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2 Corte & Conformação de Metais – Abril 2012

Manufatura

Uma revisão dos processos


de corte convencional e
fineblanking
E          

corte fino (fineblanking), mostrando suas principais características e benefícios.


Atualmente, a escolha do processo está basicamente ligada à qualidade da
superfície de corte. O processo de corte fino, por empregar o uso de folgas
muito pequenas, apresenta superfícies lisas que não requerem acabamentos
posteriores.

U. Boff, H. Mozetic, V. Martins, P. R. Böesch Júnior e L. Schaeffer

A 
 
-
tes a par tir de chapas
metálicas tem uma importância
apenas quando a espessura da
chapa é elevada ou quando o
compor tamento mecânico do
utilizadas nas linhas de produção
devido a geometrias cada vez
mais complexas. Essas dificul-
significativa no setor industrial. material é frágil. No entanto, o dades foram suplantadas pelo
Para entender melhor o processo, fator determinante na escolha do surgimento do denominado corte
basta pensar na quantidade de processo de corte a ser utilizado fino (fineblanking), um processo
produtos fabricados por esse é a qualidade da região cortada. capaz de produzir peças estam-
princípio, como, por exemplo, Na maioria dos casos, essa qua- padas com bordas lisas isentas de
carrocerias de automóveis, fuse- lidade é definida pela aplicação estouro. Além de proporcionar
lagens de aviões, móveis de es- da peça. Para os casos em que a excelente acabamento de corte,
critório, eletrodomésticos, com- região cortada possui caracterís- ele elimina operações subsequen-
putadores e diferentes utensílios. ticas funcionais, é necessário um tes como rebarbação, fresamento
De um modo geral, esses produ- maior controle dos parâmetros ou mesmo retificação, obtendo
tos são obtidos por meio da do processo. peças prontas para a montagem
combinação de operações de Desenvolvimentos na indústria, de componentes e reduzindo
corte e deformação. principalmente a automobilística, consideravelmente os custos de
O processo de corte caracte- têm implicado a necessidade fabricação.
riza-se por ser realizado a frio, de melhorar o desempenho do Porém, a fabricação de pe-
recorrendo-se ao corte a morno acabamento de corte de peças ças pelo processo de corte fino
Uilian Boff (uillian.boff@ufrgs.br) é mestrando, Halston Mozetic é doutorando (halston.mozetic@ufrgs.br) e Paulo Ricardo Böesch Júnior (paulo.boesch@ufrgs.
br) é mestrando do programa de pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e Materiais (PPGEM), do Laboratório de Transformação Mecânica (LdTM) –
Departamento de Metalurgia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, RS. Vinicius Martins (viniciushiper@yahoo.com.br) é professor
no Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul) – campus Sapucaia do Sul e doutorando no PPGEM. Este artigo foi apresentado no
Inovtec 2011 (1º Seminário de Inovação e Tecnologia) do IFSul (Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Sul-rio-grandense), que ocorreu entre os dias 8 e 10
de novembro de 2011 no campus de Sapucaia do Sul, RS.
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exige alguns requisitos, como que causa a separação da peça


prensas rígidas de triplo efeito da chapa. A figura 2 ilustra os
com regulagem de pressão de componentes básicos de uma
forma independente e jogo de ferramenta de corte conven-
matrizes de precisão elevada cional.
com emprego de folgas muito Segundo Schaeffer (3) , uma
pequenas, da ordem de micra, peça cortada pelo processo
pelos quais é possível a produ- convencional apresenta carac-
ção de peças com superfícies terísticas próprias originadas
de corte isentas de defeitos, da forma como as tensões se
atendendo às mais restritas distribuem sobre a chapa no
exigências de qualidade. Este momento do corte (figura 2).
trabalho tem por objetivo es- Fig. 1 – Elementos básicos de uma ferramenta de Essas características definem
corte por cisalhamento. 1 – punção, 2 – matriz,
clarecer as diferenças entre o 3 – base da ferramenta, 4 – chapa, f – folga entre qualitativamente o processo
processo convencional e o de punção e matriz (fonte: Schaeffer, 2004). quanto ao resultado do corte.
corte fino. O autor ainda ressalta que a
relacionada com a qualidade da forma como se processa o corte
Processo de corte região cortada, sendo que as pode ser entendida pela análise
tolerâncias dimensionais devem de cada uma das fases do pro-
C"
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   - ser consideradas para a definição cesso.
ção mecânica que se destina à do melhor processo de corte para Na primeira fase há a atuação
obtenção de formas geométricas a fabricação do componente em da força do punção sobre a cha-
a partir de chapas submetidas questão. O processo convencio- pa, ocorrendo uma deformação
à ação de pressão exercida por nal difere do corte fino pelo uso elástica. A chapa arqueia-se sob
um punção ou uma lâmina de de folgas maiores. Normalmente, o punção e tende a empenar
corte. Quando o punção ou a o valor da folga representa entre devido à folga entre o punção
lâmina inicia a penetração na 5 e 10% da espessura da chapa. e a matriz. Dessa fase passa-se
chapa, o esforço de compressão No processo de corte fino, as rapidamente a uma deformação
converte-se em esforço cortante, folgas são da ordem de 1%, ou plástica, caracterizada pelo ar-
provocando a separação brusca menos. redondamento permanente da
de uma porção da chapa. No chapa. A seguir, ocorre a etapa
processo, a chapa é deformada Corte convencional do cisalhamento, na qual o mate-
plasticamente e levada até a rup- N
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&'  rial escoa devido ao esforço reali-
tura nas superfícies em contato pelo movimento de um punção zado pelo punção sobre a matriz,
com as lâminas. de corte contra uma matriz, o formando a zona cisalhada. Devi-
O processo de corte serve do ao crescente encruamento
tanto para realizar um furo do material durante o corte,
com o formato do punção na a zona de arredondamento
chapa quanto para separar o da chapa tende a aumen -
componente (também com o tar. A crescente solicitação é
formato do punção) (3). No caso aplicada até que se esgote a
de um punção circular, o diâ- capacidade de deformação
metro do punção é levemente da secção da chapa. Quando
inferior ao diâmetro da matriz, isso ocorre, surge na aresta
de forma a existir uma folga de corte da matriz uma trinca
que permite que o punção na direção máxima de tensão
penetre na matriz, separando Fig. 2 – Partes principais de uma peça cisalhada. de cisalhamento, que conduz
a – zona de arredondamento, b – zona cisalhada,
a chapa em duas partes. c – zona fraturada, d – rebarba, e – empenamento
finalmente à separação do
A escolha do processo está (fonte: Schaeffer, 2004). material. A trinca resultante
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Fig. 3 – Peças utilizadas pela indústria automotiva obtidas pelo processo de corte fino (fonte:
Schuler, 1998)
Fig. 4 – Peças utilizadas na transmissão
automática de um carro de passeio, obtidas

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 dade para o material contornar a pelo processo de corte fino (fonte: Schuler,
cortada como uma região rugosa aresta de corte), pela ductilidade 1998)
e de formato oblíquo, com um do material, pelo tamanho da
ângulo de inclinação que depen- folga e também pelo valor da necessidade de acabamento após
de do tamanho da folga. A forma força de corte que é aplicada à a operação de corte.
como ocorre a fratura também é região (2) . Ele consiste em fixar o mate-
responsável pelo tipo e tamanho rial por meio de um prendedor
da rebarba resultante na peça. Corte fino de chapas, sendo que, durante
A dimensão da rebarba será C"
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*
o processo de corte, a chapa
determinada pelo desgaste das folgas muito pequenas (micra). é submetida a um esforço in-
arestas de corte (quanto maior Por esse processo, é possível pro- ferior adicional de um contra-
for o desgaste, maior será o duzir peças com superfícies lisas punção, que realiza o corte. A
boleamento das arestas de corte e polidas como as que podem retirada do restante da chapa
e, portanto, menor será a dificul- ser vistas nas figuras 3 e 4, sem do punção é feita pelo mesmo
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Fig. 5 – Representação esquemática de uma ferramenta de corte fino (fonte: Rodrigues e


Martins, 2005)

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p $ e o encostador/desembainha-
e o contrapunção executa a dor na parte superior (2) . Com
operação de extração da peça a co l o c a ç ã o d o s e l e m e nto s
cortada da matriz inferior (3 ) . A principais e de transmissão de
figura 5 apresenta esquema- forças na parte inferior da es-
ticamente uma ferramenta de trutura da prensa, procura-se
corte fino. evitar as vibrações e as folgas
Para evitar o aparecimento de associadas aos elementos que
defeitos característicos do pro- se movimentam.
cesso de corte convencional, o
fineblanking exige ferramentas Folga entre
mais complexas, como prensas punção e matriz
de tripla ação e jogo de matrizes
rígidas, os quais asseguram a U $ ,
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produção de peças com superfí- tantes do processo de corte é a
cies de corte isentas de defeitos. folga entre o punção e a matriz,
A figura 6 (pág. 30) mostra uma por ter influência direta na for-
matriz de duplo estágio, sendo mação de rebarba e desgaste
que o primeiro estágio realiza a das partes ativas da ferramenta.
perfuração central, furação de Isso porque uma folga maior
fixação e o rebaixo, e o segundo resulta em uma zona de arre-
estágio equivale à furação dos dondamento maior, visto que
rasgos e contornos externos. as deformações são maiores (3) .
Também é comum a inversão Já uma folga menor leva a uma
de seus elementos, ficando o zona cisalhada maior, uma vez
punção na parte inferior, mon- que as tensões sobre o material
tado sobre uma corrediça que são mais elevadas, o que adia
se desloca de baixo para cima, o a p a r e c i m e nto d e t r i n c a s .
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conforme morfologia que será ilustrada na figura 8
(fonte: Rodrigues e Martins, 2005)
Folga – porcentagem da espessura do arco
Material
Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV Tipo V
Aço elevado teor de carbono 23 18 15 12 –
Aço macio 21 12 9 6.5 2
Aço inoxidável 23 13 10 4 1,5
Duro 25 11 4 3,5 1,25
Cobre
Macio 26 8 6 3 0,75
Bronze fosforoso 25 13 11 4,5 2,5
Duro 24 10 7 4 0,8
Latão
Fig. 6 – Ferramenta de corte fino de dois Macio 21 9 6 2,5 1
estágios (fonte: Schuler 1998) Duro 20 15 10 6 1
Alumínio
Macio 17 9 7 3 1
Magnésio 16 6 4 2 0,75
Chumbo 22 9 7 5 2,5

é mostrada na figura 7. Quanto desta ocasiona um maior repu-


mais espessa é a chapa, pior é xamento e um aumento de re-
a qualidade superficial da peça barba. O processo de corte fino
cortada. permite contrair todos esses
Fig. 7 – Comparação entre superfícies de aspectos indesejáveis, adotando
corte produzidos por corte fino e corte
convencional (fonte: Feintool Technology) Tipos de folgas folgas muito pequenas; porém,
é necessária uma ação combi-
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0 nada do encostador, do anel
relação direta com o desgaste uma parâmetro essencial do de retenção e do encostador/
das partes ativas da ferramen- corte, não só do ponto de vista desembainhador, permitindo
ta, pois quanto menor a folga, da qualidade das superfícies ob- introduzir estados hidrostáticos
maior a força necessária para tidas, como também das forças de compressão na zona solicita-
o corte. aplicadas (2) . Sendo assim, consi- da, contraindo a formação de
Não existe uma regra geral dera-se como folga ideal aquela fissuras e originando superfícies
para selecionar o valor da folga, na qual o trabalho consumido é lisas e brilhantes (2) .
pois são vários os parâmetros o mínimo.
de influência. A folga pode Os valores de folga por lado Força de corte
ser estabelecida com base em (medidos em porcentagem por
atributos como o aspecto su- meio da espessura do arco) de A$ $
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perficial do corte, imprecisões, modo a obter superfícies com a de corte, mesmo para chapas
operações posteriores e aspec- morfologia indicada na figura 5 finas, são altas, especialmente
tos funcionais. estão expressos na tabela 1. Os em materiais de alta resistência.
A qualidade final do corte valores fornecidos são empíricos, Isso porque o material vai en-
também pode variar devido ao razão pela qual variam de acordo cruando devido à deformação
material e à medida da folga com as fontes. plástica crescente, o que faz com
entre o punção e a matriz. A Para o processo de corte con- que a força de corte aumente
diferença entre a qualidade da vencional, a folga tem influência gradualmente até alcançar um
superfície cortada com o proces- na mor fologia da super fície valor máximo, iniciando, assim,
so convencional e de corte fino cor tada, ou seja, o aumento fissuras.
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Q  
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 -
vencional, a força de corte pode
ser diminuída com a inclinação
das arestas de corte do punção
ou da matriz. No entanto, o
trabalho continua igual, porque
é realizado durante um curso
maior, mas com uma força me-
nor. Dessa forma, o trabalho
total de corte é igual em ambos
os casos.
Já no corte fino, a força máxi-
ma é superior à do corte conven-
cional, conforme ilustra a figura
9 (pág. 33). Isso se deve ao fato
de a folga ser menor e o estado
de compressão induzido pelo
prendedor de chapa aumentar
o valor da tensão crítica.

Conclusão

U $ "
$ $  " -
tes do processo de corte é a fol-
ga, sendo ele também essencial
na escolha do processo. É ele
que determina a qualidade da
superfície da peça ou compo- Fig. 8 – Morfologia da superfície obtida pelo corte convencional em função do valor da folga
nente a ser obtido pelo corte. A entre o punção e a matriz (fonte: Rodrigues e Martins, 2005)
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representa de 5 a 10% da es- W


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$  -
pessura da chapa, a superfície dade Federal do Rio Grande do
de corte apresenta algumas ir- Sul (UFRGS) e às instituições de
regularidades, as quais podem apoio financeiro, como FAPERGS
ser superadas pelo processo de e CAPES.
corte fino, utilizando folgas de
1% ou menos. Obtêm-se, as- Referências
sim, superfícies lisas e polidas,
1) F E I N TO O L . Feintool Technology –
sem haver a necessidade de \]^ _`ab`c d efg dh^ e`i^ jbaik `il
acabamentos. Deve-se destacar process chain. Disponível em:
< http: / / w w w.feintool.com >.
ainda que o processo de corte
Acesso em jun. 2011.
fino exige ferramentas de tra- 2) R O D R I G U E S , J.; M A R T I N S , P.
balho mais específicas, como Tecnologia Mecânica – Tecnologia
da Deformação Plástica. Vol II
Fig. 9 – Evolução da força de corte com
prensas de tripla ação, e uma
Aplicações Industriais. Escolar
o deslocamento do punção para o corte força maior durante o corte do editora, Lisboa, 2005. p.187-240.
convencional e para o corte fino (fonte:
que para uma operação de corte 3 ) S CH A E F F E R , L. Conformação de
Rodrigues e Martins, 2005)
Chapas Metálicas. Imprensa Livre,
convencional.
Por to Alegre, 20 04. p. 61- 80.
/.& 
$  $ " $ 4 ) Schuler – Metal Forming
normalmente está relacionada Agradecimentos Handbook. Springer, Berlin;
Heidelberg; New York; Barcelona;
com a aplicação da peça ou
Budapeste; Hong Kong; London;
componente. Em um processo R$ ."
$ * 

 V  - Milan; Paris; Santa Clara;
convencional no qual a folga b oratório de Trans formaç ão Singapore; Tokio, 1998.

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