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Olhos de estátua

Era o terceiro dia que a sua respiração oscilava entre passagens curtas e inspirações fortes,
na tentativa de encharcar os pulmões de ar, historicamente, danificados pela asma e,
agora, maltratados por outra doença pulmonar.
Vera Lúcia, minha mãe, dormia desconfortável na sua cama e, volta e meia, uma gota de
suor frio surgia na testa e percorria a bochecha, agora tão magra e sem cor. Brotava nas
palmas de minhas mãos, como antes brilhava na face dela, um nervosismo trêmulo. Foi às
três horas da manhã que, finalmente, adormeci, rezando para que tudo isso acabasse.
Depois de três goles de café quente no dia seguinte ela despertou: os gestos exibiam uma
dor que eu não precisava sentir para saber que existia. Peguei os remédios no armário da
cozinha e contei “um, dois” e, antes de entregar o terceiro, ela vomitou, estava piorando, o
tratamento caseiro não adiantava mais e foi assim que a levei no centro hospitalar, sozinha
e a pé.
As ruas pareciam não ter fim e a cada segundo Vera desfalecia um pouco nos meus ombros.
Na metade do caminho, quase não se aguentando em pé, um homem de bicicleta, jovem e
esguio, parou e indagou se precisávamos de ajuda. Aceitei, é claro. Ele foi o primeiro, o
primeiro a fazer uma pergunta para nós naquele dia.
Chegamos no local de atendimento, ela esboçava um cansaço visível, desprendeu dos
meus braços e sentou-se. Esperei. Esperamos. Duas enfermeiras, uma mais velha e outra
jovem, nos atenderam. Perguntas. Também tinham feito perguntas naquele dia. Nossa dor
parecia ter importância, afinal. Deixei minha mãe sentada e fui buscar os medicamentos
receitados pelo médico. Foi quando o pior começou.
Mamãe estava tão mal que se tornou caso de urgência e, diante do meu desespero, a
enfermeira resolveu me passar na frente da fila. O seguimento de pessoas, antes falantes,
tornou-se mudo. Transformaram-se em estátuas com olhos tão duros como concreto. Os
olhares de julgamento e raiva pesavam em minhas costas e eu só queria ir embora. Se os
olhares machucavam, as palavras, posteriormente, feriam o peito. Tudo era hostil. Quando,
finalmente, os remédios me encontraram, senti um peso. Eu não queria furar a fila.
Infelizmente, querer e necessitar são coisas diferentes.
Querido leitor, no caminho de volta, apenas chorei. Chorei por minha Vera. Chorei pelo que
carregava nas mãos. E chorei pelas três pessoas que nos ajudaram. Então, quando busco
em minha mente o que é empatia, só consigo pensar que é perguntar, é perceber o outro
e, principalmente, algo completamente diferente dos olhos de estátua que encarei.

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