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1ª EDIÇÃO
EXPRESSÃO POPULAR
ISBN 978-65-5891-052-7
EXPRESSÃO POPULAR
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REFERÊNCIAS......................................................................................................85
SOBRE O AUTOR.................................................................................................89
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Economista e membro da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST).
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Texto publicado em Paulo Freire, vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2015.
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“A primeira divisão do trabalho da história da sociedade humana não possui
ainda o caráter de divisão profissional do trabalho. É a chamada divisão natural
do trabalho que se realiza entre os homens e, em parte também, entre pessoas
de diferentes idades. As mulheres começam a se ocupar do trabalho agrícola
e do jardim. Os homens, ao contrário, se encarregavam da caça ou da pesca.
Engels estudou o desenvolvimento da divisão profissional do trabalho, dentro
da qual distinguiu três etapas: a primeira grande divisão social do trabalho é
a diferenciação das tribos de pastores, que teve lugar na época da comunidade
pré-histórica. Conduziu ao intercâmbio regular de produtos da economia pastoril
por outros, especialmente produtos agrícolas. Nessa época, amiúde, se usava o
gado como dinheiro. A segunda grande divisão social do trabalho se relaciona
com os inícios da produção e utilização do ferro. Nessa época se separa o trabalho
artesanal (a produção industrial) da agricultura. A produção de ferramentas
e armas de ferro, a transformação de outros metais (ouro, prata) e em parte
também a fabricação de tecidos se convertem em particulares. Em relação a isso,
se desenvolvem as cidades e se produz uma separação entre a cidade e o campo. A
terceira grande divisão do trabalho consiste na diferenciação do comércio. Surge
a profissão dos comerciantes, que atuam como mediadores no intercâmbio das
mercadorias produzidas pelas diferentes profissões. O comerciante é, sobretudo,
mediador entre o artesão e a agricultura, entre a cidade e o campo e, também,
entre as cidades. Aparece o dinheiro metálico. A profissão de comerciante é a
primeira grande profissão que não se dedica à produção” (Lange, 1976, p. 253).
11
2
“Por causa da maternidade, a mulher ocupou uma posição particular entre os
membros da tribo. É à mulher que a humanidade deve o descobrimento da
agricultura, elemento extremamente importante para seu desenvolvimento
econômico. Este descobrimento foi o que, por um longo período, determinou
o papel da mulher na sociedade e na economia, colocando-a no cume das
tribos que praticavam a agricultura. [...] A divisão do trabalho das tribos que
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A mercadoria
Desse modo, à medida que algumas tribos se especializaram
na agricultura e outras na pecuária ou pastoreio, foi aparecendo a
propriedade privada no âmbito das tribos.4 E em razão de que cada
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Valor da mercadoria
Toda mercadoria tem valor e este é determinado pelo trabalho nela
incorporado. Desse modo, a fonte do valor da mercadoria é o trabalho.5
Trabalho é todo esforço que alguém emprega para produzir
bens materiais. Há dois tipos de trabalho: o trabalho concreto e o
trabalho abstrato. Trabalho concreto é aquele esforço que o produtor
emprega para produzir um artigo qualquer. O esforço que um
alfaiate emprega para produzir uma roupa ou o esforço que um
camponês emprega para produzir um saco de milho se chama
trabalho concreto.
O trabalho abstrato é definido pelos esforços que vários campo-
neses, com diferentes meios de produção e habilidades, empregam na
produção de milho, assim como pelos esforços que vários alfaiates,
com diferentes meios de produção e habilidades, empregam para
produzir roupas.
O valor de um produto é medido pela quantidade de trabalho
que alguém emprega para produzi-lo. Pode acontecer, porém, que
um camponês gaste 100 dias de trabalho para produzir 20 sacos de
milho, enquanto outro camponês, utilizando juntas de bois, arados
etc., produza a mesma quantidade em 50 dias. É possível que um
marceneiro gaste três meses de trabalho fabricando uma cadeira
com um desenho complicado e que outro marceneiro com mais
habilidades e melhores instrumentos de trabalho fabrique este tipo
de cadeira em apenas três dias.
No momento de vender essas cadeiras, o primeiro marceneiro
pede 1.500 reais por sua complicada cadeira, em cuja produção gastou
5
Aqui se simplifica ao máximo possível (mesmo quando se tenha que deixar de
lado o rigor da linguagem e dos conceitos científicos) a fim de que o cidadão
comum, o operário ou o camponês possa entender um pouco sobre o valor
da mercadoria. Um método ainda mais simplificado para explicar a teoria do
valor pode ser visto em Fernando Correia da Silva (1978). Os que quiserem se
aprofundar no tema deverão ler P. Nikitin (1975) ou Antonio Pesenti (1974).
16
A organização do trabalho
Para conseguir produzir uma mercadoria ou uma quantidade de
mercadorias em menor quantidade de tempo, o produtor não apenas
busca ter instrumentos de trabalho aperfeiçoados, como também bus-
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Daí que, por vezes, pela simples diferenciação da velocidade ou do ritmo com que
as pessoas e seus veículos se movimentam nas ruas, pode-se distinguir um núcleo
populacional de maior desenvolvimento da economia mercantil capitalista de
um outro no qual predomina a economia mercantil simples, ou de um terceiro
núcleo de produtores situados na economia natural. A velocidade cresce em
razão direta ao desenvolvimento da produção e da circulação mercantil.
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7
Veja-se: Claude Fohlen (1965) e Maurice Dobb, “prefácio da Revolução
Industrial” (1975).
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“Em lugar da roca, do tear manual e do martelo do ferreiro, apareceram a máquina
de fiar, o tear mecânico e a máquina a vapor; no lugar da oficina individual, a
fábrica que impõe a colaboração de centenas e milhares de pessoas. Do mesmo
modo que os meios de produção transformaram a própria produção, que deixou
de ser uma série de ações individuais para ser uma sucessão de atos sociais e,
desse modo também, os produtos deixaram de ser produtos de indivíduos
para serem produtos sociais. Os fios, os tecidos e as mercadorias metalúrgicas
que agora saíam da fábrica eram produtos comuns de muitos operários, por
cujas mãos tinham que passar sucessivamente antes de estarem terminados.
Nenhum indivíduo pode dizer: ‘Isto eu fiz, é meu produto’. [...] Porém, sempre
que a forma básica da produção é a divisão espontânea do trabalho no seio
da sociedade, esta divisão imprime aos produtos a forma de mercadoria, cujo
recíproco intercâmbio, cuja compra e cuja venda possibilitam aos produtores
individuais a satisfação de suas diversas necessidades. Assim aconteceu na
Idade Média. O camponês, por exemplo, vendia produtos agrícolas ao artesão e
comprava, em troca, produtos artesanais. O novo modo de produção penetrou
nessa sociedade de produtores individuais, de produtores de mercadorias. E nessa
divisão do trabalho espontâneo, sem plano, ela colocou a divisão planejada
do trabalho, tal como estava organizada nas diversas fábricas. Os produtos
de ambas as procedências se vendiam a preços aproximadamente equivalentes.
Porém, a organização planejada era muito mais potente que a divisão espontânea
do trabalho; as fábricas, trabalhando socialmente, obtinham seus produtos mais
baratos que os pequenos produtores isolados.” (Engels, 1964, p. 266).
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Os quatro estratos
A Revolução Industrial também abarcou a agricultura, transfor-
mando-a em indústria agrícola. Para efeito de análise ou estudo da
organização do trabalho, a Sociologia da Organização considera os
produtores divididos em quatro diferentes estratos sociais.9
Primeiro: o artesão, ou seja, o produtor que começa e termina
o processo produtivo de um determinado artigo. São exemplos o
sapateiro ou o alfaiate, que fazem inteiramente o sapato ou a roupa.
O artesão da agricultura é o camponês parceleiro, que começa e
termina o processo produtivo; para produzir, faz várias limpas ou
capinas e finalmente colhe e vende no mercado ou come o cacho
de banana, por exemplo. Ele não divide o processo produtivo com
ninguém, ele faz tudo.
Segundo: o assalariado, ou seja, o produtor que intervém em
uma pequena parte do processo produtivo para produzir um de-
terminado artigo. É exemplo o operário da fábrica de roupas que
faz apenas casas para botões ou uma perna de calça. O operário do
campo é aquele assalariado que interfere em apenas um pedacinho
do processo produtivo necessário para produzir cachos de banana
ou espigas de milho em uma fazenda. Ele trabalha com capinas ou
apenas faz desbaste etc.
9
Não se pretende com isto antepor a tipologia de estratos às classes sociais; refere-
se bem mais a fenômenos particulares de uma dimensão psicossocial que se gera
a partir das relações dos produtores com o processo produtivo.
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Os comportamentos ideológicos
O comportamento ideológico do indivíduo consiste em um
complexo de valores culturais, morais e políticos determinados pelo
papel que este desempenha em um determinado processo produtivo.
O comportamento ideológico do camponês vem de um processo
de organização de tipo artesanal, porque o camponês (este artesão
do campo) opera em um processo produtivo único (sem divisão)
24
Os camponeses
Inicialmente, vamos definir com mais detalhes o que são cam-
poneses.
Os camponeses são produtores simples que trabalham a terra
como proprietários, parceiros, arrendatários, ocupantes, posseiros
etc., utilizando para isso seus próprios meios de produção e decidindo
sobre o consumo e a distribuição dos produtos.
Sua produção é familiar e algumas vezes utilizam também
diaristas para realizá-la. É o empresário da produção familiar. No
caráter familiar da produção camponesa se observa uma mínima
divisão social do processo produtivo.
Isto significa que o processo produtivo do camponês apresen-
ta o caráter orgânico do processo produtivo artesanal no qual o
indivíduo começa e termina o mesmo produto. Como foi dito an-
teriormente, o camponês “desmata”, “destoca”, limpa, ara, semeia,
efetua outras limpas, colhe e consome ou destina ao mercado o
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Os assalariados agrícolas
Os aspectos examinados oferecem grande distinção entre os
camponeses e os operários agrícolas. Estes são trabalhadores agríco-
las como os camponeses e em alguns casos mais miseráveis ainda.
Os aspectos que, à primeira vista, distinguem os camponeses dos
operários agrícolas da grande fazenda, por exemplo, são os seguintes:
a) os operários do campo vendem sua força de trabalho ao
empresário e os camponeses não o fazem, porque eles são seus
próprios empresários;
b) os camponeses dispõem dos meios de produção, às vezes, in-
clusive da terra, enquanto orecuos assalariados não os possuem;
c) os camponeses costumam ser os menos instruídos que os
assalariados do campo;
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por exemplo, tem 108 sub-seccionais, as quais dirigem cerca de 12 mil associados,
segundo o Informe de Centroamerica (Cida/Cais,1969).
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Veja-se adiante as organizações de luta e de consolidação ou estabilização social
na parte referente a alguns tipos de organização.
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Foi o que se pôde observar em duas greves gerais do Estado de Pernambuco
(Brasil), descritas na obra citada; na greve geral camponesa de Mari, estado da
Paraíba, descritas no Suplemento Especial (Terra Livre, 1964) e na greve geral
rural de 18 a 23 de setembro de 1968 na Costa Norte hondurenha, descrita no
Informe Centroamérica (Cida/Cais, 1969).
13
Durante a histórica greve geral de 1954, em Honduras, os operários agrícolas
organizaram inclusive comitês de policiamento da ordem pública; comissões de
controle dos transportes terrestres, aéreos e marítimos; comissões de censura postal
telegráfica, “comitês de combate ao alcoolismo e a prostituição” (Aldana, 1969).
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Foi o que se observou na greve do movimento dos camponeses de Engenho da
Serra (Pernambuco), em março de 1964, descrita no jornal Liga (1964).
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Desse modo se comportou o setor camponês na zona da mata de Pernambuco
durante a greve geral de 18 a 20 de dezembro de 1963, descrita no jornal Terra
Livre (1963).
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“Laboratório Experimental”, 102 testes realizados nos 1º, 2º, 3º, 4º e 6º Curso
de Politização das Ligas Camponesas do Brasil, Recife e Engenho Tiriri
(Pernambuco), fevereiro e março de 1964.
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Idem.
18
Idem.
19
Idem.
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Os comportamentos ideológicos citados anteriormente não são, entretanto,
exclusivos do trabalhador manual próprio dos setores primários (agricultura,
mineração e pesca) e secundário (industrial). Eles podem ser observados no
setor terciário (serviços). Desse modo, por exemplo, um médico que trabalha
em um grande hospital supostamente terá um comportamento ideológico de
tipo operário, pois o hospital funciona como uma fábrica, ou seja, com divisão
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“Na manufatura a divisão do trabalho era predominantemente subjetiva.
Cada processo individual se adaptava à pessoa do operário; ao contrário, com
a mecanização, a grande indústria possui um organismo de produção objetivo,
que o operário encontra já pronto e ao qual, por conseguinte, deve adaptar-se”
(Kautsky, 1972, p. 181).
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O semiassalariado agrícola
Entre os assalariados rurais e os camponeses latino-americanos
existe um tipo intermediário de trabalhador rural: os semiassalaria-
dos agrícolas. São camponeses pobres que, em algumas épocas do
ano, para complementar sua renda familiar, vendem sua força de
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O lúmpen
O lúmpen é contra qualquer tipo de organização, especial-
mente se esta tem fins produtivos. Uma vez que, geralmente, se
sustenta ou subsiste às custas do esforço alheio, o lúmpen não
consegue entender claramente o trabalho como uma necessidade e,
muito menos, como um dever. Se em algum caso se deixa envolver
em ações de caráter organizativo próprias dos outros estratos, o
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A tradução adaptada poderia ser “roça” ou parcela familiar. (N. T.)
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Projeto Baatán, posteriormente avaliado pelo Grupo Centro-americano de Posse
da Terra (Cida/Cais).
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Sete princípios para o cooperativismo elaborados a partir da experiência realizada
na cidade de Rochdale, na Inglaterra, no século XIX. (N. E.)
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Memória Anual da Federação Autônoma de Cooperativas de Poupança e
Crédito de Honduras (FACACH) Tegucigalpa, 1968.
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Também poderia traduzir-se por associação. (N. T.)
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O melhor retrato dos aspectos sociais do camponês típico se encontra no livro
do ganhador do Prêmio Nobel polonês Wladyslaw Reymont, Os camponeses
(1957), enquanto o retrato da economia camponesa está no famoso trabalho
de Alexandre V. Chayanov, A organização da unidade econômica camponesa
(1974). No entanto, no âmbito da Economia Política, coube a Karl Kautsky o
melhor trabalho sobre os camponeses em A Questão Agrária (1974).
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A empresa
Entende-se por “empresa”, nesse caso, toda e qualquer ação rea-
lizada por várias pessoas e de forma organizada. Essa ação poderá
durar uma hora, um dia, um mês, um ano, um século ou mais.
Ou seja: uma empresa pode ser um comício ou uma manifestação
preparada para ser realizada em uma hora; uma festa religiosa ou
um ato cívico que pode durar um dia, uma greve que poderá durar
um mês; a derruba, o destacamento, capinas e colheitas de vários
cultivos que poderão durar um ano; uma guerra que poderá durar
dez anos, uma revolução que pode prolongar-se por várias décadas;
ou a empresa da colonização espanhola que se prolongou por mais
de três séculos. Tudo isso é considerado empresa e, conforme as
finalidades que buscam, podem ser militares, agrícolas, industriais,
comerciais, de serviços etc.
Certamente a empresa militar – o Exército – tem sido, na maioria
dos povos do mundo, a primeira empresa que aparece. É em geral
a empresa mais antiga e a primeira que incorpora assalariados, ou
seja, que recebem soldos; daí, o soldado. Pelo fato de ser a empresa
maior, acredita-se que seja a mais eficiente; e por isso lhe entregam
façanhas especiais.
Desse modo, as empresas podem ser estatais, isto é, são admi-
nistradas e orientadas pelo Estado, segundo os interesses das classes
que dirigem o Estado; podem ser privadas, ou seja, as empresas nas
quais a orientação e a administração fazem com que as utilidades,
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os lucros, caibam totalmente aos poucos que são donos dos fatores
de produção (terra, capital, tecnologia), não lhes importando a sorte
dos muitos que contribuem apenas com o trabalho; podem também
ser empresas comunitárias, nas quais todos os associados trabalham
e todos gozam dos frutos, porque nesse tipo de empresa os sócios
são os donos dos fatores de produção, orientam e fiscalizam sua
administração.
Os graus de consciência
São três os graus de consciência dos grupos sociais.33 O grau de
consciência ingênua, o grau de consciência crítica e o grau de consciência
organizativa. No primeiro caso, referente à consciência ingênua, os
indivíduos se dão conta de seus problemas ou de sua miséria, mas não
chegam a identificar os fatores responsáveis, ou seja, as causas.34 Em
33
“A formação da consciência está ligada diretamente à ampliação dos laços
produtivos e sociais, ao aumento das necessidades humanas, condicionadas
socialmente, e o desenvolvimento dela (a consciência) avança desse modo,
pela linha da formação e aperfeiçoamento do pensamento abstrato e lógico,
condicionado pela exigência de um posterior desenvolvimento da prática social e
produtiva, pela necessidade de penetrar na essência das coisas” (Sombart, 1966,
p. 110). Não foi por acaso que Sombart admite que foi necessário o desenvolvimento
da Economia Mercantil para que se criasse no séc. XIV a Contabilidade por Partida
Dobrada (com seu caráter “sistêmico” de entrada e saída), em razão da qual o
homem pode tomar consciência ou noção de sistema (Sombart, 1966), e desse
modo nela se descobrem “os germens do conceito de gravitação e da circulação
do sangue que coube a Copérnico e a Harvey, respectivamente, desenvolver nos
séculos subsequentes” (Sombart, 1966, p. 138).
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Supõe-se que o grau de consciência ingênua se manifesta entre os indivíduos
dedicados ou vinculados à produção de valores predominantemente de uso, ou
seja, a produção para o consumo, enquanto a consciência crítica emerge entre os
indivíduos que estão inseridos no âmbito da produção e circulação mercantis.
Karl Kautsky estabelece essa diferença, grosso modo, entre o artesão (camponês,
artista, artesão) e o comerciante. Ao primeiro atribui “certa limitação mental”,
determinada pela “limitação especial do trabalho em que está empenhado”. Uma
vez que ele está quase que exclusivamente “interessado na natureza peculiar de
seu trabalho (trabalho útil concreto), na peculiaridade do material que tem que
manipula. [...] Enquanto as atividades do comerciante produzem nele um efeito
completamente diferente do que produzem as do artesão”. Apesar do “grande
valor dos produtos e do mercado em que esteja relacionado, o comerciante se
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A unidade e a disciplina
A base de sustentação de qualquer empresa reside na uni-
dade e na disciplina. Pode ser que uma empresa associativa não
disponha de crédito; que a seca ou o furacão destrua seus cultivos;
que seja cancelada sua personalidade jurídica; porém, se a unidade
e a disciplina de seus associados são mantidas, a empresa continuará
existindo e buscará a forma de seguir adiante.
A unidade em uma empresa é tão importante que para
mantê-la os associados devem admitir este insólito princípio de
organização: é preferível errar com a empresa que acertar fora dela.
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De acordo com Marta Harnecker, “os métodos artesanais de trabalho, tudo
que fazem é, por um lado, desperdiçar as forças que existem, e por outro,
não aproveitar uma grande quantidade de forças que se pode pôr em ação.
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Individualismo39
Quanto ao caráter: oportunista
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Personalismo
Quanto ao caráter: subjetivista
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empresa sou eu”; procura ter mais prestígio, mais vantagens que
os demais a fim de obter mais prazeres ou mais bens materiais.
O personalista quase sempre põe sua personalidade acima
da empresa. Ele julga sua palavra ou sua atitude impensada mais
importante que as decisões ou normas da empresa. Visando não
perder o prestígio pessoal (do qual ele vive), jamais diz não aos que
lhe solicitam algo que contraria as decisões ou normas da empresa.
É pródigo, e distribui ou empresta fácil e irresponsavelmente os
bens ou os serviços da empresa como se fosse o único dono de tudo.
O personalista em geral é paternalista, distribuindo pessoalmente
atenções e favores. Pouco a pouco vai domesticando os associados
mais acomodados da empresa, ou seja, aqueles que não se importam
em fechar os olhos aos erros do personalista, sempre e quando con-
tinue podendo compartilhar das migalhas que sobram do “domes
ticador”, o personalista.
O personalista centraliza todas as tarefas; não as distribui
entre seus companheiros. Desse modo, não forma quadros
substitutos, porque nunca dá chance para que outros exerçam o
poder. É o mais desprezível dos artesãos. Quando morre, ninguém
pode substituí-lo; deixa a empresa acéfala, ou seja, sem cabeça.
Quanto mais se eleva o nível de organização de uma empresa ou
associação, maior é a ação coletiva de todos os associados, tornan-
do, desse modo, mais equitativa a participação de cada um. Isso
cria um grande problema para o oportunista de tipo personalista,
pois sente que vai ser eclipsado pela organização e sua pessoa vai
desaparecer no anonimato das ações coletivas. Nesses casos, para
não perder sua posição, seu prestígio, o personalista apela para o
grupismo, e daí não vacila em dividir a empresa, fracionando-a
em dois pedaços.
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Espontaneísmo
Quanto ao caráter: oportunista
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Anarquismo
Quanto ao caráter: oportunista
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Imobilismo
Quanto ao caráter: oportunista
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Comodismo
Quanto ao caráter: oportunista
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Sectarismo ou Radicalismo
Quanto ao caráter: oportunista
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Liquidacionismo
Quanto ao caráter: oportunista
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Aventureirismo
Quanto ao caráter: subjetivista
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A autossuficiência
Quanto ao caráter: subjetivista
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A vigilância
A vigilância tem o objetivo de manter a unidade e a disciplina
dos grupos. Entretanto, não é uma vigilância exercida de forma
primitiva, desconfiando de todos, como fazem os policiais. Isso cria
uma atmosfera destrutiva. A vigilância é exercida zelando-se pelo fiel
cumprimento dos princípios da empresa, das técnicas organizativas,
e por meio da crítica. São três os níveis mais importantes em que se
realiza a vigilância: ideológico, político e organizativo.
Entende-se por ideologia de uma empresa o seu “espírito”, ou o
aspecto da empresa que tanto pode ser o espírito usurário imediatista
de um pequeno banco ou de uma cooperativa de crédito e poupança,
como pode ser o aspecto paternalista de uma junta de desenvolvi-
mento da comunidade; tanto pode ser a mentalidade individualista
de um grupo de parceleiros, na qual prevalece o princípio de “cada
um por si e Deus por todos’’, como pode ser o aspecto solidário dos
grêmios de artesãos; o espírito pseudocooperativista de uma socie-
dade anônima, como também o caráter coletivista de uma empresa
comunitária; ou ainda a consciência da distribuição do trabalho social
das empresas estatais da área de propriedade do povo.
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Não basta que a vigilância seja realizada apenas nos âmbitos ideológicos e
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A crítica
A crítica é um elemento indispensável para combater os vícios
das formas artesanais de trabalho. Desse modo, ela constitui um
instrumento que permite capacitar as pessoas e harmonizar a ação
das organizações, objetivando conseguir maior rendimento do
trabalho; por essas razões, deve ser estimulada e exercida com a
frequência necessária.
Toda crítica deve ser fraternal e organizada, ou seja, só poderá
ser feita em reunião e com o objetivo de ajudar aos indivíduos e à
ação das organizações ou comitês. Além disso, a crítica só deve ser
considerada quando se apontam as causas dos erros e há sugestão de
medidas para superá-las.
A crítica manifestada fora de uma reunião da organização ou
comitê tem conotações de repreensão e, desse modo, cria atritos
pessoais e ressentimentos que posteriormente afetarão a unidade e a
disciplina da empresa.41
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A reunião
A reunião é um mecanismo por meio do qual se exercita o trabalho
coletivo ou associativo em qualquer nível, quer seja de base, de assem-
bleia ou de comitês dirigentes e intermediários da empresa. A reunião
só alcança esse objetivo, além daqueles para a qual foi programada,
quando é realizada de maneira organizada. Uma reunião desorganizada
não passa de um “bate-papo’’, um encontro de amigos ou compadres.
Toda reunião, para ser produtiva, terá que ser organizada.42 Entre os
artesãos ou indivíduos de ideologia de caráter artesanal, as reuniões
não têm hora para começar nem para terminar, além disso, sempre
se realizam da maneira mais anárquica possível. Os espontaneístas
particularmente se mostram felizes nestas reuniões que não têm hora
para terminar. Se uma reunião não tem fixado previamente o tempo
de sua duração, geralmente se realiza de maneira desorganizada.
Uma reunião séria de uma empresa ou de um comitê responsável
é composta de quatro partes: preparação, informativo com balanço
crítico, plano de trabalho, distribuição e controle.
Na preparação da reunião, o coordenador responsável pela orga-
nização estabelece o local da reunião, a pauta, escreve o informativo e
esboça um plano de trabalho para as tarefas decorrentes da reunião.43
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diz: ‘Declaro aberta a assembleia geral’. Não se deve perder nem um só minuto.
O regulamento se estabelece de maneira simples, um minuto com relógio de
areia.
− Peço a palavra.
− Fala.
Vira-se o relógio. A areia começa a descer. Termina o um minuto. Sobre as
questões práticas, deve-se falar na assembleia em um minuto. No início
tornava-se difícil, depois se acostumaram e todos pediam a palavra. Alguns
inclusive poupavam o tempo.
Esta questão, aparentemente insignificante, tem uma enorme importância.
Primeiro, porque na assembleia geral podíamos falar de tudo. Segundo, cada
um se habituava a dizer apenas o necessário.
Com um regulamento tão severo, a tendência das pessoas é de se expressar
com brevidade sem explanações, porém com as palavras precisas. O indivíduo
se acostuma a ser prático.
Em alguns casos, quando o problema tinha uma importância especial ou se
apresentava uma proposição de muita significação, o orador dizia:
− Não posso resolver com um minuto.
− Quanto tempo necessita?
− Três minutos.
− É muito.
− Dois minutos, então.
− Fala.
Assembleias deste tipo nos ocupava no máximo 20 minutos. E ninguém chegava
tarde nem se esperava ninguém.
Esta questão tão simples e, aparentemente, nada pedagógica, a distribuição do
tempo, é, no entanto, decisiva. Deve-se respeitar o tempo, observar a exatidão”
(Makarenko, 1977, p. 234-235).
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Definição
O que é um laboratório experimental? É um ensaio prático e ao
mesmo tempo real no qual se busca introduzir em um grupo social
a consciência organizativa que necessita para atuar em forma de
empresa ou ação organizada.
A consciência organizativa é introduzida no grupo social por
intermédio de uma aceleração preconcebida da práxis de organi-
zação por meio da análise teórico-prática dos fenômenos, quer seja
os que dão forma ou os que buscam desintegrar o “todo-orgânico”
programado, ou seja, a empresa.
Para a realização de um laboratório experimental é necessário criar
artificialmente uma empresa, porém com existência e funcionamento
reais. Para isso, são imprescindíveis três requisitos:
a) as pessoas (mínimo de 40 e o máximo não tem limite);
b) o pleno direito de organizar-se;
c) os meios de produção em mãos dos integrantes da empresa,
ou seja, insumos indivisíveis em poder do grupo social.
Se a maioria dos integrantes da empresa artificial é composta de
operáriwos ou de semioperários, o laboratório experimental poderá
alcançar seus objetivos em 15 dias de duração. Porém, se a maioria
for formada por artesãos, o laboratório não conseguirá seus objetivos
em menos de 30 ou 40 dias ininterruptos.
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Os laboratórios experimentais existem sob quatro tipos: a) laboratório de centro,
cujo objetivo é a formação de quadros organizadores de empresas coletivas e
de futuros diretores de laboratórios experimentais; b) laboratório de empresa,
cujo objetivo é elevar o nível organizativo de uma empresa coletiva mediante a
redução das formas artesanais de trabalho; c) laboratório de terreno ou mediante
o qual se consegue acelerar a consciência organizativa do grupo social para se
criar as bases de empresas de serviço e produção; d) laboratório de curso, cuja
consciência organizativa do grupo de alunos integrados em uma empresa de
serviços é destinada à autocapacitação para aperfeiçoamento dos dois primeiros
tipos de laboratórios.
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Essas facções, conforme a composição do grupo, podem estar compostas
por pessoas de posturas sociais antagônicas, princípios religiosos ou políticos,
preconceitos étnicos ou raciais, ou por pessoas de diferentes níveis educacionais,
diferentes filiações sindicais etc.
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As normas de conduta social no seio da coletividade vão se forjando
paulatinamente durante o transcurso da atividade prática e da inter-relação
de seus membros. A conduta adequada às normas estabelecidas encontra a
aprovação dos trabalhadores e, ao contrário, a conduta discrepante destas
normas é avaliada negativamente pelos membros do coletivo. Cada trabalhador,
de maneira involuntária, estabelece uma comparação entre seus próprios atos
e as normas que se propõem (autoeducação no coletivo) (Coletivo de autores,
1978, p. 125-126).
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No momento em que se constata a iminência de ruptura da unidade e
da disciplina da “empresa”, qualquer participante da estrutura primária
premeditadamente adverte dos problemas da organização.
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Sobre o fenômeno “práxico” ou praxeológico, ver: Vázquez (1967), Kotarbinski
(1955), Lange (1976) e Suarez (1978).
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net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&hf=armazemmemoria.com.
br&pagfis=5289. Acesso em: 27 jan. 2022.
TERRA LIVRE. Avalanche de Camponeses marchou sobre a Fazenda Ma-
riri [Paraíba]. Terra Livre, Suplemento Especial. São Paulo, fevereiro de
1964. [Hemeroteca Armazém Memória, pasta Luta pela Terra, jornal
Terra Livre – 1954-1964 – p. 372] Disponível em: http://docvirt.com/
docreader.net/DocReader.aspx?bib=hemerolt&pagfis=5298. Acesso
em: 27 jan. 2022.
VASQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia de la praxis. México: Grijalbo, 1967.
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