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R.

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Capa, Projeto Grá co e Diagramação • Oliver Arte Lucas

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reprodução por qualquer meio, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Todas as citações bíblicas foram retiradas da versão Almeida Século 21, salvo quando identi cada outra
versão.

Carvalho, Diogo
Relacionamento discipulador / Diogo Carvalho - 2ed.- Rio de Janeiro: JMN, 2016.
152p.
1. Discipulado. 2.Vida cristã. 3. Jesus Cristo ---- Relações sociais. 4. Pequenos Grupos na Igreja. I.
Junta de Missões Nacionais. II. Título.
CDD 248
Índice para catálogo sistemático:
1.Igreja: Grande Comissão: 266.028
2. Pequenos Grupos na Igreja : 254.5

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Agradeço a todos aqueles sem os quais este livro não seria uma realidade.
Primeiramente a Deus-Pai, doador da vida e das ideias, a Deus- Filho, autor
e modelo do chamado para fazer discípulos, e a Deus-Espírito, guia e
consolador.
Depois, à minha amada esposa, Daniele, que me discipula sem saber. Aos
meus pais, que me discipularam desde o berço e continuam discipulando até
hoje, a quem atribuo praticamente tudo o que sei sobre o que é ser um
discípulo de Jesus.
Aos amados irmãos da PIB Cabo Frio, da Caravana do Arrependimento e da
igreja que hoje se reúne em minha casa no Rio de Janeiro, discípulos amados,
que, com paciência e ternura, têm me dado a oportunidade de colocar em
prática os princípios escritos neste livro. Sem vocês, eles seriam apenas teoria.
Aos colegas da Junta de Missões Nacionais, pelo grande apoio e por esta
oportunidade. Em especial, ao pastor Fabrício Freitas, que é, sem dúvida
alguma, a pessoa que conheço que melhor retrata o modelo discipular de Jesus
Cristo. Mano, este livro é o resultado do seu investimento em minha vida.
Sumário

Capa
Apresentação
Prefácio
1ª Parte: Revendo Conceitos sobre Discipulado
1 – Precisamos Ser Claros e Específicos
2 – O Que Significa Fazer Discípulos?
3 – Não Apenas a Ordem Mas Também a Estratégia
4 – Mais que Um Programa: Um Jeito de Ser
2ª Parte: Discipulado Moderno X Discipulado de Jesus
5 – Quem é o Discípulo?
6 – Onde Começa o Relacionamento Discipulador
7 – Relacionamento: A Essência do Discipulado
8 – O Poder do Zelo e da Intercessão
9 – Ensinando Para Transformar
10 – Solicitação de Contas: Encorajamento para Avançar Sempre
11 – Relacionamento Discipulador Um a Um e em Pequenos Grupos
Multiplicadores
12 – O Objetivo do Relacionamento Discipulador
13 – Quem Pode Discipular?
Conclusão
Referências Bibliográficas
Apresentação

Se você deseja se tornar alguém imitável, você está com o livro certo em suas
mãos. Fazer discípulos é muito mais do que a transmissão de conhecimento: é
o compartilhar verdade e vida enquanto caminhamos com pessoas com que
Deus nos presenteou para amar e cuidar. Mais do que palavras, o que você vai
encontrar aqui é a transmissão de verdade e de vida.
Relacionamento Discipulador: uma teologia da vida discipular é fruto de uma
profunda pesquisa bíblica realizada pelo meu amigo Pr. Diogo Carvalho,
discipulador e líder comprometido com as Escrituras, e um homem que com
muita facilidade atrai discípulos para um estilo bíblico de vida. Já há algum
tempo leio muita coisa sobre discipulado e pequenos grupos, mas
Relacionamento Discipulador traz muitas respostas que ainda não tinha tido a
oportunidade de ler em outras obras. Preencher uma importante lacuna dentro
da visão de Igreja Multiplicadora, este livro aprofunda o assunto e demostra o
que é de fato o relacionamento discipulador e qual é a sua fundamentação
bíblica.
De maneira muito relevante, somos desa ados a, antes de fazer discípulos, ser
discípulos, nos tornando pessoas imitáveis e frutíferas pela ação do Espírito
Santo em nós. Como bem apresentando nas páginas desta obra, precisamos sair
da condição de estar seguindo a Jesus no meio da multidão para um estágio
mais próximo do Mestre, ou seja, para sermos alguém que verdadeiramente
tem o caráter de Cristo e o segue em suas atitudes e palavras.
Relacionamento Discipulador é fruto de alguém que ama a Palavra de Deus e
ama pessoas. Muito além da teoria, tenho visto o autor a cada dia vivenciar
com os seus discípulos o que ele agora nos abençoa e compartilha através destes
escritos. Louvo a Deus pela vida do Pr. Diogo. Sou grato por todos os
momentos que partilhamos nos últimos três anos. A cada descoberta, a cada
insight e a cada experiência compartilhada sobre o crescimento de seus
discípulos, ele tem me ensinado mais e mais a amar a Deus e ao próximo.
Poderia escrever muito mais. No entanto, estou mais ansioso é que você passe
logo a desfrutar de tudo que receberá nas próximas páginas. Prepare-se para
crescer como um discipulador, que ama a Jesus e deseja se tornar alguém
imitável!
Em Cristo, esperança nossa!
Fabrício Freitas
Gerente de Evangelismo
Prefácio

A multiplicação de discípulos é o objetivo central da Grande Comissão


(Mateus 28:18-20). O poder que recebemos do Espírito Santo, segundo Atos
1:8, nos capacitou para testemunhar, ou seja, fazer discípulos de Jesus de
Jerusalém até os con ns da terra. Testemunhar é muito mais do que
compartilhar alguns versículos ou o plano de salvação com alguém para que ele
se torne membro da nossa igreja. Testemunhar é investir intencionalmente na
vida de pessoas do nosso relacionamento para transmitir vida e levá-las a uma
experiência transformadora com Cristo Jesus. Não é produzir membros para
encher um templo. É formar discípulos que se multipliquem como um estilo
de vida. Talvez um dos maiores equívocos da Igreja Evangélica na América
Latina seja o de investir na produção de membros e não na formação de
discípulos. As igrejas estão cheias de membros frequentadores e com poucos
discípulos que se multiplicam e in uenciam seu contexto cultural.
A estratégia mais e caz e poderosa na multiplicação de discípulos é a
vida de cada discípulo. Um discípulo revestido do poder concedido pelo
Espírito Santo e motivado pela alegria em obedecer ao Senhor Jesus para fazer
novos discípulos é a mais poderosa ferramenta para transformar vidas e
cumprir a missão. O método infalível para o crescimento da igreja local é cada
discípulo um discípulo que se multiplica intencional e naturalmente. Isso é o
que denominamos Relacionamento Discipulador.
O livro que você tem em mãos é uma dádiva para virarmos a chave e
mudarmos a visão de cada crente quanto à sua responsabilidade e seus hábitos
como discípulo. Não é teoria nem ensaio re exivo. É prática! Obviamente será
uma jornada que exigirá muita perseverança, determinação e empenho de
todos para que a Igreja continue crescendo e transformando a sociedade a
partir dos valores do Reino de Cristo Jesus neste início de século XXI cheio de
desa os. Alguns vão começar e poderão desistir, mas com certeza, os que
perseverarem experimentarão o júbilo de uma grande colheita. Estou vibrando
com o momento que estamos vivendo entre os batistas brasileiros, pois em
todo o Brasil vejo igrejas, pastores e líderes comprometidos com a
multiplicação intencional de discípulos.
O autor desta obra, Pr Diogo Carvalho, um jovem discípulo multiplicador,
humilde e apaixonado pela evangelização discipuladora, tem sido usado de
uma forma muito especial pelo Espírito Santo na multiplicação de discípulos e
também na formação e desenvolvimento de líderes em nossa geração. Louvo a
Deus por sua vida, família e ministério. Ele é bênção na equipe de Missões
Nacionais.
Pr. Fernando Brandão
Gerente Executivo da Junta de Missões Nacionais
1

Precisamos Ser Claros e Especí cos

Todos sabemos que o nosso chamado primordial é fazer discípulos (Mt


28.18-20). Mas entre saber e fazer há uma enorme distância. Poucos membros
de nossas igrejas podem dizer que já produziram um novo discípulo ou que
atualmente estão no processo de produzir um.
Esse cenário é bem retratado por Fabrício Freitas:
Muitos crentes apenas transferem suas responsabilidades em termos de fazer discípulos para o coletivo
ou para a liderança. Fazem tudo, menos cumprir a missão. Alguns são até bem intencionados. No que
diz respeito à nossa cultura centralizada no templo, são até considerados bons crentes, pois: são alunos
da Escola Bíblica Dominical, são participativos em todas as atividades, inclusive nas sessões
administrativas, são éis na doutrina e até zelosos dela, são éis dizimistas, não dão trabalho para o
pastor nem para a liderança. (...) Mas pergunte a esses irmãos: “Quantos discípulos já zeram em toda
a sua vida ou estão fazendo agora?”. Experimente lançar essa pergunta em um culto dominical e quase
todos baixarão a cabeça de vergonha. Esse incômodo é proporcional ao tanto que a Grande Comissão
está distante do dia a dia da maioria de nós. Por que um cristão deveria estranhar ser avaliado à luz de
seu chamado primordial? A única resposta possível é que o nosso conceito do que é ser um bom cristão
pode ter se afastado demais da ideia original de Jesus.[1]

Vários fatores levam a esse momento. Temos di culdade em estabelecer a


Grande Comissão como a nossa real prioridade. Nem sempre as nossas ações
correspondem ao nosso discurso. Como podemos dizer que uma coisa é a nossa
prioridade quando ela não impacta de nenhuma forma o nosso jeito de ser e
viver? Como podemos dizer que fazer discípulos é realmente importante se não
há nenhum apontamento em nossa agenda semanal de ações dedicadas a isso?
Precisamos de um novo despertamento para o discipulado. Pode ser, porém,
que estejamos atrasando ou impedindo esse despertamento pela falta de
demonstração clara do que é discipulado e
Para fazermos
como ele acontece em nosso dia a dia.
Queremos despertar pelo discurso, mas às discípulos, primeiro
vezes nem mesmo nós sabemos como esse precisamos ser
discurso se aplica. A falta de exempli cação discípulos.
do que é e de como funciona o discipulado
tem sido um dos principais obstáculos para um movimento de multiplicação
de discípulos em nosso meio.
Sem ver o discipulado acontecer, e sem saber por onde começar nem o
quanto ele vai exigir, os membros de nossas igrejas não conseguem nem re etir
se querem se envolver ou não, quanto mais tomar uma decisão a esse respeito.
O que signi ca na prática priorizarmos o fazer discípulos como estilo de vida?
Que ações isso envolve? Quantas horas teremos que dedicar a isso por semana?
Em geral, não sabemos, não falamos, não ensinamos. Temos poucas
experiências. Apenas ideias vagas.
Em Mateus 28.18 a Grande Comissão foi introduzida por Cristo com uma
declaração de máxima autoridade para nos deixar claro que não é uma
alternativa para aquele que declara tê-lo como Senhor. Dawson Trotman,
fundador dos Navegadores[2], a rmou algo interessante: “Jesus disse, ‘Sigam-me,
e eu os farei pescadores de homens’ (Mt 4.19). Não há homem que seguiu Jesus que
não se tenha tornado um pescador de homens. Ele nunca falha em fazer o que
promete. Se você não está pescando, você não está seguindo”.[3]
Para fazermos discípulos, primeiro precisamos ser discípulos. Jesus disse em
João 15.8: “Meu Pai é glori cado nisto: em que deis muito fruto; e assim sereis
meus discípulos”. Essa é a questão-chave. De acordo com Jesus, ninguém que
tem uma vida cristã estéril, que viva para si mesmo e não in uencie outras
vidas, tem o direito de se autoproclamar um discípulo dele. Ou, na melhor
hipótese, alguém nessa condição pode até estar seguindo a Jesus na multidão,
mas ainda não assumiu o caráter de um verdadeiro discípulo, pois o verdadeiro
discípulo produz muito fruto.
Isso é muito sério, quanto mais para nós, líderes. Como tais, temos o dever
não apenas de despertar os crentes para o cumprimento da Grande Comissão,
mas também de modelar e treinar. Nós somos o exemplo. Devemos saber
melhor do que ninguém como o discipulado se apresenta hoje, como se parece
em nossa cultura individualista, cercada de tantas ocupações e preocupações.
Precisamos responder como o discipulado pode se utilizar dos meios
eletrônicos de comunicação e se ele pode ser vivido em meio às limitações da
vida urbana, à lentidão do trânsito, à falta de segurança, ao isolamento da
moradia em apartamentos e à cultura de super cialidade dos relacionamentos
virtuais.
Somente depois que soubermos o que signi ca fazer discípulos e começarmos
a praticá-lo, poderemos ser claros e especí cos naquilo em que queremos que
os membros de nossas igrejas invistam seu tempo, seus esforços, recursos e
vida. A m de vermos nossas igrejas fazendo discípulos efetivamente, esta é a
jornada diante de nós:

1. entender o que é discipulado;


2. praticar e exempli car o discipulado;
3. ser claros e especí cos sobre o que implica discipular alguém;
4. instrumentalizar a igreja para a multiplicação de discípulos em escala.

Esse é o objetivo deste livro: de nir, a partir do relacionamento discipulador


modelado por Jesus, o que é e como funciona o discipulado em nossa realidade
hoje, a m de que possamos exempli cá-lo e reproduzi-lo em larga escala em
nossas igrejas. Para isso, vamos investigar os princípios presentes no discipulado
praticado por Jesus e como eles podem ser realizados em nossos dias.
Seria ousado demais achar que este trabalho seja uma palavra nal sobre o
assunto. Existem excelentes obras sobre o tema, parte delas referidas nas notas
de rodapé, e outras tantas que ainda serão produzidas. Esperamos de alguma
forma contribuir para que, juntos, caminhemos para mais perto do que o
Senhor espera de nós quando nos ordenou fazer discípulos.

Colocando em Prática
1. Vamos dar uma olhada em sua agenda semanal. Imagino que ela
contenha muitos apontamentos de compromissos com reuniões,
atividades e eventos. Mas, quantas vezes ocorre o nome de pessoas? O
que isso está querendo dizer? Que espaços você encontrou vagos em sua
agenda e que poderiam ser dedicados a pessoas?
2. Qual é o seu conceito de discipulado? Tente ser o mais especí co
possível. Quanto tempo custa? Como e quando ele acontece? Com
quem ele é desenvolvido? Quem está preparado para discipular outra
pessoa? Qual é o seu objetivo? Como você sabe que esse objetivo está
sendo cumprido na vida de um discípulo?
3. Re ita sobre o que os membros de sua igreja estão pensando quando
você os exorta a fazer discípulos. Eles estão sendo estimulados a
discipular baseados no discipulado que estão recebendo? Se não, o que
é preciso fazer para mudar esse cenário?

[1] De volta aos princípios, p. 43.


[2] www.navigators.com
[3] Discipleship, p. 40. (tradução livre do autor).
2

O Que Signi ca Fazer Discípulos?

A primeira questão a ser enfrentada é o signi cado do “fazei discípulos”


de Mateus 28.19. Seria obter convertidos? Seria cuidar e aperfeiçoar os
novos convertidos? Seria outra coisa? Neste capítulo, re etiremos sobre a
maneira como entendemos e praticamos o fazer discípulos em nossos
ministérios e igrejas.

Usando a Chave Certa


Permita-me começar com uma história
Jesus nunca
pessoal. Certa vez, à volta de uma mesa
com colegas de ministério para debatermos estabeleceu um ponto
sobre a relação entre evangelização e de corte entre
discipulado, um deles disse algo que evangelização e
provocou um daqueles momentos de discipulado com seus
virada de chave em minha mente. Ele disse: discípulos.
“Jesus nunca estabeleceu um ponto de corte
entre evangelização e discipulado com seus discípulos”. Não era o que eu queria
ouvir, pois, além de parecer absurdo, fugia totalmente do foco de discussão,
que era justamente onde termina a evangelização e onde começa o discipulado.
Hoje sou grato ao pastor Marcelo Farias por ter me dado a chance de ver sob
uma ótica diferente para que eu chegasse às conclusões impressas neste livro.
Como advogado, aprendi que muitas vezes a solução de um caso só começa a
aparecer quando nós voltamos ao início em busca de algum detalhe que passou
despercebido. Muitas vezes, o que nos impede de enxergar a saída é aceitar
como certo um fato que não é real. Esse era o meu caso naquela discussão
sobre a relação evangelização-discipulado. Quem disse que o discipulado
acontece apenas a partir da conversão? Quem disse que o ensino do evangelho
cessa após a “decisão ao lado de Cristo”?
Sem perceber, eu estava tomando por certo que, ao mencionar a palavra
discípulos em Mateus 28.19, Jesus estava se referindo a decididos ou
convertidos e não a aprendizes ou seguidores, que era o signi cado de discípulos
naquele contexto. Só mais tarde me dei conta de que nem mesmo a palavra
discípulo é mencionada naquele versículo, mas um verbo (mateteuo), que
poderia ser traduzido na forma imperativa por discipulai, ensinai ou, em uma
tradução livre, fazei discipulado com.[4]
Eu estava cometendo um erro
Os discípulos não
hermenêutico[5]: não buscava interpretar o
“ide e fazei discípulos” a partir da intenção tiveram dúvidas de
de Jesus, tampouco do ponto de vista dos como executariam o que
seus destinatários originais. Eu presumia Jesus lhes estava
que fazer discípulos tinha mais a ver com pedindo. Eles foram
teologia sistemática do que com o contexto discipulados!
histórico. A minha chave hermenêutica era
a soteriologia – isto é, o estudo das doutrinas da salvação. Porém, não estava
enxergando que a expressão fazer discípulos tinha a ver, antes de qualquer outra
ação, com uma prática comum na cultura judaica do Século I e que o seu
conceito e método foram exempli cados por Jesus durante três anos e meio,
com vasta narrativa nos evangelhos.
Os contextos históricos geral (cultura judaica do primeiro século) e particular
(dia a dia de Jesus) da Grande Comissão em Mateus estavam ali, escondidos
debaixo de uma pilha de conceitos soteriológicos, como conversão, justi cação
e salvação, impedindo-me de ver o óbvio: que os discípulos jamais precisariam
especular – como fazemos hoje – sobre o que signi cou “ide, fazei discípulos”
desde que o discipulado era uma realidade presente em sua cultura e em sua
própria experiência recente.
Na verdade, eles haviam feito pouca coisa nos últimos três anos e meio além
de terem sido discipulados por Jesus. Eles nunca poderiam responder à Grande
Comissão com a pergunta: “Como faremos isso?” Essa pergunta não está lá –
nem poderia estar – porque os discípulos não tiveram dúvidas de como
executariam o que Jesus estava lhes pedindo. Eles foram discipulados!
Hoje, devemos nos perguntar se os membros de nossas igrejas sabem o que é
discipulado antes de carmos exortando a fazerem isso. No caso dos discípulos,
a ordem entrou em sua mente e coração de forma simples e clara: “Viram o
que eu z com vocês durante esses últimos anos? Vão e repliquem com outras
pessoas”. Devemos seguir as pegadas de Cristo: convocar os crentes a fazer
discípulos a partir do discipulado que estejam recebendo.

Soteriologia Também, Mas Boa Soteriologia


Tanto em Marcos 16 como em Mateus 28, o batismo está inserido na
Grande Comissão. Em Marcos 16.15 e 16, as palavras de Jesus acrescentam o
crer como antecedente ao batismo: “Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a
toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será
condenado”. Combinando a Grande Comissão em Marcos e Mateus, chegamos
à conclusão de que o fazer discípulos também implica levar as pessoas, sob a
dependência do Espírito Santo, à fé em Cristo como salvador a m de que,
crendo, sejam batizados.
Portanto, o discipulado envolve salvação, envolve soteriologia, sim. Até
podemos dizer que o fazer discípulos, enquanto nalidade, visa conduzir as
pessoas à salvação, mas desde que o nosso conceito de salvação seja completo
como aparece na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, isto
é, o “dom gratuito que Deus oferece a todos os homens e que compreende a
regeneração, a justi cação, a santi cação e a glori cação”.[6] Com razão, o
discipulado tem o alvo de aperfeiçoar as pessoas em Cristo, como Paulo a rma
em Colossenses 1.28: “A ele anunciamos, aconselhando e ensinando todo homem
com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo”. E
isso com certeza começa com o arrependimento e a fé em Cristo. Desta forma,
discipular também exige pregar o evangelho com vista à conversão, embora não
se esgote nela, mas prossiga para o batismo e o amadurecimento para a vida e a
multiplicação.
Por outro lado, enquanto meio, é o processo de relacionamento exempli cado
por Jesus, o qual chamamos de relacionamento discipulador[7]. Creio que Jesus
tinha esses dois aspectos em mente ( nalidade e processo) quando, ao formular
a Grande Comissão em Mateus 28.18-20, destacou intencionalmente o fazer
discípulos como ação central. O primeiro ( nalidade) explica para que fazemos
discípulos: para a salvação. O segundo (processo) ressalta como fazemos isso:
por meio de relacionamentos discipuladores.
A questão é que, pensando no viés soteriológico do discipulado, percebemos
um problema que afeta gravemente a nossa compreensão do que é um
relacionamento discipulador: o nosso conceito de conversão tem sido muito
decisionista. Tudo para nós gira em torno de obtermos uma “decisão ao lado de
Cristo”, um levantar de mãos durante um apelo, uma repetição de uma oração
de con ssão impressa em um folheto... Não exploramos a profundidade de
temas como regeneração, novo nascimento, conversão... Vamos relembrar
como eles são tratados na Declaração Doutrinária da CBB, Seção V:
A salvação é individual e signi ca a redenção do homem na inteireza do seu ser.
A regeneração é o ato inicial da salvação em que Deus faz nascer de novo o pecador perdido, dele
fazendo uma nova criatura em Cristo. (...) O arrependimento implica mudança radical do homem
interior, por força do que ele se afasta do pecado e se volta para Deus. A fé é a con ança e aceitação de
Jesus Cristo como Salvador e a total entrega da personalidade a ele por parte do pecador. Nessa
experiência de conversão o homem perdido é reconciliado com Deus, que lhe concede perdão, justiça e
paz.
A justi cação, que ocorre simultaneamente com a regeneração, é o ato pelo qual Deus, considerando os
méritos do sacrifício de Cristo, absorve, no perdão, o homem de seus pecados e o declara justo,
capacitando-o para uma vida de retidão diante de Deus e de correção diante dos homens.
A santi cação é o processo que, principiando na regeneração, leva o homem à realização dos propósitos
de Deus para sua vida e o habilita a progredir em busca da perfeição moral e espiritual de Jesus Cristo,
mediante a presença e o poder do Espírito Santo que nele habita. Ela ocorre na medida da dedicação
do crente e se manifesta através de um caráter marcado pela presença e pelo fruto do Espírito, bem
como por uma vida de testemunho el e serviço consagrado a Deus e ao próximo.
Com base nessas a rmações, podemos dizer que quando uma pessoa é
verdadeiramente convertida, salva, ela experimenta uma transformação tão
radical que di cilmente deixará de ser notada. É claro que essa pessoa não se
tornará perfeita da noite para o dia, mas, no mínimo, ela apresentará sinais
nítidos e crescentes de uma transformação. Como é marcante ver isso acontecer
com alguém!
O curioso é que a teologia da salvação seja tão profunda na nossa Declaração
Doutrinária e tão rasa na nossa prática evangelística. Hoje, com exceções, o que
mais nos importa é o momento da “decisão ao lado de Jesus”. Esse momento
de ne tudo. Para alguns, é a linha de chegada. Para outros, é o ponto de
partida. De uma forma ou de outra, tudo tem a ver com a decisão, mas com
um agravante. Algumas vezes o decidido não está convertido de verdade e se
afasta do caminho. Partindo da premissa de que essa decisão foi sincera, o que
não corresponde a todos os casos, a explicação que geralmente damos é que
não houve um discipulado efetivo, e o bebê espiritual cou sem nutrição e
morreu. Sinceramente, nunca entendi como isso está coerente com a nossa
teologia da salvação.[8] Como alguém pode nascer de novo, tornar-se um bebê
espiritual e depois perder essa condição? O mais provável é que ele nunca tenha
experimentado o novo nascimento.
Um dos maiores obstáculos para compreendermos o que é fazer discípulos
está em lermos essa expressão unicamente com as lentes da soteriologia e, pior
que isso, de uma soteriologia simples demais. Fazer discípulos signi ca, em
certo sentido, conduzir pessoas à salvação. Porém, só vamos entender o que o
discipulado realmente é quando o associarmos também a um processo de
relacionamento intencional que resulte em conversão e aperfeiçoamento ao
longo de uma caminhada. Foi assim que Jesus fez. Perdão pelo óbvio, mas Jesus
fez discípulos discipulando-os e não apenas salvando-os.
Nos próximos capítulos vamos ver como tudo isso se encaixa numa visão de
cumprimento da Grande Comissão que reforce os relacionamentos
discipuladores como exempli cados por Jesus e faça sentido no contexto mais
amplo de Igreja Multiplicadora e Pequenos Grupos Multiplicadores.
Construiremos isso juntos, aos poucos, uma camada por vez. Deus ainda tem
muito a falar ao seu coração em matéria de discipulado.
Colocando em Prática
1. Explique a relação entre salvação e discipulado. Medite sobre o
discipulado de Jesus. Os discípulos se converteram quando? Na
pregação de João Batista? Quando deixaram suas redes e o seguiram?
Quando declararam que Jesus é o Filho do Deus vivo? Na descida do
Espírito Santo em Pentecostes?
2. Relembre os últimos convertidos em sua igreja. Quais as evidências de
que foram verdadeiramente salvos? Houve alguma mudança
perceptível? A que você atribui a sua conversão?
3. Pense em todas as pessoas que manifestaram uma decisão nas últimas
ações evangelísticas da igreja e que não avançaram na fé. Será que foram
salvas e perderam a salvação? Ou, então, o que você acha que aquela
decisão signi cou? O que faltou para que elas prosseguissem? Será que
houve alguma falha da igreja à luz da Grande Comissão? Qual?

[4] Desnecessário abordar a questão gramatical do “ide” – se imperativo, particípio ou gerúndio -, uma
vez que não faz nenhum sentido, em qualquer hipótese, retirar a intencionalidade do “ide” se o público-
alvo da ordem foi “todas as nações”. Não há nenhum indicativo contextual de que, para os discípulos, viver
a sua vida normal poderia signi car ir até os con ns da terra.
[5] Hermenêutica é a área da Teologia que estuda como interpretar a Bíblia corretamente.
[6] Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, Artigo 5.
[7] O livro Igreja Multiplicadora: cinco princípios bíblicos para crescimento de ne o relacionamento
discipulador como “o relacionamento intencional de um discípulo com uma pessoa visando torná-la outro
discípulo” (p. 72).
[8] A Declaração Doutrinária da CBB a rma, em seu item VI: “A salvação do crente é eterna. Os salvos
perseveram em Cristo e estão guardados pelo poder de Deus. Nenhuma força ou circunstância tem poder para
separar o crente do amor de Deus em Cristo Jesus. O novo nascimento, o perdão, a justi cação, a adoção como
lhos de Deus, a eleição e o dom do Espírito Santo asseguram aos salvos a permanência na graça da salvação.”
3

Não Apenas a Ordem Mas Também


a Estratégia

Quando Jesus Cristo inseriu o discipulado na Grande Comissão em


Mateus 28.19, Ele o fez intencionalmente, para mostrar que ir, batizar
e ensinar a obedecer são ações que se desenvolvem em meio a um
relacionamento de longo prazo. Vamos conversar um pouco sobre a
estratégia discipular de Jesus em comparação à nossa realidade.

Ocupados Demais para Imitar Jesus


Ao receberem a ordem para fazer discípulos, os apóstolos provavelmente não
tiveram di culdades para entendê-la. Não estamos dizendo com isso que eles
logo se mostraram dispostos ou se julgaram aptos a realizá-la. Na realidade, eles
se sentiram desmotivados e incapazes até que foram revestidos de poder do
Espírito Santo para a missão.
Talvez um dos motivos da sensação de incapacidade que assolou os discípulos
no intervalo entre a Grande Comissão e o Pentecostes tenha sido justamente a
compreensão do que ela implicava: que eles tivessem uma vida tão impactante
e atraente – porém, não tanto quanto a que Jesus teve, obviamente – que
passariam a ser seguidos também. Fazer discípulos nos moldes do que Jesus
ordenou exigia que os que ouvissem o evangelho e cressem tivessem
professores, discipuladores. Mas, quem os acolheria? Quem os batizaria? Quem
os ensinaria? Quem os levaria a obedecer a tudo o que Jesus ensinou?
Jesus continuaria sendo o Mestre[9] por todas as gerações, pois Ele é o
próprio evangelho a ser pregado. Porém, se todas as nações tinham que ser
batizadas e ensinadas, isso implicava acolher os que criam dentro de um
relacionamento de aperfeiçoamento contínuo. Imagino o que veio à mente dos
discípulos quando ouviram Mateus 28.18-20 a primeira vez: “Sem Jesus por
perto, quem será o rabi dessas pessoas? Eu? Impossível! O que tenho para
oferecer a um grupo de alunos? Como ensinarei a Palavra de Deus como Jesus
fez? Além do mais, quem vai querer me seguir? Eu não sou um mestre: eu sou
apenas um pescador!”
Se eles pensaram assim... estavam certos! De fato, se o que Jesus ordenou aos
seus discípulos signi casse reproduzir um discipulado semelhante ao que
receberam, então a Grande Comissão seria uma tarefa humanamente
impossível! E é mesmo... humanamente. Por isso, a frase nal: “E eis que eu
estou convosco...”. A presença de Jesus é o divisor de águas entre a
impossibilidade total e a certeza encorajadora de que podemos cumprir a
missão. Não conseguiremos ser verdadeiros discipuladores sem o poder do
Espírito Santo (Atos 1.8).
Ainda que os discípulos dependessem totalmente do revestimento de poder
para o cumprimento da missão, essa missão em si não lhes era obscura ou
incerta. Jesus não deu apenas a ordem. Também deu a estratégia. Era como se
dissesse: “Façam como eu z. Se parece impossível, não se preocupem. Eu vou
capacitar vocês. Eu estarei com vocês, encorajando e supervisionando para que
sejam bem-sucedidos nessa missão”.
Grande parte dos problemas que temos enfrentado hoje com o discipulado é
justamente por falta de nos espelharmos no modo como Jesus fez discípulos.
Não associamos a ordem ao exemplo. Como perdemos ao deixar de aprender
com o maior discipulador que já existiu! Queremos cumprir a ordem de Jesus,
porém ignorando o seu jeito de fazer. Conceituamos e praticamos o
discipulado de inúmeras formas, mas deixamos de lado justamente o
relacionamento intencional exempli cado por Jesus.
Queremos discipular a multidão. Jesus discipulou um pequeno grupo.
Queremos discipular para o batismo. Jesus discipulou para a vida e para a
multiplicação. Queremos discipular, mas apenas se o discipulado for feito por
pastores ou discipuladores nomeados. Jesus deu a Grande Comissão para todos
os discípulos. Não é de admirar que não estejamos tão bem em matéria de
discipulado.
É difícil precisar por que e quando deixamos a maneira do Mestre e
inventamos nosso próprio jeito de fazer discípulos. Contudo, devido ao
modelo predominante em nossos dias, de igrejas voltadas unicamente para
estruturas e programas que têm lugar no templo e no domingo, somado à
cultura de consumismo e ativismo religioso, a realidade é que nós temos estado
ocupados demais para voltar atrás e imitar o ministério discipular de Jesus.
Veja esse alerta de Billy Hanks sobre o círculo vicioso da falta de discipulado
em nossas igrejas e ministérios:
Nosso atual curso de ação de curto alcance na maioria das vezes gera um senso de frustração e fadiga
espiritual na vida dos obreiros cristãos éis. Devido à falta de uma estratégia de longo-alcance, muitos
pastores e líderes se encontram totalmente absorvidos em uma multidão de boas atividades que os
afastam das melhores atividades. Nós não achamos tempo para treinar os líderes leigos para a obra do
ministério. Essa omissão deixa o pastor e seus líderes sem uma base forte de leigos quali cados para
trabalhar juntos com eles nos ministérios da igreja local. Como resultado, a equipe ministerial
remunerada conduz o acompanhamento evangelístico, o aconselhamento, as visitas hospitalares e os
ministérios evangelísticos da igreja local praticamente sozinha.
Desde que muitos obreiros cristãos sentem que seu tempo é muito valioso para envolvimento pessoal
em equipar sua liderança leiga, o círculo vicioso se repete de novo e de novo. Nós sempre estamos
muito ocupados para seguir o exemplo de Jesus. Nós precisamos compreender o fato de que o Senhor
revelou seu padrão pessoal de ministério por meio de investir o máximo de seu tempo na vida daqueles
que se encarregariam da máxima responsabilidade no futuro ministério da igreja.

Esperamos que esse não seja o retrato de nossa igreja e nosso ministério. Mas,
se for, temos que reconhecer que, ao contrário de Jesus, gastamos todo o nosso
foco e energia em ações voltadas a atender a multidão em vez de prepararmos
um pequeno grupo de líderes que se multipliquem.
Queremos alcançar muitos de uma vez só. O clamor da multidão que sofre à
nossa volta é muito grande. Jesus se compadeceu dela! Nós também devemos
nos compadecer! Mas, quando o Senhor quis garantir que seu evangelho
chegasse às próximas gerações e até os con ns da terra, seu alvo não foi a
multidão, nem seu método a pregação de massa, a cura ou a multiplicação dos
pães. O seu alvo foi um grupo de homens e a sua estratégia foi o
relacionamento discipulador. Por isso, Ele fez menção intencional a essa mesma
estratégia: fazer discípulos.
Robert Coleman a rma com acerto que “a Grande Comissão não é um
chamado para um novo plano de ação, mas o desenvolvimento do próprio método
de missão de Jesus”.[10] Ele também nos ensina:
Os homens foram o Seu método. Tudo começou por Jesus chamar alguns poucos homens para segui-
lo. Isso revelou imediatamente a direção que sua estratégia evangelística ia tomar. Sua preocupação não
foi com programas para alcançar as multidões mas com homens a quem as multidões seguiriam. Tão
marcante quanto de fato é, Jesus começou a reunir esses homens antes de ter organizado uma
campanha evangelística ou até mesmo pregado um sermão público. Homens eram para ser o seu
método de conquistar o mundo para Deus.

Jesus nos deu uma missão que não será O discipulado é para
completada somente por meio de eventos gerar liberação para
de evangelização ou ação social de massa.
O célebre evangelista Billy Graham admitiu
multiplicação, e não
certa vez: “Cruzadas em massa, nas quais eu dependência.
acredito e às quais eu dediquei minha vida,
nunca completarão a Grande Comissão; mas o ministério um a um o fará”.[11] Ele
assumiu isso depois de ser convencido da importância do discipulado por
Dawson Trotman, fundador dos Navegadores, a partir de 2ª Timóteo 2.2 (“O
que ouviste de mim, diante de muitas testemunhas, transmite a homens éis e aptos
para também ensinarem a outros”). Graham se referiu a esse versículo como
sendo “algo próximo de uma fórmula matemática para a propagação do evangelho
e o crescimento da igreja”.[12]
Na década de 50, Trotman foi convidado por Graham para ajudá-lo no
acompanhamento dos milhares de decididos em suas cruzadas. A partir de
então, eles se tornaram grandes amigos, a ponto de o evangelista ter pregado
em seu funeral. O movimento dos Navegadores in uenciou tanto os batistas
americanos que chegou até nós, batistas brasileiros, por intermédio dos
preciosos livros de Waylon Moore publicados pela JUERP: Integração Segundo
o Novo Testamento (1976) e Multiplicando Discípulos (1983). Jesus não apenas
nos deu a ordem. Ele nos exempli cou como fazer.
Nós Fazemos Discípulos de Quem?
Essa é uma pergunta-chave, que precisa ser respondida com muita cautela.
Todos nós já tivemos conhecimento de situações em que, em nome do
discipulado, estabeleceu-se uma relação de dependência, controle e submissão
cega que trouxe grandes prejuízos. Mas isso não acontece por acaso. Algumas
versões de discipulado partem de uma teologia que, suprimindo o sacerdócio
universal do crente, apresenta a palavra nal do discipulador como a principal
forma de Deus falar hoje em dia.
Como batistas, nós cremos rmemente que a Escritura é o principal meio
pelo qual Deus fala ao coração do ser humano, e que toda orientação que um
cristão pode oferecer a outro deve estar fundamentada nela. No decorrer dos
próximos capítulos, vamos deixar cada vez mais nítido que o discipulado é para
gerar liberação para multiplicação, e não dependência. O nosso chamado é
para fazermos discípulos que serão enviados, e não que permanecerão debaixo
de nossas asas para sempre.
O alvo do discipulado é Cristo. O
Por mais paradoxal que
discipulado se trata dele. É com Ele que
devemos nos parecer no nal das contas. pareça, a missão que
Qualquer pessoa que queira começar a Cristo nos entregou é
fazer discípulos, mas não sendo ela mesma para ser cumprida por
uma discípula de Jesus, poderá realizar meio de produzirmos os
muitas coisas, menos a Grande Comissão, nossos próprios
pois a Grande Comissão trata da
discípulos dele.
multiplicação de discípulos de Jesus, não de
qualquer pessoa.
Apesar de tudo isso, não devemos responder à pergunta que intitula esta
seção apenas sob o ponto de vista da rejeição do erro teológico. Ainda há
muitos tesouros sobre o discipulado que precisamos escavar. Por mais que
refutar o engano seja importante, fazer isso por si só não signi ca que
estejamos cumprindo a Grande Comissão. A ordem de Cristo exige de nós
uma atitude ativa, e não passiva. Não a cumpriremos por meio do que
deixarmos de fazer (o erro), mas pelo que zermos (o acerto). Então, nossa
abordagem do fazer discípulos deve estar isenta de preconceitos que nos
impeçam de compreender e praticar o que isso realmente signi ca.
Com isso em mente, quero propor que, se admitirmos que o Senhor Jesus
nos ordenou reproduzir com outros o que Ele mesmo fez com aqueles doze
homens, então a Grande Comissão nos obriga a fazer discípulos não apenas
dele, mas também de nós (à medida que somos discípulos dele). Por mais
paradoxal que pareça, a missão que Cristo nos entregou é para ser cumprida
por meio de produzirmos os nossos próprios discípulos dele.
Quando Jesus se despediu de seus discípulos e os incumbiu de ensinar novas
pessoas, Ele estava nomeando todos eles como discipuladores. Desde então e
até os dias de hoje, Ele não vai descer do céu para fazer novos discípulos. Agora
isso compete a nós, sob o poder do Espírito Santo. Se zermos discípulos
apenas de Cristo, e não de nós, então não estaremos discipulando, pois o
sujeito ativo do fazer discípulos na Grande Comissão somos nós, e não Ele.
Com tudo isso, não estamos querendo dizer que o objetivo nal do
discipulado é levar alguém a parecer-se conosco. Se for assim, o discipulado
terá um alvo muito medíocre. A nalidade do discipulado é produzir um
imitador de Cristo, o que será obtido, contudo, por meio de um processo de
aperfeiçoamento gradual. Nesse processo, o discípulo começa imitando outro
discípulo, porém com o objetivo de ultrapassá-lo, pois a perfeição almejada,
que tem Cristo como parâmetro, sempre estará além da nossa capacidade de
modelar. O referencial sempre será Cristo, mas se nós o seguimos, o discípulo
poderá nos seguir.
Por que será que recusamos tanto a ideia de termos os nossos discípulos de
Cristo? Uma parte da resposta já foi dada, e se refere à nossa rejeição quanto a
determinados movimentos mais recentes de discipulado que destoam do
padrão bíblico. Mas, antes mesmo que tais movimentos surgissem, nós
também não aceitávamos a ideia de que um discípulo genuíno de Cristo
pudesse ter discípulos, ainda que por meio de um relacionamento saudável
teologicamente. Nós até admitimos que o discipulado pressupõe um
discipulador de um lado e um discípulo de outro, mas chamamos esse
discípulo de “discipulando”, “pupilo”, “mentoreado” ou até de “catecúmeno”,
menos de discípulo.
Creio que a principal razão pela qual não gostamos de ter discípulos está na
nossa forma histórica de enxergar o fazer discípulos apenas como uma meta
( m) da evangelização, e não como um processo (meio) de aperfeiçoamento de
discípulos para a multiplicação. Vamos tentar re etir sobre isso um pouco
mais. Para muitos de nós, fazer discípulos tem sido nada mais do que obter
convertidos. Por esse pensamento, quando Jesus nos deu a Grande Comissão a
sua intenção seria basicamente que buscássemos pessoas perdidas para a
salvação. A ênfase da missão seria na evangelização e no resultado dela.
Primeiro, pregamos o evangelho e, quando uma pessoa decide aceitar Jesus
como salvador, temos feito mais um discípulo dele.
Quem vê a Grande Comissão dessa forma geralmente ressalta Marcos 16.15:
“E disse-lhes: Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura”, mas
nem tanto Mateus 28.19: “Ide, fazei discípulos”. Quero propor chamar essa
compreensão do fazer discípulos de a abordagem do bornal vazio. Bornal é a
bolsa onde o semeador carrega as suas sementes, as quais vai deixando cair pelo
campo a m de que germinem por conta própria. O objetivo do semeador é
voltar para a casa ao nal do dia com o bornal vazio das sementes que carregou
para espalhar.
Para um cristão com foco na semeadura, voltar com alguma semente não
lançada signi ca contribuir, por omissão, para que mais uma pessoa se perca
para sempre. Uma amostra dessa visão pode ser lida no impactante livro de
Mark Cahill, Evangelismo: uma coisa que você não pode fazer no céu:
Se eu desse uma festa de aniversário para você na qual cada convidado fosse receber 100 mil dólares em
dinheiro vivo e uma Mercedes conversível, e eu lhe desse cinquenta entradas para a festa, quantas
pessoas você teria nessa festa? Sem dúvida, teria cinquenta pessoas. De fato, se você percebesse que
tinha uma entrada sobrando e visse uma pessoa que mora na rua, você daria a ela a entrada que estava
sobrando. Isso não se parece com o que Deus tem feito por nós? Ele nos tem dado um bolso cheio de
entradas, e é responsabilidade nossa entregar um convite após o outro para um lugar chamado céu. (...)
Você tem ideia de quantos crentes vão morrer e estar diante de Deus com um bolso cheio de entradas
para o céu? Você tinha todas essas entradas para o céu. Você poderia ter dado essas entradas a qualquer
pessoa que quisesse, mas morreu com o bolso cheio delas.[13]
Com certeza, existe algo de bíblico nesse entendimento. Paulo parece pensar
assim ao insistir com Timóteo: “Eu te exorto diante de Deus e de Cristo Jesus, que
há de julgar os vivos e os mortos, pela sua vinda e pelo seu reino, prega a palavra,
insiste a tempo e fora de tempo, aconselha, repreende e exorta com toda paciência e
ensino” (2Tm 4.1,2). Nesse texto, o apóstolo coloca sob perspectiva o juízo de
Deus a que todos os homens estariam sujeitos, inclusive o próprio evangelista
quanto à sua diligência no trabalho. Poucos versículos depois (v. 5), ele apela ao
jovem pastor: “Faze a obra de um evangelista”. Em outra passagem, ele diz: “Sou
devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes. (...)
Porque não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para a salvação de
todo aquele que crê; primeiro do judeu e também do grego” (Rm 1.14,16). Ainda:
“Desse modo, esforcei-me por anunciar o evangelho não onde Cristo já havia sido
proclamado (...)” (Rm 15.20). Para não citar outras passagens, como Rm
10.10-17, em que ele sustenta a necessidade de proclamação do evangelho a
todas as pessoas, pois “a fé vem pelo ouvir”. Para Paulo, a pregação do evangelho
era sempre necessária e emergencial.
Sem dúvida, a nossa missão inclui anunciar Jesus Cristo a todas as pessoas ao
redor do mundo. Ele mesmo disse, no que poderíamos chamar de a Grande
Comissão no Evangelho de Lucas: “Está escrito que o Cristo sofreria, e ao terceiro
dia ressuscitaria dentre os mortos; e que em seu nome se pregaria o arrependimento
para perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém” (Lc
24.46,47).
Os evangelistas da abordagem do bornal vazio têm trazido uma
enormecontribuição no sentido de nos despertar para a obra de evangelização
local e mundial. Eles são muito críticos quanto à omissão da igreja no
cumprimento da Grande Comissão, ainda que a tenham particularmente à luz
de Marcos 16.15 e Lucas 24.46 e 47. O chamado à evangelização é uma voz
constante a nos incomodar para que saiamos do nosso conforto atrás de pessoas
a m de lhes anunciar o evangelho.
A questão não é se a nossa missão inclui
A Grande Comissão é
semear o evangelho, mas se ela se resume a
isso. A Grande Comissão termina quando algo que se implementa
esvaziamos o saco de sementes? Temo dizer via relacionamentos.
que não. Deixe-me demonstrar o que tudo isso tem a ver com a pergunta: “Nós
fazemos discípulos de quem?”. Bem, se nossa visão de fazer discípulos se limita a
obter convertidos, então os novos discípulos não têm a necessidade de se
relacionar com mais ninguém além de Jesus. Poderíamos fazer discípulos até
pelo rádio ou pela televisão.
Tudo bem que podemos evangelizar em um encontro eventual e ninguém
discute a validade dos meios de comunicação para propagação do evangelho.
Mas fazer discípulos é muito mais do que isso; não é algo que se faça a distância.
Como dizia Dawson Trotman, “você pode levar uma pessoa a Cristo em entre
vinte minutos e duas horas, mas leva vinte semanas a dois anos para dar-lhe o
acompanhamento adequado”.[14]
“Olhe para Cristo e não para mim” é o que costumamos dizer. É claro que
Cristo é o nosso modelo maior, o nosso alvo. Porém, algumas vezes usamos essa
frase só para nos esquivar de discipular alguém que provavelmente quer ver em
nós um exemplo do que é ser um verdadeiro discípulo. Até estranhamos as
reivindicações paulinas de que os irmãos deveriam ser seus imitadores.[15]
Ficamos a ponto de considerá-las arrogantes.
Precisamos fazer discípulos de Jesus, sim, no sentido de levar pessoas ao
arrependimento e à fé nele a m de que sejam salvas, mas também precisamos
fazer discípulos de nós, o que signi ca desenvolver com elas relacionamentos
de cuidado, ensino e aperfeiçoamento, para que também essas pessoas sejam
levadas à multiplicação. Isso é o que chamamos de relacionamento discipulador.
Não poderemos desenvolver esse tipo de relacionamento se não estivermos
abertos a ter discípulos.
É da essência do discipulado seguir alguém. Todo discípulo precisa de um
discipulador por perto, alguém que lhe sirva de referencial, de modelo. Ao
plantar o discipulado como núcleo da Grande Comissão em Mateus 28.18-20,
Jesus foi intencional em demonstrar que o caminho para o aperfeiçoamento do
discípulo passa por aprender com outro discípulo.
A Grande Comissão é algo que se implementa via relacionamentos. Ela
acontece pela in uência de um discípulo em outro, pessoa a pessoa, geração a
geração, até chegar a todas as nações. Quanto à salvação, o discípulo é de
Cristo, pois quem salva é Ele. Quanto ao relacionamento discipulador, o
discípulo é nosso, pois quem discipula somos nós. Não se choque com os
pronomes. Eles dão uma falsa ideia de posse. Mas o sentido não é esse. Na
verdade, eu entendo e respeito a sua opção de não chamar os seus discípulos de
seus, se for o caso. Você pode chamá-los de “discipulandos”, por exemplo.
Contudo, certi que-se de que esteja desenvolvendo com eles o relacionamento
discipulador conforme modelado por Jesus. Desenvolveremos melhor essa ideia
quando cuidarmos de como era desenvolvido o discipulado nos dias do Novo
Testamento e como ele pode acontecer hoje.

Colocando em Prática
1. Vamos analisar as suas ações estratégicas como pastor ou líder. Quanto
tempo você tem empregado em servir à multidão (mesmo os membros
em geral) em contrapartida ao tempo investido em relacionamento e
treinamento de novos líderes? Compare tudo isso com a estratégia
discipular de Jesus. A que conclusões você pode chegar a partir dessa
comparação?
2. Re ita sobre o conselho de Paulo a Timóteo em 2ªTimóteo 2.2. Faça
uma lista das ações estratégicas desenvolvidas nos últimos 30 dias e que
estão relacionadas a esse versículo. Como você pode ser mais
intencional a partir de hoje para que esse verso seja uma realidade em
seu ministério?
3. Que sentimento vem ao seu coração quando pensa que deve fazer
discípulos de você e não apenas de Cristo? Você se sente encorajado ou
desanimado? Quais as barreiras que você consegue enxergar para ver
isso acontecer em sua vida?

[9] Era perfeitamente possível Jesus continuar mestre de seus discípulos mesmo depois de deixá-los. Por
exemplo, havia os discípulos dos fariseus (Mc 2.18, Lc 5.22), mas estes, em certa ocasião, se intitularam
discípulos de Moisés, já morto (Jo 9.28). De um ponto de vista, os fariseus eram discípulos de Moisés,
pois preservavam e difundiam seus ensinamentos. De outro, também tinham seus próprios discípulos,
seguidores.
[10] A formação de um discípulo, p. 9. Coleman assina a introdução deste livro.
[11] Discipleship, p. 28 (tradução livre do autor).
[12] Discipleship, p. 28 (tradução livre do autor).
[13] Evangelismo: uma coisa que você não pode fazer no céu, p. 165-166.
[14] CLINTON, J. Robert. Etapas na Vida de Um Líder. p. 50.
[15] 1Co 4.16, 11.1, Fp 3.17, 1Ts 1.6 e 2Ts 3.7.
4

Mais que Um Programa: Um Jeito de


Ser

Quando somos alertados sobre a urgência da adoção de um discipulado


efetivo em nossas igrejas, geralmente achamos que a solução está em
uma nova estrutura ou uma série de livros que se encarreguem de fazer
isso acontecer. Neste capítulo, vamos abordar a necessidade de
enxergarmos o discipulado não como um programa ou ministério, mas
como um jeito de ser e viver presente em todos os cristãos.

O Caminho Mais Rápido e Fácil Simplesmente Não


Existe
Muitas pessoas concordam que a Grande
Jesus não fez discípulos
Comissão é um imperativo do qual não
podem se esquivar, pois está fundamentada nas horas vagas.
na autoridade suprema de Jesus (Mt
28.18). Porém, além da falta de compreensão do que ela realmente signi ca,
que com certeza é o fator número um, há pelo menos duas outras barreiras que
impedem que ela seja cumprida plenamente na vida de alguns dos membros e
das igrejas como um todo.
A primeira barreira é que nos acostumamos tanto com igrejas baseadas
unicamente em programas e estruturas que, quando falamos em fazer
discípulos, a primeira coisa que vem à nossa mente é criar mais um programa
para tornar isso uma realidade. Então, fazemos uma lista do que precisamos:
uma data disponível, um bom plano de divulgação, um slogan, um banner
atrativo e, é claro, um líder a quem possamos delegar tudo isso. Francis Chan
ilustra bem esse cenário:
Para alguns de nós, a experiência com a igreja tem sido tão centrada em programas que logo pensamos
na ordem de Jesus em termos programáticos. Esperamos que nossos líderes criem algum tipo de
campanha para fazermos discípulos à qual nos associamos, nos comprometemos a participar por alguns
meses e depois riscamos a Grande Comissão de nossa lista. Fazer discípulos, no entanto é muito mais
que um programa. É a missão da nossa vida. É o que nos de ne. Um discípulo é um discipulador.[16]

Veja também as palavras de Leroy Eims:


Por que são tão raros os discípulos produtivos, dedicados e maduros? O ministério deve continuar por
intermédio de pessoas, não de programas. Deve ser levado adiante por alguém, não por coisas.
Discípulos não são produzidos em massa nem em série. Não podemos “jogar” a pessoa dentro de um
programa e esperar que ela saia como discipulado no m da linha de montagem. Fazer um discípulo
demanda tempo. Precisamos dedicar-lhe atenção espiritual e nos envolvermos com ele. Passar horas
orando por ele. Precisamos de paciência e entendimento para ensiná-lo a buscar por si mesmo a riqueza
da Palavra de Deus; paciência até que se alimente sozinho e saiba buscar no Espírito Santo o poder para
viver. Acima de tudo, precisamos ser exemplo de vida para cada um, o que também leva tempo”.[17]

A isso se conecta a outra barreira: é que, se encararmos a Grande Comissão


apenas como uma obrigação, sem estar motivada no amor, a nossa tendência
muitas vezes será a chamada “lei do menor esforço”. Inconscientemente, vamos
buscar fazer o mínimo possível só para nos livrarmos do peso da
responsabilidade. Contudo, a verdade é que o caminho rápido e fácil para
fazermos um discípulo simplesmente não existe.
Tomando Jesus como exemplo, desenvolver relacionamentos discipuladores é
uma atividade tão intensa que deve aparecer no topo da nossa lista de
prioridades. Jesus não fez discípulos nas horas vagas. Ele chamou doze homens
para conviverem com ele 24 horas por dia durante mais de três anos. Nós não
conseguiremos desenvolver relacionamentos discipuladores dedicando apenas o
nosso tempo livre. Com certeza, precisaremos cortar algumas atividades que
estão na nossa agenda para incluir pessoas no lugar.
O maravilhoso disso tudo é que, com a motivação alicerçada no amor,
faremos isso com alegria! Quanto vale o investimento em uma vida em
comparação a assistir TV, passar horas na internet ou entreter-se com jogos
eletrônicos? Se pararmos para pensar bem, todos nós temos tempo para
discipular; só não o usamos de forma sábia ou, no mínimo, o desperdiçamos
com coisas inúteis. Observe esses dados intrigantes.
Num recente levantamento sobre os hábitos de informação dos brasileiros, a
Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (PBM 2015)[18] chegou à conclusão de que
48% dos brasileiros usam a internet, 26% dos quais todos os dias. Esses
usuários cam conectados, em média, 4h59 por dia durante a semana e 4h24
nos ns de semana. Entre os com ensino superior, a média diária sobe para
5h41, de segunda a sexta-feira. Segundo a pesquisa, 92% dos internautas estão
conectados por meio de redes sociais, sendo as mais utilizadas o Facebook
(83%), o Whatsapp (58%) e o Youtube (17%).
O mesmo estudo também indicou que 95% dos entrevistados assistem TV,
73% dos quais têm o hábito de fazê-lo diariamente. O tempo médio que os
brasileiros cam expostos ao televisor é de 4h31 por dia durante a semana e
4h14 nos ns de semana. Outra pesquisa, desta vez realizada pelo Ibope[19] em
2014, veri cou que cada telespectador brasileiro assistiu TV em média durante
5 horas, 52 minutos e 39 segundos por dia, o que signi ca que os brasileiros
passaram três meses inteiros do ano vendo televisão!
De acordo com mais uma pesquisa, desta vez divulgada em 2011 pela
companhia internacional de estudo de mercado Newzoo[20], o brasileiro gasta
em média três horas por dia com jogos eletrônicos. Mais de um terço desse
tempo (38%) é usado em jogos hospedados em sites e em redes sociais. No ano
da pesquisa, o país tinha 35 milhões de usuários de jogos digitais.
Não são apenas questões supér uas como essas que tomam o nosso tempo.
Até mesmo coisas boas, mas secundárias, podem nos impedir de colocar a
Grande Comissão em nossa agenda de prioridades. Certa vez, reunimos o
nosso grupo de discípulos para conversar com mais profundidade sobre o que é
fazer discípulos e para traçar juntos estratégias de como tornar a Grande
Comissão a nossa real prioridade de vida e ministério. Como alguns deles já
tinham experiência de igreja, perguntamos quanto tempo costumavam investir
em atividades que se passavam dentro do templo. Entre cultos, reuniões, Escola
Bíblica, ensaios e outras programações, chegamos à conclusão de que
consumíamos em média 8 horas por semana dentro das instalações físicas da
igreja. Alguns relataram gastar até 16 horas por semana dentro do templo!
Não podemos dizer que todas essas horas foram desperdiçadas nem que tais
atividades estavam completamente fora do campo de ação da Grande
Comissão. Mas, com base nesse levantamento a partir de nossa própria
experiência, tomamos uma atitude radical: vamos dedicar no mínimo 8 horas
por semana para fazermos discípulos: 4 horas em Pequenos Grupos
Multiplicadores e na Escola Bíblica Discipuladora, mais 4 horas em
relacionamentos discipuladores.
Não estou dizendo que já conseguimos implementar isso plenamente. Ainda
estamos começando. Temos a consciência de que a mudança será lenta e
gradual. Mas já é alguma coisa termos decidido lutar com todas as forças pelo
melhor uso do nosso tempo conforme o que dizemos ser a nossa prioridade.
Não pense que podemos construir uma cultura de relacionamentos
discipuladores pelo caminho fácil, rápido e que não custe nada. Esse caminho
simplesmente não existe.

Mais do Que Acompanhar Novos Convertidos


Fazer discípulos é muito mais do que acompanhar novos convertidos. A
questão não é se eles precisam ou não de acompanhamento, pois é claro que
precisam. A questão é se o nosso conceito de discipulado pode ou não se
resumir a isso. Na verdade, por mais que reconheçamos a necessidade desse
acompanhamento, o fato é que ele é raramente efetivado na prática. E isso tem
tudo a ver com a nossa concepção de discipulado. Vamos meditar sobre isso um
pouco.
A falta de acompanhamento tem sido uma preocupação muito presente nas
avaliações de alguns projetos evangelísticos que realizamos. De fato, todos nós
já devemos ter participado de iniciativas em que conseguimos muitos
resultados em termos de “decisões por Cristo”, mas que se perderam com o
tempo. Poucas chas de decididos se materializaram em batismos meses depois.
Essa é uma realidade frustrante para a maioria de nós. Tanto que alguns
chegam a desistir de evangelização em massa pela falta de resultados
permanentes. Outros, como eu, não conseguem radicalizar dessa forma, pois a
evangelização “a toda criatura” continua sendo obrigatória (Mc 16.15), mas
ainda assim tentaremos achar um meio de dizer que a culpa pela perda dos
frutos não foi da evangelização em si, mas da falta de acompanhamento dos
decididos.
A questão é: quem tem a responsabilidade de fazer esse acompanhamento,
a nal? O semeador ou uma equipe de discipulado? Não é surpresa que nossa
engrenagem trave justamente nesse ponto, pois é impossível responder a essa
questão biblicamente, uma vez que ela pressupõe uma separação entre a
evangelização e o discipulado. Se a Grande Comissão é uma tarefa de todo
cristão, e se ela compreende não apenas obter um convertido, mas também
batizá-lo e ensiná-lo (Mt 28.19,20), então todo cristão é chamado a fazer todas
essas ações. Todos nós devemos chamar novos discípulos, acolhê-los e
aperfeiçoá-los.
Só que, para que isso seja uma realidade em nossas igrejas, não basta fazer um
apelo de momento sobre a necessidade do acompanhamento evangelístico
visando compor um ministério com meia dúzia de membros dispostos a
promovê-lo. Onde o discipulado não é alimentado por uma visão que o
coloque no centro da Grande Comissão, ele torna-se apenas uma atividade
optativa com a qual a maioria não quer se comprometer.
Muitos pastores se queixam da falta de quem se apresente na igreja para
cuidar dos decididos. Mas, como poderia ser diferente se hoje o apresentamos
como pouco mais do que uma tarefa administrativa da igreja? Infelizmente,
muitas vezes o discipulado é entendido apenas como a atividade de reunir-se
com uma equipe um dia depois de um evento evangelístico (um culto, uma
cruzada, etc.), para fazer uma triagem de chas de decididos e enviar alguns e-
mails ou dar telefonemas.
Em contraponto à abordagem do bornal
Cada cristão foi
vazio, a que nos referimos no capítulo
anterior, outros têm defendido um sentido chamado para fazer
da Grande Comissão voltado para o discípulos, o processo
cuidado dos frutos colhidos para que não se todo, do início ao m.
percam. Vamos chamar essa abordagem de
abordagem do cesto cheio. Aqui, fazer discípulos signi caria prover nutrição
espiritual aos novos crentes a m de que se tornem maduros na fé e se
reproduzam.
Um dos defensores dessa compreensão é Keith Phillips, autor do excelente
livro A Formação de um Discípulo, no qual sustenta que “a comissão de Cristo
para sua igreja não era ‘fazer convertidos’, mas sim ‘fazer discípulos’”.[21] Seus
argumentos são muito fortes e nos levam a uma profunda re exão. Segundo
ele, a nossa evangelização negligente com a formação discipular tem produzido
“crianças espirituais mal cuidadas, o que resulta em cristãos fracos e super ciais”.
[22] É claro que isso não pode ser generalizado, pois há muitos cristãos maduros
e produtivos em nossas igrejas. Porém, a perspectiva de Keith Phillips não deixa
de ser razoável. Ele demonstra matematicamente que o treinamento um a um
de discípulos capazes de se reproduzir tem muito mais potencial multiplicador
do que a simples adição de convertidos por meio das estratégias de
evangelização em massa.[23]
Ele apresenta um quadro comparativo entre o que se refere como
“evangelização” e “discipulado” no qual faz a projeção de que em 32 anos um
evangelista que ganhe uma pessoa por dia para Jesus obterá 11.680 frutos,
enquanto um discipulador que treine um discípulo multiplicador por ano
atingirá 4.294.967.296. A diferença é esmagadora. Ele sustenta com razão que
“o discipulado é o único meio de produzir tanto a quantidade como a qualidade
que Deus deseja dos cristãos”.[24]
O problema é que às vezes nos esquivamos de recolher um fruto maduro
passando-o para o cesto de outro. Só que essa pessoa com o cesto vazio nem
sempre está lá. E aí colocamos a culpa pela perda do fruto que apodrece a
poucos metros de nossos pés em um “fantasma”. As pessoas que queremos
alcançar não podem ser passadas de mão em mão dessa forma: primeiro do
evangelista, depois do acompanhador e, por último, do discipulador. A Grande
Comissão não é uma linha de montagem. Cada cristão foi chamado para fazer
discípulos, o processo todo, do início ao m. O nosso chamado compreende
não só semear o evangelho mas também colher os frutos bons para que não se
percam.

Evangelização Discipuladora: Comunicação e


Relacionamento de Mãos Dadas
A comunicação do evangelho aliada ao relacionamento discipulador é o que
chamamos de Evangelização Discipuladora, um dos princípios de Igreja
Multiplicadora extraídos do Novo Testamento.[25] A ideia é que a proclamação
(evangelização) e o cuidado pessoal (discipulado) devem andar de mãos dadas
para o cumprimento da nossa missão.
Ainda que a Grande Comissão tenha começado a se expressar por meio de
sermões públicos, os apóstolos logo entenderam a necessidade de integrar os
que criam e ensinar-lhes a obedecer ao que Cristo ensinou. Por isso, os
discípulos sempre acolhiam em torno de si as pessoas receptivas ao evangelho.
Observem alguns exemplos no Livro de Atos:

Em 2.40-42, depois de seu sermão, Pedro “com muitas outras palavras


(...) deu testemunho e exortava as pessoas”. Os que aceitaram de bom
grado o evangelho foram batizados e começaram a perseverar no ensino
dos apóstolos, na comunhão e nas orações. Isso mostra uma dedicação
integral dos apóstolos às pessoas receptivas à pregação. No v. 42, os
apóstolos “todos os dias, no templo e nas casas, não cessavam de ensinar, e
de anunciar a Jesus Cristo”. Ora, para os apóstolos terem estado nas
casas, isso dependeu de os seus moradores estarem interessados em
conhecer mais sobre o evangelho.
Em Antioquia da Pisídia (13.4ss.), Paulo começou pregando o
evangelho publicamente na sinagoga. Tendo muitos dos judeus e
prosélitos crido, estes seguiram Paulo e Barnabé. Os dois, então,
dedicaram atenção imediata a esses, falando-lhes e exortando-os (v. 43).
Na semana seguinte, “ajuntou-se quase toda a cidade a ouvir a palavra de
Deus” (v. 44). Alguns rejeitaram a mensagem (v. 46), outros creram (v.
48). Os apóstolos se dispuseram a dedicar tempo aos interessados.
Em Icônio, Paulo e Barnabé falaram na sinagoga e muitos creram;
outros permaneceram incrédulos (14.1,2). Em seguida, os missionários
investiram “muito tempo” ali, “falando ousadamente no Senhor” (v. 3).
Fácil perceber que houve da parte dos missionários a preocupação de
investir no relacionamento discipulador daquelas pessoas.
Em Filipos, por não haver sinagoga, Paulo e Silas anunciaram Jesus a
umas mulheres à beira do rio (16.13). Lídia, depois de crer e ser
batizada, rogou que os missionários cassem em sua casa, no que foi
atendida (v. 14). Mais tarde, na evangelização do carcereiro, uma vez
que ele creu, Paulo e Silas foram até a sua casa. O modelo aqui, mais
uma vez, é andar perto daqueles que se interessarem por saber mais do
evangelho, inclusive indo até a sua casa.
Em Corinto, Paulo “todos os sábados disputava na sinagoga, e convencia a
judeus e gregos”, “testi cando (...) que Jesus era o Cristo” (18.4, 5). Por
causa dos que foram receptivos à mensagem, Paulo cou ali por um ano
e seis meses ensinando a Palavra de Deus, os quais, ouvindo-o, creram e
foram batizados (vv. 7-11).
Em Éfeso, Paulo, “entrando na sinagoga, falou ousadamente e por espaço
de três meses, disputando e persuadindo-os acerca do reino de Deus. Mas,
como alguns deles se endurecessem e não obedecessem, falando mal do
Caminho perante a multidão, retirou-se deles, e separou os discípulos,
disputando todos os dias na escola de um certo Tirano. E durou isso por
espaço de dois anos (...)” (19.8-10). Ou seja, o apóstolo, após anunciar
ao máximo de pessoas, priorizou aqueles que se interessaram pelo
evangelho. Mais à frente (20.20), Paulo relata que, enquanto esteve em
Éfeso, ensinava publicamente e pelas casas. A comoção da despedida
em 20.36 e 37 retrata a profundidade do relacionamento discipulador
desenvolvido por Paulo com aqueles discípulos, agora presbíteros, nesse
período.
Paulo seguiu o mesmo padrão até o m: em Roma, ele convocou os
judeus para lhes pregar o evangelho (At 28.17, 20 e 23). O texto relata
que “alguns criam no que se dizia, mas outros não criam” (v. 24). Aos que
se interessaram, Paulo dedicou dois anos inteiros para receber em sua
casa (uma vez que estava em prisão domiciliar e, por isso, não poderia ir
à casa deles): “todos quantos vinham vê-lo”, a quem “ensinava com toda a
liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo” (v. 30 e 31).

Por suas epístolas, vemos também que Paulo sempre esteve disposto a
consumir a sua vida em cuidado dos novos discípulos. Talvez o texto mais
signi cativo esteja registrado em 1ª Tessalonicenses 2.8, quando diz: “Assim,
devido ao grande afeto por vós, estávamos preparados a dar-vos de boa vontade não
somente o evangelho de Deus, mas também a própria vida, visto que vos tornastes
muito amados para nós”. Paulo sabia que deveria transmitir àqueles novos
irmãos não somente a Palavra de Deus, mas tudo que ele era. Poderíamos
relatar vários outros textos em que Paulo manifesta seu amor paternal pelas
igrejas que estavam nascendo e pelos seus discípulos, como Timóteo e Tito, a
quem chamou de lhos (1Tm 1.2,18; Tt 1.4).
De forma intencional, Jesus in uenciou vidas que multiplicaram essa
in uência em outras vidas. Liderou homens que viraram líderes. Os discípulos
entenderam e praticaram isso. Nós precisamos fazer o mesmo. Comecemos a
fazer discípulos agora mesmo.

O Relacionamento Discipulador de Jesus


Comparado à Nossa Prática: 5 Diferenças
Essenciais
Quando nos debruçamos sobre o discipulado de Jesus e o comparamos com a
nossa maneira de compreender e praticar o discipulado encontramos várias
diferenças.
O discipulado desenvolvido por Jesus é um relacionamento intencional que
Ele ordena que todos os cristãos tenham com pessoas interessadas e que se
desenvolve pessoalmente e em pequenos grupos para o aperfeiçoamento dos
discípulos para a vida e para a multiplicação. O discipulado que concebemos
hoje está mais para uma série de estudos bíblicos que o pastor ou discipulador
nomeado ministra para novos convertidos e que se desenvolve em sala de aula e
visa à preparação desses novos convertidos para o batismo.
Comparando essas de nições, chegamos às seguintes diferenças:
Discipulado Moderno Discipulado de Jesus

Realizado com pessoas convertidas Realizado com pessoas interessadas

Baseado apenas em uma série de estudos bíblicos Baseado em um relacionamento

Desenvolvido em sala de aula Desenvolvido pessoalmente e em pequenos grupos

Prepara para o batismo Prepara para a vida e a multiplicação

Responsabilidade do pastor ou discipulador nomeado Responsabilidade de todos os cristãos

Vamos dedicar os próximos capítulos a um paralelo entre essas duas formas


de conceituar o discipulado, extraindo da narrativa dos Evangelhos os
princípios do relacionamento discipulador de Jesus e sugerindo como podemos
aplicá-los em nossos dias. Vamos lá?

Colocando em Prática
1. Em sua igreja há ministérios separados de evangelismo e de
discipulado? Como os membros em geral têm visto a sua
responsabilidade com esses dois aspectos da missão? Que ações você
pode começar a fazer para ensiná-los a enxergar a Grande Comissão por
completo?
2. Proclamação e cuidado devem andar de mãos dadas. Qual dos dois tem
recebido maior ênfase no seu ministério? Como você pode fazer para
equilibrá-los em uma evangelização discipuladora?
3. Relacionamento discipulador envolve liderança, in uência. Tome um
tempo para anotar os nomes das pessoas que você sente que tem
in uenciado de perto. Encontre espaço em sua agenda semanal para
fazer isso ainda mais intencionalmente.

[16] Multiplique: discípulos que fazem discípulos, p. 27.


[17] EIMS, LeRoy. A arte perdida de fazer discípulos. p. 53.
[18] http://blog.planalto.gov.br/brasileiros- cam-mais-tempos-conectados-que-assistindo-tv-con rma-
pesquisa-de-midia-da-secom/ (Acesso em 13/09/15).
[19] Original: http://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/brasileiro-passa-tres-meses-por ano-na-
frente-da-televisao-diz-ibope-6302#ixzz3lcobxOtQ (Acesso em 13/09/15).
[20] http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/brasileiro-gasta-mais-de-3-horaspordia-com-
jogos-eletronicos-20110914.html (Acesso em 13/09/15).
[21] A formação de um discípulo, p. 17.
[22] A formação de um discípulo, p. 30.
[23] Waylon Moore já dizia: “Se o pastor, ou missionário, começar um ministério individual, um a um, com
um ou dois discípulos, todavia todo o processo de multiplicação poderá ter lugar bem rapidamente”.
Multiplicando Discípulos, p. 6.
[24] A formação de um discípulo, p. 27.
[25] Con ra no Capítulo 2 de Igreja Multiplicadora: 5 Princípios Bíblicos Para Crescimento.
5

Quem é o Discípulo?

DISCIPULADO MODERNO: O PONTO INICIAL DO DISCIPULADO É


A CONVERSÃO

DISCIPULADO DE JESUS: O PONTO INICIAL DO DISCIPULADO É O


INTERESSE DE ESTAR JUNTO DE QUEM ANDA COM DEUS

A di culdade de entender o que é o discipulado e como ele funciona


começa pelo fato de que a palavra discipulado não ocorre no Novo
Testamento. Ela é uma criação nossa para tentar descrever o processo de
fazer um discípulo. Daí a necessidade de voltarmos um pouco para
de nirmos o que é um discípulo. Isso será crucial para a confrontação
dos dois paradigmas acima neste e no próximo capítulo.

Quem era o discípulo nos dias de Jesus?


Discípulo era um aprendiz, um aluno. Ser discípulo de alguém signi cava
assentar-se aos seus pés para aprender, como fez Maria em Lucas 10.39:
“Maria, sentando-se aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra”, além do homem que
foi liberto em Lucas 8.35: “E acharam o homem de quem haviam saído os
demônios sentado aos pés de Jesus”.
Essa era a postura do discípulo, como Paulo fala de si mesmo em Atos 22.3:
“Fui instruído de acordo com o rigor da lei de nossos pais, aos pés de Gamaliel”.
Esse “assentar-se aos pés” poderia ser literal, como vimos, mas em geral
ilustrava a posição típica de um discípulo: deter-se sem distrações na presença
do seu mestre para aprender com ele.
O ensino discipular não era como o de hoje, mais voltado para a transmissão
de informações. O conteúdo do discipulado, em especial o praticado por Jesus,
era essencialmente sabedoria para a vida, para a tomada de decisões e o
aperfeiçoamento do discípulo enquanto pessoa. Por essa razão, a metodologia
discipular era vivencial, relacional. A aprendizagem acontecia não apenas por
meio de aulas formais, mas pela observação de como o mestre se comportava
diante das mais variadas questões e situações da vida. Vamos ver como isso se
deu especialmente no discipulado de Jesus e trazer algumas aplicações sobre
como podemos desenvolver um relacionamento dessa natureza em nossos dias.

O Discípulo era Um Seguidor


Para que a aprendizagem ocorresse na forma vivencial, era necessário que o
discípulo passasse tempo com o seu mestre, ouvisse as suas lições,
acompanhasse os seus passos, visualizasse a sua conduta. Por isso, o discípulo
também era considerado um seguidor; e em sentido literal, porque devia
acompanhar o mestre aonde ele fosse. Jesus disse: “Se alguém quiser me servir,
siga-me; e onde eu estiver, lá também estará o meu servo” (Jo 12.26). Esse
seguimento tinha a ver com admiração, vontade de estar junto para aprender e
servir. O convite de Jesus para o discipulado sempre envolveu um ir após ele
literal.[26]
A cena de um mestre caminhando pelas ruas com alunos a sua volta era
comum naqueles dias. Como aponta Francis Chan, “o discipulado, por
de nição, requer um líder e seguidores”.[27] Se estivéssemos lá, poderíamos dizer
só de olhar quem era discípulo de João, de Jesus, dos fariseus ou de quem quer
que fosse. Não seria difícil fazer como a criada do sumo sacerdote em Marcos
14.67, quando “ xou nele (em Pedro) o olhar e disse: Tu também estavas com
Jesus, o Nazareno”.
O seguimento era público. Em Marcos 2.18, lemos: “Os discípulos de João e os
fariseus estavam jejuando e foram perguntar-lhe: Por que os discípulos de João e os
dos fariseus jejuam, mas os teus discípulos não?”. O mesmo em Lucas 5.33: “E
disseram-lhe: Os discípulos de João jejuam com frequência e fazem orações, como
também os dos fariseus, mas os teus estão sempre comendo e bebendo”. Os
discípulos dos fariseus são novamente mencionados em Mateus 22.16. A
menção de tais categorias de discípulos (de João, dos fariseus e de Jesus) mostra
que as pessoas podiam ver quem estava seguindo quem.
Os discípulos de Jesus estavam atrás dele em toda parte: “Jesus saiu dali e foi
para sua terra, e os discípulos o seguiram” (Mc 6.1); “Depois dessas coisas, Jesus
começou a andar de cidade em cidade, (...) e os Doze o acompanhavam” (Lc
8.1); “Certo dia, Jesus entrou num barco com seus discípulos e (...) partiram”
(Lc 8.1); “(...) Jesus subiu ao monte e sentou-se ali com seus discípulos” (João
6.3); “(...) Jesus (...) retirou-se dali para (...) Efraim; e lá permaneceu com os
seus discípulos” (Jo 11.54).[28] Fosse viajando, caminhando pelas cidades, de
barco, a pé, assentando-se e até retirando-se, os discípulos estavam sempre com
Jesus, formando uma espécie de comitiva ao seu redor, como em Marcos
10.46: “E foram para Jericó. Quando ele, seus discípulos e uma grande multidão
saíam de Jericó.”
Quem quisesse estar com Jesus, às vezes tinha que passar pela barreira dos
discípulos. Certa vez, eles tentaram impedir crianças de se aproximarem de
Jesus. Marcos 10.13 diz que “alguns lhe traziam crianças para que as tocasse, mas
os discípulos os repreendiam”. Não que Jesus fosse inacessível, mas porque essa
era a posição natural dos personagens no cenário: o mestre no centro, os
discípulos em volta e a multidão em derredor.
Seguir Jesus também implicava continuar com Ele mesmo depois que
despedia a multidão. Quando a ministração acabava, os discípulos não iam
viver a sua vida normal. Isso é o que vemos em Marcos 8.9,10: “Cerca de quatro
mil homens estavam ali. E Jesus mandou-os para casa. E, entrando logo no barco
com seus discípulos, foi para as regiões de Dalmanuta”. A multidão voltava para
casa. Os discípulos permaneciam com Jesus.
Os discípulos e a multidão eram dois grupos bem diferentes. Para
exempli car: Marcos 3.7: “Jesus, porém, retirou-se com seus discípulos para beira-
mar, e uma grande multidão, vinda da Galileia, o seguiu”; Marcos 10.46: “E
foram para Jericó. Quando ele, seus discípulos e uma grande multidão saíam de
Jericó”; e Lucas 7.11: “Pouco depois ele seguiu viagem para uma cidade chamada
Naim; e seus discípulos e uma grande multidão o seguiam”. Ainda que a multidão
cercasse Jesus, os discípulos não eram confundidos com ela.[29]
Enquanto Jesus ensinava a multidão, os discípulos estavam ao seu lado,
agindo como validadores, isto é, como quem con rmava o seu valor diante das
pessoas. Ficava claro que acreditavam nele e na sua causa, pois era preciso
assumir o Mestre publicamente. A simples atitude de estar com um mestre já
testemunhava perante o povo que ele era digno de ser seguido. Por isso, a
maior “propaganda” de um discipulador eram os seus discípulos. Os primeiros
discípulos de Jesus chamaram outros, como vemos em João 1.40-45. André
“encontrou (...) Simão, seu irmão; e disse-lhe: Achamos o Messias (que signi ca
Cristo). E o levou a Jesus”. Logo depois, “Filipe encontrou Natanael e disse-lhe:
Achamos aquele de quem Moisés escreveu na Lei, sobre quem os profetas também
escreveram: Jesus de Nazaré, lho de José”. Levi também trouxe seus amigos até
Jesus, como vemos em Lc 5.29: “E Levi ofereceu-lhe um rico banquete em sua
casa; e estavam com eles à mesa um grande número de publicanos e outras pessoas”.
Quando começamos a discipular de verdade, nossos discípulos vão querer
trazer mais pessoas para perto e isso será um indicativo de que o discipulado os
tem abençoado.

O que signi ca seguir alguém hoje?


Os tempos são outros, mas o princípio do seguimento[30] ainda pode ser
observado hoje em dia por meio de algumas ações. Como estamos falando de
seguir alguém, elas são praticadas pelo discípulo, mas precisam também ser
correspondidas com igual disposição pelo discipulador:
O discípulo aceitar um compromisso de dedicar um tempo juntos,
estabelecido de comum acordo com o discipulador. Recomenda-se um
encontro de pelo menos uma hora por semana, para oração,
compartilhamento e ensino. Sem intencionalidade, o tempo
simplesmente fugirá de nós e semanas após semanas passarão sem
nenhum contato. Se for preciso, varie os horários. Como ilustração,
dedico duas noites por semana, das 18h às 19h30, com um discípulo
por vez. Com outros dois discípulos, reservo dois dias para almoçarmos
juntos. Encontros no meio do dia são especialmente estratégicos, pois
desocupam as noites, mas exigirão mais comprometimento com a
pontualidade. Seja qual for o horário estabelecido, será necessário muita
disciplina, regularidade e paciência para transformá-lo em um hábito.
Como diz o querido pastor Gilson Breder, com quem tenho aprendido
bastante, o encontro de discipulado tem que ter HDL: hora, dia e local.
O discípulo estar disponível, na medida do possível, e sentir-se feliz quando
for convidado pelo discipulador para um encontro “extra”. Nem sempre
isso será possível, pois o discípulo também tem seus compromissos.
Mas alguém que está realmente seguindo sempre cará contente com
mais uma oportunidade de estar junto com o seu discipulador. Sempre
que posso, convido um discípulo para uma refeição, para irmos a algum
lugar ou evento juntos fora do nosso encontro semanal. Lembro-me de
uma viagem de 4 horas que z com um deles. Éramos só nós dois no
carro. Foi um tempo maravilhoso de compartilhar histórias, abrir o
nosso coração e orar juntos. Eu passei a amar ainda mais aquele amigo e
o nosso relacionamento discipulador se aprofundou a ponto de ele
ministrar na minha vida tanto quanto eu ministro na dele.
O discípulo provocar outra ocasião para estar com o seu discipulador. O
discípulo não precisa esperar para ser convidado. Ele pode criar
oportunidades para conviver ainda mais com o seu discipulador. O
discipulador deve ter a mesma atitude, o mesmo desejo de estarem
juntos. A ideia do seguimento é que discipulador e discípulo tornem-se
os melhores amigos um do outro. Uma das formas de sabermos que
alguém está querendo nos seguir é ele criar “pretextos” para estar perto
de nós. Em seu livro O Poder de um Mentor, Waylon Moore conta
como se oferecia para carregar as malas de A. W. Tozer só para ter,
segundo ele, “a oportunidade de conversar e orarmos juntos antes que ele
saísse de viagem”.[31]
O discípulo acompanhar os passos do discipulador, presencialmente e na
internet. Sempre que sou convidado para pregar em algum lugar,
convido um discípulo para ir comigo. Isso tem sido muito positivo. Um
de meus discípulos me conheceu pelo YouTube. Ele assistiu a alguns
vídeos de câmera escondida de evangelização pessoal da Caravana do
Arrependimento[32] e fez contato comigo para trocarmos experiências
sobre evangelismo. Quando me mudei para o Rio de Janeiro,
estreitamos o nosso relacionamento. Mesmo morando em bairros
separados, ele tomou a iniciativa de se reunir em nosso Pequeno Grupo
Multiplicador. Mais do que em qualquer outra época, hoje somos
grandes amigos.
O discípulo acatar as recomendações de seu discipulador de leituras, lmes,
vídeos e outros materiais. Um de meus discípulos tem o chamado para o
ministério pastoral, porém seu foco de leitura estava desajustado. Ele
gostava de artigos da internet voltados para teorias alternativas sobre a
história de Israel e do mundo e livros apócrifos. Graças a Deus, ele
entendeu que o seu conhecimento teológico deveria começar de um
fundamento bem mais sólido. Ele aceitou minhas recomendações de
leituras, vídeos e congressos. Hoje estudamos teologia juntos. Pode
parecer pouca coisa, mas em tempos de tanta facilidade de acesso a
vertentes teológicas diversas, acatar recomendações é uma forma de
demonstrar estar seguindo alguém.
O discípulo buscar o conselho do discipulador em situações de dúvida.
Quando alguém está realmente nos seguindo, ele vai querer saber a
nossa opinião nos momentos de crise. Ouvir um conselho de alguém
que se importa conosco é sempre salutar, embora não seja esta a única
forma de Deus falar conosco. Como cremos no sacerdócio universal dos
crentes, devemos ensinar aos discípulos que eles podem encontrar por si
mesmos as respostas de que precisam nas Escrituras. Deus não precisa
nos usar como intermediários entre os nossos discípulos e Ele. Nossa
tarefa é usar a Palavra de Deus como base de aconselhamento e ensinar-
lhes como tomar decisões biblicamente.

Essa lista não está completa. Com certeza, há outras formas de seguir alguém
em nossa cultura hoje em dia. De toda forma, ainda hoje é necessário, para que
um relacionamento discipulador realmente aconteça, que o discípulo passe
tempo com o seu discipulador, ouça suas lições, acompanhe os seus passos e
visualize a sua conduta para aprender com seu exemplo. Esse seguimento,
assim como nos dias de Jesus, continua relacionado com admiração e vontade
de estar junto de alguém para aprender com ele.

O Discípulo era um Imitador


No primeiro século, o alvo do discípulo era ser igual ao seu mestre. Duas
frases de Jesus captam esse objetivo: “Basta ao discípulo ser como seu mestre” (Mt
10.25) e “o discípulo não está acima do seu mestre; mas todo o que for bem
instruído será como o seu mestre” (Lc 6.40). Essas frases não explicam somente o
discipulado de Jesus, mas o processo discipular da época. Todo discípulo queria
copiar o seu discipulador, aprender a ser como ele. Se pudéssemos resumir a
motivação do discipulado do ponto de vista do discípulo em duas palavras,
seriam justamente estas: ser como. Em Mateus 10.25, Jesus se utilizou da
cultura justamente para ilustrar que o discípulo, à medida que imita o seu
mestre, também está sujeito a sofrer como ele: “Basta ao discípulo ser como seu
mestre; e ao servo, como seu senhor. Se chamaram Belzebu ao dono da casa, quanto
mais aos de sua família?”.
Durante a aprendizagem, os discípulos deveriam tornar-se cada vez mais
capazes de responder às indagações de quem estava de fora sobre os
ensinamentos de seu mestre. Em Mateus 9.10 e 11,[33] lemos que os discípulos
de Jesus foram procurados pelos fariseus para explicar a atitude dele:
Estando Jesus à mesa na casa de Mateus, chegaram muitos publicanos e pecadores e se sentaram à mesa
juntamente com Jesus e seus discípulos. Vendo isso, os fariseus perguntavam aos discípulos: Por que o
vosso Mestre come com publicanos e pecadores?

Por que os fariseus perguntaram aos discípulos, e não a Jesus? Possivelmente,


porque não queriam ser censurados pelo Senhor, como de costume. De
qualquer forma, eles imaginaram que os discípulos, nessa qualidade, saberiam
o que Jesus pensava sobre estar com pecadores e publicanos; até porque esse era
um assunto importante naquela realidade. Era de se supor que Jesus já havia
lhes ensinado sobre isso.
Um discípulo não deveria ser capaz apenas de explicar o pensamento de seu
mestre mas também de começar a fazer o que ele fazia. Em Lucas 9.10, o pai
de um menino dominado por um demônio clamou por socorro, e disse a Jesus:
“E roguei aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não conseguiram”. Esse foi
um dos poucos momentos em que Jesus deixou os seus discípulos sozinhos – se
bem que ele havia saído com três deles para o Monte da Trans guração (v. 28).
Na ausência de Jesus, o pai daquele menino pensou que os seus discípulos já
poderiam realizar aquela cura, imitando o seu mestre.
A imitação era tão importante que o mestre poderia até ser julgado pelo
comportamento de seus discípulos. Dois exemplos disso: primeiro, em Lucas
19.38-40, os discípulos estavam aclamando Jesus como “o Rei bendito que vem
em nome do Senhor. Nisso, alguns dos fariseus dentre a multidão disseram-lhe:
Mestre, repreende os teus discípulos. Mas ele lhes respondeu: Eu vos digo que, se estes
se calarem, as próprias pedras clamarão”. Os fariseus quiseram colocar Jesus
contra a parede: ou repreendia os seus discípulos ou seria considerado
corresponsável pela alegada blasfêmia. Isso mostra que o mestre poderia ser
culpado pelo que os seus discípulos zessem, mas caria livre da acusação se os
repreendesse publicamente. Naquela ocasião, Jesus não reprovou os seus
discípulos porque entendeu que a atitude deles era justa, com isso não se
importando de ser condenado pelos fariseus.
Segundo, em Marcos 2.18: “os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando
e foram perguntar-lhe (a Jesus): Por que os discípulos de João e os dos fariseus
jejuam, mas os teus discípulos não?[34] Seria natural que, se os discípulos de Jesus
não jejuavam, é porque obedeciam a alguma orientação dele, pois um assunto
tão sensível àquele contexto não escaparia do ensino de um mestre religioso.
Mais uma vez, a atitude dos discípulos diria muito sobre quem Jesus era e
como Ele pensava.
Podemos concluir que o discípulo era um imitador não apenas porque queria
ser, mas porque toda a cultura em volta dizia que essa era a natureza do
processo discipular. Esse mesmo princípio continua em vigor hoje em matéria
de relacionamento discipulador. Como a rmou Keith Phillips, “fazer discípulos
é um processo que começa com ser modelo”.[35] Quando zermos discípulos, as
pessoas vão começar a se parecer conosco de alguma forma. Francis Chan
também corrobora isso quando diz que “é impossível ser discípulo ou seguidor de
alguém e não acabar cando parecido com aquela pessoa”.[36]

Como esse processo de imitação pode ocorrer


hoje em nossa cultura?
No que se refere à imitação, o relacionamento discipulador se expressa hoje
toda vez que o discípulo, seguindo o exemplo de seu discipulador, se dispõe a
aprender a fazer o que ele faz, deixar de fazer o que ele não faz, frequentar ou
deixar de frequentar lugares e ambientes que ele frequenta ou não frequenta,
ler o que ele lê, etc. Em síntese, a imitação acontece quando o discípulo deseja
se parecer com o seu discipulador.
É bom ressalvar que as pessoas são diferentes umas das outras e que o
relacionamento discipulador não é um processo de padronização ou
formatação. Por isso, podemos dizer que, na verdade, a imitação se dá quando
os valores de Cristo na vida do discipulador são retransmitidos e apropriados
pelo discípulo. Basicamente, valores são as prioridades, os compromissos e as
preferências que dirigem a nossa vida. Eles estão baseados em nossas crenças
essenciais e se expressam em nossas ações. No fundo, o que nós queremos é que
os nossos discípulos adotem os nossos valores, e não somente as nossas ações,
sendo que esses valores devem se expressar segundo o próprio jeito de ser de
cada um desses discípulos.
Recentemente fui estimulado por um mentor ocasional[37] a fazer uma lista
pessoal de valores. Incentivo que você também faça a sua. Não há uma
quantidade mínima nem máxima de linhas. As primeiras linhas da minha lista
caram assim:

Valorizo a centralidade do evangelho de Cristo;


Valorizo o amor sacri cial aos irmãos;
Valorizo o foco na missão de fazer discípulos;
Valorizo a delidade nas pequenas coisas;
Valorizo a su ciência das Escrituras... e assim por diante.

Aprendi muitas coisas com esse exercício, principalmente que muitos dos
valores que eu anotei ali são mais ideais do que reais, infelizmente. Como
preciso melhorar nas coisas que eu mesmo declaro valorizar! Fazer aquela lista
também me chamou a atenção para a estreita relação que há entre os nossos
valores e o que estamos transmitindo dentro do relacionamento discipulador.
Inevitavelmente, os nossos discípulos passarão a absorver os nossos valores, um
a um. Isso não vai acontecer de uma hora para outra, mas gradativamente, à
medida que eles copiarem as nossas ações, essas ações se transformarem em
hábitos e esses hábitos solidi carem valores.
Mas, para isso, os nossos valores precisam
Em um relacionamento
ser reais, e não apenas ideais. Por exemplo,
consideremos a oração. É muito simples discipulador, somente
escrevermos “Eu valorizo a oração”. Mas, valores reais serão
será que temos realmente o hábito de orar? transmitidos ao
Quantas ações se voltam para a expressão discípulo.
desse valor no nosso dia a dia? Nós não
transmitiremos aos nossos discípulos o valor da oração somente falando que ela
é importante. Eles precisarão ver em nós ações concretas voltadas para a oração.
Em um relacionamento discipulador, somente valores reais serão transmitidos
ao discípulo. Se dissermos que alguma atitude é importante, mas nem ao
menos nos esforçamos para colocá-la em prática, também estaremos
transmitindo um valor, mas, nesse caso, será algo parecido com: “Eu valorizo o
discurso, mas não a prática”.
Vale reforçar que cada pessoa é única e singularmente dotada de talentos e
dons espirituais distribuídos pelos Espírito Santo como Ele quer (1Co 12.11).
Por mais que alguém venha a imitar as nossas ações e hábitos e se apropriar de
nossos valores, esses valores terão formas diferentes de se manifestar. Precisamos
respeitar e valorizar o jeito especial de ser de cada um de nossos discípulos, sem
querer formatá-los ao nosso.

Cegos Conduzindo Cegos: Um Alerta aos


Discipuladores
O chamado para fazer discípulos nos traz uma grande responsabilidade: a de
vigiarmos o nosso comportamento a m de não escandalizarmos os discípulos.
Em Lucas 6.39, Jesus dá uma séria advertência: “Dizia-lhes uma parábola: Pode
porventura o cego guiar o cego? Não cairão ambos na cova?” Em Mateus 8.10, Ele
repete essa analogia, agora para explicar que as pessoas que seguiam os fariseus
estavam sendo conduzidas para a perdição:
Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram-lhe: Sabes que os fariseus, ouvindo essas palavras,
se escandalizaram? Ele, porém, respondendo, disse: Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou,
será arrancada. Deixai-os; são cegos condutores de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos
cairão na cova.

Em outra oportunidade, Jesus colocou uma criança no meio dos discípulos e


disse: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como
crianças, nunca entrareis no reino do céu. Portanto, quem se tornar humilde como
esta criança, esse será o maior no reino do céu” (Mt 18.3,4). Só que nesse texto,
Jesus não está falando apenas de crianças. Ele está ensinando que todo
discípulo deve ter um coração simples e ensinável como o de uma criança (Mt
10.1). Agora, como isso se conecta à questão da responsabilidade do
discipulador? A resposta vem na sequência dessa passagem. Com uma frase,
Jesus muda o tom do ensino, passando a identi car os novos discípulos com as
crianças: ambos necessitam de um cuidado diligente. E completa: “Mas a quem
zer tropeçar um destes pequeninos que creem em mim seria melhor se lhe
pendurassem no pescoço uma pedra de moinho e afundasse nas profundezas do
mar” (Mt 18.6).[38]
Essa foi uma advertência direta aos seus discípulos. Ao dizer “pequeninos que
creem em mim”, Jesus passa a se referir não somente às crianças literais, mas aos
discípulos inocentes e imaturos, capazes de se decepcionar com seus
discipuladores e desistir no meio da caminhada pelo mau exemplo deles. [39]
Em Mateus 18.14, Jesus diz: “Não é da vontade de vosso Pai, que está no céu, que
um só destes pequeninos pereça”. Deus não quer que nenhum dos novos
discípulos seja levado a erro por um discipulador.
Discipular é uma enorme responsabilidade. Novos discípulos, como crianças,
são vulneráveis. Se nós caminharmos para longe de Deus, possivelmente
arrastaremos alguém conosco. Se cairmos, não cairemos sozinhos. Quantos
pequeninos já não sofreram nas mãos de maus discipuladores! Quantos agora
não estão mais insensíveis ao evangelho do que antes!
Por favor, não se ofenda com o que vou dizer, pois farei isso com muito
temor no coração. Sei que não se aplica a você. Mas, se algum pastor, líder,
discipulador está vivendo uma vida dupla, é melhor ter cuidado! A pior
consequência de seu pecado não será a vergonha que terá que passar quando
tudo vier à tona. Um dia, esse líder terá que prestar contas a Deus de todas as
pessoas que estiveram sob a sua in uência e que se desviaram pela decepção
que tiveram por sua causa. Longe de nós escandalizarmos algum discípulo!
Longe de nós sermos considerados por Jesus, como em Mateus 18.6, piores do
que um suicida.

Não Precisamos Ser Perfeitos para Ser Exemplos


Quando olhamos para todas as características de um discipulador e as
comparamos com nossos defeitos e falhas, e somamos a isso a advertência
contra os maus discipuladores, um sentimento de desânimo pode tomar conta
de nosso coração. Porém, a verdade é que não precisamos ser perfeitos para ser
exemplos. Se não fosse assim, somente Jesus poderia ter feito discípulos e Ele
nunca poderia ter nos dado a Grande Comissão.
Com certeza, nós devemos nos esforçar para sermos os melhores
discipuladores que pudermos ser. Mas, quando errarmos, teremos a
oportunidade de ensinar também com os nossos erros. Como podemos fazer
isso? Um bom começo é sermos humildes e transparentes. Se tentarmos
maquiar ou negar as nossas falhas, ou adotar uma postura defensiva quando
confrontados, uma hora ou outra a máscara vai cair e alguém vai descobrir a
nossa hipocrisia. Essa atitude orgulhosa não terá nenhuma chance de terminar
bem. Ou os nossos discípulos se escandalizarão e desistirão de nos seguir – e
talvez até de seguir a Cristo –, ou aprenderão a ser hipócritas como nós, e aí
teremos formado um discípulo, mas não de Jesus, e sim um discípulo dos
fariseus.
Quando falharmos, devemos nos arrepender imediatamente, confessar a
nossa culpa e corrigir os nossos passos. Lembro-me quando estava chegando
em casa na companhia de um discípulo e o porteiro do prédio me chamou em
voz alta dizendo que havia chegado uma multa de trânsito em meu nome. Eu
havia estacionado sobre a calçada. Eu me recordo bem da situação: um
guardador de carros (chamado popularmente no Rio de Janeiro de
“ anelinha”) me garantiu que não haveria nenhum problema em estacionar ali.
Moral da história: eu paguei ao “ anelinha” e ainda tive que pagar a multa.
Derrota total.
Mas o pior de tudo foi receber aquela multa na frente do discípulo. Que
embaraçoso! Eu tinha apenas duas alterativas: ou negava que tivesse cometido
aquela falta e lançava toda a minha revolta contra o “ anelinha”, o
Departamento de Trânsito ou a corrupção do sistema, ou me humilhava,
reconhecia o meu pecado e pedia perdão a Deus em oração diante do discípulo
e a ele mesmo, por ter falhado em servir-lhe de referência naquela situação.
Agora, toda vez que vou estacionar, lembro-me de não fazê-lo sobre a calçada,
não apenas para honrar a Deus com essa atitude de respeito às leis, mas
também para não correr o risco de in uenciar os meus discípulos
negativamente.
Veja que bela lição de Waylon Moore:
Antes de começar a trabalhar como mentor, faça a seguinte pergunta a você mesmo: “Será que eu tenho
uma vida (ou habilidades) que valham a pena ser copiadas?” Pessoas são atraídas a modelos. Caminhar
na frente de alguém signi ca manter-se no limite – no limite da visão, do caráter, do conhecimento, e
das habilidades, mas para isso você não precisa ser espetacular nos olhos do mundo. Busque a Deus
para adquirir as habilidades espirituais que Ele pode usar para abençoar outros.[40]

Devemos trabalhar para alcançar a perfeição de Jesus pela ação do Espírito


Santo em nós, mesmo sabendo que não conseguiremos isso nesta carne.
Portanto, estejamos sempre prontos a reconhecer os nossos erros e permitir que
Deus use nossos discípulos como instrumentos para a nossa cura e restauração
quando fracassarmos.

Colocando em Prática
1. Faça uma análise sincera em sua vida à luz do fruto do Espírito (Gl
5.22). Em que aspectos você tem se destacado a ponto de ser um
exemplo para as pessoas em redor? Em que aspectos você precisa
melhorar?
2. Você consegue notar alguma pessoa que tem demonstrado o interesse
de segui-lo? Que ações você pode tomar para ir ao encontro desse
interesse e transformá-lo em um relacionamento discipulador?
3. Existe algo em sua vida que precise ser consertado para que não sirva de
escândalo para as pessoas que você in uencia? Tome a decisão agora
mesmo de se arrepender e abandonar isso.

[26] Veja também Mt 4.19, 10.38, 16.25; Lc 9.23.


[27] Multiplique: discípulos que fazem discípulos, p. 10.
[28] Veja também João 3.22, 6.3, 11.54 e 18.1,2.
[29] Veja também Lc 6.17.
[30] Robert Coleman traduz esse princípio como Princípio da Associação, a quem se referiu como a
essência do programa de treinamento de Jesus (Discipleship, p. 69). Ele diz: “O tempo que Jesus investiu nesses
poucos discípulos foi tão maior em comparação com o dado a outros que isso só pode ser considerado como uma
estratégia deliberada” (p. 74).
[31] O Poder de um Mentor, p. 18.
[32] www.caravanadoarrependimento.com.br
[33] Cf. Mc 2.16.
[34] Veja uma situação semelhante em Marcos 7.5 sobre o lavar as mãos.
[35] A formação de um discípulo, p. 157.
[36] Multiplique: discípulos que fazem discípulos, p. 18.
[37] Em O Poder de um Mentor, p. 15, Waylon Moore fala sobre várias categorias de mentor, entre elas o
mentor ocasional. No meu caso, esse papel foi desempenhado por um professor de mestrado, que me
in uenciou, aconselhou e orientou em um momento especial da minha vida.
[38] Cf. Lc 17.1,2.
[39] Em Mateus 10.42, Jesus já havia chamado os seus discípulos de pequeninos: “E aquele que der até
mesmo um copo de água fresca a um destes pequeninos, porque é meu discípulo, em verdade vos digo que de
modo algum perderá a sua recompensa”.
[40] O Poder de Um Mentor, p. 21-22.
6

Onde Começa o Relacionamento


Discipulador

DISCIPULADO MODERNO: O PONTO INICIAL DO DISCIPULADO É


A CONVERSÃO

DISCIPULADO DE JESUS: O PONTO INICIAL DO DISCIPULADO É O


INTERESSE DE ESTAR JUNTO DE QUEM ANDA COM DEUS

No capítulo anterior vimos o que é um discípulo. Agora, vamos


entender como tudo isso se aplica para o início de uma caminhada
discipular com uma pessoa que ainda não segue a Cristo. As perguntas
a que queremos responder são: Como nós podemos começar a fazer um
novo discípulo de Jesus? Em que ajustar o ponto de partida do
discipulado para o interesse em vez da conversão pode nos ajudar?

O que precisamos ser, fazer e falar para começar a


fazer discípulos?
Começamos a responder essa pergunta com uma a rmação: se o discipulado
envolve querer ser como outra pessoa, então só quem tem uma vida imitável
pode fazer um discípulo. Com Jesus não foi
Se o discipulado
diferente. Ninguém o seguiria sem um bom
motivo. Com base em quê Jesus convidou envolve querer ser
pessoas para serem seus discípulos? O que como outra pessoa,
Ele tinha de atraente até então a ponto de então só quem tem uma
pescadores deixarem suas redes para segui- vida imitável pode fazer
lo? um discípulo.
Jesus começou a convidar seus primeiros
discípulos baseado em quem era, dizia e fazia. Antes de chamar seus primeiros
discípulos Jesus contou com quatro fatores para atrair o interesse das pessoas.
Vamos analisá-los um por um:

1. JESUS TINHA BOAS REFERÊNCIAS DE QUEM O CONHECIA

Em Mateus 3.17[41], vemos que, quando Jesus foi batizado, “uma voz do céu
disse: Este é o meu Filho amado, de quem me agrado”. Deus certi cou aos
ouvidos de todos a sua identi cação íntima com Jesus. Se havia alguém ali com
o coração quebrantado e disposto a estar próximo de Deus, certamente deve ter
se impressionado com esse testemunho e se interessado em conhecer mais de
Jesus.
Não apenas isso, João Batista também
Se andamos com Deus e
testemunhou de Jesus ao exaltá-lo como “o
Cordeiro de Deus”. Veja a narrativa de João as pessoas
1.35-37: “No dia seguinte, João estava ali testemunharem isso,
outra vez, com dois de seus discípulos, e, sempre haverá quem
olhando para Jesus, que por ali passava, disse: queira andar conosco.
Este é o Cordeiro de Deus! Os dois discípulos
ouviram-no dizer isso e passaram a seguir Jesus”. Graças ao reconhecimento de
João, Jesus ganhou os seus primeiros candidatos a discípulos. Ele não fez
promoção pessoal. Simplesmente teve boas referências de quem o conhecia.
O resumo do que Jesus tinha de atraente para ser seguido pode ser ouvido da
boca de dois de seus discípulos em Lucas 24.19: “Jesus, o Nazareno, que foi
profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo”. Esse
testemunho sobre Jesus era o que os seus discípulos poderiam dizer a um
estranho. Sabemos que só depois eles reconheceram que falavam com o próprio
Senhor. O que um amigo seu poderia testemunhar de você a alguém que lhe
perguntasse a seu respeito?
Se andamos com Deus e as pessoas testemunharem isso, sempre haverá quem
queira andar conosco. O nosso estilo de vida como cristãos está intimamente
ligado ao discipulado. A nossa capacidade de fazer discípulos depende do que
alguém que conviva conosco possa dizer sobre nós. Para uma grande
multiplicação de discípulos, precisamos de um exército de cristãos que sejam
poderosos em obras e palavras diante de Deus e das pessoas em volta.

2. JESUS DEDICOU TEMPO A DISCÍPULOS EM POTENCIAL

A declaração de João Batista aguçou


Quando o nosso jeito de
naqueles dois discípulos o interesse em
conhecer Jesus melhor. Eles queriam andar ser causa impacto nas
perto daquele de quem o seu mestre havia pessoas em redor,
falado tão bem. Então, eles foram atrás de discípulos em potencial
Jesus, literalmente. João 1 nos mostra o estarão por perto.
seguinte: “Voltando-se e vendo que o
seguiam, Jesus perguntou-lhes: Que desejais? Eles disseram: Rabi (que signi ca
Mestre), onde te hospedas?” (v. 38). Ao chamarem Jesus de mestre e o seguirem,
aqueles dois homens já estavam manifestando o interesse de se tornarem seus
discípulos. Esse interesse foi correspondido imediatamente: “Ele lhes respondeu:
Vinde e vereis. Foram, pois, e viram onde ele se hospedava; e passaram o dia com
ele. Era cerca da décima hora” (v. 39).
Não sabemos se Jesus tinha outros planos para aquele dia, mas o fato é que a
sua prioridade foi acolhê-los no convívio de sua casa. Todos nós gostamos de
receber parentes e amigos, pessoas com quem temos intimidade. Jesus nos dá o
exemplo de acolher também novas pessoas. Ao pensar em convidar alguém
para um jantar, seja intencional. Nossa mente começará a mudar quando
percebermos que a nossa mobília pode se transformar em uma poderosa
ferramenta para relacionamentos discipuladores. Como gosta de dizer o pastor
Márcio Tunala, “minha sala, meu sofá e minha varanda pertencem a Cristo e
servem para que vidas sejam discipuladas”.[42]
É bom ressaltar que, até aquele ponto, esses dois homens ainda não tinham
se tornado discípulos de Jesus, pelo menos não em uma proposta de longo
prazo. John MacArthur explica que o encontro de João 1.35-42 aconteceu
“perto de Betânia, na região do Jordão, onde André (e talvez Pedro também)
haviam se tornado discípulos de João Batista. Eles deixaram João para seguir Jesus
por um tempo, antes de voltar a pescar em Cafarnaum”.[43] Isso demonstra que,
naquele momento, Jesus estava dedicando o seu tempo a discípulos em
potencial.
Quando o nosso jeito de ser causa impacto nas pessoas em redor, discípulos
em potencial estarão por perto. Devemos identi car as pessoas que estão
interessado em andar conosco e nos dispor a investir tempo em sua vida, como
Jesus fez, abrindo a nossa própria casa para compartilhar o amor de Deus com
elas. Se você tem alguém em sua família, em sua vizinhança ou local de
trabalho que o admira como cristão e está aberto a assuntos espirituais, você já
tem grande parte do que precisa para fazer dessa pessoa um discípulo. Crie
espaços em sua agenda para estar com ela e deixe que veja de perto, pelo seu
agir e falar, que você anda com Deus. Ore para que ela veja Cristo em você.

3. JESUS TINHA UMA MENSAGEM QUE AGUÇAVA A VONTADE DE


BUSCAR A DEUS

Em Marcos 1.14-17, vemos que “depois que João foi preso, Jesus foi para a
Galileia, pregando o evangelho de Deus e dizendo: Completou-se o tempo, e o reino
de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho”. Vemos nesse texto
que Jesus tinha uma mensagem que desa ava as pessoas a darem mais um passo
na direção de Deus. Se havia alguém com a percepção de que o mundo estava
em trevas e que precisava de Deus, esse alguém veria na mensagem de Jesus
uma saída viável. A verdade teológica que fundamentou o convite para o
discipulado de Jesus foi a de que a entrada no Reino de Deus é pela via do
arrependimento. Se alguém quisesse se livrar da ira vindoura, como dizia João
Batista[44], - e ele tinha seguidores para esse discurso - deveria se arrepender e
se voltar para Deus.
Veja como essa mensagem introduziu o convite especí co para o
relacionamento discipulador na narrativa de Mateus 4.17-22:
Desde então começou Jesus a pregar, e a dizer: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.
Jesus, andando junto ao mar da Galileia, viu a dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão,
os quais lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores; E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos
farei pescadores de homens. Então eles, deixando logo as redes, seguiram-no. E, adiantando-se dali, viu
outros dois irmãos, Tiago, lho de Zebedeu, e João, seu irmão, num barco com seu pai, Zebedeu,
consertando as redes; E chamou-os; eles, deixando imediatamente o barco e seu pai, seguiram-no.

Ninguém seguiria um mestre antes de conhecer qual era a sua linha de


ensino. Ali, os primeiros discípulos de Jesus viram tanto sentido na sua
mensagem que resolveram deixar o que estavam fazendo para ir atrás dela.
Imagino eles pensando: “Se essa é uma verdade de Deus e Jesus é um porta-voz
con ável dessa mensagem, então é com ele que eu quero estar”.
Mais tarde, quando foram enviados a primeira vez, os discípulos imitaram a
pregação de Jesus e também proclamaram ao povo que se arrependesse (Mc
6.12). Eles seguiram o padrão daquilo que os atraiu, esperando que Deus
trabalhasse no coração de outras pessoas para que fossem atraídas também.
Jesus mesmo manteve-se el a essa pregação até o m. Em Marcos 8.36 a 38,
depois de duas perguntas retóricas poderosas (“Pois que adianta ao homem
ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida?” e “Que daria o homem em troca da
sua vida?”), Jesus declarou: “Quando o Filho do homem vier na glória de seu Pai
com os santos anjos, ele também se envergonhará de quem se envergonhar de mim e
das minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora”. Ao adjetivar a sua geração
de forma tão negativa, o Senhor estava chamando ao arrependimento todo
aquele que conseguisse perceber que vivia em uma sociedade corrompida e
distante de Deus.
Esse ponto tem uma grande importância para a evangelização discipuladora.
Em termos de intencionalidade, o relacionamento discipulador sempre
começará em nós, quando passarmos a olhar para uma pessoa como alvo de
nossa missão particular. Porém, com um pouco de sensibilidade perceberemos
que, antes de nós, o Espírito Santo já está agindo silenciosamente no coração
de algumas pessoas ao nosso redor, convencendo-as de que precisam consertar
o seu relacionamento com Deus. Você consegue perceber quem são elas? Se
sim, anote o nome delas em um Cartão Alvo de Oração e passe a orar ainda
mais por suas vidas. Se não, invista mais tempo em bate-papos com as pessoas
de seu círculo de relacionamentos. É conversando com elas que você poderá
conhecer o seu estado espiritual.
Sempre que puder, adicione nessas conversas pinceladas sobre a necessidade
de arrependimento. Com amor e sem qualquer tom de superioridade, fale
sobre pecado, sobre a condição do ser humano sem Cristo e sobre as
implicações da santidade de Deus. Somente quem se vê longe de Deus
reconhecerá que precisa caminhar para perto dele. Para fazermos discípulos,
uma mensagem de arrependimento deve estar sempre em nossos lábios.
Enquanto isso, oramos para que essa mensagem, pela ação do Espírito Santo,
soe convincente. Tudo isso servirá de contexto para o compartilhamento das
Boas-Novas.
Algumas perguntas podem nos ajudar a discernir quem ao nosso redor está
receptivo ao evangelho. A sensibilidade e a prática nos ajudarão a usá-las
oportunamente:

Você consegue perceber que o mundo está perdido?


Como você enxerga a sua relação com Deus hoje? Está tudo bem entre
vocês?
Você sente a necessidade de amar e obedecer mais a Deus?
Se acontecesse alguma fatalidade com você hoje, estaria pronto para se
encontrar com Deus e prestar contas?
Você se considera uma boa pessoa? Como você se sairia em um teste
segundo os padrões de Deus?[45]
Você reconhece que precisa de Deus? O que tem feito para buscá-lo?
Gostaria de ouvir um pouco sobre a Palavra de Deus?
Você tem interesse em que eu lhe ajude a entender mais sobre Deus?
Podemos marcar um momento para lermos a Bíblia juntos?
Muitas pessoas estão interessadas em ouvir uma mensagem de Deus. Só estão
descon adas – e com razão, diante de tantas distorções do evangelho que
temos visto por aí – se nós somos de fato mensageiros legítimos. Quando
conseguirmos unir o poder da mensagem com a credibilidade da nossa vida,
poderemos convidar as pessoas como Jesus fez: “Ande perto de mim”. Mas ainda
há um quarto fator para começarmos um relacionamento discipulador.

4. JESUS ENTROU NO MUNDO DOS SEUS DISCÍPULOS EM


POTENCIAL E OS ABENÇOOU LÁ

A cronologia dos feitos de Jesus antes do chamado dos seus primeiros


discípulos é muito interessante. Em Mateus, os primeiros discípulos que
aparecem foram Pedro e André, convidados para seguir a Cristo às margens do
mar da Galileia (Mt 3.18), o mesmo acontecendo em seguida com Tiago e
João (Mt 3.21). No primeiro livro do Novo Testamento não é narrado
nenhum milagre de Jesus antes da escolha dos seus discípulos. Em Marcos, a
narrativa é bem parecida com isso (Mc 1.14-39).
Em João, como já vimos, Jesus se encontrou primeiro com André perto de
onde João Batista ministrava (Jo 1.20) e com outro discípulo não identi cado,
com quem passou um tempo signi cativo juntos. Este Evangelho narra que
André levou Pedro a Jesus, que xou o olhar nele e disse: “Tu és Simão, lho de
João; serás chamado Cefas (que signi ca Pedro)” (Jo 1.42). Em seguida, o texto
relata que Jesus decidiu ir para a Galileia, onde se encontrou com Felipe e
Natanael (Jo 1.45-51). Depois disso, já na companhia dos discípulos, Jesus
operou o milagre da transformação da água em vinho em Caná (Jo 2.12).
É com a ajuda de Lucas que podemos observar outra ação de Jesus que foi
essencial para a decisão dos primeiros discípulos de abandonarem suas redes e
segui-lo. Essa ação aconteceu depois do primeiro encontro de Jesus com André
e o outro discípulo, narrado em João 1. O fato a que estamos nos referindo foi
o milagre da pesca maravilhosa registrada em Lucas 5.1-11. A narrativa é tão
bela que merece ser relida:
Certa vez, às margens do lago de Genezaré, quando a multidão se comprimia junto a Jesus para ouvir a
palavra de Deus, ele viu dois barcos junto à praia do lago; os pescadores haviam desembarcado e
estavam lavando as redes. Entrando ele num dos barcos, que era o de Simão, pediu-lhe que o
afastassem um pouco da terra; e, sentando-se, do barco ensinava as multidões. Quando acabou de falar,
disse a Simão: Vai mais para dentro do lago; e lançai as vossas redes para a pesca. Simão disse: Mestre,
trabalhamos a noite toda e nada pescamos; mas, por causa da tua palavra, lançarei as redes. Feito isso,
apanharam, uma grande quantidade de peixes, tantos que as redes começaram a se romper. Acenaram
então aos companheiros que estavam no outro barco, para virem ajudá-los. Eles foram e encheram
ambos os barcos, tanto que quase iam a pique. Ao ver isso, Simão Pedro prostrou-se aos pés de Jesus,
dizendo: Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador. Pois, com a pesca que haviam
feito, a admiração tomara conta dele e de todos os que o acompanhavam, bem como de Tiago e João,
lhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão. Jesus disse a Simão: Não temas; de agora em diante serás
pescador de homens.

Percebemos pelo texto que, até então, Pedro ainda não tinha deixado tudo
para se tornar um discípulo de Jesus. Ele já chamava Jesus de mestre, cedia o
seu barco como palanque e estava até disposto a obedecer às suas orientações,
mesmo que elas não zessem sentido (v. 5), mas ainda estava pescando peixes.
Ele ainda não tinha abraçado a decisão radical do discipulado. Jesus já tinha
conquistado o reconhecimento de Pedro quanto à sua condição de mestre e a sua
palavra já gozava de credibilidade.
Mas Jesus não se contentou com isso. Ele queria mais. Queria transformar
seus discípulos em pescadores de homens. Queria tirá-los de seus mundos e
trazê-los para o seu; fazê-los mudar de mente e interesse, passando a considerar
a missão de Jesus (pescar homens), e não a missão deles (pescar peixes), a coisa
mais importante na vida. Jesus queria que passassem a andar com Ele,
tornando-se de fato seus discípulos. Ainda não havia relacionamento
discipulador, a não ser na intencionalidade de Jesus.
Para nós, hoje, desfrutar de reconhecimento e credibilidade diante das pessoas é
tido quase como uma necessidade do ego. Mas, para Jesus, foi algo natural que
Ele canalizou para o alistamento de discípulos em um relacionamento
discipulador. Se gozarmos de algum prestígio diante das pessoas, o m de tudo
não será tirarmos vantagens pessoais ou enchermos nossas paredes de placas ou
diplomas, mas convergirmos essa condição para aquilo que é a nossa principal
vocação. Estamos em busca de discípulos; não de sucesso.
Mas, qual foi a estratégia de Jesus para trazer os discípulos em potencial para
dentro da sua missão de “pescar homens”? A resposta é surpreendente. Jesus
não procurou convencer aqueles homens de que a pescaria normal era uma
coisa errada ou que não merecia todo aquele investimento de tempo e de vida.
Pelo contrário, Jesus entrou no universo da pescaria e abençoou os seus
discípulos lá. Ele não buscou trazê-los para o seu mundo antes de visitar o
mundo deles com amor, respeito e valorização. Jesus realizou um milagre
naquilo que era o mais importante para Pedro a m de trazer Pedro para o que
era mais importante para Jesus.
Valorizar o mundo dos discípulos é um princípio perfeitamente praticável em
nossos dias. Por exemplo, tenho um discípulo que pratica tiro com arco e
echa. No início de nossa caminhada, tirei um sábado para ir a uma
competição torcer por ele. Dirigi por mais de 30 quilômetros só para sentar na
arquibancada ao lado de sua família. Outro discípulo em potencial é artista
plástico, dá aulas de desenho e faz gra tes. Uma de minhas primeiras ações foi
ir até o seu estúdio e elogiar o seu trabalho. Nunca reparei tanto nessa bela
expressão cultural como tenho feito desde que o conheci. Nós não
conseguiremos fazer discípulos se não estivermos dispostos a experimentar – e
apreciar! – lugares, estilos, hobbies e até comidas diferentes, en m, a valorizar o
que os nossos discípulos valorizam.
Portanto, procure abençoar o seu discípulo em seu próprio meio. Entristeça-
se com o seu discípulo quando o seu professor de arco e echa falecer e se
alegre quando a sua nova exposição de arte for inaugurada. Celebre as vitórias
de seu discípulo e ofereça o seu ombro nas derrotas. Quando você entra na
vida do discípulo, as vitórias e derrotas dele serão também suas. Aos poucos, as
suas também passarão a ser dele.
Como vimos em Lucas 5, Jesus operou um milagre em favor de Pedro. Se
não podemos realizar um milagre, podemos recorrer a quem pode. Ore para
que as pessoas que você está discipulando, ou desejando discipular, sejam
abençoadas naquilo que é importante para elas, sua pro ssão, sua família, seus
afazeres do dia a dia. Pergunte-lhes quais são os seus pedidos de oração e se
comprometa a interceder por eles. Seja uma bênção para as pessoas dentro do
mundo delas!

Interessados, Porém Não Necessariamente


Convertidos
Depois de colocarmos em prática esses quatro fatores e de orar para que Deus
trabalhe no coração das pessoas ao nosso redor, é tempo de discernir quem está
interessado em caminhar conosco. Antes, porém, é muito importante
ajustarmos nossa teologia para entendermos como se dá esse processo e não
errarmos na hora de estabelecer o ponto de partida para o relacionamento
discipulador.
Vamos voltar ao início. Os discípulos de Jesus deixaram tudo para segui-lo.
Aquela foi uma decisão tão radical que às vezes somos levados a pensar que ali
se deu a conversão deles. Porém, quem pode dizer com segurança que aquele
foi o momento do novo nascimento? Até Judas deixou tudo para seguir Jesus!
Não podemos misturar o apelo ao
Nosso discípulo será
arrependimento com o convite ao
relacionamento discipulador. Estes são dois todo aquele que,
atos diferentes. Jesus poderia ter pregado o convertido ou não,
arrependimento sem nunca ter manifeste o interesse de
desenvolvido relacionamentos conhecer mais de Deus
discipuladores. Bastaria que mantivesse seu por meio da nossa vida.
ministério 100% focado em atender às
multidões. Aliás, tudo indica que aquela pregação de arrependimento foi
lançada ao ar livre. Digo isso em razão do próprio conteúdo da mensagem, que
não trouxe um destinatário determinado (“Daí em diante, Jesus começou a
pregar, dizendo: Arrependei-vos, porque o reino do céu chegou”, Mt 4.17[46]), e
também pelo fato de que Lucas 5.1, descrevendo o mesmo contexto, relata que
“a multidão se comprimia junto a Jesus para ouvir a palavra de Deus”. Contudo,
quando se tratou de convidar os seus discípulos, o convite foi especí co para ir
atrás de Jesus. Logo, a resposta que o Mestre esperava ao “vinde após mim” não
foi a de que se arrependessem e cressem – pelo menos não necessariamente
naquele mesmo instante –, mas que passassem a andar com Ele. Jesus não disse
“sigam-me, desde que primeiro se arrependam”. Ele simplesmente disse:
“sigam-me”. Não podemos dizer, porém, que o arrependimento estava fora
disso, pois Ele esclareceu desde o início qual seria a sua linha de ensino
teológico. Ninguém aceitaria seguir Jesus se não pudesse concordar de alguma
forma com essa mensagem de arrependimento.
Robert Coleman nos ajuda a enxergar que, no mínimo, aqueles homens
estavam dispostos a aprender: “Alguns deles já haviam se unido ao movimento de
avivamento de João Batista (João 1.35). Esses homens estavam à procura de alguém
que pudesse liderá-los no caminho da salvação”.[47] De toda sorte, embora a
salvação fosse o pano de fundo, Jesus não garantiu vida eterna a nenhum de
seus discípulos no início da jornada discipular. A transformação (“eu vos farei”)
seria parte do processo; aconteceria na caminhada.
Olhando para a nossa experiência, podemos dizer que muitas pessoas que
manifestam uma “decisão ao lado de Jesus” não estão nascendo de novo
naquele instante, mas apenas externando um interesse de caminhar na direção
de Deus. Ainda que enfatizemos o arrependimento, a verdade é que muitas
pessoas precisam de um tempo até que o evangelho conquiste de fato o seu
coração. Como me ensinou o pastor Marcelo Farias, quando alguém responde
a um apelo de “quer aceitar Jesus?”, geralmente está querendo dizer exatamente
isto: “Sim, eu quero aceitar Jesus”, e não necessariamente “eu aceito Jesus”.
Na parábola do semeador[48] vemos três tipos de solo que receberam a
semente do evangelho, mas em apenas um deles ela fruti cou (Mt 13.23). No
caso do terreno pedregoso, a planta até parece que cresceria bem, mas, como
não tinha raiz, ela secou (vv. 5,6). Na explicação desse solo, Jesus diz que ele
representa aquele que “ouve a palavra e a recebe imediatamente com alegria; mas
não tem raiz em si mesmo e dura pouco. Quando vem a tribulação ou a
perseguição por causa da palavra, logo tropeça” (vv. 20 e 21). Isso mostra que
nem todas as pessoas se convertem no momento em que manifestam uma
“decisão ao lado de Jesus”. Não saberemos o que essa decisão realmente
representa até vermos os frutos. Por ora, o que podemos saber é que o
“decidido” está manifestando o interesse de conhecer mais sobre Jesus e é aí que
precisamos ser mais intencionais ainda no processo discipular.
Uma metáfora muito usada para pessoas “decididas” é a do bebê espiritual
que precisa de nutrição. Apesar de não apreciar muito essa comparação – pois
assume a possibilidade de um nascido de novo decair da fé –, ela nos alerta
para a importância do cuidado de todas as pessoas interessadas. Observe as
palavras de LeRoy Eims:
De que um bebê precisa? Primeiramente de amor. Sem isso ele morre. Numa pesquisa feita num
grande hospital, os funcionários do berçário observaram que os recém-nascidos que estavam nos berços
próximos da porta pareciam mais saudáveis do que os do fundo da sala. Queriam saber por quê.
Descobriram então que os bebês junto à porta recebiam mais atenção das enfermeiras, já que elas ao
entrar e sair do berçário estavam sempre em contato com eles. Elas os tomavam no colo, abraçavam-
nos e falavam com eles. Na vida espiritual é assim também: os lhos espirituais necessitam de amor e
aceitação – de cuidado amoroso[49].

Na realidade, esse cuidado deve ser ministrado a todas as pessoas que se


mostrem dispostas a conhecer de Deus, independentemente se nascidas de
novo ou não. Foi o que Cristo fez com seus primeiros seguidores. O interesse é
a chave para o relacionamento discipulador, não a conversão. Quem será nosso
discípulo, então? Nosso discípulo será todo aquele que, convertido ou não,
manifeste o interesse de conhecer mais de Deus por meio da nossa vida. A esse
precisamos ensinar o evangelho e, quando crer, batizá-lo e levá-lo a obedecer a
tudo o que Jesus nos deixou. Quando o Senhor nos deu a Grande Comissão e
nos mandou fazer discípulos, ensinando-os, Ele estava dizendo que alguém
pode se tornar um discípulo antes mesmo de aprender a obedecer-lhe.
Portanto, o que marca o início do discipulado é o interesse de crescer, e não a
maturidade.
Ajustar esse ponto de partida do discipulado pode trazer os seguintes
benefícios:

1. DESTACA A IMPORTÂNCIA DO CUIDADO

Se partirmos do princípio de que a pessoa está interessada em conhecer mais


de Jesus, então a nossa responsabilidade de cuidar dela aumenta ainda mais.
Como poderemos recusar o discipulado a quem deseja ser discipulado? Por
outro lado, quando considerarmos o decidido como sinônimo de convertido,
então correremos o risco de descansar no fato de que ele já foi salvo. Mas, será
que foi mesmo? Conversão é uma mudança radical do ser interior, que se
re ete no exterior, como já vimos. Não é melhor andarmos perto dessa pessoa e
prosseguir ensinando-lhe o evangelho até que vejamos os frutos de uma genuí-
na conversão?

2. EXALTA O VALOR DO EVANGELHO PARA A SALVAÇÃO

Por mais que o acolhimento do novo discípulo na comunidade cristã seja


importantíssimo, o evangelho é que é o poder de Deus para salvação (Rm
1.16). Muitas pessoas decidem fazer parte do convívio da igreja porque ele é
agradável, especialmente quando a mutualidade cristã é experimentada na
prática. Pessoas podem facilmente ser socializadas sem ser convertidas. Só
porque uma pessoa decidiu congregar conosco não signi ca automaticamente
que foi salva.
Em seu clássico livro O Peregrino, John Bunyan narra que, em determinado
momento da sua jornada, o herói da história, Cristão, encontra-se com
Formalista e Hipocrisia. Esses dois homens também estavam na estrada para a
Cidade Celestial, porém não haviam passado pela Porta Estreita no início do
caminho. Eles haviam pulado o muro. Avisados do perigo por Cristão, eles
responderam: “Se estamos no caminho, que importa a maneira como o zemos?
(...) Em que a sua situação é melhor do que a nossa?” Com essa ilustração,
Bunyan nos alerta que há pessoas que parecem ser verdadeiros cristãos pelo fato
de que caminham ao nosso lado, mas que não o são, pois não passaram pela
porta do arrependimento e da fé em Cristo.
O interesse das pessoas em estar no meio dos cristãos pode ter várias
motivações. Não sejamos inconsequentes a ponto de acharmos que todos que
chegam à igreja já são de fato novas criaturas e que podemos dormir tranquilos
quanto à sua salvação. Não cessemos de ensinar o evangelho, suas implicações e
desdobramentos para os membros de nossos Pequenos Grupos Multiplicadores
e igrejas.

3. FACILITA A PARTICIPAÇÃO DE TODOS


Quando falamos de discipular novos convertidos, alguns membros da igreja
podem se sentir incapazes, pois logo associam esse discipulado ao ensino de
doutrinas que nem eles mesmos entendem muito bem. “É melhor deixar isso
para pastores e professores”, pensam eles. Mas, como o relacionamento
discipulador começa antes mesmo da conversão e está baseado no interesse do
discípulo em conhecer mais de Deus, então o ensino do evangelho partirá das
premissas mais elementares da fé cristã, as quais todos os crentes têm condições
de compartilhar. Ainda mais se forem devidamente treinados e equipados para
isso.
Além do mais, a intencionalidade do relacionamento discipulador não
começa numa sala de aula, mas na demonstração, a qualquer hora, de como é
seguir a Jesus na prática, no agir e no falar, o que também todos deveriam saber
fazer. Não é demais repetir, cada membro de nossas igrejas que tenha uma vida
imitável – e são muitos! – pode fazer um discípulo, e não apenas os doutores
em teologia.

4. EVITA EXPECTATIVAS ILUSÓRIAS

Quando entendermos que uma pessoa pode uma vez manifestar o desejo de
seguir a Cristo e não perseverar nessa intenção, então poderemos tratar com
mais maturidade os resultados de nossas ações evangelísticas. Passaremos a
registrar as decisões sabendo que não signi cam necessariamente conversões. E,
quando essas pessoas decididas não forem batizadas meses depois, isso não
signi cará que perderam a salvação, mas que provavelmente nunca foram salvas
e que ainda podem ser alvo de um relacionamento discipulador mais efetivo,
dependendo do interesse delas.

Colocando em Prática
1. Como anda seu testemunho? As pessoas em volta reconhecem em você
uma pessoa que anda com Deus? Se alguém buscasse informações a seu
respeito com parentes, amigos e colegas de trabalho, o que ouviria
deles?
2. Pense em fazer um jantar em sua casa e convidar alguém diferente,
talvez um vizinho ou um colega de trabalho, de quem você tenha a
intencionalidade de fazer um discípulo.
3. Experimente começar a orar pela salvação de 5 pessoas que você
percebe que o respeitam como cristão. Use um cartão Alvo de Oração.
Depois, busque em Deus uma oportunidade para conversar sobre
assuntos espirituais. Aborde essas pessoas com as perguntas sugeridas,
ou outras que possam aguçar a sua necessidade de se arrepender e se
voltar para Deus. Se a resposta for positiva, convide-as para andar mais
perto de você.
4. Re ita um pouco sobre o que você sabe sobre a pessoa que você quer
discipular ou esteja discipulando. O que ela gosta de fazer? Qual é o seu
hobby? Quais são os seus lugares e comidas preferidos? O que você pode
fazer para entrar ainda mais no mundo dessa pessoa e ser uma bênção
lá?
5. Se você é o pastor da igreja, faça um estudo sobre o signi cado de
salvação à luz da Declaração Doutrinária da Convenção Batista
Brasileira. Ensine a sua igreja o que é uma verdadeira conversão e a
necessidade de desenvolver relacionamentos discipuladores com as
pessoas interessadas em seguir a Cristo.

[41] Cf. Marcos 1.11.


[42] Pequeno Grupo Multiplicador: compartilhando o amor de Deus por meio dos relacionamentos, p. 38.
[43] Bíblia de Estudo MacArthur, p. 1.213.
[44] Mt 3.7 e Lc 3.7.
[45] Para conhecer um pouco mais sobre como usar os padrões morais de Deus, especialmente os Dez
Mandamentos, na evangelização, pesquise Abordagem Direta no YouTube ou acesse
www.livingwaters.com (em inglês) ou www.caravanadoarrependimento.com.br.
[46] Cf. Mc 1.15.
[47] Discipleship, p. 52.
[48] Mt 13, Mc 4 e Lc 8.
[49] A arte perdida de fazer discípulos, p. 71.
7

Relacionamento: A Essência do
Discipulado

DISCIPULADO MODERNO: É APENAS UMA SÉRIE DE ESTUDOS


BÍBLICOS DOUTRINÁRIOS

DISCIPULADO DE JESUS: É UM RELACIONAMENTO QUE


COMUNICA VERDADE E VIDA

Ao longo de muitos anos, fomos nos acostumando a pensar o


discipulado como algo relacionado a um material, um livro, uma
revista, que serviria para transmitir informações. Contudo, o
discipulado de Jesus era um relacionamento de longo prazo que
compreendia não apenas aulas de conteúdo doutrinário, por mais que
ele tenha ensinado princípios extraordinários. O relacionamento
discipulador modelado por Jesus constava de seis elementos. Vamos ver
quais são?

Raízes: Os Elementos do Relacionamento


Discipulador
Os seis elementos do relacionamento discipulador são: o convívio
(relacionamento em si), o acolhimento, a intercessão, o zelo integral, o ensino
do evangelho e a solicitação de contas. Juntos, eles formam o acróstico
RAÍZES, que é uma forma simples de visualização das ações envolvidas no
relacionamento discipulador proposta pela visão de Igreja Multiplicadora:[50]

Vamos estudar juntos cada um desses elementos, re etindo sempre sobre


como eles estavam presentes no relacionamento discipulador que Jesus
desenvolveu e como podemos aplicá-los em nosso contexto hoje.

O Primeiro Material de Discipulado é a Nossa Vida

Geralmente, quando trocamos ideias sobre como funciona o discipulado na


igreja, logo somos levados a perguntar: “Qual é o material que você está
estudando?”. Querendo, ou não, o nosso foco de discipulado tem sido sobre o
material didático.
Contudo, quando olhamos para o modelo de discipulado de Jesus, ele estava
totalmente centrado no relacionamento. Esta é a razão por que preferimos
É
chamá-lo de relacionamento discipulador. É claro que a transmissão de
informações estava envolvida. Vemos nos evangelhos lições de Jesus de
profundo conteúdo teológico, a exemplo de suas parábolas sobre o reino de
Deus e tantos outros ensinamentos preciosos. Mas, esses ensinamentos eram
ingredientes do discipulado, não o discipulado em si.
O discipulado de Jesus foi um
O relacionamento
relacionamento de longo prazo que se
estabeleceu entre Ele, o Mestre, e os discipulador começa e
discípulos, seus aprendizes. Quando termina com amor.
enfatizamos mais os materiais de estudos
bíblicos do que o relacionamento, deixamos de enxergar o que é mais
importante no discipulado: a estreita ligação pessoal que se constrói entre
discipulador e discípulo. Keith Phillips foi muito feliz ao dizer que “o
discipulado é um encontro de uma vida com outra. Não é apenas uma série de
reuniões sobre determinado plano de estudo. É essencialmente relacional – um
investimento de tudo que você é em outra pessoa”.[51] Veja também o que diz
Francis Chan:
O verdadeiro discipulado implica relacionamentos profundos. Jesus não se limitou a conduzir um
estudo bíblico semanal. Ele viveu com seus discípulos e ensinou tanto por meio de ações quanto de
palavras. Embora isso exija um compromisso bem mais profundo, é a única maneira de realmente fazer
discípulos.[52]

Aos tessalonicenses Paulo declara que, pelo muito amor que sentia por
aqueles discípulos, ele se propôs comunicar-lhes não apenas o evangelho, mas a
sua própria vida (1Ts 2.8). A comunicação do evangelho é essencial para um
discipulado bíblico e frutífero, mas não é só disso que ele se trata. Um material
de ensino vai ajudar, mas nada substitui a in uência de uma vida em outra em
matéria de relacionamento discipulador.
Permita-me antecipar uma aplicação. A decisão de começar a fazer discípulos
precisa ser bem planejada. Não podemos chamar alguém para ser nosso
discípulo e ao mesmo tempo achar que a nossa vida continuará a mesma, ou
que bastará dedicarmos uma hora por semana durante alguns meses. Um
relacionamento discipulador não diz respeito a um programa, mas a uma
pessoa. Quem começa um relacionamento discipulador não ganha apenas uma
responsabilidade; ganha um amigo.

Melhores Amigos para Sempre


Os três anos e meio que Jesus passou com os seus discípulos foram muito
signi cativos. Aqueles doze homens tornaram-se os seus melhores amigos. Ele
mesmo se referiu a eles como amigos em João 15.15: “Já não vos chamo servos,
pois o servo não sabe o que o seu senhor faz; mas eu vos chamo amigos, pois vos
revelei tudo quanto ouvi de meu Pai”. Nos versículos anteriores, Ele disse: “O
meu mandamento é este: Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei.
Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida pelos seus amigos.
Vós sois meus amigos, se zerdes o que vos mando” (v. 12-14). Dois capítulos
antes, João também relata que Jesus, “tendo amado os seus que estavam no
mundo, amou-os até o m” (13.1). Fico me perguntando se um dia serei capaz
de entender a profundidade desse amor.
Talvez nos ajude a re exão no fato de que a amizade que Jesus estava
construindo com os seus discípulos era para ser eterna. Em João 14.3, Ele
anunciou: “Virei outra vez e vos levarei para mim, para que onde eu estiver estejais
vós também”. Em outro momento, na sua oração sacerdotal, Jesus declamou:
“Pai, meu desejo é que aqueles que me deste estejam comigo onde eu estiver, para
que vejam a minha glória, a qual me deste, pois me amaste antes da fundação do
mundo” (Jo 17.24). Ao chamar seus discípulos, mais de três anos antes, Jesus
não estava apenas formando uma equipe para uma missão. Jesus estava fazendo
seus melhores amigos; aqueles a quem Ele daria o melhor presente que um
homem pode receber dele: viver ao seu lado para sempre, contemplando a sua
glória.
O Mestre está nos ensinando que a multiplicação de discípulos não é por
amor à missão, mas por amor a eles mesmos. Como diz Keith Phillips, “o
discípulo é um amigo, e não um projeto espiritual”.[53] No versículo que
considero o texto áureo do relacionamento discipulador, já transcrito aqui,
Paulo abre o seu coração para dizer: “Assim, devido ao grande afeto por vós,
estávamos preparados a dar-vos de boa vontade não somente o evangelho de Deus,
mas também a própria vida, visto que vos tornastes muito amados para nós” (1Ts
2.8). Assim como nesse versículo, o relacionamento discipulador começa e
termina com amor.
Voltando ao discipulado de Jesus, vemos que, quando Ele estava se
despedindo de seus discípulos, Ele sabia que o sentimento que caria no
coração deles era o mesmo de um lho que perdeu o pai. Por isso, em João
14.18 e 19, Ele os acalmou, dizendo: “Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós.
Dentro em pouco o mundo não me verá mais, mas vós me vereis. Porque eu vivo,
vós também vivereis”. A orfandade ilustrava bem a condição emocional dos
discípulos sem Jesus. Ao vê-los tão tristes, Ele se compadeceu e os confortou:
“O vosso coração encheu-se de tristeza, porque eu vos disse essas coisas. Todavia,
digo-vos a verdade; é para o vosso benefício que eu vou. Se eu não for, o Consolador
não virá a vós; mas, se eu for, eu o enviarei”.
Essa amizade profunda era uma via de mão dupla. Podemos ver, da parte de
Jesus, que Ele tinha nos discípulos os seus melhores, na verdade únicos amigos
para os momentos mais difíceis da vida. Em Lucas 22.28, Jesus declarou: “Vós
sois os que têm permanecido comigo nas minhas provações”. Se bem que eles nem
sempre foram o apoio que Jesus esperava. Mas isso não muda o fato de que Ele
buscou em seus discípulos, e em mais ninguém – exceto o Pai – o suporte na
hora da a ição.
Em Lucas 18.31, vemos que Jesus intencionalmente trouxe os seus discípulos
consigo para dividir com eles a sua dor. Ele não faria isso se não os considerasse
amigos de verdade. Ele não tinha receio de que seus discípulos observassem sua
reação em tempos de crise e pressão. Ele não precisava disfarçar quem Ele era
em momento algum. No monte, Jesus passou a se angustiar na frente de seus
discípulos (Mt 26.36). Então, ele levou consigo Pedro, Tiago e João e “começou
a entristecer-se e a angustiar-se” (Mt 26.37[54]). Deixando-os ali e se afastando
um pouco para orar, Ele voltou depois de um tempo e os encontrou dormindo,
e perguntou a Pedro: “Simão, estás dormindo? Não pudeste vigiar nem uma
hora?” (Mc 14.37[55]). Era como se questionasse: “Vocês são meus melhores
amigos! Se eu não puder contar com vocês, com quem mais poderei contar?” E
aí Jesus lhes suplicou: “A minha alma está tão triste que estou a ponto de morrer;
cai aqui e vigiai comigo” (Mt 26.38). Veja o quão intensa chegou a ser a
amizade entre eles!
Podemos extrair daqui um princípio de transparência no relacionamento
discipulador. Como discipuladores, não precisamos esconder todas as nossas
angústias dos nossos discípulos. Jesus não as escondeu. Ele foi autêntico. Se
Jesus tivesse refreado seu estado emocional e colocado uma máscara de alegria
diante seus discípulos, então Ele estaria lhes ensinando que é assim que se age
no discipulado. Mas, não! Discipuladores são gente normal, que sofre, que
chora, que não tem medo de se expor. Somente se formos transparentes
formaremos discípulos sensíveis à dor, de si mesmos e dos outros.
Também aprendemos nessa passagem
O relacionamento
que, no Getsêmani, uma vez abandonado
por seus discípulos, Jesus não se cansou de discipulador requer
ir ao Pai em oração: “E, voltando outra vez, uma permanente
Jesus achou-os dormindo, porque seus olhos disposição de perdoar e
estavam pesados. Deixando-os novamente, foi dar uma nova chance
orar pela terceira vez, repetindo as mesmas aos discípulos.
palavras” (Mt 26.43,44). Por mais íntima
que fosse a amizade com os seus discípulos, Jesus não fez dela o principal ponto
de apoio da sua alma. Isso seria idolatria. Ele não cou paralisado quando seus
discípulos o deixaram sofrer sozinho. Ele buscou no Pai a força que precisava.
A nossa vida de oração como discipuladores não pode depender dos nossos
discípulos.

Como Jesus Lidou com a Decepção


Um pouco mais à frente, quando os soldados apareceram, um dos discípulos
se viu na obrigação de defender o seu mestre e amigo. Em Mateus 26.51[56],
lemos que: “Então um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, puxou da
espada e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe uma das orelhas”. Como
discípulo, ele quis proteger Jesus. Mas isso não durou muito. Em questão de
minutos, todos eles o abandonaram.
Horas antes, em Mateus 26.35, Pedro havia prometido: “Ainda que seja
necessário morrer contigo, de modo nenhum te negarei. E todos os discípulos
disseram o mesmo”. Mas, no momento crucial, o que se viu foi outra coisa.
Quando Jesus foi preso e levado para a casa do sumo sacerdote, Pedro o seguia
de longe (Lc 22.54). O único contato que Jesus fez com ele foi olhar em seus
olhos (v. 61), o que foi su ciente para levar Pedro a chorar amargamente (v.
63). Repare que Jesus não expôs o seu discípulo publicamente.
Na realidade, se voltarmos um pouco mais no tempo, nem mesmo quando,
turbado em espírito diante daquele que o trairia, Jesus tratou mal o seu traidor
ou jogou os demais discípulos contra ele (Jo 13.21). Agora, com Pedro, Jesus
não faria diferente! Jesus não desistiria de seu amigo. Ele não perdeu de vista a
recuperação daquele valioso apóstolo em momento algum. Por isso, Jesus não
fez nada que pudesse tornar a restauração do relacionamento mais difícil. Por
amor, Jesus não levou o seu desapontamento até o ponto em que não seria
possível voltar atrás. Ele manteve aberta a porta da reconciliação.
Lucas 23.49 relata que, durante a cruci cação, “todos os conhecidos de Jesus e as
mulheres que o haviam seguido desde a Galileia viam tudo isso de longe”. Seus
amigos mais chegados nem foram vistos na cena, exceto João (Jo 19.26). Nessa
hora, os discípulos não agiram como os discípulos de João Batista, por
exemplo, que não o deixaram nem quando ele foi preso (Mt 11.2). Na
verdade, os discípulos de João sepultaram o seu corpo, como está em Marcos
6.29[57].
Aliás, isso demonstra que, naquela cultura, sepultar o mestre era uma
demonstração de que ele foi digno de ser seguido até o m de sua vida.
Observe que não foi a família natural de João que o sepultou. Essa homenagem
coube aos seus discípulos. O mesmo podemos dizer de Jesus, que teve o seu
corpo retirado da cruz e preparado para o sepultamento por pessoas que o
seguiam, ainda que não sendo do grupo dos doze.[58]
Diga-se de passagem, o funeral de um discipulador que marcou muitas
pessoas deve ser um momento inesquecível. Quem me dera ter estado lá no
funeral de Dawson Trotman e ter ouvido de Billy Graham: “Eu acredito que
Dawson Trotman tocou pessoalmente mais vidas do que qualquer pessoa que eu
jamais conheci”. Que declaração! Sonho em desenvolver relacionamentos
discipuladores que sobrevivam à minha morte. Você pode sonhar comigo?
Voltando para Jesus e seus discípulos, o fato é que os seus melhores amigos o
abandonaram para sofrer sozinho. E se isso acontecesse conosco? Como
reagiríamos? Daríamos uma segunda chance a eles? Uma coisa é certa: como
discipuladores, precisamos estar preparados para a decepção. O relacionamento
discipulador vai se intensi car cada vez mais e chegar a uma amizade realmente
profunda. De nossa parte com os discípulos sempre haverá uma
intencionalidade de amar e cuidar, mas nem sempre seremos correspondidos.
Com Jesus, aprendemos que o relacionamento discipulador requer uma
permanente disposição de perdoar e dar uma nova chance aos discípulos.

Compartilhamento e Restauração à Mesa


O relacionamento discipulador modelado por Jesus incluiu dividir valiosos
momentos com os discípulos durante as refeições.[59] Vamos ver alguns
exemplos:
Em Mateus 26.20 e seguintes[60], vemos que: “Ao anoitecer, sentou-se à mesa
com os doze discípulos”. Ali, Ele celebrou a sua última ceia com eles. Que
momento especial! A Páscoa era para ser celebrada em família.[61] Mas Ele já
havia apontado para os seus discípulos e dito: “Aqui estão minha mãe e meus
irmãos” (Mt 12.49). E, ainda: “Aquele, pois, que zer a vontade de Deus, esse é
meu irmão, irmã e mãe” (Mc 3.35). Em outro momento, disse: “Se alguém vier
a mim, e amar pai e mãe, mulher e lhos, irmãos e irmãs, e até a própria vida
mais do que a mim, não pode ser meu discípulo” (Lc 14.26). O relacionamento
discipulador ia se tornando cada vez mais íntimo que poderia chegar a se
sobressair com relação ao parentesco natural.[62]
Outros três momentos de Jesus com seus discípulos à mesa devem ser
lembrados. Dois deles estão no capítulo 24 do Evangelho de Lucas. O
primeiro, nos versos 30 a 35, quando Jesus é reconhecido por seus discípulos
no partir do pão:
Estando com eles à mesa, Jesus pegou o pão e o abençoou; e, partindo, o distribuía. Então os olhos
deles foram abertos, e o reconheceram; e ele desapareceu de diante deles. E disseram uns aos outros:
Acaso o nosso coração não ardia pelo caminho, quando ele nos falava e nos abria as Escrituras? E na
mesma hora levantaram-se e voltaram para Jerusalém, e encontraram reunidos os Onze e os que
estavam com eles, os quais diziam: É verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão. Então os dois
contaram o que havia acontecido no caminho e como o reconheceram no partir do pão.

Em Lucas 24.41-45, também lemos sobre a aparição de Jesus depois de


ressurreto:
Admirados e ainda sem acreditar por causa da alegria, Jesus lhes perguntou: Tendes aqui alguma coisa
para comer? Então lhe deram um pedaço de peixe assado. E ele o pegou e comeu na frente deles.
Depois lhes disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco: Era necessário que se
cumprisse tudo o que estava escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então lhes
abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras.

A terceira passagem é ainda mais marcante, registrada em João 21.4-14:


Mas logo ao amanhecer, Jesus estava na praia. Todavia, os discípulos não sabiam que era ele. Disse-lhes,
então, Jesus: Filhos, não tendes nada para comer? Eles lhe responderam: Não. E ele lhes disse: Lançai a
rede à direita do barco, e achareis. Então lançaram a rede e não conseguiam puxá-la por causa da
grande quantidade de peixes. Então aquele discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor!
Ouvindo Simão Pedro que era o Senhor, amarrou sua túnica à cintura, porque estava despido, e
lançou-se ao mar. Mas os outros discípulos vieram no barquinho, arrastando a rede com os peixes,
porque estavam a cerca de apenas duzentos côvados da terra. Ao desembarcarem, viram ali pão e um
peixe sobre brasas. E Jesus lhes disse: Trazei alguns dos peixes que apanhastes. Simão Pedro entrou no
barco e puxou a rede para a terra, cheia de cento e cinquenta e três peixes grandes. Apesar de tantos
peixes, a rede não se rompeu. Jesus lhes disse: Vinde, comei. E nenhum dos discípulos ousava
perguntar-lhe: Quem és tu? Pois sabiam que era o Senhor. Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-o a
eles, e fez o mesmo com o peixe. Essa foi a terceira vez que Jesus apareceu aos seus discípulos, depois de
ter ressuscitado dentre os mortos.

O que se segue à terceira história são as conhecidas três vezes em que Jesus
perguntou a Pedro se este o amava. Cada uma dessas passagens nos mostra um
padrão de três elementos:

1. discípulos em crise, espantados ou perturbados;


2. Jesus amoroso, perdoador;
3. uma refeição compartilhada.

Por que uma refeição? O que comida tem a ver com relacionamento? Vamos
tentar entrar naquele contexto. Os discípulos, tinham decepcionado Jesus. O
Mestre se foi, mas a culpa cou. Agora, Ele reapareceu. Muitas coisas devem ter
passado na mente dos discípulos, do tipo: “Será que Ele vai nos aceitar de
novo?”
E como Jesus provou que estava tudo bem? ...que Ele não guardou mágoas?
Dividindo uma refeição. “Ele se assentou conosco à mesa, como nos velhos
tempos! Ele não desistiu de nós! Ele ainda nos ama!” Durante o compartilhar
do alimento, a amizade é restaurada, o perdão é demonstrado, o
relacionamento discipulador é renovado.
Sentar-se à mesa juntos – e quase sempre
Sentar-se à mesa juntos
pagar a conta – é uma das demonstrações
mais valiosas que o discipulador pode dar – e quase sempre pagar
ao discípulo de que o investimento feito a conta – é uma das
em sua vida está valendo a pena. A cada demonstrações mais
refeição compartilhada, o discipulador está valiosas que o
dizendo que o relacionamento discipulador discipulador pode dar
tem sido uma bênção também para ele; que
ao discípulo de que o
acredita no discípulo, que passar tempo
com ele não é uma coisa qualquer. investimento feito em
Precisamos fazer de cada refeição com sua vida está valendo a
nossos discípulos um momento especial de pena.
renovação e consolidação do compromisso
discipular.

Colocando em Prática
1. Volte ao acróstico RAÍZES. Faça o seguinte exercício: Atribua aos
relacionamentos discipuladores que você está desenvolvendo uma nota
de 1 a 10 em cada um dos elementos. Em que elementos você está bem
e em quais precisa melhorar? Medite sobre como você pode reverter os
possíveis pontos fracos.
2. Programe uma refeição com seus discípulos, um por vez. Tire um
tempo com ele para conversar sobre a vida, sem o compromisso de
estudar qualquer material. Esse deverá ser um momento para contarem
histórias e darem boas risadas juntos.
3. Re ita consigo: “Eu estou preparado para a decepção?” Ore ao Senhor
pedindo que lhe dê forças, sabedoria e sobriedade para reagir como
Jesus caso sofra alguma frustração no relacionamento com um de seus
discípulos.

[50] Este acróstico é apresentado nas páginas 78 a 81 do livro Igreja Multiplicadora: cinco princípios
bíblicos para crescimento.
[51] A formação de um discípulo, p. 105.
[52] Multiplique: discípulos que fazem discípulos, p. 10.
[53] A formação de um discípulo, p. 106.
[54] Cf. Mc 14.33.
[55] Cf. Mt 26.40.
[56] Cf. Mc 14.47 e Lc 22.49,50.
[57] Cf. Mt 14.12.
[58] Lc 23.51-60, Jo 19.38,39.
[59] Lc 5.29, Mc 3.20, 7.3, etc.
[60] Cf. Lc 22.14.
[61] Ex 12.21: “Então Moisés chamou todos os anciãos de Israel e disse-lhes: Ide, escolhei os cordeiros segundo
as vossas famílias e sacri cai a Páscoa”.
[62] No início de seu ministério, Jesus dividiu atenção entre os discípulos, sua mãe e seus irmãos (Jo 2.1 e
12). Aos poucos, a amizade com os discípulos foi ganhando força e superou o convívio com seus
familiares.
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O Poder do Zelo e da Intercessão

DISCIPULADO MODERNO: É APENAS UMA SÉRIE DE ESTUDOS


BÍBLICOS DOUTRINÁRIOS

DISCIPULADO DE JESUS: É UM RELACIONAMENTO QUE


COMUNICA VERDADE E VIDA

Neste capítulo, vamos continuar estudando os elementos do


relacionamento discipulador. Agora, vamos tratar do zelo integral pela
pessoa do discípulo e da intercessão, poderosos instrumentos de
transformação, sempre tomando como exemplo a maneira de Jesus se
relacionar com os seus discípulos.

Zelo Integral pelos Discípulos


O discipulador deve se importar não apenas com a “vida espiritual” dos
discípulos, mas com o seu bem-estar em todos os sentidos, como Jesus fazia
com relação aos seus discípulos. Vamos ver alguns textos que demonstram isso.
Em Marcos 6.31, depois de um dia sobrecarregado, Jesus disse aos seus
discípulos: “Acompanhai-me a um lugar deserto e descansai um pouco. Porque os
que iam e vinham eram muitos, e eles não tinham tempo nem para comer”. Todos
nós sabemos o quanto é desgastante para o corpo e para a alma trabalharmos
até o ponto de não conseguirmos nos alimentar.[63] Jesus se preocupou com a
condição física e emocional dos seus discípulos.
Em outra ocasião, Jesus foi à casa de Pedro com outros discípulos. Em
Marcos 1.29-31[64], nós lemos que Jesus se importou com a situação de saúde
da sogra de Pedro e a curou. Isso demonstra um zelo do Senhor pela paz da
família do discípulo. Uma pergunta habitual que temos que fazer aos nossos
discípulos é como está a sua família, estando sempre dispostos a ajudar em
alguma coisa quando estiver ao nosso alcance. Orar é o mínimo.
Outra vez, Jesus defendeu seus discípulos da crítica injusta. Em Mateus 15.2
e 3, alguns fariseus e escribas tentaram acusar os discípulos diante de Jesus,
perguntando-lhe: “Por que os teus discípulos transgridem a tradição dos anciãos?
Pois não lavam as mãos quando comem. Ele, porém, respondeu-lhes: E vós, por que
transgredis o mandamento de Deus por causa da vossa tradição?” Jesus saiu em
defesa de seus discípulos. Isso foi muito parecido com o que aconteceu em
Marcos 2.24 e 25[65], quando os discípulos de Jesus estavam sendo criticados
pelos fariseus por colherem espigas no dia de sábado. Observe o texto: “E os
fariseus lhe perguntaram: Por que eles estão fazendo o que não é permitido no
sábado? Ele lhes respondeu: Acaso nunca lestes o que Davi fez quando ele e seus
companheiros estavam em necessidade e com fome?”. Vemos com isso que Jesus
estava sempre pronto a proteger os seus discípulos das acusações dos líderes
religiosos hipócritas da época.
Como discipuladores, nós também devemos estar sempre atentos para
socorrer os nossos discípulos quando estiverem em di culdade diante de
pessoas que possam lhes fazer acusações das quais tenham di culdades de se
desvencilhar. Os nossos discípulos imitarão gradualmente a nossa teologia e o
nosso procedimento, mas nem sempre estarão preparados para explicar por que
pensam e agem de certa maneira. Pessoas podem lhes fazer perguntas difíceis.
Nessas horas, precisamos tomar a dianteira e sair em sua ajuda.
Pelo menos outras três passagens ainda demonstram o zelo integral de Jesus
com os seus discípulos. Na primeira, Ele se preocupou em consertar uma crise
de relacionamento entre eles. Em Mateus 20, a partir do verso 20[66], nós
vemos os discípulos em con ito por causa de uma disputa por liderança
iniciada pela mãe dos lhos de Zebedeu (v. 20). Pelo verso 24, vemos que a
contenda estava instaurada: “Os dez indignaram-se contra os dois irmãos”.
Imediatamente, Jesus “chamou-os para junto de si” (v. 25). Ao se aproximarem
todos de Jesus, cada um teve que se aproximar do outro. Então, o Mestre
começou a lhes ensinar, explicando o caminho da liderança servidora: “Não será
assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se poderoso entre vós, seja esse o
que vos sirva” (v. 26).
A segunda passagem é a de Mateus 17.24-27, pela qual veri camos que a
relação de Pedro (e do próprio Jesus) com o poder público estava em apuros
diante da cobrança de impostos por parte dos scais romanos. A solução
encontrada por Jesus foi curiosa: Ele disse a Pedro: “Para que não os
escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro peixe que pegar e, ao
abrir-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o e entrega-o por mim e por ti”. Ao
resolver o problema não apenas seu mas também de seu discípulo, Jesus
demonstrou importar-se com a cidadania de seu discípulo. O zelo de Jesus por
Pedro não permitiria deixá-lo vulnerável nas questões legais.
Por m, em Lucas 22.36, Jesus instruiu os seus discípulos a venderem as
capas e comprarem espadas. Isso aconteceu enquanto Ele estava se preparando
para subir o Monte das Oliveiras, onde seria preso na presença de seus
discípulos. Quando os guardas chegaram, um discípulo lançou mão da espada
para atacar um dos homens que estavam ali para prender Jesus.
Paradoxalmente, o Senhor o repreendeu. Já examinamos esse texto antes. Mas,
por que será que Jesus orientou os seus discípulos a comprarem espadas se elas
não eram para ser usadas?
Na realidade, Jesus estava querendo prevenir que os seus discípulos fossem
presos junto com Ele. Em João 18.8, Jesus disse expressamente àqueles guardas:
“Se é a mim que procurais, deixai estes ir embora”, referindo-se aos seus
discípulos. O plano do Senhor era que, quando os soldados chegassem, eles o
encontrassem em atitude pací ca e sem resistência; e quando olhassem para as
espadas dos discípulos se sentissem intimidados de tentar prendê-los também.
Para isso, duas espadas eram o bastante (Lc 22.38). O momento deve ter sido
muito tenso. Ninguém ali gostaria de transformar a prisão de Jesus numa
batalha campal. O Senhor calculou que as duas espadas eram a medida exata
para a proteção dos discípulos sem que precisassem ser manejadas. Mais
espadas poderiam encorajar os discípulos à violência. Uma só já levou Pedro à
agressão. Jesus queria ser preso e morto sozinho. Os discípulos deveriam
continuar livres e ilesos. Na verdade, ao orientar os discípulos para que
portassem duas espadas, nem mais nem menos, Jesus estava zelando pela
integridade física deles.
Por todas essas passagens, aprendemos com Jesus que o relacionamento
discipulador também envolve zelar pela vida do discípulo como um todo, em
seus aspectos espiritual, emocional, físico, familiar e até jurídico.
Muitas vezes um gesto de carinho e cuidado falará mais do que
palavras.Lembro-me o quanto foi importante para a solidi cação de um
discipulado que desenvolvemos com um jovem casal levar a esposa grávida para
o hospital. Eles não possuem carro e, como desejavam que a criança nascesse de
parto natural, alguém teria que car de sobreaviso. Como discipulador, nós nos
oferecemos para ser o primeiro contato da lista de emergência. Quando nos
telefonaram dizendo: “Está na hora!”, minha esposa e eu nos levantamos rápido
e fomos em socorro daqueles discípulos. No hospital, depois de alguns exames,
a médica disse que era um alarme falso. Voltamos para casa com o bebê ainda
na barriga.
Na segunda vez, nós não estávamos na cidade e o segundo nome da lista teve
que ser acionado: outro casal de discípulos, que mora em um bairro mais
distante. Na mesma hora, eles deixaram o que estavam fazendo e atenderam ao
chamado com muita alegria. Acompanhei a distância, vibrando com aquela
demonstração de carinho entre dois casais de discípulos. Eles não se sentiram
incomodados; pelo contrário: estavam radiantes pela oportunidade de amar
aquela família de forma tão prática. Porém, foi mais um alarme falso. Deus
queria mesmo que o privilégio fosse nosso! Na terceira e última vez que o
telefone tocou, quando o primeiro nome já estava disponível, aquela preciosa
criança veio à luz. Que alegria ter feito parte dessa história!
Nós, discipuladores, precisamos estar em primeiro lugar na lista de
emergência dos nossos discípulos. Como disse Keith Phillips: “Se você estiver
ocupado para o seu discípulo quando ele precisar da sua ajuda, você está ocupado
além da conta”.[67] Quando não pudermos resolver determinados problemas,
pelo menos a nossa preocupação já vai dizer que amamos e nos importamos
com a vida deles integralmente.

Jesus Intercedeu pelos Discípulos


Quando zelamos pelos nossos discípulos, nós somos levados a interceder
constantemente pela vida deles. Não me recordo de quem disse isto, mas para
mim faz todo o sentido: “Não apenas fale com pessoas sobre Deus, mas também
fale com Deus sobre pessoas”. Quem quer que tenha formulado essa frase, deve
tê-lo feito com a chamada oração sacerdotal de Jesus em mente. Em João 17,
vemos Jesus conversando com o Pai sobre os seus amados discípulos. Robert
Coleman nos ressalta que “dos vinte e seis versículos na oração, catorze estão
imediatamente relacionados aos doze discípulos”.[68] Vejamos que abordagens
Jesus fez nessa belíssima oração e o que podemos aprender com ela acerca da
intercessão dentro do relacionamento discipulador.

JESUS RECONHECEU EM ORAÇÃO QUE OS DISCÍPULOS


PERTENCIAM AO PAI

Jesus declarou que os seus discípulos eram, na realidade, do Pai: “Manifestei o


teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram teus, e tu os deste a mim; e eles
obedeceram à tua palavra. Agora sabem que tudo quanto me deste vem de ti” (v.
6,7). E prossegue no verso 9: “Eu rogo por eles. Não rogo pelo mundo, mas por
aqueles que me deste, pois são teus”. Jesus não teve os discípulos como sua
propriedade. Interessante que, em oração, Jesus fez do reconhecimento de que
o Pai era o dono dos discípulos uma espécie de “mordomia discipular”. Jesus se
viu como um depositário, um mordomo, que deveria prestar contas de sua
delidade no cuidado daqueles discípulos valiosos. Ele diz: “Enquanto eu estava
com eles, eu os guardei e os preservei no teu nome que me deste. Nenhum deles se
perdeu, senão o lho da perdição, para que se cumprisse a Escritura” (v. 12).
Seguindo o exemplo do Mestre, precisamos sempre declarar em oração que os
nossos discípulos são, em primeiro lugar, de Cristo. Ele, e não nós, é o Senhor
deles. Quando, no início deste livro, sustentamos que fazemos discípulos
nossos, e não apenas de Jesus, não quisemos dar nenhum tom de domínio ou
senhorio de nossa parte sobre eles. Orar como Jesus nos prevenirá de usá-los
como instrumentos para a nossa realização, e não para a glória de Deus. Todos
nós daremos contas ao Senhor pela maneira com que lidamos com as pessoas
que Ele tem nos con ado para cuidar.

JESUS RECONHECEU EM ORAÇÃO QUE A PALAVRA QUE


TRANSFORMA VINHA DO PAI

Jesus declarou que a Palavra que transmitiu aos discípulos não era dele
mesmo, mas recebida do Pai: “Porque lhes transmiti as palavras que tu me deste, e
eles as acolheram e verdadeiramente reconheceram que vim de ti e creram que tu
me enviaste” (v. 8). Tudo aquilo que podemos transmitir de bom para os nossos
discípulos vem da graça de Deus, e não de nós mesmos, de nossa inteligência
ou nossas opiniões. Ao conversar com Deus sobre os nossos discípulos,
devemos sempre atribuir a Ele o mérito quando eles estiverem crescendo no
conhecimento e prática da Palavra. Isso também nos ajudará a car alertas
quanto à nossa responsabilidade de sermos éis à Escritura, nada ensinando em
desacordo com ela.

JESUS INTERCEDEU PELA SEGURANÇA DOS DISCÍPULOS

Jesus suplicou ao Pai: “Não estarei mais no mundo; mas eles estão no mundo, e
eu vou para ti. Pai santo, guarda-os no teu nome que me deste, para que sejam um,
assim como nós” (v. 11). E também: “Não rogo que os tires do mundo, mas que os
guardes do Maligno” (v. 15). Jesus sabia que só o Pai poderia guardá-los contra
as investidas do mal, que atentariam mais do que em qualquer outra época
contra a vida deles, seus relacionamentos e seus ministérios.
Em outra passagem, Jesus reportou a Pedro que havia intercedido ao Pai por
ele: “Simão, Simão, Satanás vos pediu para peneirá-los como trigo; mas eu roguei
por ti, para que a tua fé não esmoreça; e, quando te converteres, fortalece teus
irmãos” (Jo 22.31,32). Como seres humanos frágeis que somos, nós não
teremos a mínima condição de proteger os nossos discípulos da ação do
maligno sem a ajuda de Deus. Precisamos fazer como Jesus: clamar ao Pai para
que os livre das armadilhas mortais do inimigo.

JESUS INTERCEDEU PELA UNIDADE ENTRE OS DISCÍPULOS EM


AMOR

Jesus orou para que os seus discípulos tivessem um relacionamento de amor


intenso entre si (“para que sejam um”, v. 11). Isso nos traz mais uma importante
lição. Jesus estava saindo de cena e queria que os discípulos permanecessem
unidos uns aos outros. Como isso seria possível? A estratégia de Jesus havia sido
ensinar sobre unidade e exempli car como eles deveriam se amar. Jesus falou
sobre isso em seu sermão de despedida em João 13.34 e 35: “Eu vos dou um
novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que
também vos ameis uns aos outros. Nisto todos saberão que sois meus discípulos, se
vos amardes uns aos outros.” Além disso, Ele demonstrou o tempo todo, por
meio de seu relacionamento íntimo de amor com o Pai, qual era a dimensão da
unidade que esperava que os discípulos tivessem entre si. Mas, no m das
contas, Ele sabia que só a oração poderia ter o efeito que desejava.
Assim, sua prece foi ao mesmo tempo uma declaração de missão cumprida e
uma súplica: “Assim como tu, ó Pai, és em mim, e eu em ti, que também eles
estejam em nós (...) Eu lhes dei a glória que me deste, para que sejam um, assim
como nós somos um; eu neles, e tu em mim, para que eles sejam levados à plena
unidade” (v. 21-23). Ele volta ao assunto no verso 26: “E z que conhecessem o
teu nome e continuarei a fazê-lo conhecido; para que o amor com que me amaste
esteja neles, e eu também neles esteja”. O amor entre o Pai e o Filho, que os
discípulos viram em ação por todo aquele período, deveria ser o modelo do
amor que os uniria a Cristo e uns aos outros. Porém, Jesus sabia que, apesar do
ensino e do exemplo, isso não iria acontecer sem oração. Por isso, devemos
clamar ao Pai para que esse tipo de amor entre os discípulos se fortaleça, para
que quando chegar a hora da nossa despedida, eles mantenham a unidade e a
con ança para a realização de ministérios frutíferos.

JESUS INTERCEDEU PELO ÂNIMO DOS DISCÍPULOS

Jesus orou para que os discípulos tivessem alegria: “Mas agora vou para ti. E
digo isso enquanto estou no mundo, para que eles tenham a minha alegria em
plenitude” (v. 13). Ele estava prestes a se despedir e sabia que cariam abatidos.
Mas Ele mesmo não estava desanimado. Ele se referiu à “minha alegria”. O que
Ele desejava era que essa alegria contagiasse os seus discípulos. Como Jesus
pôde encontrar alegria naquela situação? Como poderia fazer com que os seus
discípulos sentissem o mesmo? A resposta foi, mais uma vez: só com exemplo e
oração. E deu certo! Lucas 24.51 e 52 mostra que, quando Jesus foi elevado ao
céu, os discípulos “voltaram com grande alegria para Jerusalém”. Devemos
cultivar a alegria do Espírito na presença dos discípulos e interceder ao Pai que
eles sejam contagiados pelo mesmo ânimo, ainda que durante situações difíceis.

JESUS INTERCEDEU PELO CRESCIMENTO ESPIRITUAL DOS


DISCÍPULOS

Jesus também clamou assim: “Santi ca-os na verdade, a tua palavra é a


verdade” (v. 17). Ele sabia que, por mais que ensinasse, modelasse, repreendesse
quando necessário e trabalhasse para o amadurecimento dos discípulos,
somente a ação sobrenatural de Deus na aplicação da sua Palavra ao coração e
mente deles poderia separar aqueles homens para Deus e lhes proporcionar
uma verdadeira transformação interior.
Paulo entendeu esse princípio quando declarou: “Meus lhos, por quem sofro
de novo dores de parto, até que Cristo seja formado em vós” (Gl 4.19). Observe
que o apóstolo refere-se a um segundo parto. Em seu clássico livro Paixão Pelas
Almas, Oswald Smith dedicou um capítulo inteiro ao que chamou de “parto de
alma”, no qual enfatiza: “Nada, absolutamente nada menos que um parto de alma
pode gerar um lho espiritual!”.[69] O mesmo podemos dizer desse segundo
parto, relacionado à maturidade do discípulo e à consagração a Deus. Quando
vemos que nossos discípulos estão estagnados na vida espiritual ou com
comportamentos mundanos, é hora de derramarmos o nosso coração em
fervente intercessão por eles. Nós até podemos ser ótimos discipuladores, mas,
assim como na conversão, a santi cação também acontecerá por obra do
Espírito Santo. Como Jesus fez, clamemos incessantemente pelo crescimento
espiritual de nossos discípulos.
O verso 19 ainda fala de santi cação: “E
Precisamos ver o nosso
por eles me santi co, para que também eles
sejam santi cados na verdade”. É óbvio que, tempo a sós com Deus
sendo perfeito, Jesus não precisava se como parte do
santi car no sentido de se aperfeiçoar relacionamento
moral ou espiritualmente. Comentando discipulador.
esse verso, John MacArthur ensina que “ele
fora posto totalmente à parte pela vontade do Pai (cf. 4.34; 5.19; 6.38; 7.16; 9.4).
Ele fez isso a m de que os crentes fossem colocados à parte para Deus por meio da
verdade que ele trouxe”.[70] O santi car-se de Jesus aqui tinha a ver com a sua
inteira dedicação em fazer a vontade do Pai. O Mestre esperava que o seu
exemplo de consagração total in uenciasse os seus discípulos a fazer o mesmo,
por meio da operação da Verdade de Deus na vida deles, e em favor disso
intercedeu.
Como discipuladores, devemos nos assegurar de que não estamos pedindo ao
Pai pelos nossos discípulos acerca de uma coisa que nós mesmos não estamos
praticando. Isso seria hipocrisia. É claro que jamais seremos perfeitos como
Jesus em área alguma de nossa vida e isso não nos impede de orar pela
santi cação de nossos discípulos. Mas precisamos clamar primeiramente por
nós mesmos, para que o Espírito Santo nos ajude a crescer em santidade; para,
depois, suplicarmos pela santi cação dos nossos discípulos. Devemos aplicar a
equação que vemos ao longo de todo o ministério de Jesus: ensino + exemplo +
intercessão = crescimento espiritual do discípulo.

JESUS INTERCEDEU PELO MINISTÉRIO DE SEUS DISCÍPULOS


Jesus orou pela efetividade dos ministérios que os seus discípulos
desenvolveriam e pelos discípulos de seus discípulos, em todas as gerações. Ele
rogou ao Pai assim: “Assim como tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei
ao mundo. E rogo não somente por estes, mas também por aqueles que virão a crer
em mim pela palavra deles, para que todos sejam um; a m de que o mundo
reconheça que me enviaste e os amaste, assim como me amaste” (vv. 17.18,20,23).
Jesus queria que os seus discípulos multiplicassem tudo aquilo que estavam
vivendo a pessoas de todas as partes do mundo. É nosso dever orar não apenas
pelos nossos discípulos, mas pelas pessoas que eles estarão discipulando, a m
de que formem uma cadeia discipular que ultrapasse fronteiras e gerações.
Concluindo este capítulo, constatamos que precisamos ver o nosso tempo a
sós com Deus como parte do relacionamento discipulador. A única forma de
discipular a distância – não considerando o avanço da tecnologia da
comunicação – é por meio da intercessão pelos discípulos. Em João 17,
aprendemos com Jesus que interceder faz parte do discipular. Como diz
Waylon Moore, “intercessão por aqueles que discipulamos é o cerne invisível do
amor”.[71]

Colocando em Prática
1. Tente se lembrar: Algum de seus discípulos compartilhou recentemente
alguma necessidade? Havia alguma providência ao seu alcance que você
ainda não tomou? Tire um tempo ainda esta semana para agir nesse
sentido. Depois, comunique ao seu discípulo a sua providência e
rea rme o seu compromisso de ajudá-lo.
2. Quanto tempo você tem passado em intercessão por seus discípulos e
suas famílias? Quando você ora por eles, quais têm sido os seus
pedidos? Experimente praticar cada uma das abordagens de intercessão
exempli cadas por Jesus em João 17.
3. Você tem conhecimento de alguém em cuja vida os seus discípulos
estão investindo? A partir de hoje, comece a interceder por cada um dos
discípulos dos seus discípulos.
[63] Os discípulos demonstraram a mesma preocupação com Jesus em João 4.31, quando lhe rogaram:
“Rabi, come”.
[64] Cf. Mt 8.14ss.
[65] Cf. Lc 6.1-3.
[66] Cf. Mc 10.35ss.
[67] A formação de um discípulo, p. 112.
[68] Discipleship, p. 54 (tradução livre do autor).
[69] Paixão pelas Almas, p. 46.
[70] Bíblia de Estudo MacArthur, p. 1.423.
[71] Multiplicando discípulos, p. 70.
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Ensinando Para Transformar

DISCIPULADO MODERNO: É APENAS UMA SÉRIE DE ESTUDOS


BÍBLICOS DOUTRINÁRIOS

DISCIPULADO DE JESUS: É UM RELACIONAMENTO QUE


COMUNICA VERDADE E VIDA

No capítulo anterior, vimos que o relacionamento discipulador


compreende zelar integralmente pela pessoa do discípulo e interceder
por ele. Neste capítulo, vamos acrescentar mais um elemento: Ensinar o
evangelho. Veremos como o ensino estava presente no relacionamento
discipulador modelado por Jesus e como podemos colocá-lo em prática
hoje em dia, com vista à sua transformação dos nossos discípulos pela
Palavra de Deus.

Como Jesus Ensinou o Evangelho aos Seus


Discípulos
Durante o tempo todo em que esteve com seus discípulos, Jesus ensinou o
evangelho por meio de ações, palavras e exemplo. Não há espaço neste livro
para abordar tudo sobre a metodologia de ensino de Jesus. Muitas obras já
foram escritas sobre esse tema. Aqui vamos tratar de apenas alguns aspectos que
consideramos essenciais para uma melhor compreensão do ensino do
evangelho dentro de um relacionamento discipulador. Quando dizemos ensino
do evangelho, queremos dizer que Jesus ensinava não apenas sobre como as
pessoas podiam ser salvas mas também sobre como o evangelho se desdobra e
controla todas as áreas da vida do discípulo. Por isso defendemos que o ensino
do evangelho é relevante para todo o nosso tempo de vida, pois tudo em nossa
peregrinação até o céu estará relacionado de alguma forma ao evangelho.
Só mais um destaque inicial. Jesus ensinava por meio de palavras. Tudo bem
que esse não era o seu único método, mas com certeza era um de seus
preferidos. Há quem alegue que o cristão não precise usar palavras para
cumprir a sua missão. Dizem que basta imitar o jeito de ser de Jesus que já se
estará evangelizando com a vida. Que contradição! Se quisermos realmente
imitar Jesus, teremos que falar do evangelho, pois Ele fez isso o tempo todo!

JESUS ENSINOU POR MEIO DE EXPOR AS ESCRITURAS

Em Lucas 24.32, os dois discípulos no caminho de Emaús se admiraram da


maneira poderosa com que Jesus lhes expôs a Palavra de Deus: “Acaso o nosso
coração não ardia pelo caminho, quando ele nos falava e nos abria as Escrituras?”.
Um dos papéis mais importantes do discipulador é explicar as Escrituras.
Quando estamos estudando a Bíblia com um discípulo, não devemos almejar
que ele se impressione com a nossa erudição, mas que o seu coração se aqueça
pela ação transformadora do Espírito Santo. Esse deve ser o nosso alvo toda a
vez que ministramos um estudo bíblico.
Um dos resultados dessa transformação na vida daqueles dois discípulos foi
que “na mesma hora levantaram-se e voltaram para Jerusalém” (Lc 24.33). E,
chegando lá, eles multiplicaram na vida dos outros o que tinham ouvido de
Jesus. Lucas 24.35 diz que “os dois contaram o que havia acontecido no caminho e
como o reconheceram no partir do pão”. Fico imaginando eles repassando para os
discípulos tudo aquilo que tinham aprendido com Jesus. Deve ter sido um
estudo bíblico maravilhoso!
Isso nos sinaliza que, ao expormos as Escrituras, o nosso ensino deve ser
reproduzível, isto é, deve ser simples a ponto de os nossos discípulos
conseguirem multiplicá-lo com outros discípulos. Em função disso, pode ser
muito proveitoso usar um bom material de apoio para o estudo bíblico.
Diversos deles estão disponíveis, por exemplo, na Livraria de Missões
Nacionais.[72]
Deixe-me compartilhar uma experiência. No início de um certo
relacionamento discipulador, eu achava que o estudo diretamente da Bíblia,
sem anotações, seria o melhor caminho para ensinar o evangelho. Contudo,
quando ouvi algo do meu discípulo o sinal amarelo acendeu: “Acho interessante
como você consegue extrair tanta coisa boa de um único versículo”. Eu estava
expondo as Escrituras de uma forma que o discípulo di cilmente seria capaz de
reproduzir. Quando eu me esmerava para retirar do texto as verdades mais
profundas que podia encontrar, enriquecidas com pesquisas de contexto
histórico – e, às vezes, exegese nas línguas originais! –, sem perceber estava
ensinando que discipular alguém é algo que só um teólogo graduado seria
capaz de fazer. A partir de então, passei a utilizar um material escrito – da série
Discípulos em Crescimento – que o discípulo seria capaz de reproduzir com
segurança. De vez em quando, eu abordo algum outro texto bíblico como
antes, mas com a diferença de que agora isso não é mais a base do discipulado,
mas um recurso ocasional para realçar alguma lição. E faço isso, ainda assim,
sem perder a noção de que tudo o que eu ministrar no meu relacionamento
discipulador deve ser multiplicável.

JESUS ENSINOU POR MEIO DE DISCURSOS OU PALESTRAS

Jesus reservou momentos para proferir discursos exclusivos (palestras) a seus


discípulos. Conforme Lucas 6.20, as bem-aventuranças foram dirigidas aos
discípulos: “Então, olhando para os discípulos, disse: Bem-aventurados sois vós, os
pobres, porque o reino de Deus é vosso”. Temos ainda o maravilhoso discurso de
despedida que começou no capítulo 13 de João e só terminou no 18, por meio
do qual Jesus estimulou a prática dos seus ensinamentos (13.17), preparou os
seus discípulos para enfrentar o futuro (13.19 e 16.1), ensinou que o amor
com que Ele os amava devia ser o padrão de amor que eles deveriam ter entre si
(13.34), preveniu os discípulos sobre o que iria acontecer (14.29), reforçou a
necessidade de estarem ligados a Ele para que fossem frutíferos (15.1-11) e os
encorajou diante das a ições do mundo (1.33), além de outros temas essenciais
para a vida dos discípulos a partir de então.
Interessante notar que Jesus tinha uma espécie de plano de aprofundamento
gradual de seus ensinos. Ele sabia o que poderia falar, ou não, dependendo do
momento. Em João 16.29, os próprios discípulos perceberam a evolução do
conteúdo das palestras e lhe disseram: “Agora falas abertamente, e não por
guras”. Em outra hora, Jesus a rmou: “Ainda tenho muito que vos dizer; mas
não podeis suportá-lo agora” (Jo 16.12). Isso nos mostra que o discipulador deve
discernir o conteúdo que deve ser ministrado nos diferentes estágios de
aperfeiçoamento dos discípulos. Um trilho de formação de discípulos que
obedece a esse princípio pode ser encontrado no livro Escola Bíblica
Discipuladora, de autoria de Marcos Paulo Ferreira, também publicado por
Missões Nacionais.

JESUS RESPONDIA A DÚVIDAS E FAZIA APLICAÇÕES

Jesus estava sempre pronto a responder às dúvidas teológicas de seus


discípulos, como em Marcos 9.11 e 12[73]: “Então perguntaram-lhe: Por que os
escribas dizem ser necessário que Elias venha primeiro? Jesus lhes respondeu...”.
Outro exemplo encontramos em João 14.5 e 6, na clássica pergunta de Tomé:
“Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos saber o caminho? Jesus lhe
respondeu: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém chega ao Pai, a não ser
por mim.” [74]
Mas nem todas as perguntas eram puramente teológicas. Algumas re etiam
distorções de caráter dos discípulos. Jesus lhes respondia de modo a ensinar
muito além do que eles estavam perguntando. Uma amostra disso é o caso de
Mateus 18.1,2: “Naquela hora, os discípulos se aproximaram de Jesus e
perguntaram: Quem é o maior no reino do céu? Jesus chamou uma criança,
colocou-a no meio deles”. A pergunta revelou uma motivação impura no coração
dos discípulos. Jesus a respondeu, mas aproveitou para ensinar sobre quem é o
maior no reino dos céus de uma perspectiva bem diferente da que os discípulos
queriam ouvir.
Outra ocasião em que Jesus trouxe um ensino a partir de uma questão
levantada pelos discípulos é a registrada em Mateus 24.1-3[75]: “Tendo Jesus
saído do templo, enquanto se retirava, seus discípulos aproximaram-se dele para lhe
mostrar as edi cações do templo” (v. 1). Ao contrário do que os seus discípulos
esperavam, Jesus não se impressionou. Percebendo que aquilo lhes dava uma
falsa sensação de segurança e consciente de que deveria prepará-los para tempos
difíceis, Jesus lhes disse: “Não estais vendo tudo isto? Em verdade vos digo que
aqui não cará pedra sobre pedra que não seja derrubada” (v. 2). Mais à frente,
Jesus não se incomodou de explicar melhor o que quis dizer no versículo
anterior. “Estando ele sentado no monte das Oliveiras, seus discípulos
aproximaram-se dele em particular, dizendo: Dize-nos quando essas coisas
acontecerão e que sinal haverá da tua vinda e do m do mundo” (v. 3). Ele não
queria deixar nenhuma dúvida na mente de seus discípulos. Por isso,
introduziu o seu sermão profético justamente com: “Tende cuidado para que
ninguém vos engane” (v. 4). Aliás, Jesus sempre preveniu os seus discípulos
contra os falsos mestres[76], especialmente contra o que chamou de “fermento
dos fariseus”.[77]
Lucas reforça ainda mais essa ideia. Com toda a certeza, Jesus estava mais
preocupado em dar aos seus discípulos o ensino de que precisavam do que o
que eles queriam. Vamos reiterar. Quando lhe perguntaram: “Mestre, quando
acontecerão essas coisas? E que sinal haverá, quando estiverem para se cumprir?”
(Lc 21.7). Ele começou a responder com: “Cuidado! Não vos deixeis enganar;
porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu; e: Chegou o tempo. Não os
sigais” (v. 28). O ensino de Jesus não era para satisfazer a curiosidade intelectual
de seus seguidores, mas para prepará-los para enfrentar os desa os da vida. Essa
preparação está contida na aplicação imediata de todo o capítulo 21 de Lucas,
resumida no verso 36: “Vigiai, pois, orando em todo o tempo, para que possais
escapar de todas essas coisas que haverão de acontecer e car em pé na presença do
Filho do homem”. O propósito de Jesus era conduzir os seus discípulos à decisão
prática de vigiar e orar.
Em outro momento, quando Jesus notou uma expectativa equivocada de seus
discípulos, ele fez questão de parar e pontuar um ensinamento, como vemos
em Lucas 19.11: “Ouvindo eles isso, Jesus prosseguiu e contou uma parábola, por
estar perto de Jerusalém e por eles pensarem que o reino de Deus se manifestaria
imediatamente”. Ao que parece, Jesus só proferiu aquela parábola porque
percebera que os seus discípulos estavam pensando de forma equivocada. Ele
buscava constantemente mudar o coração e a mente dos seus discípulos por
meio do ensino.
Em nova ocasião, os discípulos demonstram que ainda não haviam
compreendido qual era o propósito de Cristo ter vindo ao mundo. Referindo-
se aos samaritanos, que não receberam a Jesus (Lc 9.53), Tiago e João
propuseram: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir?”
(v. 54). Jesus imediatamente os repreendeu e ensinou: “O Filho do homem não
veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-la” (v. 56). Observamos
nitidamente que, quando necessário, Ele não temia dizer a verdade sobre a
imaturidade do discípulo, ainda que nunca perdesse a brandura. Em João
13.37, Pedro perguntou ao Senhor: “Por que não posso seguir-te agora? Darei a
minha vida por ti”. Jesus replicou: “Darás a vida por mim? Em verdade, em
verdade te digo: Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes”.
Jesus respondeu aos seus discípulos com paciência até quando a pergunta
tinha um viés de questionamento: “E, aproximando-se dele, os discípulos lhe
perguntaram: Por que falas às multidões por meio de parábolas?” (Mt 13.10). Ou,
então: “Eles lhe disseram: Rabi, há pouco os judeus procuravam apedrejar-te, e
mesmo assim voltas para lá?” (Jo 11.8). Ainda, em Mateus 15.12: “Os discípulos,
aproximando-se dele, perguntaram-lhe: Sabes que os fariseus ofenderam-se quando
ouviram essas palavras?” Em termos mais claros: “O senhor tem certeza de que
quer ter os fariseus como inimigos?”. Ou, ainda: “O senhor sabe mesmo o que
está fazendo?”. Em cada uma dessas situações, Jesus respondeu aos seus
discípulos sem criticá-los: “Toda planta que meu Pai celestial não plantou será
arrancada pela raiz” (v. 13).
Como discipuladores, nós também devemos responder às perguntas de
nossos discípulos com paciência. Porém, diferentemente de Jesus, nem sempre
estaremos preparados para todas elas. Mas não há problema. Jesus é a própria
Palavra (Jo 1.1, Ap 19.13). Ele tinha todas as respostas; nós não. Então,
quando algum discípulo nos zer uma pergunta difícil, não devemos nos
desesperar. Com paz no coração, vamos dizer-lhe que pesquisaremos sobre o
assunto e, se isso não for su ciente, vamos propor que trabalhemos juntos para
encontrar a resposta. Recentemente, um discípulo me pediu que lhe explicasse
a Trindade. Eu ri comigo mesmo, considerando o desa o que seria isso: “Que
bom! Vamos nessa!” Levamos três encontros estudando a Bíblia e meditando
juntos. Como tem sido bom reconhecer que não tenho todas as respostas!

JESUS ENSINOU PELO EXEMPLO

Jesus foi mestre em ensinar por meio do exemplo. Vamos destacar algumas
preciosas lições dele ministradas por meio de seu jeito de ser e viver, gestos e
atitudes.
Jesus constantemente se retirava para orar, e nem sempre se preocupava em
fazê-lo secretamente. Em Lucas 22.39-41[78], lemos que: “Então Jesus saiu e,
conforme o seu costume, foi para o monte das Oliveiras; e os discípulos o seguiram.
Ali chegando, disse-lhes: Orai, para que não entreis em tentação. E afastou-se deles
a uma curta distância; e, ajoelhando-se, orava”. Aliás, a própria oração de João
17 parece ter sido proferida em voz alta na companhia dos discípulos: “Depois
de falar essas coisas, Jesus levantou os olhos ao céu e disse” (v. 1). Desta forma,
Jesus estava ensinando aos seus discípulos e a nós hoje sobre a importância de
cuidarmos da nossa vida de oração, a m de sermos um exemplo para os nossos
seguidores. Não foi surpresa que eles lhe tenham pedido que os ensinasse a orar
(Lc 11.1).
No capítulo 4 de João, a Bíblia relata o encontro de Jesus com a mulher
samaritana, que ocorreu enquanto os seus discípulos haviam ido à cidade
comprar comida (v. 8). Quando eles retornaram e lhe rogaram que comesse (v.
31), Jesus respondeu: “Tenho uma comida para comer que não conheceis” (v. 32).
E completou: “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou e
completar a sua obra”. O texto não diz, mas é provável que Ele não se tenha
alimentado em seguida. Sendo assim, o fato de que Jesus não comeu tornou o
seu ensino ainda mais impactante. Uma coisa seria Ele ter ensinado aquilo
enquanto comia; outra coisa seria de jejum. Os discípulos devem ter cado
impressionados. Não foi força de expressão! Fazer a vontade de Deus era
realmente mais importante do que almoçar.
Uma das histórias mais belas de exemplo de Jesus está narrada em João 13, a
partir do verso 3, no chamado lava-pés:
Sabendo que o Pai lhe entregara tudo nas mãos e que viera de Deus, e para Deus estava voltando, Jesus
levantou-se da mesa, tirou o manto e, pegando uma toalha, colocou-a em volta da cintura. Em seguida,
colocou água em uma bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha que
trazia em volta da cintura. Aproximando-se de Simão Pedro, este lhe disse: Senhor, tu lavarás os meus
pés? Jesus lhe respondeu: Agora não compreendes o que eu faço, mas depois entenderás.

Depois de terminar, Jesus explicou o signi cado daquele gesto (v. 12-15):
Tendo-lhes lavado os pés, tomou o manto, voltou a sentar-se à mesa e perguntoulhes: Entendeis o que
vos z? Vós me chamais Mestre e Senhor; e fazeis bem, pois eu o sou. Se eu, Senhor e Mestre, lavei os
vossos pés, também deveis lavar os pés uns dos outros. Pois eu vos dei exemplo, para que façais também
o mesmo.

Em Lucas 22.27, Jesus já tinha dito: “Pois quem é maior? Quem está à mesa ou
quem serve? Não é quem está à mesa? Eu, porém, estou entre vós como quem serve”.
Em Mateus 20.26-28[79], Ele também declarou: “Quem quiser tornar-se
poderoso entre vós, seja esse o que vos sirva; e quem entre vós quiser ser o primeiro,
será vosso servo, a exemplo do Filho do homem, que não veio para ser servido, mas
para servir e para dar a vida em resgate de muitos”. Porém, se não bastassem tais
palavras, a maneira com que Jesus se humilhou diante dos seus discípulos para
lavar-lhes os pés, dando cores vivas à lição que já havia ministrado e queria
reforçar, elevou o seu ensino ao mais alto poder de impacto e transformação.
Permita-me apresentar mais dois textos que mostram Jesus ensinando pelo
exemplo. Em João 9.1 e 2, nós lemos assim: “Passando Jesus, viu um homem cego
de nascença. E seus discípulos lhe perguntaram: Rabi, quem pecou para que ele
nascesse cego: ele ou seus pais?” Essa foi mais uma pergunta teológica feita pelos
discípulos com base na observação do dia a dia. Tente visualizar a cena. Um
cego estava à beira do caminho, o que não era nada incomum para a época. Os
discípulos estavam passando e, sem moverem um dedo para ajudar, caram
curiosos para saber a causa daquele estado tão miserável. Quem sabe não
estavam atrás apenas de um assunto teológico para entreter as suas mentes
durante o caminho? O que eles não esperavam é que o que Jesus tinha a lhes
ensinar era muito mais do que eles queriam saber. Jesus ofereceu, sim, a razão
teológica para aquela situação: “Nem ele pecou nem seus pais; mas isso aconteceu
para que nele se manifestem as obras de Deus” (v. 3). Mas acrescentou uma
aplicação: “Enquanto é dia, é necessário que realizemos as obras daquele que me
enviou; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar” (v. 4,4).
E o que é mais belo está no verso 6: “Tendo dito isso, cuspiu no chão e fez barro
com a saliva; e aplicou-o sobre os olhos do cego”. O nal da história você já
conhece. A lição que Jesus queria ensinar não poderia ser dada apenas com
palavras. Ele teve que demonstrar de forma prática que o sofrimento das
pessoas deve ser alvo de compaixão e graça, não de indiferença ou de meras
confabulações teológicas. Jesus não apenas falou da importância de amar
pessoas. Ele foi ao socorro daquele cego e o curou. O ensino baseado no
exemplo é muito mais poderoso do que a simples oratória.
Por m, mais uma amostra de ensino por meio do exemplo foi a maneira
como Jesus desfez imediatamente o mal que um discípulo havia feito. Em João
18.10[80], a Escritura relata que, quando Jesus estava para ser preso, “Simão
Pedro desembainhou uma espada que trazia e feriu o servo do sumo sacerdote,
cortando-lhe a orelha direita”. O que Jesus fez em seguida? Primeiro, uma lição
falada: “Guarda a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à
espada morrerão” (Mt 26.52). Em seguida, uma lição exempli cada: “E,
tocando-lhe a orelha, o curou” (Lc 22.51). Ao curar aquele homem, Jesus estava
ao mesmo tempo amando-o e zelando pela pessoa de seu discípulo – para que
não sofresse a penalidade daquele ato ou até fosse atacado de volta – e, ainda,
modelando como os discípulos deveriam lidar com seus adversários.
Como discipuladores, devemos estar
O ensino baseado no
sempre atentos sobre como podemos
exempli car aquilo que ensinamos. A nossa exemplo é muito mais
tendência natural é querer estar sozinhos poderoso do que a
nas horas de pressão para que ninguém simples oratória.
vigie a nossa conduta. Muitas vezes
queremos con nar o discipulado à sala de aula justamente para nos
esquivarmos de ser o exemplo que os discípulos querem ver em nós. Porém, em
um discipulado relacional, muitas situações ocorrerão enquanto estivermos
juntos. E isso deve ser até mesmo buscado intencionalmente. Precisamos
enxergar cada minuto passado ao lado de nossos discípulos como uma
oportunidade para modelarmos como um verdadeiro cristão reage diante dos
desa os do dia a dia.
Nós precisamos desejar – e não apenas tolerar – que o nosso discípulo esteja
no banco do carona quando estivermos dirigindo e o sinal car amarelo, ou
quando estivermos em um momento de descontração e recebermos um
telefonema inconveniente, ou, ainda, quando a nossa esposa nos pedir para
lavar a louça enquanto estivermos conversando. A nossa reação a tudo isso
poderá ensinar mais do que as palavras. Como diz Keith Phillips:
Semelhante a Cristo, sua tarefa mais importante é oferecer um modelo de excelência a seu discípulo.
(...) Uma vez que somente Deus pode produzir caráter do verdadeiro discípulo, é muito mais fácil seu
discípulo tornar-se algo que ele pode ver do que algo de que ele apenas ouviu dizer ou sobre o que leu.
(...) Deixe seu discípulo observar sua vida, seu ministério e seu amor a Deus e aos outros. Quanto mais
tempo passarem juntos, mais e caz será a preparação de seu discípulo.[81]

Não há como nos escondermos do discípulo em um relacionamento


discipulador. Se isso acontecer, será qualquer coisa menos um relacionamento
discipulador. Nosso exemplo o in uenciará de uma forma ou de outra. Oremos
e vigiemos para que sejamos um modelo – ainda que imperfeito – para o
aperfeiçoamento de nossos discípulos à semelhança de Cristo.
Lembremos também que a nossa real
Não há como nos
motivação para uma vida santa deve ser
glori car a Deus acima de tudo e em todos escondermos do
os momentos, ainda quando os discípulos discípulo em um
não estiverem por perto. Em João 7.3, os relacionamento
irmãos de Jesus lhe pediram: “Retira-te discipulador. Se isso
daqui e vai para a Judeia, para que também acontecer, será
os teus discípulos vejam as obras que fazes”.
qualquer coisa menos
Ou seja, Jesus agia com poder e graça
independentemente do fato de seus um relacionamento
discípulos estarem olhando. Isso revela que discipulador.
Jesus agia conforme a vontade de Deus
porque para Ele era natural agradar-lhe, não porque quisesse demonstrar o seu
poder perante aqueles que queria in uenciar. Essa mesma motivação deve estar
em nosso coração sempre.

JESUS ENSINOU “NA CAMINHADA”

Outra estratégia marcante do ensino de Jesus era o que poderíamos chamar


de ensino “na caminhada”. Gosto de usar esse nome em razão de Mateus
20.17: “Jesus chamou os Doze em particular e no caminho lhes disse”. Essa frase
retrata bem o que Jesus fazia: mantinha o convívio constante a m de que o
discípulo sempre estivesse por perto para alguma instrução ocasional. Dessa
forma, Ele poderia aproveitar situações do cotidiano para ensinar, como vemos
nas passagens a seguir.
Mateus 19.22 e 23[82]: “Mas, ouvindo essas palavras, o jovem retirou-se triste,
porque possuía muitos bens. Então Jesus disse aos discípulos: Em verdade vos digo
que um rico di cilmente entrará no reino do céu”. A lição sobre o perigo do
apego às riquezas foi proferida imediatamente à saída daquele jovem. Bom para
os discípulos, que estavam por perto para ouvi-la. Quem sabe se poderiam ter
acesso a esse ensinamento de outro modo?
Lucas 21.1-3[83]: “Jesus observava os ricos que colocavam suas contribuições no
cofre de ofertas; viu também uma pobre viúva colocar ali duas moedas pequenas; e
disse: Em verdade vos digo que esta viúva pobre contribuiu mais do que todos”.
Jesus aproveitou o que acontecia bem ali na sua frente para dar uma preciosa
aula aos seus discípulos, mas isso só foi possível porque estavam ao seu lado
naquele instante.
Em Mateus 26.6-13[84], “aproximou-se dele (de Jesus) uma mulher trazendo um
vaso de alabastro cheio de um bálsamo muito caro. E ela o derramou sobre a cabeça
de Jesus, enquanto ele estava sentado à mesa” (v. 7). Esse aparente desperdício
indignou os discípulos. Jesus os repreendeu: “Por que incomodais esta mulher?
Ela praticou uma boa ação para comigo. Pois sempre tendes os pobres convosco;
mas, a mim, nem sempre me tendes. Ao derramar bálsamo sobre o meu corpo, ela o
fez como preparação para o meu sepultamento” (v. 10-12). E nalizou: “Em
verdade vos digo: Em todo o mundo, onde quer que seja pregado este evangelho,
também o que ela fez será contado em sua memória”. Jesus não ia perder a chance
de ensinar os seus discípulos sobre tantos temas de uma vez só: adoração,
humildade, prioridade, preconceito, o valor de uma vida, sua própria morte,
etc.
Até quando a pergunta vinha de outras pessoas, Jesus se importava em como
poderia aproveitá-la para dar um ensinamento aos seus discípulos. Em Lucas
17.20, nós lemos: “Interrogado pelos fariseus sobre quando o reino de Deus viria,
Jesus lhes respondeu: O reino de Deus não vem com aparência exterior”. Mas havia
uma lição especial reservada para os discípulos na sequência: “Então disse aos
discípulos: Chegarão dias em que desejareis ver um dos dias do Filho do homem, e
não vereis”.
Em certa ocasião, um centurião se aproximou de Jesus pedindo que curasse o
seu servo (Mt 8.5,6). A fé daquele homem se revelou impressionante: “Somente
dize uma palavra, e o meu servo será curado” (v. 8). “Maravilhou-se Jesus, ouvindo
isto, e disse aos que o seguiam: Em verdade vos digo que nem mesmo em Israel
encontrei tanta fé” (v. 10). E conectou a tudo isso uma importante aula sobre a
universalidade do evangelho e do juízo que viria sobre todos os incrédulos,
inclusive de Israel (vv. 11 e 12). Como nos outros casos, este ensino só
aconteceu porque os discípulos estavam caminhando com Jesus quando aquele
homem apareceu.
O princípio do ensino “na caminhada” requer que o discipulador tenha
sempre os discípulos por perto para aproveitar as oportunidades do dia a dia
para ensinar com ações e palavras. Estudos bíblicos regulares são muito
importantes para a exposição das Escrituras, mas não podemos nos esquecer
das lições ocasionais.
Considerando que, diferentemente de Jesus, nós não estamos ao lado de
nossos discípulos 24 horas por dia, uma forma de mantermos vivo esse ensino
na caminhada é por meio da tecnologia. Hoje há diversas ferramentas
eletrônicas para nos comunicarmos com os nossos discípulos
instantaneamente. Incentive-os a compartilhar as di culdades no momento em
que as estiverem atravessando, a m de que você ore por eles e ministre ao seu
coração. Se possível, use aplicativos que permitam gravar o áudio e enviar. Eu
costumo brincar com meus discípulos que orações gravadas são duplamente
ouvidas por Deus: quando são gravadas e quando são ouvidas.
Um cuidado, porém, é necessário aqui. O contato por meio da tecnologia
viabilizará um apoio constante de nossa parte aos discípulos. No entanto,
devemos ensiná-los sempre a buscar em tudo a dependência de Deus, não de
nós. Aos poucos, e com o direcionamento adequado, eles aprenderão a utilizar
a oração e a leitura da Palavra de Deus como fonte de orientação, reservando o
contato conosco apenas para as situações em que necessitem de um conselho
ou de uma mentoria.

Colocando em Prática
1. Como você planeja ensinar o evangelho e suas implicações para os seus
discípulos? Como você pode treiná-los para reproduzir o seu método?
2. Você já de niu um trilho de estudos bíblicos para os seus
relacionamentos discipuladores? Se não, que tal conhecer os materiais
de Missões Nacionais?
3. Qual foi a última vez em que um discípulo seu observou o seu jeito de
agir diante de alguma situação do cotidiano? Qual foi o impacto disso
para o seu amadurecimento? Se você não conseguir chegar a essas
respostas sozinho, pergunte ao seu discípulo o que ele achou de tal
situação e o que ele pôde aprender com ela.

[72] www.livrariamissoesnacionais.org.br. Conheça a série RD 1, RD 2 e RD 3, Discípulos em


Crescimento, e outros materiais.
[73] Cf. Mt 10.17ss.
[74] Do mesmo modo em Mateus 18.21, João 16.17-20, etc.
[75] Cf. Lc 21.5ss.
[76] Por exemplo, veja Lucas 20.45,46.
[77] Mt 16.6,11; Mc 8.15; Lc 12.1.
[78] Cf. Mt 26.36.
[79] Cf. Mc 10.45.
[80] Cf. Mt 26.51,52, Mc 14.47 e Lc 22.50.
[81] A formação de um discípulo, p. 158-159.
[82] Cf Mc 10.22,23 e Lc 18.23,24.
[83] Cf. Mc 12.42-44.
[84] Cf. Mc 14.3 e Lc 7.37.
10

Solicitação de Contas:
Encorajamento para Avançar
Sempre

DISCIPULADO MODERNO: É APENAS UMA SÉRIE DE ESTUDOS


BÍBLICOS DOUTRINÁRIOS

DISCIPULADO DE JESUS: É UM RELACIONAMENTO QUE


COMUNICA VERDADE E VIDA

Em seu relacionamento discipulador, Jesus sempre esteve preocupado


com o progresso espiritual de seus discípulos. Para que eles não
estagnassem em sua caminhada de aperfeiçoamento, Jesus costumava
usar perguntas que estimulassem o seu avanço na fé. Essa não era uma
forma de controlar os seus discípulos, mas de encorajá-los a continuar
crescendo. Neste capítulo, vamos continuar fazendo a comparação dos
paradigmas acima, desta vez ressaltando um dos mais negligenciados
elementos do relacionamento discipulador: a solicitação de contas.

Jesus Solicitou Contas de Seus Discípulos


Em Lucas 9.10, vemos que os discípulos prestaram contas a Jesus: “Quando
os apóstolos voltaram, contaram-lhe tudo o que haviam feito”. Em Lucas 10.17, da
mesma forma: “E os setenta e dois voltaram alegres, dizendo: Senhor, até os
demônios se submetem a nós em teu nome”. Depois de elogiá-los pelo êxito na
missão, Jesus aproveitou para dar mais uma instrução: “Contudo, não vos
alegreis porque os espíritos se submetem a vós, mas porque vossos nomes estão escritos
no céu” (v. 20). Aqui vemos a importância do incentivo na solicitação de contas
e da constante revisão das prioridades, a m de que a empolgação da vitória
não leve os discípulos a perderem o foco.
Jesus também solicitou contas do aprofundamento teológico de seus
discípulos. A clássica pergunta de solicitação de contas é a registrada em
Marcos 8.29[85]: “Então ele lhes perguntou: Mas vós, quem dizeis que eu sou? E
Pedro respondeu-lhe: Tu és o Cristo”. Jesus queria saber se os discípulos estavam
progredindo no entendimento de quem Ele era e do que veio fazer.
Várias vezes nós encontramos nos evangelhos Jesus cobrando de seus
discípulos o avanço na fé, chegando até o ponto de censurar a sua
incredulidade. Em Lucas 24.25 e 26, Jesus disse a dois deles: “Ó tolos, que
demorais a crer no coração em tudo que os profetas disseram! Acaso o Cristo não
tinha de sofrer essas coisas e entrar na sua glória?” Em circunstâncias como esta, o
objetivo de Jesus não era humilhá-los, mas mostrar a necessidade de mudarem
e continuarem crescendo. Em seguida, Jesus passou a ensinar-lhes
pacientemente, como lemos no versículo 27: “E, começando por Moisés e todos os
profetas, explicou-lhes o que constava a seu respeito em todas as Escrituras”. A
repreensão do erro deve sempre estar acompanhada da mansidão para ensinar o
acerto.

Fazendo as Perguntas Certas


O expediente que Jesus mais usou na solicitação de contas foram boas
perguntas. Algumas delas nem sequer eram para que eles respondessem: eram
perguntas retóricas, usadas apenas para revelar a imaturidade dos discípulos;
não para paralisá-los, mas para encorajá-los a crescer. As perguntas serviam para
levar os discípulos a descobrir por si mesmos a necessidade de aperfeiçoamento.
Vejamos alguns exemplos:

Mateus 14.31: “Imediatamente Jesus estendeu a mão, segurou-o e disse-lhe:


Homem de pequena fé, por que duvidaste?”
Mateus 15.16: “Jesus respondeu: Vós também ainda não entendeis?”
Mateus 16.10 a 12: “Ainda não compreendeis? Não vos lembrais dos cinco
pães para os cinco mil e de quantos cestos recolhestes? Nem dos sete pães para
os quatro mil e de quantos cestos recolhestes? Como não compreendeis que
não vos falei a respeito de pães?”
Marcos 7.18: “Jesus lhes respondeu: Então vós também não entendeis? Não
compreendeis que tudo o que entra de fora no homem não pode torná-lo
impuro?”
Marcos 8.17 e 18: “Ao perceber isso, Jesus lhes disse: Por que discutis por
não terdes pão? Ainda não compreendeis? Não entendeis? O vosso coração
está endurecido? Tendes olhos e não vedes? Tendes ouvidos e não ouvis? Não
vos lembrais?”
Lucas 8.15: “Então lhes perguntou: Onde está a vossa fé?”
Lucas 22.45 e 46: “Depois, levantando-se da oração, aproximou-se dos seus
discípulos e achou-os dormindo de tanta tristeza; e disse-lhes: Por que estais
dormindo? Levantai-vos e orai para que não entreis em tentação”
Lucas 24.38: “Ele, porém, lhes disse: Por que estais angustiados? E por que
surgem dúvidas em vosso coração?”
João 6.61 e 67: “Sabendo Jesus no íntimo que seus discípulos criticavam
suas palavras, disse-lhes: Isso vos escandaliza? (...) Vós também quereis
retirar-vos?”
João 16.31: “E Jesus prosseguiu: Credes agora?”

Todas essas perguntas, especialmente as do tipo “por que”, buscavam levar os


discípulos a re etir sobre qual era o verdadeiro motivo de ainda não terem
evoluído em determinada questão. Isso nos ensina algo precioso. Quando
percebermos algum sinal de imaturidade em nossos discípulos, não devemos
repreendê-los a ponto de magoá-los. Devemos ajudá-los a analisar a sua própria
conduta e concluir por si mesmos que precisam de arrependimento e mudança.
Esse é o sentido da solicitação de contas.
Só um detalhe: Jesus convivia 24 horas por dia com os seus discípulos, de
modo que Ele mesmo podia observar o seu comportamento e fazer perguntas
diretas a respeito. Poderíamos chamar esses momentos de “discipuláveis”, ou
seja, momentos em que o discipulador nota que alguma coisa está errada com
o discípulo e tem a oportunidade de ensinar. Em um convívio discipular,
compartilharemos momentos “discipuláveis” em tempo real. Isso está bem
próximo do conceito de ensino “na caminhada”, sobre o qual já falamos.
Porém, na maioria das vezes, nós é que temos que pedir aos discípulos que nos
reportem como tem sido a sua caminhada. Foi basicamente o que aconteceu
em Lucas 9 e 10, quando os discípulos de Jesus foram enviados e depois
tiveram que relatar o que tinha acontecido. O Mestre não estava presente e por
isso teve que perguntar como foi.
Precisamos desenvolver o hábito de perguntar aos nossos discípulos como
estão as suas relações de família, no trabalho ou nos estudos, como está o seu
tempo devocional, como estão os seus esforços no cumprimento da missão, etc.
Missões Nacionais lançou um interessante Cartão de Solicitação de Contas que
traz algumas dessas perguntas:

Como está o seu relacionamento com Deus? Seu tempo devocional


(leitura bíblica e oração)?
Você está crescendo em santi cação, ou tem sido vencido pelo pecado?
Tem mantido relacionamentos saudáveis?
Tem se esforçado para fazer discípulos?

Nem sempre fazemos essas quatro perguntas em um mesmo encontro.


Outras questões também podem ser acrescentadas, como: “O que tem estado
em sua mente durante esta semana?” Esta pergunta, que ouvi pela primeira vez
quando tive que respondê-la ao querido amigo e missionário Dr. Mark Ellis, é
especialmente proveitosa para trazer à tona algum tipo de ansiedade ou
frustração. O relacionamento discipulador deve ser um ambiente em que o
discípulo se sinta seguro para abrir o seu coração para uma pessoa de con ança.
Algumas vezes, nós mesmos vamos notar alguma coisa estranha sem precisar
que o discípulo nos conte. Mas ainda assim será bom ouvir primeiro a sua
versão. A questão não é o que se pergunta, mas como se pergunta. O discípulo
deve perceber através do tom de voz, do toque e do semblante do discipulador,
que ele pergunta porque se importa de verdade com a sua vida, e não por mera
curiosidade ou patrulhamento.
É importante lembrar que o propósito da solicitação de contas não é que o
discipulador que sabendo de tudo o que se passa na vida do discípulo. Isso
seria controle. O propósito da solicitação de contas é, como já dissemos, que o
discípulo, com a ajuda de seu discipulador, se dê conta de algo em que precisa
amadurecer. Por isso, a solicitação de contas saudável é somente aquela que
conduz à transformação, à mudança de atitude.

Silêncio Estratégico
Pela graça de Deus, tenho aprendido a usar duas armas poderosas de
solicitação de contas: boas perguntas e silêncio. Como isso funciona? Em
primeiro lugar, não podemos ceder à tentação de dizer logo de imediato qual
foi a nossa impressão sobre a conduta errada do discípulo. Só com essa medida,
já nos livraremos de fazer julgamentos precipitados e causar desconfortos
desnecessários. De preferência, devemos formular uma única pergunta que seja
capaz de extrair do discípulo o seu próprio juízo sobre a sua atitude. Exemplos
de perguntas assim:

Qual foi a sua motivação? (Essa é uma maneira mais suave de perguntar
“por que” ele fez o que fez.)
Como você se sentiu depois de fazer isso?
Deus já lhe disse alguma coisa com relação a essa atitude?
Você já parou para re etir sobre o que o Espírito Santo achou disso?
Depois, usemos o silêncio a nosso favor. Deixemos que o discípulo julgue a si
mesmo. Não sejamos nós o juiz. Em oração, con emos que o Espírito Santo
guiará o nosso discípulo “em toda a verdade” (Jo 16.13). Possivelmente, teremos
um comentário na ponta da língua, mas precisamos nos conter! Vamos dar ao
discípulo o tempo necessário para meditar. Queremos que ele aprenda a ouvir a
voz do Espírito Santo, e não que dependente de que nós lhe digamos sempre
o que deve ou não fazer. Quando ele chegar à sua própria conclusão, devemos
incentivá-lo a confessar o seu pecado a Deus e a seguir em frente. Uma vez que
ele tenha assumido um compromisso de mudança, página virada!
Passei por uma experiência recente de solicitação de contas com um
discípulo. Ele compartilhou na reunião do nosso Pequeno Grupo
Multiplicador uma atitude que tinha praticado e que revelava uma falha moral.
Ele o fez de forma descontraída, sem perceber que aquilo estava errado.
Algumas pessoas estranharam, mas, como líder, z um comentário breve,
mudei o foco da questão e voltei para o roteiro. Eu não poderia tratar aquilo na
frente de todos. No m da reunião, chamei esse discípulo em particular e lhe
disse: “Eu reparei que você contou que fez isso... (relatei a atitude)”. Eu não z
julgamento algum. Apenas repeti o que ele mesmo compartilhou. Ele tentou se
explicar, defendendo-se. Eu lhe z apenas uma pergunta: “Como você acha que
o Espírito Santo se sentiu com relação a essa sua atitude?” E z alguns
segundos de silêncio. Embaraçado, ele esboçou uma resposta. Eu lhe disse:
“Não me responda agora. Medite nisso. Voltaremos a conversar em nosso
encontro pessoal durante a semana”. O que você acha que aconteceu? O
Espírito Santo ministrou ao seu coração e ele reconheceu que havia pecado. Eu
perguntei se ele poderia, então, orar confessando e pedindo perdão. Ele
respondeu, contrito: “Eu já z isso!” Que bom! Ele se resolveu com o Espírito
Santo sem precisar da minha presença. Eu apenas o ajudei a perceber onde ele
tinha descarrilhado. O Espírito Santo foi quem o recolocou nos trilhos.
Portanto, minha sugestão para um bom roteiro de solicitação de contas é a
seguinte:
1) Peça ao seu discípulo que relate como foi a sua semana. Para isso, faça
algumas perguntas especí cas, como as que estão impressas no Cartão de
Solicitação de Contas; ou, então, esteja atento para algum momento
“discipulável” no meio da convivência com ele;
2) Antes de proferir qualquer julgamento sobre a questão, pergunte ao
discípulo como ele interpretou aquele fato. Use as perguntas exempli cadas na
página ao lado.
3) Faça silêncio (por alguns segundos ou dias). O amor dirá o tempo certo.
Permita que o Espírito Santo trabalhe na vida de seu discípulo, a m de que ele
mesmo chegue à conclusão de que precisa de arrependimento, con ssão e
mudança. Ore para que isso aconteça. Se não acontecer, ministre de uma forma
mais direta, mas com amor e paciência.
4) Quando o discípulo se arrepender, mostre que você está feliz com o
progresso dele e encoraje-o a prosseguir em sua caminhada de aperfeiçoamento.
No próximo capítulo, vamos abordar com mais detalhes o segundo elemento
do relacionamento discipulador: o acolhimento. Vamos passar agora a algumas
questões práticas para aplicação do que temos estudado até aqui.

Colocando em Prática
1. Re ita: Qual é a diferença entre o conceito de solicitação de contas
apresentado aqui e a ideia de controle ou patrulhamento da vida do
discípulo?
2. Faça uma lista de boas perguntas de solicitação de contas e procure
memorizá-las. Elas irão compor uma importante “caixa de ferramentas”
ao seu alcance para os momentos “discipuláveis” que poderão surgir
durante a caminhada um a um.
3. Existe alguém hoje em sua vida a quem você esteja prestando contas? Se
não, peça a Deus que lhe mostre uma pessoa con ável e madura com
quem você possa exercitar esse importante elemento do relacionamento
discipulador.
[85] Cf. Mt 16.15 e Lc 9.20.
11

Relacionamento Discipulador Um a
Um e em Pequenos Grupos
Multiplicadores

DISCIPULADO MODERNO: REALIZADO EM SALA DE AULA

DISCIPULADO DE JESUS: REALIZADO UM A UM E EM PEQUENOS


GRUPOS

Muitas pessoas seguiram a Cristo além dos doze. Em algumas passagens,


lemos que os que o acompanhavam chegaram a ser considerados uma
multidão.[86] No entanto, os relacionamentos discipuladores de Jesus
sempre foram feitos com pessoas determinadas que formaram um
pequeno grupo de discípulos. Neste capítulo, vamos estudar como o
relacionamento discipulador se desenvolve um a um e dentro do
Pequeno Grupo Multiplicador.

“Seguidores”, Porém Não Discípulos


Os evangelhos mostram Jesus ensinando e curando multidões. Milhares de
pessoas foram até Ele por admirarem seus ensinos ou em busca da cura física
ou até de pão. Marcos 10.1 relata que “as multidões aglomeraram-se em torno
dele; e ele as ensinava, como de costume”. Em Mateus 15.30, podemos ver que
“numerosas multidões foram até ele, levando mancos, aleijados, cegos, mudos e
muitos outros; e os colocaram aos seus pés; e ele os curou”.[87] Também, houve pelo
menos uma ocasião em que as pessoas o procuraram por causa de comida,
como está registrado em João 6.24-26:
Ao ver que nem Jesus nem seus discípulos estavam ali, a multidão entrou também nos barquinhos e foi
para Cafarnaum em busca de Jesus. Ao encontrá-lo no outro lado do mar, perguntaram-lhe: Rabi,
quando chegaste aqui? Jesus lhes respondeu: Em verdade, em verdade vos digo que me buscais, não
porque vistes sinais, mas porque comestes do pão e castes satisfeitos.

Nem todos os que seguiam Jesus o zeram pelo compromisso assumido de


imitá-lo. Muitos queriam apenas estar com Ele, por acharem o seus sermões
atraentes ou até para receberem algum tipo de benefício, mas nem todos
estavam decididos a ser como Ele. Esse compromisso com a transformação
pessoal fazia toda a diferença para de nir quem era parte da multidão e quem
era um discípulo de Cristo, de fato.
É bem verdade que Jesus dedicou tempo a estar com pessoas diversas, não
apenas com os seus discípulos. Em algumas ocasiões, Ele deu atenção àqueles
que queriam apenas ouvi-lo, como vemos em Lucas 15.1 e 2: “Todos os
publicanos e pecadores aproximavam-se dele para o ouvir”. Porém, ainda assim,
estar aprendendo com Jesus em uma ocasião especial não signi cava ter se
tornado um discípulo dele. Faltava um ingrediente, o qual pode ser visualizado
em Marcos 2.14 e 15[88]:
Quando ia (Jesus) passando, viu Levi, lho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse-lhe: Segue-me. E,
levantando-se, Levi o seguiu. Quando Jesus estava à mesa, na casa de Levi, estavam também ali muitos
publicanos e pecadores sentados junto dele e de seus discípulos, pois eram em grande número e o
seguiam.

Esse ingrediente foi o chamado Nós não estaremos


individualizado: “segue-me”. Não era
realmente fazendo
acolhido no relacionamento discipulador
de Jesus quem simplesmente queria ser,
discípulos antes de
mas quem era convidado em particular sabermos de nir nome
para ser. Não foi o caso de Jesus ter feito a nome quem eles são.
um convite genérico e Levi ter sido o único
ali inteligente ou espiritual que o aceitou. Jesus foi diretivo, especí co. Ele viu
Levi; não qualquer Levi, mas o Levi lho de Alfeu, que trabalhava na coletoria;
e o convidou. O discípulo tinha nome, sobrenome e pro ssão. Quando leio
esse texto, vêm-me à mente aqueles formulários de quali cação pessoal – com
nome, Identidade, CPF, liação, endereço, etc. – que de vez em quando temos
que preencher para não sermos confundidos com outra pessoa. O discípulo
não é indeterminável nem substituível. Ele é uma pessoa singular. Por isso, nós
não estaremos realmente fazendo discípulos antes de sabermos de nir nome a
nome quem eles são.
Naquela cena de Marcos 2, além de Jesus e do discípulo dono da casa,
estavam, presentes publicanos e pecadores, os quais “eram em grande número e o
seguiam”, os demais discípulos e até mesmo os escribas do partido dos fariseus,
que ocorrem no versículo 16. Isso prova de forma de nitiva que estar perto de
Jesus, frequentar os mesmos lugares e até compartilhar com Ele uma refeição
não fazia de ninguém um discípulo dele. Só podia ser discípulo de Jesus quem
Ele queria que fosse: “Depois Jesus subiu a um monte e chamou os que ele mesmo
quis; e estes foram até ele. Então designou doze para que estivessem com ele” (Mc
3.13,14). Jesus não convidou todas as pessoas que foram alvo de sua
ministração para andarem em um relacionamento discipulador com Ele. Isso
não signi ca que não poderiam se converter, mas que simplesmente não seriam
admitidas em um relacionamento de longo prazo com o Mestre. O ex-
endemoninhado gadareno foi enviado para sua terra (Mc 5.19) e tanto o
paralítico que foi curado quanto as mulheres pecadora, adúltera e com o uxo
de sangue ouviram “vai” e não “vem” (Lc 5.24, 7.50 e 8.48 e Jo 8.11).
Na verdade, Jesus não costumava impedir que alguém o seguisse.[89] Em
Marcos 10.52, lemos que o cego curado por Jesus passou a segui-lo, embora
tivesse ouvido dele “vai”, e não “vem”: “Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou.
Imediatamente ele recuperou a visão e foi seguindo Jesus pelo caminho”. Mas isso
não signi cava que aquele cego, ou qualquer outra pessoa que decidisse segui-
lo, fosse imediatamente introduzido em um relacionamento discipulador com
Ele. Isso foi reservado para quem recebeu um chamado especial. O
relacionamento discipulador é sempre um a um, pois é sempre individualizado.
OS PRINCÍPIOS DA SELEÇÃO E DA CONCENTRAÇÃO DE ROBERT
COLEMAN

Tendo Jesus como exemplo, uma hora ou outra vamos acabar concluindo que
o relacionamento discipulador vai nos obrigar a fazer uma seleção de
discípulos, pois a dura realidade é que não conseguiremos desenvolver um
relacionamento discipulador de qualidade com todas as pessoas com quem
queremos desenvolver. Observe o que disse Waylon Moore:
O número de pessoas em que você pode investir a sua vida é limitado pelo tempo que você está
disposto a usar para satisfazer as suas necessidades individuais. Uma hora por semana com um grupo
pode ser um método simplesmente acadêmico. Não produzirá, necessariamente, discípulos de
qualidade, porque não é a prática modelada segundo o exemplo de Cristo de investir tempo – isto é, ele
mesmo – na vida dos outros.[90]

Como vamos escolher quem serão os nossos discípulos? Jesus passou por esse
mesmo dilema em Lucas 6.12 e 13, e se saiu assim: “Naqueles dias, Jesus se
retirou para um monte a m de orar; e passou a noite toda orando a Deus. Depois
do amanhecer, chamou seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais também
chamou de apóstolos”. O Senhor orou especi camente no sentindo de que Deus
o ajudasse a escolher os seus discípulos. Pedir a direção de Deus é a primeira
medida que temos de tomar antes de começarmos a desenvolver
relacionamentos discipuladores.
Depois de orar, temos de selecionar. Robert Coleman, um dos principais
nomes do discipulado em nossos dias, autor da clássica obra Plano Mestre de
Evangelismo, apresenta o que chama de Princípios da Seleção e da
Concentração. Segundo ele, Jesus intencionalmente escolheu pessoas
determinadas e se concentrou nelas:
Notamos que Jesus pode usar qualquer pessoa que quer ser usada. Entretanto, não queremos perder a
verdade prática de como Jesus fez isso. Aqui está a sabedoria de seu método, e por meio da sua
observação nós retornamos ao princípio fundamental da concentração sobre aqueles que ele pretendeu
usar. Ninguém pode transformar um mundo a não ser que indivíduos no mundo sejam transformados,
e indivíduos não podem ser mudados a não ser que eles sejam moldados nas mãos do Mestre.
Claramente, então, é necessário não apenas selecionar alguns leigos, mas também manter o grupo
pequeno o bastante para que alguém consiga trabalhar efetivamente com eles.[91]
Coleman acrescenta a razão do Princípio
Pedir a direção de Deus
da Concentração: “Quanto mais concentrado
for o tamanho do grupo a ser ensinado, maior é primeira medida que
a oportunidade de instrução efetiva”.[92] Isso temos de tomar antes
signi ca que a seleção de discípulos foi uma de começarmos a
condição necessária para a efetividade da desenvolver
própria estratégia ministerial de Jesus, relacionamentos
voltada para a formação dos líderes que
discipuladores.
multiplicariam os seus esforços para a
salvação do mundo inteiro. O autor ainda diz: “Embora Ele tenha feito o que
pode para ajudar as multidões, Ele tinha que se dedicar primariamente a poucos,
em vez de às massas, a m de que as massas pudessem ao menos ser salvas”. En m,
“essa era a genialidade de sua estratégia”.[93]
Feliz ou infelizmente, nós não conseguiremos começar a desenvolver
relacionamentos discipuladores de forma efetiva se não estivermos dispostos a
selecionar discípulos e concentrar a nossa atenção neles. Foi o que Jesus fez.
Essa foi a sua estratégia. Não queira inventar a sua própria maneira de fazer
discípulos. Simplesmente imite o Mestre.

ÔNUS E BÔNUS DE SER UM DISCÍPULO

Fazer parte do relacionamento discipulador de Jesus proporcionava um


grande privilégio para o discípulo, porém exigia dele um grande nível de
compromisso. Como já vimos no Capítulo 9, um desses privilégios era receber
ensinos em particular.[94] Outro era presenciar alguns milagres em especial. Em
Lucas 10.23, Jesus mesmo deixou claro que isso era uma grande vantagem de
ser um discípulo: “E voltando-se para os discípulos, disse-lhes em particular: Bem-
aventurados os olhos que veem o que estais vendo”. Em certa ocasião, um homem
rogou que Jesus fosse a sua casa para ressuscitar a sua lha. Mateus 9.19 narra
que “Jesus, levantando-se, seguiu-o, ele e os seus discípulos”. Que privilégio ver esse
milagre de perto!
Por outro lado, o custo do discipulado era radical. Quem não renunciasse a
tudo quanto tinha não podia ser um discípulo dele. Foi justamente isso que os
discípulos zeram para serem admitidos no relacionamento discipular de Jesus.
Eles “deixaram tudo e o seguiram” (Lc 5.11). Jesus mesmo aconselhou que, antes
de se tornar um discípulo seu, a pessoa deveria pesar as consequências e
garantir que poderia arcar com os custos. Jesus falou sobre isso em Lucas 14.26
a 33:
Se alguém vier a mim, e amar pai e mãe, mulher e lhos, irmãos e irmãs, e até a própria vida mais do
que a mim, não pode ser meu discípulo. Quem não leva a sua cruz e não me segue, não pode ser meu
discípulo. Pois qual de vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular as
despesas, para ver se tem como acabá-la? Para não acontecer que, depois de haver posto os alicerces, e
não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a zombar dele, dizendo: Este homem começou
uma construção e não conseguiu terminá-la. Ou qual é o rei que, antes de entrar em guerra contra
outro rei, não se senta primeiro para consultar se com dez mil pode ir de encontro ao que vem contra
ele com vinte mil? Mas, pelo contrário, enquanto o outro ainda está longe, manda emissários e pede
condições de paz. Assim, todo aquele dentre vós que não renuncia a tudo quanto possui não pode ser
meu discípulo.

Algo muito parecido encontramos em Marcos 8.32 a 35[95], passagem que


vale a pena relembrar:
E começou a ensinar-lhes (aos discípulos) que era necessário que o Filho do homem sofresse muitas
coisas, fosse rejeitado pelos líderes religiosos, principais sacerdotes e escribas, fosse morto e depois de
três dias ressuscitasse. E ele dizia isso abertamente. Mas Pedro, chamando-o em particular, começou a
repreendê-lo. Ele, porém, virando-se e olhando para seus discípulos, repreendeu Pedro, dizendo: Para
trás de mim, Satanás; porque não pensas nas coisas de Deus, mas sim nas que são dos homens. E,
chamando a multidão com os discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue a si mesmo,
tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser preservar sua vida, irá perdê-la; mas quem perder a vida
por causa de mim e do evangelho, irá preservá-la.

Percebemos claramente que o custo do discipulado foi se agravando ao longo


da caminhada até chegar a esse clímax de renúncia total, de morrer para si
mesmo e tomar a cruz.[96] Esse foi um acréscimo signi cativo ao convite
original em Mateus 4.19: “Vinde a mim, e eu vos farei pescadores de homens”.
Isso se explica pelo fato de que Jesus sempre chamou os seus discípulos baseado
naquilo que Ele mesmo estava fazendo. Ora, discipulado não é um processo de
imitação gradual? Então, faz todo o sentido que, ao “pescar” homens, Jesus
tivesse convidado os seus discípulos para também “pescar” homens. De igual
forma, é compreensível que Jesus tenha deixado para declarar que o
discipulado custaria a vida do discípulo a partir do momento em que anunciou
a sua morte. Em ambos os casos, quem quisesse imitar Jesus – ou seja, ser seu
discípulo – deveria fazer o mesmo que Ele estava fazendo.
Billy Graham disse certa vez: “A salvação é de graça, mas o discipulado custa
tudo o que temos”. Ninguém pode querer ser um discípulo de Cristo sem estar
disposto a investir o melhor da sua vida, do seu tempo, de seus dons e talentos
nisso. Fazendo uma aplicação para os nossos relacionamentos discipuladores,
nós devemos ser claros com os nossos discípulos não apenas quanto aos
benefícios de serem discipulados, mas também quanto aos custos. O discípulo
deve saber de antemão que terá que dedicar no mínimo uma hora por semana
para um encontro pessoal e que passará a prestar contas regularmente de seu
progresso espiritual. Na pós-modernidade, quando o tempo é tão escasso e o
individualismo é tão exacerbado, só essas duas coisas já representam um preço
signi cativo do relacionamento discipulador. O discípulo terá que calcular
bem, porque, depois, será cobrado das responsabilidades. O discipulado possui
ônus e bônus.

O RELACIONAMENTO DISCIPULADOR SEPARA PESSOAS

Os doze discípulos de Jesus foram admitidos no seu relacionamento


discipulador porque acataram o compromisso do discipulado. Quando
tomaram a decisão radical de abandonarem tudo e seguir a Cristo, eles
inevitavelmente foram separados das demais pessoas. Usaremos uma passagem
do Evangelho de Mateus para ilustrar esse princípio:
E Jesus, vendo em torno de si uma grande multidão, ordenou que passassem para o outro lado; E,
aproximando-se dele um escriba, disse-lhe: Mestre, aonde quer que fores, eu te seguirei. E disse Jesus:
As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a
cabeça. E outro de seus discípulos lhe disse: Senhor, permite-me que primeiramente vá sepultar meu
pai. Jesus, porém, disse-lhe: Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus mortos. E, entrando ele no
barco, seus discípulos o seguiram (Mt 8.18-23[97]).

Servir a multidão era importante, mas tinha um limite. Os discípulos


deveriam estar com Jesus o tempo todo. Os princípios da seleção e da
concentração tinham que ser aplicados. No m da história, somente os
discípulos entrariam no barco com Jesus. Atender a multidão era ocasional, era
uma ação; discipular era permanente, era um processo.
No v. 19, um escriba, vendo que Jesus deixaria a multidão e só seria
acompanhado por seus discípulos, candidatou-se a ser um discípulo também.
Ele queria integrar o grupo seleto daqueles que desfrutariam da presença de
Jesus além da sua performance pública. Ele queria entrar no barco. A busca
desse privilégio o levou ao exagero: “Mestre, aonde quer que fores, eu te seguirei”
(v. 19). Logo Cristo o informou do custo: não ter “onde reclinar a cabeça” (v.
20). Ser um discípulo dele implicava assumir o seu estilo de vida.
Depois, um que já era considerado discípulo pediu licença para sepultar o seu
pai (v. 21). Não sabemos se ele foi chamado de discípulo por estar seguindo
Jesus na multidão – o que parece estar implicado em Lucas 9.59 –, ou se ele era
um dos doze e, neste caso, só queria tirar uma licença, porém deixando aberta a
porta para retornar. Seja como for, Jesus não atendeu ao seu pedido. O Mestre
deixou bem claro que o relacionamento discipulador exige prioridade
absoluta[98], inclusive acima dos relacionamentos familiares. No m (v. 23), só
entrou no barco quem de fato assumira o preço de fazer do discipulado o seu
compromisso de vida. À medida que o barco se afastava da margem, a
separação entre quem era e quem não era discípulo de Jesus cava cada vez
maior, literalmente.
Quando começamos a fazer discípulos, mais cedo ou mais tarde surgirá uma
circunstância em que a separação de pessoas será visível e inevitável. Por
exemplo, quando zermos uma viagem de carro – ou, quem sabe?, de barco
mesmo! – quem ocupará os poucos lugares disponíveis? Deixaremos de fora
alguém que está comprometido em caminhar conosco em proveito de outra
pessoa que não demonstra o mesmo compromisso? Pode até ser que sim, mas é
natural que na maioria das vezes a prioridade seja para o nosso discípulo.
Precisamos ter sabedoria e bom senso. Algumas pessoas vão querer aproveitar
o bônus do relacionamento discipulador, mas não estarão dispostas a assumir o
ônus. E, quando aplicarmos os princípios da seleção e da concentração, isso
pode nos levar a ser acusados de acepção. O que nos conforta é que Jesus
também poderia ser acusado de acepção ao admitir no barco apenas aqueles
que assumiram o compromisso do relacionamento discipulador. Como
discipuladores, querendo ou não o nosso “barco do discipulado” terá uma
capacidade limitada de passageiros, a qual será determinada pela nossa
condição de tempo e energia para cuidar de cada um dos nossos discípulos
efetivamente. Não cometa o erro estratégico de dar carona em seu “barco” além
da capacidade de passageiros. O excesso de lotação pode ocasionar um desastre.
Lembre-se dos princípios ensinados por Robert Coleman, ou melhor, por
Jesus!

RELACIONAMENTO DISCIPULADOR E PEQUENO GRUPO


MULTIPLICADOR

No Capítulo 8, vimos que Jesus orou para que os seus discípulos fossem “um”
(Jo 17.11). Essa oração foi respondida. Em Lucas 24.33, lemos que, ao se
encontrarem com Jesus no caminho de Emaús, aqueles dois discípulos “na
mesma hora levantaram-se e voltaram para Jerusalém, e encontraram reunidos os
Onze e os que estavam com eles”.[99] João 21.2 mostra que, em dado momento,
“estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael, de Caná da
Galileia, os lhos de Zebedeu e outros dois dos seus discípulos”. Atos 1.14 também
revela que “unidos, todos se dedicavam à oração, juntamente com as mulheres, com
Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele”.
É muito signi cativo que os discípulos tenham permanecido juntos mesmo
no intervalo entre a morte e a ressurreição de Cristo. A maioria deles nem devia
se conhecer antes de ter aceitado o convite para seguir Jesus. André, Pedro,
Tiago e João, duas duplas de irmãos certamente se relacionavam antes. Lucas
5.10 chega a dizer que eram sócios na pesca. Filipe, que era de Betsaida, mesma
cidade de André e Pedro, chamou Natanael (Jo 1.44,45). Mas o que dizer de
Levi, que foi chamado por Jesus ao ser visto na coletoria (Mc 2.14, Lc 5.27)? O
certo é que, ao olharmos para a listagem dos doze discípulos em Mateus 10.2-
4[100], nós vemos homens de origens e per s bem diferentes: “Primeiro, Simão,
chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, lho de Zebedeu, e João, seu irmão;
Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, lho de Alfeu, e Tadeu;
Simão Cananeu, e Judas Iscariotes, que o traiu”. Com o m do sonho, com o seu
Messias morto, o mais normal seria que o grupo se desintegrasse.
No entanto, ao convidar aqueles homens para andarem com Ele, Jesus
também os aproximou entre si. O Mestre não fez discípulos isoladamente,
visitando cada um deles em suas residências sem se importar se viriam a se
conhecer ou não. Jesus agregou os discípulos. Ele os reuniu em um pequeno
grupo. E fez isso intencionalmente. Joel Comiskey comenta:
Cristo reuniu doze discípulos e viajou com eles por três anos para demonstrar e ensinar-lhes sobre o
amor e a comunhão. Suas vidas moldadas e modeladas em conjunto foram o elemento-chave da sua
transformação. Jesus teve um grande desa o de unir um grupo tão diverso. Ele ajuntou discípulos que
eram temperamentais e se ofendiam facilmente. Eles frequentemente olhavam uns para outros como
competidores. Jesus ensinou continuamente a importância da unidade e amor uns pelos outros.[101]

O nosso modelo atual de discipulado geralmente coloca todos os discípulos


juntos em uma sala de aula, e o contato entre eles é quase sempre intermediado
pelo professor. Há pouca ou nenhuma interação, a não ser no curto período
das aulas e nas conversas de corredores. Com raras exceções, é tudo muito
impessoal.[102] Ou então, discipulamos pessoas por meio de visitas esporádicas,
porém não fazendo questão que elas se encontrem em algum momento.
Entretanto, seguindo o exemplo de Jesus,
Devemos não apenas
devemos não apenas acolher os discípulos
em um ambiente comum, mas conectá-los acolher os discípulos em
uns aos outros de forma vivencial. Jesus um ambiente comum,
sabia que o sucesso do seu mas conectá-los uns aos
empreendimento discipular dependeria do outros de forma
aperfeiçoamento de seus discípulos em vivencial.
meio aos relacionamentos. A nal, eles
tinham de aprender a praticar o novo mandamento de Cristo (“Amai-vos uns
aos outros, assim como eu vos amei”, Jo 15.12), o qual se desdobraria em dezenas
de outros mandamentos recíprocos. Por isso, quando Jesus chamava um novo
discípulo, ele era apresentado aos demais e adicionado ao grupo.
Pensando em Igreja Multiplicadora, estou convencido de que a formação de
Pequenos Grupos Multiplicadores mais bíblica e saudável, à luz da Grande
Comissão e do discipulado modelado por Jesus, acontece quando um discípulo
começa a desenvolver relacionamentos discipuladores e, depois, reúne os seus
discípulos em um grupo a m de ensinar-lhes a conviver e a praticar os
mandamentos recíprocos do Novo Testamento. Repare que essas são
justamente as três dimensões do discipulado – chamar, acolher e aperfeiçoar
discípulos –, colocadas em ação no Pequeno Grupo Multiplicador. Foi algo
muito próximo disso que Jesus fez o tempo todo. Ele trabalhou os seus
relacionamentos discipuladores dentro de um grupo de discípulos, os quais
foram treinados para se tornarem líderes capazes de cuidar de outros discípulos.
Não é demais dizer, o pequeno grupo de Jesus foi multiplicador.

MICROGRUPO DE DISCÍPULOS

Jesus tinha doze discípulos, que receberam todo o cuidado e acolhimento do


relacionamento discipulador, mas percebemos nos Evangelhos que Ele investiu
de maneira especial em três deles: Pedro, Tiago e João. Marcos 5.37[103]
registra que, quando Jesus se dirigiu à casa do chefe da sinagoga, Jairo, a m de
ressuscitar a sua lha, Ele “não permitiu que o acompanhassem, com exceção de
Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago”. Em Marcos 9.2[104] vemos que “Jesus
tomou Pedro, Tiago e João e levou-os em particular a um alto monte; e foi
trans gurado diante deles.” Por alguma razão, Jesus quis que somente aqueles
três discípulos tivessem acesso a essas duas maravilhosas experiências. Depois,
já na noite em que foi preso, Jesus buscou o ombro amigo dos mesmos três.
Em Mateus 26.37 encontramos que: “E levando consigo Pedro e os dois lhos de
Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se”. Isso nos mostra que Jesus não
apenas tinha discípulos mais próximos do que os outros, como também
decidiu compartilhar determinados momentos apenas com eles.
Alguns se referem a isso como um “microgrupo”. Eu não tenho di culdade
com essa nomenclatura, desde que ela não seja usada somente como pretexto
para a criação de mais um programa durante a semana. Aliás, a nossa tendência
é pensar discipulado (um a um, em pequenos grupos ou em microgrupos)
sempre em termos de um programa ou uma agenda semanal. Mas não é disso
que estou falando. O conceito de microgrupo serve apenas para nos lembrar de
que alguns dos nossos discípulos podem receber mais investimento do que
outros. O relacionamento discipulador de Jesus foi um a um tanto no grupo
dos doze quanto dos três. E em nenhum dos casos ele foi um programa, mas
uma vivência diária e efetiva.
Quando formamos um pequeno grupo de discípulos, será natural
escolhermos alguns com quem vamos nutrir uma amizade mais profunda em
comparação aos outros. Em termos de um Pequeno Grupo Multiplicador, isso
será praticamente uma necessidade. Primeiro, porque o líder nem sempre
conseguirá manter um relacionamento discipulador com todos os integrantes
do grupo. Em certo sentido, ele estará discipulando, “pastoreando” todos.
Porém, a realidade é que o Pequeno Grupo Multiplicador normalmente será
composto pelos discípulos do líder e os discípulos de seus liderados, uma vez
que todos serão estimulados a fazer discípulos, praticando a evangelização
discipuladora e trazendo visitantes. Um segundo fator para a instituição de um
“microgrupo” de discípulos é que o líder do PGM, de uma forma ou de outra,
terá que investir os seus esforços no relacionamento discipulador de seus líderes
em treinamento. Ele pode ter outros discípulos, mas estes, em especial, não
podem car longe de seus cuidados.
Tem-se discutido quantos discípulos alguém é capaz de ter em nossos dias.
Alguns dizem um, outros cinco, outro dez. O fato é que, quanto mais
discípulos, mais diluída será a atenção dispensada pelo discipulador a cada um
deles, o que pode comprometer a qualidade dos relacionamentos
discipuladores. Querendo ou não, o líder do PGM terá de selecionar alguns
para discipular mais efetivamente, um a um. Se os relacionamentos
discipuladores começarem antes e fora do PGM – o que geralmente acontece
–, a escolha será mais fácil e natural: cada membro, incluindo o líder, já terá os
seus próprios discípulos, pessoas com quem estão desenvolvendo a
evangelização discipuladora e convidando para os encontros. Nada impede,
porém, que uma nova pessoa seja apresentada a outro discípulo a m de que
ele inicie com ela um relacionamento discipulador.

Colocando em Prática
1. Pensando em discipulado um a um, reserve um tempo em oração para
que Deus lhe mostre quem serão os líderes com quem você deve iniciar
um relacionamento discipulador visando à multiplicação.
2. Como você interpretou os princípios de discipulado sugeridos por
Robert Coleman: seleção e concentração? Quais as vantagens e
desvantagens de sua aplicação em termos de cumprimento da Grande
Comissão?
3. Considere o seu tempo disponível atualmente. Quantas pessoas você
teria condições de cuidar efetivamente?... de telefonar regularmente?...
de dedicar pelo menos uma hora por semana a um encontro de
solicitação de contas? Estabeleça um número máximo viável de
discípulos e ore para que Deus lhe mostre quem serão eles. Não tenha
pressa em preencher as vagas.

[86] Mt 4.23-25; 8.1,18; 14.14; 19.2; 20.29; Mc 2.15; 3.7; 4.1; 5.21,24; 8.1; 10.46; Lc 7.11; 8.4; 9.37;
14.25; 19.38, 23.27; Jo 6.2,5.
[87] Como em João 6.2: “E uma grande multidão o seguia, porque vira os sinais que ele operava nos doentes”.
[88] Cf. Lc 5.27ss.
[89] A exceção ca por conta do já citado ex-endemoninhado gadareno, em Marcos 5.18 e 19 (cf. Lc
8.38,39): “Quando Jesus entrou no barco, o homem que fora endemoninhado pediu-lhe que lhe permitisse
acompanhá-lo. Jesus, porém, não lhe deu permissão, mas disse: Vai para casa, para a tua família, e anuncia-
lhes quanto o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti” (grifos nossos).
[90] Multiplicando discípulos, p. 70.
[91] Discipleship, p. 52 (tradução livre do autor).
[92] Discipleship, p. 54 (tradução livre do autor).
[93] Discipleship, p. 60 (tradução livre do autor).
[94] Em Mateus 13.10 e 11, a Bíblia relata que “aproximando-se dele (de Jesus), os discípulos lhe
perguntaram: Por que falas às multidões por meio de parábolas? Jesus lhes respondeu: Porque a vós é dado
conhecer os mistérios do reino do céu, mas não a eles”. Os discípulos tinham o privilégio de receber ensino
particular e profundo, como também demonstra Marcos 4.34: “E não lhes ensinava sem usar parábolas,
mas explicava tudo a seus discípulos em particular”. Aliás, o convívio doméstico com os discípulos permitia
a tirada de dúvidas reservadamente, como em Marcos 7.17: “Depois, quando deixou a multidão e entrou
em casa, os discípulos lhe perguntaram acerca da parábola”; e 10.10: “Em casa, os discípulos perguntaram a
Jesus de novo sobre isso”.
[95] Cf Lc 9.22-24.
[96] Tais palavras de Jesus levaram alguns a de nir como discípulo somente aquele que cruci ca o seu
“eu” para fazer a vontade do seu Senhor acima de tudo. De fato, renúncia e morte para si mesmo são
aspectos importantíssimos da caminhada de todo verdadeiro discípulo de Jesus. Porém, parece que de nir
o discípulo com base nesses requisitos coloca apenas o discípulo maduro na condição de discípulo. Disso
resulta um conceito de discípulo mais exigente do que o seu sentido original, segundo o contexto
histórico. O amadurecimento do discípulo é gradual, mas ele já deve ser considerado um discípulo desde
o início de sua caminhada discipular. Já trabalhamos a de nição de discípulo no Capítulo 5.
[97] Cf. Lc 9.58ss.
[98] Marcos 10.21 e 22 (cf. Mt 19.21,22 e Lc 18.22,23) nos mostra que Jesus convidou o jovem rico
para segui-lo, mas ele simplesmente recusou: “Olhando para ele, Jesus o amou e disse-lhe: Uma coisa te falta;
vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres; e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me. Mas ele, abatido
por essas palavras, retirou-se triste, porque possuía muitos bens”. Nem todo mundo está disposto a pagar o
preço de seguir a Cristo.
[99] João 20.19 informa que os discípulos tinham se ajuntado com medo dos judeus.
[100] Cf. Mc 3:16-19 e Lc 6:13-16.
[101] Discipulado relacional, p. 44-45.
[102] O livro Escola Bíblica Discipuladora, de Marcos Paulo Ferreira, lançado por Missões Nacionais,
apresenta uma metodologia de ensino interessante que visa estimular uma maior interatividade entre os
alunos, solucionando essa questão. O autor defende que a educação na igreja deve objetivar a
transformação de membros em discípulos e líderes multiplicadores e que, para isso, a Escola Bíblica deve
atuar de forma integrada com os relacionamentos discipuladores e os Pequenos Grupos Multiplicadores.
[103] Cf. Lc 8.51.
[104] Cf. Mt 17.1, Lc 9.28.
12

O Objetivo do Relacionamento
Discipulador

DISCIPULADO MODERNO: PREPARA PARA O BATISMO

DISCIPULADO DE JESUS: PREPARA A VIDA PARA A


MULTIPLICAÇÃO

Nos capítulos anteriores, nós já vimos que o convite para o


relacionamento discipulador de Jesus baseou-se na expectativa de
formar novos “pescadores de homens”. A proposta era a transformação:
“eu vos farei” (Mt 4.19). Ninguém que quisesse continuar sendo o
mesmo se envolveria no discipulado de Jesus. Em contrapartida, a nossa
experiência atual de discipulado, com algumas exceções, tem sido
apenas voltada à preparação de um candidato para o batismo. Veremos
neste capítulo qual foi a nalidade do relacionamento discipulador
modelado por Jesus.

O Relacionamento Discipulador de Jesus Liberou


os Discípulos para a Vida e para a Multiplicação
Em diversos trechos dos evangelhos nós encontramos Jesus avisando os seus
discípulos de que Ele não caria entre eles para sempre, que tempos difíceis
estariam por vir e que deveriam vigiar para não serem enganados durante a sua
ausência.[105] Isso dizia respeito não apenas à missão, mas à própria vida, como
um todo. Nós vimos também no Capítulo 9 que o ensino de Jesus sempre
visava que os seus discípulos estivessem prontos para enfrentar o mundo por si
mesmos: “Eu vos tenho dito essas coisas para que tenhais paz em mim. No mundo
tereis tribulações; mas não vos desanimeis! Eu venci o mundo” (Jo 16.33).
O discipulado exempli cado por Jesus preparou os discípulos para a sua
ausência, não para a sua presença. Como discipuladores, nós temos que
trabalhar e orar em todo o tempo a m de que não nos tornemos
imprescindíveis. Para isso, a nossa personalidade não deve ser o fator motivador
e agregador dos discípulos, mas sim o amor e a vida de Cristo neles. A marca
de um verdadeiro discipulado é a fruti cação, e ela só vai acontecer se
ensinarmos cada discípulo a encontrar em Cristo a sua própria fonte de
vitalidade espiritual. Cristo, e não nós, é a videira verdadeira. Vamos relembrar
essa linda ilustração em João 15.1-8:
Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que está em mim e não dá fruto, ele o
corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos pela palavra
que vos tenho falado. Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por
si mesmo, se não permanecer na videira; assim também vós, se não permanecerdes em mim. Eu sou a
videira; vós sois os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim
nada podeis fazer. Quem não permanece em mim é jogado fora e seca, à semelhança do ramo. Esses
ramos são recolhidos, jogados no fogo e queimados. Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras
permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e vos será concedido. Meu Pai é glori cado nisto: em que
deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos.

O discípulo genuíno de Cristo permanece nele, e esta é razão da fruti cação.


Os ramos, que somos nós (e isso coloca discipuladores e discípulos na mesma
condição), não podem produzir nada de si mesmos, mas por meio da seiva que
os alimenta, que é a presença do próprio Cristo neles. Se não formos ramos
vivos e ligados a Ele, não poderemos fruti car. E, se já o somos, a fruti cação
deverá ser cada vez mais natural. Como ensinam Andrew Murray e Bo Stevens,
“A única razão da existência de um ramo, a única evidência de ser um verdadeiro
ramo da Videira celestial, a única condição para que o divino Agricultor nos
permita participar da vida da Videira, é darmos fruto”.[106]
No m de seu ministério, pouco antes de sua ascensão aos céus, quando o
seu relacionamento discipulador com os seus discípulos estava chegando ao
m, Lucas 24.50 menciona que “então (Jesus) os levou até Betânia e, levantando
as mãos, os abençoou. E aconteceu que, enquanto os abençoava, afastou-se deles; e
foi elevado ao céu”. Eu comparo esse “abençoar” a uma cerimônia de formatura,
onde os formandos, após receberem o seu diploma, recebem também o
encorajamento para conquistarem o seu lugar no mundo. No m, “depois de o
adorar, eles (os discípulos) voltaram com grande alegria para Jerusalém”. Os
discípulos estavam nalmente liberados para a multiplicação. Que festa!
Em um Pequeno Grupo Multiplicador, a maior satisfação de um líder que
imita Jesus deve ser liberar um líder em treinamento para conduzir o seu
próprio grupo de discípulos, liderando outro PGM. Um bom líder evita
qualquer tipo de dependência emocional ou afetiva que impeça a
multiplicação. Um discipulador de sucesso não é aquele que acumula
discípulos, mas o que libera discípulos para a multiplicação. Uma vez eles
estejam prontos para essa tarefa, devemos, como Jesus fez, “abençoá-los” para
que vão e se multipliquem.

Treinamento na Prática
Para que os nossos discípulos estejam prontos no m da caminhada
discipular, é necessário que pratiquemos com eles um modelo de treinamento
como o de Jesus. Diversos livros preciosos já foram publicados sobre esse tema.
Não tenho a pretensão de competir com eles, pois isso seria até mesmo
desnecessário. Mas vamos ver aqui apenas alguns versículos que nos mostram a
metodologia de treinamento discipular daquele que foi o Mestre dos mestres e
que nos permitem extrair algumas aplicações.
Em primeiro lugar, nós podemos ver que, quando Jesus servia a multidão, os
discípulos participavam disso de alguma forma. Uma maneira de envolver os
discípulos era deixar que eles, que estavam mais próximos da multidão,
trouxessem notícias até Jesus.[107] Em Marcos 6.35 e 36[108], os discípulos,
“como já era tarde, (...) aproximaram- se dele e disseram: O lugar é deserto, e já é
muito tarde. Manda-os embora, para que possam ir aos campos e povoados em
redor e comprem algo para comer”. Os discípulos quiseram ajudar evitando um
constrangimento para o seu Mestre caso a multidão começasse a pedir pão!
Mas Jesus lhes ordenou: “Quantos pães tendes? Ide ver. Tendo-se informado, eles
responderam: Cinco pães e dois peixes” (Lc 6.38). Jesus con ou aos seus
discípulos a busca de informações.
Mas não apenas isso. Quando Jesus
Um discipulador de
multiplicou os pães e peixes, quem serviu
aquelas pessoas? Os discípulos. Jesus foi sucesso não é aquele
intencional em incluir os seus discípulos no que acumula discípulos,
serviço à multidão. Eles foram os seus mas o que libera
braços para servir ao povo.[109] Nessa discípulos para
mesma ocasião do milagre da a multiplicação.
multiplicação. Quando eles lhe
apresentaram o problema, Jesus os desa ou a agir: “Eles não precisam ir embora;
vós mesmos dai-lhes de comer” (Mt 14.15[110]). João 6.6 revela que “Ele, porém,
disse isso para colocá-lo à prova, pois sabia bem o que estava para fazer”. Os
discípulos viram um dilema e queriam uma solução de Jesus. Jesus ensinou que
os discípulos deveriam se ocupar das respostas e não apenas de levar os
problemas até Ele. De igual modo, devemos ensinar os nossos discípulos a
colocarem os seus dons e talentos em prática em favor das pessoas,
capacitando-os e encorajando-os ao ministério (Ef 4.11,12).
Parece que os discípulos quiseram colocar esse ensino em prática em Mateus
17.14 a 21, quando tentaram em vão expulsar demônios de um jovem a
pedido de seu pai. Já nos referimos a essa história no Capítulo 5. Na ausência
de Jesus, os discípulos se anteciparam, talvez para não ocuparem o Mestre ou
até para demonstrarem que já estavam prontos para aquilo. Mas a tentativa dos
discípulos falhou. Eles não conseguiram expulsar aqueles demônios e depois
quiseram saber por quê. Jesus libertou aquele menino – que era o bem maior
em questão – e, então, explicou aos seus discípulos a razão de seu fracasso e os
instruiu para que conseguissem ter sucesso da próxima vez:
Ele lhes disse: Por causa da vossa pequena fé; pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé do tamanho
de um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para lá, e ele passará; e nada vos será
impossível. Mas essa espécie de demônios não sai a não ser com oração e jejum. (Mt 17.20,21)

Jesus não aproveitou a situação para centralizar todas as soluções, dizendo


que só Ele seria capaz de realizar aquilo e que os discípulos teriam cometido
um erro ao tentar resolver o problema por conta própria. Pelo contrário: Jesus
lamentou o fato de sua intervenção ter sido necessária: “Ó geração incrédula e
perversa! Até quando estarei convosco?” (v. 17). Ele não queria que os seus
discípulos cassem dependentes dele para sempre. Jesus estava sempre
exempli cando e ensinando com o objetivo de treinar os seus discípulos para a
sua ausência.
Como discipuladores, nós temos sempre que dar aos nossos discípulos a
oportunidade de participarem do nosso ministério e, não apenas isso, de
descobrirem qual é o seu próprio ministério. O perfeccionismo exagerado é um
dos grandes inimigos do relacionamento discipulador, pois nos impede de
delegar tarefas aos nossos discípulos pelo receio da perda de qualidade. O
discipulador perfeccionista demais comete um grave erro estratégico, pois
estará apenas adiando o que tanto teme para um dia depois da sua morte,
quando a tarefa tiver que ser feita sem ele. E nem sempre essa queda de
qualidade será real. Muitas vezes nos surpreendemos com discípulos que fazem
algo muito melhor do que nós. Deixar que os discípulos cometam erros será a
única forma de corrigir os seus erros. Quando eles errarem, devemos mostrar
em que falharam e instruir para que tenham sucesso da próxima vez. Protegê-
los demais pode impedir o seu crescimento.
Mateus 9.35 diz que “percorria Jesus todas as cidades e aldeias, ensinando nas
sinagogas deles, e pregando o evangelho do reino, e curando todas as enfermidades e
moléstias entre o povo”. Lucas 8.1 acrescenta um detalhe no m: “Jesus começou a
andar de cidade em cidade, e de povoado em povoado, pregando e anunciando o
evangelho do reino de Deus; e os Doze o acompanhavam”. Mais tarde, Jesus
comissionou os seus discípulos a fazerem o mesmo. Eles o tinham visto fazer.
Agora era a vez deles:
Reunindo os Doze, Jesus lhes deu poder e autoridade sobre todos os demônios e poder para curar
doenças; e os enviou a pregar o reino de Deus e a realizar curas, (...) Então os discípulos saíram e
percorreram os povoados, anunciando o evangelho e curando por toda parte (Lc 9.1,2,6[111]).
Jesus enviou os seus discípulos e lhes deu poder para curar. Mas, como o
processo de formação ainda não estava completo, os discípulos deveriam
colocar em prática somente o que Jesus havia modelado até aquele ponto. A
mensagem a ser proferida deveria ser a mesma. Isso ensina que o discipulador
não pode exigir de seus discípulos nada além do que tem exempli cado. E
mesmo tendo mostrado como fazer, Jesus ainda deixou mais instruções com os
discípulos, como vemos em Lucas 9.3-5[112]. Ele realmente estava muito
preocupado em que os seus discípulos se saíssem bem:
Não leveis nada para a viagem; nem bordão, nem bolsa de viagem, nem pão, nem dinheiro; nem leveis
duas túnicas. Em qualquer casa em que entrardes, nela cai até partirdes do lugar. Mas, onde quer que
não vos receberem, ao sair da cidade, sacudi o pó dos pés, em testemunho contra eles.

Jesus treinou os seus discípulos o tempo O discipulador não


todo, levando-os a praticar o que estavam pode exigir de seus
aprendendo. Até mesmo quando
demonstrou poder diante de seus
discípulos nada além do
discípulos, o fez para ensinar que o mesmo que tem exempli cado.
era possível a eles. Quando, em Mateus
21.18 a 22, Jesus secou a gueira estéril, Ele declarou: “Em verdade vos digo
que, se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis o que foi feito à gueira, mas até
se disserdes a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, isso será feito” (v. 21). Jesus
até mesmo disse: “Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que crê em mim
também fará as obras que eu faço, e as fará maiores, pois estou indo para o Pai” (Jo
14.12). O modelo de treinamento de Jesus era participativo e baseado na
demonstração. Quando Jesus saiu de cena, os discípulos já estavam preparados
para realizar o que Ele realizava, e até mais.

Até Onde Vai o Relacionamento Discipulador?


Como vimos, o relacionamento discipulador modelado por Jesus preparou os
discípulos para os desa os da vida e para a multiplicação. Contudo, sabemos
que, em matéria de santi cação, o discipulado cristão vai prosseguir por toda a
vida, “até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho
de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo”
(Ef 4.13). Em outra passagem, Paulo também declarou:
A ele (Jesus) anunciamos, aconselhando e ensinando todo homem com toda a sabedoria, para que
apresentemos todo homem perfeito em Cristo. Para isso eu trabalho, lutando de acordo com a sua
e cácia, que atua poderosamente em mim (Cl 1.28,29).

Como vemos, o apóstolo se esforçou, segundo o poder do Espírito Santo que


atuava por meio dele, para levar os seus discípulos à perfeição em Cristo.
Porém, percebemos claramente que o relacionamento discipulador, na forma
com que Jesus o desenvolveu aqui na Terra, teve um início e um m. O início
foi o convite para a transformação de discípulos em “pescadores de homens”
(Mt 4.19). O m foi a liberação desses discípulos para fazer novos discípulos.
Jesus não esperou até que os discípulos estivessem perfeitos para se despedir,
mas que eles estivessem prontos para a multiplicação.
Mas nós estaríamos enganados se pensássemos que essa foi a linha de chegada
de nitiva do relacionamento discipulador de Jesus com os seus discípulos.
Após a sua assunção aos céus, Jesus não saiu de cena completamente. Ele sabia
que ainda havia uma longa estrada pela frente para que os discípulos chegassem
ao ponto que Ele planejou ao morrer no lugar deles. O apóstolo Paulo a rmou
que “Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, a m de santi cá-la,
tendo-a puri cado com o lavar da água, pela palavra, para apresentá-la a si mesmo
como igreja gloriosa, sem mancha, nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas
santa e irrepreensível” (Ef 5.25-27). Jesus morreu para santi car os seus
discípulos até o m.
O que concluímos é que a liberação do discípulo para a multiplicação e a sua
santi cação para a perfeição em Cristo são dois pontos bem diferentes da
jornada, mas que estão totalmente ligados. Quando, no m da Grande
Comissão, Jesus prometeu que estaria com os discípulos “todos os dias, até o
nal dos tempos” (Mt 28.20) e quando também, em sua palavra de despedida,
prometeu que daria aos discípulos “outro Consolador, para que [ casse] para
sempre [com eles]” (Jo 14.16), Jesus estava sinalizando que os discípulos, embora
pudessem multiplicar, ainda não tinham alcançado a maturidade espiritual que
Ele desejava. Em razão disso, Jesus providenciaria um substituto, alguém que
estivesse ao lado dos seus discípulos, consolando-os e guiando em toda a
verdade (Jo 16.13). Veja se isso não resume bem o papel de um discipulador! O
Espírito Santo continuaria a obra de discipulado que Jesus começou, a m de
que o aperfeiçoamento dos discípulos, que ainda estava incompleto, não fosse
interrompido. Isso nos traz duas aplicações muito importantes.
A primeira é que o relacionamento discipulador tem limites: ele só consegue
aperfeiçoar os discípulos até certo ponto. Se o Espírito Santo não atuar para
guiar os discípulos na verdade, eles nunca chegarão à maturidade plena, que é o
alvo nal do discipulado cristão. O próprio Jesus, enquanto caminhou com os
seus discípulos durante mais de três anos, só conseguiu conduzi-los até certo
estágio. Depois, foi a vez do Espírito Santo. Não podemos presumir que
teremos condições de, por nós mesmos, levar os nossos discípulos à perfeição.
A segunda aplicação, relacionada a essa primeira, é que o relacionamento
discipulador deve ser feito por nós em parceria com o Espírito Santo. Ainda no
Capítulo 3, vimos que nós somos os agentes de cumprimento da Grande
Comissão, pois ela foi destinada a nós. Porém, é o Consolador que santi cará
os discípulos. Sem oração e busca pelo poder do Espírito no processo de
relacionamento discipulador, todas as nossas iniciativas fatalmente fracassarão.
Para que relacionamento discipulador transmita realmente verdade e vida,
precisamos desesperadamente daqueles que são o “Espírito da verdade” (Jo
15.26 e 16.13) e “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14.6).
O objetivo do relacionamento discipulador vai muito mais além do que
preparar novos crentes para o batismo. Certamente, o batismo é uma etapa
muito importante para todo discípulo de Jesus, tanto que é mencionado na
Grande Comissão. Porém, se dissermos que uma pessoa que está pronta para o
batismo já está “discipulada”, então o nosso conceito de discipulado estará
muito aquém do relacionamento discipulador exempli cado por Jesus. O
relacionamento discipulador não é para gerar apenas membros de igreja, mas
gerar discípulos de Jesus que vencem o mundo e fruti cam para a glória de
Deus.

Colocando em Prática
1. Quais são os perigos de uma liderança centralizadora e perfeccionista
em um relacionamento discipulador que não permita que os discípulos
participem do serviço?
2. Pense agora em seu ministério. Que ações você poderia praticar para
incluir os seus discípulos ainda mais na obra que você está realizando?
3. Em sua opinião, quando se trata de liberar os discípulos para a vida e
para a multiplicação, nós temos sido mais precipitados ou mais
atrasados? Por quê?

[105] Mt 16.21, 24.4, 26.2; Mc 8.31, 9.31; Lc 9.44; Jo 15.20 e 16.1.


[106] Permaneça em Cristo, p. 28.
[107] Vemos, por Lucas 7.17-19, que os discípulos de João Batista tiveram uma função semelhante
quando ele estava preso: “E essa notícia propagou-se por toda a Judeia e por toda a região ao redor. Os
discípulos de João contaram-lhe todas essas coisas. Ele, então, chamando dois deles, enviou-os ao Senhor para
perguntar: Tu és aquele que deveria vir, ou devemos esperar outro?”
[108] Cf. Mt 14.15 e Jo 6.5.
[109] Con ra Mc 6.41, 8.1,6, Lc 9.16, Jo 6.11.
[110] Cf. Mc 6.37 e Lc 9.13.
[111] Cf. Mt 10.6 e Mc 6.7.
[112] Cf. Mt 10.7ss e Mc 6.8ss.
13

Quem Pode Discipular?

DISCIPULADO MODERNO: REALIZADO APENAS POR PASTORES


OU DISCIPULADORES NOMEADOS

DISCIPULADO DE JESUS: REALIZADO POR TODOS OS DISCÍPULOS

Chegamos ao último capítulo. Não será preciso dizer muita coisa, pois o
confronto de paradigmas acima já deve ter feito sentido para você.
Vamos somente trazer uma breve re exão sobre a abrangência da
Grande Comissão e a necessidade de todos os membros de nossas igrejas
se apresentarem como ceifeiros e como podemos trabalhar para ver isso
acontecer.

Todos devem se envolver com a Grande Comissão


Como disse Jesse Johnson, “a Grande Comissão não é apenas mais uma ordem
da Escritura a ser obedecida, mas é a ordem que dá vida a todos os outros
mandamentos dados à igreja”.[113] Infelizmente, ainda parecemos estar longe de
fazer dessa frase uma realidade em nossas igrejas. Uma das principais razões, e
que tem sido abordada neste livro, é que temos muita di culdade em enxergar
a ordem de fazer discípulos sob um ponto de vista relacional, e não apenas
funcional. Quando pensamos em discipular, nossa preocupação geralmente se
volta muito mais para uma tarefa a ser realizada do que para uma pessoa que
precisa ser discipulada.
Queremos resolver a falta de discipulado
Nomear discipuladores
à base de adicionar mais uma programação
ou mais um ministério. Nossas tentativas signi ca, no m das
têm sido coletivas. Já que nossas estratégias contas, apenas criar
de evangelização se voltam para as mais uma categoria
multidões, achamos que o acolhimento clerical.
também pode ser “por atacado”. Ou então,
quando nos damos conta de que o relacionamento discipulador é
essencialmente pessoal, enfrentamos um problema de afunilamento: um
pregador sozinho pode obter vários decididos de uma vez só, mas, no
momento seguinte, precisaremos cuidar de cada um deles de forma dedicada e
pessoal. Por esse sistema (evangelização coletiva seguida de cuidado individual),
a falta de trabalhadores sempre fará a boca do funil parecer apertada demais
para receber tanta gente com qualidade.
Nós precisamos ver o fazer discípulos como o trabalho todo a ser realizado
por todos os discípulos com cada uma dessas pessoas. Porém, em geral, o que
fazemos é evangelizamos por meio de estratégias impessoais e depois tentamos
vincular um discípulo e um discipulador que nunca estiveram juntos. Joel
Comiskey observa bem que “as igrejas têm gastado incontáveis horas tentando
descobrir como harmonizar evangelismo e ‘cuidado’. O problema é que o primeiro
passo tem sido divorciado do segundo”.[114]
O nosso convite para o discipulado não costuma ser feito nas mesmas bases
que o discipulado de Jesus (“Venha após mim”). Ele não começa com o desejo
de um não convertido de seguir e imitar um discipulador. Ele geralmente parte
de um discipulador que se coloca como voluntário para abraçar, orar junto e
aconselhar alguém que ele não conhece, e que supostamente já é um novo
convertido. Tanto o discipulador quanto o decidido são pegos de surpresa
sobre quem será apresentado a quem. Na verdade, não há ali nenhum
discipulado segundo o conceito que temos estudado neste livro.
Provavelmente, a ideia de que o discipulado começa antes mesmo da
conversão agora esteja fazendo mais sentido na sua mente, querido leitor.
Quando nos ensinaram que o discipulado só começa depois da conversão, isso
foi em um contexto em que a evangelização era vista basicamente como um
evento de massa. O que se acreditava, então, era que o ambiente mais propício
para as pessoas se converterem era numa grande campanha evangelística que
reunisse multidões. Essas concentrações alcançaram muitas pessoas com o
evangelho e foram (e podem continuar sendo) uma relevante estratégia de
evangelização. Por meio dela, a pescaria era sempre de rede, nunca de anzol.
De certa forma, a nossa mentalidade continua sendo essa. Em função disso,
não surpreende que o pastor da igreja seja o mais procurado para discipular
pessoas, pois a maioria das “decisões” acontecem durante os seus sermões nos
cultos públicos. É natural que as pessoas queiram ser discipuladas pela pessoa
que as ajudou a compreender o evangelho em primeiro lugar. O problema é
que, se é verdade que a evangelização pode ser tanto pública quanto particular,
o relacionamento discipulador, por sua vez, é sempre particular. Grande parte
dos nossos problemas com a falta do acompanhamento evangelístico se deve à
nossa insistência em tentar encaixar um cuidado individualizado no cano de
saída das estratégias de evangelização voltadas para as multidões. Não há como
dar vazão a isso.
Então, ainda que a evangelização em massa continue válida para a semeadura
abundante do evangelho, a Grande Comissão como um todo apela para que
todos os cristãos se envolvam em uma evangelização discipuladora, pessoal, um
a um. Os sermões evangelísticos, que têm uma utilidade inegável, vão se somar
ao ensino do evangelho que é ministrado pessoalmente pelos discipuladores.
Quando levarmos um discípulo em potencial para ouvir uma pregação,
devemos saber que, conquanto o pregador esteja evangelizando-o (no sentido
de que está comunicando-lhe o evangelho), quem estará fazendo dele um
discípulo somos nós, e não o pregador.
Enquanto os nossos membros de igreja não se converterem em discípulos
multiplicadores, o discipulado continuará nas mãos de pastores e de
discipuladores nomeados; e por uma questão de necessidade, uma vez que
alguém terá que fazer o trabalho. Entretanto, embora seja melhor do que nada,
nomear discipuladores signi ca, no m das contas, apenas criar mais uma
categoria clerical, ou seja, mais uma classe de pessoas designadas para um
ministério especial. Mas na Grande Comissão Jesus já designou todos os seus
discípulos para serem discipuladores. Não dependemos de nenhuma outra
nomeação, tampouco podemos nos esquivar dela.
O problema é como colocar tudo o que estamos estudando em prática. O
livro está terminando e terei que ser direto. Querido leitor, não subestime a
di culdade de ensinar os membros de sua igreja e os seus próprios discípulos a
reproduzirem relacionamentos discipuladores. Essa não é uma meta de curto
prazo. Permite uma sugestão? Apenas comece a fazer discípulos! E esteja
preparado para perseverar. Como aprendi com o estimado amigo e pastor
Gilson Breder, praticar o relacionamento discipulador é hoje como aprender
uma “segunda língua” para a maioria dos membros de nossa igreja. Os que já
nascem em um contexto de cuidado e acolhimento na igreja simplesmente
começam a falar essa linguagem de maneira espontânea.
Em um dos encontros do nosso Pequeno Grupo Multiplicador, o assunto foi
sobre o que é um verdadeiro discípulo de Jesus. A pergunta em pauta era se
existe alguma diferença entre um simples frequentador de igreja e um
discípulo. As respostas dos cristãos há mais tempo foram todas no sentido de
que um frequentador de igreja apenas se assenta durante culto para receber,
para ser servido, enquanto um discípulo cultua a Deus com a sua vida
diariamente e faz outros discípulos. Um dos novos membros do PGM estava
calado demais e, então, foi provocado a responder. Ele disse mais ou menos
assim: “Desculpem, mas não conheço isso do que vocês estão falando. O que
eu conheço é o que acontece em nossos encontros, e aqui eu recebo tratamento
‘VIP’”. Com certeza, ele está sendo inserido em uma outra dimensão de vida
cristã. Para ele, o relacionamento discipulador será uma experiência muito mais
natural do que para os demais. Será a sua “língua materna”. Não desista cedo
demais. O desa o será menor a cada nova geração de discípulos.

Precisa-se de Mais Ceifeiros


Mateus 9.36 a 38 nos mostra o seguinte quadro:
E, vendo as multidões, teve grande compaixão delas, porque andavam cansadas e desgarradas, como
ovelhas que não têm pastor. Então, disse aos seus discípulos: A seara é realmente grande, mas poucos os
ceifeiros. Rogai, pois, ao Senhor da seara, que mande ceifeiros para a sua seara.

A multidão estava sendo ensinada e curada, mas Jesus ainda assim a


comparou a um rebanho sem pastor. Servir o povo (curar e ensinar) era ações
que poderiam ser realizadas coletivamente, mas isso não era su ciente. Deveria
haver apascentamento, pastoreio, cuidado individual. Jesus não é sumo pastor?
Como ele poderia dizer que as ovelhas estavam sem pastor? A resposta é
simples: Jesus se viu humanamente limitado diante da quantidade de pessoas.
Por mais que quisesse, Ele não poderia desenvolver um relacionamento
discipulador com cada uma delas.
A segunda ilustração que Jesus usou para retratar aquele cenário foi a de uma
colheita madura, mas sem trabalhadores su cientes para ceifá-la. Ceifar é
colher, arrebatar, aproveitar, trazer para o cesto. O semeador espalha, o ceifeiro
reúne. Ao ver toda aquela multidão, Jesus não pensou em espalhar mais
sementes. Isso ele conseguia fazer sozinho, de público. O que Jesus sentiu falta
foi de trabalhadores dispostos a acolher pessoas em relacionamentos
discipuladores.
Essas duas metáforas, a do pastor de ovelhas e a do ceifeiro, fazem coro com a
metáfora inicial do discipulado, proferida por Jesus quando convidou os seus
discípulos para serem “pescadores de homens” (Mt 4.19). Agora, o Mestre usa
mais duas ilustrações, para dizer que também são necessários “pastores de
homens” e “ceifeiros de homens”. Se pararmos para pensar, todas essas três
metáforas dizem respeito a trazer uma coisa preciosa de um estado de dispersão
para um tratamento individual. Os peixes no mar estão soltos, não pertencem a
ninguém, são uma coletividade inde nida. Na pescaria, eles são capturados e
guardados em um recipiente. Depois, cada um deles é separado, pesado e
vendido ou consumido. Ovelhas sem pastor cam sem rumo, dispersas e
confusas; mal podem ser consideradas um rebanho. Se uma delas se perder,
ninguém vai notar ou se importar. Quando um pastor faz o seu trabalho, as
ovelhas são contadas e cuidadas uma a uma. Jesus certa vez perguntou: “Qual
de vós, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove
no campo e não vai atrás da que se perdeu, até encontrá-la?” (Lc 15.4). Naquela
cultura, uma única ovelha faria falta para um pastor ainda que ele tivesse outras
tantas. Por último, uma seara madura mas sem ceifeiros nada mais é do que
um monte de plantas seguindo o seu ciclo natural. A menos que sejam
colhidos, os frutos cairão e perecerão. Ninguém cará sabendo quantos eram.
O valor de cada um deles nunca será mensurado. O seu sabor nunca será
experimentado. Mas, quando o ceifeiro aparece, ele recolhe os frutos com as
próprias mãos, atribui-lhes o devido preço e os leva a cumprir a sua função,
que é saciar a fome de alguém.
A multidão à nossa volta precisa que mais discípulos de Jesus se apresentem
para pescarem esses peixes, apascentarem essas ovelhas e abrigarem esses frutos.
Tudo isso é relacionamento discipulador. É disso que Jesus está sentindo falta
ainda hoje entre aqueles que se dizem seus trabalhadores. Uma grande
multiplicação de discípulos hoje em nossas igrejas está à espera de que cada
membro se apresente como um discipulador.

Colocando em Prática
1. Em sua opinião, quais têm sido os fatores que nos levam ao cenário
apresentado neste capítulo?
2. Pensando em sua igreja hoje, quantos membros estão envolvidos com
discipular pessoas do início ao m, desde antes da conversão e até a
multiplicação? Como você acha que pode aumentar esse envolvimento?
Quais têm sido os principais desa os quando se trata de comprometer
os membros de sua igreja com com o discipulado?
3. Traga à sua mente os últimos batizados em sua igreja. Quem foi
responsável pela evangelização e acolhimento dessas pessoas? Como se
deu esse processo? Que ações intencionais esses membros zeram?
Como você pode usar ainda mais esses membros como exemplo para os
demais?

[113] Evangelismo: compartilhando o evangelho com delidade, p. 38.


[114] Discipulado relacional, p. 136.
Conclusão

Não Está Tudo Errado


Por tudo o que vimos até aqui, pode parecer que está tudo errado em nosso
jeito de ser igreja e de compreender e cumprir a Grande Comissão.
Absolutamente não está. Como lho de pastor batista, fui “nascido e criado”
numa igreja batista. Sou testemunha de tantos discípulos genuínos de Jesus que
se importavam com vidas, que investiam em pessoas e ensinavam com
exemplo, palavras e atitudes.
Com toda a segurança, posso dizer que fui – e continuo sendo – discipulado
pelo meu pai e pela minha mãe. Precisaria de outro livro para descrever tudo
aquilo que tenho aprendido com eles sobre o que signi ca ser um discípulo de
Cristo em todas as áreas da minha vida. Se não sou de fato, não é pela falta de
exemplo. Outros parentes também me in uenciaram, como avós, tios, tias,
irmãos e primos. Na igreja, houve pessoas que me marcaram de quem nem
lembro o nome e o rosto. Uma vez, ainda criança, z um solo num domingo
de manhã. Eu não sei que idade tinha, mas com certeza era menos de dez anos.
Quando terminei e voltava para o meu lugar passando pelo corredor, um
homem sentado me parou e, com a mão no meu ombro, cochichou no meu
ouvido algumas palavras parecidas com: “Você cantou muito bem. Continue
fazendo isso para Jesus”. Esse encorajamento eu guardei para a vida toda!
Agora mesmo você deve estar se lembrando de alguém que investiu em sua
vida para que você chegasse a ser o que é hoje. Ou está pensando em alguém a
quem você tem dedicado o seu cuidado e a sua intercessão. Nossas igrejas estão
cheias de pessoas assim, que amam vidas, que encorajam, nutrem, ensinam,
consolam, visitam... que discipulam! O nosso desejo com a visão de Igreja
Multiplicadora é que seja acrescentado só mais um elemento: a
intencionalidade no desenvolvimento de relacionamentos discipuladores.
Muitos discipulam sem saber que estão discipulando. Criar uma cultura de
relacionamentos discipuladores pode não ser uma realidade tão distante assim.
Não temos que recomeçar tudo “do zero”. O conceito pode estar meio
inde nido na mente da maioria dos cristãos, mas o coração de muitos já está
no lugar certo. Com a adição do fator intencionalidade, já sonho com uma
grande multiplicação de discípulos no Brasil e que alcancem o mundo.
Permita-me encerrar com uma oração por você:
“Glorioso Senhor da seara, levanta mais ceifeiros para a colheita. Que
este amado leitor seja mais um a contemplar a imensa necessidade da
seara e a se apresentar como um ceifeiro. Que ele tenha a mesma
compaixão de teu Filho ao ver a multidão que estava a ita e exausta,
como ovelhas sem pastor, e se coloque como um ‘pastor’, para prestar
cuidado às ovelhas que tu lhe mostrares. Que cada um de nós faça
discípulos como Jesus fez, para a glória de Deus. Ajuda-nos a viver a
Grande Comissão como a nossa prioridade e o nosso estilo de vida, de
modo a gerar uma grande reação em cadeia para que os
relacionamentos discipuladores alcancem pessoas até a última nação da
Terra. Em nome de Jesus, amém”.
Referências Bibliográ cas

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