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INTERVENÇÕES EM TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL EM

UMA VESTIBULANDA COM SINTOMAS ANSIOSOS: UM RELATO DE


CASO
Fernanda de M. Braz; Marissa Beletti; Mariana F. Donadon
Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto
RESUMO
A Terapia Cognitivo Comportamental é baseada no modelo cognitivo que tem como
princípio básico onde as emoções, os comportamentos e a fisiologia das pessoas são
influenciadas pela maneira como pensam e interpretam sobre os acontecimentos. A
entrada do jovem em um curso superior nem sempre traz estabilidade emocional, como
desejado, pois ainda podem apresentar dúvidas, preocupações e ansiedade. Neste
sentindo, o presente estudo tem como objetivo analisar um relato de caso de uma
estudante de vestibular com sintomas ansiosos, atendida sob o enfoque cognitivo
comportamental, bem como avaliar as técnicas e os resultados das intervenções
realizadas. Os atendimentos foram realizados por duas estagiárias do 10º semestre do
curso de Psicologia, no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) do Centro Universitário
Estácio de Ribeirão Preto. Os resultados apontam que é possível obter grandes ganhos em
nove sessões de psicoterapia individual na abordagem cognitivo comportamental,
associada a aplicação de diversas técnicas. Evidencia-se que a TCC é uma abordagem
eficaz e auxilia na diminuição dos sintomas ansiosos, habilidades para resolução de
problemas e mudanças nos comportamentos desadaptativos. Como limites do presente
artigo, entende-se que por se tratar de apenas um relato de caso, é possível que os mesmos
resultados não sejam obtidos em outros contextos. Além disso, ressalta-se a importância
de analisar cada caso, compreendendo a individualidade de cada paciente, considerando
sua subjetividade e buscar mais estudos que validam essa prática.

Palavras-chave: Ansiedade, Vestibular, Técnicas, Terapia Cognitivo Comportamental.

ABSTRACT
Cognitive Behavior Therapy is based on the cognitive model that has as its basic principle
where people's emotions, behaviors and physiology are influenced by the way they think
and interpret about events. The entry of young people into higher education does not
always bring emotional stability, as desired, as they can still present doubts, concerns and
anxiety. In this sense, the present study aims to analyze a case report of a college entrance
exam student with anxious symptoms, assisted under the cognitive-behavioral approach,
as well as evaluating the techniques and results of the interventions performed. The
consultations were carried out by two interns from the 10th semester of the Psychology
course, at the Applied Psychology Service (SPA) of the Estácio University Center in
Ribeirão Preto. The results show that it is possible to obtain great gains in nine sessions
of individual psychotherapy in the cognitive-behavioral approach, associated with the
application of different techniques. It is evident that CBT is an effective approach and
helps to reduce anxiety symptoms, problem solving skills and changes in maladaptive
behaviors. As limits of this article, it is understood that as it is just a case report, it is
possible that the same results are not obtained in other contexts. In addition, it emphasizes
the importance of analyzing each case, understanding the individuality of each patient,
considering their subjectivity and seeking further studies that validate this practice.

Keywords: Anxiety, Vestibular, Techniques, Cognitive Behavioral Therapy.


1 INTRODUÇÃO
A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) é baseada no modelo cognitivo que
tem como princípio básico onde as emoções, os comportamentos e a fisiologia das
pessoas são influenciadas pela maneira como pensam e interpretam sobre os
acontecimentos. Foi desenvolvida por Aaron T. Beck no final da década de 60 e início
dos anos 70 e desde então tem comprovado sua eficácia em mais de 2000 pesquisas
publicadas (BECK, 2022).
Aaron Beck desenvolveu o método de tratamento que leva o paciente a identificar
e avaliar seus pensamentos, onde contribuem para uma interpretação errônea dos eventos
e consequentemente, gerando uma resposta emocional. Realizando a avaliação dos
pensamentos e crenças, o paciente aprende a pensar de forma mais realista e se comportar
de uma maneira menos desadaptativa. A TCC faz com que o indivíduo perceba a
irracionalidade e a rigidez da forma de pensar e incentiva a modificar suas crenças e
comportamentos disfuncionais (BECK, 2022).
Na prática clínica, a TCC baseia-se em um conjunto de teorias e técnicas bem
desenvolvidas e são utilizadas para formular planos de tratamento e também orientar as
ações do psicólogo. A TCC possui técnicas destinadas a ajudar os pacientes a identificar
e modificar seus pensamentos profundos, principalmente os que estão associados com
sintomas emocionais, tais como a depressão, ansiedade ou a raiva (WRIGHT et al, 2019).
A ansiedade é uma antecipação de ameaça futura e o medo é uma resposta
emocional a ameaça real ou percebida (American Psychiatric Association [APA], 2014).
Como patologia, a ansiedade identifica-se de forma mais intensa e frequente, com
sintomas que causam repercussões negativas ao indivíduo, gerando sofrimento e prejuízo.
Alguns dos transtornos que podemos destacar é o Transtorno de Ansiedade Social (TAS)
e Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), onde o indivíduo pode apresentar
dificuldades no convívio social e também no desempenho acadêmico (LEÃO et al, 2018).
Em uma revisão sistemática da literatura realizada por Reyes e Fermann (2017)
evidenciou-se a eficácia da Terapia Cognitivo Comportamental no tratamento do
Transtorno de Ansiedade Generalizada, reduzindo não apenas os sintomas ansiosos, mas
também os sintomas depressivos, na melhora de ingestão inadequada de medicamentos,
no funcionamento ocupacional do paciente (inclusive no pós-tratamento) e a melhora na
qualidade de vida.
No início da vida acadêmica ocorre um breve período de transição, mas também
um período distinto da adolescência e do adulto. Mudanças importantes como
fisiológicas, cognitivas e sociais, ocorrem ao mesmo tempo em que o jovem necessita
exercer decisões. A entrada do jovem em um curso superior nem sempre traz estabilidade
emocional, como desejado, pois ainda podem apresentar dúvidas, preocupações e
ansiedade (BRONDANI et al., 2019).
Um dos pilares importantes na Terapia Cognitivo Comportamental é a
reestruturação cognitiva, que pretende modificar os processamentos de informações
disfuncionais do paciente, e o outro é o treinamento da habilidade de resolução de
problemas. A reestruturação cognitiva promove um alívio de humor e alterações
comportamentais relevantes para o paciente. O psicoterapeuta visa identificar e
questionar em diversos momentos da terapia, os três níveis de cognições: pensamentos
disfuncionais, crenças intermediárias e crenças centrais. Na resolução de problemas, o
terapeuta tem como objetivo ajudar o paciente a treinar suas habilidades para solucionar
dificuldades do cotidiano e identificar novas capacidades (BECK, 2022).
A falta de assertividade pode trazer prejuízos na vida do paciente, como por
exemplo a dificuldade de comunicação, expor opiniões, tomar decisões claras, resolução
de problemas, ansiedade e aumento do stress. Desenvolver a assertividade no paciente é
uma intervenção utilizada na terapia cognitivo comportamental devido aos seus
benefícios, pois possibilita o indivíduo a ter estratégias mais funcionais, que consiga
flexibilizar suas crenças disfuncionais e melhorar a qualidade das suas relações (SOUSA;
NICHOLLETII; DONADON, 2021).
O Mindfulness é uma estratégia integrada ao tratamento na terapia cognitivo
comportamental, que auxilia o indivíduo a manter a atenção na experiência imediata e a
desenvolver uma relação diferente com seus pensamentos, permitindo que eles venham e
vão por conta própria. O objetivo desta técnica não é eliminar os pensamentos e sim
observá-los e aceitá-los sem julgamento, aprender a focar no momento presente (BECK,
2022).
As pessoas que sofrem e lutam contra a ansiedade têm praticado a técnica de
mindfulness por anos. Os pacientes são incentivados a reservar um tempo e realizar a
técnica de maneira regular e treinar um novo exercício por pelo menos uma semana, pois
requer uma certa prática para que seja mantido e que consigam evoluir continuamente
suas habilidades. Os autores analisaram diversos estudos na abordagem da terapia
cognitivo comportamental dos pacientes que sofrem com ansiedade e encontraram
relações da redução dos sintomas associados a prática do mindfulness. (GEMER;
SIEGEL; FULTON 2016).
O presente trabalho tem como objetivo analisar um estudo de caso de uma
estudante de vestibular com sintomas ansiosos, atendida sob o enfoque da Terapia
Cognitivo Comportamental, bem como avaliar as técnicas e os resultados das
intervenções realizadas.

2 METODOLOGIA
O presente artigo traz um delineamento qualitativo de um estudo de caso de uma
paciente de 22 anos atendida no Serviço de Psicologia Aplica (SPA) no Centro
Universitário Estácio de Ribeirão Preto. Os atendimentos foram realizados uma vez por
semana no semestre letivo, por duas estagiárias do 10º semestre do curso de Psicologia,
sob orientação e enfoque cognitivo comportamental, totalizando nove sessões. De acordo
com as questões éticas, apresenta-se um nome fictício para a paciente.
Os atendimentos da psicoterapia são realizados em até doze sessões e o paciente
tem a possibilidade de optar pelo retorno ou não. Inicialmente realizou-se o acolhimento
da demanda, com uma escuta ativa e acolhedora, colhemos informações sobre a demanda
do paciente e um breve relato sobre sua vida.
Durante os atendimentos foram utilizadas algumas técnicas para promover a
reestruturação cognitiva, como a psicoeducação, questionamento socrático, conceituação
cognitiva, registro de pensamentos disfuncionais (RPD), treino de habilidades sociais
(THS), role-plays, mindfulness, cartões de enfrentamento e o treino cognitivo do controle
da raiva.

3 RELATO DE CASO

Isabela, 22 anos, solteira, mora com os pais, filha única e trabalha como auxiliar
de contabilidade. Isabela procurou acompanhamento psicológico por indicação de um
amigo, relata que a 4 anos está prestando vestibular para o curso de medicina, sempre fica
para segunda chamada e sente que não está conseguindo realizar seu sonho de ser médica.
Sua mãe cobra excessivamente para que estude e consiga passar em um vestibular, sempre
que percebe que ela não está estudando faz comentários como: “assim não vai passar
mesmo”, “fulano estudava sem parar e passou”. Isabela sente que está sendo muito
cobrada pela mãe e sempre que não passa no vestibular, relata que está decepcionando-a.
Isabela conta que possui uma boa relação com sua mãe, sempre foram muito
apegadas e não conversa muito com seu pai, relata que frequentemente está bebendo em
bares e passa a maior parte do tempo fora de casa. Seu pai não apoia a ideia de Isabela ir
para uma faculdade, para ele o importante é a filha ter um trabalho e conseguir se manter
sozinha um dia. A mãe sempre apoiou nos estudos e cursar medicina, pois sabia que era
o sonho de sua filha, entretanto ela não apoiaria caso escolhesse outro curso, pois diz que
a filha sempre quis medicina e caso isto acontecesse não iria manter as despesas para
outro curso. Sua mãe trabalha como manicure para guardar dinheiro, a fim de ajudar a
filha quando passar em medicina.
A relação entre seus pais é bastante conflituosa, e Isabela sempre está no meio da
briga, pois ambos reclamão com ela e isso faz com que se sinta mal, mas prefere não
interferir. Sua mãe queria ser advogada e não realizou seu sonho, pois na época seu pai
não achava importante que mulher estudasse, e não deu o dinheiro para que ela pagasse a
matrícula, Isabela diz que pode ser um dos motivos da mãe a cobrar tanto, para realizar
nela o sonho que tinha, mas não conseguiu.
Quando está fazendo as provas, relata que em algumas situações consegue fazer
sem muitas dificuldades, mas que em outras, pensamentos vêm a sua cabeça de que não
vai conseguir e sente que está sendo pressionada para não decepcionar as pessoas mais
uma vez, fazendo com que ela perca a concentração na prova. Isabela tem questionado se
medicina é realmente o curso que deseja, pois está com 22 anos, ainda é vestibulanda e
está decepcionando sua mãe.

3.1 FORMULAÇÃO COGNITIVA DO CASO

Isabela tem uma boa relação com sua mãe e são muito próximas, mas com o seu
pai sempre manteve um distanciamento por ele ser ausente e ingerir bebidas alcóolicas,
ele nunca apoia seus estudos e acredita que ela deveria apenas trabalhar. A mãe sempre
quis fazer faculdade, seu pai impediu que realizasse esse sonho, mas sempre apoiou
Isabela nos estudos e a seguir seu sonho de fazer medicina. Relata uma cobrança
excessiva da mãe em relação aos estudos e constantes pensamentos de que irá decepcioná-
la, pois sempre se preocupou com o futuro de Isabela.
Suas crenças centrais de que não é capaz e não vai conseguir, foram se
fortalecendo cada vez mais, pois a 4 anos tem prestado o vestibular e não conseguiu passar
e sua mãe sempre dizia que não estava se esforçando o suficiente. Quando estava
estudando, Isabela se sentia muito ansiosa e com dificuldade de concentrar e resolver
algum exercício, insistia e acreditava que estava perdendo tempo, como estratégia para
lidar com essas crenças, ela fugia ou se esquivava, evitando os estudos, acreditando não
ser capaz de realizar.
Isabela trabalha e estuda até o final da noite, faz pausas e caminhadas todos os
dias, mas possui poucos momentos de lazer, pois tem pensamentos automáticos de que
“se eu não me esforçar mais, não vou conseguir passar no vestibular”, “não deveria
estar aqui”, se sente frustrada e não consegue aproveitar o momento que tem para
descansar.
O diagrama a seguir ilustra a conceituação cognitiva da paciente Isabela.

Diagrama de Conceituação Cognitiva da paciente Isabela

DADOS RELEVANTES DA INFÂNCIA


Filha única; Cobrança excessiva da mãe; Relação boa com a mãe; Pai muito ausente e
alcóolatra; Mãe sempre quis fazer faculdade e não conseguiu

CRENÇAS CENTRAIS
“Não sou capaz”
“Não vou conseguir”
“Não posso decepcionar as pessoas”

CRENÇAS REGRAS / PRESSUPOSTO


“Se eu não me dedicar muito nos estudos, não passarei no vestibular e irei decepcionar a
minha mãe”

ESTRATÉGIAS COMPENSATÓRIAS
Fuga/esquiva;
Estudar em excesso;

SITUAÇÃO 1 SITUAÇÃO 2 SITUAÇÃO 3


Dificuldade em resolver Quando pensa que vai Cobrança excessiva da
um exercício prestar vestibular por mãe
mais um ano
Pensamento Automático Pensamento Automático Pensamento Automático
Isso é muito difícil! E se mais uma vez não Não quero decepcionar a
passar? E se der errado? minha mãe

Significado do P.A Significado do P.A Significado do P.A


Acredita que não vai Acredita que está Se não passar na
conseguir resolver outros perdendo seu tempo e faculdade e desistir do
exercícios e que está que não irá realizar seu sonho, estará
perdendo tempo sonho decepcionando sua mãe

Emoção Emoção Emoção


Tristeza, Angústia Tristeza Tristeza, Angústia

Comportamento Comportamento Comportamento


Fica cansada e não Perde a concentração nos Tentar estudar por muito
estuda. estudos e desvia atenção tempo e não consegue se
para outras atividades concentrar

4 RESULTADO
Há uma sequência de intervenções comportamentais realizadas no tratamento dos
transtornos de ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno obsessivo
compulsivo. Primeiramente o psicoterapeuta deve avaliar os sintomas e os gatilhos que
geram a ansiedade e quais são as estratégias de enfrentamento existentes, depois definir
os alvos específicos da intervenção que norteará o curso da terapia. Em seguida, a
psicoeducação, para que o paciente aprenda as habilidades básicas de como lidar com os
pensamentos, sentimentos e seus comportamentos (WRIGHT et al, 2019).
Na primeira sessão, Isabela apresentou um intenso sofrimento e choro constante
ao falar sobre sua frustração de não conseguir realizar seu sonho de passar em um
vestibular para cursar medicina, não conseguia concentrar nos estudos e a cobrança
excessiva de sua mãe. Durante o processo terapêutico realizamos o questionamento
socrático e identificamos que um dos principais motivos da falta de concentração nos
estudos, era sobre sua relação com a mãe, pois a mesma estava pagando o cursinho da
sua filha e todas as taxas de vestibulares, e sempre quando via Isabela fazendo alguma
pausa entre os estudos comentava “você não está se esforçando o suficiente”, gerando
pensamentos automáticos, como “não posso decepcionar a minha mãe”, “e se mais uma
vez não passar?”.
O comportamento assertivo produz uma imagem mais positiva de si mesmo e
resulta na expressão dos pensamentos, sentimentos e crenças de maneira mais direta e
apropriada e na afirmação dos próprios direitos, sem que viole o de outras pessoas. Há
vários conceitos sobre a assertividade e o comportamento assertivo, o mais comum é que
o indivíduo tem direitos de afirmações básicas e deve ser praticado durante as interações
sociais, a fim de que seus interesses sejam respeitados (TOMAS; CARVALHO, 2014).
Ao longo da sessão, observou-se dificuldades em estabelecer uma comunicação
assertiva, gerando alguns sintomas de ansiedade e falha na resolução de problemas.
Pontuamos sobre o treino de habilidades sociais para uma comunicação mais assertiva,
para que Isabela consiga expor o que sente e como a cobrança excessiva impactava nos
seus estudos, questionamos se conseguia enxergar o motivo de sua mãe agir de tal forma
e relata que sempre se preocupou com o futuro de sua filha e quando era mais nova tinha
desejo de fazer graduação em direito, mas o avô de Isabela impediu de realizar esse sonho
e acreditava que não queria que acontecesse o mesmo com ela.
O registro de pensamentos é apresentado no início do tratamento para que os
pacientes aprendam sobre os pensamentos automáticos, e o simples fato de ver seus
pensamentos escritos em um papel, facilita para que consiga rever ou corrigir cognições
desadaptativas. O registro de pensamentos disfuncionais (RPD) é um elemento chave na
TCC, pois incentiva os pacientes a reconhecer seus pensamentos automáticos, aplicar
métodos para flexibilizá-los e observar os resultados positivos (WRIGHT et al, 2019).
A paciente foi psicoeducada sobre os conceitos do modelo cognitivo e instruímos
a realizar o registro de pensamentos disfuncionais durante a sessão e fora dela, como
tarefa de casa. Durante o tratamento, foi possível identificar os principais pensamentos
automáticos, crenças disfuncionais e o que reforçavam seus comportamentos. Através da
reestruturação cognitiva a paciente aprendeu a identificar suas próprias cognições
disfuncionais, diminuindo o número de pensamentos automáticos disfuncionais e
flexibilizou regras e crenças centrais, conforme o Quadro 1.
Quadro 1 – Quadro de crenças disfuncionais e/ou flexibilizadas da paciente
Crenças Disfuncionais Crenças flexibilizadas e mais
funcionais
“Não sou capaz” “Tenho capacidade, mesmo que eu não
consiga passar no vestibular agora. Sou
capaz”
“Não vou conseguir” “Sou capaz, vou tentar, tenho chance de
passar, depende de mim”
“Não posso decepcionar as pessoas” “Tenho que focar no que é bom pra mim.
Se eu quiser uma mudança, tem que vir
de mim”

Uma outra estratégia de reestruturação cognitiva dos pensamentos disfuncionais


(desadaptativos) utilizada, foi a busca de evidências e da identificação de vantagens e
desvantagens dos pensamentos, conforme o Quadro 2. A estratégia do exame de
evidências é um método eficaz para auxiliar os pacientes a modificarem seus pensamentos
automáticos. Consiste em organizar uma lista de evidências a favor e contra a validade de
um pensamento automático ou uma crença disfuncional, avaliar essas evidências e
trabalhar na modificação dos pensamentos (WRIGHT et al, 2019).

Quadro 2 – Exemplo de aplicação de uma das técnicas de flexibilização cognitiva


Pensamento: Não quero decepcionar a minha mãe

Evidências a favor: “Hoje vejo que se eu Evidências contra: “Um dia ela disse que
magoar ela, está tudo bem, tenho que tinha investido em mim, que foi algo em
suprir as minhas expectativas e não as vão e ameaçou que só pagaria mais um
delas, faço isso por mim! Estou no meu ano as taxas dos vestibulares, mas mesmo
tempo, se eu quiser dormir, vou dormir e assim esse ano ela me ajudou e sempre me
está tudo bem. Tenho conseguido ajuda. Antes pensava: nossa, será que vou
diferenciar o que é construtivo e o que me ter que passar por isso outra vez?
prejudica. Acredito que se não passar, ela
vai ficar triste, mas sempre vai me apoiar.
Sou muito nova!”
Pensamento alternativo e flexibilizado: “hoje entendo que tenho os meus limites, que
não devo agradar as pessoas, quero dar orgulho para a minha mãe, mas tenho que
fazer isso primeiro por mim!”
Elaboramos uma atividade que consiste em desenhar dois gráficos de pizza em
que a paciente no gráfico 01 coloca de 0 a 100% o quanto ela atribui nas áreas de trabalho,
estudo e autocuidado (lazer, esportes, passeio, etc.). O gráfico 02 corresponde às
mudanças que poderiam ser feitas em sua vida, atribuindo de 0 a 100% como ela gostaria
que sua rotina fosse estabelecida nestas áreas citadas. Os gráficos a seguir ilustram os
resultados obtidos.

A paciente relata que gostaria de não trabalhar para poder se dedicar mais aos
estudos, mas isso não é possível no momento pois está pagando seu cursinho preparatório
e pretende sair do emprego assim que passar em alguma faculdade. Analisamos seus
momentos de autocuidado e lazer, e Isabela relata que tem feito caminhadas, procura
reservar o domingo para descanso, sai com os amigos e dedica um tempo para leitura de
outros assuntos que não seja o estudo, mas que recentemente não consegue ter um tempo
para seu lazer, pois acredita que deveria estar estudando ao invés de descansar.
Na última sessão retomamos o Gráfico 2 com Isabela e construímos o Gráfico 3
para verificar se havia alterações das atribuições. É possível identificar uma mudança
significativa no quanto atribuiu para as horas de lazer e relata: “percebo que o estudo é
essencial, mas entendo que não adianta só estudar, que a preparação mental está no
lazer, deixar os estudos de lado em alguns momentos me faz bem”.
30%
40% Trabalho
Estudo

30%
Lazer

Gráfico 03

A técnica de dramatização, ou mais conhecida como role-play, é muito útil na


aprendizagem, possui vários objetivos, como trazer à tona os pensamentos automáticos
do paciente, desenvolver a prática de habilidades sociais, trabalhar respostas mais
adaptativas e reestruturar crenças (BECK, 2022). Na dramatização, o terapeuta faz o papel
de uma pessoa na vida do paciente, como por exemplo um chefe, namorado ou os pais, e
tenta estimular uma interação para trazer ocasionalmente os pensamentos automáticos
(WRIGHT et al, 2019).
Durante as sessões a paciente relatou um grande estresse e sobrecarga relacionado
ao seu trabalho, principalmente o excesso de trabalho, a falta de reconhecimento e a baixa
remuneração. Realizamos a técnica do role-play, simulamos uma conversa com sua
patroa e como ela poderia ser mais assertiva. A paciente conseguiu o aumento que
almejava e se sentiu mais confiante, reforçando o comportamento para sempre ser
assertiva.
No início das sessões, Isabela tinha dificuldades em ser assertiva, em expressar o
que realmente estava sentindo e isso gerava sentimentos de raiva. Em algumas situações,
como por exemplo, uma briga com a mãe ou o excesso de trabalho, despertava uma raiva
incontrolável. Psicoeducamos sobre a raiva, e que ela tem todo o direito de sentir esse
sentimento e devemos ter precaução em como expressamos. Na sessão aplicamos a
técnica da mochila que tem como objetivo minimizar esse sentimento.
Neste exercício, o paciente deve fechar os olhos, imaginar que está segurando uma
mochila e colocando algumas situações que geraram alguma mágoa ou raiva, sentir o peso
dela, depois descartar em uma lixeira e repetir “acabou, acabou, é do passado”. O
paciente deve respirar profundamente e abrir os olhos em seguida, e sempre que
necessário repetir essa técnica (LIPP; MALAGRIS, 2010).
Enfatizamos a importância do descanso, principalmente o quanto isso influencia
no rendimento dos estudos e na concentração do dia a dia e ressaltamos a importância de
ter momentos de lazer. Propomos a técnica do Mindfulness para auxiliar na redução dos
sintomas de ansiedade, stress e na melhoria da qualidade do sono. Oferecemos algumas
opções de aplicativos parcialmente gratuitos com meditação guiada, para que ela faça na
sua casa.
Pesquisas apontadas por Beck (2022) apontam que o mindfulness pode tornar o
tratamento mais efetivo, principalmente quando o paciente está engajado com
preocupações, pensamentos obsessivos, ruminação de pensamentos, autocrítica contínua
ou evitação de experiências.
O Mindfulness foi essencial no processo terapêutico, pois desenvolveu a
reestruturação cognitiva, a autopercepção, a concentração, engajamento na terapia e a
diminuição do processo de ruminação dos pensamentos automáticos disfuncionais,
possibilitando a redução dos sintomas ansiosos. A paciente se mostrou dedicada desde o
início do processo terapêutico e foi reforçado durante o tratamento. Em nenhum momento
Isabela demonstrou resistência as técnicas e principalmente aos exercícios de
Mindfulness, no final de todas as sessões solicitávamos o feedback.
Nas últimas sessões, estávamos próximas ao início das provas dos vestibulares e
a paciente estava se sentindo aflita e alguns pensamentos automáticos retornaram, mas a
própria paciente tinha consciência e estava controlando a ansiedade. Mostramos a
conceituação cognitiva e conversamos sobre sua evolução nos atendimentos,
normalizamos a ansiedade que estava sentindo, visto que se preparou o ano todo para
aquele momento, demonstrou positividade em relação as provas e dizia saber que estudou
o suficiente e estava preparada.
Os cartões de enfrentamento auxiliam os pacientes a praticarem as principais
intervenções da terapia cognitivo comportamental aprendidos na psicoterapia. Podem
conter instruções que os pacientes gostariam de aplicar a si mesmos para ajudá-los a
enfrentar situações ou questões importantes (WRIGHT et al, 2019).
Decidimos realizar na sessão a construção de cartões de enfrentamento para ler
quando um pensamento automático retornasse ou até mesmo antes de fazer a prova, que
lhe ajudasse a manter a calma e lembrar de suas evoluções. A paciente foi participativa e
propôs 4 das 5 frases, contidas nos cartões, sendo uma das frases proposta pela estagiária.
As frases foram: 1) Amanhã é um novo dia; 2) Vai dar tudo certo, no seu tempo; 3) Você
se preparou; 4) Mantenha a calma, é só uma prova; 5) Eu sou capaz. A paciente relata
que se sentiu muito bem falando as frases, refletiu sobre e utilizou antes de realizar as
provas dos vestibulares.
Nas duas últimas sessões, Isabela havia realizado dois vestibulares, relatou que
havia sentido algumas palpitações, mas conseguiu controlar sua ansiedade, no momento
das provas pensava “ainda bem que estou melhor”, referente aos ganhos conquistados na
psicoterapia. Estava muito feliz e satisfeita com seu desempenho e se sentindo mais
preparada do que os outros anos, conseguiu se concentrar e percebeu que seus erros na
prova eram de matérias que possui mais dificuldade. Antes de começar uma das provas
dos vestibulares, começou a meditar, usando a técnica do mindfulness, fechou os olhos e
prestou atenção nos seus sentidos e conseguiu se acalmar, conseguiu perceber a ansiedade
indo embora. Hoje consegue identificar o que depende dela e o que não depende e que
sabe lidar melhor com cada situação.
Um dos objetivos tradicionais da TCC é facilitar a remissão dos transtornos nos
pacientes e ensinar habilidades que possam usar durante toda a sua vida para reduzir ou
prevenir recaídas. Desde a primeira sessão o psicólogo deve ensinar o paciente que o
objetivo da TCC é que ele possa ser seu próprio terapeuta. Ao ensinar uma técnica ou
habilidade para o paciente, deve-se enfatizar que são ferramentas para toda a vida, ele
deve entender como pode usar as habilidades em outras situações durante e após a terapia.
Um bom item para o plano de ação é escrever todos os ganhos que o paciente adquiriu e
o que aprendeu durante o tratamento (BECK, 2022).
Na 9ª e última sessão avaliamos quais foram os ganhos que Isabela obteve durante
o processo: “hoje consigo deixar a negatividade de lado, alguns pensamentos vêm na
minha cabeça, mas logo vão embora, consigo focar mais no agora. Sei que tudo tem seu
tempo, consigo pensar antes de falar, tenho expressado mais meus sentimentos e consigo
me comunicar de forma mais assertiva”. Trabalhamos a prevenção de recaídas
explicando que problemas fazem parte da vida e que a terapia tem o propósito de tornar
Isabela sua própria terapeuta, para que possa desenvolver recursos e habilidades para
saber lidar com as situações.
Isabela teve diversos ganhos terapêuticos, como a redução dos sintomas de
ansiedade, aumento dos momentos de lazer, autoestima, melhora na concentração dos
estudos e até mesmo na qualidade do sono. Outro ganho importante é na melhoria da
comunicação da paciente com sua mãe e no trabalho. Isabela conseguiu se posicionar
diante dos argumentos da mãe através do treino de assertividade e o treino cognitivo do
controle da raiva, contribuindo na solução de problemas dentro e fora da sessão. A
paciente melhorou a tomada de decisões e teve um aumento na sua autoconfiança e
autonomia.
Ressaltamos a importância de continuar fazendo o registro de pensamentos e
percebendo suas emoções, reforçamos as técnicas utilizadas durante o processo e que suas
mudanças ao longo dos atendimentos são notáveis. Isabela gostou da experiência de fazer
psicoterapia, e que foi muito positiva, percebe a importância de ser sua própria terapeuta,
de saber lidar com as situações e não ser dependente da terapia.

5 CONCLUSÃO
O presente estudo de caso mostrou que foi possível obter grandes ganhos em 9
sessões de psicoterapia individual na abordagem cognitivo comportamental, associada a
aplicação de diversas técnicas. Evidencia-se que a TCC corresponde a uma abordagem
eficaz, pois durante o processo, foram utilizadas o questionamento socrático, a
psicoeducação, registro de pensamentos disfuncionais (RPD), exame de evidências,
mindfulness e o treino cognitivo do controle da raiva, sendo essenciais para identificação
dos pensamentos automáticos disfuncionais, diminuição de sintomas ansiosos,
habilidades para resolução de problemas e mudanças nos comportamentos
desadaptativos.
A Terapia Cognitivo Comportamental tem como objetivo ensinar o paciente a ser
o seu próprio terapeuta e a paciente mostrou-se interessada em mudar seus
comportamentos desde o primeiro atendimento, não demonstrou resistência em nenhuma
das técnicas ou tarefas passadas, facilitando o curso do tratamento. Durante as sessões
conseguiu refletir e perceber suas mudanças, o quanto foram significativas, a importância
da psicoeducação e não ser dependente do terapeuta.
Como limites do presente artigo, entende-se que por se tratar de apenas um relato
de caso, é possível que os mesmos resultados não sejam obtidos em outros contextos.
Além disso, ressalta-se a importância de analisar cada caso, compreendendo a
individualidade de cada paciente, considerando sua subjetividade e buscar mais estudos
que validam essa prática.
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais – DSM 5 (5ª ed.), Porto Alegre: Artmed, 2014.

BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental – teoria e prática. 3ed. Porto Alegre:


Artmed, 2022.

BRONDANI, M. A. et al. Depressão em estudantes universitários: fatores de risco e


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