p. 163).

Pensar em:
» Manutenção
» Reversibilidade de função
» Durabilidade

(Programa Menos é Demais – GNT)


Sentidos e direções do design:
um roteiro necessário
Ângela Rangel
Analogia e alegorias (p. i)
Quando ao aviador de Saint-Exupéry foi solicitado que
desenhasse um carneiro, depois de ter algumas tentativas
recusadas, este o fez já sem muita paciência.
Rabiscou um desenho despreocupado como para livrar-se da
questão.
Acabou esboçando apenas uma caixa e informou que ali
dentro estaria o carneiro, o que de fato respondeu à
solicitação de seu cliente,
o Pequeno Príncipe.
Analogia e alegorias (p. i)

Entretanto, eis que algum tempo depois o Príncipe informou-


lhe sobre as suas preocupações quanto à inevitável
convivência desse carneiro com uma bela flor, a qual muito
apreciava em seu planeta.
A par das necessidades de seu cliente, para que ao carneiro
não fosse possível liquidar a flor,
resolveu de súbito atualizar o desenho, fazendo desse modo
uma pequena mordaça para o animal.
Analogia e alegorias (p. i)

De fato uma atitude louvável, muito provavelmente, se hoje o


aviador intitulasse seu trabalho como design, tal rabisco seria
merecedor de algum prêmio de “responsabilidade”.
Entretanto, não havia verdadeiramente projeto em seu
desenho, não houve processo criativo, mas um impulso
criador.
O aviador aplicou a primeira ideia que lhe
pareceu conveniente sem tampouco analisar
seus atos. Não houve uma escolha,
e sim uma resposta fácil.
“ Mas eis que sucede uma coisa extraordinária. Na
mordaça que desenhei para o principezinho, esqueci
de juntar a correia! Não poderá jamais prendê-la no
carneiro.
E eu pergunto então:
“O que será que aconteceu no seu planeta? Pode ser
que o carneiro bem tenha comido a flor...”
Saint-Exupéry
Fiat Lux: das raízes etnológicas aos frutos do design

A marca de fósforos serve como metáfora para


abordar o surgimento da luz elétrica, do fogo e
do Iluminismo como projetos
inovadores que revolucionaram o modo de vida das pessoas.
Neste último caso, a autora faz um gancho com transformações
sociais e cita a postura de muitos designers que pensam
única e exclusivamente na utilidade do que
produzem, e esquecem das consequências e do
impacto que suas invenções podem ocasionar.
Germinar e Amadurecer
Faz-se citações do Código de Ética Profissional da Associação dos Designers
Gráficos (ADG) e é ressaltada a urgência de profissionais e educadores
adotarem certos valores como regra e não como exceção.
A ética é um olhar crítico sobre a sociedade em que vivemos.

É uma reflexão sobre o fundamento e a coerência dos valores e dos


princípios que sustentam a prática das atividades humanas.

O que a ética busca é o bem comum.

Nenhum código de ética é estático ou eterno.


Ao contrário, é dinâmico e reflete o processo
histórico e a evolução social. (ABEDESIGN)
Germinar e Amadurecer

A questão ética é também abordada segundo Ana Luísa Escorel, que


acredita que o tema possua três níveis:

» no primeiro a questão ética do designer com ele


mesmo,

» no segundo o designer e sua


relação com os colegas de trabalho e o

» terceiro o designer perante seu tempo e sua sociedade.


Pedra, Papel & Tesouro
Designers pouco interessados em informar-se acabam
cedendo às pressões do mercado para utilizarem materiais e
técnicas já consagrados.
Por isso tanto lixo é produzido e por isso existe um pré-
conceito por parte dos empresários e da sociedade de que
produto reciclado possui estética hippie ou rústica.
Mesmo em alguns casos o produto reciclável é visto com
status de luxo, por supostamente assumir um compromisso
social nem sempre bem-sucedido ou verdadeiro, gerando até
uma falta de crédito aos produtos bem intencionados.
Papel social

“[...] É um conjunto
de direitos e deveres relativo à
função social que se espera que um individuo
exerça em determinada posição social: mãe, padre, médico, etc.
A posição social é a posição que o indivíduo ocupa em dada estrutura
de uma sociedade.
[...] Portanto, uma categoria profissional é uma
categoria social, fruto de uma divisão social do
trabalho. (BRAGA, 2011, p. 10.)
Papel social

“Na divisão de trabalho, há um papel social a ser


desempenhado por cada categoria profissional, relativo ao
seu campo de conhecimento[...].

Em teoria, todo o profissional consciente de seu papel ao exercer sua


função social
de maneira ética e de modo eficaz
contribui para que a sociedade de que faz parte se
desenvolva em harmonia. (BRAGA, 2011, p. 10.)
Papel social do design gráfico
“O design gráfico moderno surgiu, em grande parte,
a serviço da comercialização dos produtos industrializados.
Porém, foi utilizado também como um dos elementos
agregadores das intenções de união da arte e da
técnica [...]” (BRAGA, 2011, p. 11).

“[...] não existe design que não seja social – para a sociedade.

O que seria um design não social?


Design comercial?
Design comercial que não for dirigido às necessidades da
sociedade não é design. (REDIG, 2011, p. 92-3.)
“Responsabilidade social” para o outro
“Tratadas apenas no plano moral, e não no plano técnico. [...]
Atividades educacionais e recreativas para populações pobres, ou para
seus empregados.

Nada que ver com


sua própria produção.
Algo que se faz fora do expediente.
(REDIG, 2011, p. 93)
“Design Social” é pleonasmo
» Buscar soluções definitivas ou estruturais, não apenas paliativas
ou conjunturais.
» Não tratar apenas os sintomas da doença, mas sua causa

Sustentabilidade = funcionalidade

“Pode o usuário ser feliz,


em qualquer momento da história,
usufruindo dos bens materiais
projetados para ele,
num ambiente hostil e insalubre?
(REDIG, 2011, p. 94)
“Sim, mas as pessoas sentam
sobre as mesas” (Karl Heinz Bergmiller).
» Ir além da função do brienfing.
» Não confundir função com operação de um produto.
Educação social pelo design

Pessoas mal-educadas?
Falta de recolhimento de lixo?
Problema de mira?
Problema de design?
Ronald Shakespear:
“O ofício do design é um serviço infalível [inclaudicable]
que temos que prestar às pessoas, o que significa que
não somos nós que estamos em cena, mas nosso
trabalho em diálogo com as pessoas [...] (p. 110)

“Nosso ofício tem uma responsabilidade civil


que consiste em que as comunicações e os sinais estejam
expressos em termos verbais e visuais que as pessoas
entendam, quer dizer, [devemos]
tornar legível a cidade” (p. 110).
De volta ao pequeno Príncipe...
Analogia e alegorias (p. 13-14)
[1] O carneiro não é um carneiro, mas a necessidade, da
maneira como é vista pelo cliente.
Um desejo que nem sempre precisa ser saciado daquela
maneira.
Por exemplo: não precisamos de um jornal, necessariamente, mas da
informação do que aconteceu no dia anterior.
[2] Atentando sobre o aviador: ele não faz exatamente um
carneiro, mas uma caixa, ou seja, através de seu
conhecimento, que não era muito, faz o que consegue para
satisfazer a necessidade do Príncipe.
Entretanto, nem sequer sabe qual é o motivo
de estar fazendo aquilo.
Analogia e alegorias (p. 14)
Por que o Príncipe precisava de um carneiro em um
planeta tão pequeno?
Seria algo como placas gigantescas que comprometem a visualização das
fachadas históricas em Pelotas?
O comerciante não precisa de uma placa de lona de 2m.
Se o designer souber criar uma estratégia que não seja nociva a longo
prazo e educar o seu cliente para compreender tal fato, evita-se o
desperdício.
[3] As mordaças são essas estratégias emergenciais que vem
sendo criadas, mas podem, às vezes, ser mero desperdício de
matéria-prima, bem como de esforços.
Analogia e alegorias (p. 14)

Evitar um ‘recall’, ou seja, uma adaptação do próprio projeto


após já ter sido veiculado, é evitar a mobilizações para corrigir novos
problemas como:
» o descarte de materiais com ciclo de vida curto,
» a necessidade de campanhas antitabagismo,
» a poluição visual ou
» desperdício de energia para tentar desenvolver meios
para neutralizar o impacto ambiental.
Analogia e alegorias (p. 14)
[4] Já a flor não diz respeito apenas à natureza como recurso
natural, mas tudo aquilo que ela envolve:
» a fauna,
» a flora,
» as fontes de energia e o
» ser humano com seus valores sobre aquilo que é
necessário preservar.

Afinal de contas, no livro de Exupéry, a flor representa o amor e a


necessidade de preservá-lo. Uma metáfora para o bem-estar,
demonstra a existência de uma necessidade de
relacionamento e cuidado entre as pessoas e coisas,
o que inclui o ambiente em que ela se insere.
Analogia e alegorias (p. 14)
Enfim, o problema do príncipe era pequeno,
queria tirar os arbustos que estavam nascendo em
seu planeta,
ele poderia recolher sozinho, mas precisava de uma tecnologia
para fazê-lo, talvez enquanto permanecesse fora do planeta, e
deduziu principalmente que o carneiro
era a melhor solução.
"With great power
comes great
responsibility”.
Stan Lee, 1962,
em sua primeira história com o herói Spider Man

* “Com grandes poderes vem grandes responsabilidades”.

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