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terapeuta
exercícios de presença e escuta
Gabriela F. Almeida
Larissa Abrão
GABRIELA FRANCO DE ALMEIDA
LARISSA GUIMARÃES MARTINS ABRÃO
TORNAR-SE TERAPEUTA:
EXERCÍCIOS DE PRESENÇA E ESCUTA
UBERLÂNDIA, MG
2020
SUMÁRIO
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ser um bom terapeuta sem nos sujarmos, sem brincarmos com as experiências, sem
habitar no mundo e usufruir da vida. Ou, como diria o Manoel de Barros, é preciso
desaprender e apalpar as intimidades do mundo.
Este livro, então, surge dessa constatação: é preciso romper com o saber
conteudista e repetitivo e exercitar a sensibilidade da presença. Sensibilidade também é
exercício e a proposta aqui é nos posicionarmos mais atentos e curiosos no mundo e em
conversas através de exercícios (de presença) que oportunizem nosso repensar de práticas
e favoreçam nossa aproximação com o estudo formal e a aplicação da Psicologia. A
pergunta que tomamos como norte para toda a elaboração dos exercícios é: “Como
melhorar presença e escuta?...”
Agradeço formalmente à minha amiga e colega de profissão, Ana Flávia Manfrim,
por ter me apresentado em uma bonita expressão algo que defendo tanto: o exercício de
presença. Ana Flávia, você está no meu hall de terapeutas sensíveis e admiráveis! É um
prazer dividir a mesa e risadas com você!
Convidei a professora Larissa Abrão, doutora em Psicologia e Gestalt-terapeuta,
para me ajudar na elaboração deste E-Book. Ela é uma das pessoas mais sensíveis que
conheço - com quem tive a sorte de me casar - e alguém que me ajuda há bastante tempo
a ser uma pessoa e uma terapeuta melhor.
Um beijo em todo mundo,
_______________
Sobre o nome “exercício de presença”: a primeira vez que vi essa expressão foi em uma publicação da Ana
Flávia Manfrim, amiga citada acima. Ela escreveu espontaneamente, fruto de seu exercício pessoal,
reunindo palavras a partir de coisas que já vinha estudando e pensando. Exercitar a presença é a
possibilidade de nos situarmos em um momento (geralmente o momento presente) e nos entregarmos à
experiência, prestando atenção nos afetos provocados. De forma semelhante, na Esquizoanálise, há o nome
“experiência estética”. Nos escritos do Viktor Frankl, por sua vez, talvez pudéssemos identificar a
expressão “valores de experiência” (ou “valores de vivência”). Por fim, outra expressão de significado
semelhante e que muito me toca, foi criada pelo Paulo Brabo e apresentada na ilustração de um homem
bebendo café, “a disciplina da pausa”. Se você conhecer outras expressões com significados parecidos,
fique à vontade para compartilhar comigo.
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INSTRUÇÕES DE LEITURA
UMA NOTA: Somos muito atentas às questões de gênero que atravessam a linguagem e
pra que esse não seja um texto que vai te cansar com vários malabarismos linguísticos
buscando contemplar os gêneros masculino e feminino na redação (p.ex., terminar as
frases com o/a), vamos considerar o fato de que a psicologia é uma profissão
majoritariamente feminina, que ainda somos um pouco menosprezadas pela gramática e
vamos assumir nossa conversa aqui usando o gênero feminino pra nos dirigirmos a você,
terapeuta. Isso não quer dizer que queremos dialogar apenas com psicólogas! Vocês,
rapazes, são muito bem-vindos, mas se sentirem excluídos no estilo redacional,
aproveitem pra já começar um exercício importantíssimo na clínica: a empatia.
Boa leitura pra todas!
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 01 – COMO O MEU CORPO ACOLHE A
CONVERSA?
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E) Unicamente a partir da sua postura corporal, como o seu paciente saberia que
você o está acolhendo?...
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 02 – É PRECISO LER ADÉLIA PRADO (E
QUINTANA, LEMINSKI, DRUMMOND...)
A poesia está cheia de delicadezas e fala bem fundo das nossas humanidades, por
isso nos ajuda muitíssimo na clínica.
Poesia não precisa ser escrita, nem dita, ela está nas miudezas, nos gestos, nos
olhos. O outro, que recebe a sua poesia, muitas vezes não vai saber nomeá-la assim (nem
é necessário), mas vai reconhecê-la.
E não é só você, a poeta. Também é preciso enxergar a poesia no seu paciente, no
seu interlocutor. Às vezes ela vai estar num abraço mais demorado que seu paciente te dá
e que contém ali, no gesto, muitas lágrimas, muitos “obrigados” e a sensação de ter sido
visto e de estar te dando um presente que não se descreve.
A poesia treina a alma para traduzir o que não cabe no ordinário do verbo. Então,
demore-se nas poesias.
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 03 – AS PALAVRAS E A MELODIA SÃO UM
CONVITE
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D) Qual era a sua expectativa sobre seu interlocutor?...
E) Qual era a expectativa de seu interlocutor sobre você nessa
conversa?...
F) Repassando esse diálogo em sua cabeça, como você escolheu as
palavras para habitar essa conversa?...
G) Se você pudesse trocar algumas palavras, quais palavras você
trocaria?... Existira outra forma de dizer o que você gostaria?...
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 04 – ATENÇÃO ÀS EXPECTATIVAS E ÀS
POSIÇÕES
No exercício 03, especialmente nos itens C), D) e E), quisemos insinuar o óbvio:
as tais das expectativas... E como elas são perigosas, não?...
Num diálogo, a expectativa muitas vezes nos coloca lentes para enxergar o outro
e, a partir dessas lentes, a gente estabelece posições para as pessoas. Explicaremos melhor
esse tal conceito de posição: cada frase carrega em si algo não só sobre mim, mas sobre
como enxergo o outro. Portanto, quando falo, estou estabelecendo lugar para esse outro
existir diante de mim. Aqui, cabe um repeat: nos diálogos, estou constantemente
estabelecendo e negociando lugares para esse outro existir diante de mim. Se falo de um
jeito, posso colocar essa pessoa numa posição mais ou menos confortável, o que vai
provocar uma reação do meu interlocutor.
Para exemplificar e chegarmos diretamente ao ponto, a Gabi tem uma história
importante do consultório.
O paciente Guilherme (nome fictício) conta que a esposa é muito autoritária e em
muitas conversas complicadas, ele acaba explodindo. A expectativa dele que comumente
aparecia em relação à esposa nos diálogos, é a de que ela era controladora, dominadora...
Consequentemente, ela se irritava, também explodia, e a conversa acabava gerando uma
briga e algumas noites mal dormidas. Guilherme a descrevia unicamente como
controladora e ele entrava em muitas conversas se colocando assim, como o sufocado.
Portanto, qual era o espaço que ele oferecia para ela existir nessa conversa?... Ela poderia
ser outra coisa?... A expectativa dele enrijecia tanto a posição dela que parecia não haver
espaço para outro funcionamento. Além disso, ele estava muito focado em uma única
descrição sobre ela: “A minha esposa é controladora”.
Olhando melhor para as necessidades de Guilherme (Quais eram essas
necessidades? Haveria alguma outra forma de cuidar disso?), ele começa a perceber o
quanto se coloca pouco participativo em muitas situações. Nesse sentido, outra descrição
para a esposa acontece: ela precisa acionar muitas vezes o modo cuidadosa, zelosa, super-
protetora (que se confundia para Guilherme com o modo controladora).
O que acontecia nos diálogos entre eles, então: Guilherme já esperava que a esposa
se comportasse sendo controladora, pois era assim que ele a via. Esta era uma
cristalização da posição da mulher, feita por ele, também, não só por ela. Diante desse
controle que ele atribuía à esposa, ele se encolhia, pois já imaginava que ela não lhe
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permitiria participar e, com isso, abria mais espaço para o controle dela. Esse modo de se
enxergarem, com posições rígidas e expectativas pré-definidas de comportamento, criava
um círculo vicioso de insatisfação um com o outro e só reforçava os enrijecimentos.
Então, tendo dito tudo isso, vamos exercitar...
A) Escolha uma conversa conflituosa para repensar aqui, talvez possa
ser a mesma da conversa escolhida no exercício 03... Como a sua expectativa te
coloca lentes para enxergar esse outro?... Que lentes são essas?...
B) Quais necessidades suas te ajudaram a construir essas lentes?...
C) Qual lugar você estabelece para essa pessoa existir?...
D) Como é o conforto desse lugar para você e para ela?...
E) Negocie essa expectativa com você: como você poderia cuidar
melhor dessas suas necessidades mencionadas no item B)?
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 05 – TODA PLANTA TEM COLO
Toda planta tem colo, pode reparar. Olhe atentamente para alguma... O que
aconteceria se numa mágica você se aninhasse ali?... O que aconteceria se numa pausa, a
gente, de fato, só tomasse um café enquanto observa e acolhesse essas miudezas que
insistimos em atropelar?...
O quanto nossas certezas e costumes nos impediriam de experimentar novas
porções da vida?... Quantas sensações potentes poderíamos experimentar se a gente
topasse um dia de sol?... Se a gente se afagasse no movimento e reparasse mais no que há
fora?...
Do jeito que o mundo vem se organizando, o convite é pra produzirmos e
consumirmos mais, muitas vezes sem o filtro do próprio desejo. Por isso é preciso, muitas
vezes ao dia, parar pra perceber se estamos mesmo presentes naquilo que fazemos. Buber
falava da relação Eu-Isso que estabelecemos nos diálogos e o que ele quer dizer com esse
termo é que objetificamos muito das nossas relações cotidianas, transformando o contato
em automatismo útil, sem que o encontro autêntico aconteça.
Além do Buber, Frankl também nos ensinou muito sobre isso e sugerimos que
você veja as videoaulas sobre eles lá no Nosso Gabinete no YouTube.
Um minuto a mais na obviedade e a gente não viu, não viveu.
Sair das obviedades, se desapegar de conceitos, repensar certezas... É isso que o
Manoel de Barros nos propõe em Uma didática da invenção, olha só...
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Depois da ajuda do Manoel, vamos para o nosso exercício...
A) No poema a gente se sente meio embaralhado, não é?... Parece que
não entendemos direito por que o autor nos convida a desaprender; a
desacostumar, a dar outros lugares para as coisas que habitualmente estamos
acostumados demais. O exercício, então é... Qual automatismo você poderia
quebrar?... O que você poderia inserir ou retirar de sua rotina que te ajudaria a
quebrar esse automatismo?...
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 06 – NÃO MATE CONVERSAS, FAÇA BOAS
PERGUNTAS
Que mania a gente tem de encher tudo com as palavras - mas nem sempre com as
melhores palavras, não é mesmo? Podemos trocar muitas afirmações, julgamentos e
conflitos por boas perguntas, mas muito frequentemente estamos interessados em ter
razão e funcionamos de forma maniqueísta: “X é melhor que Y”; “Se eu estou certa, logo,
ela está errada”... Numa tentativa de amenizar as coisas, a gente pode sacar de uma
costumeira pergunta: “Você quer ter razão ou ser feliz?...”
Aqui em casa nós adoramos a frase do Paulo Brabo: “Não quero partir do
pressuposto que um de nós esteja certo e o outro errado, apenas porque discordamos”.
Ela combate qualquer recurso infantil de polarizar. Não é preciso concordar sempre, eis
o clichê salvador dos mundos e das relações. Podemos caber todos... Garçom, mais uma
cadeira, por favor.
Citamos esse exemplo conflituoso e maniqueísta, mas rotineiramente perdemos a
chance de nos encontrarmos com as pessoas e de criarmos mais possibilidades de diálogo
toda vez que matamos uma conversa com afirmações (e certezas).
As perguntas nos ajudam a demonstrar disposição para estar com o outro:
funcionam como tentativa de compartilhar entendimentos e curiosidade. A gente
conversa melhor com as perguntas. Posicionar-me com as perguntas me ajuda e ajuda o
outro a repensar certezas, evitando muitas confusões. Que coisa boa é mudar e ampliar
uma ideia. Assim o mundo muda pra gente e as mesmices tediosas podem ser vencidas.
Guarde uma coisa com você: se você fizer uma afirmação radical, ela pode matar
a conversa. Se você fizer uma pergunta, ela pode abrir muitas possibilidades, gerando um
repensar e uma novidade e na curiosidade a gente quer habitar; costuma ser gostoso.
Uma colocação que a Larissa sempre usa pra que um pensamento possa ser
compartilhado com o paciente, sem que isso se apresente como uma interpretação
autoritária, é algo do tipo: “o que você me fala me leva a pensar que... O que te parece?”.
Mas, cuidado... Sua pergunta demonstra e gera curiosidade ou ela é simplesmente
para você reafirmar certezas, razões e demonstrar o quanto você sabe sobre algo?... No
consultório devemos cuidar para que as intervenções afirmativas não sejam confundidas
com intervenções interrogativas. Veja só... Podemos perguntar para o paciente: “Isso é
bom, não é?...” Se fizermos isso, nos adiantamos oferecendo um sentido, entregando com
a pergunta a resposta desejada, ideal. No fundo, então, essa intervenção não é uma
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intervenção interrogativa, e sim afirmativa. Uma pergunta melhor, para esse exemplo,
seria: “Como é isso para você?...”. Há uma diferença gigante aqui.
Também é necessário que a suspensão das reações rápidas e óbvias seja uma regra.
Uma das situações clínicas vividas pela Larissa pode servir de exemplo: um paciente e
sua esposa estavam tentando ter um filho há algum tempo, sem sucesso. Numa sessão,
logo ao chegar, ele contou: minha esposa está grávida. Talvez, num primeiro ímpeto, a
reação da Larissa pudesse ser de alegria, ou de apresentar as felicitações, especialmente
por se tratar de uma batalha do casal. Mas, a escuta atenta da frase (que reúne, também
elementos do exercício 03, já mencionado), a percepção da baixa energia envolvida no
relato da notícia, levou a uma outra reação da terapeuta, que foi simplesmente a de
perguntar: “e como você está se sentindo?”. Essa pergunta, que não pressupôs a felicidade
do paciente, permitiu que ele falasse de todas as dúvidas e ambiguidades que estava
vivendo com um fato tão aparentemente desejado.
É preciso encontrar perguntas úteis para construirmos as diferenças que desejamos
em determinadas conversas.
Nesse clima, resolvemos propor a tarefa em forma de pergunta: Vamos para o
exercício agora?...
A) Puxe em sua memória e anote uma situação em que você ou alguém
te perguntou algo, mas não houve de fato interesse pela resposta. Como você sabe
que não houve interesse pela resposta?...
B) Agora puxe em sua memória uma conversa em que a pergunta foi
feita e houve interesse pela resposta. Como você sabe que houve interesse pela
resposta?...
C) Na situação A e na situação B houve diferença na forma como a
pergunta foi elaborada?...
D) Quais são as perguntas mais agradáveis para fazer e para ouvir?...
Como essas perguntas são feitas?... Elas geram curiosidade e a conversa se
transforma em mais gostosa ou matam a conversa?...
E) No seu cotidiano, escolha alguém para treinar (essa pessoa pode ou
não ser avisada). Experimente habitar nesse diálogo com curiosidade, sem achar
que entendeu tudo rápido demais. Boas perguntas precisarão ser elaboradas
inevitavelmente.
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 07 – FIQUE COM A GENTE NESTE TEXTO
SOBRE O BUBER
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ele escreveu sobre encontro autêntico tem relação, então, com esse momento de aguardar
o retorno da mãe. A reparação não acontece, há um encontro de certa maneira frio e ele
percebe a artificialidade. Ele esperou demais por esse momento, ensaiou como deveria
ser e as coisas no momento real não fluíram. Por isso Buber aposta que o verdadeiro
encontro só existe na manifestação do autêntico entre elas, ou as pessoas se encontram ou
não se encontram. A noção de encontro tem muita relação com a noção de autenticidade:
duas autenticidades se tocam e podem existir ali.
Tendo dito tudo isso e fazendo uma transposição para a nossa construção enquanto
psicólogas clínicas, resgatamos aqui a fala da Larissa em um vídeo sobre o Buber no
Nosso Gabinete (perdão pelo “merchan”!): “Se quero ser a terapeuta que vai tocar e dizer
tudo, o terapeuta perfeito (...) me afasto de uma autenticidade para entrar num papel...”
Certamente a gente aprende a ser terapeuta com a experiência de outros, com a
vivência na clínica enquanto paciente de outros psicólogos, com as leituras, com os
vídeos, com os cursos, com as referências que nos inspiram... Mas ninguém pode ser o
terapeuta que você tem se tornado, só você.
Só a sua experiência pode contribuir com alguma diferença no mundo. Sim, tem
uma porção que só você pode fazer.
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BUBER, M. Eu e tu. São Paulo: Centauro. 8 ed., 2001. (Originalmente publicado em 1923 )
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 08 – JOGUEMOS NO TIME DO JORDAN
O Exercício 07 pode te conectar com uma insegurança... Tem muita gente melhor.
OK, “ela” pode ser melhor, mas, o que a gente vai fazer enquanto isso?... Algumas
outras perguntas talvez te ajudem a repensar... Você só conta sobre o mundo a partir
desses conceitos de “melhor” e “pior”?... Só dá pra descrever assim?...
Se você ainda não pegou a referência do título, “Jordan” é o Michael Jordan do
basquete. Basta uma olhada rápida na Internet pra você ver o cara voar e descobrir que
ele foi um gigante, talvez tecnicamente o melhor até agora. Mas, e quantos outros caras
bons precisaram também jogar para o basquete acontecer?
Na história sobre MJ (como Jordan se chamava e era chamado) e seu time,
ouvimos as pessoas em volta contarem que precisavam batalhar por um espaço próprio
ao coabitarem com um jogador tão genial. Aí entra a atitude a ser tomada por você:
encontrar seu território de potencialidades particulares. Jordan era incrível nos dribles,
ficava no ar mais segundos do que todos os seus colegas e adversários e tinha um poder
enorme de liderança dentro do time. Mas era absolutamente suscetível ao ímpeto
competitivo e tinha um modo de exortar os colegas que beirava ao assédio moral. O que
isso traduz, então? Que ninguém é genial em todas as habilidades e que não vai funcionar
se você quiser simplesmente se igualar ao outro fazendo “como ele”. Se estamos falando
aqui do quanto o autêntico é importante na vida do seu cliente, isso serve pra você
também. Seja a melhor terapeuta que você consegue a partir das SUAS habilidades, do
SEU conhecimento de si. O parâmetro competitivo pode ser fundamental no esporte, por
exemplo, onde há de fato uma competição, mas na sua profissão, cabe perguntar: você
está competindo com quem? Descobrir seu próprio potencial tem que fazer sentido pra
você, não pra uma convenção social.
De novo, a gente se repete: sim, tem uma porção que só você pode fazer.
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 09 – FAZER-SE PRESENTE NA AUSÊNCIA
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 10 – REPETIR O TRECHO COMPLICADO
Numa ida ao YouTube, digite “De samba e flor – Marcos Paiva Sexteto & Kivitz”.
São sete minutos de jazz, rap, poesia e convocação, no registro de um ensaio. Se em
algum momento a música em questão for retirada do ar, escolha outra do Kivitz (ou de As
Bahias e a Cozinha Mineira... ou do bom e velho Caetano).
Fica uma pergunta, o quanto é possível captar da música, das notas, da poesia?...
Ouvidos treinados o fazem, não sem atenção; não sem repetição. Um professor de música
é capaz de ouvir nuances que nós não conseguimos e se você já tocou algum instrumento,
poderá atestar: é preciso treinar, repetindo aquele trecho complicado algumas vezes até
que ele se torne mais fácil e exequível. Aí está o desafio, porque nem sempre tudo o que
o paciente diz é inteligível naquele momento o, às vezes, a gente pensa que compreendeu
e só vai fazer sentido quando você junta outras peças. Pra acontecer assim, é preciso não
ignorar o que parece complicado ou dissonante e entregar-se ao que você ainda não
entendeu, o que envolve, também e sempre, mais estudo e mais disposição de alma.
Alguns abandonam o desafio e ficam estagnados na repetição das músicas que já
sabem tocar. Nossa amiga queridíssima e terapeuta analítico-comportamental, Graziela
Siebert, diria: “É preciso ampliar o repertório”.
Isso posto, vamos para o exercício reflexivo?...
A) Em sua jornada de tornar-se terapeuta, qual seria esse “trecho
complicado” do momento? Identificar esse “trecho” é importante porque muitas
vezes a gente nem reconhece a paralisação que vivemos.
B) Como você pode cuidar melhor dele? Qual o seu plano pra ele?
C) Quem pode te ajudar nisso? Como?
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 11 – QUAL O SOM DAS COISAS?
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pessoa a quem direcionou sua fala, de modo, agora, a ouvir o que foi dito a partir de uma
outra perspectiva. Ouvir sempre um mesmo lugar, sempre de um mesmo jeito, é perigoso
demais.
Aqui, o exercício é: tem muita coisa para ser ouvida para além do aparente, mas,
com quais ouvidos a gente ouve?
A) Faça um relato de uma sessão (ou de uma conversa do cotidiano).
O que foi ouvido apressadamente? O que se perdeu enquanto vocês olharam só
para o aparente?
B) Como seria implantar o recurso apresentado acima nessa conversa?
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EXERCÍCIO DE PRESENÇA 12 - SEMPRE QUE PUDER OU ACHAR
NECESSÁRIO, REVISITE “TABACARIA”
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EPÍLOGO
Quando a Gabi me fez o convite pra escrevermos o livro, ela me apresentou a ideia
e, enquanto ela falava, eu me lembrei de uma história lida há muito tempo, provavelmente
no livro “O Mercador e o Papagaio”, informação que não vou conseguir checar porque
não o tenho mais (perdeu-se num dos meus muitos “empréstimos”). A história, com todas
as falhas de memória que o tempo produz, contava algo próximo disso:
Um grupo de cientistas havia descoberto um navio muito engenhoso e nenhum
dos especialistas convidados conseguia colocar a embarcação em marcha. Engenheiros
náuticos de toda parte do mundo chegavam lá, faziam cálculos, usavam seus dispositivos,
suas máquinas e até punham as engrenagens pra funcionar, mas o navio não dava de si,
não saía do lugar. Esse era o mistério: por que é que mesmo com tudo em funcionamento,
a engenhoca não se movia?
Quase desistindo do intento, alguém se lembra do seu Zé Canoeiro, que já havia
construído muitos barcos, navegado por muitas águas, estado em muitos navios de grande
porte e ajudado em muitas casas de máquinas de naus variadas por aí afora. Obviamente,
os cientistas desmereceram a participação dele, alegaram que as embarcações que ele
construíra eram todas muito singelas e que nas outras mais complexas onde ele estivera,
sua função era a de um simples operador, portanto, ele deveria entender apenas de fazer
jangadas e canoas ou de obedecer ordens nas casas de máquinas. Discussão de cá, de lá e
resolvem que não havia nada a perder com essa tentativa, até porque o homem era da
localidade mesmo, estava à mão. Chamam, então, seu Zé Canoeiro.
Eis que ele entra na casa de máquinas do navio e não calcula nada, não leva um
dispositivo sequer. Ele passa horas ali ouvindo e observando as engrenagens roncarem.
No pequeno embornal que ele tinha levado, uma ou duas ferramentas. De repente, seu Zé
Canoeiro tira do embornal um martelinho, chega bem perto da junção de uma engrenagem
com uma tubulação qualquer e dá uma martelada. Pronto, o navio se move! O preço do
conserto: 10 mil reais. A equipe acha um absurdo!
- Mas o senhor é canoeiro, não tem estudo, não tem
ciência, quer cobrar 10 mil por uma martelada??
Ao que ele responde:
- Não, moço. A martelada custou só 5 reais. O restante,
estou cobrando porque eu sabia ONDE e COMO martelar.
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Se você chegou até aqui, imagino que tenha lido todo o livro. Então, quero te
perguntar: qual o significado dessa história pra nós, psicólogas, terapeutas, aprendizes do
funcionamento psíquico?
Se você respondeu que a história fala do embate entre ciência e sabedoria popular,
que a narrativa trata da necessidade valorização do conhecimento que se faz pelas vias da
experiência, está certo, mas não é isso, ainda, que mais dialoga com o teor desse livro.
Pra mim, o que fez com essa história me saltasse dos recôncavos da memória foi
a importância do processo que o canoeiro escolhe. A sabedoria romantizada e mágica que
o protagonista demonstra não é o que vai acontecer nos nossos consultórios, na nossa
prática clínica, mesmo extra-setting.
O que provavelmente vai nos ocorrer é que à medida que vamos estabelecendo
um lugar como terapeutas, vamos entendendo que é o processo de estar junto com o
paciente que importa. São a observação, a escuta e a entrega para o momento de estar
diante de um sujeito e seus fenômenos que podem nos garantir a possibilidade de iluminar
aquele caminho. Por isso, escolhemos falar da presença e tudo o que envolve o ato de
estar presente, como o canoeiro fez diante das engrenagens.
Que nossa conversa com você reverbere e que, sobretudo, esse livro sirva para as
suas próprias descobertas.
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NOTA SOBRE AS AUTORAS
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