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O direito internacional e a natureza das sanções: o

conflito Rússia x Ucrânia

O DIREITO INTERNACIONAL E A NATUREZA DAS SANÇÕES: O CONFLITO


RÚSSIA X UCRÂNIA
International law and the nature of sanctions: the Russia-Ukraine conflict
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 131/2022 | p. 299 - 311 | Maio - Jun / 2022
DTR\2022\9471

Luís Alexandre Carta Winter


Doutor pela USP. Professor de Direito Internacional na PUCPR e de Relações Internacionais na
Unicuritiba. lacwad@gmail.com

Juliana Ferreira Montenegro


Doutora pela PUCPR. Professora de Direito Internacional na PUCPR e na Unicuritiba.
juliana.f.montenegro@gmail.com

Área do Direito: Constitucional; Internacional


Resumo: O conflito bélico entre Rússia e Ucrânia, trabalhado sob uma perspectiva tanto do direito
internacional como das relações internacionais e voltado a uma visão das sanções, pelo direito
internacional em suas respectivas áreas. A pergunta a ser respondida é qual ou quais as
consequências, em termos do direito internacional, das ações praticadas pela Rússia, determinadas
pelo seu Presidente Vladimir Putin. O método adotado é o hipotético-dedutivo e o resultado
possibilita o vislumbrar de um novo contexto na ordem mundial.

Palavras-chave: Conflito Rússia x Ucrânia – Direito internacional – Relações Internacionais –


Teoria dos jogos – Direito internacional econômico
Abstract: The war conflict between Russia and Ukraine, worked from a perspective of both
international law and international relations and focused on a vision of sanctions, by international law
in their respective areas. The question to be answered is the consequences, in terms of international
law, of the actions taken by Russia, determined by its President Vladimir Putin. The method adopted
is the hypothetical-deductive and the result allows us to glimpse a new context in the world order.

Keywords: Russia vs - Ukraine conflict – International law – International Relations – Game theory –
International economic law
Para citar este artigo: WINTER, Luís Alexandre Carta; MONTENEGRO, Juliana Ferreira. O direito
internacional e a natureza das sanções: o conflito Rússia x Ucrânia. Revista de Direito Constitucional
e Internacional. vol. 131. ano 30. p. 299-311. São Paulo: Ed. RT, maio/jun. 2022. Disponível em:
<http://revistadostribunais.com.br/maf/app/document?stid=st-rql&marg=DTR-2022-9471>. Acesso
em: DD.MM.AAAA.

Sumário:

1. Introdução - 2. Contextualização - 3. Teoria das relações internacionais - 4. Os direitos dos


Estados no direito internacional público e a violação russa - 5. Direito internacional público e as
sanções - 6. Direito internacional humanitário – Princípios e sanções - 7. Direito internacional dos
direitos humanos sanções - 8. Direito internacional econômico - 9. Conclusões - 10. Referências

1. Introdução

O presente artigo é resultado de uma conferência ministrada na Escola Judicial da Associação dos
Magistrados do Direito do Trabalho (AMATRA), proferida em quatorze de maio do corrente ano.

A ideia foi analisar o tema do Conflito Rússia x Ucrânia de uma maneira um pouco diferente da que
está sendo colocada normalmente na mídia, mas, ao mesmo tempo, com a preocupação dos “custos
marginais”, e não apenas em uma perspectiva econômica do conflito em si, de modo a provocar a
reflexão sobre a aplicação da norma jurídica. Buscou-se verificar como é que funcionam as normas
internacionais.

Claro que representa uma visão pessoal, e, em razão disso, com os vícios de uma formação própria,
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de uma leitura pessoal.

A Guerra sempre é deplorável e um refúgio dos que possuem “verdades estabelecidas”. Então a
pergunta que se pretende responder é: quais as consequências, em termos do direito internacional,
das ações praticadas pela Rússia, determinadas pelo seu Presidente Vladimir Putin?

Para dar uma resposta, ou não, a essa questão, utilizou-se do método hipotético-dedutivo,
buscando-se deduzir as implicações e, consequentemente, analisar a realidade empírica do conflito.

Construiu-se o presente ensaio, usando, inicialmente, uma contextualização primeira, sob o olhar da
norma e o fim social ao qual ela se destina. Para isso, trabalhou-se com algumas distinções básicas,
passando por um diálogo com as Teoria das Relações Internacionais. Com o desenvolvimento do
estudo, analisou-se o Direito dos Estados sob a ótica do Direito Internacional e a “violação” russa dos
princípios gerais do direito internacional. De contínuo, a análise recaiu sobre o Direito Internacional
Público e as possíveis sanções derivadas do não respeito às regras e aos tratados internacionais. A
seguir, uma visão do Direito Internacional Humanitário e as respectivas sanções existentes, bem
como as violações do Direito Internacional dos Direitos Humanos, além de uma análise sob a ótica
do Direito Internacional Econômico, para, ao final, possibilitar um olhar sobre as consequências do
conflito para sociedade internacional.

2. Contextualização

A primeira questão que é necessário ter em mente é uma distinção que frequentemente é esquecida
pelos estudantes e analistas do Direito Internacional. Existe uma diferenciação entre o que é o
Direito Internacional e o que são as Relações Internacionais. Não há dúvidas que são áreas distintas,
mas que se complementam, sendo ambas as análises úteis a seu modo e de grande importância.

Porém, é necessário ressaltar que o Direito Internacional é norma e, como toda norma, é um
instrumento. Um instrumento à disposição dos interessados. Portanto, os Estados podem aplicar ou
não aplicar essa norma. E qual é a diferença dentro do ordenamento jurídico dos Estados e do
ordenamento do Direito Internacional?

É que a própria existência do Direito Internacional depende da existência de Estados Soberanos. E o


que é um Estado Soberano? A ideia vem de uma Encíclica Papal, a Pastoralis Cura, de 1313, e que
coloca aquela noção da Suprema potestas superioren non recognoscens, ou seja, aquele poder
supremo que não admite nenhum poder acima de si.

O Direito Internacional se diz ser um direito anárquico, mas não no sentido da anarquia propriamente
dita, mas no sentido de que não é possível que se coloquem normas acima dos Estados. Os
pressupostos do direito internacional são: estados soberanos; comércio internacional e princípios
jurídicos coincidentes. Apor normas acima dos Estados Soberanos, na prática, significaria uma
hierarquização do Direito Internacional, que, esse caso deixaria de ser Direito Internacional e
passaria a ser um Direito Constitucional Universal.

Dessa forma, o Direito Internacional não pode e não deve funcionar como funciona o Direito dentro
do ordenamento jurídico interno de cada Estado. Não pode porque os Estados são soberanos e não
existe nada acima deles. Então, se não existe nada acima dos Estados, o que se pode fazer para
trabalhar dentro dessa perspectiva soberana dos Estados? A possibilidade é compreender que o
Direito Internacional surge no consenso do que se convencionou chamar de Estado civilizados.
Trabalha com uma perspectiva diferente da perspectiva do direito interno, ou seja, pelo princípio da
Common Law, utilizando a questão dos precedentes e fazendo uso do costume internacional. Por
esse viés, percebe-se a praticidade do Direito Internacional e que, ao romper-se com os precedentes
já estabelecidos, inúmeros problemas são gerados.

Assim, ao olhar o Direito Internacional como um instrumento e não como um fim em si mesmo, fica
mais evidente a apreensão da forma de atuação/trabalho dele enquanto instrumento de decisão. E,
assim, fica mais fácil compreender que as decisões, nesse campo, são políticas. Nesse ponto que
entram as relações internacionais.

Para tentar responder ao quadro da política internacional, as Relações Internacionais vão trabalhar
com o posicionamento dos Estados e seus governantes, analisando sob a ótica das teorias das
Relações Internacionais o posicionamento de determinado Estado ou de seus governantes, seja de
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Putin, seja de Biden. O que se trabalha em Relações Internacionais é diferente do Direito


Internacional, pois o Direito Internacional é norma. Dessa forma, quando um Estado Soberano entra
em guerra com outro Estado Soberano, o Direito Internacional irá analisar as leis de guerra, pois
todos os Estados devem cumprir as leis, mesmo em época de guerra, e, assim, ou evitarem a
guerra, ou a disciplinarem.

Por isso a máxima de Breno, rei dos gauleses, em 390 a.C, quando sitiou Roma: Vae victis,
significando “Aí dos vencidos”, ou seja, “Triste sorte aquela reservada aos derrotados”, pois a eles
serão colocadas as condições e as normas para os vencidos. Essa máxima continua, em termos de
Direito Internacional. Aos vencidos, aplicam-se as Leis de Guerra.

Mas o problema é que, a partir do século 20, os Estados ganharam significativa capacidade militar e
bélica, que, de fato, poderiam destruir o Mundo. Com todo esse poderio, era interessante ter normas
para evitar essa destruição total. E uma importante tentativa de se codificar esse assunto se deu em
1919, com o Tratado de Versailles. Nesse Tratado, os Estados Soberanos buscaram estabelecer as
Contexto regras por meio “Das Altas Partes Contratantes”. Utilizou-se da velha noção dos Estados Soberanos
histórico para tentar resolver o conflito. Porém, isso não foi o suficiente, e o Mundo vivenciou a II Guerra
Mundial.

Nessa ocasião, pós-II Guerra, a premissa muda, e os Estados alteram a ideia das “Altas Partes
Contratantes”, ou seja, tira-se o Estado da questão central e se trabalha com a perspectiva de povos,
como textualmente consta no preâmbulo da Carta de São Francisco: “Nós os povos das Nações
Unidas”1.

Há uma mudança de perspectiva e se cria um cabedal jurídico ligado a Escola Idealista das
Relações Internacionais. Essa Teoria preconiza que as relações internacionais existem entre os
Estados civilizados. Este comportamento deve ser preservado, porque não surge a priori da norma,
e, sim, é uma consequência das relações internacionais entre os Estados.

Baseado nessa teoria idealista é que as Relações Internacionais irão trabalhar com a condução de
políticas. Políticas essas que vão ser adotadas e que podem explicar a conduta dos Estados e, até
certo ponto, a conduta dos indivíduos. Explicar, mas não justificar. A grande maioria dos seres
humanos querem, muitas vezes, justificar a razão ou as razões do porquê Putin fez isso e entender
qual é a motivação das tropas russas, mas o que se pode fazer é especular sobre o ocorrido. Esse é
o grande embate, porque sempre se precisam de justificativas e, às vezes, elas não existem,
ninguém as têm. Isso deixa a todos, os analistas e estudiosos do tema, bem como a população em
geral, muito desconfortáveis.

Porque na lógica humana, principalmente no direito, há a necessidade de se ter uma premissa inicial
e um contraponto, para assim obter um fechamento. Mas, às vezes, as coisas não funcionam desse
jeito.

Esse ideal, insculpido na Carta das Nações Unidas, em que o preâmbulo e o artigo primeiro trazem
uma ideia do idealismo das Relações Internacionais, é como pensar a humanidade de uma forma
quase edílica, ou seja, preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra.

E, assim, é possível percebemos que, muitas vezes, as questões devem ser analisadas não sob o
prisma jurídico, e, sim, sob a ótica das Relações Internacionais. E, por isso, é necessário analisar as
três teorias que vão ajudar a entender melhor o plano político e a compreender da adoção de
algumas medidas pelos Estados, utilizando, aqui, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia como um pano
de fundo.

3. Teoria das relações internacionais

É necessário pensar nas teorias das Relações Internacionais que coexistem. Assim, a teoria do
idealismo traz o pressuposto do comércio internacional, da existência de um comércio livre, comércio
esse que se desenvolve dentro de uma perspectiva democrática, muito próxima das ideias das
quatro liberdades de Franklin D. Roosevelt (liberdade de expressão, em que todo homem pode se
manifestar; liberdade de crença religiosa; libertação da miséria, direito a um nível de vida adequado;
e a libertação do medo). Essas liberdades que serviram de base à Declaração Universal dos Direitos
do Homem, em 1948.

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Toda essa noção está ligada às grandes guerras comerciais travadas entre os Estados Soberanos
que fazem uso de instrumentos de solução de controvérsias para resolverem as suas diferenças.
Então, há um deslocamento que faz com que, em vez de usar a guerra, esses Estados utilizem-se de
grandes embates feitos por meio da participação nas organizações internacionais governamentais
(embates frequentemente bem ríspidos). E isso só é possível por meio dos Estados Civilizados. E
qual é o conceito de estado civilizado?

Traduzir o conceito de Estado civilizado é complicado porque o Direito Internacional e as Relações


Internacionais são leituras criadas a partir de uma perspectiva europeia ocidental cristã. Portanto,
dispõem de valores que são impostos à sociedade e todos estão sujeitos a essas regras.

Mas, dentro da teoria das Relações Internacionais, existe outra teoria que explica um pouquinho
mais acerca do conflito que é abordado neste estudo. É uma teoria mais pragmática e menos
idealista. Considerando que, no sistema internacional, não existe uma autoridade central, não existe
um Superestado e não há um Estado que está acima dos outros Estados. Assim, nesse patamar, o
pressuposto de igualdade entre os Estados é que, mesmo que se tenham diferenças econômicas, os
Estados são iguais. E, por isso, a teoria do realismo trabalha com a questão da teoria dos jogos. Ou
seja, analisa-se o que o Estado tem a ganhar. E sob a ótica do conflito Rússia e Ucrânia,
investiga-se o que o Putin pode ganhar. Isso faz com que a questão da Ucrânia esteja em segundo
plano, o que é uma grande tragédia.

Analisar a teoria dos jogos e investigar quais são as vantagens, o que está em jogo no conflito e
quais são as possíveis sanções sob a perspectiva econômicas é o grande mote dessa teoria, pois
todas as variantes do conflito foram previamente analisadas. Compreender qual é o teatro que está
se formando e quais são as perspectivas que estão se desenhando é papel das Relações
Internacionais, pelo olhar das teorias existentes, e não do direito.

O que se procura, na análise das relações internacionais, é afastar as paixões do justo e do injusto,
do certo e do errado, e analisar o contexto das possíveis vantagens e possíveis desvantagens
presentes no conflito. Esse é o trabalho do realismo. É sob a ótica do realismo que os Estados
buscam maximizar sua segurança e seu poder2. E com esse entendimento, é possível começar a ter
uma perspectiva diferente da visão “midiática” sobre o Putin e do conflito em si. É possível
compreender que o presidente da Rússia “pode estar jogando” e tem consciência das questões que
envolvem toda as Relações Internacionais. Putin vai contar com a questão do imprevisto, ele está
“fazendo um jogo”. É a ideia do ganha-ganha. Assim, se a Rússia tomar determinada atitude, isso vai
justificar as perdas da economia russa? A resposta pode ser sim ou não.

Nesse mesmo sentido, quando o olhar se volta para a China é possível compreender o porquê de a
China não atacar Taiwan. Porque não compensa. Porque Taiwan é uma ilha de pouco mais de
36.000 km² e é muito pequena para ser conquistada e, com isso, perder o volume de comércio
internacional que a China tem com os Estados Unidos ou com o Mundo Ocidental. Sofrer sanções
passa a não ser interessante nesse caso. Portanto, uma possível invasão da China em Taiwan fica
melhor, apenas, na questão do discurso. Isso é a teoria dos jogos. Analisa-se o que compensa e que
não compensa para o Estado. Ele se aplica na mesma China, no cenário do Mar do Sul da China.
Não é muito interessante para um Estado atuar, mas, muitas vezes, fazer ameaças, em um mise en
scene, do que, efetivamente, atuar.

Nesse sentido, isto é, dentro da teoria dos jogos, que o Estado russo repete tal raciocínio, analisando
se, por meio de incursões militares, a reação provocada e, assim, considerando as consequências
dos atos, como por exemplo, mudar a direção dos combates, de Kiev, para sudeste ucraniano. Em
outras palavras, é necessário retirar as nossas paixões e analisar a questão de uma maneira
objetiva.

Analisar o que os Estados têm a ganhar e/ou o que se tem a perder. Verificar se tudo isso vale a
pena ou não é trabalho de análise do realismo. E, dessa forma, é possível explicar, em parte, a
conduta do Putin. Mas a Escola Realista não responde a totalidade das questões nesse conflito. A
outra parte dessa explicação encontra guarida na teoria crítica das relações internacionais.

A teoria crítica das relações internacionais dialoga com a teoria da dependência e traz a ideia de
Estados dominantes e Estados dominados; Estados centrais e Estados periféricos. Então, esse é um
discurso de poder, em que se verifica muito do entendimento de Gramsci, na questão da hegemonia.
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E isso também explica determinadas condutas adotadas pela Rússia em relação aos seus antigos
satélites e aos Estados que eram integrantes da antiga União Soviética.

O raciocínio é facilmente verificável. O Presidente Putin, na época da URSS, era agente da KGB na
antiga Alemanha Oriental. A URSS possuía mais de 22 milhões de quilómetros quadrados. Hoje, a
Rússia possui 17 milhões. A URSS possuía estados satélites, como Polônia, Hungria, Romênia ou
Contexto Moldávia; além de Estados, hoje independentes que faziam parte da União Soviética diretamente,
histórico como a Ucrânia; as repúblicas bálticas; o Cazaquistão; etc. Há o natural desejo, expresso ou tácito,
do retorno ao Império Soviético, não na forma política, mas territorial. Existem, então, dois aspectos
que têm que ser levados em consideração: a questão do realismo e a questão da teoria crítica, tudo
isso no plano de relações internacionais.

Já dentro do Direito Internacional, sempre se reconheceu aos Estados o direito de fazer a guerra.
Nas Relações Internacionais isso é refreado por meio do conceito de guerra justa e guerra injusta. A
guerra justa é guerra de legítima defesa. A guerra injusta é guerra de agressão. Por esse motivo que
a Rússia tem evitado utilizar o termo guerra. E o Estado Russo está correto em não chamar de
guerra, porque guerra tem que ter uma declaração, portanto, deve existir o ato formal da guerra.

Assim, a Rússia faz uso de termos como “atividades especiais”, e o Ocidente vem denominando as
atividades russas de conflito. Assim, não é considerada uma guerra pela inexistência da declaração
formal de guerra e, como decorrência disso, busca-se evitar as consequências que virão a partir
dessa possível declaração.

4. Os direitos dos Estados no direito internacional público e a violação russa

De um lado, existem as relações internacionais, e, de outro, existem as questões do Estado


enquanto sujeito de Direito Internacional. Quando é feita a análise das violações da Rússia,
afirma-se que a Rússia violou o Direito Internacional. Onde a Rússia violou o Direito Internacional?

Para chegar nesse ponto é necessário relembrar algumas verdades. Assim, se é verdade que a
humanidade foi feita à imagem e semelhança do Criador, os homens fazem as criações à imagem e
semelhança da figura humana. Assim, se o homem é feito à imagem e semelhança do Criador –
lembrando que o Criador é Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo –, o homem vai ser feito,
segundo uma questão aristotélica, de corpo, alma e espírito. E as nossas criações também seguem
a tríade do Criador.

Portanto, é possível afirmar que o Estado, enquanto criação humana, segue a mesma tríade, sendo
composto pelos seguintes elementos constitutivos: povo, território e governo. Chama-se atenção
sobre o Real. O Real é composto por coisas e pessoas. O que liga as pessoas com as pessoas e as
pessoas com as coisas são os atos e fatos jurídicos, ou seja, uma construção. E essa construção
humana é feita sob uma perspectiva de respeito à hierarquia.

O Direito Internacional tem a figura do Estado como um dos pressupostos de existência da norma. O
Estado Soberano tem o direito fundamental à existência, ou seja, o direito de existir, esse é o direito
primordial do Estado. Esse direito é dividido em dois outros direitos fundamentais: o direito à
liberdade e o direito de defesa de conservação, tal como acontece com os seres humanos.

Dentro dessa denominação, a liberdade do Estado compreende um aspecto interno, chamado


soberania interna ou autonomia, sendo questões internas do Estado e que não dizem respeito a
ninguém mais. E existe o aspecto externo, chamado de soberania externa ou de independência, ou
seja, que diz respeito à relação do Estado com outros Estados. Assim, dentro do ordenamento
jurídico interno do país, verificam-se temas relacionados aos assuntos internos, como o direito da
organização política, determinando se o Estado será um Estado simples ou um Estado composto; se
vai ser uma monarquia ou se vai ser uma República. Tudo isso é assunto interno. E mais, soma-se o
direito de jurisdição, que engloba a jurisdição e competência, e o direito de legislação, da pirâmide de
normas, somado também ao direito de domínio, que abrange o domínio fluvial, terrestre, marítimo e
aéreo.

Ainda dentro do contexto do direito dos Estados, na esfera do Direito Internacional, no que
chamamos de soberania externa, ou independência, estão compreendidos o direito de legação ou de
representação política, que representa as embaixadas e os consulados; o direito de celebrar tratados
e/ou convenções, que estão no campo das fontes do Direito Internacional; o direito de fazer a guerra
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e celebrar a paz, em que se reconhece ao Estado o direito de fazer a guerra (refreado pelas
Relações Internacionais), e, se existe a guerra, é necessário ter normas para a guerra. E, finalmente,
ainda na esfera das soberania externa, duas questões, que são muito mais posicionamentos éticos:
direito à igualdade e direito de respeito mútuo.

E onde a Rússia violou o Direito Internacional? Nesses dois últimos pontos: direito à igualdade dos
Estados e direito de respeito mútuo entre os Estados. O Direito Internacional afirma que os Estados
são iguais e devem ser respeitados, e foi nesse ponto que a Rússia, ao invadir a Ucrânia, violou o
Direito Internacional. O que a Rússia fez foi quebrar a premissa de respeito dos Estados civilizados e
isso não é autorizado pelas normas internacionais.

Apenas para completar, dentro do Direito de Defesa e Conservação o Estado tem o direito de
impedir o ingresso de indesejados por meio de passaporte, controle esse feito pela aduana; o direito
de retirar estrangeiros nocivos à ordem de segurança pública, por meio de instrumentos como a
deportação, a extradição e a expulsão; o direito de celebrar alianças defensivas, onde entra a OTAN,
enquanto uma aliança militar de defesa, em que os Estados vão se unir e fazer frente a um possível
jogo de poder. Mas quem dá os instrumentos para todas essas ações é o Direito Internacional.

5. Direito internacional público e as sanções

Sobre a questão do conflito, quais são as medidas que o Direito Internacional oferece aos Estados,
quais são as medidas concretas que o Direito Internacional oferece aos Estados? A grande medida é
a responsabilidade Internacional do Estado que não cumpriu as normas internacionais. O Estado que
desrespeitou as normais internacionais é responsável pelos atos cometidos e por isso a máxima “Ai
dos vencidos”, pois o Estado que desrespeitou as normas será responsabilizado internacionalmente.

Quando se olha o contexto da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, quais são os instrumentos que o
Direito Internacional dispõe para esse cenário? São medidas coercitivas, por exemplo, sanções e o
rompimento das relações diplomáticas3. E esse rompimento não aconteceu. O Direito Internacional
ainda dispõe do princípio da retorsão, que é semelhante à lei de talião, ou seja, o Estado pode sofrer
as mesmas ações que fez.

Outras medidas que podem ser tomadas na esfera do Direito Internacional Público são: as medidas
de represália, que podem ser iniciadas por meio da perseguição (sendo muito parecidas com a
retorsão, mas tem um caráter de quase violação do Direito Internacional); o bloqueio, onde os
Estados impedem o comércio internacional; e os embargos a produtos, onde ocorre a imposição de
obstáculos ao livre comércio de produtos. Muitas dessas ações estão ocorrendo com a Rússia,
demonstrando como o Direito Internacional pode atuar no cenário do conflito.

Verifica-se a utilização de diversos meios dentro da órbita do Direito Internacional, tendo ainda a
guerra, de fato, como último instrumento possível. São medidas coercitivas que o Direito
Internacional oferece dentro do grande instituto que é a responsabilidade Internacional dos Estados.
Se um Estado viola o Direito Internacional, esse Estado é responsável pelos atos, e essa
responsabilidade é bem subjetiva, com consequências objetivas, como é possível ver no conflito em
questão.

6. Direito internacional humanitário – Princípios e sanções

A ações mencionadas estão no campo do direito internacional público, mas existem várias
manifestações de sanções que envolvem outras áreas do direito, por exemplo, é possível citar o
direito internacional humanitário. As regras desse ramo do direito ressaltam que, já que os Estados
podem fazer guerra, é necessário regular a guerra e evitar que tenhamos uma guerra sem quartel.
Então, a partir do momento em que existe guerra, entram em vigor algumas normas. Destacam-se as
normas das convenções de Haia de 1899 e 1907, as Convenções de Genebra de 1949 e os dois
protocolos adicionais de 1977, somando também as convenções de Nova York.

Então, para o caso em que existe o direito à guerra, existem regulações especificas. Existe o direito
na guerra e o direito à guerra. Dessa forma, o direito à guerra é regulado pelas convenções de Haia.
Por isso, existe o direito in Bellum e o direito ad Bellum. Assim, no direito na guerra existem as
medidas que são tomadas como forma de responsabilização dos Estados pelos atos cometidos.

Como o pano de fundo do artigo é a análise do conflito entre Rússia e Ucrânia, é necessário analisar
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sob a ótica de cinco princípios que estão ligados ao direito na guerra. Então, dessa forma, é
necessário considerar:4

Princípio da humanidade, em que os Estados envolvidos no conflito não podem usar armas que firam
desnecessariamente, sendo criada uma série de normas ao longo do tempo, como a proibição de
armas dum-dum, a proibição de armas bacteriológicas, armas químicas, entre outras. Porque, se o
Estado perder, isso vai ser usado contra o próprio Estado.

Princípio da necessidade militar. É o princípio em que se analisa a necessidade dos atos. Assim,
olhando para o conflito em que a Rússia atacou uma maternidade, verifica-se a necessidade desse
ataque. Por isso que a decisão militar tem que ser vista com muito cuidado. Pois pode ser que, lá, as
tropas do Estado guardem munições, como retratou a denúncia do caso dos israelenses quando
bombardearam as escolas na Faixa de Gaza. Os Estados avisam antes: “nós vamos atacar”,
sinalizando o ataque para que as pessoas possam sair e o ataque venha a destruir apenas os
equipamentos de necessidade militar.

Princípio da proporcionalidade, em que se analisa se a reação de um Estado é proporcional à


provocação. Esse ponto deve ser analisado com bastante cautela.

Princípio da limitação, em que se analisa se o Estado evitou danos supérfluos às pessoas e ao meio
ambiente. O Estado tem o compromisso de cuidar das pessoas e do meio ambiente. Justamente por
isso, foi interessante o ataque às usinas nucleares e houve denúncias do aumento do grau de
radioatividade. Parte das usinas foi só ligada, mas a grande preocupação reside no fato de que
houve um cuidado com o meio ambiente, não explodindo a usina inteira, mas ainda restam temores,
porque pode ainda haver quem queira explodir toda a usina.

Princípio da distinção – Clareza no objetivo militar, ou seja, o Estado está atacando militares, tendo
lucidez ao evitar baixas civis. O grande reflexo desse princípio é a autorização de corredores
humanitários, na tentativa de evitar as baixas civis.

Esses princípios têm sido verificados, com razoáveis práticas, no conflito entre Rússia e Ucrânia.

7. Direito internacional dos direitos humanos sanções

Em relação aos Direitos Humanos, existe uma questão forte ligada aos civis, à proteção da pessoa
humana. Por isso, teremos uma série de tratados, inúmeras posições adotadas pelos Estados, para
a proteção da pessoa humana. Para citar alguns: Declaração Universal dos Direitos Humanos –
1948; Convenção contra o Genocídio – 1949; Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados –
1951; Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados – 1966; Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos – 1966; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – 1966;
Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial – 1968; Convenção
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher – 1984; Convenção contra
a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes – 1984; Convenção
sobre os Direitos da Criança – 1989; no sistema regional interamericano: Convenção Americana
sobre Direitos Humanos – 1969; Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura – 1985;
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – 1994.

No presente conflito, é o caso da postura da Polônia, da Moldávia, entre outros, abrindo os espaços
para entrada de refugiados e ulterior concessão de asilo, no plano dos Direitos Humanos. Caso o
Estado não observe as regras de Direitos Humanos, também ocorre a responsabilização
internacional, ou seja, eventualmente isso será usado contra o Estado que desrespeitar as regras de
Direito Internacional.

8. Direito internacional econômico

No plano do direito internacional econômico, também existem sanções. E, ao utilizar o conflito Rússia
e Ucrânia, observa-se que a maior sanção feita a Rússia é a não participação nas relações
econômicas internacionais. A Rússia foi excluída das questões relacionadas ao comércio
internacional, buscando um estrangulamento da sua economia em médio prazo.

9. Conclusões

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De posse desses dados, o que podemos concluir é que o Ocidente, em particular, se arroga na
condição, até histórica, de “cuidar” dos Estados que participam da Sociedade Internacional.

Há que se realizar uma análise direta, isenta de paixões, afastada do emocional, para que os
sentimentos não venham a obscurecer a razão. Nesse contexto, deve-se levar em conta a questão
da teoria dos jogos ao ouvir ou ler os noticiários. Chama atenção que a Ucrânia está recebendo
mercenário e eles não estão protegidos pelas leis de guerra; isso é uma questão de risco.

A captura e o aprisionamento, seja de ucranianos, seja de russos, deve seguir as Convenções de


Genebra. Por outro lado, em caso de denúncia da Rússia no Tribunal Penal Internacional, teremos
(mais um) problema. Para denunciar o Putin por crime de genocídio e/ou por crimes de guerra ao
Tribunal existe uma dificuldade, pois a competência do Tribunal é subsidiária, ou seja, ele deve atuar
se não existir legislação interna que condene. Também existe a necessidade da presença do
condenado que deve ser uma presença física, o que, provavelmente, não ocorrerá. Ademais, o
Tribunal Penal Internacional é único tribunal internacional que tem o duplo grau de jurisdição. Ou
seja, da decisão do 1º grau cabe recurso ao Conselho de Segurança. Nesse caso, em sendo a
Rússia membro permanente do Conselho de Segurança, existem questões chamadas não
processuais, que envolvem as questões políticas, e que, no caso, o Estado russo tem o direito de
veto.

E questões atinentes a uma “guerra nuclear”? Hipótese não afastada, mas possível, se houver um
ataque à Polônia ou às Repúblicas Bálticas, que são membros da OTAN. Possível, mais improvável
de ocorrer.

E, em relação à pergunta formulada, de quais as consequências, em termos do direito internacional,


das ações praticadas pela Rússia, determinadas pelo seu Presidente Vladimir Putin?

Percebe-se que a posição do Ocidente está sendo coerente em trabalhar com sanções, e, a médio
prazo, vai produzir efeitos. A grande preocupação é no day after. Como é que vão ser e como é que
estarão as Relações Internacionais e as Relações de Poder depois disso? O que é certo é que esse
conflito tem o potencial de mexer com o Mundo que hoje conhecemos, erguido a partir da queda do
muro de Berlim, qualquer que seja o resultado (paz, com um cessar fogo; derrota da Ucrânia; derrota
da Rússia). As consequências do conflito serão, provavelmente, um dos grandes assuntos para os
próximos anos.

O que se sabe é que a análise precisa ser sempre cuidadosa e sem as paixões necessárias e que
novas ações serão necessárias para a reconstrução de um sistema de normas efetivas a todos os
Estados.

10. Referências

BYERS, Michael. A lei da guerra – Direito internacional e conflito armado. Rio de Janeiro: Record,
2007.

CINELLI, Carlos Frederico. Direito internacional humanitário – Ética e legitimidade na aplicação da


força em conflitos armados. Curitiba: Juruá, 2011.

MELLO, Celso Albuquerque D. Curso de direito internacional público. 13. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001.

SALDANHA, Eduardo. Teoria das relações internacionais. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011.

1 Ver: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm. Acesso em: 12.03.2022.

2 Sobre o tema ver SALDANHA, Eduardo. Teoria das relações internacionais. 2. ed. Curitiba: Juruá,
2011. p. 151.

3 Ver MELLO, Celso Albuquerque D. Cursode direito internacional público. 13. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001. v. II, p. 1391.
Página 8
O direito internacional e a natureza das sanções: o
conflito Rússia x Ucrânia

4 Sob os princípios, ver CINELLI, Carlos Frederico. Direito internacional humanitário – Ética e
legitimidade na aplicação da força em conflitos armados. Curitiba: Juruá, 2011. p. 60 e seguintes.
Também, BYERS, Michael. A lei da guerra – Direito internacional e conflito armado. Rio de Janeiro:
Record, 2007. p. 131 e seguintes.

Página 9

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