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IDENTIFICANDO PENSAMENTOS

AUTOMÁTICOS

O modelo cognitivo afirma que a interpretação de uma situação (e não a situação em si),
frequentemente expressa em pensamentos automáticos, influencia a emoção subsequente, o
comportamento e a resposta fisiológica. Obviamente, determinados eventos são quase
universalmente perturbadores, como, por exemplo, uma agressão pessoal ou uma rejeição. No
entanto, pessoas com transtornos psicológicos costumam interpretar erroneamente situações
neutras ou até mesmo positivas, e, assim, seus pensamentos automáticos são tendenciosos. Ao
examinarem criticamente seus pensamentos e corrigi-los, geralmente se sentem melhor.
Este capítulo descreve as características dos pensamentos automáticos. Depois, descreve como:

• Explicar os pensamentos automáticos para o paciente.


• Evocar e detalhar os pensamentos automáticos.
• Ensinar o paciente a identificar os pensamentos automáticos.
CARACTERÍSTICAS DOS PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS
Os pensamentos automáticos são um fluxo de pensamentos que coexistem com um fluxo de
pensamentos mais manifesto (Beck, 1964). Esses pensamentos não são peculiares unicamente a
pessoas com sofrimento psicológico; eles são uma experiência comum a todos nós. Na maior
parte do tempo, quase não temos consciência desses pensamentos, embora com um pouco de
treino possamos trazê-los facilmente à consciência. Quando obtemos a percepção dos nossos
pensamentos, podemos fazer automaticamente uma verificação da realidade, caso não estejamos
sofrendo de uma disfunção psicológica.
Um leitor deste livro, por exemplo, enquanto está focado no conteúdo deste capítulo, poderá
ter o pensamento automático “Eu não entendo isto” e sentir-se um pouco ansioso. Ele poderá,
no entanto, responder automaticamente (isto é, sem estar consciente disso) ao pensamento de
uma forma produtiva: “Eu realmente entendo parte disto; deixe-me apenas reler esta seção”.
Esse tipo de teste automático da realidade e a resposta aos pensamentos negativos são uma
experiência comum. Pessoas em sofrimento, no entanto, podem não se engajar nesse tipo de
exame crítico. A terapia cognitivo-comportamental lhes ensina o uso de ferramentas para avaliar
seus pensamentos de forma consciente e estruturada, especialmente quando estão perturbados.
Sally, por exemplo, quando está lendo um capítulo sobre Economia, tem o mesmo pensamento
que o leitor mencionado: “Eu não entendo isto”. Entretanto, seu pensamento torna-se mais
extremo: “E nunca vou entender”. Ela aceita esses pensamentos como corretos e sente-se muito
triste. No entanto, após aprender as ferramentas da terapia cognitivo-comportamental, ela
consegue usar a emoção negativa como um indício para procurar, identificar e avaliar seus
pensamentos e desenvolver uma resposta adaptativa: “Não é necessariamente verdade que eu
nunca vou entender isto. Estou tendo algumas dificuldades agora, mas se eu reler ou retomar o
estudo quando estiver com mais disposição, pode ser que entenda mais. De qualquer forma,
entender isto não é essencial para a minha sobrevivência, e eu posso pedir que alguém me
explique se for preciso”.
Embora pareça que os pensamentos automáticos surjam espontaneamente, eles se tornam bem
previsíveis depois que as crenças subjacentes do paciente são identificadas. Você está interessado
em identificar esses pensamentos que são disfuncionais – isto é, aqueles que distorcem a
realidade, são emocionalmente angustiantes e/ou interferem na capacidade do paciente de
atingir seus objetivos. Os pensamentos automáticos disfuncionais são quase sempre negativos, a
menos que o paciente seja maníaco ou hipomaníaco, tenha personalidade narcisista ou abuse de
substâncias químicas.
Os pensamentos automáticos são geralmente muito breves, e o paciente torna-se mais
consciente da emoção que sente como resultado dos seus pensamentos do que dos próprios
pensamentos. Na sessão, por exemplo, o paciente poderá ter consciência de que se sente ansioso,
triste, irritado ou envergonhado, mas não tem consciência dos seus pensamentos automáticos até
que o terapeuta os questione.
As emoções que o paciente sente estão conectadas logicamente ao conteúdo dos seus
pensamentos automáticos. Por exemplo, um paciente pensa “Eu sou um idiota. Eu realmente
não entendo o que todos [na reunião] estão dizendo” e sente-se triste. Em outro momento, ele
pensa “Ela [minha esposa] não gosta de mim” e sente-se irritado. Quando tem os pensamentos
“E se o meu empréstimo não for aprovado? O que é que eu vou fazer?”, o paciente sente-se
ansioso.
Os pensamentos automáticos frequentemente estão na forma “abreviada”, mas podem ser
facilmente explicitados quando você pergunta sobre o significado do pensamento. Por exemplo,
quando um paciente teve o pensamento “Ah, não!”, o significado era: “[Meu chefe] vai me dar
muito trabalho”. “Droga!”, para outro paciente, foi a expressão da ideia: “Eu fui um idiota por
deixar meu telefone celular em casa”.
Os pensamentos automáticos podem ser na forma verbal, forma visual (imagens) ou ambas.
Além do seu pensamento automático verbal (“Ah, não!”), o paciente anterior tinha uma imagem
de si mesmo, sozinho na sua mesa, tarde da noite, calculando os impostos (veja o Capítulo 16
para uma descrição de pensamentos automáticos em forma de imagens).
Os pensamentos automáticos podem ser avaliados de acordo com sua validade e utilidade. O
tipo mais comum de pensamento automático é uma distorção, e ocorre apesar das evidências
objetivas em contrário. Um segundo tipo de pensamento automático é correto, mas a conclusão a
que o paciente chega pode ser distorcida. Por exemplo, “Eu não fiz o que prometi [a um amigo]”
é um pensamento válido, mas a conclusão “Portanto, sou uma pessoa ruim” não é.
Um terceiro tipo de pensamento automático também é válido, mas decididamente
disfuncional. Por exemplo, Sally estava estudando para um exame e pensou: “Vou levar horas
para terminar isto. Vou ficar acordada até as 3 horas da manhã”. Esse pensamento era, sem
dúvida, correto, mas ele aumentou sua ansiedade e diminuiu sua concentração e motivação.
Uma resposta razoável a esse pensamento abordaria a sua utilidade: “É verdade que vou levar
muito tempo para terminar isto, mas eu consigo fazer; eu já fiz antes. Ficar pensando no tempo
que vou levar me faz sentir infeliz, e eu também não vou me concentrar. Provavelmente levará
mais tempo para terminar. É melhor que eu me concentre em terminar uma parte por vez e
reconhecer meu mérito por ter terminado”. A avaliação da validade e/ou utilidade dos
pensamentos automáticos e a resposta adaptativa a eles, em geral, produzem uma mudança
positiva no afeto.
Para resumir, os pensamentos automáticos coexistem com um fluxo mais manifesto de
pensamentos, surgem espontaneamente e não estão baseados na reflexão ou deliberação. As
pessoas estão, em geral, mais cientes das emoções associadas, mas, com um pouco de treino, elas
podem se tornar mais cientes do seu pensar. Os pensamentos que são relevantes para os
problemas pessoais estão associados a emoções específicas, dependendo do seu conteúdo e
significado. Eles são geralmente breves e fugazes, abreviados, e podem ocorrer na forma verbal
e/ou como imagens. As pessoas costumam aceitar seus pensamentos automáticos como
verdadeiros, sem reflexão ou avaliação. A identificação, a avaliação e a resposta aos pensamentos
automáticos (de uma forma mais adaptativa) geralmente produzem uma mudança positiva no
afeto.
EXPLICANDO OS PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS AO PACIENTE
É aconselhável que se expliquem os pensamentos automáticos usando os próprios exemplos do
paciente. No contexto da discussão de um problema específico com um paciente, você vai
identificar os pensamentos automáticos associados ao problema.
TERAPEUTA: [direcionando-se para o primeiro tópico da pauta] Devemos falar sobre como
você ficou perturbada no parque ontem?
PACIENTE: Sim.
TERAPEUTA: Como você estava se sentindo emocionalmente: Triste? Ansiosa? Zangada?
PACIENTE: Triste.
TERAPEUTA: O que estava passando pela sua cabeça?
PACIENTE: [descrevendo mais a situação em vez de relatar seus pensamentos automáticos] Eu
estava olhando as pessoas no parque, passeando, jogando frisbee, coisas desse tipo.
TERAPEUTA: O que estava passando pela sua cabeça quando viu aquelas pessoas?
PACIENTE: Eu nunca vou ser como elas.
TERAPEUTA: Ok. [intervenção de psicoeducação] Você acabou de identificar o que chamamos
de pensamento automático. Todas as pessoas têm. São pensamentos que simplesmente
parecem surgir na nossa cabeça. Nós não estamos deliberadamente tentando pensá-los; é por
isso que os chamamos de automáticos. Na maior parte do tempo, eles são muito rápidos, e nós
nos damos conta mais da emoção – neste caso, tristeza – do que dos pensamentos. Muitas
vezes, os pensamentos estão distorcidos de alguma maneira, mas nós reagimos como se eles
fossem verdadeiros.
PACIENTE: Humm.
TERAPEUTA: O que iremos fazer é lhe ensinar a identificar seus pensamentos automáticos e
depois avaliá-los para ver o quanto eles são acurados. Por exemplo, daqui a pouco, iremos
avaliar o pensamento: “Eu nunca vou ser como eles”. O que você acha que aconteceria às suas
emoções se descobrisse que o seu pensamento não era verdadeiro – que quando a sua
depressão passar vai perceber que você é como as outras pessoas do parque?
PACIENTE: Eu me sentiria melhor.
Eu sugiro, aqui, um cenário alternativo para ilustrar o modelo cognitivo. Mais adiante na sessão,
uso o questionamento socrático (veja o Capítulo 11) para examinar o pensamento com a
paciente, para que ela possa desenvolver sua própria resposta adaptativa. Na parte seguinte,
anoto os pensamentos automáticos, enfatizando o modelo cognitivo.

Situação: Olhando as pessoas no parque.



Pensamento automático: “Eu nunca vou ser como elas.”

Emoção: Triste

TERAPEUTA: Vamos registrar isso no papel. Quando você tem o pensamento “Eu nunca vou
ser como elas”, sente-se triste. Você percebe como aquilo que está pensando interfere em
como você se sente?
PACIENTE: Hum-hum.
TERAPEUTA: Isso é o que chamamos modelo cognitivo. O que iremos fazer na terapia é lhe
ensinar a identificar seus pensamentos automáticos quando perceber seu humor se alterando.
Esse é o primeiro passo. Continuaremos praticando até que fique fácil. Depois, você vai
aprender a avaliar seus pensamentos e mudar sua maneira de pensar se não estiver
completamente correta. Está claro?
PACIENTE: Acho que sim.
TERAPEUTA: [verificando a compreensão da paciente] Você poderia me falar com suas próprias
palavras sobre a relação entre pensamentos e sentimentos?
PACIENTE: Às vezes eu tenho pensamentos que estão errados, e esses pensamentos fazem eu
me sentir mal... Mas e se os pensamentos estiverem corretos?
TERAPEUTA: Boa pergunta. Então tentaremos resolver o problema ou descobrir o que há de
tão ruim se eles forem corretos. A minha opinião, no entanto, é que iremos descobrir muitos
erros no seu pensamento porque você está deprimida. O pensamento negativo irrealista
sempre faz parte da depressão. De qualquer forma, vamos descobrir juntas se os seus
pensamentos estão corretos ou errados.
No fim desta sessão, eu verifico novamente o quanto a paciente parece entender o modelo
cognitivo.
TERAPEUTA: Para revisar um pouco, você poderia me dizer o que sabe agora sobre a relação
entre pensamentos e sentimentos?
PACIENTE: Bem, às vezes os pensamentos automáticos simplesmente surgem na minha cabeça,
e eu os aceito como verdadeiros. E então eu me sinto... seja o que for: triste, preocupada...
TERAPEUTA: Bom. Que tal se como exercício de casa para esta semana você procurasse alguns
desses pensamentos automáticos?
PACIENTE: Ok.
TERAPEUTA: Por que você acha que estou sugerindo isso?
PACIENTE: Por que às vezes os meus pensamentos não são verdadeiros, e se eu puder
identificar o que estou pensando, poderei alterá-lo e me sentir melhor.
TERAPEUTA: Correto. Ok, vamos anotar esta prescrição: Sempre que eu notar uma mudança
no humor ou que o mau humor está piorando, perguntar a mim mesma...Você se lembra da
pergunta?
PACIENTE: O que está passando pela minha cabeça?
TERAPEUTA: Bom! Foi direto ao ponto.

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