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LACUNA
U M A R E V I S TA D E P S I C A N Á L I S E – I S S N 2 4 4 7 - 2 6 6 3

Revista Lacuna / 12 de dezembro de 2021 / artigo

Psicologia do ego e a interpretação na terapia psicanalítica


[ Ego Psychology and Interpretation in Psychoanalytic Therapy ]

 por Ernst Kris

Tradução | William Zeytounlian


Apresentado na mesa sobre “Implicações técnicas da psicologia do ego” no encontro de inverno da Associação Americana de
Psicanálise (APA), em Nova York, em dezembro de 1948. Do Centro de Estudos da Criança da Escola de Medicina da
Universidade de Yale. Originalmente publicado em: The Psychoanalytic Quarterly, vol. 20, n. 1, 1951, pp. 15-30.

 
Enquanto por meio século de sua história o progresso da psicanálise foi comparativamente pouco influenciado por descobertas
simultâneas em outros campos da ciência, as diferentes aplicações da psicanálise se influenciaram mutuamente quase que de forma
contínua. É nesse sentido que a história da psicanálise pode ser vista como uma integração progressiva de hipóteses. A inter-relação
mais evidente se dá entre as observações clínicas e o progresso tanto da técnica quanto da teoria psicanalíticas[1],[2]. O progresso da
perspectiva estrutural em psicanálise i.e., o desenvolvimento da psicologia do ego psicanalítica pode ser proveitosamente localizado
nos termos dessa interdependência. Freud, em certo momento, foi influenciado por seus colaboradores em Zurique, que o
impulsionaram a se interessar mais pelas psicoses. Isto o levou a formular o conceito de narcisismo e, dessa forma, abordar o ego
não como uma série de funções isoladas, mas como uma organização psíquica. O segundo conjunto de impressões clínicas que
favoreceram o desenvolvimento de uma psicologia estrutural foi a observação, por Freud, de indivíduos motivados por um
sentimento inconsciente de culpa, bem como de pacientes cuja resposta ao tratamento era uma reação terapêutica negativa. Tais
comportamentos reforçaram suas ideias acerca da natureza inconsciente das autorrecriminações e tendências autopunitivas
contribuindo, dessa maneira, com o reconhecimento de características importantes do superego. Não há muitas dúvidas de que
outras impressões clínicas às quais Freud fez referência nesses anos derivaram daquilo que hoje denominaríamos “neurose de
caráter” — casos em que a análise da natureza inconsciente da resistência e da defesa tornava-se particularmente evidente e, sendo
assim, facilitava as formulações acerca das funções inconscientes e pré-conscientes do ego.

Tais eventos, contudo, não foram casuais. Ninguém pode crer que as impressões clínicas das quais falamos puderam ocorrer
acidentalmente a Freud. Freud certamente não se voltou ao estudo das psicoses apenas para se envolver numa polêmica com Jung
ou em resposta às sugestões de Abraham; tampouco pode-se pressupor que seu interesse pela neurose de caráter viesse somente de
uma incidência maior desse quadro entre seus pacientes no início dos anos de 1920 sendo, portanto, um evento “psicossocial”[3]
(ainda que seja provável que tenha ocorrido tal mudança na frequência de distribuição do quadro). Certamente é mais sensato
pressupormos que houve uma interação entre a disposição do observador e uma mudança nos objetos observados.

A predisposição de Freud a novas formulações talvez seja mais bem atestada pelo fato de os princípios da psicologia do ego terem
sido antecipados em seus Artigos sobre a técnica[4]. A maior parte desses artigos foi escrita simultaneamente à sua primeira — e
incompleta — tentativa de reformulação da teoria que era para ser realizada nos Artigos de metapsicologia[5]. A precedência de
formulações técnicas a formulações teóricas se estende por toda produção de Freud. Foi evidente nos anos de 1890 quando, nos
Estudos sobre a histeria[6], Freud reservou para si a parte de terapia, não de teoria. Vários anos depois, quando seu interesse pelos
sonhos e neuroses estava sintetizado — e quando a importância da sexualidade infantil se tornou predominante —, a primeira coisa
com que se importou foi modificar o procedimento terapêutico: a “técnica da concentração” foi substituída pela técnica da
associação livre[7]. De maneira semelhante, os artigos de Freud sobre a técnica escritos na segunda década do século antecipam
implicitamente o que ele viria a formular em termos de psicologia do ego alguns anos depois. Seu conselho de que a análise deve
começar pela superfície e que a resistência deve ser analisada antes da interpretação do conteúdo implica princípios básicos da
psicologia do ego. Isso explica a importância dos artigos técnicos de Freud na literatura psicanalítica: eles assumiram uma posição
central no conjunto e a maioria das dissertações sobre a técnica ilustraram e confirmaram mais do que modificaram seus singulares
preceitos fundamentais. Quem reler a conferência de Freud no Congresso de Psicanálise realizado em Budapeste em 1918[8] irá
atentar ao fato de que muitos dos problemas referentes às variantes dos preceitos técnicos em alguns tipos de caso — bem como
toda tendência de evolução que, no presente, tenta vincular a terapia psicanalítica à psicoterapia em um sentido mais amplo —
foram antecipados com exatidão por Freud. Os desenvolvimentos que ele previu se realizaram, contudo, graças às novas
perspectivas que a psicologia do ego abriu para as primeiras e, provavelmente, mais sistematizadas modificações da técnica
psicanalítica, ao desenvolvimento da análise de crianças por Anna Freud, à psicanálise de delinquentes por Aichhorn e, mais tarde,
pelas várias modificações na técnica de tratamento psicanalítico de casos borderline e de psicose.

A psicologia do ego não apenas alargou em muito o escopo da terapia psicanalítica; a técnica da psicanálise das neuroses passou por
mudanças decisivas sob seu impacto. Tais mudanças fazem parte do lento e por vezes imperceptível processo de evolução da técnica
psicanalítica. É difícil estudar as mudanças isoladas que constituem esse desenvolvimento pois o que uma pessoa define como
mudança também poder ser visto como diferença, e diferenças na técnica entre analistas que partilham de mais ou menos as
mesmas perspectivas fundamentais podem acontecer por muitos fatores; não obstante, se estudamos as tendências de mudança em
atitudes, ficaremos mais bem posicionados.

Nem todas e nem a maioria das modificações na técnica psicanalítica são consequência do progresso de algum aspecto da teoria. Se
relermos os estudos de caso mais antigos de Freud veremos, por exemplo, que a nítida doutrinação intelectual do Homem dos Ratos
foi logo substituída por uma ênfase cada vez maior ao revivescimento na transferência [reliving in the transference], mudança que
não parece guardar relação direta com perspectivas teóricas concretas. Da mesma maneira, uma melhor compreensão e gestão
[management] da transferência provavelmente não estavam conectadas a qualquer insight teórico. Foi um processo de
aprimoramento técnico e de aperfeiçoamento das habilidades compartilhado por Freud e seus primeiros colaboradores[9], não
muito diferente do processo de aquisição gradual de segurança que caracteriza a década formativa de qualquer analista. Outras
modificações na terapia psicanalítica podem ser, creio eu, claramente atribuídas a insights teóricos[10]. Cada nova descoberta em
psicanálise tende a influenciar, em alguma medida, o procedimento terapêutico. A importância das apresentações clínicas é que, ao
ouvi-las, somos estimulados a revisar nossas próprias experiências clínicas, a revisar nossos métodos e a nos beneficiar — quanto ao
que poderíamos ter negligenciado ou subestimado — da experiência dos outros. Para avaliar a influência da psicologia do ego, é
preciso recordar as ideias que foram desenvolvidas ao mesmo tempo ou na esteira dessa nova orientação estrutural: a teoria
psicanalítica das pulsões instintivas [instinctual drives] foi expandida de modo a abarcar a agressividade e a série de experiências
ontogenéticas estudadas incluíram, com cada vez mais detalhes, os conflitos pré-edípicos provenientes da singularidade da relação
mãe-criança. Um levantamento histórico da literatura psicanalítica confirmaria, creio eu, que esses novos insights tiveram
reverberações da terapia, influenciando, contudo, principalmente o conteúdo da interpretação, não a técnica da terapia em sentido
estrito. A transformação gradual da técnica se deu em grande parte pela melhor compreensão e aprimoramento do manejo das
resistências [handling of resistances]. Ao interpretar a resistência não somente indicamos sua existência e determinamos sua causa,
como também buscamos seu modus operandi que, desse modo, é examinado no contexto de outros tipos semelhantes de
comportamento enquanto parte das atividades defensivas do ego. A resistência não é mais simplesmente um “obstáculo” à análise,
mas parte da “superfície psíquica” a ser explorada[11]. O termo “resistência”, assim, perde a conotação desagradável que designa um
paciente que “resiste” ao médico que, por sua vez, está com raiva da oposição dele. Ela é a manifestação de uma mudança que pode
ser descrita como o “clima” da análise.

Em um de seus últimos artigos, Freud[12] defendeu a interpretação analítica contra as acusações de arbitrariedade, especialmente na
lida com a resistência; ele discutiu em minúcia o critério segundo o qual a exatidão das interpretações pode ser verificada pela
reação subsequente do paciente. Ao fazê-lo, enfatiza uma área de cooperação entre analista e paciente, e, de modo implícito, alerta
contra as interpretações ditatorialmente impostas[13]. Isso não significa que seja possível ou desejável evitar sempre a oposição de
um paciente a qualquer interpretação, mas sim que, pelos desenvolvimentos da psicologia do ego, aconteceu um grande número de
modificações técnicas da interpretação — não mudanças “aleatórias”, típicas do trabalho de alguns analistas (não de todos), mas
mudanças que constituem uma série de ajustes entre a técnica e a teoria psicanalítica.

Exemplos
Para esclarecer o problema, cito primeiro a versão simplificada de um incidente ocorrido na análise de um menino de seis anos
relatado por Anna Freud[14]. A visita ao dentista tinha sido dolorosa. Durante a entrevista analítica, o menino demonstrou um
conjunto significativo de ações sintomáticas relacionadas a essa experiência. Ele danificou ou destruiu vários objetos pertencentes à
analista e, por fim, quebrou repetidamente a ponta de vários lápis, que logo voltou a apontar. Como esse tipo de comportamento
pode ser interpretado?
A interpretação pode indicar a castração retaliatória, pode sublinhar a transformação de uma experiência passiva em ativa ou
demonstrar que o menininho estava identificado com o dentista e sua agressão. Todas as três interpretações podem, naturalmente,
ser relacionadas à angústia [anxiety] vivida por ele. A escolha entre essas e outras interpretações possíveis irá obviamente depender
do momento da análise. A primeira interpretação, uma “interpretação do id” [id interpretation], mira diretamente no complexo de
castração. A segunda e a terceira miram nos mecanismos de defesa. A segunda enfatiza que é difícil suportar a passividade e que, ao
assumir o papel ativo, o perigo pode ser dominado. A terceira interpretação implementa a segunda ao indicar que a identificação
pode servir como mecanismo de defesa. Ela também pode se provar um mecanismo geral na vida do menininho. Pode influenciá-lo
não apenas a reagir agressivamente[15], mas a atingir diferentes objetivos, servindo de motivação a vários aspectos de seu
comportamento. A interpretação que sublinha o mecanismo de identificação é, dessa forma, não apenas a mais abrangente, mas
também a que pode abrir um número maior de novos caminhos, sendo a interpretação que o menininho pode mais facilmente
aplicar em sua auto-observação. Ele pode aprender a vivenciar algumas de suas próprias reações como “não pertencentes” [not
belonging] (i.e., como sintomas) e, dessa forma, ser conduzido a dar um passo importante na preparação para um trabalho
psicanalítico mais avançado.

Não escolhemos esse exemplo para demonstrar as potencialidades de uma interpretação usada para tornar consciente um
mecanismo de defesa, mas antes para demonstrar que a situação permite e, em última instância, exige todas as três interpretações.
Um problema relevante da técnica consiste em estipular a melhor maneira de comunicar um conjunto completo de significados ao
paciente [communicating a full set of meanings to the patient]. A tentativa de restringir a interpretação ao aspecto ligado ao id não
somente representa o antigo procedimento, aquele que, acreditamos, foi completamente transformado pelas modificações de que
falamos. Restringir a interpretação ao mecanismo de defesa só pode ser justificado pela pressuposição de que o paciente não está
pronto ainda — cautela valiosa, ainda que haja uma tendência entre alguns analistas a, por vezes, exagerar tais cuidados. Pode
acontecer também que, ainda que tenhamos restringido cuidadosamente o alcance da interpretação, o paciente reaja como se não o
tivéssemos feito. Enquanto nossa interpretação indica o mecanismo com o qual ele evita o perigo (por exemplo: a identificação), o
próximo conjunto de associações leva o paciente a reagir como se tivéssemos interpretado sua feminilidade. Uma sequência desse
tipo indica um progresso normal: a interpretação diz respeito ao dispositivo de evitamento; a reação revela o impulso evitado[16].

Não é possível criar uma condição experimental real em que os efeitos de interpretações alternativas possam ser estudados.
Comparações com “casos similares” ou com reações de pacientes em “situações parecidas” nos ajudam a chegar a algumas
generalizações proveitosas. A situação eventual em que, de alguma forma, comparações mais precisas podem ser feitas é a do
estudo de pacientes que têm um segundo período de análise com um analista diferente. A necessidade de uma segunda análise não
é depreciativa para o primeiro analista, tampouco implica que o primeiro processo de tratamento foi malsucedido. Em muitos casos
de reanálise nos quais exerci a função de segundo analista, a primeira análise tinha se desenrolado em um tempo em que os
problemas da psicologia do ego não tinham ainda influenciado a técnica analítica ou tinha sido conduzida por um colega que
(naquela ocasião) ainda não valorizava sua importância. O tratamento inicial havia produzido melhoras consideráveis, mas os
mesmíssimos problemas apareciam sob nova luz, ou novas relações, quando as interpretações de um tipo diferente, “perto da
superfície”, eram “inseridas”. Nos poucos casos em que tais condições existiam, um registro publicado da primeira análise estava à
disposição e forneceu uma comparação confiável.

No momento de sua segunda análise, o paciente, um jovem cientista de trinta e poucos anos, ocupava de forma bem-sucedida uma
posição acadêmica respeitável sem poder avançar a um posto mais alto por não conseguir publicar nenhuma de suas extensas
pesquisas. Isso, sua principal queixa, levou-o a procurar uma nova análise. Ele recordava com gratidão o tratamento anterior — que
aumentou sua potência e diminuiu suas inibições sociais, produzindo uma mudança marcante em sua vida — e angustiava-o que
sua retomada de análise chegasse ao conhecimento da antiga analista (uma mulher) e que ela se sentisse magoada de alguma forma
por não retornar a ela; ele, porém, estava convencido de que, depois de tantos anos, devia agora ser analisado por um homem.

Ele havia se dado conta em sua primeira análise de que o medo e a culpa o impediam de ser produtivo, que ele “sempre queria
tomar, roubar, como o fizera na puberdade”. Ele estava sob a constante pressão de um impulso [impulse] de usar as ideias de
alguém — muito frequentemente, as ideias de um eminente acadêmico jovem, amigo íntimo seu, cujo gabinete é contíguo ao seu e
com quem trava longas conversas diariamente.

Pouco tempo depois, um plano concreto de trabalho e publicação estava prestes a se materializar quando, certo dia, o paciente
relatou ter acabado de encontrar na biblioteca uma dissertação publicada anos atrás na qual a mesma ideia de base era
desenvolvida. Era uma dissertação com a qual estava familiarizado, uma vez que a havia consultado há algum tempo. Seu tom
paradoxal de satisfação e felicidade levou-me a indagar nos mínimos detalhes acerca do texto que temia plagiar. No processo de
longo escrutínio, revelou-se que a antiga publicação continha sustentação útil à sua tese, mas nenhum traço da tese em si. O
paciente fizera o autor dizer o que ele mesmo queria dizer. Uma vez obtida essa pista, todo o problema do plágio se mostrou sob
novas luzes. O colega eminente, assim transpareceu, havia tomado reiteradamente as palavras do paciente, embelezando-as e
repetindo-as sem dar-se conta. O paciente tinha a impressão de escutar pela primeira vez uma ideia produtiva sem a qual não teria
esperanças de dominar seu tema, ideia que sentia não poder usar por ser propriedade de seu colega.
Entre os fatores que determinaram as inibições do paciente em seu trabalho, a identificação com o pai tinha um papel importante.
Diferentemente do avô, um cientista reconhecido, o pai fracassara em deixar uma marca em seu campo de atuação [the father had
failed to leave his mark in his field of endeavor]. O esforço do paciente em encontrar fiadores [sponsors] e tomar ideias por
empréstimo — para logo descobrir que eram ou inadequadas, ou que só podiam ser plagiadas — reproduzia os conflitos de sua
relação primitiva com o pai. A projeção de ideias para figuras paternas era, em parte, determinada pelo desejo de um pai grandioso
e bem-sucedido (um grande-pai [grandfather], isto é, o avô). Em um sonho de conflito edípico com o pai foi representada uma
batalha na qual os livros eram armas e os livros conquistados iam sendo engolidos durante o combate. Isso foi interpretado como o
desejo de incorporar o pênis do pai. Podia ser relacionado a uma fase concreta da infância quando, com quatro ou cinco anos de
idade, o menininho foi levado pela primeira vez como companheiro do pai em uma excursão de pesca. “O desejo do peixe maior”, a
lembrança de trocar e comparar peixes foi evocada com muitos detalhes. Era possível traçar a tendência a tomar, morder e roubar
por várias ramificações e disfarces durante a latência e a adolescência até que pudesse ser indicado, um dia, que o principal
deslocamento tinha sido para as ideias. Só as ideias do outro eram interessantes de verdade, só ideias que alguém pudesse tomar;
daí a tomada delas precisar ser planejada [hence the taking had to be engineered].[17] Nesse ponto da interpretação, eu estava à
espera da reação do paciente. O paciente permaneceu em silêncio e a extensão do silêncio tinha um significado especial. Em
seguida, como se relatasse um insight repentino, ele disse: “Todas as tardes, quando saio daqui, antes do almoço e de voltar ao
escritório, caminho pela Rua X [rua bem conhecida por seus restaurantes pequenos, mas atraentes] e examino os cardápios nas
vitrines. Em algum dos restaurantes, costumo encontrar meu prato predileto: miolos frescos”.

Agora é possível comparar os dois tipos de abordagem analítica. Em sua primeira análise, a conexão entre agressividade oral e a
inibição no trabalho tinha sido reconhecida: “Um paciente que durante a puberdade havia roubado de vez em quando,
especialmente doces ou livros, conservou mais tarde certa inclinação para o plágio. Uma vez que para ele a atividade estava ligada
ao roubo e a pesquisa científica, ao plágio, ele podia escapar desses impulsos repreensíveis [reprehensible impulses] por meio de
uma profunda inibição de suas atividades e iniciativas intelectuais”[18]. O ponto que a segunda análise tornou claro concernia ao
mecanismo usado na atividade inibidora. Assim, o segundo conjunto de interpretações implementou o primeiro por sua maior
solidez pelo fato de que cobria um número maior de detalhes de comportamento e, dessa forma, abria o caminho para conectar o
presente e o passado, a sintomatologia adulta e a fantasia infantil. O ponto crucial, no entanto, era a “exploração da superfície”. O
problema era determinar como o sentimento — “estou perigando plagiar” [I am in danger of plagiarizing] — surgiu.

O procedimento não teve um acesso direto ou rápido ao id por meio da interpretação; houve antes um período exploratório inicial
ao longo do qual vários aspectos do comportamento foram cuidadosamente estudados. Tal estudo começou num registro descritivo
e seguiu gradualmente no sentido de determinar os padrões [patterns] típicos de comportamento, tanto presentes quanto passados.
[19] Percebeu-se primeiro as atitudes de crítica e admiração em relação às ideias de outras pessoas; em seguida, a relação dessas com

as próprias ideias e intuições do paciente. Nesse ponto, a comparação entre a própria produtividade do paciente e a dos outros
havia sido rastreada com grande minúcia; em seguida, o papel que tais comparações desempenharam em seu desenvolvimento
inicial pôde ser esclarecido. Finalmente, a distorção de imputar a outras pessoas suas próprias ideias pôde ser analisada de modo a
tornar consciente o mecanismo do “toma-lá-dá-cá” [the mechanism of ‘give and take’]. Assim, a descrição exploratória é destinada
principalmente ao desmascaramento do mecanismo de defesa, e não de um conteúdo do id. Naturalmente, a arma interpretativa
mais potente é a conexão entre essa defesa e a resistência do paciente à análise, aspecto que não será discutido em detalhes no
presente contexto.

As etapas exploratórias dessa análise assemelham-se àquelas que Helene Deutsch[20] descreve em um caso incrivelmente parecido
no qual a tendência inconsciente a plagiar ideias de um amigo admirado levou o paciente a um distúrbio de memória tão severo que
o método psicanalítico foi usado para eliminar por completo um diagnóstico de doença neurológica. Se fosse possível obter material
da infância do paciente de Helene Deutsch, poderíamos comparar as semelhanças e dessemelhanças na história primitiva de ambos
os homens às diferenças na estrutura de suas defesas e sintomatologia[21]. O mecanismo descrito e tornado consciente na análise de
nosso paciente — o impulso do id, o impulso de devorar — emergiu à consciência e as etapas seguintes da interpretação levaram,
sem restrições, à área que a primeira análise havia eficazmente analisado. É natural que não se reivindique serem novos todos esses
procedimentos. Com certeza sempre existiram analistas que abordaram o problema da interpretação mais ou menos como descrito
aqui. Esse tipo de abordagem foi, em certa medida, sistematizado com a ajuda e orientação da psicologia do ego. Parece que mais
analistas hoje em dia procedem de maneira parecida e têm a impressão de que tal mudança de ênfase é terapeuticamente
compensadora[22].

Planejamento e intuição
Uma diferença entre os métodos antigos e os mais novos de analisar mecanismos de defesa e conectar entre si a “superfície” e a
“profundidade” das descobertas psicanalíticas merece uma discussão mais detalhada. O avanço na teoria tornou as inter-relações de
várias etapas do trabalho analítico mais claras e, dessa forma, facilitou a comunicação acerca desses problemas. Agora podemos
ensinar com mais precisão tanto a “hierarquia” e o “timing” das interpretações, quanto a “estratégia” e as “táticas” da terapia[23]. Aos
poucos, contudo, estamos tomando conhecimento de muitas incertezas nesse âmbito. Ao falarmos de hierarquia e timing das
interpretações e em estratégia ou tática na técnica, não nos referimos a um plano de tratamento em seu esquema geral ou então
adaptado a um tipo específico de caso e prognóstico? Quão gerais ou específicos são os planos de tratamento que cada analista cria
individualmente? Em que ponto do contato com o paciente os primeiros elementos desses planos se fazem sugerir e em que ponto
tendem a se combinar? Sob que condições somos obrigados a modificar tais impressões e planos? Quando eles precisam ser
abandonados ou remodelados? Estas são algumas perguntas sobre as quais repousa uma boa parcela de nosso ensino em
psicanálise, questões que estão representadas de forma inadequada na literatura[24]. O tema é de grande importância pois, usando
de exames e supervisões sobre prognósticos, podemos nos convencer da validade e confiabilidade de previsões provisórias acerca
de operações sobre as quais a técnica analítica em parte depende[25].

A tendência a debater o “planejamento” e a “intuição” como alternativas à técnica analítica permeia os escritos psicanalíticos, ainda
que tenha sido reiteradamente demonstrado que tal antítese é injustificada[26]. As polêmicas infrutíferas que Theodor Reik e
Wilhelm Reich travaram entre si são generosamente citadas nesses debates. Em minha opinião, não apenas essa controvérsia, mas o
problema que ela busca esclarecer é falacioso. Basta determinar em que medida processos de pensamento pré-conscientes
“dominam” o analista e decidir sua reação, questão que toca a experiência pessoal de todo analista. Há alguns que se sentem
inibidos de tentar formular conscientemente passos a serem seguidos e para quem a atenção completa age como inibidor ou
distração. Há aqueles que, ao menos de tempos em tempos, desejam refletir acerca do que estão fazendo ou fizeram em um caso em
especial e outros que desejam, quase ininterruptamente, saber “onde estão”. Nenhum padrão ideal pode ser estabelecido. No
entanto, a ideia de que reações pré-conscientes do analista necessariamente se opõem ao “planejamento” parece, no presente estado
de conhecimento sobre os processos de pensamento pré-consciente, ultrapassada, para dizer o mínimo[27].

Tão logo supomos que a distância ideal da atenção completa é parte da “equação pessoal” do analista, a contribuição dos processos
de pensamento pré-consciente ganha importância considerável[28]. A razão disso é que garante a espontaneidade que suscita o
analista a dizer a um paciente que demonstrou bastante apreensão com a interrupção da análise numa véspera de feriado: “Não se
preocupe, eu vou ficar bem”. Muitos podem sentir que Ella Sharpe[29], que relatou essa ocorrência, deu um passo ousado e que seu
caminho mais curto [“short cut”] foi longe demais. Mas, refletindo mais a fundo, podemos concluir que, dado que o paciente já
estava adequadamente preparado para o surgimento de impulsos agressivos na transferência, a agudeza da interpretação [the wit of
the interpretation] pode ter acertado o alvo e gerado insights. Quer alguém aprove ou não tais efeitos surpresa — e confesso minha
própria reserva —, é evidente que a premeditação inconsciente dificilmente poderia tê-los criado. No entanto, mesmo aqueles entre
nós que não compartilham da perícia fervilhante de Ella Sharpe têm motivos para acreditar na contribuição construtiva da intuição.
Permitam-me citar rapidamente um paciente que foi analisado quando criança e que recebi 15 anos depois de sua primeira
experiência analítica ter sido interrompida pela influência de uma mãe verdadeiramente sedutora que não aguentou mais dividir
seu filho com a analista de crianças. Eu tinha conhecimento de alguns aspectos da análise anterior. Alguns dos sintomas
permaneceram inalterados, alguns tinham voltado, especialmente os estados prolongados de excitação sexual interrompidos, mas
dificilmente aliviados, pela masturbação compulsiva ou seus equivalentes, o que em alguns casos conduzia a impulsos de
exibicionismo disfarçado. Inicialmente, longos trechos da análise foram dedicados a detalhar esses estados de excitação. Ficou claro
que eles eram incitados e encerrados por certos hábitos de alimentação e consumo de bebidas. A condição total era designada por
mim e pelo paciente como “voracidade” [greed]. Numa fase seguinte, fantasias fálicas acerca da mãe sedutora foram pouco a pouco
traduzidas em termos orais; a violenta demanda de amor [demand for love] tornou-se a chave que abriu muitas memórias
recalcadas que não haviam sido reveladas durante a análise infantil. Em um momento, contudo, o processo começou a estagnar, a
análise ficou morosa, quando de repente ocorreu uma mudança. Durante uma das sessões, o paciente manifestou emoções intensas;
ele deixou a sessão consideravelmente abalado e relatou, no dia seguinte, que “dessa vez tinha acertado em cheio” [this time it had
hit home]. Ele agora compreendia. Como prova disso ele disse que, quando sua esposa o criticou de forma leve e jocosa, ele começou
a chorar e, muito aliviado, continuou a chorar por muitas horas. O que tinha acontecido? Ao repetir a interpretação, eu tinha, sem
premeditação consciente, usado termos diferentes. Eu não tinha falado de sua demanda de amor, mas de sua necessidade de amor ou
expressões com conotações que sublinhavam não as ânsias agressivas, mas as passivas em seus desejos orais. A intuição havia
convenientemente modificado o que a compreensão consciente falhara em apreender ou, para ser mais indulgente comigo mesmo,
não apreendera ainda. Esse exemplo pode servir para ilustrar a interação normal e necessária de planejamento e intuição, de
estágios conscientes e pré-conscientes de compreensão do material psicanalítico. Minha impressão é que todos os avanços na
psicanálise foram possíveis por tais interações que, mais tarde, foram mais ou menos codificadas em regras técnicas.

Sempre que falamos na intuição do analista, estamos tocando um problema que tende a ser tratado sob diferentes rubricas na
literatura psicanalítica. Referimo-nos ao equilíbrio psíquico ou ao estado mental do analista. Uma parte do problema, no entanto,
está diretamente ligada ao processo de interpretação. Muitas vezes, uma rápida olhada na direção da autoanálise faz parte da
intervenção do analista. A interconexão entre atenção, intuição e autoanálise no processo de interpretação foi magistralmente
descrita por Ferenczi:

Deixam-se agir sobre si as associações livres do paciente e, ao mesmo tempo, deixa-se a sua própria imaginação brincar com esse
material associativo; nesse meio tempo, comparam-se as novas conexões com os resultados anteriores da análise, sem negligenciar,
por um instante sequer, o exame e a crítica de suas próprias tendências.
De fato, quase poderíamos falar de uma oscilação perpétua entre “sentir com”, auto-observação e atividade de julgamento. Esta
última anuncia-se, de tempos em tempos, de modo inteiramente espontâneo, sob a forma de sinal que, naturalmente, só se avalia
primeiro como tal; é somente com base num material justificativo suplementar que se pode, enfim, decidir uma interpretação.[30] ♦

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REICH, Wilhelm (1928) “On Character Analysis”. In: The Psychoanalytic Reader. Edited by Robert Fliess. Nova York: International
Universities Press, 1948.

_____. (1933) Análise do caráter. Tradução de Ricardo Amaral do Rego. São Paulo: Martins Fontes, 2020.

REIK, Theodor (1937) Surprise and the Psychoanalyst. Nova York: E. P. Dutton &: Co..

SCHMIDEBERG, Melitta (1934) “Intellektuelle Hemmung und Ess-storung”. Internationale  Zeitschrift für Psychoanalyse VIII.

SHARPE, Ella F. (1930) “The Technique of Psychoanalysis”. In: Collected Papers on Psychoanalysis. Londres: Hogarth Press, 1950.
WAELDER, Robert (1937) “The Problem of the Genesis of Psychical Conflict in Earliest Infancy”. International Journal of
Psychoanalysis, XVIII.

_____. (1939) “Kriterien der Deutung”. Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse. Imago, XXIV.

* Ernst Kris nasceu em 1900 na cidade de Viena e faleceu em 1957 na cidade de Nova York. Psicólogo e historiador da arte, ficou
conhecido por seus estudos psicanalíticos de criação artística e por combinar psicanálise e observação direta de bebês. Recebeu o
título de doutor em história da arte pela Universidade de Viena em 1922, ganhando reputação como autoridade em ourivesaria. Em
1924, foi convidado por Freud para auxiliá-lo em sua coleção de camafeus e entalhes. Foi coeditor da revista Imago e da edição
alemã dos escritos de Freud. Em 1938 foi embora de Viena para viver na Inglaterra, país que deixaria em 1940 em direção aos
Estados Unidos — onde passaria o resto da vida.

** William Zeytounlian é mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo onde desenvolveu pesquisa sobre as práticas
de silêncio nos salões literários e nas obras de filósofos moralistas da França seiscentista, em especial François de La Rochefoucauld.
Como tradutor, publicou Pomares, de Rainer Maria Rilke, e algumas das Contemplações, de Victor Hugo, na coletânea Lira Argenta.
Contribui em diversas plataformas online como Estado da Arte, Le Monde Diplomatique e Nexo. Como psicanalista, tem percurso de
estudos nos institutos Sedes Sapientiae e D’Alma, onde atualmente coordena o Núcleo Arriscado.

[1] LORAND, Sándor (1948) Technique of Psychoanalytic Therapy. Nova York: Interna­tional Universities Press, 1946.
[2]
LORAND, Sándor (1948)  “Comments on Correlation of Theory and Technique”. The Psychoanalytic Quarterly, XVII.
[3] HALLIDAY, James L. (1948) Psychosocial Medicine. Nova York: W.W. Norton &: Co., Inc..
[4] FREUD, Sigmund. (1911–1915) “Artigos sobre a técnica”. In: Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em
autobiografia (“O caso Schreber”), artigos sobre a técnica e outros textos. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
[5] FREUD, Sigmund. (1915) “Ensaios de metapsicologia”. In: Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos
(1914–1916). [Trad. Paulo César de Souza]. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
[6] BREUER, Joseph; FREUD, Sigmund (1893–1895) Estudos sobre a histeria. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das
Letras, 2016.
[7] KRIS, Ernst (1950) “Introduction to Freud”. In: FREUD, Sigmund. Aus den Anfiingen der Psychoanalyse. Londres: Imago Publishing
Co.
[8] FREUD, Sigmund (1919) “Caminhos da terapia psicanalítica”. In: História de uma neurose infantile (“O homem dos lobos”, Além do
princípio do prazer e outros textos (1917-1920). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
[9] Tal visão não está fora de disputa. Ao descrever sua própria formação como analista, Ella Sharpe sublinha o fato de somente a
familiaridade com o conceito estrutural, especialmente o de superego, permitiu-lhe manejar problemas na transferência de forma
adequada (SHARPE, Ella F. [1930] “The Technique of Psychoanalysis”. In: Collected Papers on Psychoanalysis. Londres: Hogarth
Press, 1950, p. 74). Para um relato parecido acerca de suas primeiras vicissitudes técnicas, ver também: ABRAHAM, Karl. (1919) “A
Particular Form of Neurotic Resistance Against the Psychoanalytic Method”. In: Selected Papers on Psychoanalysis. Londres: Hogarth
Press, 1942. Segunda Edição.
[10] Isto, é claro, não se aplica a todas as pessoas. A relação entre um insight teórico e um procedimento terapêutico varia de analista
para analista, não existindo evidência sobre a qual embasar uma opinião acerca de qual relação é ideal.
[11] Formulações de análise da resistência desse tipo ou parecidas foram alcançadas em duas etapas, nos escritos de Wilhelm Reich
(REICH, Wilhelm. (1928) “On Character Analysis”. In: The Psychoanalytic Reader. Edited by Robert Fliess. Nova York: International
Universities Press, 1948 e REICH, Wilhelm. (1933) Análise do caráter. Trad. Ricardo Amaral do Rego. São Paulo: Martins Fontes, 2020)
e de Anna Freud (FREUD, Anna (1936). O ego e os mecanismos de defesa. Trad. Francisco Settineri. Porto Alegre: Artmed, 2006). A
diferença entre ambas é significativa. Reich aborda o problema como sendo predominantemente de “habilidade” técnica; as
formulações tendem a ser simplificadas em excesso ou exageradas. Elas conduziram à “resistência” rigorosa ou à análise de
camadas, limitações que foram criticadas por Hartmann (HARTMANN, Heinz (1951) “Technical Implications of Ego Psychology”. In:
The Psychoanalytic Quarterly, xx). Em Anna Freud, a resistência foi abordada inteiramente como parte da função defensiva do ego.
[12]
FREUD, Sigmund (1937) “Construções em análise”. In: Moisés e o monoteísmo, Compêndio de psicanálise e outros textos (1937-
1939). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
[13]
Waelder (WAELDER, Robert (1939) “Kriterien der Deutung”. Int. Ztschr. f. Psa. u. Imago, XXIV) elaborou esse ponto mais
extensamente.
[14] FREUD, Anna (1936) O ego e os mecanismos de defesa. Trad. Francisco Settineri. Porto Alegre: Artmed, 2006.
[15]
É provavelmente o que Anna Freud quer dizer quando conta que a criança não estava se identificando “com a pessoa do
agressor, mas com sua agressão”.
[16]
Outra descontinuidade aparente ou “salto” de reação não menos frequente ou importante foi designado pelo que Hartmann
chama de “princípio do recurso múltiplo” nas interpretações (HARTMANN, Heinz (1951) “Technical Implications of Ego Psychology”.
The Psychoanalytic Quarterly, xx). Exemplos desse tipo tornam a ideia do procedimento de interpretação por camadas, advogado
por Wilhelm Reich, altamente duvidosa (REICH, Wilhelm. (1928) “On Character Analysis”. In: The Psychoanalytic Reader. Edited by
Robert Fliess. Nova York: International Universities Press, 1948 e Idem (1933) Análise do caráter. Trad. Ricardo Amaral do Rego. São
Paulo: Martins Fontes, 2020); ver esta conexão também em Nünberg (NUNBERG, Herman (1937). “On the Theory of Therapeutic
Results of Psychoanalysis”. Int. J. Psa., XVIII) e Alexander (ALEXANDER, Franz (1935). “The Problem of Psychoanalytic Technique”.
The Psychoanalytic Quarterly, IV).
[17] Na “Resposta ao comentário de Jean Hyppolite”, nos Escritos, p. 399, Lacan propõe que o “engineering” seja traduzido por
“proceder”, “pois acho que ele faz eco ao célebre how to norte-americano, vejamos se não é isto: uma questão de planejamento”. (N.
do. T)
[18] SCHMIDEBERG, Melitta (1934) “Intellektuelle Hemmung und Ess-storung”. In: Ztschr. f. psa. Pad., VIII.
[19] A importância de tentativas parecidas de começar por descrições cuidadosas foi reiteradamente discutida por Edward Bibring.
Cito suas perspectivas a partir do breve relatório feito por Waelder (WAELDER, Robert (1937). “The Problem of the Genesis of
Psychical Conflict in Earliest Infancy”. Int. J. Psa., XVIII, p. 471). “Bibring fala em ‘destacar’ os padrões de comportamento presentes
de um paciente e em chegar, por meio de uma grande quantidade de padrões intermediários, ao padrão infantil original. O padrão
presente engloba os impulsos instintivos e angústias agora operantes, bem como os métodos atuais de elaboração do ego (alguns dos
quais são respostas estereotipadas a impulsos e angústias que deixaram de existir). É só usando da mais cautelosa fenomenologia e
levando em consideração todos os mecanismos do ego operantes agora que o padrão de comportamento presente pode ser isolado
adequadamente. Se isso é feito de forma imperfeita… ou se todos os padrões anteriores não estiverem igual e nitidamente isolados,
existe o perigo de nunca chegarmos a um conhecimento correto do padrão infantil, o que terá por resultado uma interpretação
inexata do material infantil”.
[20]
DEUTSCH, Helene (1939). “Ober bestimmte Widerstandsformen”. In: Int. Ztschr. f. Psa. u. Imago, XXIV.
[21] Travei conhecimento com o artigo de Deutsch enquanto estava analisando o paciente aqui debatido. Sem estar ciente disso, segui
seu exemplo quando procedi um exame detalhado dos empreendimentos intelectuais do paciente.
[22] No caso aqui discutido, a análise foi interrompida pela Segunda Guerra Mundial. Durante seu transcorrer, o paciente publicou
pelo menos uma das contribuições que planejava lançar há muito tempo. Sua intenção era retomar a análise depois do fim da
guerra, mas, até o momento, o contato não pôde ser restabelecido. Desde então, tive notícias de que encontrou satisfação em suas
vida familiar e carreira.
[23] LOEWENSTEIN, Rudolph M. (1951) “The Problem of Interpretation”. The Psychoanalytic Quarterly, xx.
[24]
Ver FENICHEL, Otto (1941). “Problems of Psychoanalytic Technique”. Albany: The Psycho­analytic Quarterly, Inc.; GLOVER,
Edward (1928). “Lectures on Technique in Psychoanalysis”. Int. J. Psa., VIII and IX; GLOVER, Edward (1940) “An Investigation of the
Technique of Psychoanalysis”. Research Sup­plement No. 4 to the Int. J. Psa.; SHARPE, Ella F. (1930) “The Technique of
Psychoanalysis”. In: Collected Papers on Psychoanalysis. Londres: Hogarth Press, 1950 e, especialmente, LORAND, Sándor (1946).
Technique of Psychoanalytic Therapy. Nova York: Interna­tional Universities Press, autores que discutem alguns desses problemas.
Um grupo de colegas iniciou um método de investigação bastante promissor. Muito depois de se graduarem do trabalho
supervisionado, continuaram a se consultar regularmente com vários outros colegas acerca de seus casos por muitos anos, de modo
a fazer comparações sobre o “estilo” analítico dos consultores. Espera-se que tais comparações possam incluir o problema do
prognóstico nas discussões analíticas.
[25]
A ideia de pequenos grupos trabalhando juntos por alguns anos (com ou sem amparo institucional) parece ganhar terreno
rápido entre os analistas. A comparação das técnicas em estudos gerais e específicos de planejamento e prognóstico pode servir
muito bem para estimular o trabalho em equipe que, adequadamente registrado, se mostra de grande valor documental. 
[26]
Ver FENICHEL, Otto (1941) “Problems of Psychoanalytic Technique”. Albany: The Psycho­analytic Quarterly, Inc.. Ver
especialmente: HEROLD, Carl M (1939). “A Controversy About Technique”. The Psychoanalytic Quarterly, VIII; GROTJAHN, Martin
(1950). “About the Third Ear in Psychoanalysis”. Psa. Rev., XXXVII — autores que defendem perspectivas semelhantes.
[27] KRIS, Ernst (1950) “On Preconscious Mental Processes”. The Psychoanalytic Quarterly, XIX.
[28]
Ver a descrição de Freud dessas relações em várias passagens de seus primeiros artigos: FREUD, Sigmund (1950) Aus den
Anfängen der Psychoanalyse. Londres: Imago Publishing Co., Ltd., p. 334.
[29] SHARPE, Ella F. (1930) “The Technique of Psychoanalysis”. In: Collected Papers on Psychoanalysis. Londres: Hogarth Press,
1950, p. 65.
[30] FERENCZI, Sándor. “Elasticidade da técnica psicanalítica”. In: Obras Completas, vol. III. Tradução A. Cabral. São Paulo: Martins
Fontes, 2011, pp. 32-33.

COMO CITAR ESTE ARTIGO | KRIS, Ernst (2021) Psicologia do ego e a interpretação na terapia psicanalítica. Lacuna: uma revista de
psicanálise, São Paulo, n. -12, p. 2, 2021. Disponível em:<https://revistalacuna.com/2021/12/12/n-12-02/>.

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