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5. ESTAMPAGEM

A estampagem é o processo de fabricação, em geral a frio, no qual a ferramenta de


estampo (matrizes, punções e/ou outros dispositivos) em conjunto com um maquinário (prensas,
dobradeiras/viradeiras, puncionadeiras, guilhotinas, etc.) produz peças de diversas formas e
aplicabilidades a partir de chapas metálicas, de espessura praticamente uniforme. A evolução
deste processo acompanhou a evolução humana ao longo dos séculos, sendo fortemente
impulsionado no século XX devido ao crescimento da indústria automobilística.
Em geral, este processo é adequado quando se deseja produção seriada de peças
e/ou um volume considerável de produção, já que possibilita baixo custo por unidade
fabricada. Por isso, as peças estampadas ganharam mercado em várias áreas e setores da
economia, como: eletrodomésticos, cutelaria (talheres), embalagens, indústria automotiva,
aeronáutica, naval e bélica, etc. Nas Fig. 5.1 e 5.2 são apresentados alguns produtos obtidos por
estampagem.

Fig. 5.1 – Produtos estampados diversos.

Fig. 5.2 – Processo de estampagem de uma peça automotiva.

O processo de estampagem pode ser classificado conforme sua finalidade e


ferramental utilizado, sendo: estampagem de corte (ou cisalhamento), estampagem de dobra
(ou dobramento), estampagem de repuxo (ou embutimento). Existem ainda outros processos
especiais de estampagem, como: processo Guering, estampagem incremental, calandragem, etc.
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5.1 ESTAMPAGEM DE CORTE (OU CISALHAMENTO)

A estampagem de corte, como o próprio nome sugere, tem como objetivo cortar a
matéria-prima ou parte desta visando obter o produto final. Para ser possível este processo são
necessárias três etapas típicas, representadas na Fig. 5.3 e descritas a seguir.

1) Esmagamento 2) Cisalhamento 3) Ruptura

Fig. 5.3 – Etapas do processo de estampagem por cisalhamento.

Etapa 1) Esmagamento (compressão): antes de furar, o punção encosta na chapa


que está apoiada na matriz e “esmaga” o material, forçando-o a sair pelo furo da matriz.
Etapa 2) Cisalhamento: ao prosseguir com o movimento de descida do punção,
após o esmagamento a peça é cisalhada tanto no furo na parte do punção, como no retalho do
lado que começa a passar pela matriz.
Etapa 3) Ruptura: por não haver possibilidade de cisalhar até o final em estampos
comuns, depois de um determinado ponto a chapa sofre o fenômeno de ruptura, sendo removida
do processo na forma de retalho ou da própria peça.
Na Fig. 5.4 é ilustrado um ferramental típico de estampagem por corte, ressaltando
seus principais componentes e a peça obtida através de processo progressivo.

Fig. 5.4 – Ilustração de uma matriz de corte progressivo.


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Basicamente as ferramentas de corte possuem: bases, colunas, buchas guias, matriz


superior e inferior, guias, punções (ou facas), extratores, placa porta-punção, etc. Logicamente,
que a quantidade de peças e complexidade do ferramental dependerá da geometria da peça a ser
fabricada, da quantidade de peças fabricadas em cada curso da prensa e da força requerida ao
processo. Assim, e em muitos casos se adotam matrizes progressivas – ilustradas na Fig. 5.5,
visando diminuir a força necessária ao processo e o custo do ferramental, almejando, portanto,
uma relação custo versus benefício mais favorável.

Fig. 5.5 – Ilustração do processo progressivo de estampagem.

Nas Fig. 5.6 e 5.7 são apresentadas matrizes complexas e outros equipamentos
utilizados para realizar a estampagem por cisalhamento do material, como: guilhotinas,
puncionadeiras e prensas diversas (excêntricas, hidráulicas, etc.) já plenamente discutidas em
capítulos anteriores.

a) b)

Fig. 5.6 – a) Puncionadeira hidráulica. b) Guilhotina hidráulica.


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Fig. 5.7 – Matrizes utilizadas para estampagem por cisalhamento.

As puncionadeiras são excelentes opções às prensas quando há diversidade de


produção, tanto com relação à geometria da peça quanto ao lote de produção. Por isso, este tipo
de equipamento também se torna indicado para lotes reduzidos de produção, dá mesma
maneira que o processo de corte a Laser. Porém, deve ser dada maior atenção ao acabamento das
peças, já que utilizando puncionadeiras para a confecção de peças com raios e curvaturas
exagerados – conforme a Fig. 5.8, resultam arestas serrilhadas com elevada rugosidade, o quê
muitas vezes é indesejado.

Fig. 5.8 – Moldura em aço carbono ABNT/SAE 1010 (dimensões: 290x175x0,9mm).

Outro fator que deve ser levado em consideração no projeto de corte por
estampagem, principalmente com relação ao acabamento e a redução dos esforços requeridos ao
processo, é a folga existente entre o punção e a matriz. O efeito desta folga é facilmente
percebido ao se analisar as regiões e o acabamento destas junto á superfície de corte, conforme
apresentado nas Fig. 5.9 e 5.10.

Fig. 5.9 – Regiões deixadas na superfície cisalhada.

Fig. 5.10 – Efeito da folga na superfície cisalhada.


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A folga adequada produz superfície mais lisa e isenta de defeitos, já a folga


insuficiente produz superfície áspera e requer maior energia para o cisalhamento do material.
Assim, folga excessiva produz distorção maior da aresta de corte e também maior energia
despendida. Além disso, folgas com dimensão excessiva aliada a lâminas de corte arredondadas
(= defeituosas, ou seja, sem fio) contribuem para a formação de rebarbas, as quais deverão ser
retiradas da peça posteriormente – onerando ainda mais o processo.
Nesse sentido, e visando dimensionar adequadamente a folga existente entre
punção e as matrizes no processo de estampagem por cisalhamento é recomendável a utilização
de referências e bibliografias específicas, onde são indicados os valores aceitáveis de folgas
conforme o tipo de material a ser conformado – ver figura 5.11.

Fig. 5.11 – Folga entre punção e matriz conforme a matéria-prima.

Outra consideração que se deve fazer quando se idealiza um processo de


estampagem por cisalhamento é o aproveitamento da matéria-prima. Logicamente, que se
busca o melhor aproveitamento da matéria-prima utilizada – aquela na forma de chapa laminada
e que dará origem as peças. Nesse sentido, deve-se evitar ao máximo o desperdício de material
através da otimização no posicionamento adequado das peças planificadas junto à matéria-
prima. Atualmente, os softwares de CAD e CAM possuem ferramentas que possibilitam antever
esta disposição (layout) visando melhor rendimento e produtividade.
Na Fig. 5.12 são apresentadas algumas disposições de peças de geometrias diversas,
e em chapas retangulares tradicionalmente comercializadas.
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ERRADO

CERTO

Fig. 5.12 – Disposição de peças metálicas em chapas retangulares.

5.1.1 Viabilidade e estimativa de força

Por meio de ponderações práticas e teóricas, e considerando a ação de um punção de


corte com seção circular e fabricado em aço temperado, é possível predizer que para ser viável o
processo de corte de uma chapa, esta deverá apresentar uma espessura máxima “Smáx” de 20%
maior do que o diâmetro do punção “dpunção” a ser utilizado, conforme expresso na equação 5.1.

S máx = 1,2.(d punção ) (5.1)

Outra condição que deve ser prevista para viabilizar o corte sem empenamentos,
fissuras e outros defeitos é a distância entre a borda da chapa e o recorte. Onde, recomenda-
se deixar uma distância mínima entre 20% a 50% superior à espessura da chapa “S”. Vale
ressaltar que esta condição também é válida para a distância entre rasgos (estampos) adjacentes.
Com relação á força requerida ao processo de corte “Fc” deve-se considerar a área
de cisalhamento, que por sua vez é obtida pelo produto do perímetro de corte “Per” com a
espessura da chapa “S”. Além destes parâmetros é necessário ainda levar em consideração o

σc”, cujo valor situa-se entre 0,75 e 0,8 vezes o limite


limite de resistência ao cisalhamento “σ

σt”. Assim, têm-se as equações 5.2 e 5.3, visando obter a


de resistência a tração do material “σ

força requerida ao processo de corte por estampagem.


σ c = (0,75a0,8).σ t (5.2)

Fc = ( Per ).( S ).σ c (5.3)

Faz-se ainda necessário prever onde estará o centro de aplicação da carga junto à
matriz, considerando os momentos resultantes de todas as forças já estimadas e envolvidas no
processo de estampagem. Para isto é utilizado o Critério de Varignon, onde é definido e
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posicionado um plano cartesiano de maneira arbitrária junto à matriz (em geral num dos
vértices). Posteriormente, faz-se a soma dos valores dos momentos (= força x distância), e se
iguala ao momento total cuja incógnita será a distância com relação ao plano cartesiano
arbitrado, conforme representado na Fig. 5.13. O resultado será a distância do centro de
aplicação da força com relação à matriz, e por onde deverá ser fixada a espiga – parte da matriz
que faz a conexão com a prensa utilizada.

Fig. 5.13 – Obtenção do centro de aplicação da carga (força).


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5.2 ESTAMPAGEM DE DOBRA (OU DOBRAMENTO)

O processo de estampagem de dobra (ou dobramento) consiste em transformar um


material em uma peça útil a partir do seu dobramento num dado ângulo e/ou curvatura previstos
no projeto. Para isto são utilizados maquinários específicos visando obter a deformação do
material com a geometria e/ou perfil requeridos.
Na Fig. 5.14 têm-se ilustrado o ferramental básico (punções e matrizes) utilizado no
dobramento, bem como, possíveis geometrias obtidas a partir deste processo de conformação.

Fig. 5.14 – Punções e matrizes utilizados no dobramento, e alguns perfis obtidos.


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Vale destacar, que este processo tanto pode ser manual quanto automatizado,
fazendo uso de maquinários e dispositivos diversos, como: utensílios manuais, viradeiras,
dobradeiras hidráulicas ou pneumáticas, prensas, etc. – ver Fig. 5.15 e 5.16.

Fig. 5.15 – Viradeira manual para dobramento.

Fig. 5.16 – Dobradeira hidráulica para dobramento.

Dois fatores são importantes no dobramento: raio de curvatura e a elasticidade do


material. O raio de curvatura (ou raio de dobramento) é definido como sendo o raio da
superfície côncava utilizado na deformação da peça. Por sua vez, a deformação plástica no
dobramento é proporcional à distância da linha neutra, já que as fibras da superfície externa
sofrem tração e são mais deformadas do que as fibras internas, que sofrem compressão –
comportamento este que resultado do deslocamento da linha neutra (ver Fig. 5.17).
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Fig. 5.17 – Posição da linha neutra e das fibras comprimidas e tracionadas.

A linha neutra pode ser definida como sendo a linha da seção transversal cuja fibra
correspondente não sofre qualquer esforço ou qualquer deformação durante o processo.
Logo, na linha neutra não ocorrem tensões trativas ou compressivas e nem deformações que
possam alterar sua dimensão (= comprimento), permanecendo inalterada.
Porém, e como já citado, a posição (= localização) da linha neutra com relação à
espessura da chapa sofre modificação durante o processo de deformação, principalmente se
for considerado o dobramento plástico (ou seja, em condições de deformação permanente do
material) onde a linha neutra se desloca em direção à superfície comprimida – interna ao
dobramento. Estima-se, que para chapas de até 1mm de espessura não ocorre o deslocamento da
linha neutra ficando esta localizada exatamente na metade da espessura da chapa, ou seja, y=S/2.
Por sua vez, para chapas com espessura maior que 1mm, considera-se que a posição da linha
neutra fica a um terço da espessura, ou seja, y=S/3. Mas vale ressaltar que existem outros
métodos quantitativos mais precisos para a obtenção da posição efetiva da linha neutra.
É importante salientar que o grau de deformação durante o dobramento eleva-se
com a diminuição do raio de curvatura, pois resultados experimentais mostram que a
deformação circunferencial das fibras externas é maior que das fibras internas junto à superfície
de contração, principalmente para grandes razões entre a espessura “S” e raio de curvatura “R”.
Portanto, é possível concluir que para uma dada operação de dobramento o raio de
dobramento “R” não pode ser inferior a um valor de raio crítico mínimo “Rmín”, visando
evitar trincas por tração na aresta da chapa junto à superfície tracionada. Este “Rmín” geralmente
é definido como um múltiplo da espessura da chapa, conforme exemplificado a seguir:
Rmín = 1 a 2xS, onde o valor do raio mínimo é definido entre 1 e 2 vezes a
espessura da chapa (utilizado para chapas finas e materiais dúcteis);
Rmín = 3 a 4xS, onde o metal é dobrado com um raio mínimo de 3 a 4 vezes maior
que a espessura da chapa (utilizado para chapas grossas de espessura considerável);
Rmín = 5xS, onde o raio mínimo equivale a 5 vezes a espessura da chapa (indicado
para chapas de ligas de alta resistência mecânica ou materiais de elevada dureza).
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A elasticidade do material é outro fator importante no processo de dobramento


devido ao retorno elástico “K” da chapa ao final do processo, conforme ilustrado na Fig. 5.18.

Fig. 5.18 – Retorno elástico ao final do dobramento.

O retorno elástico “K” resulta da recuperação do material ao final do processo,


devido ao efeito “mola” presente em qualquer material mecânico submetido a um esforço. Onde,
cessada esta carga, o material tende a voltar a sua condição original antes da deformação.
Esse mecanismo é tão maior quanto maior for o limite de escoamento e a deformação
plástica imposta ao material. E, também, considerando uma determinada deformação este efeito
aumenta com a razão entre a largura “b” e a espessura da chapa deformada. Por outro lado,
quanto menor o raio de curvatura maior será a zona de deformação plástica e menor será o
retorno elástico do material. A equação para a estimativa deste parâmetro se encontra descrita
junto a Fig. 5.18, sendo: “α0” o ângulo de dobramento, “αf” o ângulo final especificado para
a peça, “R0” o raio de dobramento e “Rf”o raio final previsto para a peça.
O efeito do retorno elástico é bastante pronunciado no processo de dobramento, mas
também é encontrado em outros processos de conformação (ex.: embutimento, estiramento, etc.).
Sua principal conseqüência é a variação dimensional (angular) impostas às peças ao final deste
processo, o quê, em muitos casos, acarreta retrabalho destas e um aumento significativo no
tempo e custo de produção. Assim, e visando evitar e/ou minimizar o retorno elástico do material
ao final do processo de dobramento recomenda-se:
i) Reduzir o ângulo de dobramento;
ii) Reduzir o raio de dobramento, caso este não esteja no seu mínimo;
iii) Realizar o processo de dobramento em altas temperaturas, visando reduzir o limite
de escoamento;
iv) Aplicar maior força ao processo, fazendo com que não exista folga entre o
punção, a peça e a matriz, homogeneizando assim o estado de tensões na seção da
peça.
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5.2.1 Estimativa de força e momento fletor

Para se obter uma estimativa da força requerida ao processo de dobramento e, bem


como, do momento fletor máximo “Mmáx” permitido durante a dobra de uma tira ou chapa de
largura “b” e espessura “S”, primeiramente, é necessário classificar este processo conforme o
perfil resultante para a peça, sendo: dobra em “V”, “L” ou “U” – ver Fig. 5.19.

FV FL FU

Dobra em “V” Dobra em “L” Dobra em “U”


Fig. 5.19 – Classificação do processo de dobramento conforme o perfil resultante.

Assim, têm-se a seguir as equações 5.4, 5.5 e 5.6, que apresentam uma estimativa de
força e momentos envolvidos no processo de dobramento conforme o tipo de dobra.
Para dobra em “V”:

FV = .
( )
4 (b ). S 2 .σ t
⇔ M máx V =
L.(FV ) (b ). S 2 .σ t
=
( ) (5.4)
3 L 4 3

Para dobra em “L”:

(b ).(S 2 ).σ t (b ).(S 2 ).σ t


FL = ⇔ M máxL = f .(FL ) = (5.5)
3.( f ) 3

Para dobra em “U”:

FU = .
( )
2 (b ). S 2 .σ t
⇔ M máx U =
f .(FU ) (b ). S 2 .σ t
=
( ) (5.6)
3 f 2 3

Onde:
“f”: consiste na folga entre punção e a matriz, cuja estimativa inicial para o
dobramento situa-se entre 10% a 20% maior que a espessura da chapa;
“L”: consiste na largura do canal em “V” da matriz.

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