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Descoberta guiada

A descoberta guiada é a técnica mais frequentemente usada para identificar


pensamentos automáticos durante as sessões de terapia. Um pequeno excerto
do tratamento ilustra o questionamento com métodos simples dessa
ferramenta.

CASO CLÍNICO

Anna, uma senhora de 60 anos de idade com depressão, descrevia-se como


se estivesse desconectada de sua filha e de seu marido. Ela se sentia triste,
solitária e derrotada. Depois de se aposentar como professora, esperava viver
bons momentos com sua família. Todavia, agora ela pensava: “Ninguém
mais precisa de mim... Não sei o que vou fazer com o resto da minha vida”.

Terapeuta: Você tem falado sobre como o problema com sua filha tem lhe
incomodado. Você consegue se lembrar de alguma coisa que aconteceu
recentemente como exemplo?

Anna: Sim, tentei ligar para ela três vezes ontem. Ela só me ligou de volta às
10 horas da noite e parecia irritada porque fiquei ligando o dia todo.

Terapeuta: O que ela disse?

Anna: Algo como: “Você não sabe que passo o dia ocupada com meu
trabalho e meus filhos? Não posso largar tudo para ligar para você
imediatamente”.

Terapeuta: E o que passou por sua cabeça quando ouviu isso dela?

Anna: “Ela não precisa mais de mim... Ela não se importa comigo... Sou
insuportável”.

Terapeuta: E você teve algum outro pensamento – ideias que vieram à sua
cabeça naquele momento?

Anna: Acho que me decepcionei comigo mesma. Fiquei pensando que eu


não tinha muito valor – que ninguém precisa mais de mim. Não sei o que
vou fazer com o resto da minha vida.

Aqui são apresentadas mais algumas estratégias para trabalhar com os


pensamentos automáticos. Essas diretrizes não são regras absolutas, mas são
apresentadas como dicas para detectar esse tipo de pensamento por meio da
descoberta guiada.

Descoberta guiada para pensamentos automáticos: estratégias altamente


produtivas

1. Faça questionamentos que estimulem a emoção. Lembre-se de que


emoções como tristeza, ansiedade ou raiva são sinais de que o tópico é
importante para o paciente. Cognições carregadas de afeto podem servir
como balizas que mostram que você está no caminho certo.

2. Seja específico. Em geral, é melhor que o questionamento para descobrir


pensamentos automáticos seja focado em uma situação claramente definida e
memorável. A discussão de tópicos gerais normalmente leva a relatos de
cognições difusas ou amplas que não dão o grau de detalhamento necessário
para intervenções totalmente eficazes. Exemplos de situações específicas
que podem levar à descoberta de pensamentos automáticos importantes são:

a. “Fiz uma entrevista para um emprego na segunda-feira passada.”

b. “Tentei ir a uma festa, mas fiquei tão nervosa que não consegui.”

c. “Minha namorada terminou comigo e estou totalmente infeliz.”

3. Focalize em eventos recentes, não no passado distante. Às vezes, é


importante conduzir o processo de questionamento para acontecimentos
remotos, principalmente se o paciente tiver transtorno de estresse pós-
traumático (TEPT) relacionado com questões de longa data, um transtorno
de personalidade ou um quadro clínico crônico. No entanto, o
questionamento sobre eventos recentes normalmente tem a vantagem de dar

acesso aos pensamentos automáticos que na verdade ocorreram na situação e


que podem ser mais passíveis de mudança.
4. Mantenha-se em uma linha de questionamento e um tópico. Tente
evitar pular de um tópico para outro. É

mais importante fazer um trabalho completo de trazer à tona uma série de


pensamentos automáticos em uma única situação do que explorar muitas
cognições sobre diversas situações. Se puderem aprender a identificar
totalmente seus pensamentos automáticos para um determinado problema, os
pacientes terão maior probabilidade de conseguir fazer isso por si mesmos
em outras questões importantes em suas vidas.

5. Vá fundo. Os pacientes costumam relatar apenas alguns pensamentos


automáticos ou parecem entrar em contato com cognições apenas
superficiais. Quando isso acontece, o terapeuta pode fazer outras perguntas
que ajudem o paciente a contar a história toda. Outras perguntas devem ser
feitas de uma maneira sensível, de modo que o paciente não se sinta
pressionado. Podem ser úteis as seguintes: “Quais outros pensamentos você
teve na situação?”, “Vamos tentar nos manter nisso um pouco mais, tudo
bem?”, “Você se lembra de algum outro pensamento que pudesse estar
passando por sua cabeça?”.

Se essas perguntas simples não produzirem resultados, o terapeuta pode


tentar seguir com o processo usando o questionamento socrático, o qual
estimula uma sensação de indagação:

Paciente: Quando soube que Georgette estava se mudando para Chicago,


fiquei arrasada. Ela é minha única amiga de verdade.

Terapeuta: Você teve mais algum pensamento sobre sua mudança?

Paciente: Na verdade, não – só sei que vou sentir saudades dela.

O terapeuta observa que a paciente está muito triste e suspeita que haja mais
pensamentos automáticos intensos sob a superfície.

Terapeuta: Tenho um palpite de que você pode ter pensado outras coisas.
Quando você soube que ela estava indo embora, que pensamentos vieram à
sua cabeça sobre você mesma? Como você se viu logo depois de receber
essa má notícia?
Paciente (depois de uma pausa): Que não sou boa em fazer amigos... Nunca
mais vou ter uma amiga como ela... Minha vida está uma porcaria.

Terapeuta: Se esses tipos de pensamento são verdadeiros, o que acontecerá


com você?

Paciente: Vou acabar sozinha... Acho que não tem jeito; nada nunca vai
mudar.

6. Utilize suas habilidades de empatia. Tente imaginar-se na mesma


situação que o paciente. Coloque-se no lugar dele e pense como ele pode
estar pensando. Ao fazer isso com muitos pacientes, você conseguirá
desenvolver suas habilidades para entender as cognições que são comuns a
uma série de quadros clínicos e se tornará mais eficiente na capacidade de
perceber os pensamentos automáticos deles.

7. Peça por pensamentos automáticos sem censura. Para revelar


pensamentos automáticos imediatos e intensos, pode ser útil discutir a
tendência natural de esconder ou editar os pensamentos considerados
ofensivos pelos pacientes ou que pudessem fazer o terapeuta pensar mal
deles. Durante tais discussões, o terapeuta pode normalizar o desejo comum
de não relatar pensamentos que possam ser ligados à obscenidade ou outras
palavras ofensivas. E este pode tranquilizar aquele de que não será julgado
pelo conteúdo de seus pensamentos.

Ao contrário, o terapeuta quer ouvir os pensamentos automáticos


verdadeiros, de primeira ordem, para dar a melhor assistência. Pacientes com
problemas de raiva de si mesmos ou dos outros são especialmente propensos
a censurar o relato de seus pensamentos automáticos. Por exemplo, pense em
um paciente com condução agressiva no trânsito. Ajudar uma pessoa com
essa dificuldade pode depender da evocação dos pensamentos inflamatórios
que alimentam os surtos repentinos de raiva extrema.

8. Conte com a formulação de caso para saber que caminho tomar. A


formulação de caso, mesmo se estiver em um estágio inicial de
desenvolvimento, pode proporcionar um auxílio inestimável para decidir
sobre quais formas de questionamento seguir. O conhecimento de fatores
precipitantes e estressores sugerirão tópicos importantes para discussão. A
avaliação dos sintomas, dos pontos fortes, das vulnerabilidades e do
histórico permitirão que o terapeuta personalize as perguntas ao paciente.
Um dos aspectos mais úteis da formulação é o diagnóstico diferencial. Se
houver suspeita de transtorno de pânico, as perguntas podem ser dirigidas
para descobrir os pensamentos automáticos acerca de previsões catastróficas
de lesão corporal ou perda de controle.

Se o paciente parecer estar deprimido, o questionamento normalmente levará


a temas sobre autoestima, visões negativas do ambiente e desesperança.
Quando há presença de mania ou hipomania, o terapeuta precisará ajustar as
técnicas de questionamento para dar conta de uma tendência de externar a
culpa, negar a responsabilidade pessoal e ter pensamentos automáticos de
grandiosidade. Recomendamos veementemente que os terapeutas que
estejam aprendendo a TCC adquiram um bom entendimento do modelo
cognitivo-comportamental para cada um dos transtornos psiquiátricos
importantes (ver Capítulos 3 e 10). Essas informações podem proporcionar
um excelente guia para o uso da descoberta guiada para identificar
pensamentos automáticos.

O Vídeo 5, extraído do tratamento de Brian pela Dra. Donna Sudak,


demonstra vários dos métodos de descoberta guiada mencionados
anteriormente. A história e a conceitualização de caso de Brian são descritos
no Capítulo 3,e várias outras vinhetas de seu tratamento aparecerão mais
adiante, ainda neste capítulo, e no Capítulo 8. Ao assistir ao Vídeo 5, tente
identificar os métodos que a Dra. Sudak utiliza para trazer à luz os
pensamentos automáticos de Brian e pense como você poderia utilizar
métodos semelhantes com seus pacientes.

Neste primeiro vídeo do tratamento de Brian, a Dra. Sudak faz perguntas que
o ajudam a ver a ligação entre eventos ativadores (p. ex., ficar sentado
sozinho no carro depois de evitar uma situação social), pensamentos
automáticos (p. ex., “Eu nunca vou me ajustar a essas pessoas.... Eu nunca
vou ser um deles”) e sua tristeza intensa.

Eles concordam que seus pensamentos automáticos negativos devem ser um


alvo importante da terapia.

VÍDEO 5

Evocando pensamentos automáticos

Dra. Sudak e Brian (9:09)

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