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À SOCIEDADE CIVIL COMO ESPAÇO ESTRATÉGICO

DE DIFUSÃO DA NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA

Lúcia Maria Wanderley Neves

É consensual na literatura brasileira que o país emergiu do período de ditadu-


' ra militar (1964-1985) muito mais complexo econômica e político-ideologicamen-
Embora o processo de ocidentalização brasileiro ainda preserve traços de
autoritarismo!, não resta dúvida de que o processo de socialização da participação
política se alargou consideravelmente a partir dos anos de abertura,”
' Analisando o fenômeno da socialização da participação política, ou seja, a
crescente organização de grupos e classes sociais na defesa de seus interesses por
'meio de aparelhos privados de hegemonia na sociedade civil, Coutinho (1994, p.
mM observa que,

[.:].com a multiplicação das organizações dos trabalhadores (partidos, sindicatos, etc.),a


própria burguesia tem também de criar organismos fora do Estado, a fim de concorrer
- comos operários. Também ela cria associações profissionais, cria ou hegemoniza parti-
dos de massa que defendem seu projeto de classe. O mesmo ocorre, em seguida, com as
camadas médias. [...] Já não existem mais, de um lado, indivíduos atomizados, puramen-
te “privados”, lutando por seus interesses econômicos imediatos, e, de outro, o Estado e
seus aparelhos,-como únicos representantes dos interesses ditos “públicos”. Surge uma
“complexa rede de organizações de massa, de sujeitos políticos coletivos.

Asociedade civil brasileira: do desenvolvimentismo ao


neoliberalismo da Terceira Via
O Brasil chega ao século XXI, portanto, como uma sociedade de tipo ociden-
tal, ou seja, uma formação social que mantém uma relação equilibrada entre a

! Coutinho (1999, p..211-212), concordando com as indicações de;Portanteiro (1983, p. 124), considera o
“Brasil como um caso de um “Ocidente” periférico e tardio, o que implica reconhecer que, no âmbito nacional,
coexistem ainda fortes elementos de autoritarismo, como um Executivo forte em detrimento do Parlamento,
uso de formas de populismo e de mecanismos transformistas e a recorrência à tutela militar. Essa idéia é
reforçada nos seguintes termos: “[...] emergimos da ditadura [...] como uma sociedade de tipo ocidental,
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86 Em
I-A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL
LÚCIA NEVES (ORG.) - A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA

na identidade e no reconhecimento mu-


vência democrática pautada na'solidariedade,
utilização de estratégias coercitivas e diretivas na estruturação do poder. Na verda- de democracia eminentemente
tuo; caracterizações que deram produto a uma visão
de, a politização da sociedade civil veio ocorrendo paulatinamente, mesmo que de de uma sociedade civil “popular”.
exercida é vivenciada nos espaços de convivência
forma não-linear, ao longo do século XX, à medida que o país foi-se constituindo que vem dificultando a
. Essa percepção dicotômica, ao mesmo tempo em
em umaá formação urbano-industrial. adotadas pelas forças reunidas
reflexãoe o debate sobre as estratégias a serem
Tanto o bloco de forças que se veio agregando historicamente em torno do trabalhadora em relação ao Estado
, em torno do projeto emancipatório da classe
projeto de sociedade — e, portanto, também de sociabilidade burguesa, em cada do que essas mesmas forças
“em sentido estrito, tem simultaneamente impedi
conjuntura do nosso processo de urbanização e de industrialização — quanto o blo- várias frações da burguesia bra-
' apreendam os movimentos de reorganização das
co de forças que se agrega em torno das idéias, ideais e práticas do proletariado crise de hegemonia instalada no
“sileira é dé seus aliados, com vistas a superar a
foram-se constituindo em sujeitos políticos coletivos que passaram a disputar à suma, essa visão dicotômica tem
| paísnos anos de pós-“milagre econômico”. Em
hegemonia política e cultural, intelectual e moral da sociedade brasileira na apare- também como locus importante de
“impedido uma percepção da sociedade civil
lhagem estatal e na sociedade civil. nos tempos de neoliberalismo,
consolidação da hegemonia da burguesia brasileira
Em parte devido aos amplos períodos ditatoriais da história republicana bra- de uma nova pedagogia da
u seja, como espaço privilegiado de consolidação hM
sileira ou mesmo ao fortalecimento da organização social contra a ditadura mili- da
' hegemonia.
e essa visãasredentora da
tar, no plano empírico, em parte devido à conceituação restrita do Estado capita- | Tal'visão restrita da natureza do Estado capitalista
das forças progressistas na
lista, como comitê da burguesia, no plano teórico, desenvolveu-se em larga es- sociedade civil têm levado ainda parcela significativa
emancipador dos instrumentos da
cala no Brasil dos anos 1980 uma visão dicotômica da relação entre Estado e atualidade brasileira a supervalorizar O caráter
as novas estratégias da peda-
sociedade civil, na qual a aparelhagem estatal, espaço exclusivamente burguês, demócracia direta e com isso, aceitar acriticamente
ção dos instrumentos dademo-
era responsável pela perpetuação do poder das classes apropriadoras?, enquan- 'gogia da hegemonia, que têm no estimúlo à amplia
um vetor importante da legitimação
to a “sociedade civil organizada”, de forma homogênea, constituir-se-ia no espa- ' cracia direta, na organização da sociedade civil
e de sociabilidade pós-desen-
ço de redenção das classes produtoras diretas, supervalorizando seu papel trans- social ao projeto burguês de desenvolvimento
formador. 'volvimentismo.
989) foi, ao mesmo tempo, à
Sobre o caráter homogêneo da sociedade civilnos anos 1980, Duriguetto (2008, | A história do Brasil desenvolvimentista (1930-1
induzir o processo de moderniza-
história da apropriação burguesa do Estado, para
p. 208) observa que a sua legitimação social, quer
-ção capitalista e desenvolver estratégias com vistas
«

[..] tecerâm-se loas à esfera da sociedade civil como esfera de potencial transformador, s de cidadania, quer seja
eja ampliando de forma segmentada os direito
autonomista, de representação homogênea dos interesses populares, de aversão a toda adora.
“inviabilizando a organização autônoma da classe trabalh
forma de representação político-institucional e que se contraporia ao caráter autoritário, não se restringe à sua
|. A história da hegemonia burguesa no Brasil, porém,
repressivo e burocrático do Estado. Nessa direção, tem-se a valorização, em seu interior, meio da construção, na socieda-
das ações espontâneas, fragmentárias, que, no seu conjunto, configurariam uma-convi- “atuação na aparelhagem estatal. Ela se amplia por
de obtenção do consentimento
de civil, de uma diversificada rede de organismos
metidos, em níveis diversos,
; ativo e/ou passivo do conjunto da sociedade, compro
da atração de outros sujeitos políti-
com diferentes projetos societários, e também
. Ao longo desse período históri-
bastante peculiarmente ocidental: trata-se, decerto, de um 'Ocidente periférico', como Gramsci, nos Cadernos , cos coletivos e de seus aparelhos a esses projetos
do cárcere, designava países como a Itália, a Espanha, Portugal e a Grécia de seu tempo, sem excluir à is e políticos, ao mesmo tempo
própria França. Em suma: um 'Ocidente' atravessado por 'Orientes'. Sem dúvida, o Brasil não é os Estados co, tais aparelhos privados de hegemonia, cultura
Unidos de hoje, não é a União Européia, mas é uma formação sociopolítica parecida com a Itália de 1930,
que Gramsci não hesitou em chamar de 'Ocidente', ainda que 'periférico'.” (COUTINHO, 2002, p. 24-25)
* Wood (2003) utiliza as expressões “classes apropriadoras” e “produtoras diretas” para caracterizar O
antagonismo de classes no' modo capitalista de produção da existência, salientando, com propriedade, a tes preferiram delegar a função de dominação
:
Coutinh o (1999) observa que, no Brasil, as classes dominan
na caracterização liberal de classes produtoras. Os chamados 'produtores', na perspectiva tarefa de “control ar” e, quando necessário, reprimir as classes
inversão existenté política aó Estado, ao qual coube a
diretos .
liberal, são; na realidade, os apropriadores da riqueza gerada pelos trabalhadores; estes Os prodútores 'subalternas.
do trabalho. : : NE
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em que disputavam a hegemonia na sociedade em seu conjunto, representavam, “conquistada pelo projeto de sociedade do bloco de forças aglutinado em torno da
concomitantemente, interesses das várias frações da classe apropriadora na dispu- Classe trabalhadora.
ta pela condução do projeto de desenvolvimento!. Fontes (2005, p. 6) observa com De 'modo-geral, pode-se afirmar que a história política do Brasil a partir dos
muita propriedade que ' anos 1990 tem sido a história de recomposição, consolidação e aprofundamento
[...] a ampliação do Estado, se exigiu a mediação partidária, ocorreu prioritariamente atra- “da hegemonia da burguesia brasileira nesse momento de mudanças qualitativas
vés da integração desses setores organizados ao 'aparelho estatal, através de instâncias “na organização do trabalho e da produção e da reestruturação do Estado no capita-
especialmente criadas para atender a tais interesses e que se recobriam de um aspecto | “lismo monopolista internacional e nacional. Essa história tem sido também a histó-
“técnico” ou de defesa de “interesses nacionais”, posto que, incrustadas no Estado, dele ria de tentativas de segmentos minoritários das: forças políticas de esquerda de
emanavam. Organizavam-se os interesses econômicos e uma formatação da manterem viva'a utopia socialista; em face da adesão cada vez mais significativa
institucionalidade do Estado de forma a serem minimamente perturbados por eventuais “de segmentos da classe trabalhadora a postulados e ações neoliberais da Terceira
modificações introduzidas pela expressão eleitoral. Em outros termos, instaurava-se uma
Via, que fundamentam a nova pedagogia da hegemonia.
separação entre econômico (o mercado e a propriedade) e 0 alcance da política, desvalo-
| Essa pedagogia que se vem efetivando por intermédio da repolitização das
rizando-a. Porém, sua efetivação demanda a mediação de formas ativas, que são tam-
bém políticas— organizativas e ligadas ao Estado. lições de produção está se consolidando também por meio das redefinições da
relação entre sociedade política e sociedade civil, indicando que o mericanismo”
A história do Brasil desenvolvimentista foi também a história das várias ten- que já vinha conformando a maneira de trabalhar e o cotidiano brasileiros começa
tativas da classe trabalhadora -de se tornar protagonista da sua história, tentativas também a conformar a nossa maneira de fazer política.
em boa parte inviabilizadas pelas estratégias burguesas de repressão ostensiva, No Brasil do neoliberalismo da Terceira Via, materializam-se de forma crista-
de cooptação individual e de grupos e até mesmo pelo atendimento molecular ina duas observações de Antonio Gramsci. A de que a hegemonia, na cultura urba-
de suas demandas, por intermédio de.processos de revolução passiva. Apesar no-industrial, nasce da fábrica e necessita, para ser exercida, de uma quantidade
disso, contraditoriamente, a modernização capitalista empreendida pelo Estado mínima de intermediários profissionais da política e da ideologia (GRAMSCI, 2001,
sob'a orientação burguesa ofereceu-as pré-condições objetivas para.que a classe p. 247-248); e a que ressalta o significado e o alcance objetivo do “fenômeno ame-
trabalhadora, no final desse período, com diferentes níveis de consciência políti- ricano”, que é também o maior esforço coletivo até agora realizado para criar com
ca, edificasse na sociedade civil uma significativa rede de aparelhos privados de rapidez inaudita e com uma consciência de fim jamais vista na história, um tipo
hegemonia (partidos, sindicatos, movimentos sociais, etc.) com vistas a difundir novo de trabalhador e de homem (GRAMSCI, 2001, p. 266).
e'consolidar uma proposta contra-hegemônica de sociabilidade para a socieda- "De fato, em vista da predominância do emprego de estratégias de superex-
de brasileira. ploração da força de trabalho em detrimento das estratégias de aumento da sua
O grau de correlação de forças alcançado nos anos finais de 1980, caracteri- produtividade, as estratégias fordistas de obtenção do consenso ao trabalho alie-
zado pelo avanço das forças progressistas e pelo refluxo momentâneo
das forças nado, largamente utilizadas na Europa e nos Estados Unidos da América, mas só de
de-conservação, espelhado em boa parte nos resultados do processo constituinte modo incipiente no Brasil naquele período, passam a ser mais largamente adotadas
e da primeira eleição direta para a presidência da República pós-ditadura militar, entre nós nos anos de automação flexível.
vem-se alterando consideravelmente a partir dos anos 1990, em um processo ace- | Os segmentos da classe trabalhadora brasileira que se mantêm empregados,
lerado de ampliação da hegemonia burguesa e de retrocesso dé uma certa robustez além de serem contemplados com as aplicações atualizadas dos princípios e dire-

alisando a vida política do país nos anos iniciais da década de 1990, Coutinho-(1992) observou que, por
“Nessa perspectiva, merece destaque o excelente trabalho de pesquisa desenvolvido pela historiadora Sônia trás da diversidade das propostas em disputa durante a eleição presidencial, poder-se-ia reconhecer a
Mendonça. Do conjunto de sua obra, destaca-se aqui O ruralismo brasileiró (1888-1931) (MENDONÇA, 1997), presença conflitante de dois projetos principais de organização societária, -com vistas a conformar a nova
por analisar a natureza da atuação da burguesia na sociedade civil já nos anos iniciais do século XX.
sociedade ocidental brasileira de acordo com um:ou outro dos dois modelos de estruturação do poder e de
“Com enfoques diferenciados, Werneck Vianna (1997) é Coutinho (1999) tratam dos processos de revolução representação de interesses: o liberal-corporativo, ou neoliberal, e o democrático de massas; o primeiro
passiva no Brasil. aglutinando interesses da burguesia e, O segundo, os interesses da classe trabalhadora.
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trizes psicológicas que embasam as relações humanas no trabalho industrial


, vêm “da política, no sentido da inviabilização de projetos de sociedade contestadores das
sendo convidados, juntamente com seus patrões, harmonic amente, a realizar direta- relações capitalistas de produção da existência, limitando as possibilidades de mu-
mente junto à sociedade civil os denominados “programas de responsa bilidade so- dança aos marcos de um reformismo político. E repolitização da sociedade civil, no
cial”; doando aos projetos sociais da empresa horas de seu trabalho. O trabalhad
or sentido de fortalecimento de práticas que induzam à conciliação de classes.
do de sua função militante e
contemporâneo vai paulatinamente abdican
transmutando-se em voluntário. Ele vai, no seu próprio ambiente de trabalho,
transfi- 'Ametamorfose da sociedade civil: sua arquitetura
e do |
gurando-se em um cidadão colaborador, que abdica espontaneament , Embora os intelectuais orgânicos do projeto de sociabilidade neoliberal-da
condiçõe s de trabalho. |
enfrentamento ao patrão na defesa de seus direitos e das erceira Via se esforcem para situar a esfera da sociedade civil como uma esfera
Sua indignação frente ao aumento da miséria, do desemprego, da precarização autônoma do ser social, separada do mercado e do Estado, como uma esfera pú-
ha à.
das relações de trabalho e do achatamento da massa salarial não o encamin lica homogênea que deve ser alargada, democratizada, para atender ao interesse
empre
porta do sindicato ou ao partido político, mas à porta do setor de pessoal da omum?º, as evidências históricas começam a demonstrar, em primeiro lugar, a
posto de trabalho, ou
sa, em um gesto que pode assegurar sua manuten ção no
lissociabilidade entre economia e política nas práticas dos vários sujeitos políti-
situação
mesmo garantir sua progressão funcional e, ao mesmo tempo, melhorar a cos coletivos e, em segundo, a reciprocidade entre sociedade polítisa e sociedade
* da empresa no ranking nacional e internacional”. civil na definição das políticas públicas e, concomitantemente, nos rurnos da orga-
en-
Essa ação circunscrita ao espaço diretamente produtivo se constitui, no ização dos vários sujeitos políticos coletivos que na sociedade civil historicamen-
tanto, em peça importante de um conjunto de estratégias de legitimação burguesa te disputam a hegemonia da sociedade brasileira republicana.
,
que visam a enfraquecer politicamente a classe trabalhadora no espaço nacional - A consolidação desse novo projeto de sociabilidade burguesa vem-se proces-
evitando que o aguçamento das contradições resultantés das condições objetivas ando ao longo das diferentes conjunturas de desenvolvimento do neoliberalismo
único.
da exploração e da expropriação capitalistas nos tempos de pensamento o Brasil, na medida em que o Estado brasileiro, enquanto Estado educador, redefine
for- “suas práticas de obtenção do consentimento ativo e/ou passivo do conjunto da
transforme-se em pressupostos objetivos para a organização de um bloco de
vigente, consubst anciada no opulação brasileira.
ças que questione os fundamentos da relação social
imperialismo hegemônico global (MÉSZÁROS, 2003). o A primeira etapa de implantação desse projeto de sociabilidade estendeu-se
As redefinições da relação entre sociedade política e sociedade civil pressu-. ela primeira metade dos anos: 1990 e se encerrou com a implementação do Pla-
põem alterações na estruturação da aparelhagem estatal” e mudanças na natureza 10 Real. Essa conjuntura caracterizou-se mais nitidamente como uma etapa de
da sociedade civil, que, juntas, são responsáveis pela redefinição dos marcos do juste econômico, embora algumas iniciativas de legitimação social já pudessem
processo brasileiro de ocidentalização — de uma ocidentalização de tipo europeu er captadas. Aliás, o próprio Plano Real constituiu-se em importante mecanismo
para uma ocidentalização de tipo americano (COUTINHO, 2000, 2002). Ou-seja,
da e obtenção do consentimento do brasileiro às idéias, ideais e práticas da classe
instauração de um modelo de estruturação do poder que pressupõ e ao mesmo, ominante e dirigente.
zação
tempo a despolitização da política e a repolitização da sociedade civil. Despoliti ' Seguindo as diretrizes do FMI e do Banco Mundial para Os países da periferia
. do capitalismo, o Estado viabilizou a abertura irrestrita do mercado nacional, o
fim da reserva de mercado da informática, a privatização das empresas estatais,
' Respondendo à pergunta:título de seu trabalho realizado no Ipea- Bondade ou interesse?
Como e por que o desmonte do aparato de ciência e tecnologia instalado nos anos de
as empresas atuam na área social, Peliano (2001, p. 33), sem descartar as motivações
humanitárias, conclui
desenvolvimentismo e iniciou o desmonte do Estado inspirado no modelo de
nos anos 1990 faz parte das
que o crescente envolvimento dos empresários com os problemas sociais
mudanças nas suas estratégias, com o objetivo de atender às novas exigências
da economia globalizada na em-estar social, precarizando as políticas sociais públicas e estimulando sua
inseria. Entre as novas estratégias, surge a questão da responsabil idade social como fator de
qual o país se
junto aos consumidores,
competitividade, ou seja, empresas socialmente ativas. promovem sua iriagem
de produtividade de'seus
melhoram o relacionamento com as comunidades vizinhas e percebem ganhos
Í do conceito
trabalhadores. 'Montaio (2002) e Duriguetto (2003) realizaram importantes estudos sobre a gênese e a natureza
livro. de sociedade civil na perspectiva neoliberal
* Ver o texto “Reforma da aparelhagem estatal/novas estratégias de legitimação social”, neste
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ini H- A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL
LÚCIA NEVES (ORG.) - A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA

Na proposta do primeiro governo FHC — Mãos à obra, Brasil (CARDOSO, 1994),


se, por intermédio dos mel
privatização. No âmbito da sociedade civil-iniciou- já estavam definidas suas diretrizes em relação à reestruturação do Estado e cria-
lificação da política e dos
de/comunicação de massa, um processo de desqua ção de novas formas de articulação entre aparelhagem estatal e sociedade civil.
combate ao sindicalismo-au-
políticos por meio de denúncias de corrupção e de Claramente, o seu capítulo V — A parceria Estado-sociedade — já anunciava:
tônomo dos trabalhadores.
sociais”, ou'seja, aqueles que
Proliferaram os chamados “novos movimentos
' [..Jé necessário reformar o Estado: aprofundar à democratização, acelerar o processo de
relacionados às relações de
se articulam em torno de interesses não diretamente
“descentralização e desconcentração e, sobretudo, ampliar e modificar suas formas de
começaram a ter maior visibilida- ' relacionamento com a sociedade [...], Caberá, em primeiro lugar, criar novos canais de
trabalho, e as organizações não-governamentais - participação e controle público, além de dinamizar os já existentes, multiplicando as ex-
e profissionais gradativamente te
de na arena política; as associações científicas '* periências de gestão multilateral e desprivatizando o Estado, isto é, libertando a adminis-
abandonando sua partie
traíram-se para a defesa de seus interesses específicos, tração governamental dos interesses particulares que hoje a aprisionam. Caberá, em se-
ca também redefiniu as diretri-
pação nos grandes debates nacionais; a Igreja Católi gundo lugar, dinamizar, apoiar e promover a multiplicação de espaços de negociação de
com maior ênfase para à eva
zes de sua doutrina e suas práticas, voltando-se * conflitos, onde interesses divergentes possam ser representados é soluções negociadas
hegemonia das diversas frações
gelização de seus fiéis; Os aparelhos privados de possam ser buscadas, em benefício do interesse público. Caberá, em terceiro lugar, defi-
a criar na sociedade e nas suas
da burguesia também se reestruturaram com vistas nire apoiar formas novas de parceria [..:] entre o Estado e a sociedade, de modo a permi-
sociabilidade. ci
bases o consenso para suas novas propostas de “tir, porum lado, que diferentes instituições da sociedade como as empresas; os sindica-
r, foi nm momen to de difus ão da tos, as universidades assumam a co-responsabilidade por ações de interesse público; por
Especificamente quanto à educação escola
dos dirigentes em gesto res edu- “outro, que a comunidade organizada estabeleça suas prioridades, administre os recursos
ideologia da qualidade total, da transformação
ção superior pública e da trans comunitários de forma honesta, transparente, racional e eficiente é desenvolva a capaci-
cacionais, do começo do sucateamento da educa
ção (Consed), de órgão dade de cuidar de simesma. (CARDOSO, 1994, p. 208-209, grifo nosso)
formação do Conselho Nacional de Secretários de Educa
da ditadura militar e nos anos
contestador das políticas oficiais, nos anos finais Tão logo assumiu.a presidência da República, FHC criou, sob a direção da
políticas neoliberais para a edu,
de abertura política, em instrumento difusor das pria Presidência, o Programa-Comunidade Solidária. Tendo como foco
ão básica. útinador.o combate a situações agudas ou extremas de pobreza, esse progra-
os Fernando Henrique Cardo-
a seguindá etapa correspondeu aos dois govern ; de fato um órgão de governo, incumbiu-se de implementar as diretrizes previs-
reestruturação do Estado nas suas
so. Esses governos voltaram-se prioritariamente à para a nova orientação das relações entre O governo recém-eleito e os vários
direto de bens e serviços, O Es
funções econômicas e ético-políticas. De produtor rganismos da sociedade civil. Além. de: cumprir o importante papel de pólo
A privatização se IMpOS como ê
tado passou a coordenador de iniciativas privadas. glutinador de forças político-sociais para implementação das ações educadoras
, complementada por políti
principal política estatal. Na área social, a privatização sociabilidade neoliberal na sociedade civil, o Programa Comunidade Solidária
O, 1999; BOITO JUNIOR
cas de descentralização, fragmentação e focalização (NETT empenhou, ainda, papel fundamental.na elaboração do -seu arcabouço jurídi-
instrumento viabilizador da
1999: LAURELL, 2000), “constituiu-se em importante m especial na elaboração da Lei das Organizações Sociais (OS) de 1998, da
da educação de uma nova cida
estratégias governamentais de coesão societal e o Voluntariado, em 1998, e da Lei nº 9.790/99, que cria as Organizações da
pelos indivíduos e por grupo
dania, “ativa e responsável”, baseada na prestação dade Civil de Interesse Público (Oscips)."*
de “serviços sociais”!.

a ixeira (2002, p. 122-123) observa que, sob a égide da solidariedade, o programa teve como efeito a
tes temas a unir o conjunto dos grupos do
“ Fontes (2005) observa que um dos mais importan e Do mas Ei T
erência das responsabilidades públicas para as comunidades, famílias e indivíduos, assim como o
é a própria desqualificação da política. Não é um “afastamento da monte de espaços construídos na interface entre o Estado e a sociedade, selecionando suas “parcerias”
arena eleitoral , qu qu
amente. -
Trata-se de uma:p olítica-a tiva; constante
nte
articulações diretas do Executivo federal com organizações sociais. Coube ao Conselho do Programa
especifiica de atuar iti
politic
tação parlamentar, reconstitui as formas oa
simultaneamente instaura os elementos de represen feitio) e o apai na
inidade Solidária a direção e o controle dessas iniciativas: monitorar, avaliar e sistematizar as
iais (quer sejam de novo ou velho
direta entre os organismos associativos empresar ências para a futura construção de novos padrões e modelos de atuação na área social; .
parlamentar.
Estado, isolando as decisões mais consistentes do terreno neste livro, os textos “Reforma da aparelhagem estatal: novas estratégias de legitimação social” e
agem estatal: novas estratégias de legitimação social
Ever 7 especificamente, o texto “Reforma da aparelh smos regulatórios como elementos constitutivos da nova pedagogia da hegemonia”.
:

deste livro.
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LÚCIA NEVES (ORG.) - ANOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NH -A NOVAPEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL

Entretanto, em 2000, por iniciativa da primeira-dama à época, Ruth Cardoso, 'pação, a solidariedade .e o senso de responsabilidade social dé todos os brasilei-

responsável por essa estratégica ação governamental, foi criada uma organização de ros (CARDOSO, 1998, p. 271,308).
interesse público = Comunitas — para garantir a continuidade dos programas gerados ' Taldireção baseou-se na perspectiva do presidente da República:e das forças
políticas aliadas de que “[...] só existe cultura cívica digna do nome quando as
pelo Programa Comunidade Solidária de 1995 a 2002, após o término do' segundo
governo FHC. Os dados referentesà Comunitas dão uma idéia da abrangência pessoas acreditam que a participação em questões situadas fora da vida particular

alcançada pelo Programa Comunidade Solidária em iniciativas voltadas para “o for- é uma obrigação moral para com a comunidade eo país [-..1, razão por que o coti-
sociedade civil e a promoção do desenvolvimento social”, “com 0 diano se-constituiu-no espaço por excelência da participação, uma vez que nele se
talecimento da
apoio essencial do mundo empresarial"! A Comunitas possuía em 2004 programas . encontram o público, o privado e o estatal"'” (CARDOSO, 1998, p. 309).
desenvolvimento em 27 estados, 2 mil;municípios e 9 regiões metro- l 'Em suma, foram esses fundamentos norteadores de todas as políticas gover-
de educação e
politanas, contando com grande número de agentes multiplicadores" 'e estabele- namentais que efetivaram a desresponsabilização direta e universal do Estado pela
cendo significativas parcerias e articulações em rede!s. Ao transferir para a Comunitas proteção ao trabalho e estimularam o desenvolvimento de um associativismo
todo o aparato público construído nos oito anos de governo FHC, a então primeira- prestador de serviços sociais de “interesse público”, em oposição ao associativismo
dama pôde continuar a exercer na sociedade civil uma atividade significativa de ob- x oritariamente reivindicativo de direitos dos 'anos'1980. Ra
tenção do consenso para o projeto de sociabilidade neoliberal da Terceira Via, sobo A terceira etapa desse projeto de sociabilidade neoliberal da Terceira Via ini-
comando do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). ou-se coma vitória de Lula da Silva para:a Presidência da República no período
Se o primeiro governo FHC se propôs a implantar uma nova relação entre , e 2003 a'2006. Ela tem por objetivo dar continuidade à execução de reformas
.
Estado e sociedade, O segundo (1999-2002), diante dos avanços já conquistados, truturais, em especial daquelas que visam à desregulamentação das relações de
comprometeu-se à radicalizar a democracia, abrindo-a participação coletiva na alho (reformas da Previdência, trabalhista e sindical) e aprofundar o modelo
construção da “sociedade de bem-estar”? (CARDOSO, 1998, p:'270), após avaliar radicalização democrática iniciado no segundo governo FHC. O governo Lula
que nos quatro primeiros anos de seu governo incentivou com atos, recursos € Silva, pelo menos até o seu segundo ano de mandato, vem mantendo a mesma
palavras, como nunca antes se fez em âmbito nacional; o desejo de participação itica econômica monetarista de seu antecessor e, no plano político, vem tentan-
latente ou manifesto de mulheres e homens, jovens e idosos, das mais diferente consolidar à formação do novo homem coletivo indispensável ao projeto de
«
condições sociais (CARDOSO, 1998, p. 269). bilidade neoliberal da Terceira Via.
Movido pela convicção de que “o fortalecimento da sociedade civil;medi o Estado, não sem tensões e contradições, vem intensificando, com todos os
ante o envolvimento espontâneo das pessoas em atividades cívicas e coletivas a rumentos legais e ideológicos a seu dispor, o seu papel de educador, ou seja, de
mais diversificadas, [...] é um instrumento simplesmente insubstituível para rumento de conformação cognitiva e comportamental do brasileiro ao projeto
conquista do progresso social”, o segundo governo FHC, por meio do exemplo « ciabilidade burguesa implementado pelos governos anteriores. O governo Lula
da persuasão, como materiais complementares dasreformas de naturez Silva vem-se propondo a realizar um pacto nacional ou, em outros termos, a
institucional na construção da nova cidadania, dedicou-se a incentivar-a partici ibmissão consentida do conjunto da sociedade às idéias, ideais e práticas da classe
Ue detém a hegemonia política e cultural no Brasil de hoje, por intermédio de sua
ducação técnico-ético-política.
- Disponível em: <http://www.comunitas.org.br>. Acesso em: 5 nov. 2004. Em.seu programa de governo, Um Brasil para todos: crescimento, emprego e
5.600 gestore
F A Comunitas envolve 175 mil alfabetizadores, 23 mil estudantes e professores universitários, clusão social (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002), Lula da Silva propôs-se a
outras organizaças
sociais, 2.300 agentes de desenvolvimento localintegrado e sustentável, 2.600 ONGs e
Ta onalizar, unificando, as políticas focalizadas e fragmentadas adotadas por seu
Disponível em: <http://www.comunitas.org.br>. Acesso em:5 nov. 2004.
cólaborando e
“ são 700 fóruns de desenvolvimento lócal nos municípios mais pobres, 400 universidades
76 associações de artesãos, 45 centros de voluntariado, 48 espaços jovens; 10.500 instituições, grupo:
tede,
em: 5nov. 200
e voluntários conectados em rede. Disponível ém; <http://www.comiunitas.org.br>; Acesso
feita por Giddens (2001a) em A terceira via: reflexo es sobre o impasse políticoatual Montaho (2002), especialmente nas conclusões (p. 259-280), analisa criticamente as relações entre vida
“ Proposta idênticaà
o futuro da social-democracia. diana e sociedade civil e suas consegiiências na estruturação-e dinâmica das relações de poder.
94
ia
96 H=A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL
LÚCIA NEVES (ORG.) =A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA

' pelo Plano Real — plano de estabilização monetária que, à época, debelou o “fantas-
mas não se propôs a alterar.
antecessor, de modo a evitar a superposição de ações, ma” da inflação, contribuindo decisivamente, de modo mais sistemático, para
a
social. A parceria continuou:
substantivamente as estratégias estatais de legitimação redefinição do modelo de desenvolvimento brasileiro -, uma vez que tanto
a referida
sociedade civil) voltada pre-
aser o eixo norteador da nova relação entre Estado e nflação como o agravamento da miséria nos dias atuais mobilizaram/mobi
lizam in-
às populações “excluídas” e
dominantemente para a prestação de serviços sociais tensamente corações e mentes de parcela significativa da população.
também para aumentar a auto-estima dos cidadãos discriminados da sociedade
o Considerado uma das principais políticas públicas do governo federal, o Fome
que fazem parte do chamado
brasileira, “com a ajuda de milhares de organizações “Zero tem por objetivo “possibilitar a todos os brasileiros o recebimento
de quanti-
as socialmente responsá-.
“terceiro setor'!” e dos investimentos sociais das empres dade adequada de:alimentos, com qualidad e e regularid ade, e contribui r para a
veis” (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002, p. 41). nclusão social de aproximadamente 11 milhões de famílias que vivem abaixo da
constata que tem
O próprio governo, avaliando seus 18 meses de atuação, linha da pobreza”, por meio da colaboração de todos os níveis de governo e da
atização da administração Eis
havido um grande empenho em promover à democr ociedade civil organizada” (BRASIL, 2004d, p. 36).
os segmentos da sociedade
pública federal e, ainda, que a interlocução com todos ' Vale ressaltar que aqui “sociedade civil organizada” não mais se refere a
uma
o e traduz um novo jeito de
civil e com os estados e municípios pautou sua atuaçã ra de potencial transformador, autonomista, de representação homogênea dos
democraticamente os confli-
governar que tem no diálogo a forma de equacionar interesses populares, de aversão a toda forma de representação político-instituci
onal
itando o compromisso com O
tos e construir a união de todos os brasileiros. Explic que se contraporia ao caráter autoritário, repressivo e burocrático do“Estado
, con-
empreendido com enti-
diálogo, salienta o esforço de interlocução que vem sendo rme foi concebida por significativas forças progressistas do cenário político naci-
ões, igrejas, universidades,
dades empresariais, centrais sindicais, ONGs, fundaç dos anos 1980 e que, inclusive, fazem parte do bloco de sustenta ção política
da interlocução permanente |
intelectuais e estudantes, destacando a importância ) atual governo. Essa “nova” sociedade civil organizada é concebida como
uma
projetos de interesse público,
com as igrejas e das parcerias que daí resultam em era pública não-estatal de cidadania, como espaço de interação social que, tam-
º
especialmente na área social” (BRASIL, 2004d, p. 62). m homogeneamente, aglutina esforços na direção do bem comum, do interesse
nto Econômico,
Além de enfatizar a relevância do Conselho de Desenvolvime blico (DURIGUETTO, 2003). . E po
e sociedade nos 18 primei:
e Social (CDES) na promoção do diálogo entre Estado Essa segunda acepção vem norteando parcela majoritária das ações
do. Pro-
ir coesão social em torno de
ros meses de governo, destaca sua missão de produz rama Fome Zero. Com vistas a cuidar da parceria com a sociedade civil organiza-
promover o desenvolvimento
uma agenda nacional que estabeleça acordos para , O governo Lula da Silva criou um gabinete de mobilização social-do Programa
(BRASIL, 2004d, p. 62)2. :
ante papel pedagógico ,
ome Zero, que, ao lado do Ministério do Desenvolvimento Social e Combateà
No governo Lula da Silva, vem desempenhando import
Zero. Esse programa, qu ome, congregou empresas, denominações religiosas, ONGs, sindicatos e escolas
na formação do novo homem coletivo o Programa Fome m um mutirão de combate à fome. Desse mutirão resultaram: doações em di-
ador do consenso ativo/pas
substituiu o Comunidade Solidária, teve impacto catalis heiro e equipamentos na ordem de R$ 25 milhões no período de janeiro de 2003
.
is semelhante ao atingid
sivo do conjunto da sociedade às diretrizes governamenta em- |
bril de 2004; a apresentação de projetos de inclusão social por parte de 96
parte de
resas;a autorização do uso da logomarca do Programa Fome Zero por
12 instituições.
difundida no Brasil.nos anos 1990 para da
“ O terceiro setor, construção teórica e ideológica neoliberal | A mobilização social criou, ainda, uma rede de mais de 600 educadores
po-
ento, na cena política, desses novos aparelho s privados de hegemonia, além de contribui
conta do aparecim Marinho, que,
das políticas públicas neoliberais, proporciona uma visão
homogeneizador.
ulares — o Talher —, formados sob a orientaç ão da Fundação Roberto
para naturalizar a privatização
sua dimensão política de enfrentamento de classe e dos
m todos os estados do Brasil, cuida da-educação cidadã dos agentes
da complexa organiza ção da sociedad e civil, retirando
ae
(MONTANO, 2002; MELO, M.,-2004).
“ Be forma inédita na história brasileira contemporânea,
o presidente Lula da Silva presidiu a reunião anual eneficiários do Programa Fome Zero, realizando capacitação, direitos humanos é
2003 e se fez presente no Concut nesse mesm hamen-
da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de
ivis, para promover o fortalecimento dos movimentos sociais, o acompan
com a Associação Brasileira das Organizações Nã:
ano. Do mesmo modo, seu governo realizou encontro o do Desen-
Governamentais (Abong), propondo uma ação conjunta
entre governo e as ONGs filiadas,na execução de de políticas públicas e a implementação dos programas. O Ministéri
o
suas “ações sociais”. ivimento Social e Combate à Fome articula, ainda, parcerias para a viabilização
ão social”, neste livro:
à ver “Reforma da aparelhagem estatal: novas estratégias de legitimaç
98 99
LÚCIA NEVES (ORG.) = À NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA = A NOVA PEDAGOGIA DA-HEGEMONIA NO BRASIL

de projetos; como a implantação de'restaurantes populares nas grandes cidades e . dessas idéias e práticas; o governo Lula da Silva vem contribuindo para redefinir o
construção de cisternas para captar água de chuva. Nos 18 meses do governo Lula padrão nacional de politização fordista,; com vistas a sedimentar os pilares da nova
da Silva já foram construídas 10'mil cisternas na região do semiárido brasileiro, em pedagogia da hegemonia, tendo como diretriz político-ideológica a radicalização
associação com'a pederação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban) da democracia proposta conjuntamente pelos organismos internacionais, pelos
(ANANIAS; BETTO, 2004). participantes da Governança Progressista, pelos intelectuais orgânicos da'nova'so-
:“O Programa Fome Zero já foi implantado em 1.227 municípios. Seu carro- clal-democracia brasileira, quer na'sua versão “psdbista”, quer na sua versão petista.
chefe tem sido, até então, o Progrâma Bolsa Família, lançado em outubro de 2003.
Esse programa unificou'os programas de transferência de renda então existentes, Metamorfoses da sociedade civil: sua dinâmica
inclusive'o cartão-alimentação, criado no início de 2003 como instrumento'de se-
“Também no Brasil a nova pedagogia da hegemonia vem-se processando por
|
gurança alimentar e nutricional. Em relação à seu antecessor, O programa ampliou
meio da implementação, pelo Estado, e também diretamente pela própria burgue-
expressivamente o número de famílias atendidas, bem como o valor do-benefício
: de ações diversas e complementares com vistas à obtenção do consenso da
concedido (de R$ 28,00 para R$ 75,43 em média por família). Até junho de 2004, 0
iedade e de reeducação ético-política, individual e coletiva, dos cidadãos brasi-
programa hávia atendido a mais de 4“milhões de famílias em 5.461 municípios
TOS, objetivando alterar o nível bastante equilibrado da correlaçãoe forças en-
(BRASIL; 2004d, p. 38)2.
e os projetos societais em disputa nos anos 1980. “e
Desse modo, utilizando o mesmo apeloà consciência individual-e coletiva de
Embora organicamente indissociáveis na realidade concreta, formando uma
“todos”, o governo Lula da Silva, dando um tratamento compensatório à fome de
de múltiplas interconexões, essas ações culturais e políticas podem ser didati-
amplos segmentos da população, vai conquistando o consentimento dos brasilei-
mente fragmentadas, para que se possa ter uma visão mais clara da especificidade
ros a seu modo de governar, construindo, sob a direção petista, uma ampla rede
sua participação na formação do novo homem coletivo na sociedade brasileira
nacional de sustentação política, tendo como pólos irradiadores a esfera municipal
ntemporânea. O primeiro grupo de ações dirige-se à formação de valores para 'a
de poder é os mais diferentes organismos da sociedade civil que atuam em movi-
ova sociabilidade e ao incentivo a uma participação voltada para a mobilização
mentos diversos e complementares com vistas à manter a coesão social. O gover-
olítica pautada em soluções individuais; o segundo dirige-se à repolitização dos
no tem como marca o slogan “Brasil, um país de todos”. Se nos anos 1980 essa
elhos privados de hegemonia da classe trabalhadora, rebaixando o nível de
mensagem poderia ser facilmente traduzida como uma disposição governamental
onsciência política atingido nos anos 1980, do nível ético-político para o econômi-
dé tornar universais os direitos civis, políticose sociais dos brasileiros, ou mesmo
o-corporativo; o terceiro refere-se ao estímulo à criação de novos sujeitos políti-
de instalar no Brasil uma democracia socialista - o que pressupunha democratiza-
Os coletivos, dedicados à defesa de interesses extra-econômicos e à execução
ção econômica, política e social do país —, a partir dos anos 1990 parece estar sen-
as políticas sociais governamentais.
do-ressignificada no sentido da inclusão mínima das massas “excluídas”, que vi-
vem no país em condições subumanas. Outro significado provável para “Brasil, um
país de todos”. no contexto do neoliberalismo da Terceira Via seria o de um-país da. difusão de uma nova cultura cívica
concertação social, do pacto:nacional,
do reformismo político em voga. Por'meio “Têm tido papel estratégico na difusão da nova cultura cívica neoliberal, espe-
ialmente, três aparelhos privados de hegemonia: a mídia, a escola e as igrejas, em
pecial a Igreja Católica:
? Embora o Bolsa Família tenha por objetivo evitar a superposição de benefícios € fraudes, no decorrer do Em boa parte, os veículos de comunicação de massas = jornais, revistas, rádio e
processo eleitoral de 2004 foram muitas as denúncias de-recebimento indevido do benefício. A título de + com forma e intensidade diversas, vêm-se constituindo em implementadores
exemplo: Éboli (2004) divulgou que auditoria realizada pela Controladoria Geral da União concluiu pelo uso
eleitoral do programa na cidade de São Francisco de Itabapoana (Rio de Janeiro). , emplares das estratégias da nova pedagogia da hegemonia, por meio do estímulo
“O Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou pesquisa constatando que at, do desenvolvimento de ações denominadas de responsabilidade social. As ativida-
milhões de brasileiros, em 2003, não tinham dinheiro para comprar a cesta de alimentos que lhes garantisse
s sociais desenvolvidas pelas Organizações Globo, devido à abrangência, o prestí-
o consumo diário de 2.888 calorias, nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
(OLIVEIRA; 2004). lo.e o poder de persuasão alcançados por essa empresa — constituindo-se, inclusi-
100 101
LÚCIA NEVES (ORG.) = A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA PREFÁCIO

astros de televisão muito


ve, em importante ator coadjuvante da história brasileira contemporânea —, ofere- Amigos da Escola, já que, ao envolver na sua divulgação
duas ideologias”.
cem indicações da direção que vem norteando as ações da empresa-midiática em queridos da população, consegue dar credibilidade a essas
os, segundo a emisso-
geral na difusão do projeto burguês de sociabilidade: Dentre as ações sociais desenvol- O Amigos da Escola, iniciado em 2000, tem por objetiv
por meio da mobilização da
vidas por essa empresa, merecem destaque as atividades educacionais. postas em a, contribuir com à educação pública fundamental
e fortalecer à formação de
prática pela Rede Globo de Televisão?! e a Fundação Roberto Marinho (FRM). sociedade para o exercício da responsabilidade social,
. Também de abrangência
Atuando com 'iuma multiplicidade de parceiros, incluindo instituições públi- ações voluntárias para colaborar com a educação pública
mil escolas cadastradas nas
cas internacionais e nacionais, organizações da sociedade civil e empresas; a Rede nacional, o Amigos da Escola já conta com mais de 27
Globo desenvolve atualmente os seguintes projetos: Ação Global; Globo Serviço, várias regiões do país”.
te a ONG Comunitas?,
Criança Esperança, Amigos da Escola, Portal do Voluntário, Merchandising Social e, A Rede Globo e o Comunidade Solidária, e posteriormen
s do voluntariado no espaço
mais recentemente, Geração da Paz. : a % : '* tiveram papel relevante na difusão das idéias e prática
ncia do homem em
O Ação Global, em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi), catalisa nacional. Ao canalizar a indignação e o sentimento de impotê
o esforço voluntário da sociedade para oferecer a comunidades carentes em todo a evitar que esses impul-
ce das profundas injustiças sociais, O voluntariado tende
de sujeitos pglíticos coletivos
o território nacional “um dia de cidadania”, ou seja, uma oportunidade de obten- "sos se transformem em impulso de constituição a 2 vi 29
na, o Portal do Voluntário

ção de documentos, de assistência jurídica, informações sobre saúde, cultura e “contestadores da ordem estabelecida. De forma cristali 30.

, nos seguintes termos":


“ e
2

expõe os objetivos individualizantes dessa ação política


: : ” -

lazer. O Globo Serviço, por sua vez, desenvolve campanhas próprias de utilidade
»
.

estão respondendo a
pública e veicula campanhas organizadas por, outros formadores de opinião. O ““Ao doarem sua energia e sua generosidade, Os voluntários
colaborar, de compartir alegri-
Criança Esperança é uma campanha realizada anualmente com maciça publici- 'um impulso humano básico: o desejo de ajudar, de
vida em comum. Compaixão
dade para angariar recursos com vistas a desenvolver ações sociais que benefici- as, de aliviar sofrimentos, de melhorar a qualidade da
em crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, em conjunto com a Unesco. entos profundamente hu-
e solidariedade, altruísmo e responsabilidade são sentim
Essa campanha arrecadou, nos 18 anos de sua veiculação global, R$ 131 milhões "manos e são também virtudes cívicas.”
vale destacar, ainda,:O
“para repartir entre 4.700 projetos sociais, atingindo um público de 2,7 milhões de Dentre as ações desenvolvidas pela Rede Globo,
feito por meio de mensagens
“crianças e adolescentes em todo o país?. Mesmo que não tenha propósitos uni- “Merchandising Social'!. Esse tipo de publicidade é
versalizantes, considerando o poder de persuasão desse canal de televisão e o inseridas na teledramaturgiada : emissora. Para que se possa ter-uma noção mais
vale registrar que de 1999
tempo de vigência da campanha, pode-se considerar insignificante o total arreca- exata da dimensão educadora desse tipo de publicidade,
dado eo número de “carentes” atendidos, se comparado ao número total:de indi-
gentes do país. É inversamente proporcional o efeito multiplicador dessa iniciativa .
global na difusão de duas importantes ideologias: a do voluntariado e a da respon- | 12 nov. 2004,
E Disponível em: <hitp://www.redeglobo.com.br>. Acesso em:
sabilidade social. Resultado ideológico semelhante vem sendo alcançado pelo em: 12 nov, 2004.
n Disponível em: <http://www.redeglobo.com:br>. Acesso
Solidária, foram construídos 36 centros de voluntariado;
2.No âmbito do Programa Voluntários da Comunidade R$ 5
que já atuam nas principais cidades de 17 unidades da Federação. O BNDES, inclusive, destinou
el em: <http;/Awww.bndes.gov.br/notícias
milhão para a ampliação desses, centros em 2004. Disponív ' ee dez
* A Rede Globo cobre praticamente todo o território nacional, sendo vista por 99,84% dos 5.043 municípios em: 20 jun. 2004 . . :
not424.asp>. Acesso
brasileiros: possui 113 emissoras entre geradoras e afiliadas. É líder de audiência, alcançando 74% de share Ç voluntária, lançado em dezembr o de À para
ú s, experiên
Est sítio de conteúdo cias e oportuniidades de ação
iênci
no horário nobre, 56% no matutino; 59% no vespertino e 69% no notúrno: No mercado publicitário, sua o (2001); consagrado pela ONU, em parceria com à
participação corresponde a 75% do total de verbas destinadas à mídia televisiva. A Fundação Roberto Marinho comemorar o início do Ano Internacional do Voluntári
Embratel, Bank of Boston e IBM.
foi criada em 1997 pelo jornalista Roberto Marinho com o objetivo de mobilizar os veículos de comunicação .
em: 12 nov: 2004.
das Organizações Globo em favor do desenvolvimento social, com foco na educação: Disponível em: <http;/ " Disponível em: <http://wwwredeglobo.com-br>: Acesso
jeto Geração
ção da
da P Paz, emn parceria
parcei com: Fundaçã o
fwww.redeglobo.com.br>. Acesso em: 12 nov, 2004, : i
a A Rede Globo desenvolve, ainda, a partiri de 2002, 0 proje
Rio; Firjan, Fecomérc io, Coriselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do
“o Criança Esperança teve em 2004 uma arrecadação recorde, registrando crescimento de 78% em relação . “Roberto Marinho, Sesc; Viva
concessão de bolsas é estágios e fortalecimento
ao arrecadado em 2003, 0 que pode indicar uma maior anuência-da sociedade às diretrizes políticas Rió de Janeiro; com vistas à aceleração da aprendizagem,
Hegemônicas. Disponível em: <http:/www.criancaesperanca.globo.com.br>. Acesso em: 1: dez. 2004.:; da auto-estima para reduzir o índice de violência.
102. mm
103
LÚCIA NEVES (ORG.)
- À NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA 1=A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL;

ção e a Fundação Pró-Serrado: O


a 2003 foram contabilizadas 1.468 inserções “socioeducativas” no seriado Malha-: o governo desse Estado, a secretaria de Educa
ção Roberto Marinho ão
ção, destinado ao público jovem, “governo federale a Radiobrás associam-se à Funda
Roda, que é um programa e a no
Embora as chamadas ações sociais da Rede Globo tenham maior visibilidade no projeto Rocinha do Saber. O projeto Tá na
Estado de São Paulo e sua Secre E
social, o papel educativo na conformação de uma nova cultura cívica das Organiza- da TV.Futura, é realizado com o governo do
o o o
ções Globo se estende pelas demais empresas, merecendo destaque, tanto pelo “de Educação. O projeto Poronga, por seu turno, é executado com
do trabalho conjunto entre a
pioneirismo, volume e abrangência das iniciativas, como pelo foco de sua atuação, estado do Acre. O Prêmio Jovem Cientista é fruto
a FRM. FRMe o CNPq”.
no nível empírico, o conceito
Criada em 1977, essa fundação vem atuando na preservação e revitalização Tais evidências contribuem para corroborar,
mente, para refutar a tese Cio
do patrimônio histórico e cultural, na educação de jovens e adultos (com vistas à gramsciano de Estado ampliado e, simultanea
* despolitização da sociedade civil. Aliás, a repolitização da sociedade DO a
sua inclusão social) e em meio ambiente, por meio de projetos de conscientização
execução do Telecurso 20 e
e valorização”. Com esse objetivo vem desenvolvendo, desde 2000, 35 projetos, direção da burguesia fica evidenciada, ainda, na
da TV Futura. No no
dos quais 23 voltados especificamente para a educação”. mbé ação
Vicente de
o É intensa a colaboração entre governo e FRM na execução de projetos. De dO EE 200, tendo como importante “garoto-propaganda”
fato, tal colaboração se constitui em uma via de mão dupla: ora o governo financi- Paulo da Silva (Vicentinho?), ex-presidente da CUT e deputado fêderal (FTSE),
distância em execução no país”. |
ando ações da fundação, ora a FRM participando de iniciativas governamentais, “constitui-se no maior programa de educação à
nas três esferas administrativas*. O projeto Educação à Mesa, por exemplo, nasceu Dez emissoras de televisão transmitem em sua programação as aulas do ado
do Ministério da Educação. Além asde
como uma ação do Programa Fome Zero, com o objetivo de capacitar os 2000, que segue as orientações curriculares laio inúmer
e dirigir a uma de suas inúmevei
mobilizadores sociais do programa, e conta com recursossdos ministérios do De- assistir ao programa em casa, O alunons pode-s | R .
escolas públicas e comunidades
senvolvimento Social e Combate à Fome, Saúde e Educação. O Telecurso 2000%, 'telessalas, localizadas em empresas, igrejas,
de orientadores de aprendizagem
que abrange o ensino fundamental, o ensino médio e a profissionalização na área palhadas pelo território nacional, sob a regência
ologia de ensino e, também, na
de Mecânica, interage com o Ministério da Educação e mais 8 ministérios, além de ' devidamente capacitados no uso da sua metod
e
27 secretarias estaduais de Educação. O Multicurso Ensino Médio de Matemática, ifusãão de noçõe
“difus Õ s sobre trabalho e a nova ci idadania:
empreendim ento conju nto da
seguindo as diretrizes curriculares do MEC e abrangendo mais de 100 mil alunos e a A'TV Futura, segundo a própria emissora, éum
ção Bradesco, Fundação Itaú Social,
professores da rede estadual de ensino médio de Goiás, é uma ação conjunta com 'FRM com CNE, CNN, CNT, Fiesp, Firjan, Funda
Senna, Rede Globo, Schering, Sebrae e
o Fundação Vale do Rio Doce, Instituto Airton
r um trabalho presencial por meio
' Votorantim. Único canal de televisão a desenvolve
“ Em 2002, essa iniciativa recebeu o prêmio Business in the Community, concedido pela primeira vez a uma | de audiência dirigida, é uma rede us formada por mais de'10 mil instituições, entre ra-
=
am seus programas como fer
empresa não-européia ou dos Estados Unidos pelas associações empresariais inglesas (CARTA CAPITAL, escolas, creches, presídios e hospitais, que utiliz
p. 28). um elenco apreciável de 73 progra-
mentas de educação. A TV Futura dispõe de
s Disponível em: <http:/Avww.fundacaorobertomnarinho.com.br>. Acesso em: 5 nov. 2004.
as alternativas de oportunidades de
“Psão os seguintes os projetos voltados para à educação: Acelerar Jovem, Aprender a Empreender, Casa da ' mas educativos, cujos conteúdos abrangem
ho" e temas formadores dá nova
Família, Casa da Família de Goiás, Ciranda da Educação; Globo Ciência, Maré do Saber, Meu Negócio é ingresso e permanência no mercado de trabal
Turismo, Multicurso, Poronga, Prêmio Gestão Escolar, Prêmio Jovem Cientista, Prêmio Jovem Cientista do
Futuro, Rocinha do Saber, Série Educação à Mesa, Sexualidade - Prazer em Conhecer; Tá na Roda, Tecendo
o Saber, Telecurso 2000, Telecurso Comunidade, Tempo de Acelerar, Tempo de Avançar. Disponível em:
« <http:;//www.fundacaorobertomarinho.com.br>. Acesso em: 5 nov. 2004.': : om.br>. Acesso em: 5 nov. 2004.
“são os principais “parceiros” da FRM na área de educação: Fiesp, CNI, governo federal, governos estaduais, E Disponível em: <http:/www fundacaorobertomarinho.c
. TVs Sistema
Sebrae, TV Globo, Schering. Disponível em: <http://www.fundacaorobertomarinho.com.br>. Acesso em: 5 i
s A foto é o texto de Vicentii nho abrem os ftio do Telecurso 2000 na internet
TV Cultura, Ty vida ,
Futura, TV Globo, TVE,
nov. 2004. º Transmitem atualmente o Telecurso 2000: TV
Escola:
“O Telecurso 2000 é uma iniciativa conjunta da FRM.e do Sistema Fiesp, contando, ainda, entre outros '* Sest/Senai, Globo Internacional, TV Ceará e TV
Negócio;
colaboradores; com 26 federações de indústrias, 74 universidades e três centrais sindicais: CUT, CGT e Força Negócio s; Vestibul ar Mercado de Trabalho, Como Abrir. seu Próprio
E Pequenas Empresas Grandes
Sindical. Disponível em: <http://www.fundacaorobertomarinho.com.br>. Acesso em: 5 nov. 2004, * Juntos Somos Fortes; Feito a Mão e Futura Profiss ão.
104 105
LÚCIA NEVES (ORG:) “A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA H-A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL

cultura'cívica, como, por exemplo, o programa Ação (série comandada por Serginho : *escolar'2. A estruturação do Brasil urbano-industrial se fez mantendo, em boa par-
Groisman, apresentador de televisão dedicado ao público joven), que discute à te, a arquitetura econômica e ético-política do Brasil agrário. A estruturação do sis-
situação educacional do Brasil; sugerindo soluções baseadas, em geral; em inicia- tema educacional brasileiro espelha esse imbricamento entre o jesuítico e o laico.
tivas privadas; o Brava Gente Brasileira, programa jornalístico que apresenta expe- Esse processo inconcluso e heterogêneo da formação do intelectual urba-
riências comunitárias bem-sucedidas para solução dos problemas sociais e educa- no-industrial no espaço racional sofre redefinições a partir dos anos de neoli-
“cionais que possam ser aproveitadas em outras localidades; Telecurso 2000: A Hora beralismo. Seguindo as mesmas determinações internacionais para a periferia
do Brasileiro, série integrante do Telecurso 2000, que tem por objetivo abordar. a capitalista (MELO, A., 2004), as reformas educacionais brasileiras já imple-
participação de todos os cidadãos brasileiros nos temas político-sociais. Jornal Fu- mentadas ou em processo de implantação visam, do ponto de vista técnico, à
tura, telejornal que noticia os acontecimentos na área da educação", Os progra- formação de um homem empreendedor e, do ponto de vista ético-político, à
mas da TV Futura, em especial os relativos às questões de trabalho e de cidadania, , formação de um homem colaborador, características essenciais do intelectual
são, em boa parte, veiculados pela Rede Globo, O que amplia consideravelmente “urbano na atualidade, nos marcos da hegemonia burguesa. Es e intelectual ur-
seu alcance ético-político. 'bano de novo tipo a ser formado pelo sistema educacional: sob. a hegemonia
Tal como os meios de comunicação de massa, o aparelho escolar também burguesa na atualidade deverá apresentar uma nova capacitaçãóstécnica, que
tem tido um papel pedagógico fundamental na- conformação do novo homem implique uma maior submissão da escola aos interesses e necessidade3 empresa-
coletivo requerido pelo neoliberalismo da Terceira Via. Sob essa perspectiva, de “riais e uma nova capacidade dirigente, com vistas a “humanizar” as relações de
modo mais sistemático a partir de 1995, vêm sendo postas em prática reformas exploração e de dominação vigentes.
educacionais que alteram substantivamente as funções econômicas e político- ' Nessa dupla perspectiva, foram realizadas pelos dois governos FHC, entre
sociais da escola brasileira. Essas reformas têm por finalidade formar, no espaço utras, as seguintes iniciativas: promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
nacional, intelectuais urbanos denovo tipo, ou seja, especialistas e dirigentes que, ção Nacional (LDB) e seu subsequente aparato regulatório; reforma da educação
do ponto de vista técnico, possam aumentar à competitividade e produtividade ecnológica e do aparato de formação técnico-profissional; implantação do Fundo
do capital, nos marcos de um: capitalismo periférico.e, do ponto de vista ético- le Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental é de Valorização do
político, possam criar.e difundir uma nova cidadania política, baseada'ria colabo- Magistério (Fundef), enquanto mecanismo de desconcentração da educação fun-
ração de classes, corroborando a tese gramsciana
de que a escola tem, no mún- amental; privatização, fragmentação e empresariamento da educação superior;
do contemporâneo,:a-função primordial de formar intelectuais de diferentes ni alterações na formação de professores para os diferentes níveis e modalidades de
veis (NEVES, 2004b). : e sino; definição de novos parâmetros e diretrizes curriculares e seus instrumen-
A-educação escolar 'do Brasil desenvolvimentista, embora jjá apresentasse os de avaliação”.
características fortes de uma educação voltada. para à formação do intelectual de “os programas educacionais que começam a ser apresentados como
tipo urbano nos centros dinâmicos da expansão capitalista, especialmente nas áre- rioritários pelo governo Lula da Silva, comoo Brasil Alfabetizado: Alfabetizar para
as urbanas das regiões Sudeste e Sul, manteve uma mescla ainda significativa de ncluir, bem como a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Edu-
uma educação voltada à formação de um intelectual de tipo rural, especialmente ção Básica (Fundeb) e a reforma da educação superior dão continuidade às po-
nasregiões onde -a difusão do industrialismo se processou -em ritmo mais lento
(NEVES, 2004b) e também em decorrência da ainda forte presença da Igreja Cató-
lica na constituição da formação social brasileira e da organização da educação - * Os intelectuais de tipo rural são em grande parte “tradicionais”, isto é, ligados à massa social do campo e
pequeno-burguesa de cidades (notadamente centros menores), ainda não elaborada e posta em movimento
pelo sistema capitalista: tal tipo de intelectual põe em contato a massa camponesa com a administração
statal ou local (advogados, tabeliães, etc.); por essa razão, possui'uma grande função político-social, já
que a mediação profissional dificilmente se separa da mediação política (GRAMSCI, 2000a, p..25).
“Para uma visão panorâmica “da programação da TV “Futura, acesse: <http:// er, neste livro, o texto “Parâmetros curriculares nacionais Ss paraa educação básica e a construção de uma
www.fundacaorobertomarinho.com.br>. uu nova cidadania”.
106 107
H=A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL
LÚCIA NEVES (ORG.) - A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA

|| Dentre as políticas educacionais neoliberais que se prestamà formação ético-


Jíticas implementadas pelos dois governos FHC, com vistasà formação: de uma
"política do intelectual urbano de novo tipo (quer em sentido amplo, quer em sentido
subjetividade neoliberal.
restrito), a introdução dos temas transversais na reestruturação curricular da educa-
O programa Brasil Alfabetizado: Alfabetizar para Incluir- que, como o diz o pró-
ção básica implementada durante os governos FHC e mantida no atual governo, e os
prio nome, tem o objetivo de alfabetizar para incluir educacional-e socialmente,
- programas de responsabilidade empresarial voltados à melhoria da escola pública
“Inserindo o estudante no mundo do conhecimento e tornando-o capaz de interagir básica talvez se constituam nas expressões mais emblemáticas.
coletivamente, afirmando, assim, a sua identidade cidadã — está sendo realizado “Ao lado do aparelho escolar e dos meios de comunicação de massa, as igrejas
em “parceria” com a sociedade civil e, em especial, com estados e municípios têm desempenhado importante papel estratégico na organização da cultura neoliberal.
(BRASIL, 2004d, p. 3). Embora guarde as mesmas características de programas . A atuação da Igreja Católica tem sido decisiva nesse processo. Definida pelo que, em
anteriores, em 2004 tentou-se melhorar a qualidade desse programa, por intermé- termos doutrinários (tanto no plano mundial quanto em ações mais especificamen-
dio do aumento do período de alfabetização de seis meses para oito meses e do telocais), o catolicismo classifica de empenho redobrado pela “evangelização”, essa
aumento da bolsa -do alfabetizador de R$ 80,00 mensais em 2003 para R$ 120,00 mesma atuação caracterizar-se-á por um esforço de atingir um duplo e concomitante
mensais (BRASIL, 2004d, p. 4). Nãoé preciso muito esforço para inferir que 05 óbjetivo. Nesse sentido, primeiramente a Igreja construirá uma pauta de atuação
frequentadores desse programa poderão tornar-se fortes.candidatos ao analfabe- sociopolítica destinada a promover o esvaziamento de um determinado modelo de
tismo funcional dentro de algum tempo e que o mecanismo de concessão de bol. ção que, predominante na década de 1970 e em parte dos anos 1980, havia sido
sas aos alfabetizadores constitui-se em uma das estratégias de precarização das. stinado a, preservando e valorizando a maneira particular encontrada pelo catoli-
relações de'trabalho em tempos de “sociedade civil ativa”. cismo de interpretar e atuar na realidade, promover um certo compromisso com as
f
Embora o Fundeb venha-se justificando como uma política voltada para à classes subalternas da sociedade brasileira.
melhoria da qualidade da educação fundamental e média, se vier a se constituir
“Como prova inconteste de tal fato, vale lembrar a sensível diminuição do es-
paço dentro do aparelho católico, a partir dos anos 1990, para as ações que anteri-
em um aprofundamento do Fundef pode repetir as mesmas falhas já detectadas
e ormente, por intermédio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), haviam pos-
por estudiosos em:relação a esse fundo. O Fundef não melhorou a qualidadda
) uma parte não-negligenciável dos católicos ao lado dos movimentos sociais
educação fundamental nem contribuiu para a valorização do magistério. De fato,
'questionadores do statis quo. Um olhar menos atento veria em tal fato uma dimi-
vem contribuindo para o desvio de verbas para a manutenção e o desenvolvimento
uição da presença social da Igreja Católica. Essa impressão, contudo, deve ser
do ensino fundamental, além de traduzir-se também em instrumento desmobi-
escartada, apontando para o redirecionamento da ação católica, posto que uma
lizador do sindicalismo docente e em instrumento de clientelismo político no âm-
das originalidades principais do conceito de “evangelização” consiste precisamen-
bito municipal (SIMÕES, 2000; DAVIES, 2001). no fato de que, mantendo sua presença junto às classes subalternas em inúme-
A reforma da educação superior, por sua vez, submete a produção do conhe- rasevariadas ações- sem abrir mão, mas, ao contrário, valorizando como elemen-
cimento nacional a diretrizes de organismos internacionais, reforça a idéia neoliberal to ideológico central a necessidade de ratificação da mensagem católica, promo-
do público não-estatal, estimulando jurídica e financeiramente o empresariamento endo discursos/práticas responsáveis, nessas mesmas ações, pela ênfase em uma
da educação superior, ao mesmo tempo em que legitima a submissão da escolaà isão de mundo defensora da fraternidade, do bem comum; 'do estímulo ao senti-
empresa, o dualismo entre instituições universitárias e instituições de ensino, utili- o de doação entre os homens -, o sujeito político coletivo católico acaba por con-
za o acesso à educação superior como instrumento compensatório ao histórico tribuir decisivamente para um novo modelo de sociedade.”
apartheid social brasileiro, além de agudizar a precarização das relações de traba-.
lho no âmbito desse nível de ensino.
Areforma da educação superior estimula, ainda, o desenvolvimento de teori- Ver, a respeito, os seguintes textos constantes deste livro: “Parâmetros curriculares nacionais para a
ducação básica e a construção de uma nova cidadania” e “Fundação Belgo- -Mineira: o empresariado em
as e práticas pedagógicas destinadas a reforçar, nesse nível de ensino, elementos
de conformação técnica e ético-política da nova cultura cívica (LEHER, 2004a; LIMA er “Igreja Católica'e educação no Brasil de FHC e Lula da Silva: tempos modernos, sonhos antigos”, neste

20044, 2004b; MANCEBO; SILVA JÚNIOR, 2004; NEVES, 2002, 20043). VTO.
10os 109
LÚCIA NEVES (ORG.) =A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA H-A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL

Esse fato aponta, ainda, para uma nova idéia de política, não mais voltada 'de roupas, abrigo, produção e geração de renda e distribuição de material de cons-

a
para o que, sob o olhar católico, havia sido anteriormente definido como compro- trução (CENTRO DE ESTATÍSTICA RELIGIOSA E INVESTIGAÇÕES SOCIAIS; ASSO-
misso com a “libertação”, e sim para a ênfase em um compromisso entre as clas- CIAÇÃO NACIONAL DE MANTENEDORAS DE ESCOLAS CATÓLICAS, 1999). Quanto
ses sociais, o qual; estimulando has classes'dominantes:o desejo de doação aos às ações sociais na educação escolar, a Igreja Católica vem concentrando sua atu-
pobres, manifesta-se nesses últimos pela convicção do pertencimento à mesma ação na concessão de bolsas de estudo integrais e parciais. As primeiras, com fi-
teia de relações sociais responsável não por sua exploração, mas por sua — sempre 'nanciamento governamental; as últimas, oferecidas com recursos próprios”. .
futura — inclusão social. É “ : Além da igreja, da escola e da mídia — aparelhos privados de hegemonia clás-
O saldo das ações católicas durante os anos 1990 resume-se às ações sociais ' sicos na organização da cultura brasileira —, vêm sendo criados e multiplicados
“novos aparelhos difusores da cultura hegemônica, constituídos diretamente pela
que, colocando em cena com o apoio maciço da hierarquia da Igreja sujeitos polí-
ticos como, por exemplo, a Renovação Carismática e a Caritas, dentre outros, pro- ' burguesia por meio de suas fundações empresariais e de sua organização sindi-.
curam evangelizar por distintos e complementares caminhos, todos voltados para | cal e também pelo governo do Estado, por intermédio de subsídios financeiros
a construção do consenso em torno do projeto societário neoliberal. o das empresas estatais ou dos próprios organismos da administração direta e, ain-
por organizações não-governamentais. Tais aparelhos privados de hegemonia
O segundo objetivo estará, obviamente, vinculado aos pontos já referidos. À
vêm financiando atividades esportivas” e manifestações artísticas" como a dança,
verificação quantitativa da diminuição do contingente de instituições educacio-
a música, O artesanato, com vistas a favorecer a coesão social.e melhorar a auto-
nais escolares católicas, compensada, claramente e com folgas, pelo crescimen-
estima dos cidadãos brasileiros, em especial daqueles que habitam as periferias
to nas matrículas no ensino superior, demonstra o quanto a Igreja Católica inter-
dos grandes centros urbanos”, o E
pretará de maneira eficaz para seus interesses particulares o processo histórico
"Segundo pesquisa da revista Carta Capital (2004) que divulga o ranking das
brasileiro dos anos 1990. Isso porque, dentre outros-importantes motivos, seu
empresas e bancos socialmente responsáveis*!, destacam-se, no segmento cultu-
esforço fundamental consistirá em direcionar seu contingente de adeptos, seus.
recursos financeiros e materiais, enfim, seus meios institucionais para ações so-
ciais que, abrangendo uma parcela da sociedade sensivelmente maior que a que
Embora defasados, os dados oferecem uma idéia do nível de intervenção da Igreja na formação de
frequentava seus bancos escolares (insiste-se: descontadas as universidades), telectuais de diferentes níveis. As bolsas de estudo foram distribuídas da seguinte forma: 127.528 bolsas
conseguem colocar o catolicismo como importante difusor das propostas mais | integrais é 167.227 bolsas parciais para a educação básica em 1996, e 25.082 bolsas (integrais e parciais) na
educação superior em 1995. Vale ressaltar, ainda, que 19.171 “alunos foram contemplados com o crédito
caras ao projeto societário hegemônico no Brasil dos anos 1990. Valeria lembrar, : educativo nesse mesmo ano (CENTRO DE ESTATÍSTICA RELIGIOSA E' INVESTIGAÇÕES SOCIAIS;
apenas a título de interessante e sintomático exemplo, o apoio veemente, bastan- SSOCIAÇÃO NACIONAL DE MANTENEDORAS DE ESCOLAS:CATÓLICAS, :1997),
' A partir dos anos 1990, :0s organismos assistenciais do Sistema S, em especial o Sesc e o Sesi,
te noticiado pela imprensa, da Igreja a projetos sociais por ela impulsionados desde , dos familiares dos
refuncionalizados, ampliaram seu papel educador, estendendo o raio de sua influência
os anos 1990 até os dias atuais, tais como o:Comunidade Solidária, os programas , uncionários da indústria e do comércio para 6 conjunto da'população urbana; Ver o texto “Estratégias
burguesas dé obtenção do consenso nos anos de neoliberalismo da Terceira Via”, neste livro.
de-renda-mínima e o Fome Zero: : o ace
Ver o texto “Vila Olímpica da Maré e as políticas públicas de esporte em favelas no Rio de Janeiro”, neste
As ações sociais da Igreja mobilizaram em 1998 um total de 41.100.014 pesso livro. , '
as consideradas atendidas, das quais 3.957:806 foram contempladas'com ações = O projeto Dança-Comunidade Sesc-SP materializa com grande propriedade esse tipo de intervenção ético-
educacionais informais (creche, alfabetização, supletivos, formação profissional E olítica da burguesia brasileira. Associando-se à Escola de Reeducação do Movimento, à-Petrobras; à
Votorantim e a sete ONGs paulistas, o Sesc São Paulo e o Sesc Rio financiaram e apresentaram em diversas
incluindo cursos de enfermagem, alimentação alternativa, informática, corte e cos cidades paulistas e no Rio de Janeiro, em 2004, o belo espetáculo Samwaad = Rua do Encontro, representado
tura, etc.); 6.962.087 na área da saúde; 9.326.272 com distribuição de alimentos por 54 jovens de diversas “comunidades” de São Paulo,em um trabalho que funde elementos rítmicos e
expressivos das culturas indiana e brasileira. Esse projeto, que se autodenomina artístico e social, pretende,
12.176.647 em assistência social. O restante das atividades vincula-se a distribuição | “segundo folder do espetáculo, contribuir para a construção da auto-estima dos segmentos excluídos da
sociedade e; também, para a construção de um todo social harmônico; tendo como base.o respeito às
diferenças. Ou seja, pretende difundir os valores caros ao projeto hegemônico de sociabilidade.
É Ocupam os dez primeiros lugares, respectivamente: Natura, Petrobras, Banco do Brasil, Nestlé/Rede Globo/
“ Entre 1996 e 1999, houve uma redução de 9,3% das instituições escolares católicas dedicadas àeducação 'Vale'do Rio Doce (empatados), Bradesco, Itaú, Pão de Açúcar, Caixa Econômica Federal, Votorantim e Belgo-
básica. a Mineira:
110. 111
LÚCIA NEVES (ORG.) A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA
H = ANOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL

“des blocos'de forças: um conservador, constituído por PRN; PL, PDS, PFL e PTB;
ral, em primeiro lugar a Petrobras; em segundo, a Rede Globo; em terceiro, o Ban-
' um de'centro e de centro-esquerda, formado por PMDB, PSDB e PDT; e um de
co do Brasil; em quarto, o Banco Itaú. Já no ranking dos esportes, conquistaram do
esquerda, composto por PT, PSB, PCdoB e PCB (NEVES, 2002, p. 104).
primeiro ao quarto lugares, respectivamente: Banco do Brasil, Petrobras, Fiat, Pão
' À medida que a crise de hegemonia burguesa foi sendo superada — como
de Açúcar. Vale registrar, ainda, o ranking das empresas que atuam na área de lazer
' expressaram os arranjos político-partidários das sucessivas vitórias eleitorais majo-
e recreação. Conquistaram, do primeiro ao quarto lugares, respectivamente:
ritárias e próporcionais em âmbito federal e até mesmo estadual nos anos 1990 =, a
Petrobras, Banco do Brasil, Coca-Cola e Rede Globo. Esse ranking empresarial per-
' fragmentação da representação político-partidária foi sendo progressivamente su-
mite vislumbrar a forte presença das empresas estatais e do capital financeiro na
'perada. Mesmo assim, até o ano 2000, 25 diferentes partidos políticos conseguiram
execução das estratégias educadoras do Estado, que tomam a cultura, O lazer e O
eleger pelo menos um deputado federal; um senador ou um governador. À eleição
esporte como expressão.
- de 1990 representou o ponto culminante da fragmentação partidária no Brasil: nada
“menos do que 19 partidos fizeram-se representar no Congresso. Já em 1998, eram
Repolitizando a organização da classe trabalhadora
sete os partidos de maior expressão eleitoral: o PMDB e o PFL como os maiores,
A importância atribuída pelos formuladores e difusores dos postulados do uidos por PSDB, PPB, PT, PDT e PTB, caracterizados como de porte médio. Em
neoliberalismo ao chamado “terceiro setor” acaba por minimizar a importância de seu conjunto, esses partidos foram responsáveis, na legislatura de ios, por 91,1%
outra estratégia significativa da pedagogia da hegemonia, a saber, os esforços bem- das cadeiras da Câmara dos Deputados e por 96,3% do Senado Federal (SCHMITT,
sucedidos da burguesia na cooptação de lideranças e de fração substantiva das
2000, p. 82).
instâncias globalizadoras da classe trabalhadora, comprometidas com a constru-
- A década de 1990 protagonizou, além de uma redefinição da estrutura e da
ção do modo socialista de produção da existência, no contexto dos anos de aberti-
dinâmica eleitorais, profundas redefinições político-ideológicas das práticas parti-
ra política, em especial dos partidos políticos e do novo “sindicalismo.
dárias à à medida que a burguesia consolidava sua hegemonia nos marcos de um
Depois de duas décadas de um bipartidarismo imposto pela ditadura militar,
projeto neoliberal de sociedade.
os anos da abertura política foram palco da instalação de um pluripartidarismo.
Coutinho (2000, p. 98) observou ser condição de êxito do projeto neoliberal
próprio de uma conjuntura caracterizada pela disputa acirrada pela direção cultu-
de estruturação do poder a preponderância de partidos não-ideológicos, de base
ral'e política, inserida no contexto de crise hegemônica da burguesia e crescimen-
social heterogênea, constituídos como cartéis de diferentes lobbies. A julgar pelo
to do consenso em torno de um projeto de sociedade democrático de massas diri-
comportamento dos represeritantes partidários no Congresso Nacional-na atual
gido pela organização autônoma da classe trabalhadora.
]egislatura, essa pré-condição já se materializa na dinâmica das relações de poder
Mais de 70 partidos políticos nacionais foram constituídos em menos de 15
dos anos iniciais deste século. Da eleição majoritária de 2002 até 26 de novembro
anos, embora nem todos tenham sobrevivido nos anos de neoliberalismo. Alguns
2004, os parlamentares já haviam procedido a 179 mudanças partidárias na Cà-
não tiveram seir registro definitivo, outros se fundiram ou foram incorporados por
mara de Deputados. Entre a eleição, no final de 2002,:e a posse, em janeiro de
outras agremiações partidárias. Essa pluralidade foi concretamente expressa na
2003, “todas as bancadas já se haviam alterado, para mais ou para menos, com
composição político-partidária da eleição presidencial pós-constitucional de 1989.
exceção dabancada do PCdoB e do'Prona*.: Embora a “dança das cadeiras” não
Participaram do primeiro turno 24 partidos políticos. Dentre estes, destacaram-se:
É configure em especificidade do modelo neoliberal de estruturação do poder no
Partido da Reconstrução Nacional (PRN), com 30,48% dos votos válidos; Partido
Brasil, ela se-constituiu em peça fundamental para:a'repolitização da política no
dos Trabalhadores (PT)/Partido Comunista do Brasil (PCdoB)/Partido Socialista Bra-
ulo que se inicia.
sileiro (PSB), com 17,19%; Partido Democrático Trabalhista (PDT), com 16,51%;
“A maioria dos partidos políticos que se constituíram nos anos de abertura po-
Partido da Social-Democrácia Brasileira (PSDB), com 11,52%; Partido Democrático
Mit a sofreu alterações significativas em seus propósitos político-ideológicos na úl-
Social (PDS), com 8,85%; Partido Liberal (PL), com 4,84%; Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), com 4,74%; Partido Comunista Brasileiro (PCB),
com 1,14%; Partido da Frente Liberal (PFL), com 0,89%; e Partido Trabalhista Brasi-
Disponível em: <http:/www.camara.gov.br> Acesso em: 26 nov. 2004,
leiro (PTB), com 0,56% (SANTOS, 1990). Esses partidos se agruparam em três gran-
112 11s
LÚCIA NEVES (ORG.) -À NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA 1-2A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL

um dos
tima década do século XX, Merecem destaque as trajetórias do PSDB e do PT, por teriores e Economia —, o PSDB, na pessoa de Fernando Henrique Cardoso,
ideológico
terem exercido nesse período o papel de aglutinadores das forças políticas em principais intelectuais do partido, conquistou, após o sucesso político-
ura presiden-
torno de dois projetos de sociedade que se contrapuseram em três embates políti do Plano Real, a adesão da burguesia em seu conjunto à sua candidat
também boa parte da
cos consecutivos: as eleições presidenciais de 1994, 1998 e 2002... , cial.A candidatura de Fernando Henrique Cardoso atraiu
O PSDB surgiu em 1988, durante os trabalhos da Assembléia Constituinte, como intelectualidade brasileira e de setores das camadas médias seduzidas pelo cará-
uma dissidência do PMDB. Propôs-se inicialmente a difundir no Brasil as postulações ter modernizante de suas propostas.
ivos
da social-democracia clássica, mas ao longo da década de 1990 atualizou seu dis- - O PSDB não só fez o presidente da República em dois governos consecut
aos gover-
curso, acolhendo os postulados do neoliberalismo da Terceira Via, elegendo e ree- como ampliou consideravelmente sua presença No Congresso e junto
de 199 deputado s e 14 senadore s e con-
legendo com essas postulações, em 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso para “nos estaduais. Em 1998, atingiu o número
progress ivamen-
a Presidência da República, com 54,3% e 53,1% dos votos válidos, respectivamen- seguiu eleger 17 governadores (SCHMITT, 2000, p. 79-81). Assim,
política e cul-
te. Concorreu novamente, em 2002, contra as forças políticas aglutinadas em torno te, com as forças políticas que o apoiaram, consolidou a hegemonia
a (SCHMITT , 2000): Embora te-.
do PT, perdendo a eleição. tural do projeto neoliberal de organização societári
munici-
Coube ao PSDB a tarefa política de reaglutinação da burguesia em crise nos nha perdido a eleição presidencial de 2002, foi.o partido que nas eleições
crescimento de
anos de abertura política. A aproximação do PSDB com o neoliberalismo já se fez ' pais de 2004 obteve o maior número de votos, apresentando'm
anteriore s. Consegu iu eleger os
sentir ainda no governo Collor de Mello (1990-19923, quando ocupou pastas no pri- 39% em relação aos votos das eleições municipais
políticos do
meiro escalão do governo federal. Nessa conjuntura, ainda possuía uma represen- prefeitos das cidades de São Paulo e de Porto Alegre, ambas redutos
tação pequena no Congresso (38 deputados e 1 senador) e ainda não tinha con- PT. Mesmo reduzindo em 12% o número de prefeitos em relação às eleições muni-
de prefei-
quistado nenhum governo estadual (SCHMITT, 2000, p. 79-81). Já no governo Itamar. ipais anteriores, assumiu o posto de segundo maior partido em número
1.057 prefeitu=
Franco, além de participar de duas importantes pastas ministeriais - Relações Ex-. os eleitos (871 prefeituras), perdendo apenas para O PMDB, que fez
as, reafirmando sua liderança política no cenário nacional.
movi-
'* OPT porsuavez, foi fundado em 1980, a partir da conjugação de três
ABC Paulista,
* Se em 1989 0 PMDB integrava-o bloco de forças políticas de centro e de centro-esquerda; ao longo dos: jentos simultâneos: o fortalecimento das greves dos metalúrgicos do
anos 1990 foi-se tornando cada vez máis conservador, passando a gravitar fisiologicamente em torno das dora nos anos finais da dita-
como expressão da reorganização da classe trabalha
diferentes forças políticas eléitas para comandar o país. Já o PFL, que representava nos anos de abertura, da Igreja Ca-
frações da oligarquia agrária, durante 0s anos 1990 coligou-se ao PSDB e assumiu as diretrizes modernizantes “dura militar; O desenvolvimento da Teologia da Libertação no âmbito
do projeto neoliberal da Terceira Via. No governo Lula da Silva, apresenta-se como oposição. O PTB, que ,
tólica; bem como o retorno à vida política de intelectuais e de correntes de opinião,
nos anos 1980 disputava a direção do trabalhismo brasileiro com o PDT, apresentou candidatura própria na que com-
eleição presidencial de 1989 é integrou a coligação que por duas vezes elegeu Fernando Henrique Cardoso omo resultado da anistia de 1979. Nasceu como uma alternativa política
organizativos
para a Presidência da República. Curiosamente, passou a fazer parte da base aliada'ao governo Lula da. inou socialismo com democracia, em contraposição a dois modelos
Silva à partir de 2002. O PL, por sua vez, após lançar também candidatura própria na eleição presidencial de do trabalhismo
1989, não se associou formalmente à nerihuma das forças antagonistas na eleição de:1994, mas tornou-se jos partidos populares no país - o modelo comunista e o modelo
Bra-
um aliado eventual do primeiro governo FHC, apoiando, no entanto, a candidatura Ciro Gomes (PPS) na. FONTES, 2005) - e como uma opção à esquerda do Movimento Democrático
eleição presidencial de 1998. Em 2004, coligou-se'ao PT, assumindo a Vice-Presidência da República. O PDT, transforman-
' por. sua vez, apresentou por duas vezes candidatura própria para a Presidência da República, em 1989 e ileiro (MDB), partido criado sob a ditadura que pouco a pouco se foi
nto eleito-
1994. Na eleição de 1998, coligou-se com 6 PT e na última eleição presidencial voltou a se aliar às forças lo em uma frente oposicionista ao regime. O PT registrou um crescime
políticas aglutinadas em torno do PT. O PPB, surgido em 1980 como sucessor da antiga Arena, apresentou em 1982 para 60
al constante. Passou de 8 deputados federais e nenhum senador
candidatura própria nas eleições presidenciais de 1980 e 1994 e passou a integrár'a coligação que elegeu.
mesmo ano
Fernando Henrique Cardoso para um segundo governo, em 1998. Parece ter acompanhado essa posição,
deputados e 7 senadores em 1998 (COUTINHO, 2000), elegendo nesse
política na-última eleição presidencial. Nos'anos 1990, surgiram duas novas forças político-partidárias: 0.
1994 e 1998,
PPS, sucessor histórico do PCB; que recebeu um novo vigor político: coma apresentação de candidatura '5 governadores. Mesmo perdendo as eleições presidenciais de 1989,
própria na eleição presidencial de 1998, está atualmente participando do governo Lula da Silva. O PCdoB e 1989, 27% em
teve seu percentual de votos acrescido a cada disputa: 17,2% em
o PSB, por-sua vez, mantiveram-se fiéis ao PT em'todos os pleitos presidenciais desde 1989; atualmente,
Silva ao cargo
integram o governo petista. Já o PRN, que elegeu Collor de Mello em 1989, teve seu registro cancelado pelo 1994 e 31,7% em 1998. Em 2002 finalmente conseguiu eleger Lula da
TSE em 1999. Dois pequenos partidos, Prona e PV, tiveram trajetórias distintas. O primeiro optou por lançar,
candidatura própria em todos os embates eleitorais, óbtendo resultados inexpressivos; o segundo ora cóligou
de presidente do país, com cerca de 53 milhões de votos no segundo turno,
com o PT, ora lançou candidatura própria ao longo da década (SCHMITT, 2000). aglutinando amplas forças do cenário político nacional.
114 115
LÚCIA NEVES (ORG.) =A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA [>A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA

inclui desde
O:sucesso eleitoral conquistado, no entanto, efetivou-se sacrificando a tarefa Dois anos depois de governar com um amplo arco de forças que
esquerda tra-
histórica'que lhe coube 'nos anos pós-ditadura de aglutinar no cenário nacional as epresentantes de frações do capital até, minoritariamente, forças da
partido' construtor .e
forças políticas que se dispunham a consolidar no Brasil um projeto societário con- dicional e dissidente, o PT não mais se apresenta como um
política reformista que
tra-hegemônico. Embora se tenha constituído. como:referência para à esquerda da organizador c da contra-hegemonia, mas como uma força
smo”.
América Latina-e interlocutor privilegiado da esquerda européia no Brasil isputa a hegemonia brasileira nos marcos estritos do capitali
(COUTINHO, 2000), foram-se fortalecendo no seu interior durante a década de 1990 ógica de PT e PSDB, pode-se
De acordo com a trajetória político-ideol
não mais represen-
tendências políticas mais sintonizadas com anova social-democracia'ou nova es- epreender que na atualidade essas forças político-partidárias
o, disputam
querda, culminando:com'a incorporação desses postulados: à resolução'política m ideologias antagônicas no cenário político nacional; ao contrári
, dando maior
aprovada no Congresso do PT realizado em Belo Horizonte em novembro de 1999. tre si a direção do projeto neoliberal da Terceira Via. O primeiro
o, em especial o
Esse profundo processo de correção de rumos, sob a direção da corrente política ase, por meio de uma ideologia nacionalista, ao capital produtiv
ionalização eco-
Articulação, iniciou-se a partir do momento em que'6 PT.não se contrapôs à nova Or exportador, e o segundo, cultuando o processo de internac
Essa nova tendência
agenda política da classe dominante em nível internacional e nacional; que'incor- ica e político-social, sob a direção do capital financeiro.
porava, subalternizando, os setores populares em uma agenda de cunho democrá- dos resultad os das eleições
em sendo constatada por analistas políticos a partir
tico-filantrópico a qual substituiu o tema da igualdade pelo tema da pobreza como aa
unicipais de 2004.
foco:a partir dos anos 1990 (COUTINHO; 2000): respond em, o primeiro afir-
"Werneck Vianna e Denis Lerrer Rosenfield (2004)
Paulo: “O Bra-
“Nesse processo, O PT-foi abandonando a estratégia política dos seus dez
ativamente eo segundo negativamente, à pergunta da Folha de S.
primeiros anos, baseada na precedência da organização de classe sobre à repre- (2004), em en-
| caminha para um bipartidarismo?” Fernando Henrique Cardoso
sentação eleitoral, e deslocou seu eixo de atuação,rátribuindo centralidade ao tro da Educa-
evista concedida a Cristovam Buarque, senador petista e ex-minis
âmbito eleitoral e afastando-se, com isso, do terreno no qual sua existência en- de aliança entre os
ão do governo Lula da Silva, questionado sobre a possibilidade
contrava originalmente sentido: o da organização de classe (FONTES, 2005). A não ideológica.
ois partidos, responde: “Acho que sim, Porque a luta é política,
partir de então, não sem contradições internas, o PT associou-se a frações da quem comanda.”
1 Não discutimos nem disputamos ideologia. É poder, é
burguesia e de seus aliados na defesa do capitalismo com justiça social, arrastan- pode- -se assegu-
“Se confirmada a tendência das últimas eleições municipais,
do em torno de si várias correntes políticas comprometidas, na história recente, o de repolitização da
“Tar que, no plano partidário, já se vem efetivando um process
com o socialismo (PSB, PCdoB e PPS). Com essa ideologia e esse programa, 0 nessa nova dimensão.
olítica, no sentido de consolidar no país O “americanismo”
neamente, 0.es-
PT disputou e venceu a eleição presidencial de 2002, embora, devido a sua histó-
Essa repolitização da política partidária parece evidenciar, Simulta
a vitória
ria de lutas em defesa dos interesses da classe trabalhadora, amplos segmentos abelecimento de uma nova relação entre classes dominadas e Estado,
“populacionais e grupos políticos.não se tenham dado conta dessa metamorfose a perda do poder polí-
das estratégias consensuais da burguesia brasileira e, ainda,
recente no decorrer da campanha eleitoral para a Presidência da República. o
ico das forças contra-hegemônicas na atual conjuntura.
PT, como já advertia Coutinho (2000, p. 111- 118), chega ao governo, mas não
| governa de acordo com um programa verdadeiramente alternativo, estruturado
“de modo a construir o socialismo, mas por meio de uma política de alianças que colocação, respectivamente,
Nas eleições municipais deé 2004, PT e PSDB obtiveram primeira e segunda
o levou a descaracterizar seu programa, coletivamente construído aoO longo dos cidades com mais de 150 mil eleitores. O PT, partido do governo; elegeu 23 prefeitos
disputa dos votos das milhões) foram
e o PT (aproximadamente 17
anos 1980.e boa parte dos ânos 19904. o PSDB, 17. No cômputo geral, o PSDB (cerca de 26 milhões)
que, enquanto o PSDB ampliou em
os.partidos que conguistaram o maior número devotos. Vale ressaltar
o número de votos nessa eleição em relação às eleições de 2000, o PT reduziu esse número em 21%
39%
(BRÍGIDO; CAMAROTTI; GALHARDO, 2004).
(GALHARDO, 2003), em.matéria que discute,
“Jáem 2003, essa nova tendência foi registrada em um jornal
iAlebes (20045) analisa o primeiro ano do governo Lula da silva, reconstruindo o processo eleitoral, a e Arthur Giannoti, intelectuai s ligados respectivamente a petistas e tucanos,
à partir de Francisco de Oliveira
registrado também a retirada individual
mposição da equipe do governo, os rumos da. política macroeconômica do governo, seus aproximação ideológica dos dois partidos. A grande imprensa tem
encaminhamentos políticos e as contradições; críticas e enfrentamentos. ou coletiva de intelectuais de esquerda dos quadros do PT.
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LÚCIA NEVES (ORG.) = A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA “A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL

Esse movimento de desconstrução. da estratégia contra-hegemônica petista Já nos primeiros anos de implantação do novo projeto de sociedade pela bur-
espalha-se, de modo específico, pela organização sindical dos trabalhadores, moti- guesia, mais precisamente em 1991, foi criada por um segmento da direita sindical
vado por pressupostos objetivos (mudanças na divisão internacional do trabalho, a Força Sindical (FS), representante do denominado sindicalismo de resultados,
o timi-
alterações no conteúdo e nas relações de trabalho, etc.) e por pressupostos subje- | “com vistas a difundir no meio sindical os postulados neoliberais. Começand
em
tivos, em especial o crescimento da burocracia partidária e sindical e a predomi- damente com apenas 294 sindicatos filiados, a FS ampliou sua base de filiados
nância da corrente política Articulação Sindical — difusora das teses e propostas 526% ao longo dos anos de neoliberalismo, chegando a filiar 1.839 sindicatos em
reformistas da nova esquerda — na definição dos rumos da organização da classe “2001 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2002). A relação
de
trabalhadora na atualidade. o “estreita entre FS é neoliberalismo pode ser aferida pelo conteúdo e pela forma
brasileiro e'para a
A repolitização do sindicalismo dos trabalhadores veio se processando a par- : Jaboração da proposta dessa central para O desenvolvimento
“tir dos anos 1990, em especial por meio de dois movimentos simultâneos: a forma- “organização sindical e pelo montante de recursos financeiros destinados pelos go-
ção de uma base sindical para legitimação das idéias, ideais e práticas neoliberais “vernos neoliberaisà sua estruturação.
ea redefinição do conteúdo e das práticas da Central Única dos Trabalhadores “A proposta da Força Sindical encontra-se consubstanciada no livro Um pro-
(CUT), central sindical comprometida na história recente com a construção de um elo para o Brasil: a proposta da Força Sindical (FORÇA SINDIÇAL, 1993). Sua
projeto de sociedade contra-hegemônico no país. ci coordenação técnica foi entregue ao professor Antônio Kandir/ “que assumiu o
novo
Os anos de abertura política, no âmbito sindical das lutas populares, caracte- posto de ministro do Planejamento do governo Collor. A proposta define um
retirada definitiva da interferên cia
rizaram-se pela emergência de um novo sindicalismo que tinha como horizonte, odelo de organização sindical pautado “na
e
em um plano específico, romper com a estrutura sindical corporativa criada ainda do Estado nas relações entre capital e trabalho” e na instauração “dos moldes
nos anos de Estado Novo e derrotar a ditadura militar e, em um plano geral, à instrumentos da livre negociação”. Ainda, “a dinamização das relações entre as
e
contraposição às relações sociais vigentes. Falar de sindicalismo autônomo nos artes deverá se dar a partir da reformulação do conjunto de regras, formais
as-
anos 1980 é citar a CUT", que emergiu das articulações do sindicalismo brasileiro informais, que ordenam as relações entre os trabalhadores e os empresários,
combativo em 1983 (SOUZA, 2002, p. 130-141), anos finais da ditadura militar.A sim como entre as organizações desses atores sociais e entre essas organizações
CUT, nos dias atuais a maior organização sindical do país e da América Latina, o Estado” (FORÇA SINDICAL, 1993, p. 107-108). Nessa perspectiva, a FS propõe
manteve um ritmo expressivo de crescimento de sindicatos filiados durante os anos à prevalência da livre organização sindical, nos moldes da convenção OIT, sendo
de neoliberalismo. De 1.668 sindicatos filiados em 1992, passou para 2.834 em 2001, vedadas a intervenção ea interveniência do Poder Público em sua organização;a
o que corresponde a uma expansão de 70% do número de filiados (INSTITUTO criação de novos mecanismos, tais como contrato coletivo de trabalho, participa-
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSITICA, 2002). ção dos trabalhadores na produtividade e nos lucros das empresas, contrato de
gestão no setor público e revisão das responsabilidades no caso de greve, partici-
pação definitiva de trabalhadores na gestão de instituições e programas públicos,
pro-
particularmente no que diz respeito à formação, qualificação e reciclagem
5 a + . é :
da
Embora não tenha sido a única organização sindical criada nos anos de abertura política, a CUT foi a fissional, política de capacitação tecnológica e política social; revisão da figura
primeira central sindical brasileira (fundada em agosto de 1983) e a mais expressiva organização sindical do
período. Nesse mesmo ano, em novembro, deu-se a criação da Conclat. A partir de dissidências dessa carteira de trabalho e da atual CLT, reformulação da Justiça classista (FORÇA SIN-
última, surgiram a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), em novembro de 1986, é a Central Geral DICAL, 1993, p. 108). Algumas dessas propostas incluem-se nos projetos de refor-
dos Trabalhadores (CGT), entre o final de 1989:e o início de 1990. A Confederação Geral dos Trabalhadores
é atualmente denominada Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros (CGTB). Em setembro de 1985, nasceu sindical e trabalhista apresentados à sociedade pelo governo Lula da Silva. A
dos
também a União Sindical Independente (USI). A USI e a Central Geral dos Trabalhadores foram extintas no Fé é, nos dias atuais, a segunda expressão política do:movimento sindical
decorrer dos anos. 1990.
“ Analisando a composição de forças políticas no processo de ertátas da CUT, Antunes (1995, p. so)d destaca
trabalhadores.
a participação de um sindicalismo independente sem militância política, anterior ao qual se somaram âmplos Ão longo dos anos 1990 foram, ainda, criadas três novas centrais sindicais
embora pouco representativas, reforçam as idéias e práticas. de um sindicalismo:
contingentes da esquerda católica, sob o influxo da Teologia da Libertação:e da opção preferencial pelos
pobres, e tendências socialistas e comunistas várias, dissidentes da esquerda tradicional ou vinculadas às
postulações de Leon Trotski, nservador, contribuindo para o rebaixamento do nível das demandas dos traba-
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H=A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL
LÚCIA NEVES (ORG.) - À NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA

lhadores, atuando no nível mais elementar de consciência política coletiva, ou seja, tânea perda de poder político das correntes socialistas e comunistas tradicionais e
no nível da defesa de interesses específicos, estritamente corporativos”, dissidentes no plano interno à organização da Central são as principais determina-
O aumento no número de centrais e de sindicatos a elas filiados na década de. ções da metamorfose ocorrida no conteúdo e nas práticas da organização cutista
1990 no país é mais uma importante confirmação empírica do aprofundamento do nos anos de neoliberalismo, apontadas por vários estudiosos da organização sindical
processo de ocidentalização brasileira nos anos de neoliberalismo. brasileira na atualidade, dentre eles Antunes (1995), Boito Júnior (1999), Costa (1995)
Embora essas informações sobre o aumento de volume dos organismos do e Souza: (2002).
sindicalismo-dos trabalhadores ofereçam indicações do aprofundamento de-nos | | Ametamorfose da organização sindical cutista, ocorrida de forma lenta, ten-
so processo de socialização da participação política, elas não oferecem uma com-. 'sae com significativos avanços e recuos“, engloba um processo que se estende da
provação mais efetiva da natureza do processo. É certo que o fato de à CUT ter, transformação de uma CUT classista, nos anos 1980, para a configuração de uma
passado a disputar a direção política da classe trabalhadora com mais cinco cen-. CUT cidadã nos anos 1990 até os dias atuais, em uma trajetória que desloca o eixo
trais sindicais que se encaixam direta ou indiretamente no .modelo neoliberal de | de suas, da predominância da organização das massas trabalhadoras para 'o con-
organização sindical já indica uma mudança na natureza da organização sindical fronto como projeto burguês de sociedade, para a predominância da negociação
dos anos 1980 para os 1990; contudo, uma mais completa visão da metamorfose. política no campo institucional? nos marcos societais vigentes.
da organização sindical dos trabalhadores será oferecida pela análise das mudan Déssa forma, a CUT acompanha movimento semelhante reSilizado pelo PT,
ças de rumo da própria CUT nesse mesmo período. ' tão bem-analisado por Fontes (2005). Mantendo, também, sua especificidade en-
O avanço do processo de internacionalização do capital e à formação de novos. quanto sindicato, a CUT parece propensa a acatar a diretriz política do Banco Mun-
blocos de poder em nível mundial; o refluxo e/ou repolitização da organização sindi | dial para a nova relação entre governo e sociedade civil nó Brasil de hoje, na qual
cal em nível internacional; a difusão no Brasil dei inovações na organização da produ | esse organismo propõe aos movimentos sociais de trabalhadores que abandonem
ção e no.processo de trabalho e o consequente aumento do desemprego e da é
| uma posição de confronto em relação aos governos e assumam junto a estes uma
precarização das relações de trabalho; a redefinição das diretrizes políticas mundiais, o posição de colaboração.
e nacionais da Igreja Católica, de feição mais conservadora; a redefinição das estra- O) processo de construção da CUT cidadá teve início ainda durante : a primeira
tégias políticas do PT e dos movimentos sociais em seu conjunto; a constituição for-. metade dos anos 1990 e ganhou maior organicidade durante os governos neoliberais
mal de um Estado de direito no país, a crescente adesão espontânea das massas, da Terceira Via de Fernando Henrique Cardoso. O primeiro passo nessa direção foi
trabalhadoras ao ideário e proposições neoliberais; a propaganda midiática contra a dado pela mudança da estratégia política da entidade no decorrer do IV Concut,
organização popular na defesa de direitos no plano externo à organização sindical; a
em 1991, quando a CUT se definiu como entidade propositiva.. Outro passo signifi-
filiação da CUTà Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (Ciosl), cativo foi a proposta do V Concut de “abertura de um processo de discussão de
uma central mundial de caráter notadamente social-democrata”: a redefinição da
transformação ou não dos sindicatos filiados em sindicatos orgânicos” (CENTRAL
estratégia política da central, da perspectiva reativo-reivindicativa para a perspectiva 1994)%, a partir da crítica à “excessiva” autonomia
ÚNICA DOS TRABALHADORES,
afirmativo-propositiva, durante o Quarto Congresso Nacional da CUT (IV Concut)
em 1991; a progressiva preponderância da corrente Articulação Sindical e a simul

E No ViConcut, realizado em 1997, em uma conjuntura de disputaeleitoral para a Presidência da República,


a CUT propôs ainda a elaboração de'um projeto alternativo ao neoliberalismo, a partir da evidência de que
“ Em 1995, foi criada a Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT), agregando, em 2001; 86 sindicatos filiados, o socialismo coloca-se como a única saída progressista para a humanidade, a única alternativa à degradação
Em 1997, foi criada a Social Democracia Sindical (SDS), devido a uma ruptura na FS; reunia, em 2001, 286. social (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 1997, p. 20).
sindicatos filiados: Mais recentemente, foi criada também a Central Sindical dos Trabalhadores: (CST). & Contraditoriamente, no VI Concut, de 1997, a entidade reforçou sua posição de enfrentamento aos
“Tal filiação, já anunciada no Quarto Congresso Nacional - IV Coneut -, foi reafirmada durante arealização! neoliberais pela via da institucionalidade, quando destacou sua atuação nos diversos conselhos públicos
da Quinta Plenária Nacional da entidade, em 1992. (Conselho da Saúde, Conselho Curador do FGTS, Conselho de Defesa do FAT, Conselho de Administração
do BNDES) (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 1997, p. 26). a : a)
“A Articulação Sindical constituiu-se como corrente organizada no Il Concut, em 1986, com forte influência
do sindicalismo católico e social-democrata europeu e'com vigorosa penetração no sindicalismo do ABC io desejo da construção de uma CUT orgânica foi constatado por Boito Júnior (1 999) e Souza (2002) antes
Paulista. mesmo da realização do V Concut, em maio de 1994.
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LÚCIA NEVES (ORG.) ='A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA Ii=A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL

dos sindicatos em relação à Central?. A Sétima Plenária Nacional Zumbi dos procedimento denominado “nacionalização”, isto é; tornar nacional um tema ou
Palmares, realizada em agosto de 1995, além de assumir a tarefa de transformar os '* questão até então circunscrito a demandas de um grupo específico, ainda que
sindicatos filiados em sindicatos orgânicos, redefinindo uma série de propostas majoritário, e, em segundo lugar, construir partido político voltado para consolidar
organizativas para tal fim (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 1995), introdu- sua organização em-dois níveis: como instância de formulação conjunta de visão
ziu a discussão de uma CUT cidadã ao defender uma atuação combinada da luta ' de mundo, de pensamento crítico e de elaboração de propostas capazes de tornar
institucional com a luta de massas e pela atuação em novas frentes, agregando à ' nacionais um universo de-questões e demandas com:caráter distinto daquelas dos
sua pauta sindical elementos essenciais para a conquista da plena cidadania, e, grupos dominantes (FONTES, 2005).
principalmente, construindo uma política de alianças com-o-movimento:social e Assim'como o PT e a CUT cidadã,os movimentos sociais populares vêm-se
com os partidos políticos para forjar uma alternativa ao governo-neoliberale'a suas organizando, predominantemente; com uma dinâmica que reforça à fragmentação
políticas (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 1995). Foi nesse contexto, por de suas lutas e a subordinação de suas iniciativas às diretrizes burguesas para a soci:
- exemplo, que a CUT abandonou paulatinamente a discussão sobre uma proposta edade brasileira contemporânea. Eles vêm atuando simultaneamente em duas dire-
cutista de estruturação escolare até mesmo de criação: de centros públicos de ções: na:prestação de serviços sociais, em especial às camadas ditas “excluídas”'da
formação profissional e passou a executar a política neoliberal de educação profis- jedade, financiados em grande parte por recursos públicos e também provenien-
sional com os recursos advindos do FAT (SOUZA, 2002; CÊA, 2003): A Nona Plená- tes dos denominados programas de responsabilidade empresarial?e na luta contra
ria Nacional, realizada em 1999, por sua vez, encerrou e consolidou a discussão da as Várias discriminações extra-econômicas, também financiada em boa parte com
organização sindical sob a forma de sindicato orgânico, tese, aliás, contemplada na recursos públicos nacionais e internacionais e das fundações empresariais”.
proposta de reforma sindical do governo Lula da Silva. A culminância do processo | - Além de'desenvolver ou estimular ações voltadas para a educação da cultura
de constituição da CUT cidadã parece efetivar-se por intermédio da-forte sintonia cívica do homem coletivo brasileiro; de estimular a reeducação política dos apare-
entre as ações desenvolvidas pelo governo Lula da Silva no campo social e as teses lhos privados de hegemonia proletária construídos ou refuncionalizados nos anos
majoritárias do campo cutista na atual conjuntura. 1980 para combater o capitalismo, o Estado neoliberal vem estimulando a criação
A criação da CUT cidadã, que a princípio poderia se constituir em uma frente de novos sujeitos políticos coletivos; responsáveis prioritários pela difusão de suas
de unificação do conjunto dos movimentos sociais populares no enfrentamento às estratégias de legitimação, no papel de educadores da coesão social. Nunca é de-
políticas neoliberais da Terceira Via, na realidade parece um reforçoà sua imple- 'mais lembrar, com Gramsci (2000b, p. 41-42), que
mentação, devido, em boa parte, às profundas mudanças na estrutura e na dinâmi.
L Jo Estado é certamente concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a
ca dos movimentos sociais a partir de 1990.
criar as condições favoráveis à expansão máxima desse grupo, mas este desenvolvimen-
- toe esta expansão são concebidos e apresentados como força motriz de uma expansão
Redirecionando ofoco da luta política universal, de um desenvolvimento de todas as energias “nacionais”, isto é, O grupo domi-
nante é coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados e
A organização social de base popular nos anos de neoliberalismo não'cami
a vida estatal é concebida como uma contínua formação e superação de um equilíbrio
nhou majoritariamente para a construção de uma contra-hegemonia no Brasil con-
instável (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e dos grupos subor-
temporâneo, qual seja: em primeiro lugar, a organização em associações de inte-
resses capazes de, simultaneamente, manter sua autonomia de classe e penetrar
nos espaços estatais para assegurar a-generalização de taisis reivindicações, em um
As ações governamentais e empresariais vêm priorizando o atendimento aos Objetivos do Milênio definidos
pela ONU:que, procurando responder à pergunta: “O que nós podemos fazer para mudar o mundo?”,
prescreve metas ditas sociais, de forte apelo moral, para serem atingidas por todos os países do mundo até
2015: 1) acabar com a fome e a miséria; 2) educação básica de qualidade para'todos;3) igualdade entre os
OV Concut considerou, em relação à proposta de redefinição organizativa, que a CUT não definiu um sexos ea valorização da'mulher; 4) reduzir a mortalidade infantil; 5) melhorar a saúde das gestantes; 6)
conjunto de pontos para constar dos estatutos dos sindicatos filiados, nem sequer tem um conjunto de combatera Aids; 7) qualidade de vida e meio ambiente; 8) todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.
pontos para manter um sindicato filiado, a não ser um genérico “cumprimento dos estatutos e das deliberações . O Brasil'assinou esse “pacto mundial:de sustentabilidade do planeta e 'da-humanidade", baseado no
das instâncias”, cuja desobediência não tem sanções além da suspensão e possibilidade de desfiiliação desenvolvimento de ações conjuntas entre governo e sociedade, e incorporou, no carnaval de 2005, os
(CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 1994). objetivos do milênio por intermédio do enredo da tradicional escola de samba carioca Portela.
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LÚCIA NEVES (ORG.) - ANOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA H- A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL

| dinados, equilíbrio em que os interesses do grupo dominante prevalecem, mas até um urbana que,:ao invés de reivindicar coletivamente melhores condições de traba-
determinado ponto, ou seja, não até o estreito interesse econômico corporativo. lho, premidos pela falta de emprego acabam por viabilizar as políticas neoliberais
“As ONGs, fundações” e associações civis sem fins lucrativos que compõem de superexpioração da força de trabalho.
o chamado “terceiro setor” constituem-se em sua maioria em aparelhos priva- As ONGs são também parceiras do Estado em sentido estrito na
dos de hegemonia que, direta ou indiretamente, reproduzem a concepção de implementação das políticas sociais neoliberais, mesmo que não recebam financi-
mundo burguesa mundial no espaço nacional*. Dados de pesquisa realizada pelo amento governamental. Em. outros termos, as ONGs são veículo privilegiado :de
IBGES revelam que entre 1996 e 2002 o número dessas instituições cresceu 157%.. construção e sedimentação da sociedade civil ativa, proposição do neoliberalismo.
Elas perfazem um total de 275.895 instituições, formalmente classificadas como da Terceira Via. Os dados da pesquisa do IBGE atestam tal argumento. Das 275.895
sem fins lucrativos, que exercem, simultaneamente, várias funções de legitimação fundações e associações existentes no Brasil hoje, apenas 4% foram criadas antes
político-social: 'de 1970. Mais de um quinto delas (22,46%) surgiu ainda na década de 1980,e 50%
Em primeiro lugar, elas vêm absorvendo um contingente significativo de'tra- foram estabelecidas entre 1991 .e 2000: Só em 2001 e 2002 foram criadas 11,19%,
balhadores excluídos do mercado de trabalho em decorrência da crise estrutural indicando, assim, 0 ritmo acelerado de seu crescimento nos anos iniciais deste
que atravessa o país nas duas últimas décadas. A mesma pesquisa traz à luz que, culo. Embora concentrando sua atuação na região Sudeste do,país (44% do to-
além de injetarem na atualidade cerca de R$ 17,5 bilhões na economia provenien- tal), elas se espraiam por todo o território nacional; evidenciando o crescimento de
tes de pagamento de salários e de remunerações, as ONGs empregam 1,54 milhão 'um associativismo de novo tipo no processo de ocidentalização da sociedade bra-
de trabalhadores assalariados com um salário médio de R$ 871,00, sendo seu efe- sileira: O governo Lula da Silva destinou; em 2004, R$ 1;2'bilhão para as ONGs que
tivo superior a três vezes o total de servidores públicos federais na ativa em 2002. O executam suas políticas “prestando serviços sociais” (RODRIGUES, 2004).
valor médio do salário pago pelas fundações e associações em áreas sociais pare-
Especificamente as associações civis privadas sem fins lucrativos vêm-se
ceindicar que as ONGs absorvem um contingente expressivo da'força de trabalho “constituindo, desde que eclodiram no cenário político nacional, como instrumen-
qualificada com formação em ciências humanas, um contingente de “prestadores “tos de ampliação-dos marcos dã democracia direta nos anos de abertura política,
de serviços sociais” que se constituem, também, potencialmente, em militantes
“em importantes veículos de repolitização da política, pois, por intermédio do fi-
políticos da cidadania neoliberal, já que, para garantirem seu trabalho, acabam por
' nanciamento externo de suas atividades”, passaram, em boa parte, a disseminar
seguir as idéias e ideais de seus empregadores. |
os postuladose proposições neoliberais.já hegemônicos à época em âmbito in-
Em segundo lugar, essas ONGs consubstanciam-se em espaço privilegiado
ternacional.
de difusão do trabalho precário no país, uma vez que absorvem cerca de 14 mi-
“ Contribuíram; nesse sentido, a tácita divisão, no campo da luta -contra-
lhões de trabalhadores informais, um contingente da população majoritariamente
hegemônica da abertura política, entre movimentos sociais voltados para a trans-
formação das relações de trabalho e movimentos sociais voltados para a constru-
“ção da cidadania - que dissociando, na prática, as dimensões de trabalho e vida
“ sobre fundações empresariais, ver o texto “Estratégias burguesas de obtenção do consenso nos anos de
neoliberalismo da Terceira Via”, neste livro. nas indissociáveis relações sociais.capitalistas de produção da existência, concor-
“ contraditoriamente, diversas ONGs continuam: seu trabalho, em uma abordagem iniciada nos anos 1980, ' Tam paraa fragmentação movimentista e a introdução de novas formulações apa-
de cimentar à organização específica popular coma direção unitária da organização da classe em nível “rentemente progressistas — e a necessidade de sobrevivência financeira das asso-
nacional. Esse movimento de construção de contra-hegemonia desses novos sujeitos políticos coletivos nos
anos de neoliberalismo não se constitui em objeto desta pesquisa, mas demanda estudos e pesquisas por | ciações enquanto empresas sociais e sua adesão progressiva ao pragmatismo da
parte dos analistas políticos da'realidade brasileira.
, ideologia da responsabilidade social.
?. Adotando à construção teórica e ideológica de “terceiro setor”, o IBGE selecionou do Cadastro Geral das é
Empresas do IBGE (Cempre) as empresas que satisfazem aos seguintes critérios: privadas, sem fins lucrativos,
institucionalizadas (ou seja, legalmente constituídas), auto-administradas (controlam suas próprias atividades)
e voluntárias: Mestno que se possa criticar os fundamentos da metodologia empregada, essa iniciativa do
IBGE oferece uma noção mais clara do grau de difusão desses novos aparelhos privados de hegemonia que , “ Essas associações foram quase exclusivamente financiadas nos anos 1970 e 1980 por ONGs estrangeiras,
vêm contribuindo efetivamente para contrabalançar a correlação das forças sociais no Brasil contemporâneo por governos'de países centrais, pela ação internacional da Igreja Católica
€ e por organismos financeiros
em favor da conservação das relações sociais de produção vigentes. : internacionais.

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