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A dúvida hamletiana da MP 627

Sem dúvida alguma, uma das frases mais famosas de um dos maiores escritores e
dramaturgos da história universal, Willian Shakespeare, tenha sido a dúvida manifestada
pela boca de Hamlet: “to be or not to be”. Ainda nos tempos da faculdade, fui
apresentado a uma interpretação interessante sobre essa dúvida: na verdade, a questão
hamletiana seria “fazer ou não fazer” – no caso, vingar a morte de seu pai –, cuja
consequência seria o “ser ou não ser” moralmente repreensivo, em razão do assassinato
cometido.

Com a Medida Provisória n° 627, as empresas brasileiras foram colocadas frente à


mesma dúvida: fazer ou não fazer a opção pela antecipação dos efeitos desse
instrumento legal.

A leitura de diversas demonstrações financeiras já publicadas dá conta da indecisão das


companhias abertas. Como dão conta as matérias do Valor Econômico assinadas por
Barbara Mengardo, primeiro sozinha, e depois, ao lado de Marina Falcão e Fernando
Torres, respectivamente nas edições de 14 e 17 de fevereiro, a maioria das empresas
ainda não tomaram a decisão definitivamente. As exceções são Cosesp e
BM&FBovespa, que tendem a exercer a opção, e a Lojas Marisa, que descartou a
antecipação dos efeitos.

É certo que o principal ponto da indecisão é o caráter provisório da MP, no sentido de


que pode haver profundas alterações no seu texto quando da conversão em lei. São 513
emendas registradas no Congresso Nacional, número que pode aumentar nos contatos
diretos com o relator, deputado Eduardo Cunha, quer por parte da Receita Federal quer
por parte das associações dos contribuintes. De qualquer forma, também como é a
tradição legislativa brasileira, muitas dessas emendas são “contrabandos”, quer dizer,
não tratam da matéria relativa à nova disciplina do imposto sobre a renda.

Enfim, a mudança do texto – com isso, das condições e consequências da antecipação


dos efeitos – é bastante provável, mas o que pesa de um lado e de outro dessa opção
pode ser resumido da seguinte forma:

Remissão da tributação dos dividendos

A favor do “fazer” (ou do “ser”) a opção está a remissão (perdão) de eventual imposto
sobre a renda a ser exigido do excesso de dividendos distribuídos aos sócios desde 2008
(sem considerar, aqui, o prazo decadencial), momento da entrada em vigor do Regime
Tributário de Transição – RTT, para aquelas empresa que, naquele ano, exerceram
também uma opção.

Durante o RTT, vigoraram duas contabilidade, o que gerou, por decorrência, dois
lucros: o lucro societário, apurado de acordo com o padrão internacional de
contabilidade (IFRS), e o lucro fiscal, que manteve as regras contábeis em vigor em 31
de dezembro de 2007.

Eventual diferença positiva entre o lucro societário e o lucro fiscal (sujeito à tributação),
foi considerada passível de tributação pelo Parecer PGFN/CAT n° 202/2013, sendo que
sua regulamentação constou da Instrução Normativa RFB n° 1.397.
Exercida a opção e antecipados os efeitos da MP 627, tanto o mencionado parecer como
a IN RFB n° 1.397 perdem sua validade no que diz respeito aos lucros gerados durante
o RTT e efetivamente pagos até 11/11/2013 (dada de publicação da citada medida
provisória).

Aumento dos controles internos

A favor do “não fazer” (ou do “não ser”) a opção está a prorrogação do aumento dos
controles internos para o ano de 2015. As empresas, então, ganhariam um ano para se
adaptarem à burocracia contábil-fiscal imposta pelo texto da mencionada medida
provisória.

Como exemplos desses controles adicionais, podem ser citados a avaliação a valor justo
e o ajuste a valor presente – AVP, que deverão ser mantidos em subcontas nas
demonstrações contábeis elaboradas pelas empresas.

A não opção mantém em vigor o Parecer PGFN/CAT n° 202/2013 e a Instrução


Normativa RFB n° 1.397 até dezembro de 2014.

Lucros acumulados e reservas de lucros

A par da decisão sobre “fazer ou não fazer” a opção, continuará pairando o fantasma da
tributação do excesso de dividendos, uma vez que o tratamento tributário do saldo dos
lucros acumulados e das reservas de lucros não foi contemplado pelo perdão da MP
627. Espera-se, ansiosamente, que ao menos esse ponto seja alterado na lei de
conversão.

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