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De Educador

para Educador
COLETÂNEA DE MATERIAL PARA EDUCAÇÃO ESPÍRITA JUVENIL

“De tudo que semeares efetivamente


colherás” (Emmanuel)
De Educador para Educador
COLETÂNEA DE MATERIAL PARA EDUCAÇÃO ESPÍRITA JUVENIL

APRESENTAÇÃO

Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-


vos, este o segundo. (Evangelho Segundo o Espiritismo – capítulo VI)

A Doutrina Espírita envolve um grupo de ensinamentos que direcionam a aprendizagem do Espírito ao


desenvolvimento de suas potencialidades enquanto ser em evolução. O estudo dessa Doutrina nos leva a
refletir sobre as informações que o homem possui para pôr em prática a lei de amor através da educação dos
sentimentos.
Desse modo, o Núcleo Espírita de Educação e Apoio à Juventude (NEAJ) organizou estes encartes, cujo
objetivo é desenvolver uma introdução ao estudo da Pedagogia Espírita voltada à educação dos jovens.
Convidamos os educadores a buscar entender os métodos e as razões para o desenvolvimento dos
encontros cujo propósito será a formação do homem de bem. Esperamos que essa coletânea possa auxiliar os
educadores em seus primeiros passos em seu contínuo processo de formação.
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O Educador
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COLETÂNEA DE MATERIAL PARA EDUCAÇÃO ESPÍRITA JUVENIL

SUMÁRIO

Introdução: A Educação do Ser ........................................................................................................................ 3


Por que educar? ............................................................................................................................................... 4
O que é preciso para ser um educador? .......................................................................................................... 4
Como a doutrina espírita pode ajudar na educação dos jovens? .................................................................... 6
Em quanto tempo podemos obter algum resultado do trabalho de educação dos jovens, utilizando a
doutrina espírita como ferramenta? ................................................................................................................ 7
O objetivo da educação juvenil é angariar novos adeptos para a doutrina espírita? ...................................... 7
Como podemos nos motivar para fazer este trabalho? ................................................................................... 8
Bibliografia ...................................................................................................................................................... 12

NEAJ – Núcleo Espírita de Educação e Apoio à Juventude


De Educador para Educador
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INTRODUÇÃO: A EDUCAÇÃO DO SER

Uma frase de Allan Kardec, em Obras Póstumas, que nos toca muito e nos serve como estímulo
diário é a seguinte:
"O Espiritismo (...) foi a obra de minha vida. Dei-lhe o meu tempo, sacrifiquei-lhe meu repouso, minha
saúde, porque diante de mim o futuro estava escrito em caracteres irrecusáveis".
Não podemos esquecer jamais que a base teórica de nosso trabalho é a codificação espírita. No
princípio de tudo deve estar seu estudo, pois além de toda a firmeza doutrinária que Allan Kardec
deixou registrada de forma didática e acessível a todos, temos o respaldo de um Espírito brilhante como
ele é e que foi também educador. Reflitamos sobre as suas palavras em seus textos pedagógicos:
“A educação é a arte de formar os homens, isto é, a arte de fazer eclodir neles os germes da virtude e
abafar os do vício; de desenvolver sua inteligência e de lhes dar instrução própria às suas necessidades;
enfim, de formar o corpo e de lhe dar força e saúde. Numa palavra, a meta da educação consiste no
desenvolvimento simultâneo das faculdades morais, físicas e intelectuais. Eis o que todos repetem, mas o
que não se pratica. É preciso procurar a causa primeira disso na ignorância em que se está sobre os
meios próprios a se operar esse desenvolvimento. Tornar-se-á um homem médico ensinando-lhe que ele
deve curar seus doentes? Assim, pode alguém se gabar de estar apto a formar os homens, se sabe
apenas que se trata de formar o coração, o espírito e o corpo e ignora os meios de alcançar isso? Nisso,
como em todas as outras coisas, não basta conhecer o objetivo a ser atingido, é preciso ainda conhecer
perfeitamente o caminho que se deve percorrer.”
Desse trecho de Kardec, podemos extrair a lição de que, a partir do momento que assumimos a
postura de educar o jovem, precisamos nos dedicar para nos apossarmos de conhecimento a respeito
desse jovem, estudar estratégias para os encontros com eles, pesquisar sobre grandes educadores como
Sócrates, Rosseau, Pestalozzi, Montessori e Jesus. Entretanto, o fundamental é realizar em nosso
comportamento as mudanças promovidas pela auto-educação e amá-los incondicionalmente!

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POR QUE EDUCAR?

Em tempos atuais, em que nos deparamos com a educação convivendo com tantas dificuldades,
devemos refletir a importância da educação para o Espírito. A Doutrina Espírita alarga os horizontes da
educação, e sabemos que somos Espíritos imortais, portanto, temos uma vasta experiência anterior,
providos ainda da bênção da reencarnação, que é o grande instrumento educativo que Deus utiliza
com Seus filhos! Podemos então ter a visão da Doutrina Espírita como um grande projeto de educação
para nós, Espíritos que habitamos este planeta ainda em fase bem inicial de caminhada, dadas as
nossas grandes imperfeições! Em O Livro dos Espíritos, nos comentários sobre a questão 685, que
trata do trabalho como necessidade para o sustento, Allan Kardec fala o seguinte sobre a educação:
“Há um elemento que não se ponderou bastante, e sem o qual a ciência econômica não passa de
teoria: a educação. Não a educação intelectual, mas a moral, e nem ainda a educação moral pelos
livros, mas a que consiste na arte de formar caracteres, aquela que cria os hábitos, porque educação é
conjunto de hábitos adquiridos!”.
Diz ainda: “A desordem e a imprevidência são duas chagas que somente uma educação bem
compreendida pode curar. Nisso está o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, a garantia da
segurança de todos”.
É essa educação que devemos ter em mente quando nos propomos a trabalhar com a Educação
Espírita e sua divulgação junto ao jovem! Nosso intuito não deve ser o de simplesmente trazer novos
adeptos, mas o de proporcionar ao máximo a possibilidade de os jovens conhecerem as idéias espíritas
sobre Deus, imortalidade, reencarnação, comunicabilidade dos Espíritos, pluralidade dos mundos
habitados, para que assim possamos combater o materialismo, o egoísmo e a falta de amor que
observamos em nosso mundo! Temos o dever de dar alternativas, mostrar caminhos melhores que
possam ser seguidos rumo à espiritualização do ser! Tudo isso com muito amor, criatividade e
discernimento, pois sabemos que os apelos materiais são intensos e que o mundo serve facilidades em
bandejas requintadas de ilusões, levando o jovem freqüentemente a sofrimentos lamentáveis! Por isso
então educar, orientar, acolher, atender e amar os jovens, estimulando-os ao Bem é imprescindível
para construirmos um mundo melhor!

O QUE É PRECISO PARA SER UM EDUCADOR?

A formação do Ser perpassa por caminhos que vão além da aquisição de conhecimentos, pois a
evolução do Espírito é construída através da prática dos fundamentos do amor. Para ser educador é
fundamental ter consciência da necessidade de seu próprio progresso, sobretudo acreditar na
transformação moral do homem (Espírito imortal), pois nos dizem os Espíritos, em O Livro dos
Espíritos, na pergunta 796, que “somente a educação pode reformar o homem (...)” e Allan Kardec
acrescenta em Obras Póstumas: “É pela educação, mais do que pela instrução, que se transformará a
Humanidade”.

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J. Herculano Pires nos mostra que para o nosso aprendizado, temos o exemplo de Jesus, que
vivenciou a pedagogia do amor e da esperança, partindo dos ensinamentos mais simples para os mais
complexos, pois compreendia a superação da ignorância como um caminho gradual.
Tomamos como base a definição apresentada por Dora Incontri, no livro A educação segundo o
Espiritismo, em que ela afirma que “A capacidade para educar, está muito além dos conhecimentos
técnicos adquiridos num curso de Pedagogia. Ser educador é muito mais do que ser professor. Para ser
educador, não basta conhecer teorias, aplicar metodologias, é preciso uma predisposição interna, uma
compreensão mais ampla da vida, um esforço sincero em promover a auto-educação, pois o educador
verdadeiro é aquele que, antes de falar, exemplifica; antes de teorizar, sente e antes de ser um
profissional é um ser humano”.
No livro Reforma íntima sem Martírio, Ermance Dufaux cita algumas posturas íntimas necessárias
para estarmos sempre a caminho do nosso próprio processo de transformação:
“Postura de aprendiz: jamais perder o viçoso interesse em buscar o novo, o desconhecido. Sempre
há algo para aprender e conceitos a reciclar. A postura de aprendiz se traduz no ato da curiosidade
incessante, que brota da alma como sendo a sede de entender o universo (...).
Observação de si mesmo: é o estudo atento de nosso mundo subjetivo, o conhecimento de nossas
emoções, o não julgamento e a auto-avaliação constante.
Aceitação da sombra: sem aceitação da nossa realidade presente, poderemos instaurar um regime
de cobranças injustas intermináveis conosco e posteriormente com os outros.
Autoperdão: a aceitação, para ser plena, precisa do perdão. Recomeço é a palavra de ordem nos
serviços de transformação pessoal.
Cumplicidade com a decisão de crescer: o objetivo da renovação espiritual é gradativo e exige
devoção. Não é serviço para fins de semana durante a nossa presença nas tarefas do bem, mas serviço
continuado a cada instante da nossa vida! (...)
Vigilância: é a atitude de cuidar da vida mental. Cultivar o hábito da higiene dos pensamentos, da
meditação no conhecimento de si, da absorção de nutrição mental digna nas boas leituras, conversas,
diversões e ações sociais.
Oração: é a terapia da mente. Sem oração dificilmente recolheremos os germens divinos do bem
que constituem as correntes de Energia Superior da Vida. Através dela, igualmente, despertamos na
intimidade forças nobres que se encontram adormecidas ou sufocadas pelos nossos descuidos de cada
dia.
Trabalho: dar utilidade a cada momento dos nossos dias é sublime investimento de segurança e
defesa aos projetos de crescimento interior.
Tolerância: toda evolução é concretizada na tolerância. Deus é tolerância. Há tempo para tudo e
tudo tem seu momento.
Amor incondicional: aprender o auto-amor é o maior desafio de quem assume o compromisso da
reforma íntima. Aprender a gostar de si mesmo, independente do que fizemos no passado e do que
queremos ser no futuro, é estima a si próprio, um estado interior de júbilo com nosso retorno lento,
porém gradativo, para uma identificação plena com o Pai.
Socialização: A ação em grupos de educação espiritual será excelente medicação contra o
personalismo e a vaidade. Destaquemos assim o valor das tarefas doutrinárias regadas de afetividade
e siso moral.

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Caridade: se socializar pode imprimir novos impulsos e reflexões no terreno da vida mental, a
caridade é o “dínamo de sentimentos nobres” que secundarão o processo socializador, levando-o ao
nível de abençoada escola do afeto e revitalização dos ensinamentos espíritas.”

COMO A DOUTRINA ESPÍRITA PODE AJUDAR NA EDUCAÇÃO DOS JOVENS?

Em O Livro dos Espíritos, Kardec questiona aos Espíritos na pergunta 799: “De que maneira o
Espiritismo pode contribuir para o progresso?”. E obteve a seguinte resposta: “Destruindo o
materialismo, que é uma das chagas da sociedade, (...). A vida futura não estando mais velada pela
dúvida, o homem compreenderá melhor que pode assegurar o seu futuro através do presente.
Destruindo os preconceitos de seita, de casta e de cor ele ensina aos homens a grande solidariedade
que os deve unir como irmãos”. Esta idéia é complementada em O Evangelho segundo o Espiritismo
(capítulo II) quando os Espíritos dizem: “A idéia clara e precisa que se faz da vida futura dá uma fé
inabalável no porvir, e essa fé tem conseqüências enormes sobre a moralização dos homens, porque
muda completamente o ponto de vista pelo qual eles encaram a vida terrena”. Por isso, o Espiritismo
pode ser definido como uma proposta pedagógica cujo objetivo é promover a educação do Espírito
(Pinheiro Martins - Os Fundamentos Históricos da Pedagogia Espírita).
Precisamos dar alternativas para esses jovens que se defrontam com tantos caminhos desviados
do bem, e para isso não basta dizer não faça isso ou aquilo, não basta dizer que usar drogas faz mal;
é preciso mostrar essas alternativas e abrir o leque de possibilidades a partir dos princípios da
reencarnação, da lei de ação e reação, da idéia de Deus justo e bom, ampliar os horizontes com a
idéia da imortalidade, apresentando na vivência de situações que o bem pode mudar os caminhos de
uma vida. Segundo levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE), três são os principais motivos que levam os jovens a se envolverem com drogas: o
desejo de fugir dos problemas, a busca por aceitação social e a curiosidade por novas sensações.
Trabalhando princípios como resignação, perseverança, força de vontade, compreensão da nossa
responsabilidade diante dos problemas, cuidando da auto-estima dos jovens, estaremos combatendo
essa fuga da realidade; envolvendo-os com relações afetivas ricas em atenção, valorização e
trabalho, auxiliaremos em seu processo de aceitação social e, finalmente, suprindo a sede de saber e
o interesse por conhecer novas sensações voltadas para o bem, através do incentivo ao esporte, às
leituras prazerosas, à vivência da caridade para com o próximo, atenderá, acreditamos, à ansiedade
pelas novas sensações! Precisamos incentivar os jovens a uma rotina disciplinada de trabalho, estudo
e lazer, para que eles possam ocupar seu precioso tempo com experiências enriquecedoras, sem
esquecermos jamais que o educador é um grande incentivador e que cabe a cada um, de acordo com
o livre arbítrio, fazer seu próprio caminho!

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EM QUANTO TEMPO PODEMOS OBTER ALGUM RESULTADO DO TRABALHO DE EDUCAÇÃO DOS JOVENS,
UTILIZANDO A DOUTRINA ESPÍRITA COMO FERRAMENTA?

A Parábola do Semeador, contida no capítulo XVII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, nos traz
uma reflexão sobre esta questão: “Naquele dia, saindo Jesus de casa, assentou-se à borda do mar. E
veio para ele muita gente, de tal sorte que, entrando em uma barca, se assentou; e toda gente estava
em pé na ribeira. E lhes falou muitas coisas por parábola, dizendo: Eis aí que saiu o que semeia a
semear. E quando semeava, uma parte das sementes caiu junto à estrada, e vieram as aves do céu, e
comeram-na. Outra, porém, caiu em pedregulho, onde não tinha muita terra, e logo nasceu, porque
não tinha altura de terra. Mas saindo o sol a queimou, e porque não tinha raiz, se secou. Outra
igualmente caiu sobre os espinhos, e cresceram os espinhos, e estes a afogaram. Outra enfim caiu em
boa terra, e dava fruto, havendo grãos que rendiam a cento por um, outros a sessenta, outros a trinta.
O que tem ouvidos de ouvir, ouça. (Mateus, XIII: 1-9). Ouvi, pois, vós outros, a parábola do semeador.
Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a entende, vem o mau e arrebata o que se semeou no
seu coração; este é o que recebeu no pedregulho, este é o que ouve a palavra, e logo a recebe com
gosto; porém, ele não tem em si raiz, antes é de pouca duração, e quando lhe sobrevém tribulação e
perseguição por amor à palavra, logo se escandaliza. E o que recebeu a semente entre espinhos, este é
o que ouve a palavra, porém os cuidados deste mundo e o engano das riquezas sufocam a palavra, e
fica infrutuosa. E o que recebeu a semente em boa terra, este é o que ouve a palavra e a entende, e dá
fruto, e assim um dá cento, e outro sessenta, e outro trinta por um. (Mateus, XIII: 18-23).” Dora
Incontri também nos fala no livro A educação segundo o Espiritismo que “(...) a semeadura educativa
terá algum resultado, seja a curto ou longo prazo. O amor doado jamais é perdido. O exemplo deixado
sempre exerce uma influência cedo ou tarde sobre aquele que o observou”.

O OBJETIVO DA EDUCAÇÃO JUVENIL É ANGARIAR NOVOS ADEPTOS PARA A DOUTRINA ESPÍRITA?

É mais amplo dizer que o objetivo da educação juvenil é perpetuar o pensamento cristão,
inspirando os jovens à transformação em homens de bem. No capítulo XVII, de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, temos: “O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e
caridade, na sua maior pureza. Se interroga a sua consciência sobre os próprios atos, pergunta se não
violou essa lei, se não cometeu o mal, se fez todo o bem que podia, se não deixou escapar
voluntariamente uma ocasião de ser útil, se ninguém tem do que se queixar dele, enfim, se fez aos
outros tudo aquilo que queria que os outros fizessem por ele”. Também precisamos apontar como
objetivo secundário, a manutenção do movimento espírita, pois como nos lembra Christiano Torchi, no
livro Espiritismo passo a passo com Kardec, “Não nos esqueçamos de que os jovens nos substituirão em
nossas tarefas (...)”. Por isso, é necessário plantar bons frutos hoje para que a colheita seja produtiva
no futuro.

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COMO PODEMOS NOS MOTIVAR PARA FAZER ESTE TRABALHO?

Através do AMOR. Somente o amor é capaz de superar todas as dificuldades. Dora Incontri, em seu
livro Pestalozzi, Educação e Ética, traduziu a seguinte carta, intitulada Carta de Stans, escrita por
Pestalozzi, na qual ele descreve uma experiência vivenciada por ele na educação de crianças:
“Amigo! Acordo novamente do meu sonho, vejo novamente minha obra aniquilada e minhas forças
em declínio, empregadas em vão.
Mas por fraca e infeliz que tenha sido minha experiência, fará bem a qualquer coração, amigo da
humanidade, demorar-se nela alguns instantes e refletir sobre os motivos que me convencem de que
uma feliz posteridade amarrará de novo os fios dos meus desejos, bem no ponto onde os tive de deixar
(...)
Esperava encontrar na inocência do campo uma compensação para a insuficiência de recursos e na
sua miséria, uma raiz para sua gratidão. Meu fervor em poder realizar o maior sonho da minha vida
teria me levado, por assim dizer, a começá-Io nos Alpes mais altos, sem fogo e sem água, contanto
apenas que me deixem começar.
O governo me indicou para moradia o novo edifício do convento feminino (das Ursulinas) em Stans.
Mas, quando eu lá cheguei, ele ainda nem estava terminado e nem era uma instalação adequada para
abrigar um número considerável de crianças. Assim, antes de mais nada, precisava ser posto em
condições de ser usado. Para isso, o governo tomou as medidas necessárias (...)
Apesar de toda a boa vontade e de todo o apoio, essas medidas preparatórias exigiam pelo menos
tempo. Mas era exatamente isso o que mais faltava, em vista da necessidade permanente de cuidar da
grande quantidade de crianças abandonadas e das que haviam ficado órfãs por causa dos sangrentos
acontecimentos sucedidos.
Exceto o dinheiro, de resto faltava tudo, e as crianças afluíram para lá antes que a cozinha, os
quartos e as camas pudessem estar em ordem. Isso atrapalhou incrivelmente o início da coisa. Nas
primeiras semanas, fiquei confinado num quarto que não tinha nem 24 pés quadrados. A atmosfera
era insalubre, o tempo estava ruim, e a poeira da alvenaria que enchia os corredores completava o
desconforto do início.
No princípio, por falta de camas, à noite, tinha de mandar uma parte das crianças pobres para casa.
Todas elas voltavam pela manhã, cobertas de piolhos. Ao entrarem, a maioria dessas crianças se
encontrava no estado que a extrema degeneração da natureza humana traz como conseqüência
inevitável. Algumas chegavam com tanta sarna que mal podiam andar; muitas com as cabeças
abertas; muitas com trapos, cheios de piolhos; muitas, tão magras como esqueletos, amarelas, com os
dentes arreganhados, com olhos cheios de medo e a fronte cheia de rugas de desconfiança e
preocupação; algumas, cheias de valente atrevimento, acostumadas à mendicância, à mentira e a
todas as falsidades; outras, oprimidas pela miséria, pacientes, mas desconfiadas, insensíveis e
medrosas. No meio, havia algumas delicadas, que alguma vez já haviam vivido comodamente, essas
eram cheias de exigências, juntavam-se entre si, desprezavam as crianças mendigas e de famílias
pobres, não se sentiam à vontade naquela igualdade; o tratamento dos pobres não se parecia com o
seu conforto antigo e conseqüentemente não correspondia aos seus desejos. Em geral, havia uma
preguiçosa inatividade, falta de exercício intelectual e de habilidades físicas essenciais. Entre dez

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crianças, uma - se tanto - sabia o ABC. De outras disciplinas escolares, ou de elementos essenciais da
educação, nem se fale.
A completa ausência de formação escolar era justamente o que menos me preocupava. Confiante
nas faculdades da natureza humana, que Deus colocou também nas crianças mais pobres e mais
desprezadas, eu não tinha apenas aprendido em experiências anteriores que essa natureza desdobra
as mais formosas potencialidades e capacidades em meio ao lodo da rudeza, do embrutecimento e da
ruína, mas via, nas minhas próprias crianças, irromper essa força viva, mesmo em meio a toda a sua
brutalidade. Eu sabia o quanto a própria miséria e as necessidades da vida contribuem para mostrar
aos homens a relação essencial das coisas, para desenvolver a mente sadia e o bom senso e para
estimular energias - que parecem estar no fundo da existência, cobertas de imundície, mas que, se
limpas do lodo ao redor; brilham intensamente. Era isso que queria fazei: Elevá-Ias da lama e
transplanta-Ias para um ambiente simples, mais puro, doméstico, onde as relações fossem as de uma
família. Eu estava convencido de que apenas isso era preciso, e essas disposições naturais
despontariam num sentido elevado, com energia superior, para se provarem capazes de tudo o que
satisfaz o espírito e corresponde à mais profunda tendência do coração.
Via assim meus votos realizados e estava seguro de que meu coração mudaria o estado das minhas
crianças com a mesma rapidez com que o sol da primavera muda o chão enregelado do inverno.
E não me enganei; antes que o sol da primavera derretesse a neve das nossas montanhas, minhas
crianças estavam irreconhecíveis. (...)
Apenas com uma governanta, sem ajudantes, nem para as aulas das crianças, nem para os serviços
domésticos, pus-me no meio delas e abri meu Instituto. Eu queria e simplesmente precisava estar só,
para atingir minha meta. Não havia ninguém nessa terra de Deus que quisesse partilhar o meu ponto
de vista a respeito das aulas e da orientação das crianças. Não conhecia mesmo ninguém naquela
época que tivesse condições de fazê-lo. Quanto mais instruída e cultivada era a maior parte das
pessoas com as quais teria sido possível uma ligação, menos me entendiam e menos se mostravam
capazes de se afirmar - nem ao menos teoricamente - nos pontos iniciais a que eu procurava retornar.
Todas as suas idéias a respeito da organização, das necessidades do empreendimento, etc. eram
totalmente estranhas às minhas. Resistiam, sobretudo à idéia e à possibilidade de não se recorrer a
nenhum recurso artificial, de se usar apenas como recurso educativo a natureza à volta da criança, as
necessidades diárias e sua atividade, sempre animada. (...)
Minha convicção e meu objetivo eram um só.
Na verdade, eu pretendia provar com minha experiência, que as vantagens da educação familiar
devem ser reproduzidas pela educação pública e que a segunda só tem valor para a humanidade se
imitar a primeira.
Aos meus olhos, ensino escolar que não abranja todo o espírito, como exige a educação do homem,
e que não seja construído sobre a totalidade viva das relações familiares conduz a um método artificial
de encolhimento de nossa espécie.
Toda a boa educação exige que o olho materno acompanhe, dentro do lar, a cada dia, a cada hora,
toda a mudança no estado de alma de seu filho, lendo-o com segurança nos seus olhos, na sua boca,
na sua fronte.
E exige essencialmente que a força do educador seja pura força paterna, animada pela presença,
em toda a extensão, das circunstâncias familiares.

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Sobre isso eu construí. Que o meu coração estava preso às crianças, que a sua felicidade era a
minha felicidade, a sua alegria, a minha alegria - elas deviam ler isso na minha fronte, perceber isso
nos meus lábios, desde manhã cedinho até tarde da noite, a cada instante do dia.
O homem quer o Bem com tanto gosto. A criança tem tanto prazer em abrir os ouvidos para o Bem!
Mas ela não o quer por ti, professor; ela não o quer por ti educador, ela o quer por si mesma, o Bem,
para o qual deves conduzi-Ia, não deve ter nenhuma relação com os teus caprichos e com as tuas
paixões. É preciso que a natureza da coisa seja boa em si mesmo e pareça boa aos olhos da criança.
Ela precisa sentir a necessidade da tua vontade, conforme sua situação e suas carências, antes que ela
queira a mesma coisa.
Ela quer tudo o que a torna amável, tudo o que lhe traz reconhecimento, tudo o que excita nela
grandes expectativas, tudo o que nela gera energias, que a faça dizer: "Eu sei fazer”.
Mas toda essa vontade não é produzida por palavras, e sim pelos cuidados que cercam a criança e
pelos sentimentos e forças gerados por esses cuidados. As palavras não produzem a coisa em si, mas
apenas o seu significado, a sua consciência.
Antes de mais nada, portanto, eu queria e precisava ganhar a confiança e a afeição das crianças. Se
conseguisse isso, esperava que todo o resto viesse por si só. (...)
De manhã até a noite, eu estava quase sempre sozinho no meio delas. Tudo o que lhes chegava de
bom, para o corpo e para a alma, vinha de minhas mãos. Toda a ajuda, toda a mão estendida às suas
necessidades, todo o ensinamento recebido vinham sempre de mim. Minha mão se juntava às suas
mãos, meus olhos descansavam nos seus olhos.
Minhas lágrimas se derramavam com as delas, e meu riso acompanhava o delas. Elas estavam fora
do mundo, estavam fora de Stans, estavam comigo e eu estava com elas. Sua sopa era a minha, sua
bebida era a minha. Eu nada tinha, nem família, nem amigos, nem empregados; tinha apenas a elas.
Se estavam saudáveis, ficava no meio delas. Se adoeciam, permanecia ao seu lado. Dormia no meio
delas. À noite, eu era o último a deitar; e pela manhã, o primeiro a levantar. Eu orava com elas e lhes
ensinava ainda na cama, até que adormecessem - e eram elas que assim o desejavam. Exposto a todo
momento ao perigo de uma infecção dupla, cuidava da sujeira quase invencível de suas roupas e de
seus corpos. E só com isso, foi de fato possível às crianças se apegarem a mim pouco a pouco, e
algumas tão fortemente que chegavam a revidar pais e amigos, se ouvissem algo insensato ou alguma
palavra de desprezo a meu respeito. Elas sentiam a injustiça cometida contra mim e, devo dizer,
amavam-me ainda mais por isso. (...)
Mas, afinal, a própria convicção pessoal delas pôs um término à hostilidade do início. O Instituto
crescia sempre, de modo que em 1799 eu tinha em torno de oitenta crianças. A maioria delas era bem-
dotada, algumas excelentemente. A aprendizagem, para a maioria, era algo completamente novo e,
tão logo perceberam que isso as levava a algum lugar, seu zelo se tornou incansável. Crianças que
nunca na vida haviam tido um livro na mão, que mal sabiam de cor o Pai-nosso e a Ave-Maria
chegaram em poucas semanas a estudar com o maior interesse, de manhã cedo até tarde da noite,
quase ininterruptamente. Principalmente no começo, à minha pergunta, logo depois do jantar:
"Crianças, preferem agora ir dormir ou estudar?”, elas costumavam responder: "Estudar”. Isso
naturalmente esfriou depois, já que elas tinham de acordar cedo.
Mas esse primeiro ardor impulsionou o resto e o êxito do estudo foi tal que ultrapassou de muito as
minhas expectativas. (...)

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Minha meta principal direcionou-se, antes de mais nada, a tornar as crianças irmãs, cultivando os
primeiros sentimentos da vida em comum e desenvolvendo suas primeiras faculdades nesse sentido.
Com isso, minha intenção era fundir a casa no espírito simples de uma grande comunidade familiar e,
sobre a base de tal relacionamento e da predisposição por ele gerada, suscitar em todos um
sentimento de justiça e moralidade.
Atingi meu objetivo com razoável sucesso. Em breve, viam-se setenta crianças mendigas,
embrutecidas viverem juntas numa paz, num amor; numa atenção recíproca e cordial que raramente
se encontram entre irmãos de uma mesma família.
(...) Mas não te iludas. Não sonhes com uma obra acabada.
Esses foram os meus sonhos. “Tive de deixar Stans justamente quando acreditei estar perto de
realizá-los”.

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BIBLIOGRAFIA

DUFAUX, Ermance. (Psicografia de Wanderley S. de Oliveira) Reforma íntima sem Martírio. Ed. Dufaux,
2007
INCONTRI, Dora. Pestalozzi, Educação e Ética. São Paulo, Scipione, 1996.
INCONTRI, Dora. A educação segundo o Espiritismo. São Paulo, Edições FEESP, 1997.
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. J. Herculano Pires. São Paulo, Lake, 2006.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo O Espiritismo. Trad. J. Herculano Pires. São Paulo, Lake, 2006.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. J. Herculano Pires. São Paulo, Lake, 2006.
PIRES, J. Herculano. Pedagogia Espírita. 10ª Ed. São Paulo, Paidéia LTDA, 2004.
RIVAIL, Hippolyte Leon Denizard. Textos Pedagógicos. São Paulo, Comenius, 2005.
TORCHI, Christiano. Espiritismo passo a passo com Kardec. 2ª ed. Rio de Janeiro, Federação Espírita
Brasileira, 2007.

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