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PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO EM
PACIENTES ADULTOS COM DEPRESSÃO1
RESUM O
Est e t rabalho apresent a uma reflexão sobre as mudanças at uais em Psicodiagnóst ico, com uma propost a que
inclui a possibilidade de int er venções desde o início do processo. Define o Psicodiagnóst ico Int er vent ivo e
propõe um modelo de at endiment o psicot erapêut ico breve para adult os com depressão. Os t est es proj et ivos
são ut ilizados como mediadores t erapêut icos, além da vert ent e diagnóst ica. Apresent a t ambém as possibilidades
de int er venção a part ir das t écnicas proj et ivas e um caso clínico ilust rat ivo do procediment o propost o.
Palavras-chave: Psicodiagnóst ico int er vent ivo; t écnicas proj et ivas; depressão; adult os; Psicanálise.
ABSTRACT
Key words: Therapeut ic assessment ; proj ect ives t echniques; depression; adult s; Psychoanalysis.
1. Art igo baseado na Tese de do ut o rado da aut o ra int it ulada: “O psicodiagnóst ico int er vent ivo com pacient es deprimidos:
alcances e possibilidades a part ir do emprego de inst rument os proj et ivos como facilit adores do cont at o”.
Endereço para co rrespo ndência: R. Dr. Bacelar, 231 / cj. 46, Vila Clement ino , São Paulo – SP; CEP: 04026-000;
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M ARIA SALETE LOPES LEGNAM E DE PAULO
INTRODUÇÃO
DIAGNÓSTICO DE PERSONALIDADE
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Buscando novas formas de trabalho, há algum tempo têm surgido estudos que
incluem uma forma interventiva de atuação em psicodiagnóstico, na qual o objetivo de diagnosticar
e compreender a problemática do indivíduo torna-se indissociado da ação de intervir. Ancona-
Lopez (1995) destacou o processo de intervenção a partir da reestruturação do atendimento em
clínica-escola e criou as primeiras triagens grupais, seguidas dos grupos de espera em
psicodiagnóstico e de sensibilização a pais e crianças encaminhados para psicoterapia.
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É impo rt ant e salient ar que, na lit erat ura co nsult ada, a grande maio ria do s
trabalhos na área refere-se ao atendimento infantil, são escassos os estudos científicos sobre
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Psicodiagnóstico Inter ventivo com adultos ou que utilizem as técnicas projetivas como
instrumento mediador do trabalho psicoterapêutico com pacientes adultos.
DESCRIÇÃO DA PESQUISA
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O Inventário Beck para Depressão - BDI (Beck Depression Invent or y), traduzido e
valid ad o no Brasil p o r Cunha (2001), fo i ap licad o no início e no final d o p ro ce sso d e
atendimento para avaliar a intensidade da depressão e a natureza dos sintomas depressivos.
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tolere a frustração de não ser entendida, colocando a terapia como mais uma situação de
suas convicções de que não pode ser auxiliado.
1) Entrevista inicial
A e t apa inicial é uma e nt re vist a clínica, co m a finalidade de aco lhime nt o e
int e r ve nção de sde o início , se ne ce ssário . A abo rdage m da e nt re vist a é se mi-dirigida para
co le t a de dado s de ide nt ificação e que ixa principal, e sclare ce ndo o s po nt o s ne ce ssário s
para a co mpre e nsão da pro ble mát ica at ual. No final de sse prime iro e nco nt ro apre se nt a-se
o co nt rat o de t rabalho que co nst it ui um pro ce sso de at e ndime nt o bre ve , de t rê s me se s,
co m fre qüê ncia de uma se ssão se manal de 50 minut o s, marcando uma dat a final para o
t é rmino do pro ce sso .
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3) Sessões terapêuticas
Este atendimento tem como base a teoria e técnica psicanalítica, seguindo o
modelo de “Consulta Terapêutica” de Winnicott (1984), neste caso aplicada a adultos. Nas
sessões iniciais o profissional deve aguardar o material emergente. A partir das associações
do paciente, o psicólogo pode elaborar intervenções integrando os dados obtidos nas técnicas
projetivas com os aspectos centrais relacionados à dinâmica depressiva.
O trabalho de inter venções pode ocorrer desde o início e requer uma atitude
mental do psicólogo para apreensão do material significativo e emergente no encontro
terapêutico. Por meio do raciocínio clínico os dados obtidos nas técnicas projetivas são
utilizados para elaborar as intervenções que dão um significado à vivência subjetiva do
paciente. Ou seja, as reações do paciente, suas respostas, os símbolos significativos e a
análise dos testes servem como ponto de partida para o trabalho interpretativo.
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4) Possibilidades de Intervenção
Todo psicodiagnóstico é um processo interventivo, na medida em que o contexto
da consulta, a atitude do psicólogo, as questões formuladas e os testes psicológicos aplicados
mobilizam sempre alguma reação emocional no paciente. A própria aplicação de um teste
p ro je t ivo é um a variáve l ad icio nad a, q ue int e r fe re na vivê ncia d o p acie nt e , e m suas
expectativas ou temores a respeito do processo de atendimento. Avaliar o momento mais
adequado para introduzir os assinalamentos necessários depende da formação teórica e
experiência clínica do psicólogo.
De a co rd o co m o s re su lt a d o s a p re se n t a d o s n a p e sq u isa (Pa u lo , 2 0 0 4 ),
dependendo do momento em que o profissional verbaliza suas observações ou da finalidade
d e suas int e rp re t açõ e s as p o ssibilid ad e s d e int e r ve nção , co m base no s inst rum e nt o s
projetivos, podem ser:
5) Duração do processo
O processo de psicodiagnóstico inter ventivo deve ser adaptado e apropriado
às necessidades do paciente e às condições da instituição, considerando sempre que um
tempo de elaboração interna é necessário. Como um processo terapêutico abreviado, um
trabalho de aproximadamente três meses ou 12 sessões mostrou-se útil para beneficiar
pacientes depressivos, na pesquisa realizada.
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6) Reavaliação
A reavaliação final é feita pela obser vação clínica, relatos do paciente e
re ap licação d o BDI. A int e gração d e ssas info rm açõ e s o fe re ce m d ad o s q ue ind icam a
possibilidade de encerramento ou a necessidade de encaminhamento do caso.
7) Término do processo
O t rab alho d e e nce rram e nt o é fe it o nas t rê s últ im as se ssõ e s, e m q ue as
intervenções são direcionadas a auxiliar o paciente na elaboração de angústias de separação,
perda e luto, principal etiologia da depressão. Esta etapa inclui interpretações da transferência
e o esclarecimento de possíveis distorções emocionais que ocorrem pela dificuldade de
sustentar-se por si mesmo.
O mat e rial clínico apre se nt ado a se guir re fe re -se ao at e ndime nt o de uma das
p a cie n t e s d a p e sq u isa , co m a lgu n s d a d o s d a e n t re vist a in icia l e q u e ixa p rin cip a l,
significativos para compreensão do trabalho e vinhetas ilustrativas dos tipos de inter venção
e mpre gado s a part ir da análise do s t e st e s pro je t ivo s, que são re co rt e s do at e ndime nt o . O
p ro ce sso re a liz a d o se g u e o m o d e lo p ro p o st o a n t e r io r m e n t e d e Psico d ia g n ó st ico
Int e r ve nt ivo (Paulo , 2004).
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Na avaliação inicial pelo BDI obteve um total de 36 pontos, que indica nível de
depressão grave.
2) Associação espontânea
Na prancha 5 (AG) do TRO, a paciente conta:
“ Dá idéia de pessoas em sofriment o, que o vent o est á levando, um grupo de pessoas que
uma vent ania muit o fort e, ent ão represent a o medo, o sofriment o. Só. (?) Pela curvat ura
delas. Dá impressão daqueles quadros que represent am o fim do mundo. Só.”
2. O no me é fict ício e alguns dado s fo ram alt erado s para preser var a ident ificação . 163
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Esse sentimento interno de estar sem forças e de ser levado pela vida e pelos
acontecimentos é muito comum em pacientes com depressão (Grassano, 1996). O medo e a
angústia de desamparo são trabalhados com ela. Então a partir desse diálogo Maria lembra da
prancha 5, que ela achou triste e ao mesmo tempo muito parecida com seu estado de espírito,
o que favoreceu o trabalho na sessão sobre sua necessidade de acolhimento e cuidados.
“ Uma máquina, porque é uma coisa t ot alment e indust rializada, com bot ões no comando
de out ras e mesmo assim falível.
Uma plant a com espinhos, deve ser bast ant e duro, bast ant e difícil você conviver com
espinhos, se a folha dela bat er nos espinhos imagino que ela deva sofrer.”
P: “ Deve ser muito sofrido conviver com os próprios espinhos… como uma planta com espinhos
que você não gostaria de ser, porque se a folha dela bater nos espinhos ela deve sofrer.”
M : “ Eu t ambém acho que esses t ombos e machucados são de fundo emocional, mas não
sei como. Será que é a mesma coisa de eu não conseguir me cuidar? Não sigo as
recomendações dos médicos, por exemplo, de fazer caminhadas ou emagrecer, enquant o
isso só piora meu problema de coluna” .
3. Na descrição do mat erial clínico ut iliza-se a primeira pesso a para mant er a narrat iva fiel ao diálo go ,
164 no qual P: Pesquisado ra e M: Maria, a pacient e.
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4) Interpretação
Na prancha em branco do TRO a paciente relata:
“ Todas as figuras foram muito sugestivas, que levam a esta última, que é uma pessoa em
sofrimento, que não está se achando, que tem os seus momentos bons e ruins. Sabe o
quadro “ O céu e o inferno” de Tintoretto? Tem pessoas alegres e representa no céu e no
inferno ao mesmo tempo, na alegria e na tormenta. Ao mesmo tempo tem a felicidade e a
infelicidade. Está no Louvre, na mesma sala que a Mona Lisa. Não me emociono fácil, mas
me emocionei com o quadro que tem pessoas felizes e pessoas morrendo. É um quadro
enorme e ele conseguiu unir pessoas morrendo e pessoas felizes, jarros, flores, pessoas juntas
e no outro lado também tem um inferno, porque estão caindo do morro e caem mortas. Ao
entrar nessa sala todo mundo vai direto à Mona Lisa, mas eu me interessei por este, um
quadro muito grande e que me emocionou… ” (fica com lágrimas nos olhos).
“ Não t em o inferno?… Não sei… é o que me lembro… mas, se você est á falando…
Será possível? Por que ent ão eu me lembro de pessoas caindo, morrendo?… ”
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Nesse momento Maria parece interessada em saber sobre seu processo e objetos
internos, P fala então do estado mental depressivo e desanimado que pode, às vezes, distorcer
aquilo que vemos e distorcer principalmente a lembrança e o que permanece na mente
como experiência interna. Com o auxílio de sua própria história no TRO a paciente tem um
insight sobre seus impulsos destrutivos, ponto central na dinâmica do quadro depressivo,
segundo Klein (1981). Então ela diz:
“Além do quadro, eu posso na minha vida est ar vendo coisas muit o ruins aonde elas não
exist em… Será que é uma sensação minha?”
A sessão termina e Maria ficou muito tranqüila de poder abordar temas tão
difíceis para ela.
EVOLUÇÃO CLÍNICA
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CONCLUSÃO
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