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DESIGN, CULTURA E

SOCIEDADE
AULA 3

Prof.ª Cristiana Miranda


CONVERSA INICIAL

Olá, bem-vindo(a)! O objetivo desta aula é entender as relações sociais


entre design e sociedade. Os temas abordados serão: O Design; O Produto do
Design; O Papel Social do Design – partes 1, 2 e 3.

CONTEXTUALIZANDO

Para o design usuário, produção e produto são três palavras interligadas.


Usuário ou consumidor é quem usa ou consome o produto. Público-alvo é o
conjunto de subgrupos sociais com características socioeconômicas
semelhantes que têm ou terão interesse em comprar/usar o produto. Não é raro
usar os termos usuário, consumidor e público-alvo como sinônimos, dependendo
do contexto. O termo cliente também é usado como sinônimo de usuário, mas
não é indicado, pois em design cliente é a pessoa ou empresa que contrata os
serviços de um design.
Produção é o ato de produzir alguma algo, alguma coisa, seja uma
unidade ou milhares de unidades, seja de forma artesanal ou industrial. Produto
é um conceito que mudou ao longo dos anos. Até a década de 1970, as
empresas em geral ofertavam produtos, obrigatoriamente objetos físicos e
serviços (atos, processos e desempenho de ações) aos seus consumidores.
Mas, a partir da criação do computador e, principalmente, da internet e do
ambiente virtual (início da era digital), as definições de produto e serviço
precisaram ser atualizadas.
Nas próximas páginas, o termo produto será empregado em três
contextos: 1) é resultado do pensamento humano, como ideia, comportamento
e literatura; 2) é resultado da atividade humana econômica (produto do design,
produto industrial ou digital) ou profissional (produto do arquiteto, do advogado,
do escultor); 3) é qualquer coisa (física ou digital) que uma empresa oferece para
um consumidor no contexto de negócios.
Neste último caso, o termo produto pode designar bens físicos duráveis
(objeto ou artefato), bens físicos não duráveis (perecíveis), bens digitais e
serviços em ambientes físicos e digitais. Então, se antes produto e serviço eram
coisas distintas, hoje, serviço é um tipo de produto que uma empresa oferece
para comercialização.

2
Ainda no contexto dos negócios, entendemos que em qualquer produto,
físico ou digital, os elementos objeto, serviço e sistema estão interligados. Por
exemplo, o produto físico fogão só tem serventia enquanto está sendo usado
para cozinhar um alimento (serviço); se não oferecer o serviço (por um problema
técnico, por exemplo) o fogão perde seu valor. O produto digital animação só
promove entretenimento (serviço) por meio de um aparelho (bem durável) e um
sistema operacional.

TEMA 1 – O DESIGN

Cultura é toda e qualquer produção humana, constituída por elementos


materiais (ou tangíveis), resultantes de ciência e tecnologia; e elementos
imateriais (ou intangíveis), como valores, ideologia e mitos. Muitos desses
elementos são criados para resolver os mais diversos problemas que um
indivíduo ou grupo social enfrenta, tais como: fome, falta de abrigo físico, falta
de entendimento das leis da natureza e doenças. Outros surgiram como
resultado de relações sociais, valores e crenças da sociedade com muitos
simbolismos, a exemplo do vestido branco da noiva, de não comer carne de
vaca, de festejar o carnaval1 com dança e música
Os elementos materiais e imateriais de uma cultura são, ao mesmo tempo,
produto e reflexo de uma sociedade, seja no passado ou atualmente. Devido ao
carácter físico e permanente dos artefatos em geral, estes são a melhor fonte de
informações de valores, ideologias e mitos de grupos sociais antigos e extintos,
por meio das técnicas produtivas utilizadas e de textos ou desenhos que eles
contêm (como os vasos da cultura grega clássica2 ou as paredes dos
monumentos egípcios3). Esses exemplos refletem perfeitamente a interação da
criação de artefatos e comunicação visual4, desde milhares de anos atrás.
A capacidade humana em criar artefatos e comunicação visual é bem
ampla. Para qualquer pessoa que não tenha conhecimento técnico ou teórico
prévio, a criação de um objeto é um processo intuitivo e empírico, na base da
tentativa e do erro. Já para uma pessoa com conhecimento e técnica, o processo

1Veja mais: <https://formacao.cancaonova.com/igreja/catequese/existe-relacao-entre-o-


carnaval-e-o-cristianismo/>.
2Veja mais: <https://www.apaixonadosporhistoria.com.br/artigo/155/historia-dos-vasos-gregos>.
3Veja mais: <https://arteref.com/historia/arte-egipcia-funcao-e-representacoes/>.
4Forma de comunicação de ideias por meio de elementos visuais, tais como gráficos, desenhos,

fotografias e vídeos. Fonte: <https://www.dicio.com.br/comunicacao-visual/>.


3
para desenvolver bens duráveis é intelectual, envolve raciocínio e pensamento
criativo (Hsuan_An, 2017, p.36).
Engana-se quem pensa que o processo intelectual para gerar artefatos e
comunicação visual é uma característica recente; ele começou com a
especialização no trabalho5 na Revolução Neolítica, quando surgiram os
primeiros artífices6. O conhecimento era repassado de pai para filho, de mestre
para aprendiz, com técnica inicialmente rudimentar, mas com procedimentos
padronizados, evoluindo para processos e ferramentas sofisticados.
Não é difícil perceber a importância da criação e produção de bens
duráveis e produtos gráficos/comunicação visual para a construção e
individualização de uma sociedade, como as porcelanas chinesas, os tapetes
persas, os móveis Luiz XIV, as iluminuras medievais e as enciclopédias do
Iluminismo. Claro que existem várias áreas do conhecimento humano que
integram o contexto criativo/produtivo, como engenharia, entretenimento
(música, cinema, teatro) e artes plásticas, mas vamos focar em design.
Apesar de o design como profissão ter surgido junto com a primeira
Revolução Industrial (entre 1760 e 1860, aproximadamente), não se pode negar
que seu principal objetivo (resolver problemas), bem como seus princípios
básicos (estética, estrutura, ergonomia e tecnologia) já estavam presentes na
prática dos artífices das Grandes Civilizações Antigas (de 3500 a.C. a 476) e nas
sociedades mais desenvolvidas da Europa (França e Inglaterra) no final da Idade
Moderna (de 1453 a 1789).
Do final do século XVIII até a década de 1970, o design tinha basicamente
duas disciplinas: design de produto7 e design gráfico8. Na maioria dos casos, a
abordagem do design era tecnicista e produtiva, compatível com a sociedade
industrial e limitada à criação de produtos industriais físicos. A partir de 1980,
surgiram novas abordagens para o design, mais humanas (design centrado no
usuário, design emocional, design inclusivo) e para a preservação ambiental
(design sustentável). Nos primeiros anos do século XXI, o design thinking

5Na história das sociedades ocidentais, isso aconteceu no Período Neolítico, entre 8.000 a.C. e
5000 a.C., no Oriente Médio, como consequência das primeiras sociedades agrárias.
6Artífice é um operário especializado em trabalhos manuais, que muitas vezes é sinônimo de

artesão. Preferimos usar esse termo em nossos estudos para separar os dois conceitos: artesão
produz artesanato (séculos XX e XXI) e artífice produz objetos pré-industriais (de 4000 a.C. até
a Revolução Industrial).
7Bens duráveis, como veículos, móveis, vestuário, eletrodomésticos etc.
8Marcas, logotipos, papelaria empresarial, fôlderes, livros, embalagens, estamparia, sinalização

etc.
4
apresentou-se como uma ferramenta para resolução de problemas complexos,
centrada no ser humano e nos negócios, concomitantemente.
Apesar da abordagem tecnicista/industrial, humana ou ambiental (pois
esses conceitos coexistem no século XXI), o design é entendido, hoje como um
processo para resolução de problemas, independentemente do tipo de produto,
físico ou digital, que resulte do processo. Mas não é apenas resolver o problema,
pois outras áreas do conhecimento humano também fazem isso. O que se difere
no design é a materialidade da solução, com esboços, modelos, prototipação,
desenhos técnicos, pesquisas com usuários etc., de certa forma garantindo que
a solução proposta é a melhor, dentro do contexto, antes de ela acontecer,
gerando economia em recursos.
O design é complexo; design envolve processo (metodologia do design)
e resultado (produto do design). Muitas pessoas acreditam que design é
qualidade (design do produto ou um produto com design), mas se consideramos
design como qualidade, precisamos ter em mente que qualidade é um conceito
relativo ao contexto social do usuário. Por exemplo, um produto do design
(realizado com uma metodologia do design) pode ser avaliado por uma pessoa
como um produto sem design ou com design ruim, porque nesse caso específico,
quem fez a avaliação não pertence ao público-alvo do produto.
Trabalhar com design é, muitas vezes, atuar de forma contraditória: o
designer busca inovação, mas atua na realidade (o que é possível, no contexto
tecno-econômico-social); influência interações sociais e é pressionado por
grupos sociais; promove o consumo e deve prevenir o uso desequilibrado dos
recursos naturais; configura a produção seriada em massa e a produção
personalizada; pode manter desigualdades sociais e econômicas existentes ou
liberar grupos sociais marginalizados na sociedade.
Enfim, “o designer é simultaneamente sujeito e objeto da dinâmica
cultural. Ele influencia a cultura [..] e é influenciado por ela” (Bonsiepe, 1988 apud
Ono, 2006, p. 45).

TEMA 2 – O PRODUTO DO DESIGN

Todo produto do design (seja físico ou digital) tem como objetivo


fundamental atender a uma necessidade, resolver um problema. Para responder
ao objetivo fundamental, o design se estrutura em quatro pilares ou princípios
básicos:
5
• Estética refere-se à qualidade visual do produto (físico ou digital) que
“trata da expressividade, comunicabilidade, agradabilidade, atratividade,
afetividade e valor contemplativo” (Huan-Na, 2017, p.88) percebido pelo
usuário. Envolve forma, cor, textura, composição entre os elementos.
• Estrutura é conjunto de elementos que sustenta e dá estabilidade ao
produto. Em uma cadeira plástica, a estrutura é a configuração de reforços
e travamentos que mantém a forma desejada. No caso de uma animação,
estrutura é o sistema de construção dos elementos em movimento,
inserindo coerência e credibilidade a narrativa.
• Ergonomia é a relação física e cognitiva entre o usuário e o produto. A
ergonomia ajuda a determinar a altura do assento da cadeira em função
do público-alvo e na área gráfica digital, ergonomia é o uso correto das
cores, formas e proporção entre área visual e suporte de visualização,
para que o usuário permaneça confortável durante o tempo de exibição.
• Tecnologia é escolha de materiais e processos produtivos do produto. O
designer de móveis precisa conhecer tipos de plástico existentes, formas
de fabricação e custos de produção para projetar a cadeira. Em games
digitais o designer não precisa ser um programador, mas tem de conhecer
as bases de programação, assim como de softwares, materiais para
renderização e equipamentos de iluminação, fotografia e vídeo.

Os quatro pilares do design formam um resultado integrado, cuja correta


configuração entre estética, estrutura, ergonomia e tecnologia, depende das
funções do produto. Os produtos físicos e digitais em geral, sejam resultado do
processo design ou não, apresentam, simultaneamente, funções simbólicas,
funções de uso e funções técnicas.
As funções simbólicas estão relacionadas aos “comportamentos e
motivações psicológicas individuais ou partilhadas pela coletividade [...]” (Ono,
2006, p. 30), de acordo com o contexto em que produto e usuário estão inseridos.
Elas atendem às necessidades subjetivas do ser humano, como aparência,
prestígio e identidade cultural. Os produtos com função simbólica elevada
apresentam estética e semiótica9 diferenciadas por nicho de mercado, pois cada
grupo social tem percepções e experiências diferentes.

9Veja mais: <https://www.designerd.com.br/semiotica-no-design-guia-rapido/>.


6
As funções de uso estão relacionadas ao que o produto faz e se estão
dentro das expectativas criadas pelo usuário. Nessa situação, as funções de uso
baseiam-se na efetividade (realizou o objetivo proposto), na eficiência (mínimo
de esforço físico e cognitivo do usuário para o máximo de resultado) e na
satisfação, normalmente baseada na qualidade do uso (facilidade e uso intuitivo,
ergonomia, manuseio e manutenção). Os produtos podem ter funções de uso
primárias e secundárias, como uma mesa ou bancada que foi criada para servir
de apoio de pratos ou papéis, mas que pode ser usada para alguém sentar-se.
Já as funções técnicas resultam da integração das funções simbólicas e de
uso pela correta especificação e utilização da tecnologia (materiais, processo de
fabricação, sistemas operacionais, periféricos, componentes eletroeletrônicos,
mão de obra especializada etc.). Também consideram o contexto ambiental
(físico e virtual) como clima, velocidade de transmissão de dados; o contexto
normativo como normas técnicas e legislação governamental; e o contexto
cultural específico, como de minorias sociais dentro do público-alvo.
O produto do design pode resolver um problema equilibrando igualmente
as funções simbólicas, de uso e técnicas, mas também pode privilegiar uma
função sobre a outra, conforme quais necessidades (físicas, cognitivas,
emocionais e socioculturais)10 do público-alvo o designer deseja atender.
Uma joia atende, em primeiro lugar, às necessidades emocionais e sociais
do usuário e, para isso, sua principal função é simbólica, o que a joia representa
(prestígio, amor, uma pessoa). No caso de um livro impresso, a necessidade do
usuário é entreter-se ou obter informações – função de uso. Depois da leitura, o
livro pode ser doado ou vendido, pois a necessidade foi atendida. Mas se a
encadernação for de capa dura, com papel encorpado e comunicação visual
diferenciada, ou com dedicatória ou presente de alguém especial, a relação do
usuário com o produto poderá ser emocional e o livro continuará na estante.
Repetimos aqui o que já comentamos anteriormente sobre a percepção
de qualidade, que é contextual ao usuário ou grupo social, agora em relação às
funções do produto. Um produto pode: ter alta função simbólica para o grupo
social A, não tem o mesmo significado para o grupo B; ser considerado como

10Necessidades físicas: têm relação com alimentação, saúde, abrigo, segurança física,
mobilidade, atuação no meio material. Necessidades cognitivas: têm relação com pensamento,
linguagem, percepção, memória, raciocínio. Necessidades emocionais: têm relação com alegria,
tristeza, tranquilidade, segurança, prazer, satisfação, empatia, amor. Necessidades
socioculturais: têm relação com pertencimento, aceitação, identidade, respeito, prestígio, poder.
7
fácil de usar pelos jovens de 15 a 30 anos, e complicado para adultos com mais
de 40 anos; ser utilitário para uma pessoa e ser de prestígio para outra.
Além do contexto sociocultural entre grupos sociais, também há variações
na perspectiva do tempo. Um produto considerado belo e funcional na década
de 1970, pode ser hoje entendido como feio e que prejudica a saúde. Outro fator
é que o design não garante que um determinado produto assuma funções
contraditórias, como um jogo digital que deveria entreter, possibilitando boas
experiências, mas provoca ansiedade e frustação aos jogadores.

TEMA 3 – O PAPEL SOCIAL DO DESIGN: PARTE 1

Para nossos estudos, papel social é o agrupamento de direitos, deveres


e expectativas definidos de um determinado status. Geralmente, entendemos
status como a posição social do indivíduo na sociedade, mas é perfeitamente
possível substituir o indivíduo pela profissão. Então, o papel social do design é o
conjunto de direitos, deveres e expectativas definidas para a atividade
profissional de design, na sociedade em que está inserido.
Lembrando que sociedade é um agrupamento humano com finalidade
social, manifestações de conjunto ordenadas e poder social, uma comunidade
local, um grupo empresarial, uma religião ou uma instituição governamental pode
conceder direitos, exigir deveres, possuir expectativas diferentes em relação ao
design. Dessa forma, entendemos que o papel social do design pode variar em
termos de posição temporal (quando: em que ano, década, século) e localização
geográfica (onde: em que região, nação-estado), dependendo das
características da sociedade a que pertence.
Por questões didáticas, vamos estudar o papel social do design na
sociedade ocidental, mais especificamente na europeia e norte-americana, por
serem as sociedades precursoras da profissão design e porque influenciaram
todas as outras, mesmo com algum atraso temporal.
O design, surgiu no início da sociedade industrial, durante a primeira
Revolução Industrial (entre 1760 e 1860)11. Mesmo que o termo design ou
designer não esteja presente em documentos e contratos de trabalho da época,
é correto que artífices, desenhistas, arquitetos, artistas plásticos e inventores (a

11A segunda Revolução Industrial foi ocorreu 1860 a 1945, a terceira Revolução Industrial entre
1945 e 2000/2010, e partir de 2000/2010 estamos vivenciando a quarta Revolução Industrial ou
Industria 4.0 Veja mais: <https://www.startse.com/noticia/nova-economia/industria-4-0-entenda-
o-que-e-quarta-revolucao-industrial>.
8
base intelectual do design) auxiliavam os engenheiros industriais com a cópia12
e/ou concepção de novos produtos (bens duráveis e comunicação visual/artes
gráficas). Como esses auxiliares conheciam as formas de fabricação,
desenvolviam modelos (protótipos e/ou desenhos) que guiavam a produção no
chão de fábrica.
O pensamento no meio industrial neste contexto era: este é o produto que
faço, atendendo ao consumidor padrão normal. Se ele é diferente (subgrupo de
usuários dentro do público-alvo em questões físicas, cógnitas, emocionais,
socioculturais), que se adapte ou faça alterações no produto por conta própria.
Então, o primeiro papel social do design13 foi como projetista industrial,
para atender às necessidades da indústria. O designer poderia trabalhar como
funcionário da indústria ou prestar serviço como profissional liberal. Estética,
ergonomia, estrutura e tecnologia dos produtos, bem como as funções
simbólicas, de uso e técnicas do produto estavam diretamente relacionadas ao
modo de pensar do designer.
Porém, o designer (ou equipe de design) não resolvia tudo sozinho e
poderia sofrer fortes pressões por parte do engenheiro, administrador ou
proprietário da indústria para privilegiar questões produtivas sobre as
necessidades do consumidor. Dependendo do tipo de gestão empresarial
(indústria, comércio e serviço), esse papel ainda é atuante na sociedade pós-
industrial.
As principais características do design como projetista industrial são:

• pode atuar apenas como maquiador dos produtos, ou seja, só


configurando a estética dos produtos industriais;
• a configuração ergonômica é baseada na maioria média ou padrão do
público-alvo;
• usa referências estéticas e padrões antropométricos baseados nas
sociedades europeias (especialmente a inglesa, alemã, italiana e
escandinava) e norte-americana;
• os produtos tendem a ter funções de uso em evidência;

12Em muitas indústrias desse período, os artefatos eram cópias adaptadas de modelos
produzidos pelas oficinas de alto padrão, que continuaram a atender às classes sociais mais
ricas, devido a questões de qualidade e prestígio.
13Optamos em usar a palavra design representando a atividade profissional, em vez de designer,

que é o profissional, pois o designer pode assumir um dos vários papéis sociais que o design
apresenta na sociedade, dependendo do briefing do projeto.
9
• critérios de escolha da melhor alternativa centrados na forma produtiva,
mesmo que causem algum desconforto ao usuário, como mesas com
altura mais baixa que o ideal e fontes muito pequenas em bulas médicas.

Ainda no final do século XIX, o design assumiu um segundo papel social,


como visionário e criador de tendências. Isso não significa que não houvesses
designers visionários antes, mas que a percepção da sociedade sobre esse
papel social no design de produto e gráfico começou a partir deste período14 e
continua até hoje. Inicialmente, o design visionário estava baseado em uma
personalidade pública, representada por um indivíduo ou um grupo sociocultural,
geralmente elitizado e integrado às vanguardas artísticas, como o estilo de
design chamado de art nouveaut15. Depois, algumas empresas (na maioria
indústrias) criam seus próprios times de design vanguardistas, como a Braun16,
e apostaram na vanguarda tecnológica de alta performance. As principais
características do design visionário são:

• o conceito de design é baseado na visão própria (pessoal ou do grupo)


sobre como é o melhor produto (bens e serviços) para o consumidor;
• produtos inovadores em estética (forma, cores, composição dos
elementos) e tecnologia, que servem de referência e tendência de moda
para os designers em geral;
• os produtos do design visionário tendem a ter alto valor comercial e
funções simbólicas em evidência.

TEMA 4 – O PAPEL SOCIAL DO DESIGN: PARTE 2

Gradativamente, as empresas (indústria, comercio e serviço) perceberam


que poderiam melhorar sua participação no mercado se houvesse aumento da
margem de lucro em produtos diferenciados, fortalecimento da imagem da
marca, criação de vantagem competitiva sobre concorrentes e na fidelização de
consumidores. Ou seja, se marca e produto atendessem às necessidades do
público-alvo.

14As sociedades europeias já estavam acostumadas com grandes visionários e criadores de


tendências nas artes, na arquitetura, moda e decoração de interiores desde o século XVI.
15Veja mais: <https://www.culturagenial.com/art-nouveau/>.
16Veja mais: <https://www.cutedrop.com.br/2013/06/o-designer-que-inspirou-a-braun-e-a-
apple/>.
10
Assim, por uma perspectiva econômica, o design assumiu o papel social
de intermediador entre o consumidor e a produção industrial. Esse papel social
continua muito ativo na sociedade do século XXI, e o lema geral é que o design
faz a tradução dos desejos e necessidades do público-alvo em soluções
comerciais, em que necessidades são atendidas pelas funções de uso do
produto e desejos são atendidos pelas funções simbólicas. Além disso, a
sociedade como um todo espera que as soluções do design não prejudiquem a
vida humana. Para tal realização, o design precisa conhecer muito bem os
diversos subgrupos de usuários que formam o público-alvo.
Após 1960, diversos estudos sociais (em sociologia, psicologia,
ergonomia, usabilidade, ecologia e outros) e no campo do design formaram uma
base informacional consistente que propunha novas metodologias e abordagens
para a solução de problemas, centradas no usuário, em vez de ser na produção.
Nas décadas de 1980 e 2000, vários profissionais liberais, pesquisadores e
empresas de design desejavam ser mais úteis à sociedade, debatendo e
incentivando novas configurações de produtos industriais. Eles desejavam que
bens duráveis e produtos gráficos atendessem a pessoas com deficiência,
idosos e crianças (design inclusivo), que ajudassem no combate à pobreza,
exclusão social, preconceito (design social) e que preservassem os recursos
naturais (design sustentável). As principais característica do design como
intermediador são:

• a escolha da melhor alternativa é baseada na perspectiva do usuário e a


empresa deve adequar-se a essa situação;
• faz pesquisas mais detalhadas sobre o público-alvo e seus diversos
subgrupos,
• os produtos devem atender às particularidades ergonômicas dos
subgrupos do público-alvo ou permitir que o usuário faça configurações
baseadas em suas necessidades, com facilidade;
• atende às necessidades cognitivas, emocionais e sociais do usuário;
• integra o usuário no desenvolvimento do produto;
• combate o consumo insustentável dos recursos naturais;
• promove que produtos sejam personalizados na produção, ou então, que
tenham maior variedade/linhas produtivas.
• privilegia as funções técnicas do produto (resultado da integração das
funções simbólicas e de uso).
11
• pode empregar elementos estéticos e de uso universalizados ou de
tradição cultural de um grupo específico, dependendo do briefing de
projeto.

Apesar dos esforços do design em atuar como intermediador entre o


usuário e a indústria para corresponder às expectativas da sociedade, a situação
entre 1970 e 2000 não foi favorável. As empresas em geral estavam focadas na
lucratividade com base na obsolescência programada17 e não queriam investir
em sustentabilidade ambiental. Também não aprovavam projetos direcionados
às minorias sociais, devido ao baixo volume de fabricação e por dificultar a venda
globalizada.
Além disso, ações de marketing usavam o design visionário e a tecnologia
para justificar preços elevados e modismo. Em consequência, vários grupos
sociais percebiam o design como causa do consumismo e destruição da
natureza. O design precisava defender-se e reinventar-se.
Junto ao papel de intermediador, o design foi propagandeado (pelos
próprios designers) como o salvador de empresas, principalmente daquelas em
situações financeiras ruins, pois se a empresa tivesse uma marca (nome,
comunicação visual, logotipo) bem elaborada e o produto (bens e serviços) fosse
o ideal para o consumidor, venderia melhor.

TEMA 5 – O PAPEL SOCIAL DO DESIGN: PARTE 3

O momento de mudança para o design surgiu com a revolução da


internet18 e a web 2.0, a partir de 1995. Com avanços na comunicação, (rapidez,
amplitude, fácil criação e distribuição de conteúdo próprio/pessoal), a sociedade
percebe a cada dia que futilidade, modismo, obsolescência programada,
agressão ambiental e consumismo não são princípios do design, mas de um
conjunto de fatores, a maioria relacionados a fatores econômicos dos meios
produtivos.
Se no século passado o design tinha o papel social de salvador, os anos
2000 desmistificaram essa questão. O design não é capaz de compensar a falta
de gestão empresarial, financeira e marketing de uma empresa. Da mesma
forma, o design não consegue atender às necessidades do público-alvo se

17Veja mais: <https://www.ecycle.com.br/1721-obsolescencia-programada.html>.


18Veja mais: <https://www.weblink.com.br/blog/historia-da-internet/>.
12
outros elementos relacionados não estiverem funcionando de acordo com um
padrão esperado. Quantas vezes uma compra on-line não é feita por que a
banda larga estava muita lenta?
Na primeira década do século XXI, o design assumiu um novo papel
social: como solucionador de problemas, qualquer problema, preferencialmente
com base em uma abordagem humana (o que é o melhor para o ser humano),
como propõe o design thinking e o design de serviço. O design como
solucionador de problemas envolve todas as características do design mediador,
potencializadas, e ainda mais integradas com outras disciplinas.
O design, agora, atua em diversas áreas, algumas bem longe daquelas
ligadas a produtos físicos duráveis, como o food design (ou design de alimentos).
Assim como se afasta da comunicação visual ou design gráfico (físico e digital),
como o voice design (ou design da oralidade). Atua também em estratégias e
modelagem de negócios, como o business design (design de negócios).
O design não está mais vinculado à produção industrial física ou digital.
Designers de interiores concebem produtos únicos, o projeto de interiores, que
mesmo não materializado, preserva a característica de produto do design.
Designers que trabalham no meio digital (gráfico, editorial, games, animação,
web) concebem e, não raro, produzem o produto.
Além disso, há mais designers empreendedores, que criam, desenvolvem
e comercializam soluções, voltando às origens, como os antigos artífices nas
oficinas pré-industriais. E há outros, que dedicam seu tempo e habilidade para
atender a projetos sociais, como voluntários.
Assim como houve (e ainda há) pessoas e grupos sociais que
interpretavam o design como causa do consumismo, hoje temos movimentos
sociais que pressupõem que o design deve, mais significativamente, restaurar
de identidades culturais locais e/ou de grupos que eram marginalizados,
combatendo a globalização e o consumo de produtos de massa. Também
existem debates em que se propõe que o principal papel social do design é como
agente transformador do indivíduo, e, em consequência do grupo social. As
características desse papel social estão relacionadas às ações que norteiam a
transformação do indivíduo, como:

• conscientizar quanto aos problemas sociais da comunidade local e de


outras regiões;
• incentivar o consumo de produtos locais;
13
• possibilitar o autodesenvolvimento pessoal;
• evitar o desperdício de recursos humanos;
• debater e incentivar a ética;
• combater o preconceito.

Mas, o design como solucionador de problemas, não engloba o design


como transformador do indivíduo? Sim e não. Como sempre, depende do
contexto. O design vai tornar a atividade humana mais fácil (resolver um
problema) e vai modificar o pensamento humano para um comportamento
socialmente melhor, ou seja, transformar o indivíduo? Veja o exemplo abaixo,
escrito para esta aula:

Um problema social é promover a educação em crianças e


adolescentes que usam cadeira de rodas, para que estejam aptos à
atividade econômica, como qualquer pessoa adulta. Essas pessoas
têm dificuldade em locomover-se até a escola. Então, a solução do
design (o design sendo usado em diversas áreas) é desenvolver uma
plataforma de ensino EaD (alinhada com a política pública de
educação), com os melhores recursos audiovisuais temáticos e
interativos, para o usuário aprender em casa. Problema resolvido.

Mas, essa solução não permite que crianças e adolescentes sem


restrição interajam socialmente com crianças e adolescentes com
restrição de mobilidade. Assim, é muito provável que, no futuro, um
adulto sem restrição nunca tenha interagido com outra pessoa que usa
cadeira de rodas, e faça suposições (preconceito) que as restrições
físicas são impedimento para realizar atividades profissionais.

Nessa análise, a solução de design resolveu um problema funcional e


causou outro, de ordem social, pois o adulto na cadeira de rodas tem
habilidades e competências, mas sofre discriminação. Portanto, o
design não foi um agente transformador do indivíduo e da sociedade.
Sim, esse exemplo pode ser analisado por outros vieses e ser
contestado. A questão é pensar no assunto.

Considerando todos os contextos socioeconômicos do século XXI, o


design pode atuar em qualquer um dos cinco papéis sociais comentados nesta
aula e outros que surgirão. Essa multiplicidade de papéis é compatível com a
sociedade pós-industrial em que vivemos, que é multifacetada, que prioriza a
cada dia mais abordagens empresariais solidárias às classes sociais em
desvantagem econômica, inclusivas, éticas e ambientalmente corretas, nas
quais a globalização abre espaço para o multiculturalismo orientado à
interculturalidade e à transculturação.
Queremos, nessas últimas linhas, justificar nossa abordagem histórica do
papel social do design. Em primeiro lugar, entendemos melhor o hoje em razão
de como era ontem. Em segundo lugar, para que o aluno possa fazer as corretas

14
interpretações ao ler livros ou artigos importantes sobre design, mas que foram
escritos no século XX. Em terceiro, mas não menos importante, para que o futuro
designer compreenda por que as pessoas, das mais diversas idades e grupos
sociais, possuem visões diferentes quanto ao design e sua função social.

TROCANDO IDEIAS

Faça uma pesquisa com seus amigos e familiares. O que eles pensam
sobre design? O que é, o que faz, como faz, por que faz? Compartilhe os
resultados no fórum.

NA PRÁTICA

Vamos pesquisar sobre o design visionário. Procure na internet


reportagens diversas que tratam o design como visionário e criador de
tendências. Organize os textos por datas, do mais antigo ao mais novo; pontue
as características e comentários do autor e das outras pessoas (se for um blog).
Agora, faça uma análise histórica: o papel social do design como visionário
passou por mudanças? A sociedade vê o design visionário de forma diferente
hoje do que há 20 anos?

FINALIZANDO

Nesta aula, estudamos o design e sua relação com a sociedade.


Comentamos sobre a capacidade humana em criar soluções desde a Pré-
História e as complexidades do design. Detalhamos os pilares e as funções dos
produtos do design. Por fim, destacamos os papéis sociais que o design pode
assumir.

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REFERÊNCIAS

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