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21/03/2021 Linguagem e Arquitetura: O Problema do Conceito – Arquitechne

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Linguagem e Arquitetura: O Problema do Conceito


8 Maio 2018 (https://arquitechne.com/linguagem-e-arquitetura-o-problema-do-conceito/)
Textos (https://arquitechne.com/category/textos/)

Prof. Dr. Carlos Antônio Leite Brandão (1)


1. Introdução

Cumpre reposicionar a questão do conceito do projeto arquitetônico em novas chaves: a da linguagem e a da compreensão. A formulação
do conceito, sobretudo diante da elaboração do projeto, tem sido prejudicada pelo vício de vê-lo antecedendo e se concluindo antes ou
fora da representação e produção do espaço. Essa visão é idealista pois se assenta na noção de que devemos, antes de tudo, apossar-nos
completamente de uma idéia para, em seguida, representá-la no desenho. Cartesianamente, crê-se intuir uma idéia clara e distinta em
nosso espírito (disegno interno) para depois representá-la sobre o papel, maquete, computador ou outro suporte qualquer (disegno
esterno)(2). Essa concepção é similar àquela que considera ser a palavra falada apenas o “índice” ou sinal de um pensamento que estaria
além ou aquém daquilo que falamos ou escutamos. Nessa perspectiva, a relação estabelecida entre o conceito e o projeto se define dentro
de uma lógica causal e segundo uma figura linear do tempo vetorizada dos antecedentes mentais até às conseqüências projetuais e
representativas.

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Discutindo a questão da linguagem, proporei um novo modo – o qual chamo hermenêutico, pois funda-se nas abordagens de M.
Heidegger e H.G. Gadamer – de considerar a elaboração do conceito dentro da produção da arquitetura. A partir dessa abordagem
hermenêutica da linguagem na arquitetura, o papel do conceito mostrar-se-á sobre um novo patamar, como a chave da compreensão do
objeto arquitetônico. O conceito não é apenas uma elaboração mental prévia, destinada a ser substituída pelo projeto no qual ela seria
totalmente absorvida, mas o medium histórico da linguagem através da qual nos constituímos e compreendemos o mundo em que
vivemos. Nessa chave o conceito servirá não apenas para o trabalho do arquiteto mas, sobretudo, para a compreensão do produto do seu
trabalho por parte de quem o habita. Toda compreensão, inclusive a do leigo, não é a projeção de uma série de estímulos sensíveis sobre a
retina passiva de nosso corpo. Esses estímulos se projetam sobre a pré-compreensão que o habitante já carrega. E essa matriz pré-
compreensiva é constituída, entre outras coisas, pelos conceitos e pela memória. Não há percepção que não ative uma rede de conceitos
que procura dar sentido àquilo que é percebido, mesmo que nunca nos tenha caído sob os olhos.

É sobre a chave do conceito, talvez até mais do que sobre a chave da percepção, que o espaço é compreendido e o arquiteto e o fruidor se
comunicam. Mas para isso é necessário percebermos como que o projeto e o edifício capturam, como um jogo, o arquiteto e o fruidor.
Nesse jogo o projeto mostra sua verdade, o conceito torna-se palavra e a arquitetura é compreendida em sua especificidade. Enfim,
cumpre ver como o conceito é capaz de fazer dialogar os universos distintos de quem projeta e de quem habita, desvencilhar-se da
relatividade do juízo de gosto e ultrapassar o campo especificamente espacial, arquitetônico ou artístico para instalar-se no campo da
história e da poesia.

2. Da etimologia do conceito

Conceito deriva do latim conceptum e significa tanto pensamento e idéia quanto fruto ou feto. Concipere engloba tanto o significado mais
comum de gerar e conceber quanto as ações de reunir, conter, recolher, absorver, fecundar, exprimir ou apreender espiritualmente
alguma coisa. Como no grego logos, no qual se radicarão por exemplo “leitura” (legere) e “legume”, a atividade mental de conceber é
metáfora da atividade agrícola de colher algo que é oferecido pelo mundo e apropriado pelo espírito ou pela nossa vida prática. Essa
origem etimológica não é apenas uma abordagem erudita mas aponta para a ligação entre a teoria e a praxis, entre a linguagem e o
mundo, entre o conceito e a existência cotidiana, entre a atividade abstrata do pensamento e o nosso modo concreto de estar e se
relacionar com o mundo.

Apontar essa ligação serve para combater aquele vício de separar-se o universo mental em que se crê formularem-se os conceitos,
pensamentos e idéias e o universo prático em que desenvolvemos nossos hábitos e nossa habitação do mundo. Verifica-se nas acepções
de colher, recolher e reunir, por exemplo, que a construção do conceito não emerge de um tabula rasa ou em um plano a-histórico, mas
ela é reflexão sobre a própria existência e a construção de um artifício, palavra ou alimento, através do qual nos apropriamos,
compreendemos e construímos o mundo. No conceito, reúne-se nossa experiência do mundo, elabora-se aquilo que se destila desta
experiência como sua “essência”. Nesse sentido, o conceito não é uma invenção ex nihilo, mas uma compreensão daquilo que
efetivamente vivemos, uma captura da história de nossa vida pelo espírito e pela linguagem, uma interpretação do passado com vistas a
sua articulação no presente, a retomada da tradição precedente para fazê-la fecundar aquela que se funda. Daí envolver-se na tarefa da
concepção a colheita e o recolhimento, ou seja, a capacidade de fecundar novos frutos a partir daquilo que colhemos no campo do mundo.
Aquele que concebe, portanto, é aquele que colhe, seja o grão ou seja a experiência vivida, para serem usados como alimentos ou para
relançá-los à terra e gerar novos frutos a serem entregues ao mundo.

Pensar a arquitetura é similar ao exercício do agricultor. Os conceitos, como aqueles que elaboramos durante a produção de um projeto,
não surgem do nada, mas da reflexão sobre a nossa própria experiência dos espaços e daquilo que nos fornece a tradição que lhes
concerne. Assim, por exemplo, diante da solicitação de projetarmos um templo cumpre elaborar a reflexão sobre nossa experiência
desses espaços, sobre a imagem, os significados e sentidos que a tradição nos transmite e que se depositou como repertório da cultura
(outra analogia com o mundo agrícola) humana e sobre a própria dimensão religiosa, mítica, ancestral ou mística que, mesmo sem
sabermos, habitam nos nossos hábitos e nas nossas habitações, quer sejam locais de culto ou não. Aquilo que daí se destila é a semente
que forja o conceito e muitas vezes ela já vem se decantando em nossa memória. Transmutar a experiência em conceito é a oportunidade

que temos de elaborar a experiência na medida em que nos obrigamos a compreendê-la, ou seja, apropriarmo-nos espiritualmente dela,

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colhê-la, prender o mundo a nós. Através do conceito, a tradição deixa de ser algo externo para ser internalizada e fundar uma nova
tradição que se lança no mundo. Por isso, a virtude de um conceito não é propriamente ser original, mas ser, ao mesmo tempo, colheita e
semente, capaz de articular o passado e o futuro através do projeto que apresentamos, e palavra através da qual colocamos em órbita
pública e objetiva a chave pela qual nós compreendemos o mundo e nos inserimos nele.

Também na arquitetura, a tarefa conceitual não é exclusivamente mental pois implica em refletir a experiência vivida. É uma atividade
teórica que emana da dimensão prática de nossa existência e sem a qual aquela é vazia. Uma experiência que é também experiência de
espaços vividos, mais do que vistos em fotografias de revista ou descrições de formas, estruturas e materiais. Ou seja, uma experiência de
habitação mais do que de contemplação ou admiração. O agricultor planta as sementes tendo em vista a sua frutificação futura, a época
da colheita. Também cumpre ao arquiteto, no momento em que germina o seu conceito, ter um olhar voltado para aquilo que ele
pretende recolher no projeto, o qual lança ao mundo como o fruto de sua atividade. Também nessa perspectiva futura se assenta a
componente prática de todo fazer teórico que se pretenda fecundo. É uma colheita que não visa apenas ao acúmulo mas, sobretudo, o
relançamento ou a transmutação daquilo que se colhe em algo que se oferece ao mundo e se apresenta como útil aos homens e ao destino
público. O conceito é a terra na qual aquilo que nos foi dado é transmutado naquilo que doaremos ao mundo. Em termos arquitetônicos
isso quer dizer que ele não traz uma beleza em si mas só na medida em que é capaz de adquirir uma conformação a nível de projeto e obra
e a nível público, para ser lançado como alimento e habitação dos homens. E isto só é possível se ele é saboreado enquanto desenho e
construção, os discursos da arquitetura. O conceito não é intuição ou inspiração pura e emanada de alguma força transcendente, tal como
advogado extensamente pela concepção do artista como gênio ou por uma estética que assenta o valor da arte exclusivamente na
originalidade. Ele é inspiração só se o entendemos como em L. Kahn: não basta termos uma idéia mas proporcionar o encontro entre a
idéia e a construção. Em arquitetura, e talvez também em política, o conceito deve ser compreendido mais como a potência aristotélica
do que como uma entidade que habita o mundo das idéias de Platão. E seu valor de potência está justamente na sua capacidade de
transmutar-se em ação construtiva, inserir-se no mundo e modificar a existência e a história dos homens.

Contudo, cumpre verificar que essa dimensão prática envolvida na especulação teórica, não pode ser traduzida como pura
pragmaticidade. Assim como o fruto que é colhido pelo agricultor não se consome apenas no uso, também o conceito em arquitetura não
vê esgotada a sua função apenas na serventia do projeto assim como a idéia não se esgota na serventia do discurso. Parte daquilo que se
colhe serve para ser relançado à terra e gerar as futuras colheitas. Também aquilo que se concebe ultrapassa a mera resolução prática e
construtiva e deve ser relançado a outras especulações através das quais se enriquece e se amplia a “cultura” arquitetônica que um
projeto motiva. Tais sementes, tal como aquelas que o agricultor separa para relançá-las ao campo, são as melhores e mais
criteriosamente selecionadas. Elas não servem apenas como o alimento rapidamente digerido nos traços do desenho ou nas alvenarias de
uma obra, mas abrem outras colheitas, reinstalam o rito dionisíaco de se renovar as idéias e fecundar novos campos que ultrapassam as
próprias roças da arquitetura. Levam a um pensamento sobre a vida, com repercussões na arte, na ciência, na história, na filosofia ou na
poesia. Como se esparramadas pelo vento, tais sementes germinam em outros alqueires, assim como aquelas que, sopradas de outras
plantações, vêm germinar no campo do arquiteto. Um bom conceito não é bom, apenas, por nos conduzir a um edifício de arquitetura,
mas também por nos lançar a uma meta-arquitetura, àquilo que nos ultrapassa. Tal como o bom alimento não é apenas aquele que nos
enche a barriga mas também aquele que nos desperta o sabor e nos confere a energia adequada para melhor empreendermos nossas
ações no mundo. Ou seja: a elaboração do conceito tem um valor que ultrapassa sua aplicação ao projeto, na medida em que se constitui
como reflexão sobre a arquitetura, além de sua valência funcional e construtiva. Por isso, o discurso da teoria e da história da arquitetura
tem uma autonomia relativa e vai além de sua aplicabilidade imediata à formulação do projeto.

3. Da natureza e função do conceito

Geralmente, a exposição de um projeto arquitetônico ou urbanístico é precedida pela apresentação do conceito geratriz. A função de tal
conceito varia conforme o concebe o arquiteto.

Uma concepção é essa que considera o conceito como índice ou signo de uma idéia. Pretende-se que tal conceito seja instrumento para
revelar a idéia, o signo perfeito da imagem mental do projeto ou a tradução de um disegno interno ou propósito geral que, não raras
vezes, é contradito pelo próprio projeto ou disegno exterior. Nessa concepção, o conceito é visto como signo linguístico responsável por
traduzir, no discurso oral ou escrito, o pensamento daquele projeto. É, portanto, um conceito derivado e cuja função é descritiva:

exprimir os pressupostos a priori dos quais partiu a resolução espacial. Essa visão do conceito é similar à da linguagem científica que tem

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como função descrever — matematicamente, por exemplo — os fenômenos observados na natureza. No limite da transposição dessa
abordagem para o trabalho da arquitetura, a proposta conceitual desliza para o memorial descritivo: muitas vezes o que se chama de
conceito de projeto nada mais é do que a descrição daquilo que está desenhado nas pranchas ou a ênfase dos detalhes, princípios e
modulações que deverão presidir a obra e que podem não estarem explícitos na linguagem gráfica. Assim, ou o conceito procura
descrever uma instância mental que muitas vezes não conquista formas de se realizar no desenho ou na obra edificada, ou ele se limita a
descrever aquilo que é apresentado nas pranchas ou nos edifícios. Nos dois casos, ele não significa um efetivo aporte de saber.

O que preside essa interpretação é, como já dissemos, o modelo da linguagem científica. A função dessa linguagem é apontar a verdade de
um fenômeno e ela é justa quando se adequa perfeitamente ao fato empírico. A verdade do conceito é estabelecida, como adequatio,
diante de sua verificação no projeto ou na arquitetura, cuja espacialidade suposta é substituída pelos termos da descrição conceitual.
Contudo, caberia perguntar até que ponto a descrição do espaço compreende o seu sentido e até que ponto aquilo que pode ser verificado
empiricamente no projeto ou na obra esgota a verdade contida neles. Se a resposta for negativa cumpre repensar a linguagem da
arquitetura como diversa da linguagem científica e encontrar uma outra função do conceito diverso dessa função instrumental em que
ele se refere a algo externo a si.

Aqui se abre uma outra forma de considerar a função do conceito. Ele não é apenas um termo ou signo que se refere a uma imagem
mental ou realidade construtiva que lhe é exterior. Na medida em que é visto apenas como instrumento de acesso a uma imagem mental
ou de descrição de uma realidade que lhe é exterior, o conceito desaparece e perde sua importância tão logo tais imagens e realidades se
evidenciem. Heidegger, em A Origem da Obra de Arte, distingue justamente o objeto artístico do objeto instrumental por este fazer
desaparecer em si a matéria da qual é feito. Assim, por exemplo, a pedra desaparece no calçamento, o concreto desaparece na lage, o aço
desaparece na tesoura, o amarelo desaparece na camisa e a luz passa inadvertida pelas janelas. Na obra de arte, ao contrário, a matéria se
revela: a docilidade da pedra-sabão se revela em Aleijadinho, a plasticidade do concreto se revela na arquitetura de Niemeyer, o aço se
revela na escultura de Amilcar de Castro, a personalidade do amarelo se revela nos girassóis de Van Gogh e a luz se faz a matéria da
arquitetura gótica. Um projeto de arquitetura é aquele onde o conceito não desaparece mas, ao contrário, se revela, desabrocha e
resplandece à luz do mundo. A obra desoculta o conceito, torna visível aquilo que antes permanecia oculto e o termo da obra acabada
nada mais é do que a evidência do conceito. Esse conceito, portanto, não é apenas aquilo que descreve uma idéia ou o ponto de partida de
um projeto, mas o termo da própria obra: a exposição de sua essência e que a faz ser daquele modo e não de outro. O conceito é a própria
essência da obra e contém a verdade da obra. Mas não a verdade enquanto aquilo que pode ser empiricamente verificado, mas a verdade
enquanto sentido: o sentido que a obra abre a nós e que antes permanecia oculto.

Portanto, o conceito só aparece junto com a conclusão do projeto, é elemento constitutivo dele, não exterior, e é um vetor para o qual a
expressão gráfica se dirige a fim de compreendê-lo. Se colocamos lado a lado tal modo de pensar o conceito com aquele abordado quando
da análise etimológica, conclui-se que o processo de projeto é uma via de mão dupla em que o conceito e o desenho, o arquiteto e o
projeto, se remetem reciprocamente, tal como o discurso e a idéia. Traduz-se aqui, no processo de elaboração da arquitetura, o círculo
hermenêutico em que o sentido da obra circula: um diálogo interminável entre o conceito e o desenho, entre a idéia e a linguagem, entre
a habitação e o habitante. Não se trata nem mesmo de dizer que o conceito, como em Kant, é a forma do intelecto constituir os
fenômenos pois isso implica em fazer o conceito residir na transcendentalidade do sujeito. Da mesma forma, não se trata da
intencionalidade husserliana pois, também aqui, está hipostasiada a prevalência do sujeito diante da tradição e do mundo que o cerca
bem como a idéia de que o conceito se configura como uma representação subjetiva ou nominal da realidade das coisas. Não: o conceito
está no jogo estabelecido entre eu e as coisas que me cercam, o conceito emerge na experiência, o conceito é linguagem que emerge na
nossa situação histórica.

A virtude do conceito, ao contrário do discurso científico, não é ser verdadeiro, mas ser fecundo. Ele não pretende descrever uma
instância empírica externa, mas abrir novos sentidos. Ele não é signo a ser considerado na objetividade de uma teoria semiótica, mas
palavra, linguagem, discurso que se desenvolve dentro de um diálogo de progressiva compreensão. Ele não é algo fixado de antemão,
puramente mental e apriorístico, nem é o mero resultado das coleta de dados tão difundidas nos relatórios urbanísticos e na crítica
positivista, mas porta em si uma estrutura dialógica e contextualizada. Esse diálogo tem vários interlocutores: a tradição arquitetônica, o
intérprete dessa tradição ou arquiteto, o público para o qual a obra se destina, o contexto (condicionantes e determinantes) em que a
obra e seu autor se inserem e a linguagem em que o projeto e o edifício se constituem. Tais interlocutores dialogam incessantemente

desde o momento em que o problema espacial é colocado até sua vivência por quem o passará a habitar, de alguma forma. Não há

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prevalência de uma instância sobre a outra: ao estudar a tradição do problema que procura compreender, o arquiteto já tem um olhar no
futuro e no usuário provável de sua obra; ao penetrar no edifício, o intérprete já é colocado em diálogo com toda uma tradição que o
ultrapassa. O sentido da obra circula entre vários pólos e, mesmo depois de concluída, esse sentido experimentará mudanças e poderá se
recolher para dar lugar a vários outros sentidos. Assim como o sentido da obra é histórico e sempre aberto, também o seu conceito jamais
se fixa definitivamente e permanece sempre em contínua reelaboração. É por isso que a obra de arquitetura é doadora de discursos e não
apenas conseqüência de um discurso ou sentido prévio e determinado de uma vez por todas. Sua verdade jamais se fixa. E o discurso que
se pode fazer sobre a obra é sempre provisório. Ele não visa a adequatio a uma realidade externa, mas a compreensão das coisas até que
elas tomem um sentido para nós. É esse o sentido que se abre no diálogo que estabelecemos com o projeto, o edifício e a cidade. Essa
situação dialógica, mais do que metódica, me parece mais condizente com os discursos e a prática do projeto arquitetônico. Um projeto
onde o conceito é a matriz de idéias novas que começam a circular junto e a partir do projeto, e não antes dele: “que nos forneça
emblemas cujo sentido não cessará nunca de se desenvolver, que, precisamente por nos instalar em um mundo do qual não temos a
chave, nos ensine a ver e nos propicie enfim o pensamento como nenhuma obra analítica o pode fazer, pois que a análise só revela no
objeto o que nele já está.”(3)

4. A autonomia semântica da linguagem da arquitetura


Assim como um círculo se divide em vários arcos, também o círculo hermenêutico se divide em arcos hermenêuticos (4) estabelecidos
entre aqueles interlocutores.

Tomemos o arco estabelecido entre a idéia de espaço, de natureza mental, e a linguagem do projeto, de natureza gráfica. Essa linguagem
não é simplesmente representação daquela idéia; sua função não é simplesmente explicar aquela idéia ou pensamento. Isso se deve ao
fato de que aquela idéia já é pensada como linguagem, mediatizada por símbolos. Tais símbolos já estão implícitos no pensamento; eles
são constitutivos daquela idéia e não apenas a representam. Portanto, o conceito em arquitetura já se constitui direcionado para a
linguagem através da qual o espaço se fará compreendido por quem o ler. Os pensamentos do arquiteto e o público para o qual sua obra se
dirige só podem compreender-se reciprocamente, através do medium da linguagem que os coloca em relação. Esse medium não é apenas
o instrumento que permite o contato entre os universos do arquiteto e do público: ele é constituinte intrínseco tanto do pensamento
daquele quanto das condições da compreensão deste.

Por um lado, tal concepção compromete o momento conceitual com sua transmissão e sua construção para o público ao qual a obra
deverá se dirigir. A especulação teórica já é, portanto, prática, e a idéia só é legitimada por sua possibilidade de ser comunicada,
compreendida e habitada enquanto arquitetura. Isso não desvaloriza a abstração do espírito. Ao contrário, a amplia na medida em que a
torna operosa e tensionada por sua ambição de concretizar-se.

Por outro lado, a representação da arquitetura deixa de ser mero veículo instrumental e mostra-se como momento conceitual. A
linguagem quando falada e vivida — ou seja, enquanto condição de nossa experiência e vivência do mundo — não é apenas o referente de
uma idéia mas confere a essa idéia uma acréscimo de ser, dá-lhe corpo e amplia-lhe a alma. Quando falamos, as palavras são
compreendidas não apenas como índice de uma idéia que está atrás dela, mas tornam-se objetos sensíveis, carregam emoções,
entrecruzam-se com nossos gestos e nosso olhar, flexionam-se conforme o sentido que elas ganham em nosso espírito e em nossa boca,
simultaneamente. Consideradas como palavras, parole, linguagem falada — mais do que signos descritores de um pensamento, mais do
que aquilo que é considerado pela semiótica ou pelo estruturalismo na langue —, elas mostram como o espírito investe-se na letra, no
caso de um livro, ou na grafia, através da qual o projeto se comunica conosco. Esse acréscimo de ser confere ao projeto, em primeiro
lugar, e à obra, em segundo, uma autonomia semântica em relação à idéia. Ou melhor: carrega a formulação do conceito para dentro
também da elaboração do projeto, da sua representação e da sua construção. Essas instâncias portam consigo uma carga semântica
própria que ultrapassa à do autor, à do fruidor e à do contexto sócio-cultural em que são formuladas. Assim, o conceito nunca é imediata
e aprioristicamente dado mas constrói-se, também, no momento do desenho e da construção. Na verdade, o conceito de um edifício ou
de um projeto urbanístico só amadurece quando a obra se realiza e se faz habitada.

Portanto, nem o conceito é da pura ordem da subjetividade e da teoria, nem o projeto e a obra são da pura ordem da objetividade e da
prática empírica. O conceito se faz na própria representação e na própria construção. E para o crítico interessa compreender os conceitos
nessa fala do projeto, e não na idéia original do autor, a qual creio sempre permanecer inacessível, inclusive ao próprio autor. O conceito

está na obra e no projeto, e não na subjetividade do arquiteto. Ele mora no desenho, na maquete ou na imagem virtual – e não no

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pensamento do autor ou no contexto sócio econômico – e é lá, em primeiro lugar, que ele deve ser perseguido pelo crítico ou intérprete.
Essa representação, portanto, não é a mera perseguição de uma idéia que sempre insiste em fugir, mas um dos momentos em que o
próprio conceito se formula (5). E se assim não for, o desenho é vazio, o conceito inexistente e a arquitetura ausente. Sem o conceito, ou o
discurso intelectual, a arquitetura não existe. Sem a linguagem com que ela se fala, o conceito não se nutre e morre. O conceito é rico não
por ser belo ou intelectualmente refinado, mas por ser capaz de fecundar e se desdobrar em uma re-apresentação que o faz crescer, que
lhe acresce o ser. E essa re-apresentação é bela não pela sua elaboração estética, mas por servir para desdobrar o conceito até o fim. Há
nessa re-apresentação não apenas uma sintática gráfica, mas uma semântica na qual também se sedia a gênese e o ser da obra. Na
apresentação já começa a explodir a parole do conceito, que deixa de ser idéia e passa a ser discurso. Um discurso que se volta não para
compreender o sentido com que a obra foi pensada pelo autor, mas para inaugurar um novo sentido antes nunca aberto, inaugurar um
mundo no qual co-habitam o fruidor, o intérprete e o autor (6).

Acreditar que o universo do projeto reside no desenho é desmerecer o próprio desenho uma vez que ele não se ancora em nada e se torna
totalmente falaz, fugaz e dependente de um frágil arbítrio – arbítrio este que muitos confundem com estilo ou gosto, de modo a evitar
qualquer discussão sobre a pertinência ou não daquilo que o desenho representa. Essa tentação positivista de fazer derivar o sentido da
arquitetura do próprio desenho faz deste desenho um texto absoluto, sem alma, coisificado como máquina de signos articulados entre si
mas desarticulados do mundo do autor, do mundo do habitante e dos contextos da produção e experiência do espaço. Inversamente,
considerar que a gênese da totalidade arquitetônica encontra-se exclusivamente no conceito é desmerecer o próprio conceito e aniquilá-
lo por inanição na medida em que o emudece, não lhe concede a oportunidade de desdobrar-se na fala da linguagem projetual, receber
um acréscimo de ser e desenvolver-se (7). Não se trata aqui de retomar a desgastada discussão entre teoria e prática e afastar-se do
problema concreto da produção do projeto. Só retomamos essa discussão se referida ao campo da arquitetura. Que conceitos são úteis à
filosofia desta arte? Que prática é digna de receber a benção do sentido? Qual a pergunta colocada pelo habitante àquele responsável pela
habitação? Qual a resposta específica da arquitetura e do urbanismo ao desejo de se construir uma vida melhor e mais feliz, bene beateque
vivendum?

5. A compreensão do projeto de arquitetura

O desenho do projeto é momento de compreensão, e não de explicação, do conceito. A explicação, cujo campo paradigmático de aplicação
se encontra nas ciências da natureza, vê o fato empírico externamente, procurando encontrar-lhe causas e leis até enquadrá-lo dentro
de uma configuração geral e sistemática, através da análise. Dizer que o desenho não explica, mas compreende o conceito, é considerar
que a relação entre um e outro não é exterior: eles se implicam mutuamente e conquistam-se reciprocamente. O desenho compreensivo,
mais que explicativo, vê o conceito não como um objeto ao qual se refere, mas como o outro sujeito com o qual ele estabelece um diálogo.
Por isso, é nas ciências humanas que a compreensão tem seu campo paradigmático. É nessa compreensão que se apropria o sentido do
conceito e se confere à linguagem projetual a oportunidade de participar da mesma esfera do sentido.

Vimos que o desenho não é a repetição gráfica do conceito: ele gera um novo acontecimento, um acréscimo de ser. Procura adivinhar no
conceito os sentidos nele abrigados, tal como o maestro diante de uma partitura musical procura encontrar novos sentidos e cores nela
abrigados e descobri-los ao público. O desenho apropriar-se do conceito significa que ele procura compreender o que antes era estranho,
torná-lo familiar ao universo da arquitetura, assimilá-lo, no sentido de tornar-se semelhante a ele. Isso se consegue na medida em que o
projeto atualiza a potência significante do conceito para o mundo dos edifícios e da cidade. Através da linguagem do projeto e da
construção da obra, o conceito torna-se acontecimento, experiência, descobre a força de seu sentido enquanto poder de desvelar um
novo mundo. Assim sendo, o sentido do conceito é o sentido do próprio desenho e da própria obra. É no lento desenvolvimento do projeto
que este sentido vai se revelando: o conceito se formula juntamente com a formulação final do projeto e da obra, não antes. Portanto, só é
bom o projeto ou sua representação quando ele nos leva ao conceito e encontra lugar no discurso de sua memória. Uma obra frágil é
justamente aquela que não dá conceito, que não inaugura discurso — não mais gráfico, mas, sobretudo, oral — a começar pelo discurso
que o próprio arquiteto realiza sobre ela. Por isso, se há algum termo nos projetos dos arquitetos, este não está na conclusão dos
desenhos ou da obra, mas na conclusão do conceito, a última coisa que se colhe no desenvolvimento de seu trabalho e que se coloca em
aberto para todo o público e não apenas para uma comunidade restrita. O destino da prática arquitetural é concluir-se na teoria para
renovar-se. Assim sendo, o projeto e a obra devem seguir a flecha de sentido, como diz P. Ricoeur, pensarem-se em conformidade com

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ela. Se por um lado isso compromete e desafia uma abordagem meramente pragmática do desenho e do fazer arquitetônico, por outro
desafia a teoria a desenvolver-se para a crítica e para a filosofia da arquitetura e do urbanismo, e não limitar-se apenas a instrumento
daquela prática (8).

O que está no conceito não é a intenção do arquiteto, presumivelmente escondido atrás da linguagem gráfica do projeto. O que está no
conceito é o projeto de um mundo, não a genialidade do autor. Esse mundo público não é apenas aquele para o qual se destinará a obra,
mas também aquele que engendra e forma o conceito, do qual o arquiteto é apenas um intérprete precário. Sendo público, o conceito não
é de ordem meramente subjetiva, mas disposição do mundo a ser de outra forma. Cumpre ao intérprete da arquitetura colher esse novo
modo de ser ou, como diria L. Kahn, descobrir aquilo que o edifício quer ser. A apropriação requerida ao trabalho do arquiteto e à sedução
do desenho, exige, portanto, que se despoje de todo narcisismo e se ponha à escuta deste mundo. Assim fazendo, talvez a ambição do
estilo pessoal, o juízo de gosto e o mito da genialidade e da criação original não tivessem o espaço que ainda hoje têm como operadores
da filosofia, da crítica e da pedagogia da arte e da arquitetura. O conceito e a linguagem são domínios públicos e seu poder e valor se
encontram quando a obra desvela este mundo e acrescenta-lhe uma nova maneira de habitar. O edifício e o trabalho do arquiteto estão
em função desse mundo público – e não o contrário, como se vê em quase toda a produção recente da arquitetura de nossas cidades.

6. O jogo do projeto

“O sujeito do jogo não são os jogadores, mas o jogo que se produz através dos jogadores.” A frase de Hans-Georg Gadamer, em Verdade e
Método, introduz a dinâmica pela qual se desenvolve o trabalho do arquiteto. Conceito, desenho e obra são cartas de um mesmo jogo. E
esse jogo, e não a consciência de quem joga, constitui-se no primado da arquitetura. O arquiteto é absorvido nele. Na verdade, não é ele
quem joga: é jogado, é dominado pelo jogo. A mesma metáfora serve para ilustrar nossa relação com uma obra de arte. Nós não a
dominamos: é ela que nos absorve na lógica de seu jogo e move nosso espírito e nosso corpo. Nesse sentido é que, em arquitetura,
podemos falar de um jogo de luzes, movimentos, cores e formas. Não como composições exteriores a nós, mas como uma trama em que é
tecido e envolvido o ser do habitante. Não é nossa consciência que aplica sobre a obra de arte um sentido. Ao contrário é a obra que nos
utiliza, como o coringa de um baralho, para conformar um todo com as cartas disponíveis. E o fruidor se reconhece na medida em que a
obra conhece o desvelamento desse sentido para o qual ele foi convocado. Quando o habitante compreende uma obra, ele compreende
também um novo sentido do habitar. E quando o arquiteto compreende um conceito através da totalidade do projeto, ele reconhece o
apelo do mundo por uma nova forma do habitar, a qual precisa ser desvelada por um trabalho que vise não à beleza, mas ao sentido (9).

Que espécie de jogo é esse? Uma espécie de “adivinhação” do projeto, apurada no seio de perguntas e respostas a que os pólos do arco
hermenêutico enviam-se reciprocamente. O conceito, o projeto, a obra construída, o público, as condições históricas e contextuais são os
pólos desse jogo em que o arquiteto é lançado. Do confronto estabelecido entre tais pólos, surgem contradições e pistas que,
investigadas, nos levam ao desvelamento do sentido requerido pela obra e à descoberta do projeto. Assim como todo jogo, essa
investigação tem suas regras, lógicas e objetivos. Não é nenhuma inspiração no sentido místico, como se a idéia espacial viesse a cair dos
céus sobre o espírito do arquiteto. É uma inspiração no sentido de Kahn: uma aspiração ou apelo da obra e do habitar.

A metáfora do jogo nos serve para deslindar, ainda um pouco mais, a posição do conceito dentro do problema colocado ao projeto de
arquitetura ou urbanismo para ser resolvido. A expressão gráfica, como vimos, não é apenas a representação de uma idéia mas um
momento de compreensão e construção dessa idéia. Entre o conceito e o desenho o que se estabelece não é uma relação de referência,
como a do signo, mas de diálogo. Dizer que essa relação é dialógica significa dizer que ela se desenvolve a partir do jogo de perguntas e
respostas que são colocadas entre os dois momentos. Esse jogo se desenvolverá também para estabelecer a relação entre o projeto e a
obra e, depois, entre a obra e o habitante. Cumpre reafirmar, desde já, que a própria definição do conceito é mediatizada pelas perguntas
colocadas pela construção, pela contextualização e pela fruição da obra. Fixemo-nos na dialógica estabelecida entre o conceito e o
desenho, entre a idéia e a linguagem gráfica que a ela se refere.

Toda compreensão é histórica e emerge da situação existencial e da experiência vivida por aquele que se propõe à tarefa de compreender
ou interpretar alguma coisa. A leitura de um livro ou a contemplação de uma obra de arte, por exemplo, só são fecundas se o leitor ou
fruidor é motivado para tal exercício. Quem lê, o faz motivado por um apelo. Esse apelo é uma pergunta nossa a qual dirigimos ao mundo
na esperança de vê-la respondida. Por isso vamos aos livros, por isso estudamos história. Também o estudo da história não é uma fria

ocupação erudita, mas um modo de dizer não ao nosso presente e encaminharmos soluções com vistas ao nosso próprio futuro. Foi

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assim, e não como um revival, por exemplo, que o Renascimento leu a antigüidade clássica. Também na pedagogia confere-se que todo
real aprendizado só se dá diante da necessidade de responder a uma pergunta colocada à nossa vida. Em termos arquitetônicos: a criação
de um espaço é motivada por uma pergunta que a tarefa da habitação coloca ao trabalho arquitetural (10).

Esse trabalho desenvolve-se também como pergunta e resposta que o conceito coloca ao desenho e à obra e o desenho e a obra colocam
ao conceito. Esse movimento, como o do diálogo, não é um círculo que se fecha sobre si mesmo, mas uma progressiva compreensão
mútua. Melhor seria imaginá-lo como uma espiral. A pergunta colocada pela idéia é desenvolvida no desenho ou na maquete, por
exemplo. Nesse ambiente gráfico, ela encontra uma resposta parcial e provisória pois recebe de volta outra pergunta, ampliação ou
mesmo contradição da primeira colocada à reflexão. Nesse ambiente espiritual ocorre o mesmo acréscimo de ser e alça-se a um patamar
mais alto onde novas ampliações e perguntas são relançadas à linguagem gráfica, virtual e tridimensional. O que ocorre é uma
alternância entre situações de estranhamento e identificação, distanciamento e apropriação. São situações diversas em que se desloca,
continuamente, toda compreensão, inclusive a amorosa. Ora próximo, ora distante, o diálogo entre duas pessoas também alimenta-se do
reconhecimento daquilo que o outro fala, sua apropriação e acréscimo de ser em nossa experiência, e sua remissão ao nosso interlocutor
em um plano mais elevado, desenhando uma espiral em que vão se entrelaçando dois universos distintos. Esse próprio parágrafo
exemplifica isto: conceber a relação dialógica entre o conceito e o projeto implicou em grafá-la na imagem da espiral. Essa imagem, a um
só tempo, confere nitidez àquela concepção e, ao mesmo tempo, a lança ao patamar mais vasto do problema da compreensão.

Assim como o diálogo não exige um método, tal metáfora da espiral não é uma proposta de método para o desenvolvimento do projeto. O
método, enquanto base do procedimento científico, tem como objetivo a verificação de algo, assim como a linguagem científica e
matemática tem como objetivo a descrição de um fenômeno. Nem a linguagem gráfica se esgota na função de descrever um pensamento,
nem a espiral serve para a verificação de uma idéia. Elas servem como formadoras de um ambiente propício ao cultivo de um conceito
fértil e à exploração fecunda da linguagem gráfica como momento em que a idéia se apreende e exibe o seu sentido. O valor de uma
colheita não está apenas em lançar frutos ao mundo, mas sobretudo em relançá-los à terra para que seja possível uma nova colheita na
próxima estação. A tarefa mais preciosa da teoria, da crítica e da filosofia da arquitetura se inicia, portanto, depois da conclusão do
projeto e da obra e se alimenta do saber e do sabor fornecidos por estes. O destino de todo projeto fecundo é tornar-se conceito e o valor
da prática não está no seu exercício em si mas na medida em que alimenta a teoria. E reciprocamente: uma se nutre da outra, não de si
própria.

Concipere: gerar, conceber, mas também colher, fecundar, apreender espiritualmente os frutos da matéria da arquitetura e relançá-los
aos campos da experiência, da história, da filosofia e da poesia da vida humana: terra em que se geram todos os frutos e na qual devem
ser lançadas as sementes destinadas a germinar no século XXI. Como? Basta ver o semeador: ele pega as sementes na bacia presa à
cintura e, com o movimento em arco de seu braço, as espraia sobre a terra. A mão vazia retorna à bacia para se encher novamente de
grãos. À medida em que vai caminhando sobre a terra, a sucessão desse movimento vai desenhando uma espiral no ar.

__________________________________

(1) Este artigo faz parte de nossos estudos desenvolvidos na pesquisa “Hermenêutica e Arquitetura”, sob o auxílio do CNPq.

(2) Os conceitos de disegno interno e disegno esterno aparecem, pela primeira vez, em Il Libro dell¹arte o Trattato della pittura, de Cennino
Cennini, na primeira metade do século XV e é depois retomada em Vasari e desenvolvida no Maneirismo.

(3) MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. Trad. Pedro de Souza Moraes. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p.
170. (Os pensadores).

(4) Sobre a noção de arco hermenêutico, cf. RICOEUR, Paul. Temps et récit. Paris: Éditions du Seuil, 1985.

(5) Da mesma forma, a obra não é apenas a mera perseguição daquilo que se estabeleceu no projeto, mas a maneira pela qual o projeto
encontra a si próprio através do medium da linguagem construtiva.

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(6) Sobre a autonomia semântica da linguagem cf. BRANDÃO, Carlos Antônio. Introdução à hermenêutica da arte e da arquitetura. Revista
Topos. Belo Horizonte: EA-UFMG, 1999. (no prelo)

(7) “Condena-se com razão o formalismo, esquecendo-se, porém, que seu erro não está em sobrestimar a forma, mas em subestimá-la a
ponto de separá-la do sentido, no que não difere de uma literatura conteudista que igualmente destaca de sua configuração o sentido da
obra.” (grifos do autor). MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. Trad. Pedro de Souza Moraes. São Paulo:
Abril Cultural, 1980. p. 170. (Os pensadores).

(8) Sobre a diferença entre explicação e compreensão ver RICOEUR, Paul. Teoria da interpretação. Rio de Janeiro: p. 83-106.

(9) Cf. GADAMER, Hans- Georg. Verità e metodo. Trad. Gianni Vattimo. Milano: Bompiani, 1994. p. 193-196. Ver também BRANDÃO,
Carlos Antônio. Introdução à hermenêutica da arte e da arquitetura. Revista Topos. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG, 1999.
(no prelo).

(10) Habitação entendida em sentido amplo e não como mero alojamento, como em HEIDEGGER, Martin. Construir, habitar, pensar. In
CHOAY, Françoise. O urbanismo. Trad. Dafne Nascimento Rodrigues. São Paulo: Perspectiva, 1979.

"
BRANDÃO, C. A. L. Linguagem e arquitetura: o problema do conceito
Em: Revista de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo. Belo Horizonte: UFMG. vol.1, n.1, novembro de
2000.

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