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Princípios básicos de

PARTE I
fisiologia e farmacologia

CAPÍTULO 1

Princípios básicos
de fisiologia

Este capítulo revisa os princípios básicos da composição corporal


e a estrutura celular.

I. Composição corporal
A. Em um homem adulto, cerca de 60% do peso corporal é composto
por água. Em mulheres, aproximadamente 50% do peso é composto
por água (refletindo um aumento da gordura corporal em mulhe-
res) e, em recém-nascidos, esta composição é de 70%. (Tabela 1-1).
B. Os líquidos corporais podem ser divididos em intracelular e extra-
celular, dependendo da sua localização em relação à membrana ce-
lular (Fig. 1-1).
1. O líquido intersticial está presente nos espaços entre as células.
2. O plasma está em equilíbrio dinâmico com o líquido intersti-
cial por meio de poros nos capilares; o líquido intersticial fun-
ciona como reservatório a partir do qual a água e os eletrólitos
podem ser mobilizados para a circulação.
3. A ingestão diária normal de água (bebidas e produção interna
pelo metabolismo alimentar) por um adulto é, em média, 2,5 L,
dos quais cerca de 1,5 L é excretado na urina, 100 mL é perdido
no suor e 100 mL está presente nas fezes.
II. Volume sanguíneo
A. O volume sanguíneo médio de um adulto é 5 L, compreendendo
cerca de 3 L de plasma e 2 L de eritrócitos (varia com a idade, o peso
e o sexo).
1. Em indivíduos não obesos, o volume sanguíneo varia em pro-
porção direta com o peso corporal, sendo em média 70 mL/kg
para homens e mulheres magros.

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TABELA 1-1
Água corporal total por idade e sexo
Água corporal total

Idade (anos) Homens (%) Mulheres (%)

18-40 61 51
40-60 55 47
> 60 52 46

2. Quanto maior a proporção de gordura em relação ao peso cor-


poral, menor o volume sanguíneo em mililitros por quilograma,
porque o tecido adiposo possui menor suprimento vascular.
B. O hematócrito normal é de 45% para homens e mulheres na pós-
-menopausa, e cerca de 38% para mulheres em idade fértil, com
uma faixa de variação de ± 5%.
III. Componentes dos compartimentos de líquido corporal (Fig. 1-2)
A. Uma distribuição desigual de íons resulta no estabelecimento de
uma diferença de potencial (voltagem) através das membranas
celulares.
B. Os componentes do líquido extracelular são regulados cuidadosa-
mente pelos rins, de modo que as células são banhadas em um líqui-
do contendo concentrações adequadas de eletrólitos e nutrientes.
C. O trauma está associado com perda progressiva de potássio pelos
rins devido, em grande parte, à secreção aumentada de vasopressina
e, de forma variável (dependendo do tipo de cirurgia), ao papel da
aspiração nasogástrica e perda direta de potássio.
IV. Osmose é o movimento de água (moléculas dissolvidas) através de
uma membrana semipermeável a partir de um compartimento no
qual a concentração de um soluto (íon) não difundível é mais baixa
(meio menos concentrado) para um compartimento no qual a con-
centração do soluto é mais alta (meio mais concentrado) (Fig. 1-3).
V. Tonicidade dos líquidos
A. Uma solução de glicose a 5% em água é inicialmente isotônica quan-
do infundida, mas como a glicose é metabolizada, a solução se torna
hipotônica.
B. A solução de Ringer lactato com 5% de glicose é inicialmente hi-
pertônica (cerca de 560 mOsm/L), mas, à medida que a glicose é
metabolizada, a solução se torna menos hipertônica.

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Estômago Intestinos
Pele
Pulmões Plasma sanguíneo: Rins
5% do peso corporal

Líquido
extracelular:
20% líquido Líquido intersticial:
corporal 15% do peso corporal

Líquido intracelular:
40% do peso corporal

FIGURA 1-1 Compartimentos de líquidos corporais e porcentagem de peso


corporal representada por cada compartimento. A localização relativa à mem-
brana capilar divide o líquido extracelular em plasma ou líquido intersticial. As
setas representam o movimento de líquido entre os compartimentos. (De
Gamble JL. Chemical Anatomy, Physiology, and Pathology of Extracellular
Fluid. 6ª ed. Boston, MA: Harvard University, com permissão.)

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200 HHCO3
HCO3⫺10
Líquido extracelular
175 Não eletrólitos HHCO3
Não eletrólitos
HCO3⫺
150 27 HCO3⫺ K⫹ PO43⫺
27 157 113

125
Meq/L H2O

100 Na⫹ Cl⫺ Na⫹ Cl⫺


152 113 143 117

75

50
Na⫹ Proteína
HPO42⫺2 14 74
25 Ácido org. 6 SO42⫺1 2⫺
HPO4 2
Ca2⫹5 SO42⫺1 Mg2⫹
K⫹5 Proteína 2⫹
Ca 5 K⫹4
2⫹
Mg 3 Mg2⫹3 Ácido org. 6 Proteína 2
26
16
0
Plasma sanguíneo Líquido intersticial Líquido intracelular

FIGURA 1-2 Composição eletrolítica dos compartimentos de líquidos cor-


porais. (De Leaf A, Newburgh LH. Significance of the Body Fluids in Clinical
Medicine. 2ª ed. Springfield, IL: Thomas; 1955, com permissão.)

Membrana
semipermeável

Pressão

FIGURA 1-3 Representação diagramática de osmose mostrando moléculas


de água (círculos abertos) e moléculas de soluto (círculos sólidos) separadas
por uma membrana semipermeável. As moléculas de água se movem atra-
vés da membrana semipermeável para a área de maior concentração de mo-
léculas do soluto. A pressão osmótica é a pressão que teria de ser aplicada
para prevenir o movimento continuado de moléculas de água. (De Ganong
WF. Review of Medical Physiology. 21ª ed. New York, NY: Lange Medical
Books/McGraw-Hill; 2003.)

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VI. Manejo dos líquidos


A. O objetivo do manejo dos líquidos é manter a normovolemia e a
estabilidade hemodinâmica.
B. Após 20 a 30 minutos, estima-se que 75 a 80% de uma solução fi-
siológica (SF) isotônica ou uma solução contendo lactato tenha sido
distribuída para fora da circulação, limitando, assim, a eficácia des-
tas soluções no tratamento da hipovolemia (a capacidade dos crista-
loides de restaurar a perfusão na microcirculação é duvidosa).
VII. Desidratação
A. Perda de água pela via gastrintestinal ou renal, ou por diaforese (su-
dorese excessiva) está associada com um déficit inicial no volume de
líquido extracelular.
B. A proporção de líquido extracelular em relação ao líquido intrace-
lular é maior em bebês do que em adultos (a desidratação se desen-
volve mais rapidamente e, com frequência, é mais grave nos muito
jovens).
C. Os sinais clínicos de desidratação ocorrem quando cerca de 5 a 10%
(desidratação grave) dos líquidos corporais totais foram perdidos
em um curto período de tempo.
1. Mecanismos fisiológicos geralmente podem compensar a per-
da aguda de 15 a 25% do volume de líquido intravascular.
2. Uma perda maior coloca o paciente em risco de descompensa-
ção hemodinâmica.
VIII. Estrutura e função celular. A unidade viva básica do corpo é a célula.
(Estima-se que o corpo inteiro consista em 100 trilhões ou mais de
células, das quais cerca de 25 trilhões são hemácias.)
A. Anatomia celular (Fig. 1-4)
B. Membrana celular
1. Cada célula é envolvida por uma dupla camada lipídica que age
como uma barreira à permeabilidade, permitindo que a célula
mantenha uma composição citoplásmica diferente do líquido
extracelular (Tabela 1-2).
2. Duplas camadas lipídicas são quase impermeáveis a substân-
cias hidrossolúveis, como íons e glicose. Alternativamente,
substâncias lipossolúveis (esteroides) e gases atravessam pron-
tamente as membranas celulares.
C. Transferências de moléculas através das membranas celulares
1. Difusão: oxigênio, dióxido de carbono e nitrogênio se movem
através das membranas celulares por difusão simples através da
dupla camada lipídica (Tabela 1-3).
2. Endocitose e exocitose transferem moléculas como os nu-
trientes através das membranas celulares sem que a molécula
realmente passe através da membrana celular (Fig. 1-5). Os

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Grânulos secretores

Complexo de Golgi

Centríolos

Retículo Retículo
endoplásmico endoplásmico
rugoso liso

Lisossomos
Envelope nuclear
Gotículas lipídicas

Mitocôndria

Cabeças
globulares

Nucléolos

FIGURA 1-4 Diagrama esquemático de uma célula hipotética (centro) e


suas organelas.

TABELA 1-2
Composição da membrana celular
Fosfolipídeos
Lecitinas (fosfatidilcolinas)
Esfingomielinas
Aminofosfolipídeos (fosfatidiletanolamina)
Proteínas
Proteínas estruturais (microtúbulos)
Proteínas de transporte (Sódio-potássio ATPase)
Canais iônicos
Receptores
Enzimas (adenilciclase)
ATPase, adenosina trifosfatase.

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TABELA 1-3
Relação prevista entre distância e tempo de difusão
Distância de difusão (mm) Tempo necessário para difusão

0,001 0,5 min


0,01 50 min
0,1 5s
1 498 s
10 14 h

neurotransmissores são ejetados das células pela exocitose,


um processo que requer íons cálcio e lembra a endocitose em
reverso.
3. Sódio-potássio ATPase (bomba de sódio-potássio) é um
transportador de sódio e potássio dependente de ATP na
membrana celular que ejeta três íons de sódio da célula em tro-
ca da importação de dois íons de potássio (Fig. 1-6).
4. Canais iônicos são proteínas transmembrana que geram sinais
elétricos no cérebro, nos nervos, no coração e nos músculos
esqueléticos (Fig. 1-7).
5. Alguns canais são altamente específicos em relação aos íons
que podem passar (sódio, potássio), e outros canais permitem
que todos os íons abaixo de determinado tamanho passem
(Tabela 1-4).

Fagocitose Pinocitose

FIGURA 1-5 Apresentação esquemática de fagocitose (ingestão de partícu-


las sólidas) e pinocitose (ingestão de partículas dissolvidas).

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3-Na
⫹ Fora

2-K⫹

ATPase


3-Na

2-K⫹

ATP ADP + Pi
Dentro

FIGURA 1-6 A adenosina trifosfatase (ATPase) sódio-potássio é uma en-


zima presente em todas as células que catalisam a conversão do trifosfato
de adenosina (ATP) em difosfato de adenosina (ADP). A energia resultante
é usada pelo sistema de transporte ativo (bomba de sódio-potássio), que é
responsável pela movimentação, para fora, de três íons de sódio através da
membrana celular para cada dois íons de potássio, que passam para dentro.

6. Os genes que codificam a proteína dos canais iônicos podem


ser defeituosos, levando a doenças como a fibrose cística (de-
feitos no canal de cloro) e a síndrome do intervalo QT longo
(potássio mutante ou, menos comumente, canais de sódio).
D. O núcleo é composto primariamente de 46 cromossomos, exceto o
núcleo da célula do ovo, que contém 23.
1. Estrutura e função do DNA e RNA (Fig. 1-8)
a. A mensagem genética é determinada pela sequência dos
nucleotídeos.
b. O genoma humano é composto de 20.000 a 25.000 genes (a
proteína que codifica os genes responde por apenas 1 a 2%
do nosso DNA).
2. O citoplasma consiste em água; eletrólitos; e proteínas, in-
cluindo enzimas, lipídeos e carboidratos; também contém inú-
meras organelas.
a. As mitocôndrias são as unidades geradoras de força das
células; contêm tanto as enzimas quanto os substratos do
ciclo do ácido tricarboxílico (ciclo de Krebs) e a cadeia de
transporte de elétrons.
b. O retículo endoplásmico é uma dupla camada lipídica
complexa que se dobra e cria vesículas no citoplasma. A
porção da membrana que contém esses ribossomos é co-
nhecida como o retículo endoplásmico rugoso. A parte da

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Extracelular Membrana celular Intracelular


Potencial Nernst
(Erev)
2,5 mM Despolarização
Ca2⫹ ⫹ 150 mV
0,0001 mM
Canais
iônicos Mecanismos de controle

142 mM Despolarização Sincronização



Na ⫹ 70 mV • Voltagem
10 mM • Tempo
• Agonista direto
• Proteína G
• Cálcio
Despolarização
Não seletivo 0 mV Modulação
Repolarização • Aumentos na fosforilação
• Oxidação-redução
• Citoesqueleto
• Cálcio
• ATP
101 mM Repolarização
Cl⫺ Cl⫺ ⫺30 a ⫺65 mV
Despolarização 5−30 mM

4 mM
K⫹ ⫺98 mV
Repolarização 155 mM

FIGURA 1-7 Os cinco principais tipos de canais iônicos proteicos são cál-
cio, sódio, não seletivos, cloreto e potássio. O fluxo de íons através desses
canais (cálcio e sódio para dentro das células e potássio para fora) determina
o potencial transmembrana das células.

TABELA 1-4
Diâmetros de íons, de moléculas e de canais
Diâmetro (nm)a

Canal (média) 0,80


Água 0,30
Sódio (hidratado) 0,51
Potássio (hidratado) 0,40
Cloreto (hidratado) 0,39
Glicose 0,86
a
1 nm = 10 Å.

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Canal principal

S A T S
P P 3,4 nm
S T A S
P P
S C G S
P P
S G C S
Canal menor

2,0 nm

FIGURA 1-8 Estrutura helicoidal dupla do DNA com a adenina (A) ligada à
tiamina (T), e a citosina (C) à guanina (G). (De Murray RK, Granner DK, Mayes
PA, et al. Harper’s Biochemistry. 21ª ed. Norwalk, CT: Appleton & Lange;
1988, com permissão.)

membrana que não contém ribossomos é o retículo endo-


plásmico liso. Essa porção lisa da membrana do retículo
endoplásmico funciona na síntese dos lipídeos, no metabo-
lismo dos carboidratos e em outros processos enzimáticos.
O retículo sarcoplásmico é encontrado nas células muscu-
lares, onde ele serve como reservatório de cálcio.

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