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MECÂNICA

DOS SOLOS

Cleber Floriano
Tensões devido ao peso
próprio do solo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
„„ Aprender o conceito básico de distribuição de tensões no solo.
„„ Entender o conceito de tensões totais.
„„ Compreender o que são as tensões neutras.

Introdução
Neste texto, você vai estudar os conceitos de tensões decorrentes do
peso próprio do solo. Você entenderá como são definidas e distribu-
ídas as tensões geostáticas e as tensões de água nos poros do solo
(poro-pressão ou pressão neutra) e como podemos calculá-las.

O equilíbrio estático de partículas


Ao abordar uma ciência chamada de mecânica dos solos, é impossível não
destacar a palavra “mecânica”, pois, caso contrário, não teríamos como falar
sobre o estado e a distribuição de tensões em um meio. O meio que estamos
lidando, nesse caso, é o solo. Não será o foco abordar profundamente a deter-
minação de estado de tensões, mas sim aquelas tensões atuantes em planos
horizontais no interior de um maciço, as quais são necessárias para o entendi-
mento dos temas desta disciplina.
Por enquanto, não falaremos nas tensões aplicadas externamente e sim
apenas nas tensões geradas no subsolo por conta de seu peso próprio.
Temos o contato frequente com o conceito pressão ou tensão atmosfé-
rica. Essa tensão ao nível do mar equivale aproximadamente a 1 kgf/cm²
ou 100 kN/m² ou 100 Pa ou ainda de forma mais simples, 1 atm. Esse valor
está relacionado a uma coluna de ar que promove tensões normais sobre
nosso corpo. Você sente essa variação de pressão quando sobe ou desce

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uma montanha (algumas pessoas sofrem mais com a variação de pressão).


O fato é que, ao subir a montanha, estamos diminuindo a coluna de ar que
está sobre nosso corpo e, ao descer, essa coluna cresce. Se considerarmos
que somos um pequeno ponto na atmosfera, veremos que essas pressões
atuantes podem ser consideras esféricas, o que nos coloca em um estado es-
tático e em equilíbrio. A dor nos ouvidos que sentimos é justamente um pe-
queno desequilíbrio (temporário) entre as pressões internas de nosso corpo
e as pressões externas atmosféricas. Nesse contexto, supõe-se que o ar é um
meio contínuo e homogêneo.
O solo, por ser um meio particulado, nos dá a sensação de que deve ser
trabalhado de forma diferente; de fato, o solo é um meio bastante complexo
do ponto de vista de distribuição de tensões no seu interior, ainda mais
que são constituídos de partículas de tamanhos diferentes. Se fizermos uma
primeira análise, já poderíamos observar que dependendo da característica
dos solos teremos tensões diferentes em um determinado plano horizontal.
Como exemplo, podemos citar que a distribuição de tensões em um solo
arenoso deve ocorrer no contato entre os grãos, enquanto em solos argilosos
esse contato deve incluir a água intersticial. Assim, as tensões nos contatos
devem ser muito maiores que as tensões que consideraríamos em um de-
terminado plano, pois a área de contato chega a ser menor que 1% da área
total do plano; como você pode ver na Figura 1, as forças são aplicadas em
diferentes áreas de contato (A1, A2, A3 e A4).

Figura 1. Esquema da distribuição de tensões entre contatos de grãos no interior de um solo.

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Tensões tangenciais também são desenvolvidas junto aos contatos e também se


anulam na condição de equilíbrio. No entanto, quando uma massa está em plano incli-
nado, como são as encostas, essas tensões podem entrar em desequilíbrio mecânico
e, assim, pode ocorrer o movimento da massa em um plano de menor resistência ao
cisalhamento. Termos assim um deslizamento da encosta.

Para fins práticos, você pode considerar que as áreas de contato são des-
prezíveis e, em média, é isso que realmente ocorre. Assim, você pode consi-
derar uma condição hipotética perfeita de um perfil de subsolo no qual temos,
no topo, o nível do terreno, com um solo homogêneo, isotrópico (o estado do
solo é idêntico em todas as posições), no qual também não haja carregamento
externo (cargas pontuais ou distribuídas), além de um ponto distante “z” da
superfície, um estado de tensões geostático. Nessas condições geostáticas (si-
milar a condição atmosférica e hidrostática) teremos apenas tensões normais
aplicada, ou seja, não se desenvolvem tensões cisalhantes (tangenciais). Essas
tensões normais atuantes, nesse caso, são chamadas de tensões principais (σv
e σh), como pode ser observado na Figura 2.

Figura 2. Elemento de solo tensionado no interior do maciço.

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Considerando um estado de tensões plano, para determinar a tensão


normal geostática ( ) no elemento “A” com lado de tamanho “b”, você con-
sidera o peso do solo acima desse elemento dividido pela sua área. Assim:

Onde:

„„ - é o peso da coluna de solo (prisma).


„„ - é a dimensão do elemento.
„„ - é a camada de solo até o elemento (profundidade).
„„ - É a área da face do elemento.
„„ - é o peso específico natural do solo.

Se segmentássemos o solo acima do ponto “A” em “n” planos horizontais,


o valor de é determinado pelo somatório de , onde “i” varia de 1 a “n”.
Assim, teríamos:

Para situações em que o peso específico não é constante, podemos integrar


a função do peso em relação à profundidade “z” quando conhecida tal função.
Normalmente, esse fato não é da prática de cálculos analíticos, pois o peso es-
pecífico varia pouco para um mesmo tipo de solo e, quando ocorre a troca, é
porque estamos em outra camada de solo. Exceto em alguns casos de solos
residuais. Podemos definir, portanto, a tensão geostática nessa ocasião como:

As tensões nos contatos entre partículas podem atingir valores muito elevados, depen-
dendo da profundidade à qual estamos nos referindo. Embora isso seja desprezível para o
efeito do cálculo de tensões geostáticas, devemos ter a percepção de que materiais com
baixa resistência podem se fragmentar quando atingidas pressões elevadas. Por isso, existe
a grande preocupação na construção civil quanto à resistência dos materiais britados.

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Tensões totais ou peso próprio do solo


As pressões totais representam o peso do solo nas condições de estado em
que ele se encontra. Não importa se o solo estiver saturado, parcialmente com
os vazios preenchidos por água ou completamente seco. As tensões totais re-
presentam as tensões devido ao peso próprio do solo. Assim, você pode cal-
cular qual a tensão total que ocorre em um maciço de solo; basta saber a sua
profundidade e também em que condições esse maciço se encontra, pois isso
determinará o valor do peso específico.
Analise a Figura 3 como exemplo. Em seguida, observe que agora temos
duas camadas de solo. O solo A (peso específico A) e o solo B (peso espe-
cífico B). Para determinar a tensão total na profundidade ZB, você precisa
saber a profundidade ZA, pois são materiais diferentes, com pesos específicos
diferentes.
O diagrama de tensões verticais ao lado esquerdo da figura mostra a forma
para determinar o valor da tensão total na profundidade ZA + ZB.
No exemplo a seguir, você pode observar que o diagrama apresenta uma
inflexão de com valor da tensão crescente na profundidade ZA, quando entra
no solo B, mostrando que o valor do peso específico de do solo B é maior que
o peso específico do solo A. Caso não ocorresse mudança de material na pro-
fundidade ZA, o diagrama seria linear. Ou, caso o peso específico do solo B
fosse inferior ao peso específico do solo A, também ocorreria a inflexão, mas
com valor da tensão com crescimento menor que a função do diagrama linear.

Figura 3. Cálculo das tensões geostáticas totais ou tensões devido ao peso próprio do solo.

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Tomamos um exemplo com valores reais como mostra a Figura 4. Nesta


figura, observam-se duas camadas de solo. A areia fofa com peso específico
de 16 kN/m³ até uma profundidade de 3 m. Depois, até a profundidade de 5
m, encontramos a camada de pedregulho, com peso específico de 21 kN/m³.

Figura 4. Cálculo das tensões geostáticas totais em um caso prático.


Fonte: Pinto (2002).

Para formatar o diagrama de tensões verticais do exemplo prático acima,


você deve realizar os seguintes cálculos:
PONTO 1 - tensões na superfície - não há carregamento externo.

PONTO 2 - tensões na cota - 3.

PONTO 3 - tensões na cota - 5.

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É importante frisar que é comum no meio geotécnico o uso da unidade Pascal (Pa).
Mais especificamente, o quilopascal (kPa). Em verdade, é simplesmente uma elegante
forma de apresentação da unidade de pressão ou tensão que corresponde ao newton
por metro quadrado ou, o mais comum para as tensões em solo, o quilonewton por
metro quadrado (kN/m²).

O peso específico aparente do solo pode ser calculado para os vários es-
tados em que se encontra o solo:

a.  Se o solo estiver seco, isto é, umidade e grau de saturação nulos, teremos:

b.  Se o solo estiver saturado, isto é, S=100%, teremos:

c.  Se o solo estiver em um grau de saturação qualquer:

Na prática da engenharia, é comum utilizarmos a condição de peso espe-


cífico natural, , medido em campo. E no laboratório, você pode medir a
condição de peso seco em estufa, , e a condição de peso saturado, . As
equações acima auxiliam a compreensão desses importantes índices físicos e
suas diferenças.
A Tabela 1 mostra valores típicos de pesos específicos de alguns mate-
riais geotécnicos. Você deve perceber a variação desses pesos específicos em
função do estado do solo. Também, a densidade do mineral constituinte da
formação do grão tem grande influência. Isso tudo está atrelado à quantidade
de vazios do solo.

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Tabela 1. Valores típicos de peso específico dos materiais naturais.

MATERIAL KN/m³

Pedregulho 21

Areia seca (fofa a compacta) 14 a 18

Areia saturada (fofa a compacta) 17 a 23

Argila de depósito 14 a 21

Argila orgânica 11 a 14

Solo residual de arenito 17

Solo residual de basalto 19

Gesso em pó 14

Minério de ferro 28

Rocha arenítica 21

Rocha basáltica 27

Tensões hidrostáticas
Uma das propriedades mecânicas importantes da água, do ponto de vista da
mecânica dos solos, é que você pode desprezar qualquer efeito de resistência
ao cisalhamento. A água, sendo um fluido de comportamento homogêneo
e isotrópico, atua com pressões em todas as direções em uma determinada
profundidade.
A água presente no interior dos vazios dos solos causa o efeito de poro-
-pressão. O solo quando saturado, ou seja, com os poros completamente pre-
enchidos por água, modifica seu estado de tensões efetivas, ou seja, a água
alivia as tensões de contato entre partículas. A pressão de água no interior
dos vazios do solo, portanto, deve ser negativa para as pressões efetiva. Isso
acontece quando existe um nível freático estático no interior do solo.

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O efeito da água no interior dos vazios dos solos pode ser bem observado
por meio de experiências simples, como o preenchimento com água em um
balde transparente cheio de areia média. Note que para deslocar a areia com as
mãos dentro do balde se torna mais fácil quando colocamos água do que com
a areia na umidade natural. Em linguagem mais simples, a pressão da água
nas partículas atua como alívio de peso, e as partículas tendem a flutuar. No
entanto, não ocorre a flutuação, pois o peso específico da partícula é superior
ao peso específico da água.
Para efeito de cálculo, a água que está nos poros, abaixo da superfície
freática, estará sobre uma pressão que independe da porosidade do solo, de-
pendendo somente de sua profundidade em relação ao nível onde se encontra
o lençol freático.

Figura 5. Cálculo das tensões geostáticas totais e pressão neutra no solo.

Na mecânica dos solos, representamos a pressão da água com a letra

Nesse caso, o peso específico do conjunto das estruturas sólidas abaixo


do nível freático pode ser calculado com o peso específico submerso (
ou ), ou seja, o peso específico do solo natural menos o peso específico da
água. Isso ficará mais nítido no cálculo tensões efetivas. Mas de antemão, é o
fenômeno no qual o empuxo da água alivia o peso da partícula. Lembre-se: as
massas mergulhadas em água são mais leves!

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A água em movimento no solo, ou seja, um caso de fluxo, quando na direção ascen-


dente, promove o fenômeno da areia movediça. Isso ocorre porque as forças de perco-
lação da água no interior do solo ultrapassam as forças de sustentação do solo devido
ao seu peso próprio.

1. A tensão total em um solo corres- e) com valores cada vez menores ao


ponde à longo da profundidade a partir
a) tensão de contato das partículas do lençol freático.
no plano vertical. 3. Para um solo cujo peso específico
b) tensão de contato das partículas natural é de 20 kN/m³, qual é a tensão
em um plano qualquer. total a uma profundidade de 15 m da
c) tensão de contato das partículas superfície, considerando um carrega-
em plano inclinado. mento externo nulo e a ausência de
d) tensão de contato das partículas nível freático?
no plano horizontal. a) 300 kPa
e) tensão de toda a massa de solo. b) 150 kPa
2. A poro-pressão ou pressão neutra é c) 150 kN/m²
uma pressão de água que atua: d) 150 kgf/cm²
a) somente no contato do solo com e) 300 kN/m³
a água. 4. Para um perfil de solo com duas
b) somente quando o solo não camadas, sendo a primeira com 5
estiver saturado. m de profundidade e a segunda
c) nos poros do solo, deixando as camada, sotoposta a primeira, com 5
partículas com peso submerso. m também. O nível freático situa-se
d) nos vazios dos solos com peso no encontro entre as duas camadas.
específico menor que o da água. O peso específico natural da primeira

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camada é de 20 kN/m³, e o peso d) No contato: = 50 kPa e U = 200


específico saturado da segunda kPa; no fundo: = 220 kPa e U =
camada é de 18 kN/m³. Considerando 50 kPa
o carregamento externo nulo, quais e) No contato: = 100 kPa e U = 0
são as tensões totais e poros-pres- kPa; no fundo: = 190 kPa e U =
sões no contato das camadas e no 50 kPa
fundo da primeira camada? 6. De acordo com o perfil de solo
a) abaixo, qual a tensão total e a poro-
b) -pressão no ponto A. Sabendo que:
c)
d)
e)
5. De acordo com o perfil de solo
abaixo, qual a tensão total e a poro-
-pressão no ponto A. Sabendo que:
a) No contato: = 50 kPa e U = 150
kPa; no fundo: = 180 kPa e U =
0 kPa
b) No contato: =100 kPa e U=0 a) = 178 kPa e U = 50 kPa.
kPa; no fundo: = 190 kPa e U = b) = 178 kPa e U = 25 kPa.
190 kPa c) = 188 kPa e U = 50 kPa.
c) No contato: = 200 kPa e U = d) = 188 kPa e U = 50 kPa.
50 kPa; no fundo: = 200 kPa e e) = 168 kPa e U = 25 kPa.
U=0 kPa

PINTO, C. S. Curso básico de mecânica dos solos em 16 aulas. 2. ed. São Paulo: Oficina de
Textos, 2012.

TERZAGHI, K.; PECK, R. B. Soil mechanics in engineering practice. New York: Wiley, 1967.

VARGAS, M. Introdução à mecânica dos solos. Porto Alegre: McGraw-Hill; São Paulo: Edi-
tora da Universidade de São Paulo, 1977.

VARGAS, M. Mecânica dos solos. São Paulo: Escola Politécnica Universidade de São Paulo,
1970.

Leitura recomendada
PINTO, C. S. Curso básico de mecânica dos solos em 16 aulas. 2. ed. São Paulo: Oficina de
Textos, 2012.

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