Você está na página 1de 6

Análise Morfológica de texto de notícia online, sob a perspectiva linguística da

Morfologia do Português Brasileiro.

AMANDA BARBOZA NOVAIS¹

ANNE FRANCIELLE BERTHOLDO²

JOÃO KEWELLYN DOS SANTOS FERNANDES³

Por que Lula decidiu deixar mais caras as compras na Shein e Shopee | VEJA

A presente matéria “Por que Lula decidiu deixar mais caras as compras na Shein e
Shopee”, publicada pelo site da Revista Veja, da editora Abril tem como objetivo causar um
impacto negativo aos leitores brasileiros que usufruem dessas determinadas plataformas de
compras online. Tendo em vista dois primeiros fatores que devem ser ressaltados nessa
contestação, a escolha morfológica das palavras “decidiu deixar mais caras”, bem como a
questão do trabalho de sintaxe ao colocar essa notícia como afirmação e não como uma
pergunta.

Inicialmente é possível analisar a parcialidade das revistas e jornais em tempos de


pós-eleição, uma vez que mesmo após o presidente eleito, ainda há vestígios de opiniões
contrárias ao governo, com o intuito de depreciar a imagem dele por meio das notícias. Sendo
assim, torna-se indubitável a tentativa do noticiário relacionar as atitudes do Ministério da
Fazenda com a do governo, tentando, desde então, associar uma atividade realizada pela
Receita Federal, com o nome do governo Lula. A partir disso, além da análise do discurso
(AD) para comprovar essa parcialidade, será complementado com análise morfológica na
seleção de palavras que colaboram para a difamação do governo por meio de um noticiário.

Tendo o consenso de que a notícia também se constitui como um discurso, pois ela
transmite dados e configura informações e, antes de tudo, ela é produzida por um sujeito, o
discurso está carregado de ideologias, uma vez que todo sujeito traz consigo ideologias, visto
que todo discurso contém ideologia (PÊCHEUX apud ORLANDI, 2015, p. 17). Mas, o que
não pode acontecer é o desrespeito em função da ética, visto que a neutralidade e a
imparcialidade são consideradas parâmetros que meçam a credibilidade do profissionalismo
dentro das revistas e jornais. Visto que (GUERRA apud 1999) avalia a imparcialidade a partir
da Teoria do Conhecimento, que descreve a imparcialidade, por parte do jornalismo, como
utópica e da Teoria Ética, que apresenta os ideais de imparcialidade em relação aos atores
sociais, ou mesmo garantir uma pluralidade de vozes no fazer jornalístico. Logo, deve haver
sim uma notícia apresentando veracidades, com fatos e dados de comprovação, desde que não
haja uma tomada de partida, pois essa ação fica à "mercê" do leitor ao ler o noticiário.

Dessa forma, ocorre o oposto no noticiário apresentado em relação ao anúncio por


parte da Receita Federal sobre o fim da isenção de impostos sobre as compras acima de U$50
realizadas no exterior, deixando em destaque a marcação morfológica clara em oposição ao
governo, ao trazer seu nome relacionado a uma ação voltada a contrabando de mercadorias,
com a frase “decidiu deixar mais caras”. Ao separar em fragmentos cada palavra é possível
destacar o valor semântico de cada estruturação de palavras escolhidas. Começando por
“decidiu”, no qual a afixação de sufixação da base “decid-” utilizou-se o sufixo de pretérito
perfeito “-iu” para remeter a uma ação realizada no passado, dando a entender que é uma
decisão que já foi feita, sem consulta do parlamento ou do público. Assim como o verbo
transitivo “deixar”, selecionado especificamente para indicar que o governo Lula permitiu a
alteração nos preços. Ademais, o processo morfológico de reduplicação também se encontra
presente, ao intensificar o adjetivo “mais caras”, dessa forma, utilizando de adjetivos para
alertar os leitores, de forma grotesca, sobre as mudanças nos preços dos produtos. Ou seja,
torna-se nítida essa manipulação por meio de escolhas de palavras que carregam carga
semântica a fim de causar pânico e descontentamento com o atual governo, infringindo a
ética do jornalismo postulada por Guerra (1999).

Antes de dar prosseguimento na notícia, de forma minúscula, ainda aparece um


comentário: "Segundo analistas, o preço dos produtos comprados em varejistas chineses vai
ficar mais alto”, como forma de reforçar novamente sobre o impacto da retirada isenção de
impostos sobre os produtos importados da China. Como essa questão já foi apurada no
parágrafo anterior, surge a necessidade de analisar os demais processos fonológicos ao
decorrer do texto da notícia apresentada. A seguir, encontra-se a primeira lacuna da matéria:
A Receita Federal anunciou na terça-feira 11 o fim da isenção de imposto de importação
para encomendas no valor de até 50 dólares, com o objetivo de impedir a sonegação por
empresas de comércio eletrônico. A mudança deve atingir principalmente grandes
varejistas asiáticas, como Shein, Shopee e Aliexpress, que caíram no gosto do brasileiro.
Igor Mauler Santiago, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário
(IDPT), alerta que haverá aumento de preços para todos. “A máquina fiscalizadora da
Receita é eficiente. Alguma coisa sempre passa, mas o grosso será tributado”, diz.

Ao fragmentar o texto e selecionar determinadas palavras, de início nota-se o


substantivo “fim”, um substantivo que significa que algo foi impedido, logo após destaca-se o
intenso uso de mecanismos de comoção a partir de alguns verbos negativos no infinitivo, com
temas verbais em /i/, tais como: impedir, atingir, remetendo-se a um texto que só convém
notícias ruins. O verbo no pretérito perfeito caíram também remete a essa intenção de causar
insegurança no leitor. Bem como os advérbios e adjetivos selecionados, como alerta e grosso,
palavras de morfema zero Ø que concorda com o presidente do IDPT (sobre o aumento de
preços) e com o “tributado”, que dão continuidade nessa intencionalidade de remeter apenas
aspectos negativos à notícia. Outro ponto a se notar é a incerteza dos fatos trazidos ao afirmar
as teses, por exemplo, quando o autor utiliza dos verbos na 3ª pessoa do singular do presente
do indicativo como “deve”, ou seja, não demonstrando certeza ou contestação na sua fala,
mas hipótese.

O segundo parágrafo tende a complementar a introdução ao tema trazida no primeiro


parágrafo, como forma de explicar o porquê da iniciativa de dar um fim à isenção dos
impostos sobre os produtos importados.

O processo de importação tem alguns impactos fiscais, tanto para o comprador quanto
para o vendedor. Do ponto de vista do comprador, trata-se de uma operação de importação,
regular, desde que cumprida as regras de tributação. O que já é previsto. Em nota, o
ministério da Fazenda afirma que já existe tributação de 60% sobre o valor da encomenda,
mas que a cobrança não é efetiva. “O que se está se propondo são ferramentas para
viabilizar a efetiva fiscalização e exigência do tributo por meio de gestão de risco:
obrigatoriedade de declarações completas e antecipadas da importação (identificação
completa do exportador e do importador) com multa em caso de subfaturamento ou dados
incompletos/incorretos”, disse a pasta.
De forma objetiva, mas ainda com traços de intencionalidade, o autor traz sobre o
assunto, mas de tal forma que cause efeitos de descontentamento apenas com a camada que
se sinta prejudicada, como forma de explanar o sentimento de fúria e oposição. Como faz ao
tratar apenas sobre como fica a posição do comprador, ao citar sobre os impactos fiscais tanto
para o comprador, quanto para o vendedor. Dessa forma, ele se dispõe de um papel antiético,
impondo sua ideologia e tentando influenciar outros leitores, visto que quem lê são
justamente os compradores, os que irão acatar de primeira a informação e possuir a mesma
indagação que autor. Outrossim, a mesma incerteza que ocorre no primeiro parágrafo,
apresenta-se neste também, na frase “alguns impactos”, onde o pronome indeterminado deixa
omitido a quantidade de impactos que essa ação causa, ou seja, onde há omissão de certezas,
há a elaboração de hipóteses.

Ademais, no terceiro parágrafo o autor explica sobre o porquê da ação realizada pelo
ministro da Fazenda, em função de inibir o contrabando online. Mas, ainda assim, com
verbos que causem uma segunda perspectiva sobre a situação, trazendo ambiguidade no
sentido das palavras.

A tributação de compras online, em especial dos sites chineses, já tinha sido ventilada
pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo ele, essa era uma forma de acabar
com o que chama de “contrabando online” e aumentar a arrecadação. Para conseguir
cumprir as metas do novo arcabouço fiscal, o ministro disse que é preciso aumentar a
receita entre 110 bilhões e 150 bilhões de reais.

É possível destacar, em primeira análise, o encapsulamento apresentado por meio do


tributação de compras, que segundo Koch (2005, p. 68), as expressões nominais
encapsuladoras podem nominalizar fatos, atividades, estados, eventos, e, geralmente, vêm
acompanhadas de modificadores e/ou determinantes. Neste caso, apresentada como um
evento e é acompanhada de um modificador direto, o verbo ventilada, um termo um tanto
quanto presente em sentido figurado, tendo em vista que não tem um sentido conciso e
literal sobre a período que está inserido. Sendo assim, fortalecendo ainda mais a afirmação
de que o texto do noticiário apresenta nítidas marcas de subjetividades, o qual além disso, de
acordo com Koch (2014), o “encapsulamento” é uma particularidade das nominalizações,
onde “Encapsular” significa sumarizar uma determinada porção de informações contida em
segmentos textuais sob a forma de uma expressão nominal, transformando-as em
objetos-de-discurso. Ou seja, como forma de identificar o seu discurso em um texto, por
meio de um conjunto de palavras que determinam a sua ideologia, o que claramente
acontece neste texto.

No caso dos verbos acabar e aumentar estão como verbos transitivos indiretos e com
temas verbais em /a/, na mesma intenção de manter o leitor em alerta sobre as ocorrências,
pelo seu sentido semântico. Outro processo morfológico a ser destacado é a composição no
contrabando online, que por mais que não seja unido por um hífen ou união de palavras, é
perceptível o encontro de um núcleo e um especificador, onde o núcleo é o contrabando e o
online especifica qual o tipo de contrabando.

Dessa forma, por meio dessa análise de seleção lexical, bem como análise de
processos morfológicos em cima dessas palavras selecionadas, foi possível identificar a
parcialidade antiética conforme os parâmetros da Teoria Ética de Guerra (1999) do autor
nesta notícia, uma vez que notória a intenção de manipular o leitor a tomar um lado de
oposição contra a ação realizada pela Receita Federal, subordinada pelo Ministério da
Fazenda através do discurso com palavras indicando a indagação com a situação, bem como
alertando quem lê, para que a ideologia inerente ao discurso envolva os leitores. Ainda mais
quando se reitera o fato da existência de “encapsuladores” postulado por Koch (2014), que
podem contestar de uma vez por todas essa objeção.
REFERÊNCIAS

CARDOSO, M, M. Anáforas encapsuladoras como marcas de estilo. Dissertação de tese


(Mestre em Letras) - Universidade Federal do Paraná. Paraná, p. 39. 2015.

GIL, Pedro. Por que Lula decidiu deixar mais caras as compras na Shein e Shopee. VEJA,
2023. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/economia/por-que-lula-decidiu-deixar-mais-caras-as-compras-na-sh
ein-e-shopee/>

GUERRA, J. L. Neutralidade e Imparcialidade no Jornalismo. XXII Congresso Brasileiro


de Ciências da Comunicação / GT 03 1999. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2019.

KOCH, Ingedore Villaça. Argumentação e linguagem. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

____________________. As tramas do texto. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2014.

MORAIS, A, M. VIVAS, M, V. A morfologia faz sentido: integração entre texto, leitura e


análise morfológica. Diadorim, Rio de Janeiro, vol. 23, n. 2, p. 550-568, 2021.

VITTORAZZI, J, D, AMARAL, S, S, A, FERNANDEZ, F, A.. Imparcialidade no


Jornalismo: análise de discurso em jornais de Mato Grosso. Mato Grosso: 9º Encontro do
JPJor, 2019.

ORLANDI, E. P. Análise de Discurso. [s. I.]: Pontes, 2015. 98 p.

Você também pode gostar