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VERSÕES DE SENTIDO

Quando entrei no estágio clínico do oitavo semestre, estava super


apreensiva, devido às minhas prévias experiências com estágio na minha faculdade
de origem. “Será que vou dar conta?” - esse era o pensamento que pairava sobre a
minha mente. Me sentia ansiosa e preocupada a respeito dos documentos, sessões
e em terminar o estágio a tempo. Caí quase de paraquedas na supervisão do
professor Wagner, afinal, a supervisão na abordagem que eu julgava preferir não
estava disponível e, a do professor Wagner ocorreria no horário que se encaixava
melhor na minha rotina. Logo na primeira supervisão, o Wagner percebeu a minha
apreensão. Eu falava quase que descontroladamente e mal respirava, “e as datas?
E os documentos? e as sessões?” E ele apenas me respondia “calma, Marcella,
calma”, e de uma maneira quase que telepática, ele passava essa calma para mim.
Meu primeiro relatório foi um desastre. Aquele documento quase 100% grifado de
amarelo (que apontavam coisas a serem melhoradas) me apavorou. Meus colegas
de supervisão, mais experientes do que eu, me alertavam: “não se preocupe, meu
primeiro relatório também foi um desastre, é normal”. A propósito, o que dizer dos
meus colegas de supervisão? A maioria, mais experientes do que eu (por estarem
em semestres avançados e terem realizados mais atendimentos) e, mesmo assim,
me respeitando, me acolhendo e me ajudando. Mas nunca de um lugar “detentor do
saber”, mas do lugar de “nós podemos nos ajudar”.
Na minha primeira sessão, lembro de estar desesperada! Eu suava frio e
meu coração parecia que ia sair pela boca: “como vou lembrar de tudo para
escrever no relatório depois??”. Comentei com o Wagner, na supervisão seguinte,
sobre esse anseio. E o que ele me falou, eu vou levar por toda a minha jornada
profissional: ‘Dentro da sessão, te peço que esqueça de mim, esqueça de relatório e
esqueça de carga horária. Foca na pessoa que você está atendendo, esteja ali por
ela. O que for importante, você irá lembrar depois, e se não lembrar, é porque não
era algo tão importante assim”. Essas palavras, quase como uma “mágica”, me
libertaram e viraram uma chavinha na minha cabeça. Deixei de focar nas
burocracias (documentos, teorias, carga horária) durante os atendimentos e
direcionei o meu foco 110% para a pessoa atendida. A partir desse momento, os
atendimentos deslancharam e o medo inicial que eu estava deu espaço para um
sentimento de: estou no caminho certo.
Lembra do primeiro relatório, que mencionei acima (e que foi um desastre)?
Incrivelmente, quando parei de me preocupar apenas com ele e comecei a me
preocupar com o indivíduo que estava ali diante de mim, os relatórios
deslancharam. Era como se tudo se “encaixasse”. Eu não precisava mais gastar
toda a minha energia me preocupando com as “burocracias”, pois eu sabia, dentro
de mim, que enquanto eu estivesse focada na pessoa que eu estava atendendo, eu
teria um suporte me ajudando com as burocracias, como se dissesse: “estamos
juntos nessa”. E eu não duvidei disso, nem por um minuto sequer. Me senti
acolhida, segura, ouvida e, o mais importante, me senti vista. Vista como sou (ou
era?), uma estudante, totalmente inexperiente - quase como um “feto” em termos de
atendimento clínico - mas muito disposta e interessada. Poder contar com um
supervisor que me auxiliava não por falar “está certo ou está errado”. Mas que me
levava a refletir e pensar a respeito, para que eu desenvolvesse um “raciocínio
clinico”, como se me preparasse para o mundo profissional.
Sobre o meu processo como psicóloga em relação a pessoa que eu atendi
durante esse semestre, fico quase que sem palavras, mas tentarei falar sobre.
Entrei no estágio com uma certeza: nunca atenderia adolescentes. Na minha visão,
adolescentes eram chatos, ‘mimizentos' e donos da razão, que se acham “mini-
adultos”. As pessoas que estavam disponíveis para atendimento eram uma
adolescente ou uma criança. Decidi, quase que de forma impulsiva, escolher
atender a adolescente. Acredito que eu estava buscando confirmar esse meu
preconceito a respeito dessa faixa etária. Ter aquele sentimento de “eu estava certa
adolescentes são chatos mesmo”. Bom, adivinhem? Eu estava errada. Toda aquela
minha ignorância de “nunca vou atender adolescentes” caiu por terra. Hoje, depois
de atender uma adolescente, penso inclusive em me especializar nessa faixa etária.
Me identifiquei, me vinculei ou como chamam na psicanálise, tive uma “contra
transferência”. É engraçado né? Como às vezes a gente tem certeza de algo, sobre
nossos gostos e preferências, e a vida nos surpreende (de uma forma maravilhosa).
Tive a oportunidade de me conhecer mais nesse estágio e descobri algo sobre mim,
que antes era tão oculto: eu gosto de atender adolescentes.
Por diversas vezes, me vi “mexida” por alguns relatos que a adolescente
atendida me trazia, senti raiva, felicidade, tristeza. Quis abraçá-la. Talvez com as
minhas palavras e acolhimento, de certa forma, eu a abracei. E ela também me
abraçou. Me abraçou como a estudante inexperiente que eu sou, mas que estava ali
para acolhê-la. Muitas vezes, sem aplicar técnicas ou teorias, mas disposta. E
acredito que isso a fez confiar em mim.
Com esse supervisor, com esses colegas, com essa pessoa que eu atendi e
com esse local de acolhimento intenso, eu não teria como não evoluir. Não apenas
como profissional, mas como ser humano. Acreditando mais em mim e na minha
capacidade e tendo ainda mais certeza da profissão que escolhi para a minha vida.
Saio desse estágio tendo a certeza de que serei uma ótima profissional, pois vou
levar para a vida algo que aprendi com o meu supervisor: as técnicas e teorias são
importantes, mas nada é mais importante do que aquela pessoa que está ali na sua
frente.
Entrei nesse estágio me sentindo um “feto”. Hoje saio dele me sentindo uma
criança que já aprendeu a dar alguns passos com as próprias pernas. Obrigada aos
meus colegas, que compartilharam tantos conhecimentos e vivências comigo.
Obrigada ao meu supervisor, que tanto acreditou em mim, no meu potencial e que
me deu vários “empurrãozinhos” na direção certa. E acima de tudo, obrigada a mim,
por procurar ser, todos os dias, uma profissional melhor e, acima de tudo: mais
humana.

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Estagiário: Marcella L. Gentile Supervisor: Wagner Honório da
Silva
CRP: 06/133312

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