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( ) Enfermagem ( ) Fisioterapia ( ) Odontologia ( X ) Psicologia

Componente Curricular: Trabalho, Saúde e Qualidade de Vida Período/Turno: 6º P / VESP / NOT

Docente: Fabianno Lyra Data: 30/08/2021 (SEGUNDA)

Alunos(as):

Tipo de atividade: Teste / Prova ( ) Problema / Situação de Estudo ( X ) Prova Substitutiva ( )


Outro ( )

A partir de leitura dos casos ABAIXO, destaque as vias de enfrentamento (PSÍQUICA, MOTÓRICA e VISCERAL)
utilizadas pelos trabalhadores na busca da homeostase e preservação da saúde.

01. “Agora... até namorar fica difícil”: uma história de lesões por esforços repetitivos*
“Desde que comecei a trabalhar na digitação em 1982 passei a sentir um incômodo no braço, principalmente no pulso. No começo
dava para aguentar. Eu acreditava que era assim mesmo e a enfermeira da empresa dizia que era impressão minha, coisa da minha cabeça.
Eu pensava: “Dor desgraçada você não vai me deixar acabada”
Na empresa a gente chegava, corria pra pegar a melhor cadeira, o equipamento mais macio, sentava, e se desligava
completamente, uns usavam até fone de ouvido. Na pausa para o lanche o pessoal ficava calado. Com o tempo a gente vai ficando isolado,
mesmo fora do trabalho. Parece que aquele ambiente de trabalho vai contaminando a gente. A gente sai dali e não consegue fazer mais
nada de interessante. Antes eu gostava de ouvir música, de ler, de reunir com os colegas, ir ao cinema... Agora... até namorar fica difícil.
Quando sugiram os primeiros casos, todo mundo pensava que era invenção da gente. Quando fiz a primeira cirurgia em 1986,
senti-me completamente isolada, voltei para empresa ainda com a cicatriz no punho bem evidente e ninguém perguntava nada. Não sei se
é coisa da minha cabeça, mas eu sentia que o pessoal me desprezava, às vezes tinha uma sensação que minha doença era contagiosa.
A dor começava no punho, e nas pontas dos dedos, ia andando pelo braço e atingia até o pescoço, nem o repouso semanal aliviava
mais. Doía direto, formigava, e pior foi o inchaço. A palma da mão doía toda... era visível a diferença. Aí eu comecei a exigir mais da mão
esquerda. Foi o meu azar. A doença atingiu o outro braço também.
Quando piorou tudo, troquei de mão, diminuí a quantidade de toques na máquina, deixei de acreditar nos supervisores que diziam
que o problema estava na minha forma de trabalhar, aí não pude mais adiar a verdade: eu não podia mais trabalhar como digitadora.
Começou então a luta para provar a doença como profissional. Andei de um lado pra outro. Procurei advogado, INPS, Sindicato...
Busquei outras digitadoras que apresentavam o mesmo problema, denunciamos a doença, fomos à imprensa, enviamos carta para o
Sarney, fizemos reunião no INAMPS...
(...) Já me cansei de fazer fisioterapia. Fiquei traumatizada, logo que a empresa emitiu a CAT (Comunicação de Acidente de
Trabalho), o médico do INAMPS me mandou para o fisioterapeuta. Lá todos os pacientes faziam o mesmo tratamento independente da
doença. Tanto fazia ser acidente de trabalho, derrame... Foi horrível. A gente piorava porque fazia exercícios com as mãos pegando e
apertando umas bolinhas de borracha. Diziam que era pra gente relaxar. E aquela água suja da hidromassagem, não gosto nem de
lembrar. Depois de tudo, vieram os remédios para dor, falta de sono, ansiedade...
A tristeza é maior por não poder fazer as coisas em casa, as minhas irmãs dizem que é manha. Eu ainda me esforço, lavo minhas
roupas e já tomo os analgésicos, pois a dor aumenta. Se eu não lavar, ficam sujas porque o dinheiro não sobra para pagar a alguém e as
minhas irmãs acham que eu estou encostando serviço para elas. A LER é uma doença que dói porque dói e dói mais ainda porque tem que
provar que dói.
Eu me sinto aleijada. Depois de tentar por três vezes o retorno ao trabalho e o CRP (Centro de Reabilitação Profissional) não
conseguir me arrumar nenhuma ocupação que não agravasse o meu quadro, fui aposentada em 1990. Aposentada aos 29 anos... por
invalidez...”
• Adaptado de: ROCHA, L. et al. Isto é trabalho de gente? Vida, doença e trabalho no Brasil. São Paulo: Vozes, 1993.
02. “O que eu faço não é para qualquer um”: prazer e sofrimento no trabalho de um auxiliar
de necropsia*

Luiz, 45 anos, ensino médio incompleto, três filhos, trabalha na área técnica da Polícia Civil
exercendo a função de Auxiliar de Necropsia há 12 anos. No passado, trabalhou por 4 anos na
mesma área em outra cidade, mas em uma função diferente, executando apenas a remoção de
corpos. Diz ter escolhido esta profissão porque “naquele tempo achar serviço estava muito difícil, aí
foi o primeiro que achei pela frente”. Atualmente trabalha exumando corpos em sistema de plantão
de 12h com folga de 24h; nos dias em que está cumprindo plantão, se for solicitado, viaja para fazer
remoção de corpos mesmo durante a noite.
Em seu primeiro dia de trabalho deparou-se com as dificuldades do serviço: “Fui pegar o
primeiro corpo. Já tava cheirosinho, pra não dizer o contrário. Tava botando aqueles vermes pela
boca. Aí na hora que fui almoçar, meio-dia, abri a quentinha e era um macarrão. Meu Deus, Senhor
da Glória! Aí pronto, eu fiquei querendo botar pra fora. Os colegas perguntavam: ‘tá com nojo é?’, e
eu: ‘não, eu tô é sem fome’. Passei ainda uns três dias sem almoçar, com nojo. Depois eu pensei:
‘se eu não almoçar vai ser pior, vai dar uma fraqueza aqui dentro, vou passar vergonha, vou desmaiar,
vou morrer, aí eu caí pra dentro, mesmo sentindo aquele mau cheiro assim”.
Luiz reclama do trabalho no turno noturno e da má remuneração: “a remuneração podia ser
melhor, entendeu? Mas tá bom porque eu sempre penso aqui comigo: ruim com ele, pior sem ele”.
Mantém boa relação com os colegas de trabalho e com a chefia, “a gente é como se fosse uma
família, sabe? Quando a coisa pega aqui, conversamos, cantamos, batemos boca também e o barco
vai indo pra frente”.
O auxiliar de necropsia ouve comentários de vários tipos acerca do trabalho que realiza. Há
aqueles que criticam “dizem que a gente não tem coração, pois tá abrindo outro ser humano, mas se
a gente não tá matando, já está morto mesmo, vai fazer o quê? As vezes sobe aquela raiva desse
povo, dá muita vontade de mandar todos tomarem lá na casa do #&%#(8), mas deixo quieto. No
fundo, sei que sou um herói, pois o que eu faço não é pra qualquer um e sem o meu trabalho a família
e a justiça não saberiam nunca a causa da morte do cidadão”.
Apesar da boa relação com os familiares e do valor que dão ao seu serviço, Luíz sofre
discriminação por parte do sogro que o ofende: “Ele chega lá em casa, olha a casa toda, aí tudo que
ele vê ele diz que não foi Deus quem me deu, foi o diabo. Fala que o meu dinheiro não é abençoado
porque foi dado pelo diabo, pois eu esquartejo gente, e quem faz esse serviço mama até numa onça,
mata o pai, mata a mãe, mata a mulher... No Natal passado o véi pirraçou tanto, tanto, que, aqui pra
nós, furei dois pneus do Golzinho dele.”

*Extraído de pesquisa de campo realizada em 2015.2 por graduandos do 8º período/noturno do curso de Psicologia da
FADBA.

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