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Capítulo 19

O impacto do atendimento sobre a pessoa


do terapeuta 2: experiências de vida
Roberto Alves lii/nico
PUC/SP

I lá
algum tempo venho me preocupando com a formação de terapeutas
comportamentais, e especialmente com a formação de terapeutas dentro da graduação
em Psicologia. Tenho presenciado por parte dos alunos vários comportamentos de esquiva
desde das \arefas mais simples como a entrevista Inicial até dos casos de queixas
psiquiátricas. Em geral o aluno que chega para o atendimento tem muito medo de errar,
achando que nada sabe e nada aprendeu para executar sua tarefa.
Em 1993, durante a Reunião Anual de Psicologia de Ribeirão Preto fui convidado
a falar numa mesa redonda intitulada “Bases teóricas aplicadas à prática clinica: as
contingências na sessão terapêutica", na qual apresentei o trabalho “O impacto do
atendimento sobre a pessoa do terapeuta". Nesse texto, eu analisava teoricamente
alguns comportamentos apresentados por terapeutas iniciantes e não iniciantes, e, a
partir de sentimentos possivelmente expressos por eles, buscava encontrar as
contingências que estariam em operação controlando seus comportamentos. Mais à
frente eu analisei a importância das emoções e comportamentos encobertos numa análise
funcional, especialmente na análise feita dentro de uma sessão terapeutica. Finalmente
discuti o papel das emoções do terapeuta.

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Hoje eu gostaria de estar relatando “flashs" de casos que atendi, nos quais os
sentimentos que experimentei foram bastante intensos. Espero com isso atingir alguns
objetivos:
a) preencher o primeiro texto que escrevi com exemplos acontecidos e nâo
hipotéticos: b) analisar possíveis erros e acertos que cometi nos atendimentos descritos;
c) analisar as contingências dos quais meu comportamento foi função nessas ocasiões
e d) mostrar para os terapeutas em formação que é possível falhar várias vezes e ser
convidado a falar em congressos científicos.

1. Ansiedade

Nâo fui diferente de ninguém. O primeiro caso que atendi, na Clínica Psicológica
da PUC-SP causou-me uma enorme ansiedade, semelhante a que vejo hoje meus alunos
de 4o ano apresentarem quando estâo se preparando para seu primeiro atendimento. E
a situação de atendimento em clínicas escola ó relativamente protegida. Mas, ainda que
existisse nessa época a vantagem de podermos escolher o caso que atenderíamos,
ainda que o atendimento estivesse planejado para ser em dupla de terapeutas, ainda eu
que soubesse que minha dupla seria o professor (que por um acaso era o Hélio Guilhardi)
e ainda que eu soubesse que ficaria no atendimento por poucas sessões porque haveria
rodízio de alunos terapeutas para atender o caso, eu me sentia ansioso.
Posso descrever várias contingências presentes que causavam a ansiedade.
Uma delas era a própria queixa “escolhida" para o atendimento: um rapaz de 21 anos
que tinha ejaculação precocel Não tínhamos a menor idéia do que fazer frente a isto.
Outra, era o fato de estar na presença do professor que, embora desse alguma segurança
de que “seguraria a barra" se alguma besteira fosse feita, era alguém que eu admirava e
queria a admiração recíproca. Se ele fizesse qualquer interferência que fosse em sentido
diverso da minha seria fatall Uma terceira era o fato de que atrás do espelho estariam
outros doze colegas observando o atendimento e avaliando meu desempenho. Para
completar, numa aula teórico-prática que havíamos tido para fundamentar o futuro
atendimento, eu havia sido terapeuta num role-playing no qual, por duas vezes, havia
expressado meu juízo de valor para a cliente fictícia, o que era inadmissível.
Frente a este quadro, eu só poderia ter ficado inseguro e ansioso, como todos
nós já ficamos nessa situação. Mas, aprendi a enfrentar os problemas. O professor
indicou-nos literatura específica para o atendimento do problema trazido pelo cliente;
antes do atendimento combinou comigo uma série de intervenções que eu poderia fazer
independentemente do que o cliente trouxesse como conteúdo, e que eu deixasse para
ele aquilo que eu julgasse náo dar conta; durante o atendimento foi extremamente gentil,
incentivando-me a participar da entrevista; e o espelho? Ah, o espelho sumiu, quando
sentei na frente do cliente e a fascinação e a curiosidade sobre um problema "real"
tomaram conta de mim. A vontade também de aprender como atender também contribuiu
para que o espelho fosse esquecido.
Nos atendimentos subsequentes, que saudades dessa situação protegida!

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Pensam vocês que a ansiedade acabou? Não, caros ouvintes, até hoje, a primeira sessão
de qualquer cliente ainda causa uma ponta de ansiedade. Não tenho mais as pastas da
triagem contando qual é a queixa que está chegando. Não posso mais me dar ao luxo de
escolher o caso que atenderei, pois o cliente chega e precisa de atendimento (e eu
preciso trabalhar).
É claro que essa ansiedade em geral passa depois de uns poucos minutos depois
do atendimento ter começado, e eu já ter algumas informações com as quais possa
trabalhar. Mas até esse momento, ela fica como minha única companheira dentro da
sala de atendimento.

2. Medo

Vocês já pensaram em sentir medo durante uma sessão terapêutica? Eu já


senti... E já senti vários tipos de medos. Talvez o mais freqüente seja o medo de perder
o cliente. Às vezes, quando não consigo entrevistar ou obter dados relevantes sobre o
problema do cliente penso que não estou conseguindo trabalhar direito e fico me
perguntando o que deveria fazer para conseguir o que preciso. E junto, vem um pouco
de medo de que o cliente julgue que meu trabalho não seja relevante na solução de seu
problema e desista da terapia. Certa vez estava atendendo um garoto de 17 anos que
expressou que se incomodava com minha maneira de olhá-lo. Só para que vocês saibam,
eu costumo atender meus clientes sentado frente a frente com eles sem que nenhuma
barreira física (tal como uma mesa seria) se interponha entre nós. Bem, esse garoto
expressou várias vezes que meus olhos pareciam dois holofotes focalizados sobre ele,
e de fato eu permaneço a maior parte do tempo encarando todos os meus clientes.
Quando ele expressou o meu comportamento e o efeito que este tinha sobre ele eu
comecei a sentir medo. Medo de não saber fazer de um jeito diferente. Tentei não olhar
o tempo todo diretamente para ele, tentei olhar para os lados dele mais freqüentemente
do que eu faço habitualmente, mas a tentativa foi em vão. Depois da terceira sessão ele
desistiu do meu atendimento. Talvez ele próprio não quisesse passar por um processo
terapeutico, mas essa explicação não me satisfaz. Ainda cobro de mim mesmo a
incapacidade de não poder ter feito o trabalho com esse garoto. E tenho medo de que
isso volte a acontecer.
Senti também medo de perder o cliente nas vezes em que percebi que extrapolei
o meu papel de terapeuta e respondi pessoalmente a algum aspecto comentado por ele.
Na maior parte das vezes em que isto aconteceu o cliente havia me provocado raiva.
Deixarei para comentar esses casos quando for falar desse sentimento.
E uma única vez senti medo físico do cliente. Haviam sido noticiados na época
alguns episódios agressivos envolvendo psicólogos e seus clientes. Em um deles, a
terapeuta havia sido morta por seu cliente na casa-clínica em que atendia e o outro era
o de uma psicóloga que trabalhava na penitenciária e que havia sido tomada como
refém dos presos. Para mostrarem que não estavam brincando, depois de algum tempo
em que as negociações entre amotinados e polícia não estavam andando, os presos
cortaram a língua da psicóloga. Bem, nessa época eu também atendia numa clínica

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instalada numa casa situada no final de uma rua da Lapa, que ia ficando deserta a partir do
cair da tarde. Por contingências que nâo vêm ao caso agora, eu atendia meus clientes à
noite e sozinho na clínica. Nessa casa eu atendia um adolescente de 15 anos cuja queixa
vinha pela mâe, pela escola e pela empresa onde ele trabalhava. Queixavam-se todos eles
de que o garoto apresentava comportamentos pré-delinquentes. Eis que certo dia de
inverno rigoroso meu cliente chega na clínica como sempre às 19:00 hs para seu
atendimento, envolvido numa grossa jaqueta. Percebi que a rua estava completamente
deserta quando fui abrir a porta para que ele entrasse. Subimos para a sala de atendimento
depois que eu havia trancado a porta de entrada da clínica. Estávamos apenas nós dois lá
dentro. Começamos a sessão com ele falando de amenidades, quando ele resolve me
dizer que havia feito com suas próprias mâos um presente para sua mâe e queria me
mostrar. Satisfeito, demonstrei o maior interesse até que ele retirou de dentro de sua
jaqueta uma lâmina de mais ou menos meio metro de comprimento por 10 cm de largura,
afiada por ele próprio. Seu objetivo era dar para sua mâe um facâo que ela precisava para
cozinhar para fora. Nesse momento, além de imaginar para quem eu encomendaria minha
alma, tentei demonstrar a maior calma possível e pedi para ver o tal facâo. Ele o entregou
na minha mâo para que eu examinasse e consegui ter o sangue-frio de sugerir a ele que
embrulhássemos o presente em um papel grosso que as crianças da clínica usavam para
fazer desenhos. O sangue estava frio mas as pernas tremiam de verdade. Só devolvi o
presente depois que ele estava devidamente embrulhado.
A partir desse momento discuti com ele possíveis riscos de andar na rua com tal
espécie de "presente". Desde riscos severos como ele próprio ser assaltado, ser “pego"
por policiais com uma arma (já que ele fazia parte de uma população “visada” pela
polícia) ou mesmo ferir-se numa possível queda ou numa inocente curva que o ônibus
que ele tomava pudesse fazer. Depois disto discutido e devidamente discriminadas a
adequabilidade da intenção e a inadequabilidade do presente, encerramos a sessão e
fomos embora. Ele com seu facão/presente feliz. Eu inteiro, de perna bamba, aliviado.
Os efeitos dessa sessão sobre nossas vidas: na dele, aumentou a freqüência do
comportamento de agradar à mãe com gestos desse tipo; na minha, aumentar mais a
segurança especialmente para atender esse tipo de caso.

3. Raiva

Lembro-me especialmente de três situações nas quais senti raiva de clientes

meus e a expressei durante a sessão terapêutica. Em nenhuma das três, por sorte, nâo
perdi os clientes. No entanto não os aconselho a imitarem meu comportamento, pois
julgo-o completamente inadequado em pelo menos dois dos casos. O terceiro, vim a
saber que era adequado a posteriorí. Acho que não vale a pena arriscar. Meus alunos
presentes me perdoem, pois já devem ter-me ouvido contá-los.
Bem , o primeiro caso, é o de um garoto de 12 anos que veio à terapia “forçado"
por seus pais. O motivo era mau rendimento escolar que ele apresentava, segundo
interpretação de sua mãe porque soubera que era adotado.

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Mais ou menos na 4a. sessão, eu o estava atendendo e tentando descobrir, através
de seus cadernos, qual era o seu repertório de estudo e de entrada para que eu pudesse
planejar um procedimento que visasse sua melhora. Lá pelo meio da sessão ele resolveu
que ia repetir tudo aquilo que eu falava. Se eu lançava-lhe uma pergunta, ele a repetia para
mim de forma jocosa. Quando do alto do meu conhecimento resolvi expressar assertivamente
que eu não estava gostando daquilo, ele continuou me imitando de forma jocosa, fazendo
caretas. Espanto meul o comportamento assertivo nâo funcionou nesse caso como eu
sempre fora levado a creditar. Repeti o mesmo comportamento mais enfaticamente,
dizendo que eu nâo estava gostando mesmo de que ele me imitasse. Era como se eu só
tivesse aumentado um pouquinho o custo da resposta: ele voltou a me imitar mesmo.
Neste ponto eu já estava com muita raiva daquele fede-lho que gozava com a
minha cara. Por um acaso, vi meu rosto refletido no vidro da porta atrás dele.
Pedi para que ele olhasse para trás. Dado o inusitado do pedido ele virou-se e
deu-se o seguinte episódio.
EU - Vocô está se vendo ali naquele vidro?
ELE - Estou
EU - Faça uma careta dessas que vocô fez. Ele fez.
EU - Faça outra. Ele fez.
EU - Faça mais uma.(e aqui eu pensava em sociação, habituação ou qualquer
outro termo que justificasse meu comportamento que tinha apenas a raiva e o fato dele
não se comportar como eu estava acostumado que clientes se comportassem, explicando
o meu procedimento). Ele meio titubeante fez.
EU - Uma mais
ELE - Vocô pensa que eu sou bobo?
EU - Penso. Vá embora, nâo quero mais falar com vocô.
ELE - Minha sessão ainda não acabou.
EU - Acabou, porque eu nâo quero mais falar com vocô.
ELE - Minha mãe está te pagando, vocô tem que me atender.
EU - Não vou cobrar esta sessão e quero que vocô vá embora agora I
Ele levantou-se vagarosamente, pegou seu material e saiu. Eu fiquei durante
alguns minutos pensando na besteira que eu havia feito e fui procurar supervisão.
Depois disso eu tinha certeza que ele nâo voltaria mais. Errei na previsão: ele
voltou na outra semana manso. E continuou a terapia por alguns bons anos, numa relação
ótima comigo. No entanto sua volta não reforçou meu comportamento agressivo durante
as sessões dos meus clientes. Sentia uma vergonha profunda pelo meu descontrole. E
tratei de encontrar formas de controlá-lo. Na supervisão a discussão foi por um caminho
que enfatizava o fato de eu tomar o comportamento dele como pessoal, quando na
verdade era o que ele sabia fazer para esquivar de situações chatas como aquela em

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que eu “espertamente" o coloquei. Mudei a estratégia na sessão subsequente ao episódio
discutindo diretamente com ele o meu descontrole, pedindo-lhe desculpas por ter agido
daquela maneira. Pela primeira vez na vida ele estava sendo tratado com respeito. E
ele passou a gostar das sessões terapêuticas.
O segundo episódio de raiva deu-se meses depois. Eu atendia um menino de
15 anos levemente atrasado em seu desenvolvimento na mesma clínica que já descrevi,
através de convênio com a L.B.A.. São clientes desse convênio pessoas muito carentes,
que às vezes não têm sequer dinheiro para virem às sessões. Por força de reuniões de
equipe com os pais dos clientes atendidos eu conhecia a mãe desse garoto: uma mulher
viúva, manicure, que passava o dia inteiro trabalhando a domicílio para poder criar esse
filho e um outro mais velho, com 18 anos na época. Por outra série de circunstâncias
que não vêm ao caso agora, eu havia deixado de atender o irmão mais novo e essa mãe
me procura e pede-me para que eu atenda seu filho mais velho por uma questão
vocacional. Como ele não tinha direito ao convênio com a L.B.A. ela me propôs que
pagaria (eu sabia que com algum nâo pouco sacrifício) a terapia para esse filho. Topei
e comecei a atende-lo.
Depois de uns três meses de sessão ele me conta que sua mãe estava lhe
pagando um curso de manequim e modelo no SENAC, o qual ele estava gostando muito
pois além de estar tendo a chance de ter uma profissão ele estava fazendo muitos amigos
lá. Demonstrei que estava contente por ele, perguntei alguns detalhes do tipo “quantas
vezes por semana você tem aulas", etc. e a sessão acabou.
Na semana seguinte ele começa a sessão contando que havia passado
muita vergonha quando foi visitar, em uma loja, um amigo que ele havia conhecido no
curso de manequim. Esse amigo que, segundo ele, era nitidamente homossexual
trabalhava como vitrinista nessa loja. A vergonha deu-se quando, fazendo a visita ao
amigo, ele vê que sua mãe, que estava trabalhando nas mãos da dona da loja, olhava
para ele.
Até aí, vocês estão provavelmente pensando como eu no primeiro momento,
que ele sentia vergonha perante a mãe por ter um amigo homossexual. Ledo enganol
Ele teve vergonha perante o amigo porque sua mãe era manicure!
Era d'aquela mãe que o mantinha sem trabalhar, pagando-lhe curso para que
ele tivesse uma profissão que ele gostasse, que pagava-lhe a terapia, que cuidava sozinha
do irmão comprometido, etc. que ele tinha vergonha.
Tudo isto passou rapidamente pela minha cabeça e passei a agredí-lo
verbalmente, chamando-o de mal-agradecido a fútil. Terminei a sessão e (obviamente)
procurei supervisão.
Na supervisão, pude perceber pela 1* vez que os valores que eu tenho não
eram iguais aos dele (e de muitos outros clientes). Também nesse caso eu havia
respondido de uma maneira inadequada, expressando um sentimento que nâo era de
interesse do cliente. Imaginei também que ele nâo voltaria na sessão seguinte. Ele voltou.
Pude então discutir com ele alguns aspectos da sessão anterior a respeito da reação
que o comportamento dele havia provocado em mim e ele reconheceu que este era um
outro problema que ele achava que apresentava: despertar raiva nas pessoas (Santo
Kõhlenberg!!!).

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Ficou comigo mais alguns anos em terapia.
O terceiro caso que gostaria de contar-lhes é o de um outro rapaz com 18 anos
que havia tido um ataque de pânico durante o exame vestibular para entrar na Faculdade
de Direito da USP (Sâo Francisco). Apesar do ataque de pânico ele havia passado no
exame e já estava iniciando o curso. Antes de dar detalhes sobre sua vida ele quis
discutir o preço das sessões, pois dependendo disso ele não poderia levar a terapia à
frente.
Disse-lhe o preço que eu cobrava e ele disse-me poder pagar apenas o
equivalente a Vi do preço. Pensando e respondendo ao sofrimento que ele havia
apresentado no episódio de pânico e respondendo a outros aspectos de minha própria
história de vida semelhantes aos dele (família pobre, curslnho com bolsa de estudos
pelos próprios mérito) que me faziam empatizar com ele, aceitei o valor.
Imediatamente ele começou a relatar sobre a vergonha à qual seu pai, aquele
incompetente falido o expunha. Já que nâo era capaz de sustentá-lo direito, já que era
(o pai) pobre, sua opinião era de que o pai deveria matar-se. Imediatamente senti raiva,
por várias razões: uma delas é que eu, na época, ainda acreditava que devia-se honrar
pai e mâe sob qualquer situação. Uma outra era a de que ele havia acabado de “regatear"
comigo o preço da st" 10 e estava desprezando os pobres - categoria na qual eu já
havia me encaixado uma vez na vida. Mas, ao invés de expressar a raiva diretamente
como poderia ter feito se não houvesse atendido o filho da manicure, mudei de tática:
resolvi perguntar mais acerca de seus problemas com o pai. O problema principal era o
de que seu pai, por não ser rico, impedia-lhe o crescimento intelectual e a boa-vida que
ele julgava que merecia. E que pobres como o pai deveriam ser varridos da face da
Terra. Começou nesse ponto a fazer comentários sobre a minha sala - pobre - e me
perguntando se eu gostava de trabalhar num lugar feio, como aquele, de forma a
argumentar que ninguém gostava de pobre.
A raiva seguiu aumentando e achei que seria a ocasião de expressá-la de maneira
adequada e atenuada. Disse a ele que iria atendê-lo como um desafio, pois ele me
parecia uma pessoa dificil de se manter uma relação social. Ele respondeu-me que
pouco lhe importava o que ele me parecia e que minha obrigação era atendê-lo, já que
ele me pagava para isso. Nesse momento, ao me surpreender com sua resposta, e
certamente com a história passada de supervisão sobre os outros casos nos quais eu
havia tido o mesmo sentimento que estava sentido naquele instante, fiz-me a seguinte
afirmação: é impossível que esta agressividade dele tenha algo a ver com o meu
comportamento em si. Ele deve estar respondendo a alguns outros aspectos de sua
história passada e, ao afirmar-lhe que ele era um desafio, uma pessoa dificil, devo ter
sinalizado uma rejeição à qual ele já estava acostumado a responder desse jeito. Afirmei-
lhe que havia combinado que o atenderia e assim eu faria. O sentimento de raiva atenuou-
se bastante nessa sessão. Voltou a aumentar e a diminuir várias vezes nos atendimentos
desse cliente, mas pouquíssimas vezes - se alguma, acredito eu - essa raiva foi expressa.
Ela serviu, em muitas ocasiões, como um estímulo discriminativo para que eu me
perguntasse “O que estaria acontecendo naquele momento?" Algumas vezes a resposta
era “Senti raiva agora porque ele apresentou valores sociais/morais/éticos diferentes
dos meus". Outras vezes porque ele questionava minha capacidade profissional. Outras
ainda, porque ele continuava apresentando os comportamentos que o impediriam de

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desenvolver no sentido de sua melhora. Qualquer que fosse a razão pela qual eu sentisse
raiva ou outro sentimento muito forte, ele servia para que eu fosse atrás da contingência
em questão, tanto da sessão terapêutica quanto da vida do cliente. Isto melhorou muito
meu desempenho profissional.
Bem, já tive muitos outros sentimentos a respeito destes e de outros clientes em
algumas ocasiões. Pena, inveja, admiração, empatia, tédio, etc.
Agora que estou terminando, dei-me conta que dentre eles eu escolhi para a
análise somente situações que tiveram ou teriam com resposta o controle aversivo do
comportamento.
Tentando fazer uma auto-análise, acho que fiz isto porque, como muitos
behavioristas, acredito que o mundo(e as relações entre as pessoas) serão melhores se
os episódios comportamentais de derem na base do reforçamento positivo. E isto é
possível.
A grande tarefa que nos resta é, pararalelamente ao levantado proposto pelo Dr.
Kõhlenberg, dos CCRs dos clientes, perguntarmo-nos: e quais seriam os CCRs do
terapeuta?
Acho que, atentar, e reforçar CCRs dos clientes é uma parte importante do
processo terapêutico. Conhecermo-nos, reconhecermo-nos e usarmos nossos
sentimentos como S°s para a nossa prática é uma outra. Espero ter contribuído, ao
expor minhas experiências, em demonstrar o quanto isto foi importante para minha
profissão e, talvez, para a formação de outras pessoas.

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