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ISSN: 2359-0289

CANDOMBLÉ ANGOLA: RELIGIÃO E POLÍTICA ENTRE SACERDOTES DE


BELÉM, PARÁ.

Augusto Barbosa
Discente do Programa de Pós-Graduação
Mestrado em Ciências da Religião no Centro
de Ciências Sociais e Educação – CCSE da
Universidade do Estado do Pará – UEPA.

augustosbarbosa@yahoo.com.br
RESUMO

Este trabalho propõe analisar a forma de como os sacerdotes do Candomblé de Angola em Belém passaram
a ter envolvimento com a produção de políticas públicas e eleitorais. O objetivo descrever e analisar as
principais formas de organização política dos angoleiros, refletindo sobre como eles se inserem em redes
nacionais de militância política. A política será considerada de um ponto de vista filosófico e antropológico, a
partir das contribuições de autor como Oro (2010). A pesquisa foi desenvolvida através de trabalho de campo
etnográfico, realizado em Belém durante o segundo semestre de 2012, por meio de entrevistas e observação
participante junto a duas lideranças do candomblé angola, as mães de santo Beth de Bamburucema e Kátia
Haddad.

Palavras-chaves: Política, Religião, Candomblé Angola.

ABSTRACT

This work aims to analyze the way how the priests of Candomblé de Angola in Bélém started to have
involvement with the production of public and electoral politics. The objective to describe and analyze the main
forms of political organization angoleiros, reflecting on how they fall in national networks of political activism.
The policy will be considered a philosophical and anthropological point of view, from the contributions of the
author as Oro (2010). The survey was developed through ethnographic fieldwork conducted in Belém during the
second half of 2012, through interviews and participant observation with the two leaders of Candomblé Angola,
the mothers of the holy Beth Bamburucema and Katia Haddad.

Keywords: Politics, Religion, Candomblé Angola.

1. A Introdução aos afrorreligiosos nos espaços políticos em Belém do Pará


A comunidade humana necessita de uma religião tão quanto de política, logo há
socialização e sociabilização. Assim induz a uma descrição antropológica a partir da política
que os afrorreligiosos vêm fazendo para o seu espaço de axé ocupando espaços ociosos, com
políticas de assistências à comunidade que rodeia. A política no ser humano cria espaço de
disputas de poder, que a partir desse contexto a corrida legitimadora é bandeira da identidade.
(BROWN, 1985).
A Ciências da Religião como investigadora enfrenta os anseios da pós-modernidade e
desencadeia um estudo tônico sobre a relação entre “politica 1 e religião”, pois os dois eixos
anseiam na vida humana um prática meditativa dos bens tanto materiais como espirituais.
Greschat observa que as “religiões integram seres humanos em uma comunidade” (HANS-
JÜRGEN, p. 25, 2005).
Com isso a religião é o sistema que representa maximamente o ethos da experiência que o
sujeito pratica em sua cosmovisão, o seu mito universal denominado de mitema por Lévi-
Strauss, transmite ao fiel todo o conhecimento que precisa. A política entra nesse campo para
afirma sua legitimidade, todavia ocorre nas religiões de matrizes africana das Amazônia a
necessidade de federalizar, buscar políticas assistenciais e lançar sacerdotes para candidaturas
de cargos públicos é nesse caminhar que este trabalho irá desenvolver.
Há dois momentos claramente distintos na participação dos afrorreligiosos de Belém do
Pará na política. O primeiro está marcado pela fundação da Federação Espírita e Umbandista
dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP) ocorrida em 1964, como início
da Ditadura Militar e segundo se dá com apoio do ex-prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues,
iniciado na sua gestão 1997-2000. Discutiremos em seguida cada um desses momentos.

2. Federação Espirita e Umbandista de Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará:


legitimidade do Povo-de-Santo - FEUCABEP.
A FEUCABEP foi fundada em 1964 por uma cobrança da então Delegacia de
Costumes, que tinha a intenção de organizar os afrorreligiosos para ter mais controle sobre o
culto. Silva (1976) apresenta em sua dissertação de mestrado que,
Algumas vezes as casa de culto era indistintamente envolvidos em noticias
escandalosos publicados nos jornais da cidade, pois era grande o número de queixas
apresentadas às diversas autoridades policiais sobre o barulho, desordens,
bebedeiras, escândalos passionais, pederastia e lesbianismo que os denunciados
dizem ocorrer nos batuques. (p. 89)
No contexto referido, os afrorreligiosos pediam licença para a realização das festas no
setor de Costumes, o mesmo onde se obtinha permissões para aberturas de boates e bordéis.
Gostaria de frisar essa necessidade que o povo do santo de Belém para a organização
da Federação, pois assim essa instituição possui poder Legal e defendia os terreiros contra as
batidas policiais que havia, às vezes levando presos os filhos de santo incorporados e os

1
Política é essa que desencadeia ao ser humano uma administração das linguagens materiais pressionando assim,
os bens naturais e finitude do ser em um Estado.
atabaques, assim a FEUCABEP tinha a função de legitimação. Com isso Silva (1976) a ponta
os objetivos da instituição descrito no I capitulo do Estatuto,
Art. 1° - A FEDERAÇÃO ESPIRITA UMBANDISTA E DOS CULTOS AFRO-
BRASILEIROS DO PARÁ, fundada a 26 de agosto do ano de mil novecentos e
sessenta e quatro (1964), com a sua sede na cidade de Belém, capital do Estado do
Pará e com jurisdição em todo o território do Estado, filiado à confederação Espírita
Umbandista do Brasil em 10 de setembro de 1964, sob o número 1350, tem por
finalidade reunir todos os TERREIROS, CENTROS, SERAS e CABANAS, com os
seguintes objetivos: a) difundir a doutrina Espírita Umbandista e dos Cultos Afro-
Brasileiros de acordo com a leis vigentes e as autoridades constituídas; b) presta
Assistência Social aos seus sucessores; c) conceder Auxilio Funeral aos seus sócios;
d) prestar conforto espiritual aos que nele necessitarem; e) promover a defesa dos
interesses dos seus associados, concorrendo igualmente para que haja maior UNIÃO,
DISCIPLINA, ORDEM e RESPEITO nos Centros de Trabalho; f) outro benefícios
constantes do Regimento Interno, a critério de sua Diretoria.

Luca (2003) aponta que,


Ela surgiu no ano de 1964 em um contexto de ditadura militar uma vez que o
governo ditatorial instalado no Pará via nos ‘batuques’ um foco de desordem, em
função de frequentes materiais jornalísticos que falavam de praticas como
bebedeira, bagunça e charlatanismo, exigindo assim a organização formal dos
mesmos (p. 27).

Assim observamos que a FEUCABEP no Estado do Pará é a primeira forma de


organização política, e esse é ponto interessante analisar, pois seu poder era para reprimir
qualquer flagelação que os terreiros poderiam vim passar por mão da Polícia, mas é preciso
apontar que antes do surgimento da federação algumas casas de culto era “apadrinhadas” por
pessoas de cargos públicos e sempre conseguiam os alvarás para não ocorrer casos como já
citados de prisões de pessoas incorporadas e de instrumentos litúrgicos etc. Essas lideranças
afrorreligiosas, que se relacionavam nos meio políticos iniciaram uma organização, assim
surge a FEUCABEP. Os fundares dessa instituição são destacados, pois Luca (2003) aponta
que são também os fundadores do Tambor de Mina no Pará são: Manoel Colaço Veras, Rosa
Nunes (Mãe Doca), Maria de Nazaré Aguiar, Inez Ferreira, Raimundo Silva, Astianax Gomes
Barreiro, Joana Pereira do Nascimento, Carmelina Amâncio Neto e Antônio. (LUCA, 2003, p.
28-29).
Assim a partir da FEUCABEP inicia uma nova etapa política em Belém, pois se dá
impulso para a politização dos afrorreligiosos no Pará, e certo afirma as influência regidas
pelo restante do Brasil, pois esse fenômeno começou em São Paulo em 1953 na primeira
federação umbandista (CONCENE, 1985, p. 46). CONCENE descreve apoio do Presidente
Getúlio Vargas na Umbanda e que até muitos terreiro havia um foto do presidente. São Paulo
“década de 50 é o ponto de institucionalização da Umbanda em São Paulo” (p. 47) a partir de
década surgem vários organizações em nível nacional em Belém como: Associação dos
Amigos de Iemanjá (AAI) criada em 1971 com objetivo de organizar o ritual denominado de
Festival de Iemanjá comemorado todos os anos no dia de Nossa Senhora da Conceição dia 8
de dezembro nas praias de água doce no bairro de Outeiro na Região Metropolitana de Belém
(LUCA, 2003, p. 38); Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira Seção Pará
(INTECAB) fundado a partir dos conflitos em candomblecista e umbandistas. Esse instituto
surgiu na Bahia, mas Pai Walmir viajar para Salvador para se filiar a esse Instituto e traz para
Belém; Associação dos Amigos do Ilê Omin Asé Ofa Kare (AFAIA), foi fundada em 17 de
julho de 1985 pelo sacerdote do Candomblé Ketu Edson Katendê que se relaciona afinco com
o Movimento Negro que tem um forte teor cultural recentemente a instituição lança o
Espetáculo GRIOT E OS ESPÍRITOS DA TERRA.
Essas instituições que descrevemos abrange um conjunto de terreiros que se apresenta na
atualidade em politicas de ‘associações’ realizando diversas atividades e convênios em
âmbitos nacionais e seus sacerdotes possuem cadeiras nos conselhos municipais, estaduais e
nacionais.

3. Congresso da cidade na gestão de Edmilson Rodrigues: o ponta pé para


politização do afrorreligiosos
Após 1988 com a redemocratização o Brasil entra em um novo contexto política que
passa a ter reflexos também sobre os movimentos sociais inclusive dos afrorreligiosos. Em
1997 é eleito em Belém para a prefeitura o representante do Partido dos Trabalhadores - PT,
Edmilson Rodrigues. Com a proposta de governar “com o povo” implantado políticas de
gestão participativo na cidade, o que levou a organização de vários segmentos da sociedade
civil, inclusive os afrorreligiosos.
O prefeito institui o Congresso da Cidade onde a sociedade civil e seus organismos
puderam participar do orçamento da Cidade de Belém capital do Pará na primeira gestão
(1997-2000) e na segunda (2000/2003) do Prefeito Edmilson Rodrigues que assim lança
“Festas das Raças” no palácio da Prefeitura, em 2000 agrupou os afrorreligiosos da área
metropolitana da cidade.
Essa nova etapa onde a sociedade civil adentra no cotidiano da gestão, em que poderá
fazer parte das decisões, debater propostas e deliberar. Constituindo a democracia
participativa, que dá ponta pé para os afrorreligiosos entrarem nessa discussão.
O prelúdio do Congresso da Cidade em Belém-Pará se dá a partir da experiência do
Orçamento Participativo na gestão de Edimilson Rodrigues (1997-2000) afirmando que há
possibilidade de ter um governo do povo com a meta de um plano de desenvolvimento da
cidade.
Farias (2003) aponta que “objetivo de apresentar, através do Orçamento Participativo e
do Congresso da Cidade, o processo de democratização do poder na cidade de Belém”
observa-se que nesse enredo possui voz e sua participação política poderá ser de dois modos,
participação política indireta,
A democracia representativa tem caráter indireto porque a participação popular é
indireta, pois a população apenas escolhe quem irá tomar as decisões em seu nome;
tem caráter periódico, pois o período de tempo em que a população deverá ser
chamada para escolher seus representantes é previsto em lei e se dá em intervalos
regulares não permitindo a vitaliciedade dos mandatos; e por fim tem caráter formal,
porque é lei específica que estabelece como e em que forma esta participação deverá
ocorrer, devendo tudo isto se realizar através do processo eleitoral (p. 6).
Direta,

“Na atualidade do Estado democrático de direito, o sistema representativo tem por


base a soberania popular, como resultado do poder legítimo do povo; o sufrágio
universal, do qual vem do termo latim sufragium, que significa aprovação, ou seja o
direito de participação política na democracia representativa, com diversidade de
candidatos e partidos políticos; a igualdade de todos formalmente, ou seja perante a
lei; liberdades públicas de todos os tipos manifestação tal como religiosa, de
associação, opinião; e a periodicidade dos mandatos eletivos, já tratado neste sub
item (p. 6).

Com isso percebemos a diferença que há entre as participações nesse período ficou
marcante essa participação direta. No Congresso houve varias secções para haver uma ampla
discussão nos vários setores da cidade.
Logo percebemos que população esta na ativa, participando de todo o processo para
melhorada cidade. Assim os povos tradicionais do terreiro se afirmaram nesse período e se
inicia a política do afrorreligiosos a partir desses eventos na gestão de Edmilson Rodrigues e
hoje em 2012 volta a se candidatar a Prefeito e com isso os afros dão apoio a sua candidatura.

4. Tipos de políticas que se apresentam em Belém


4.1. Políticas Públicas:
A partir da redemocratização da Constituição de 1988 o estado brasileiro deu abertura
para o diálogo com movimentos sociais. Essa abertura, sobretudo pelos fortes influencias da
Declaração dos Direitos Humanos Universais (1948) pela Organizações das Nações Unidas,
ONU. Esta influencia possibilitou que a sociedade civil pudesse participar das decisões
políticas, assim a Constituição Cidadã como é denominada, prevê o direito básico de cada
cidadão nas instancias das esferas públicas, a participação não será a penas representativa,
mas sim, participativa.
Frischmann (2009) nos mostra que,
O ponto delicado e relevante no contexto internacional é que todo envolvimento nas
conferências, das quais resultam novas declarações e novos programas de ação,
sempre ocorreu com dupla inserção dos países, fosse dos representantes
governamentais (a cada momento), fosse dos representantes da sociedade civil,
entendendo-se que os governos isoladamente, por seu mandato temporário e
provisório, não podem representar sozinhos o Estado. Esse tipo de dinâmica leva a
novas articulações internacionais, e, enquanto os governos se relacionam via
diplomacia, a sociedade civil se relaciona por meio dos fóruns que elege para seus
debates, como o Fórum Social Mundial, para citar o exemplo mais notável. (p. 159)
A declaração dos Direitos Humanos Universais abriu espaço para o mundo um diálogo
entre Estado Moderno e Sociedade Civil nos debates intrínsecos da vida cotidiana do homem.
No governo de Lula (2002-2009) essa reflexão se tornou, mas forte, pois o Brasil
começou a participar de grandes conferenciais de extensão mundial sobre temática que estão
na vida humana como educação, fome, saúde etc. Exemplos são: Conferência Mundial de
Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, que tratou da relação do campo social
nacional com o internacional, políticas públicas de segurança, promoções de direitos e a
educação com direitos humanos; Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento,
realizada no Cairo em 1994 e Conferência Mundial sobre Mulher e Desenvolvimento,
realizada em Pequim em 1995 que tratam questões de gênero, de direitos sexuais, aborto e
métodos contraceptivos; entre outros. Com isso dentro do Brasil inicia essas conferencias para
debater as questões promulgadas pelo congresso.
Assim no Brasil se inicia a institucionalização das práticas da sociedade civil face à
democratização. Também perceber o grande aumento de surgimento de ONGs e do Terceiro
Setor de responsabilidade social.
Observar-se que o Brasil em sua política está em nova fase isso dá margem para as
minorias se legitimarem neste espaço. Vários movimentos surgem a partir da camada social
afirmando a democratização do Estado. O movimento negro e a democracia racial;
Movimento dos Sem Terra e a Reforma Agrária; A conquista do ECA, etc. O Brasil se
democratizou, nesses enclaves os afrorreligiosos se deliciaram e penetraram nas políticas
publicas em vários setores.

4.2. Políticas eleitorais:


Nas eleições 2012 da Cidade de Belém, para o cargo público de Vereador o afro-religioso
denominado Pai Gilmar de Oxossi nome civil Gilmar Mauricio Silva da Conceição, lança em
campanha com debate “combater o racismo” e, sobretudo buscando direitos para os “povos
tradicionais do terreiro”; nomenclatura designada para conquistar políticas públicas, como as
cestas básicas que o Ministério de Desenvolvimento Social envia para o INTECAB seção
Pará que será reedivididas para as instituições. Assim se filia no PSOL (Partido Socialismo e
Liberdade) com o numero 50.015 que conquistou 400 votos, entretanto não conseguiu almejar
ao cargo. É apoiado pelo Candidato ao Edmilson Rodrigues que foi para o segundo turno da
capital do Pará.
É interessante observar que há campanha em nível nacional que seu slogan “QUEM É
DO AXÉ VOTA NO AXÉ” percebeu a união que os afros realizam para buscar poder
político, nessa campanha dos afrorreligiosos de Belém vários apoiam a candidatura do Pai
Gilmar, ou não.
Observamos que os afrorreligiosos do Pará se encontram não somente nas estâncias das
buscas das políticas publicas, mas cobiçam a Câmara de Vereadores, em Belém esse
fenômeno não é muito situado com no Rio Grande do Sul como se observa (ORO, 2010).
Esse nova etapa das religiões de matrizes africana é a própria institucionalização que essas
comunidades tradicionais se revelam na modernidade onde querem assumir seu papel de
cidadãos ativos sem medo de professar sua fé, a mudança do Estado com religião Oficial para
Laicidade ajudou para afirmação de identidade e “legitimidade social”.
Acima podemos observar as imagens de propagadas políticas feitas para facebook, que
foi retirado do mesmo; pela nitidez podemos perceber a afirmação de identidade religiosa, e
ainda podemos destacar que as candidaturas dos afros sempre buscam direitos para si e para
as classes marginais, com isso observamos em uma etnografia de campo que esta situação das
conquistas dos afro-paraenses, recebeu apoio do Movimento Negro2, Movimento GLBT,
PSOL, Universidade com a UFPA e UEPA, OAB etc.

5. Etnografias das politicas do Rundembo Gunzoti Bamburucema


O ICBAN é presidido por Mãe Beth, cuja dijina (nome na religião africana) é Mame’to
de Inkisse Muagilê e o nome civil é Elizabeth Pantoja. Mãe Beth é sacerdotisa do Candomblé
Angola.
A casa de Mãe Beth denomina-se “Rundembo Gunzo Ti Bamburucema”. Filha de santo
de Torodê, já falecido. Mãe Beth é de origem quilombola e começou sua vida na religião
africana devido a doença de sua mãe, que sai do quilombo e vem a Belém se tratar no terreiro
do Pai Bassu, Abassá Afro-Brasileiro Leko Saponan, fundada 1972. Assim que se inicia na
casa, Rudembo Axé Di Jaciluango, e paga todas suas obrigações, a mesma e funda sua própria
casa e posteriormente funda a associação. Mãe Beth é Conselheira de Igualdade Racial,
Conselheira Municipal do Negro, Conselheira de Idosos e Conselheira de Negro e Negras do
Pará (há 2 anos).
O Instituto Bamburucema de Cultura Africana ou Afro-Brasileira nasceu em 2003, porém
nasce com o nome ARCUABÃ. Desde sua fundação Mãe Beth está no movimento social,
hoje a associação se chama Instituto Bamburucema de Cultura Afro – Amazônica. Para ela o
objetivo da associação como
“é capacitar essas pessoas. Para ter uma renda; o maior objetivo é essa “capacitação”
do meu povo carente para eles terem a renda própria, para saírem da pobreza e
violência então eu faço essas oficinas rápidas, como meio deles ganharem um
dinheiro rápido como manicure”.

A partir das entrevistas podemos observa que a associação ainda não está legalizada, não
possui CNPJ. Ao perguntar para a Mãe O que levou a senhora fazer tudo isso na
associação? Obtive a seguinte resposta:
“Eu sempre tive esse espírito de humanidade de querer ajudas às pessoas; eu tenho
trabalhado também com deficiente, tetraplégico; eu redivido as cestas, e contemplo essas
pessoas; eu não trabalho só a minha comunidade do bairro, é em Outeiro, Pratinha, Jurunas,
Cremação; associação não é só essa parte religiosa; é você poder ajudar o ser humano, então
passei a trabalhar e lutei muito para conseguir estas cestas, foi 2,3 dias de trabalho andando

2
Neste elemento deve ser destacado que a única casa afrorreligiosa em Belém que anda juntamente com o
Movimento Negro, diga de passagem, CEDENPA (Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará) que tem uma
forte ligação é o Ilé Axé Iya Omi Ofa Karé liderado pelo candomblecista Ketu Edson Catendê.
por que isso foi um encontro feito da rede de saúde dos terreiros que aconteceu aqui no
Beira-Rio, e veio o ogãn que é secretario de igualdade racial, e perguntou para nós, se o
Pará, já recebi cesta básica. Então dissemos que não, então mandei urgente fazer uma
pesquisa em Belém, e mandar o nome das pessoas necessitadas, para o governo federal. Fui
bater de casa em casa, para saber onde estava os afro-religiosos. Após a pesquisa de três
meses depois veio a cesta; mais para 1000 pessoas, vai pra o INTERCAB, e depois de divide
para casa terreiro. Ficou na casa da mame'to Nangetu. E é um trabalho gratificante porque
você sabe que vai matar a fome de algumas pessoas. Ano passado veio 6 a 8 vezes ao ano;
sempre 50 cestas, este ano já veio três vezes. Agora eu tenho muita vontade de tirar esses
documento e avançar mais para ajudar mais minha comunidade.”

Atividades proposto pela ICBAN: Café da manhã com palestras sobre a Lei Maria da
Penha; Cineclubes; Distribuição de cesta básica; Palestras sobre violência, drogas, DST’s,
AIDS; Distribuição de preservativos, café da manhã para os Dias das Mães com palestras, e
sorteio de cestas básicas.
Mame’tu Bethi participou de vários de eventos ao longo do ano de 2012 como:
Conferencia Nacional de Cultura; Encontro Nacional no Rio de Janeiro sobre Diversidade
Cultural; Oficina de Construção de Projetos, no estado do Maranhão; Congresso Nacional da
Cartografia Social em Manaus e Conferencia das Mulheres.
A ICBAN recebe apoio do Instituto Nangetu (Instituto Nangetu de Tradição Afro-
religiosa e Desenvolvimento Social) por meio do empréstimo de materiais como: data show e
caixa amplificada de som, usados nas reuniões de Cine Clube.

6. Etnografias das politicas konzenzala


Mãe Kátia Haddad sua dijina é Kaiani Leji, é sacerdotisa da religião Candomblé
Angola, filha de santo de Mãe Eliana que paga suas obrigação (subida de cargo) com sua avó
Mame’to Akobaroni, filha do Inkisse Mavambu (Senhor do Caminho da Encruza). Mameto
Akobaroni se iniciou no Rio de Janeiro e retorna ao o Pará, mas é natural de Belém. Mãe
Kátia é filha de Maria de Andrade que foi umas das fundadoras do Festival de Yemanja. Mãe
Kátia herdou o terreiro de sua mãe Maria de Andrade que também era sacerdotisa do
Candomblé Angola, inicia por sua avó de santo Mame’to Akobaroni cuja casa se chamava
RUNDEMBO MUKI DE KOLONDINA, que estava localizado no Icuí, fundada em 1985.
Mãe Katia herdou o terreiro que foi fundado em 1988, denominado ABASSÁ AFRO-
BRASILEIRO KONZENZALA DE KAFUNGÊ, situado no Bairro Sacramenta.
A associação também se intitula Konzenzala, nome que se refere ao nome do terreiro e
ao inkisse de sua mãe, Kafungê. Esta associação tem 10 anos. Quando perguntei a ela por que
fundar uma associação, ela disse:
“Eu comecei a participar dos encontros, dos movimentos, e das conferencias, dos
seminários, e ai senti uma necessidade de que a casa tivesse uma representação
cultural, até para dar conteúdo para essa participação, não só a questão religiosa, e
como na época, tinha essa necessidade, ai começou a se fomentar a historia da
associação afro-cultural de konzenzala, que na realidade é o titulo da casa. O intuito
daquele momento era esse, de formar a associação, hoje é outro, como eu tenho um
histórico dentro do movimento afrorreligioso, não só uma questão empírica, mas
hoje com a questão cultural, com a questão política e social, eu pretendo para este
ano 2013 dar legitimidade política a associação, poder começar a desenvolver
algumas coisas aqui mesmo no espaço, a pesar de que a gente já desenvolve, festa
de são João, muito embora a casa esteja sem funcionamento este ano de 2012, por
conta do meu envolvimento na política partidária, no p-sol, participando da
campanha do Edmilson Rodrigues que foi candidato a prefeito, e também pela
questão deu estar organizando a casa no sentido de estar aterrando a casa.”

Também pergunto; Porque a senhora observou que havia a necessidade do


afrorreligiosos estar na frente buscando políticas, nesta função social, como foi este
ponta pé da senhora? Ela responde:
“Na realidade eu já era envolvida com algumas instituições como a FEUCABEP, e eu
fazia parte do INTECAB, e eu recebi o convite da Mame’to Nangetu, coisa de 14
anos trás para integrar o INTECAB e ai comecei a participar com ela, eu tenho ela
como se fosse a minha mãe, a partir do convite dela, de estar indo para os seminários,
conferencias, encontros, reuniões, roda de conversas, tudo que estava envolvido o
movimento naquele momento para buscar políticas publicas, foi através da Mame’to
Nangetu, havia necessidade por que eram poucos afrorreligiosos que participavam,e
eu entrei como, tipo relações publicas, daquele grupo convidando outras pessoas para
vim”engrossar o caldo”, para todo mundo participar e fazer um grande movimento,
dentro daquele movimento que já existia ali, que estava enfraquecendo, com poucos
elementos, então a minha função. Mais ou menos, era essa trazer as pessoas, então
criamos uma dinâmica na época que a Mame’tu era coordenadora do INTECAB,
funcionava a casa dela e a gente tinha conquistado é fazer parte do projeto fome zero
e eu comecei a levar nomes de terreiros, de lideranças para serem contemplados
também, com essas cestas básicas e tentar trazer essas pessoas para o movimento.”

As atividades que a Associação Afro-Cultural de Konzenzala já realizou foram: “ação


de saúde; rituais da casa; ações sociais; palestra sobre DST’s e AIDS; Verificação de pressão
e glicose”.
Nas eleições de 2012 Mãe Kátia realizou a locução oficial da Campanha de Edmilson
Rodrigues, para ela esta opção política foi uma questão pessoal, não decorreu por sua
liderança como afrorreligiosa. Outra questão que se observa é a relação próxima como se
pode observar com outros políticos:
“eu tenho relação com o Fernando Carneiro, vereador eleito, e devo assumir uma
assessoria dentro do mandato dele, e será um alguém que poderá representar os
afrorreligiosos ou não, mas é uma relação minha, Kátia Haddad com Fernando
Carneiro. Não tem nada a ver com a questão da minha militância religiosa”

Considerações

Indaga-me qual é a necessidade do ser humano se afirmar? Que identidade é essa tão
fluxa tão plástica? Onde esta a legitimidade? Como se dá essa relação intrínseca entre religião
e política? A partir dessas indagações podemos concluir que pensar nas religiões de matrizes
africanas é perceber primeiramente que buscam um espaço legitimo de ordem. Segundo que
podemos afirmar a partir desse analise que religião é política, pois religião é poder.
Com tudo no Brasil essas religiões que um dia foi perseguido dentro de um padrão, legal
hoje se encontram em seu dever prático e legal, dentro das normas que regem a conduta
política do ser humano.
Fazer política é também fazer religião, pois esses dois sistemas equivalem para a
formação dos processos infinitos de relações de poder.
Os sacerdotes exemplifiquem esse campo onde há uma corrida de levantamento da
Bandeira do Tempo, bandeira representa toda a identificação da religião e de sua Casa, pois o
que esta em jogo é sua Comunidade.
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NOME DO PROJETO: Cine vai á escola: da academia ao espaço escolar na luta contra a intolerância
religiosa.

Orientadora: Prof. Drª. Taissa Tavernard de Luca

Autores:

Fabiane Malato

Iris Larisse de Aguiar

Larissa Souza Nascimento

Patricia Gleise Barros Neves

RESUMO: O Grupo de Estudos de Religiões de Matriz Africana tem como objetivo conhecer
e promover a aplicação da lei 10 639/03, que trata da obrigatoriedade do estudo e do ensino
da história e da cultura africana nos currículos escolares, oferecendo aos graduandos e pós-
graduandos em Ciências da Religião conhecimentos suficientes para a discussão e o ensino
dessa matriz religiosa em sala de aula. A partir do tripé: ensino, pesquisa e extensão,
desenvolve quatro ações permanentes, dentre elas o O Cine Vai à Escola, que surgiu em
2012 como um desdobramento do projeto de extensão “Cine Africanidade” acreditando ser a
sala de aula o espaço em potencial para o fomento da cultura do diálogo. Seu objetivo é fazer
do cinema e da ludicidade mecanismo metodológico para percorrer as escolas públicas e
particulares da capital e do interior do estado do Pará na árdua batalha de combate a
intolerância religiosa. Sua equipe, composta por alunos e professores de antropologia e
ciências da religião que professam diversos credos desenvolve palestras com estudantes, pais
e responsáveis, e formação para professores e técnicos.
Este trabalho visa apresentar o projeto Cine vai à escola, sua metodologia e as atividades
realizadas com o propósito de combater o preconceito, desconstruindo o imaginário existente
no que diz respeito às religiões de matriz africana e de promover a cultura de paz.
CONQUISTAS E FRAGILIDADES DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA DISCIPLINA
ENSINO RELIGIOSO DO CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
NA UEPA

Edina Fialho Machado 1


Universidade do Estado do Pará

RESUMO

Introdução: O trabalho destaca os dilemas e possibilidades do Estágio Supervisionado no curso de


Licenciatura Plena em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará, como parte integrante de
seu currículo, e elemento basilar na formação do professor. O problema questiona quais as contribuições
do Estágio na formação do professor?, E investiga as aproximações e distanciamentos entre os conteúdos
conceituais e as experiências dos contextos escolares na docência da disciplina de Ensino Religioso?.
Objetiva: Refletir a relação teoria e prática; apontar os dilemas e possibilidades vivenciadas; evidenciar
avanços e necessidades; e conhecer a realidade do Ensino Religioso nas escolas. Metodologia: É uma
pesquisa Bibliográfica de concepção Dialética sobre a importância e finalidade do Estágio. Foi realizado
ainda um Estudo de Caso; e como instrumento de construção de dados, relatos de experiências de alunos e
professores no período de 2012 a 2013, e observações, como professora das disciplinas de Estágio I e II no
curso. A análise dos dados é de abordagem Qualitativa. Os Resultados revelam que o Estágio é definidor
na formação do professor, pois coloca o aluno em contato com a realidade Escolar, e contribui para a
construção de sua identidade docente, todavia, é necessário rever a sua aplicação. O Estudo de Caso revela
carência de campo de Estágio na Educação Infantil, e 1ª a 4ª anos do Ensino Fundamental porque são
poucas as escolas com a disciplina “Ensino Religioso” nessa fase de Ensino. Revela também que a maioria
dos professores, não tem formação para ministrar a disciplina; praticam o proselitismo e o dogmatismo; o
que gera certa rejeição da disciplina por parte dos alunos, os quais, não são obrigados a cursá-la. A
efetivação dos professores no estágio cria identidade e melhora o trabalho na disciplina. Conclusões: Ao
alcançar os objetivos traçados, reafirmo a importância do Estágio para a formação do professor, e
reconheço que na UEPA o curso começa a superar as suas dificuldades, todavia, ainda existe
distanciamento entre o que indicam as teorias e o que acontece nas escolas, ou seja, é preciso que haja
integração entre teoria e prática na disciplina de Ensino Religioso.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria-Prática, Formação do Professor, Ensino Religioso.

________________________
1-
Mestre em Educação na Linha Formação de Professores. Especialista em Docência do Ensino Superior.
Pedagoga. Professora do Departamento de Educação Geral da Universidade do Estado do Pará,
disciplinas Estágio Supervisionado I e II em Ciências da Religião, e Estágio Supervisionado em
Instituições Não Escolares e Ambientes Populares no curso de Pedagogia.
E-mail: edinafialho@yahoo.com.br

DIÁLOGOS PRELIMINARES

O texto se constitui um estudo Bibliográfico sobre as disciplinas de Estágio


Supervisionado no Curso de Licenciatura em Ciências da Religião da Universidade do Estado do
Pará, e busca evidenciar os dilemas e possibilidades vivenciadas no interior das escolas nas quais
os estágios se realizam, experiências essas, que muito contribuem para a sua formação como
educador. Reflete o pensamento de teóricos do Estágio como elemento formador, além de fazer
um Estudo de Caso sobre relatos de alunos e professores, e minhas observações nas disciplinas
Prática de Estágio Supervisionado I e II no referido curso.
Experiências que dão clareza da importância dos estágios na formação do professor, e
evidenciam que os mesmos precisam ser avaliados, res-significados, contextualizados, e
melhorados, considerando a necessidade de acompanhar as transformações em todos os setores da
sociedade, e interferem na forma de conviver, ensinar, aprender e trabalhar, o que implica uma
revisão de currículos, programas, conceitos e novas posturas dos educadores.
Os estágios estão amparados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei
Federal nº 9.394/96: Art. 82, “ele é obrigatório para fins de integralização curricular e deverá
conter todas as atividades a serem desenvolvidas, como procedimento didático-pedagógico; bem
como pela Lei Federal de nº 11.788/2008 que diz: “O Estágio visa ao aprendizado de
competências próprias de atividades profissionais, e à contextualização curricular, objetivando o
desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o mercado de trabalho”. O Parecer do
CNE/CP nº 09/2002 diz:
o estágio curricular supervisionado é um momento de formação profissional do
formando, seja pelo exercício direto in loco, seja pela presença participativa em
ambientes próprios de atividades daquela área profissional, sob a
responsabilidade de um profissional já habilitado e no Projeto Político-
Pedagógico do curso.

Por estar garantido na legislação educacional, Estágio Supervisionado deve proporcionar


ao estudante de licenciatura, condições apropriadas de formação, capacidade de exercer as suas
atividades profissionais com competência técnica, profissional e pessoal. O estágio, reuni um
conjunto de conhecimentos e de saberes, que são necessários á formação do professor, na medida
em que lhe possibilita condições de conhecer, vivenciar e compreender as reais condições de
trabalho e as diferentes relações de poder existentes nesses ambientes, conhecimentos esses, que
são importantes para a sua atuação profissional, afinal, Vasquez, (2005) defende que “O Estágio é
um processo criador, de investigação, explicação, interpretação e intervenção na realidade”.
Na perspectiva de investigação da realidade nos estágios em Ciências da Religião, busco
relacionar as teorias apreendidas e ensinadas na academia, com as experiências do cotidiano dos
ambientes educativos onde estagiamos, para ter parâmetros que respaldem as considerações a
respeito das disciplinas de Estágios desenvolvidos no curso na UEPA, pois, Pimenta e Anastasiou
(2005, p.179) assim, argumentam, “O papel das teorias é de iluminar e fornecer instrumentos e
esquemas para análises e investigações, que permitam questionar as práticas, e ao mesmo tempo,
pôr as próprias teorias em questionamento”.
Assim, os estágios devem propiciar novos saberes e experiências, que contribuem para a
formação pessoal e profissional do futuro professor, além de fazer a articulação teórica e prática,
oportunizando ao aluno, contato com novas situações educativas que lhe proporcionam formação
mais ampla, e condições para assumir as responsabilidades e competências atribuídas ao professor,
nas diferentes situações do ambiente escolar e não escolar, nos quais ele possa exercer a docência,
articulando o ensino, a pesquisa e a extensão como tripé basilar na formação do profissional da
educação. Barreira e Gebran,
(2005. p. 38) defendem que: “A articulação entre teoria e prática é um processo definidor da
qualidade da formação inicial e continuado do professor”, pois, ninguém tem a totalidade do
conhecimento, e todos têm necessidade de aprender, por isso, defende Freire,( 1996, p. 63).
É fundamental que na prática da formação docente, o aprendiz de educador
assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha
nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do
poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser
produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador.

Os Estágios Supervisionados devem ser desenvolvidos de maneira sistematizadas e


coletivas, por: alunos estagiários, professores formadores, e educadores dos ambientes de
estágios. O que se justifica, porque nossa concepção é de o que Estágio é indispensável na
formação dos educadores, sem o qual, os licenciados teriam uma formação apenas conceitual do
trabalho de um educador, argumenta Freire, (2004, p. 57) “Não há prática pedagógica que não parta
do concreto cultural e histórico do grupo com quem se trabalha”.
Com base nas referências teóricas daqueles que defendem o estágio como elemento
destacado na formação do professor, reflito as experiências em estágio no Curso de Ciências da
Religião da UEPA, evidencio as conquistas, aponto os dilemas, e indico algumas possibilidades de
melhoria dessa prática, e carreira profissional. Por fim, apresento minhas considerações sobre o
papel destacado do estágio supervisionado em Ensino Religioso como um instrumento propiciador
de novos saberes e experiências que contribuem para a formação pessoal e profissional do
professor, e de convivência mais respeitosa com a diversidade.

CONTRIBUIÇÕES DO ESTÁGIO NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

A prática de ensino e o estágio curricular são elementos


aglutinadores na formação de professores. São considerados
modos de fazer docente, são construídos pelas ações e práticas
num processo engenhoso de ir e vir, que demanda reflexão,
construção e embate com a realidade social, educacional e
escolar, e entendimento de como nos tornamos professores.
BARREIRA e GIBRAN, (2005, p.87)

Defendo a importância dos Estágios Supervisionados nos cursos de licenciaturas, com


ênfase em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará, sabendo que ele pode
proporcionar a relação entre ensino, pesquisa, e extensão, como tripé basilar na formação do
professor. Busco investigar as suas contribuições para a formação dos professores ao possibilitar
aos alunos, experiências significativas nos diferentes contextos, e estabelecer relações entre os
conteúdos conceituais, os procedimentais, e os atitudinais manifestados no processo educativo
como propõem os PCNs, e defendem, Tardif e Lessard, (2004, p. 38): “O trabalho docente não
consiste apenas em cumprir ou executar, mas é também a atividade de pessoas que não podem
trabalhar sem dar um sentido ao que fazem, é uma interação com outras pessoas ”.
Assim, os Estágios não podem ser realizados apenas como cumprimento da lei, nem tão
pouco, pela simples presença do aluno ao local de Estágio, pelo contrário ele deve ser
significativo, intencional e sistematizado, como momento de integração umbilical entre os
conceitos acadêmicos e os procedimentos de ensino, articulados com as atitudes dos sujeitos: os
alunos estagiários, a comunidade escolar e não escolar do local de estágio, os professores
formadores, e os educadores das instituições e entidades concedentes do Estágio.
Tendo em vista esta realidade, questiono: Quais as contribuições do Estágio para a
formação do Professor do Ensino Religioso?, De que maneira é possível desenvolver o ensino, a
pesquisa e a extensão de forma integrada no Estágio Supervisionado?. Quais as aproximações e
distanciamentos entre as teorias estudadas e as práticas nas salas de aulas?. A partir de então,
apresento alguns pontos importantes no Estágio e na formação do professor, a partir das
evidências de seus desafios e infinitas possibilidades.
1- O Estágio pode proporcionar o conhecimento, e a valorização do Ser Humano
Aprender as artes de lidar com a totalidade das experiências
humanas que perpassam o tempo de escola, e de aprender a
fazer escolhas para dar conta dessa pluralidade de dimensões
humanas, que entram nos jogos educativos, são artes não
previstas no texto provisório das mudanças curriculares.
ARROYO, (2000, p. 232).

Então a educação deve atender as necessidades humanas, já que sua finalidade primeira é
realizar o processo de humanização dos sujeitos. Como os estágios se desenvolvem em espaços
educativos que por natureza são plurais, ele se dá por meio da relação entre pessoas, pois,
educadores e educandos são sujeitos, seres humanos em processo, os quais estabelecem relações
entre si, com o meio em que vivem e com elas se auto - constroem, por isso, o momento do estágio
é importante para estabelecer novas relações, afinal, afirma Freire, (2005, p. 63).
Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora, em
que a liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar
mantendo-os como quase “coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica
permanente.

É preciso refletir algumas posturas no estágio, ás vezes, são professores formadores que
tratam os alunos estagiários e até os educadores dos ambientes de estágios, de forma arrogante,
autoritária e desdenhosa, ignorando que o seu papel é de orientador e formador acadêmico dos
sujeitos. Pimenta e Anastasiou (2005, p.16) acreditam ”o trabalho docente está impregnado de
intencionalidade, pois, visa à formação humana por meio de conteúdos e habilidades, de
pensamento e ação, o que implica escolhas, valores, compromissos éticos”. O que está ligado a
formação pessoal e profissional dos educadores, e devem ser cultivadas no período do estágio,
quando este proporciona ao estagiário, oportunidade de refletir o papel do professor, como
profissional e pessoa, defendido por Nóvoa, (1995, p. 17)
a maneira como cada um de nós ensina, está diretamente dependente daquilo que
somos como pessoa quando exercemos o ensino. E as opções que cada um de
nós tem se fazer como professor, as quais cruzam, á nossa maneira de ser; com
a nossa maneira de ensinar e desvendam, na nossa maneira de ensinar a nossa
maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal.
O trabalho docente é definido por Freire, (2006), como uma “especificidade humana”,
assim, no estágio, em contato direto com diferentes ambientes e sujeitos, o aluno deve saber que
sua tarefa é humana e humanizadora, embora, nem sempre isso seja possível, pois, as relações nos
ambientes de trabalho nem sempre são favoráveis, as vezes são desgastantes, somados ao pouco
tempo do estagiário com os sujeitos nos campos de estágios, causando “estranhamento” entre
estagiários e os educadores desses ambientes, os quais têm dificuldades para aceitar a presença do
estagiário em seu ambiente de trabalho, como se este, fosse um “invasor em seu território”.
Todavia, propõe Freire, (1996, p. 65) “a prática docente especificamente humana, é
profundamente formadora, por isso, ética. Se não se pode esperar de seus agentes que sejam santos
ou anjos, pode-se e deve-se deles exigir seriedade e retidão”. O que exige dos estagiários e de seus
professores formadores, posturas mais responsáveis, éticas, humildes, e de abertura ao diálogo
com os diferentes sujeitos dos ambientes nos quais os estágios se realizam, somente assim ele
cumprirá a sua função humnaizadora.
2- É possível formar um Professor reflexivo e pesquisador por meio do estágio

O Estágio, ao se constituir em uma prática investigativa, também


se torna uma alternativa concreta de formação continuada dos
professores da escola, dos professores formadores e dos alunos
da instituição superior.
BARREIRA e GEBRAN, (2006, p. 58)

O estágio deve pautar-se pela reflexão e investigação da realidade, pois tem a tarefa de
realizar a integração das teorias com as práticas educativas dos ambientes educativos. Ao refletir
sobre as práticas, o educador desenvolve a observação e a percepção, que são fundamentais no
processo de formação do professor pesquisador. Reflexão no sentido de promover os saberes da
experiência relacionados com a teoria, como comenta Nóvoa, (2005, p. 65): “A pesquisa em
educação precisa atuar para fortalecer esse caráter do trabalho do professor, que anda
enfraquecido”. E o estágio pode contribuir nessa efetivação e evitar esse enfraquecimento.
Enfraquecimento, que não pode ser aceito como definitivo e nem ser ignorado. É preciso
reconhecer que ainda falta para devolver ao professor, o reconhecimento e a valorização de seu
fazer. É preciso refletir, investigar seus dilemas e possibilidades, e delinear novas posturas.
Pimenta e Lima, (2010, p. 236) defendem que: “a pesquisa no estágio como método de formação
dos estagiários, futuros professores, se traduz pela mobilização de investigações que permitam a
ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam”.
Investigar a realidade pressupõe uma prática orientada para a formação em pesquisa, a
qual exerce um papel extraordinário na articulação entre conhecimento acadêmico conceitual, e
prática profissional, a qual se efetiva pela ação reflexiva e intencional do professor. E para fletir e
investigar as práticas educativas, precisa-se delinear de um novo educador, que articule os
conhecimentos acadêmicos com as experiências dos sujeitos nos ambientes de estágios, para
refletir e ampliar seu olhar de investigador. Contudo, esse olhar, deve ser esperançoso e identificar
possibilidades para que as práticas sejam transformadas e transformadoras e tornem o trabalho
pedagógico mais significativo. Barreira e Gibran, ( 2005, p. 87), defendem a ideia de prática de
ensino e estágio, como:
A prática de ensino e o estágio curricular são elementos aglutinadores na
formação de professores. São considerados modos de fazer docente, são
construídos pelas ações e práticas num processo engenhoso de ir e vir, que
demanda reflexão, construção e embate com a realidade social, educacional e
escolar, e entendimento de como nos tornamos professores.

A concepção de Estágio como elemento formador, reafirma a minha convicção de que ele
é apropriado para que o futuro professor, ou gestor, reflita sobre as possibilidades e dificuldades
da profissão, bem como, das competências, habilidades e atribuições inerentes a docência, além de
propiciar-lhe condições de descobrir se tem identidade com a profissão.

3- A identidade profissional do educador pode ser construída no estágio


A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço
de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por
isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçado
a mescla que caracteriza a maneira como cada um se sente e
se diz na profissão.
NÓVOA, (1999, p. 16)

O Estágio é espaço das lutas e de conflitos, nele acontece o encontro de saberes, de


diferentes concepções, de afirmação ou de negação da identidade profissional que deveria estar
ligada a nossa identidade pessoal, Assim, o estágio é um momento apropriado para perceber, se
temos ou não identificação com as responsabilidades, habilidades, competências e atribuições
inerentes a profissão, pois, o estágio contribui para a construção da identidade do profissional da
educação, já que o contato direto com as experiências e com os diferentes sujeitos e saberes nos
espaços educativos, possibilitam ao estagiário refletir sobre sua formação, bem como os limites e
possibilidades dela, além de mobilizar suas emoções, incertezas e criatividades. Para Pimenta,
(2005, p. 19),
Processo que ajuda o aluno a descobrir, se está identificado com a profissão, do contrário, é
melhor que escolha uma nova, e evite insatisfação pessoal e profissional. Machado, (2011) diz,
Para fazer-se pessoa, construir-se identidade, o ser humano precisa lutar contra o que o
impede de ser ele mesmo, e não aceitar ser "coisificado", a ter vida sem “sentido”. O ser
humano precisa identificar-se consigo mesmo, e lutar para ser cada vez melhor, a renovar-
se sempre.
Situação que faz do estágio elemento definidor para o conhecimento e vivencias das
atribuições, possibilidades e implicações de sua profissão, e perceber se está ou não identificado
com elas, contrariando o que afirma Pimenta, (2005, p.64). “Há uma burocratização do estágio,
um cumprimento formal do requisito legal”. Situação que desprestigia a ação dos professores do
ensino superior, dos educadores dos campos de estágios, e dos alunos estagiários, que nessa
concepção executam uma tarefa mecânica, descontextualizada, sem reflexão e nem compromisso
com a formação dos sujeitos, contrariando a nossas expectativas, de que ele contribui para a
qualidade social da educação, realização profissional e pessoal dos sujeitos.

4- O Estágio possibilita a ampliação e produção de novos conhecimentos e saberes.


A escola é uma experiência humana bem mais plural do que a visão
futurista e cognitivista por vezes nos passa. Uma experiência bem
mais mutável do que o caráter provisório do texto curricular, dos
conteúdos das áreas e das disciplinas.
ARROYO,(2000, p. 232)

A ideia mostra o processo educativo e a formação do profissional da educação como


complexos, e se realizam por meio de estudo e reflexão, e necessita que o “educador-educando”
esteja atento ás mudanças que interferem diretamente na forma de viver, trabalhar, ensinar,
aprender e conviver, porque são dinâmicas e não lineares. Veiga, ( 2006, p. 18) argumenta:
Há necessidade de priorizar o delineamento de trilhas inovadoras para a teoria e a prática
de ensino, em vez de buscar os caminhos da padronização, no pensar, no sentir e no agir
em sala de aula. Vale salientar que o ato de ensinar é sempre uma criação, uma inovação.

Assim, o estágio deve ser oportunidade de rever nossas práticas como sujeitos capazes de
quebrar paradigmas, de recomeçar, de não compactuar com a crise de valores éticos, e com a
mesmice castradora de projetos significativos. Nessa concepção, Barreira e Gebran, (2005, p. 91)
defendem que: “O estágio deve contemplar a formação do professor capaz de atender às demandas
de uma realidade que se faz nova e diferente a cada dia”.
Portanto, no estágio como tempo de ampliação e produção de novos conhecimentos e
saberes, os professores orientadores devem incentivar os alunos a terem atitude investigativa sobre
as práticas nos estágios, e a de seus professores, buscar nelas, inspiração para vivenciar os
conteúdos conceituais adquiridos na academia, fazendo a relação entre os conteúdos
procedimentais, e atitudinais dos sujeitos no campo de estágio, como defende Pimenta, (2011, p.
44).
dada a natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao processo
de humanização dos alunos historicamente situados, espera-se da licenciatura que
desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes
possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a
partir das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca o
cotidiano.

Conhecimentos , valores e saberes fazeres que podem ser adquiridos, construídos e


refletidos no Estágio em Ciências da Religião se houver articulação entre teoria e prática, e os
conteúdos forem aplicados em procedimentos e atitudes éticas, respeito a diversidade religiosa, e
contextualizados com a realidade do campo de estágio. Portanto, o nosso desafio, é que o estágio
seja um elemento e proporcione ao futuro educador, formação ampla para atender as novas
tecnologias e torná-las aliadas de seu trabalho.

5- O Estágio amplia a capacidade de convivência respeitosa com a diversidade.

Podemos aprender a ler e a escrever, sozinhos, podemos


aprender geografia e a contar sozinhos, porém, não
aprendemos a ser humano sem a relação e o convívio
com outros humanos que tenham aprendido essa difícil
tarefa.
ARROYO, (2000, p. 540)

O ser humano precisa estabelecer relações com outros humanos, é a partir delas, que ele
desenvolve seu processo humanizador e garante a sua sobrevivência. Machado, (2007), defende a
ideia de que “a finalidade da educação é realizar o processo de humanização do homem, tirá-lo de
seu estado de natureza pura, biológica e levá-lo, a um estágio mais avançado e humanizado”.
O contraria o modelo de Ensino Religioso Catequético, baseado no tradicionalismo,
proselitismo e intolerância e na concepção de educação dogmática e bancária, que para Freire, “
embrutece, desumaniza e não permite ao homem ser sujeito de sua aprendizagem”, pois não
oportuniza a convivência respeitosa com o diferente e suas diferenças. Muitas instituições
educacionais se dizem abertas a convivência com a diversidade, e parecem politicamente corretas
ao aceitar oficialmente a matrícula de “diferentes”, no entanto, os ignoram como sujeitos de
direitos, como se observa em Skilliar, ( 2003;p.38).
Onde fica o outro irredutível, misterioso, inominável, nem incluído, nem
excluído, que não é regido pela nossa autorização, nem pelo nosso respeito, nem
por nossa tolerância, nem pelo nosso reconhecimento para ser aquilo que já é e/
ou aquilo que está sendo e/ ou aquilo que poderá ser?.

O Estágio em Ensino Religioso, deve se fundamentar na existência de diversos credos e


que a escola, em especial a pública que deve ser laica e estar aberta à livre manifestação dos
diferentes cultos e crenças, e promover o diálogo inter-religioso pelo qual, as pessoas compreendam
esse fenômeno presente nas múltiplas práticas sociais, desenvolver atitude de curiosidade
epistemológica e convivência respeitosa com a diversidade, e desenvolver práticas pedagógicas
significativas. O estágio pode ser um tempo importante de preparação e aprendizagem coletiva na
formação do futuro professor, pois ele representa por si só, a partir de sua estrutura, organização e
funcionamento a convivência com a diversidade:
 Na universidade em sala de aula, existem diferenças entre os colegas de turmas em diversas
maneiras: de concepções, valores e crenças, de desenvolvimento intelectual, pessoal e profissional,
pois alguns já têm experiências como “trabalhadores” da educação, para outros, sua primeira
experiência será o estágio. Existem as diferenças de níveis culturais, formação acadêmica, e
experiências profissionais dos professores formadores, em relação aos alunos, ao que questiona
Freire,(2000,p.67), “Como ser educador, sobretudo numa perspectiva progressista, sem aprender
com maior ou menor esforço, a conviver com os diferentes?”.
 Outra diferença é na diversidade no nível de formação dos professores nas escolas, caso
específico da disciplina Ensino Religioso, pois existem professores sem formação em Ciências da
Religião, existem casos, em que alguns têm apenas o curso médio, ou técnico em Magistério;
poucos são Especialistas, menos ainda, são Mestres, e mais raros são os Doutores, por causa da
desvalorização da carreira docente, em especial na educação básica, que na grande maioria não
oferece condições adequadas de trabalho, e nem de salários aos profissionais Pós-Graduados, os
quais, procuram as instituições de Ensino Superior.
Contrariando essa realidade, Pimenta e Lima,(2010, p. 138) argumentam: “as atividades
de estágio desenvolvidas pelas instituições de ensino superior podem representar uma modalidade
de formação contínua muito importante para a valorização do magistério”
Portanto, o Estagiário precisa estar em permanente escuta e abertura ao outro, em
especial, os alunos do curso de Ciências da Religião que têm obrigação de saber conviver com a
diversidade religiosa, já que esses em tese, devem estar abertos aos diferentes e as diferenças
presentes nas salas de aulas, e refutar o proselitismo, a segregação e a exclusão do outro e de sua
religião. Concepção defendida por Veiga, (2006, p.20) que diz: “O espaço de ensino é revelador de
intencionalidades, permeado de valores e contradições, afinal, ensinar implica estabelecer relações
concretas entre as pessoas”. E completa, Freire,(2006) “a educação é uma atividade especificamente
humana”.
Nossa concepção é de que, o professor formado pelo Curso de Ciências da Religião, deve
ter conhecimentos epistemológicos e disciplinares do que deve ensinar na disciplina Ensino
Religioso e das finalidades dessa disciplina na formação dos alunos, e conhecimento dos saberes
curriculares, pedagógicos e humanos para saber lidar com a multiplicidade presente na sala de aula
que é um contexto reais da diversidade, no qual os sujeitos precisam se expressar, dizer sua palavra,
exercer a sua cidadania e manifestar a sua religiosidade.
Entendemos que esta deve ser uma das principais tarefas de todo professor, em especial, dos
professores da disciplina de Ensino Religioso.

6. Distanciamento entre as teorias democráticas estudadas e as práticas de proselitismo


presentes em salas de aulas

O estágio evidencia uma realidade que precisa ser modificada na docência da disciplina
Ensino Religioso escolar, pois, da maneira como vêm sendo trabalhada, não está cumprindo o seu
papel social, político e pedagógico na formação das pessoas, na convivência respeitosa com a
diversidade e na promoção do diálogo inter-religioso com os diferentes credos. Ao contrário, existe
uma dicotomia entre as recomendações teóricas e a legislação sobre as suas finalidades e com a
postura de proselitismo e dogmatismo dos que a ministram, o que gera confusão nas interpretações
dos alunos e até práticas de discriminação religiosa.
Todavia, temos que comemorar significativas conquistas nesse campo, pois alguns
professores já começam a quebrar esta lógica perversa, e trabalham a disciplina como deve ser: um
canal de reflexão sobre a pluralidade e liberdade religiosa, bem como instrumento formador de um
ser humano mais ético, crítico, defensor, cumpridor e beneficiário da garantia dos direitos humanos
e do exercício da cidadania de homens e mulheres mais humanizados.
REFLEXÕES SOBRE OS ESTÁGIOS DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO NA UEPA

A pedagogia como prática de liberdade, ao contrário daquela


que é prática da dominação, implica a negação do homem
abstraído, isolado, solto, desligado do mundo, assim como
também a negação do mundo como uma realidade ausente dos
homens.
FREIRE, (2005, p. 21)

A criação do curso de Ciências da Religião na Universidade do Estado do Pará, tem origem


no ano de 1999, todavia, as primeiras turmas iniciaram em 2000, e desde então, tem formado
dezenas de professores para o Ensino Religioso no Estado do Pará, contribuindo para elevar o nível
de escolaridade, conhecimento e consciência sobre a importância da liberdade de expressão sobre a
religiosidade, no entanto, faz-se necessário repensar suas práticas, entre elas, as desenvolvidas no
campo de Estágio Supervisionado.
O projeto pedagógico do curso assegura que durante o estágio o licenciando deverá
proceder ao estudo e interpretação da realidade educacional do seu campo de estágio; desenvolver
atividades relativas à docência; elaborar e aplicar projetos pedagógicos; contribuir para um maior
aprofundamento teórico-prático do aluno, e propiciar situações e experiências práticas que
aprimorem sua formação e atuação profissional.
Os estágios em Ciências da Religião são desenvolvidos no terceiro e quarto anos letivos,
em duas disciplinas: Prática de Ensino I, na qual os alunos atendem a Educação Infantil, e as
quatro primeiros anos do Ensino Fundamental, e Prática de Ensino II, com estágio nos quatro
últimos anos, ou terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, e na Educação de Jovens e
Adultos. Sua forma de organização curricular assegurado em seu PPP fragmenta a relação teoria e
prática com estágios apenas nos últimos anos.
Pela legislação brasileira o Estágio Supervisionado deverá proporcionar ao estudante de
Licenciatura, condições de formação que lhe capacite a exercer as suas atividades profissionais com
competência técnica, profissional e pessoal, que devem ser inerentes a todo educador, sejam em
suas atividades profissionais e de trabalho, como em sua vida pessoal.
A discussão do estágio com preparação para a pesquisa, ainda permeia os grandes debates
a respeito das competências, habilidades e saberes necessários a um professor no desempenho de
suas diferentes atividades na docência como base de sua formação. Porém, apresentam muitas
contradições nesse processo, e exige a substituição da pedagogia, por uma pedagogia da pergunta,
da descoberta, e do crescimento defendidas na epistemologia do modelo de Ensino Religioso atual,
com bases nas Ciências da Religião.
Os estágios que têm como finalidade, realizar a integração curricular, e desenvolver nos
alunos as competências necessárias a profissão de professor, muitas vezes são apenas o
cumprimento de uma obrigação curricular formal, que, apesar de sua importância, pouco contribui
para a formação desse professor, já que eles acontecem em tempo reduzido, uma vez por semana, e
a maneira como esta carga horária é distribuída, não permite aos estagiários, maior conhecimento a
respeito da realidade dos ambientes de estágios, pois, é necessário um período de adaptação e
aproximação entre os sujeitos, para que haja confiança entre eles, do contrário, será difícil criar
relações e desenvolver projetos coletivos nesses ambientes.
Contrariando essa realidade, Pimenta e Lima, (2011, p.107), defendem a ideia de que: “No
trânsito entre instituições de diferentes níveis de ensino, com características, objetivos, estruturas e
funcionamento diverso, é preciso que se compreendam suas culturas específicas e o que as
aproxima, a fim de não incorrer em mútuas acusações”.
Outro problema dos estágios, é a interpretação equivocada que se faz da Lei Federal nº
11.788 de 25 de Setembro de 2008, que normatiza o Estágio Supervisionado no Brasil, essas
interpretações têm servido de desculpas para a burocratização de muitas instituições que protelam
para assinar os convênios, e receber os estagiários, principalmente no que diz respeito a
obrigatoriedade do cumprimento dos direitos assegurados pela lei aos estagiários, dificultando
assim, campo para estágio.
No processo de análise das práticas nos estágios do curso, destaca-se a dificuldade de
campo para os alunos na disciplina Prática de Ensino I que trabalha com Educação Infantil e de 1ª
ao 4ª anos do Ensino Fundamental, pois, são raras as escolas que têm a disciplina Ensino Religioso
nessa fase de ensino e quando oferecem, normalmente são as confessionais, e em alguns casos,
fazem proselitismo, ou então, algumas poucas que oferecem são os próprios professores de
educação geral que ministram a disciplina, sem terem a devida qualificação para tal, dificultando
para os alunos o conteúdo e o alcance dos objetivos do estágio, bem como os universitários
conseguirem campo de estágio, confirmando a afirmação de Pimenta e Lima (2011, p. 101) “os
estágios de maneira geral, acabam por se configurar em atividades distantes da realidade concreta
das escolas, resumindo-se muitas vezes, a miniaulas, realizadas na própria universidade, ou
palestras proferidas por profissionais convidados”.
Todavia, isso não pode permanecer, como defende, Freire (2004, p.141),
Uma das coisas que devemos fazer é não esperar que a sociedade se transforme. Se
esperarmos, ela não se transforma; temos de fazer, e é nos metendo dentro do
processo, na própria intimidade do processo em movimento, que descobrimos os
caminhos e vamos desmontando coisas que se opõem à mudança .

Mudança, que se torna imprescindível, se ainda desejarmos res-significar os Estágios no


curso de Ciências da Religião da UEPA, dando a eles os seus créditos necessários e basilares na
formação do profissional da educação. Contudo, há que se louvar as brilhantes iniciativas dos
docentes e coordenadores deste curso, que não desistem de tornar os estágios cada dia melhores,
res-significar seu real papel e realizar seus objetivos no processo de formação de um professor que
seja consciente de suas responsabilidades como trabalhador escolar e social, competente técnica,
profissional, ética e humanamente, e capaz de estar a frente de seu tempo, de romper barreiras,
quebrar velhos paradigmas, e iniciar uma nova era para os profissionais da educação, formados pela
UEPA, essa deve ser a luta dos professores de Estágio, como dizem, Pimenta e Lima (2011, p.
140).
a luta por um estágio melhor vincula-se à luta pela melhoria dos cursos de formação de
professores, pela valorização do magistério e por uma escola de ensino fundamental e
médio, mais democrática. A luta por uma sociedade mais humana e mais justa e inclusiva
é o desafio da ética e compromisso do educador dos cursos de formação.

Nessa direção, muitas iniciativas positivas têm sido realizadas pelos professores de
estágio, os quais, vêm tentado melhorar esta disciplina, e propõem a realização de projetos pelos
alunos nas escolas em que estagiam, na busca de qualificar o ensino e as relações estabelecidas
entre a comunidade escolar desses ambientes. Existem também, os projetos desenvolvidos pelos
alunos e professores, os quais são convidados para ministrar cursos, palestras e oficinas nessas
escolas e instituições, como contribuição a formação de seus educandos e educadores, bem como,
em retribuição a acolhida.
Em 2011, fizemos a “Socialização em sala de aula, das experiências vividas pelos alunos
nos campos de estágios”. Em 2012 esta atividade foi mais expressiva, e ganhou respaldo entre os
colegas de turma, porque foi um momento rico de aprendizagem coletiva, porém, carece de maior
organização, mas vêm se qualificando cada vez mais, especialmente como aconteceu no final deste
semestre na turma da tarde, a qual demonstrou competência pedagógica, técnica, teórica, política, e
conceitual, o que nos leva a propor para o ano de 2014 a “I Mostra de Experiências em Estágio
dos alunos do curso de Ciências da Religião”, considerando a sua validade, importância, e
contribuições para a formação dos alunos e da melhoria do processo ensino-aprendizagem na
disciplina de Ensino Religioso nas escolas.

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

Na tessitura deste estudo bibliográfico que versa sobre o estágio como elemento basilar na
formação do professor, em especial no curso de Ciências da Religião, na Universidade do Estado do
Pará, no qual realizei um estudo de caso por meio da análise das experiências desenvolvidas nas
disciplinas de Prática de Ensino I e II, comparando-as com as referências teóricos que amparam o
estudo e sustentam as minhas convicções da importância do estágio como elemento destacado na
formação do educador, além de apontar dificuldades, lacunas, e também as conquistas ainda
existentes nos estágios desenvolvidos no curso de Licenciatura em Ciências da Religião.
Nessa perspectiva, é possível afirmar que o trabalho conseguiu evidenciar o quanto os
estágios são importantes no processo de formação do educador, a partir de alguns aspectos
levantados pela pesquisa neste texto, tais como:
1- O Estágio pode ampliar o conhecimento a respeito do ser humano: Os alunos relatam que
por meio do estágio, passam a compreender melhor o ser humano, a partir do convívio nos
ambientes de estágios, considerando que eles se desenvolvem na relação entre as pessoas, e
dentro de um espaço de vivências reais dos sujeitos que se comunicam, se revelam, e nos
desvelam, se assim permitirmos, e criarmos oportunidades para tanto. Portanto, os campos de
estágio têm oportunizado aos alunos e professores de Ciências da Religião na UEPA, condições
reais de ampliar o conhecimento a respeito do ser humano, e de melhor compreendê-lo, além de
nos motivar a rever conceitos, mudar posturas e crescer profissional e humanamente.

2- Para oportunizar reflexão e desenvolvimento de pesquisas: Com o estágio os alunos


desenvolvem a capacidade de aprender a observar, a ter percepção do que veem, ou seja, passam
a desenvolvem um olhar atento de pesquisador, para isso, o estagiário precisa aprender a refletir
sobre a prática que vê, e especialmente, sobre sua própria prática, e a partir dessa reflexão,
desenvolver pesquisas que melhorem essas práticas, e construam inclusive, as suas monografias
de conclusão de curso, como já vem acontecido.
3- Para a formação da identidade profissional: A identidade de um profissional da educação se
dá por meio de um processo de construção gradativa, pois ela se constrói ao longo de sua
existência, motivada pelas experiências vividas com os sujeitos reais, sejam os da universidade,
ou os do campo de estágio, e se modifica ao longo da carreira, a partir das contingências e das
conquistas da vida. Em maioria absoluta, os alunos, admitem que passaram a se identificar
melhor com a profissão, a partir das experiências concretas vividas nos campos de estágios, e
alguns até se descobriram encantados com o magistério, enquanto outros, descobriram não ter
identidade com a profissão e já pensam buscar outra forma de realização profissional e pessoal,
porque assim, poderão fazer melhor o que fazem e serem felizes, porque nascemos para a
felicidade.

4- Para ampliar as possibilidades de aquisição e construção de conhecimentos


Essa é uma realidade concreta para o estagiário do curso de Ciências da Religião da UEPA que
se preocupa com a sua formação, pois, com as experiências adquiridas no campo de estágio, ele
pode confrontá-las com as teorias estudadas nas aulas da universidade, com as pesquisas que lê,
e com as suas participações em atividades acadêmicas e, a partir delas, criar novas possibilidades
pedagógicas de melhoria do processo ensino-aprendizagem no Ensino Religioso, por meio da
elaboração de projetos pedagógicos e de intervenção social, que exigem conhecimentos
conceituais e procedimentais, tornando o estágio uma rica oportunidade de crescimento
profissional e pessoal, como os alunos dizem acontecer.

5- Para aprender a conviver e respeitar a diversidade: O Estágio é um momento significativo


para os estudantes das licenciaturas, porque é o tempo que eles se colocam frente a frente com a
complexidade vivenciada nos espaços escolares e não escolares em que atuam, em especial nas
escolas, que são por excelência o lugar da diferença e dos diferentes que precisam respeitar e ser
respeitados em suas identidades. Esse contato tem ajudado os alunos a perceberem práticas
preconceituosas e de proselitismo, que excluem e silenciam os diferentes credos religiosos nas
escolas, principalmente onde a gestão não é democrática. Por outro lado, também identificam
práticas pedagógicas humanizadoras e inclusivas que demonstram convivência respeitosa com a
diversidade.
A pesquisa também aponta alguns aspectos em que os Estágios de Ensino Religioso em
Ciências da Religião precisam melhorar, bem como, os pequenos, mais significativos avanços que
já existem nos estágios e precisam ser ampliados:

1- É preciso fazer revisão no PPP do curso de Ciências da Religião na UEPA: Porque a carga
horária, e a organização curricular das disciplinas de estágios no curso, precisam ser
redimensionadas em especial o de Prática I, para melhorar o seu desenvolvimento, e melhor
atender as necessidades formativas do curso, pois, da maneira como vem acontecendo não
permite ao estagiário cumpri-lo verdadeiramente, considerando a carência de campo de estágio.

2- Ampliar os convênios para Estágio: apesar de já existirem alguns espaços que recebem os
alunos, ainda se tem sérios problemas para conseguir espaços; normalmente, se consegue mais
pelas articulações e prestígio pessoais dos professores, do que pela força dos convênios feitos
pela universidade e pela coordenação dos estágios, situação que precisa se tornar profissional e
institucional, até porque, são poucas as escolas que recebem os alunos, como reclamam os
mesmos e criticam os professores de estágio, entre os quais eu me incluo.

3- Poucos professores para acompanhar a turma no campo de estágio: Essa situação fere aos
princípios, finalidades e responsabilidades do estágio como elemento formador sob a supervisão
e orientação de um professor formador da instituição, pois, é humanamente impossível que
esses professores deem conta de acompanhar todos os alunos ao campo de estágio, dificulta até
mesmo o contato para estabelecer o convênio com as escolas, considerando o número de aluno
que é muito superior ás condições de acompanhamento dos professores, já que os estágios
acontecem em um único dia da semana e no mesmo horário para todos os alunos da turma;
dessa maneira, os mesmos ficam quase sempre desassistidos por parte dos professores, não por
irresponsabilidade desses, mas por imposição da estrutura curricular e da política adotada pelo
Curso e pela instituição formadora que não permite aos professores acompanharem como
deveria ser os estagiários ao seu campo de estágio. Portanto, sugerimos que urgentemente esta
questão seja revista e modificada na UEPA.

4- A Socialização das Experiências desenvolvidos nos estágios é positiva. Porque valoriza a


atuação dos educandos e educadores, divulga as ações desenvolvidas nos espaços de estágios,
possibilita a troca de experiências entre os colegas de turmas e dos professores entre si, bem
como, ampliar as possibilidades de pesquisas e do currículo dos alunos, além de levar a reflexão
dessas práticas, e apontar possibilidades de melhorias como sugerem os alunos participantes,
além de responsabilizar os alunos a de fato fazerem o estágio.

5- A realização de Concurso e Efetivação de Professores para os Estágios: É uma conquista


importante para a melhoria dos estágios, porque qualifica o trabalho e o trabalhador da
educação, além de desenvolver uma carreira docente, bem como, criar uma equipe com
identidade com o estágio, e que pode dar continuidade aos avanços já existentes no campo de
estágio, além de ampliar as possibilidades de fortalecimento das ações neles desenvolvidas. É
notório que a efetivação de uma equipe de professores de estágio, trará contribuições efetivas
para a melhoria das práticas nos estágios.

6- A disciplina de Ensino Religioso nas escolas ainda tem problemas: Consequência de vários
fatores, sendo o principal deles a questão da formação docente, já que a maioria esmagadora dos
professores não possui formação para ministrar esta disciplina, e desconhecem as suas
finalidades e princípios epistemológicos, axiológicos, e pedagógicos da mesma, o que gera um
outro problema que é a questão do proselitismo fortemente presente nas práticas dos docentes
em salas de aulas, dificultando assim, a convivência, o respeito, e o diálogo inter-religioso com
as diferentes manifestações da religiosidade presente nesses contextos.

7- A desvalorização da disciplina por parte de algumas equipes gestoras e pedagógicas:

Algumas escolas desconsideram a disciplina como componente obrigatório e formador


do currículo nacional do ensino fundamental, e não lhe dão o devido valor, em algumas vezes,
nem a colocam nos horários regulares das aulas nas escolas, e os professores que são mais
comprometidos política e pedagogicamente com a disciplina, precisam negociar com outros
professores um espaço nos horários deles para poderem ministrar suas aulas. A interpretação da
lei sobre a não obrigatoriedade do Ensino Religioso para o aluno, também gera desconforto aos
professores que precisam redobrar a atenção para tornar suas aulas agradáveis aos alunos para
que eles assistam, já que ela não reprova.
8- O Estágio começa a ser reconhecido como o elemento formador: É preciso reconhecer os
avanços já mencionados nesta pesquisa nas disciplinas de estágios, todavia, é importante
compreender o estágio como uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional para o
professor, ao qual ele poderá proporcionar elementos aglutinadores da relação teoria e prática,
além de colocá-lo em situações concretas de experiências com a futura profissão que escolheu.
É nessa perspectiva que defendo o estágio, é assim que trabalho o estágio, e é assim que
acredito que os Estágios Supervisionados no curso de Ciências da Religião na UEPA, sejam
desenvolvidos, pois, sou uma educadora sonhadora, que, assim como Freire, ( 2000, p. 33)
acredito.

Não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo,
se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto do mundo, devo
usar toda possibilidade que tenho para não apenas falar de minha utopia, mas
para participar de práticas com ela coerentes.

A presente afirmação indica que se temos sonhos e utopias a realizar, temos também um
compromisso profissional com a mudança, todavia, essa mudança só se efetivará, se nós a
construirmos e, construí-la não é tarefa fácil, exige investimento pessoal, vontade política e
condições apropriadas para fazê-lo, o que ainda estamos buscando construir na realização das duas
disciplinas de estágios, com as quais trabalhamos no curso e nas demais licenciaturas, assim como
defendem, Pimenta e Lima, (2011, p. 127).
Desça forma, o estágio passa a ser um exemplo vivo da prática docente e o
professor-aluno terá muito a dizer, a ensinar, a expressar sua realidade e a de seus
colegas de profissão, de seus alunos, que nesse mesmo tempo histórico vivenciam
os mesmos desafios e as mesmas crises na escola e na sociedade.

Em consonância com as autoras, minha reflexão sobre a importância desta pesquisa é que
ela seja provocadora de intervenção positiva nas práticas vividas nos estágio e na formação dos
professores de Ciências da Religião na UEPA. Tenho consciência de que ainda tenho muito para
rever neste trabalho, mas que ele já é instrumento para iniciar a reflexão e as mudanças necessárias
nos estágios, os quais agora também se iniciam nas turmas do Programa Nacional de Formação de
Professores – PARFOR, e esperamos que possam trazer ricas contribuições para a formação dos
alunos-professores. Como aprendiz no campo da educação, faço deste trabalho uma oportunidade
de reflexão e melhorias, tarefa a qual me dedico, por compreender a educação como oportunidade
de formar consciência, e contribuir para que as pessoas sejam de fato cidadãs, o que é possível, por
meio da formação do educador, e acredito que o estágio é um elemento definidor dessa formação.

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DE OLHOS FECHADOS: corpo, símbolo e rito no candomblé.

Sttefane da Costa Trindade


Mestranda Ciências da Religião/ UEPA - sttefane@yahoo.com.br

Maria Roseli Sousa Santos


Orientadora, Doutora em Educação /UEPA - mroselisousa@gmail.com

RESUMO
Este artigo realiza o diálogo entre as categorias teóricas: corpo, ancestralidade e candomblé diante dos estudos
realizados para o desenvolvimento da dissertação de mestrado em Ciências da Religião, UEPA. O universo da
investigação situa-se no espaço da Nação Jeje Savalu como uma nação recente no cenário amazônico que nasce
em Belém através dos contatos com sacerdotes de Salvador, como de praxe no percurso de Candomblé na
Amazônia. O tratamento teórico está alinhado à etnografia que constituirá a linha teórico-metodológica da
pesquisa, com foco para a história oral. Destaca-se o elemento ancestralidade delineada pelo ethos religioso
reservados a espiritualidade dos indivíduos que se agrupam na Nação Jeje em seus culto às divindades e na
expressão do corpo/ritual. A priori, compreende-se que a sacralização ocorre simbolicamente no próprio corpo
do sacerdote, a partir dos ritos que ele realiza. O estudo das categorias teóricas mencionadas, auxiliam na
elucidação do sentido de sacralidade do corpo para o rodante Jeje a partir de suas memórias orais, assim como,
permite a análise das formas que o rodante sente o sagrado, seus ritos e símbolos. Portanto, a necessidade de
estabelecer um olhar sensível para o contexto da região amazônica, visto que naturalmente vivemos em um
espaço privilegiado pelo universo mítico e pela pluralidade de religiões que se ligam a ele numa dimensão
identitária.
Chave: Ancestralidade, Candomblé, Corpo e Amazônia.

ABSTRACT
This article presents the dialogue between theoretical categories: body, ancestry and Candomblé on the studies
on the development of the dissertation in Religious Sciences, UEPA. The universe of the research lies in the
Nation Jeje Savalu space as a recent nation in the Amazon scenario that is born in Bethlehem through contacts
with priests of Salvador, as usual in the course of Candomblé in the Amazon. The theoretical treatment is aligned
to ethnography that constitute the theoretical and methodological approach of the research, with focus on oral
history. Noteworthy is the ancestral element Reserved religious ethos outlined by the spirituality of individuals
that gather in the Nation Jeje in their worship of deities and body expression / ritual. A priori, it is understood
that the sacralization occurs symbolically in the priest's own body, from the rites he performs. The theoretical
study of the mentioned categories help to elucidate the sense of the sacredness of the body to the undercarriage
Jeje from their oral memories, as well as allow the analysis of the ways that the undercarriage feel the sacred
rites and symbols. Therefore, the need to establish a sensitive look at the context of the Amazon, since naturally
live in a privileged space for the mythical universe and the plurality of religions that bind an identity dimension
to it.

Key: Ancestry, Candomblé, Body and Amazon.

Introdução

De olhos fechados: corpo, símbolo e rito no candomblé pretende aprofundar os


estudos sobre o candomblé na região amazônica, especificamente em Belém, a partir do olhar
do indivíduo que vive a religião, revelando suas próprias interpretações sobre o estado do
sagrado em seu corpo. Sendo possível identificar símbolos e ritos que mantêm a presença do
sagrado, transmitidos na tradição.
No decorrer dos anos que tenho de iniciada no candomblé Jeje Savalu presenciei a intenção de
vários estudantes-pesquisadores procurarem a casa a qual nasci, trato o nascimento como rito
de iniciação ao candomblé, ocuparam-se com os aspectos mais variados, e eu percebi, com
um prisma beneficiado pela relação de pertença, o que amplia a capacidade de análise, que
entender o sagrado como elemento central do candomblé poderia contribuir para apurar o
olhar da sociedade em geral sobre o valor do sagrado no candomblé.
O candomblé é uma religião de diáspora africana, possui sua estrutura organizacional
baseadas nas relações de parentesco, e a dimensão divina se estabelece com elementos da
natureza e com ancestrais divinizados, que se manifestam a partir dos rituais de iniciação na
pessoa consagrada para o ancestral mítico. Este ancestral ganha que o sentido, paternal ou
maternal. Após a iniciação a divindade vem em seu “filho” ou “filha” em rituais internos e
também em rituais públicos. A sua chegada é expressa através de movimentos de tremulação
dos ombros e de sons específicos. Talvez, a forma de sua chegada choque uma sociedade que
frequenta vários espaços de fé, mas que possui uma relação com o imaginário muito forte,
atribua a essa chegada títulos a seus iniciados perpetuados por outros credos.
A experiência que tenho ao longo desses anos tem mostrado que a maior parte da sociedade
nos reduz à única condição de feiticeiros, macumbeiros e muitos outros termos
discriminatórios. Por motivos de diversas ordens. A pesquisa almeja identificar o sagrado que
se manifesta de um modo, diferente em relação às religiões de grande porte, manifesta-se no
corpo de quem a ele é confiado, no chamado rodante.
Para isso, destaco como de veras importante a compreensão da chegada do candomblé em
Belém, como ocorre seus ritos, a partir da perspectiva dos mais velhos, dos sacerdotes, que
possuem uma compreensão já amadurecida, por ventura do tempo, com a sua divindade,
como seu sagrado. Além de situar o leitor sob os aspectos dos simbolismos e cosmovisão
africanos. Tudo no intuito de revelar esse mundo para que seja visto como o é, dando
possibilidades à sociedade de escolher ter ou não preconceito.
O corpo do rodante é o centro, tudo no candomblé ocorre por conta dele. Para seu nascimento,
para o seu sacerdócio. Ele é a chave de ligação entre os mundos, sem ele seria impossível
retornar, sem ele seria impossível festejar os deuses, e principalmente com os deuses. Por isso
interpretá-lo é a possibilidade de aprofundar a experiência do sagrado. Aqui me desafio a
entendê-lo a partir de seus sacerdotes/rodantes.
Então, emergem vários questionamentos que podiam ser respondidos. Ora, diante da tamanha
importância desse rodante no candomblé, como ele, rodante, se percebe quando com o
sagrado? Qual a importância desse sagrado na sua trajetória de vida? Como ele chegou até o
candomblé e por quê?
Tais perguntas conduzem a investigação da trajetória de vida dessas pessoas, bem como a sua
possível relação com esse sagrado no alinhamento da ancestralidade, essa por sua vez ligada a
linhagem familiar física e mítica. Mas, sobretudo como ele interpreta esse sagrado
manifestando-se em seu corpo. Assim o objetivo dessa pesquisa é investigar o sentido do
sagrado no corpo do rodante.
Caminhos a Percorrer
O grupo a ser investigado será os rodantes (sacerdotes que se ligam ao sagrado através do seu
corpo). Serão em torno de dez sujeitos, dispostos em duas categorias: a primeira categoria
analisará os sacerdotes com mais de vinte anos na religião candomblé; e a segunda categoria
analisaremos os neófitos até três anos no sacerdócio.
O locus do estudo consitui-se em dois templos do candomblé: o primeiro é o Funderê1 ni Oyá
Jokolosy, situado no bairro do Guamá, e o segundo é o de Obá Kinizô situado em Icoaraci,
ambos na grande Belém, escolhidos porque praticam o mesmos rituais, mas possuem
sacerdotes com diferentes idades na religiosidade, a casa de Oyá Jokolosy é a onde há os
sacerdotes mais antigos, com mais de vinte anos; já a casa de Obá Kinizo tem os que estão a
menos de seis anos.
Os dados serão analisados e interpretados através de cruzamento de dados após mapeamento
dos sentidos e significados presente nas narrativas que sacerdotes expressam sobre seus
processos e instâncias rituais em relação a seu corpo consagrado e sagrado, comparando as
narrativas dos lócus de pesquisa.
Para esse estudo a hermenêutica é a abordagem teórico-metodológica que permitirá
aprofundar o meu objeto de estudos, onde lanço um olhar autocompreensivo, pois pesquiso
um conjunto de símbolos e um fenômeno de fé que vivencio, pois sou sacerdotisa do
candomblé. Cito Conceição (2011, pg. 893) que ressalta a importância da visão de quem está
dentro da experiência religiosa. “Essa autocompreensão, esse ‘como me vejo’, cria um
autorretrato da situação de indivíduos e grupos por abrigar elementos fundantes e

1
Funderê: refere-se a casa na nação jeje savalu.
constitutivos de suas expressões e experiência religiosa”. Posso dizer que ela é a metodologia
desta pesquisa, que conta com o auxílio da etnografia.
O Campo de Pesquisa no Brasil
Para conhecer o campo ao qual pretendo me debruçar e para conhecer a produção acadêmica
que promove a interface corpo, sagrado e religião, realizei um levantamento de pesquisas no
Brasil que versam sobre o tema de meu estudo. Como parâmetro temporal, minha orientadora
e eu definimos os três últimos anos, de 2011 a 2013. Surpreendentemente, não encontrei
pesquisas que discorressem sobre o mesmo tema.
No entanto, algumas apontavam algumas categorias como corpo, ou similares, corporeidade.
Percebi, ainda que a área das Ciências da Religião no Brasil ainda possui uma demanda
imensa de pesquisas sobre cristianismo, marcando a forte influência da Teologia.
Esse fato me impulsionou mais ainda a me atirar sobre a minha pesquisa, que não vai procurar
entender algo novo, mas algo pertinente tanto para o candomblé quanto para a própria Ciência
da Religião.
Campo afrorreligioso na Amazônia
A ciência avança há séculos em oposição à existência do sagrado. Luta para vencer as
imprevisíveis ações da natureza. Teme sua fragilidade diante dela. A Amazônia é um lugar no
mundo que se mantém viva, com diversidade de espécies, possui uma diversificada influência
cultural cruzadas com a cultura indígena, impregnada de forte religiosidade. Este espaço,
geográfico e cultural, não se permitiu afastar-se completamente da fauna, da flora e da fé.
Desde o século XVII, segundo Vicente Salles (1969), há registro da chegada de médicos, que
tratavam os pacientes com remédios aprendidos com indígenas. Mais tarde com a presença do
negro, descoberta nos documentos históricos, percebemos a utilização de processos similares
de tratamento de negros e índios.
Com o passar do tempo, o que pertencia à sabedoria religiosa do interior fez romaria para os
centros urbanos, banhando moradores de sagrados remédios, penas, maracás, tambores,
tecidos, ervas, que continuam a resolver problemas de saúde. O que explicaria tamanha
afeição aos segredos religiosos? Talvez o fato de estar à margem do rio, dentro da floresta,
mesmo com grandes diferenças de forma de viver dos que moram protegidos pelas copas das
árvores, ainda sente-se o mana deste lugar.
Não havia registro de africanos e descendentes na região Amazônica, sua religiosidade,
cultura, e tecnologia estavam imersas no cotidiano, mas invisíveis em documentos. Somente
com a caravana de cultura popular de Mário de Andrade que a cultura negra foi promovida a
existência no norte do país.
Nos documentos analisados por Arthur Ramos, sucessor de Nina Rodrigues em pesquisa
africanista, mostra tentativa de documentação de negros nos estados do país e aponta que no
Maranhão no século XIX a população de negros era de 66,6% superando a população de
brancos. Com a proximidade do Maranhão com o Pará, apresenta-se uma possibilidade de
introdução de negros pelas fronteiras do estado vizinho. Embora, haja ainda possibilidades de
entrada pelo arquipélago do Marajó, com negros trazidos da região que atualmente é Bissau,
Munanga (2009).
A aproximação com o Maranhão se deu no campo religioso com a chegada de maranhenses a
Belém que trouxeram o Tambor de Mina, religião que cultua voduns de origem Nigeriana, e
ainda aos caboclos e santos católicos. A Mina, como é costumeiramente chamada,
consolidou-se em Belém e dela saiu a primeira pessoa iniciada no candomblé. Astianax, mas
conhecido como Prego ou Pai Prego, foi iniciado na nação Angola em Salvador, mas não deu
continuidade a religião, prosseguindo somente no Tambor de Mina (Campelo, 2000).
O campo da religião candomblé em Belém é formado com as sucessivas idas de praticantes
dos cultos como pena e maracá á Salvador e a vinda de sacerdotes de Salvador para Belém
que adentraram num universo auspicioso à prática do candomblé pela similaridade da forma
de contado com o sagrado, como o transe2.
O aprendizado no candomblé ocorre através da vivência das práticas litúrgicas da religião,
transmitidos pelos mais velhos, pois eles são os guardiões do saber da religião que não se
aparta do saber da roda da vida. A condução do terreiro, o repasse da tradição passa pelo
ensinamento do corpo das formas de comportamento e vai até os ritos mais secretos.
Como os iniciados em Belém tiveram pouco contato direto com a linhagem familiar religiosa,
causando sensações de desapego às ordens religiosas, que se apresentam com certa ortodoxia.
A dificuldade de acesso às tradições abriu um campo amplo para o surgimento de novas
tradições, ou seja, os sacerdotes formaram sua própria maneira de realizar os rituais. Desse

2
Abro um adendo para me posicionar diante da categoria transe. Neste artigo não utilizarei o termo, pois opto
em tratar como a chegada do sagrado.
modo, pode-se dizer que o candomblé de Belém, cidade muito influente dentro da Amazônia,
possui uma estrutura ritual que se diferencia de Salvador, pois não possui fidedignidade às
tradições de linhagem familiar religiosa como pede as convenções no candomblé.
Com base em outros estudos realizados sobre o candomblé em Belém é possível afirmar que
as casas-referência, que são aquelas casas fundadas pelos primeiros iniciados na religião, não
possui um vínculo com a casa a qual foram iniciados em Salvador, a não ser a memória da
iniciação e das demais obrigações3 dos sacerdotes.
A nação Jeje Savalu aparece em Belém através dos contatos com sacerdotes de Salvador,
como de praxe no percurso de Candomblé na Amazônia. Essa nação apresenta uma questão
relevante, pois os Jeje foram os povos que chegaram primeiro na diáspora africana, tendo seus
saberes agregados às tradições de origem Iorubana, e foi tida como morta.
No Brasil fixaram-se várias etnias africanas como os jeje, fon, bantos e iorubanos que
estruturaram cada um a seu modo, processos ritualísticos que modelam as diferenças, ou seja,
essas etnias possuíam ritualísticas diferentes dentro da religião candomblé. No entanto, com a
última remessa de escravos que chegaram ao Brasil no século XIX, houve maior registro da
cultura iorubana, fortemente expressa nas comidas, linguagem e mitologia. Algumas nações
passaram a beber na fonte iorubana. Embora alguns pesquisadores nos apontarem para o fluxo
de informações entre iorubanos e os jejes ainda em território africano, devido aos fluxos
migratórios naquele lugar no século VII e XVI.
O termo Jeje, segundo Parés (2007) é uma denominação metaétnica designada a uma etnia
minoritária, que com o aumento de outras etnias na área, onde atualmente é a cidade do Porto
Novo, transformou-se em denominação de um grupo de pluralidade.
A nação Jeje Savalu surge em Belém pelas mãos de Carlos Bottas, mais conhecido como Pai
Carlinhos da Oxum. Este sacerdote revelou ao pesquisador o diferencial litúrgico da nação
Jeje Savalu . Eduardo Vega (2013) descreve o ciclo litúrgico da nação:
Podemos listar, por exemplo, cânticos; as rezas, o uso de vestimentas como o devó
(vestes rituais do processo de iniciação); o uso de ileké em suas diversas cores e
tipos; os nomes e epônimos de voduns como ako Bessén; seminu nanã; iroko azaká;
ewa silé; a designação de objetos, coisas e pessoas, além de espaços sagrados e de
rituais; o uso do torso, após o período de recolhimento nas romarias; sacrifícios de
alguns animais que não são utilizados em outras nações como, por exemplo, o
oferecimento de cágados na matança ritual de iniciação de qualquer iaô;
peculiaridades do processo iniciático, incluindo o tempo de recolhimento, o período
de resguardo, a sequência e os tipos de ebós propiciatórios para a iniciação e demais

3
Obrigações: é o termo utilizado pelos candomblecistas quando renovam seu contato cíclico com o sagrado.
obrigações. Por exemplo, os mesmos ebós realizados na iniciação, no total de sete,
são repetidos nas obrigações de três, sete, catorze e vinte e um anos; na iniciação é
realizado um ebó chamado dankó (ebó para saúde); usa-se também o kelé por
dezesseis dias no período de obrigação individual; e os iniciados são proibidos de
atravessar ou se banhar no mar por um período de um ano. (EDUARDO VEGA,
2013)

Os parcos estudos sobre candomblé em Belém ocorreram na década de noventa e não


identificaram na cidade casas que se denominassem Jeje. No entanto estudos mais recentes
como de Perdigão (2011) apontam que surge uma nação em Belém que se identifica como
Jeje. Outra pesquisa importante foi realizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional em 2012, com métodos dialógicos entre os sacerdotes do candomblé e outras
religiões de matriz africana, mapearam as casas de candomblé, Mina, Pajelança e neste mapa
é possível perceber um elevado número de famílias que se autodenominam Jeje Savalu.
Pela condição diferenciada a qual se apresenta a nação Jeje Savalu na africanidade amazônica,
seu percurso dentro desta pesquisa também se torna importante para compreender a
ancestralidade mítica que os candomblecistas dessa tradição apresentam.
Religião e Identidade: O elemento ancestralidade.
Iniciamos este tópico com o pensamento sobre a importância da religião como elemento
aglutinar de pessoas e propagadora de uma organização social. A religião apresenta-se como
um elemento importante para a diminuição do caos, porque sua estrutura, cosmovisão e
valorização de princípios convergem para a contenção de ações violentas. Outro fator que nos
é mais próprio discutir é o caráter coesivo, que promove um ethos de identidade, a religião é
um marcador de identidade. Essa identidade se constitui no rito, no mito, na cosmovisão,
reservados a espiritualidade dos indivíduos que se agrupam em torno da religião.
Durkheim (1996, p.04) pensa a religião como uma manifestação natural da atividade humana,
sendo e promove instrução por expressarem o homem. A sua maneira o autor revela a
natureza humana, como algo construtivo porque é expresso. Enteder a religião pelas ópticas
de Durkheim e por seu valor aglutinador de identitário, ajuda a perceber que ela é produto de
uma cultura que mostra o indivíduo e que este por sua vez também revela a qual cultura
pertence, quais códigos são vividos.
Todas as religiões são ancoradas em eventos que sinalizam a fundação no mundo, explicando
o princípio, suprindo a necessidade humana de compreender a sua existência. No candomblé
existem vários movimentos de compreender a existência humana, mas destaco a necessidade
humana de compreender a sua própria existência. Responder às questões de onde eu vim, e
pra onde eu vou? Eu estou só no mundo?
Ao se tratar de uma aglutinação que se tornou religião em terras brasileira, constitui-se um
grupo étnico, pois a estrutura religiosa tenta reviver o que antes era vivido pelos ancestrais
africanos. Possibilitando o retorno ao lugar de origem, a África. A diáspora negra, não se
configura na retirada dos africanos para o mundo, mas a tentativa de viver a sua
ancestralidade expressa na cultura, linhagem familiar, negritude, religiosidade.
Neste caso, a religião candomblé é uma grande agregadora de identidade, marcada pela
organização familiar, com a mesma família biológica, logo pela negritude, e tudo o que isso
possui de representação social, música, dança, cosmovisão, compondo um universo a partir da
memória. O rito na religião é direcionado aos ancestrais memoráveis, e aos eborás, elementos
da natureza, que movem o universo para ajudar na nossa vida material e aos ancestrais da
linhagem familiar, os que morrem merecem culto por tudo que representaram dentro da
família.
Esses fatores me levam a perceber que o candomblé é uma religião que possui uma estrutura
familiar de negritude, apresentou-se de suma importância para o fortalecimento da identidade.
Recorro novamente a Fagundes (2003, p. 21) o ser humano religioso mostra-se mais forte
diante desse mundo, com o psicológico mais eficaz, além de retirar forças do próprio grupo,
sentindo-se parte de um todo.
Segundo Parès (2007, p.114) a estrutura de candomblé a qual é conhecida tenha vindo da
áfrica Ocidental, mais especificamente da Costa da Mina: “...de onde as danças e experiência
de possessão eram coletivas [...] envolvendo uma dimensão essencialmente de celebração e
adoração de divindades, sem intervenção tão evidente de outras finalidades tão pragmáticas, a
exemplo da cura e da adivinhação.”
A região da costa da Mina pertence ao complexo do Golfo do Benin de onde vieram os povos
jeje, que adentraram no Brasil nos séculos XVII, XVIII e até o XIX e de onde provavelmente
veio a estrutura que forma as religiões negras no Brasil. As características das sociedades da
região do Golfo do Benin fundamentalmente eram baseadas em parentesco, organizados por
clãs ou linhagens, em que cada linhagem possuía vínculo com o antepassado mítico,
patriarcal, com numerosas mulheres, pois isso significava grande quantidade de filhos, que
trabalhariam na terra produzindo riqueza e prosperidade para o homem mais velho. A terra
possui caráter sacro, prosperidade e em seu centro havia o outro mundo, o mundo dos
antepassados.
O culto aos antepassados constitui o mais sagrado dos deveres, os africanos expressam a
maior veneração aos seus parentes do clã. Tamanha devoção transforma esses antepassados
em deuses, chamados de Voduns. Lepine (2001, p.11):
Os voduns de Daomé são, na origem, antepassados divinizados. Os ancestrais
divinizados das linhagens de chefes e sobretudo os da famílias reais passam a
exercer novas funções e adquiriam um status superior aos dos antepassados de
outras famílias.

Desse modo, os voduns são organizados de acordo com o sistema familiar genealógico. O
mais velho do clã é o mais respeitado, ao morrer recebe ritos fúnebres, passa a receber
também oferendas, até um dia chegar à condição de vodun, possui maiores poderes de restituir
a vida social dos vivos, os livrando dos infortúnios como a pobreza, a doença, a morte.
Os cultos reconstituídos no Brasil também foram reestruturados dentro do sistema
genealógico, onde somente pessoas da família biológica eram iniciadas e conheciam os
mistérios dos cultos ancestrais, somente homens e mulheres negros reuniam-se dentro dos
ritos. Atualmente, não é diferente, para ser iniciado na religião, dizem os antigos e teólogos da
religião, tem que ter ancestralidade.
A religião candomblé é um centro de vivência da cultura africana, sobretudo da áfrica negra,
os deuses nela cultuados, são ancestrais divinizados. A ancestralidade é um vínculo
genealógico, logo a morfologia do corpo, fenótipo e memória étnica marcam seu território, o
corpo.
Corpo e ritual
Cabe a esta altura tratar da categoria corpo, na tentativa de entender as possíveis contradições
na sociedade moderna frente ao conceito de corpo, sua compreensão, a forma social e cultural
a qual este é tratado. Como perceber o afastamento deste corpo, marca de individualidade.
Rodrigues (1986) contribui neste artigo com as análises culturais sobre essa estrutura, o
corpo. Para ampliar o nosso olhar sobre o objeto corpo, o autor recorre a estudos sobre a
cultura, seus impactos sobre o inconsciente e consciente, sobre a moral, sobre a ética, sobre o
sagrado e o profano. Mostrando que as regras de uma sociedade determinam de forma
inconsciente pensamentos e formas de relacionar-se com outros e com a natureza. Para este
autor o corpo humano é socialmente concebido, e sua representação social possibilita acessar
a estrutura de uma sociedade particular.
Le Breton (2013) analisa em sua obra a Antropologia do Corpo, o corpo como objeto e ser.
Tece uma crítica diante da promoção do distanciamento do corpo a partir dos filósofos.
Levanta modos de expressão do corpo em várias sociedades, ensinando-nos como a
individuação afasta o ser humano de si mesmo. Ao citar o exemplo da sociedade canaques
diz:
O corpo (karo) é qui confundido com o mundo, ele não é suporte ou prova
de individualidade, porquanto esta não está fixada, uma vez que a pessoa
repousa sobre os fundamentos que o tornam permeável a todos os eflúvios
do meio ambiente. O “corpo” não é fronteira, átomo, mas elemento
indiscernível de um todo simbólico. Não existe aspereza entre a carne do
homem e a carne do mundo. (LE BRETON p.31)

Nesta citação é possível perceber que as sociedades mais isoladas mantém uma visão de
completude, em que o corpo pertence ao universo e o universo o pertence em uma relação de
coexistência e de explicação, onde do mundo retira-se a o entendimento que o ser humano
tem sobre si. A exemplo mais uma vez o autor que identificou que entre os canaques o “corpo
recebe características do reino vegetal. Parcela não destacada do universo, que o banha, ele
entrelaça a sua existência, às árvores, aos frutos, as plantas. [...] Kara designa aos mesmo
tempo a pele do homem e a casca da árvore.”(LE BRETON, 2013)
Martins (2003) apresenta uma possibilidade de entendimento sobre a categoria corpo, “Todas
as realizações, sonhos, criações, emoções, acontecem inequivocamente no corpo. Por isso,
buscar entendê-lo é buscar entender a existência”. Logo, é confortável dizer que o corpo é um
ser, que constrói experiências próprias com seu universo, com pessoas animais, árvores,
coisas em geral. Ou seja, não se tem um corpo, se é um corpo. Somente nele ocorrem as
diversas representações no mundo.
Sem a existência de um corpo não há vida, somente morte. A agourenta morte, que não se tem
explicação, mas que no campo das representações sociais é possível descrever o medo sentido
pelo ser humano diante desse fato. Não há forças contra a morte, ela enfrenta homens e
mulheres, sem temor, manda e desmanda e nada podemos fazer. Ela é a dura face da
fragilidade humana. Várias religiões lutam contra a morte.
Considerações Finais
Esta pesquisa almeja conhecer o sentido do sagrado para os rodantes no candomblé da
tradição Jeje Savalu, que se constitui como uma nação antiga para a história da diáspora,
sendo esta uma das primeiras etnias escravizadas a chegarem ao Brasil. Por isso se mostra
resignificada no espaço amazônico em virtude das muitas alterações ocorridas em decorrência
do tempo.
A pesquisa pretende ainda compreender as concepções de religião, de sagrado, de corpo
dentro do candomblé, religião vivida, fortemente, a tradição no corpo. Corpo este que fora do
ambiente religioso vive a modernidade e todas as outras influências que a cultura da região
proporciona. Entender esta complexidade contextualizada é compreender o ser humano que se
faz corpo, tornando-se a própria expressão do sagrado para cientista, sendo o sagrado para os
viventes da tradição, neófitos e sacerdotes da religião.
Tentar alcançar o olhar de si e do sagrado no candomblé possui um sentido de ampliar a lente
a importância dessa identidade religiosa na Amazônia, aprofundando seus aspectos históricos,
as redes sociais, os aspectos culturais, e, sobretudo o religioso, ainda pouco informado, e
pouco compreendido socialmente. Essa pesquisa, talvez, dê a oportunidade de seus adeptos
enxergarem a sua própria história de vida com a devida importância para o seguimento
religioso ao qual vivem.

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2005.
TITULO DO PROJETO: Dialogo entre Religiões: uma possibilidade de abertura ao diferente

Orientadora: Prof. Drª Taissa Tavernard de Luca

Autores: Fabio de Oliveira Sena

Juscelio Mauro de Mendonça Pantoja

Carlos Henrique Correa Assunção

RESUMO: O Grupo de Estudos de Religiões de Matriz Africana tem como objetivo conhecer
e promover a aplicação da lei 10 639/03, que trata da obrigatoriedade do estudo e do ensino
da história e da cultura africana nos currículos escolares, oferecendo aos graduandos e pós-
graduandos em ciências da religião conhecimentos suficientes para a discussão e o ensino
dessa matriz religiosa em sala de aula. A partir do tripé: ensino, pesquisa e extensão,
desenvolve quatro ações permanentes, dentre elas o Projeto Diálogo entre Religiões, que
surgiu em 2014 com o intuito de aproximar a Universidade do Estado do Pará das outras
Instituições de Ensino Superior, estabelecendo um diálogo entre os pesquisadores do Grupo
de Estudos Religiões de Matriz Africana na Amazônia e pesquisadores dos demais fenômenos
religioso. Este trabalho tem por objetivo apresentar o projeto Dialogo entre Religiões e sua
importância para a formação acadêmica dos discentes do curso de Licenciatura Plena em
Ciências da Religião propondo uma discussão sobre a experiência religiosa a partir das
diferentes perspectivas de pesquisa.
ILÈ SÀNGÓ1: Uma análise da estrutura de um Candomblé Keto da cidade Belém.
*Wanderlan Gonçalves do Amaral2
Resumo
O candomblé é a religião de matriz africana mais recente em Belém do Pará, sua
chegada à capital do estado é datada entre o final dos anos 60 e inicio dos 70
(CAMPELO, 2001). A origem das primeiras casas de culto e a história de vida de
seus fundadores foram os títulos dos primeiros trabalhos acadêmicos sobre as três
Nações de Candomblé presentes em Belém (Keto, Angola e Jeje) a partir de 2001.
Toda esta pesquisa ocupou-se apenas da memória, identidade e relações políticas
entre os terreiros candomblecistas da cidade. Neste trabalho proponho uma analise
da estrutura física e ritual do Candomblé originário da Bahia trazido para o Pará por
negros e negras baianos, e por paraenses que migraram do Tambor de Mina para a
religião dos Orixás (LUCA, 2009). Esta analise será feita a partir de um estudo de
caso de uma das principais casas de Candomblé de Belém cujo objetivo visa
identificar as reconfigurações da tradicionalidade baiana ao meio afro-religioso
paraense.

Palavras-chave: Candomblé. Estrutura. Tradição. Ritual. Reconfiguração.

INTRODUÇÃO

1
Casa de Sàngó, orixá da justiça, senhor do fogo.
2
Licenciado em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Pará, aluno do Programa de
Pós Graduação em Ciências da Religião na referida Instituição de Ensino Superior, membro de grupo
de pesquisa Religiões de Matriz Africana na Amazônia – GERMAA, bolsista CAPES.
A história das religiões de matriz africana no Pará e na Amazônia reflete um
panorama bastante diversificado do restante do país. Aqui se desenvolveu um
modelo de religião afro diferente dos demais cultos que se estabeleceram no
restante do Brasil, especificamente na costa atlântica do território brasileiro.

No Pará, o culto de matriz africana que se destacou foi o Tambor de Mina,


tradição religiosa de origem maranhense oriunda das tradições Jeje, da Casa das
Minas; Nagô, da Casa de Nagô, e do terreiro da Turquia ambas da cidade de São
Luís. No Pará esta tradição afro-religiosa de origem maranhense estende suas
raízes através do terreiro da Turquia (VERGOLINO, 2002). Esta forma de culto afro
desenvolveu-se apenas nesta região do país, chamando muito a atenção dos
estudiosos das religiões afro-brasileiras para suas características e modelo
tradicional.

O Candomblé chega a Belém na década de 1950 com Pai Astianax, um ex-


mineiro que foi a Salvador para ser iniciado no candomblé. Mas é no final da década
de 70 que o Culto aos Orixás começa a estruturar-se na capital paraense. Por ser a
mais recente das matrizes de culto estabelecida nesta cidade, o candomblé ainda é
um campo de pesquisa pouco explorado (CAMPELO, 2001; PERDIGÃO, 2011).

Desafiado por essa lacuna, fui a campo com a proposta de conhecer mais de
perto essa modalidade da tradição afro religiosa brasileira e o modelo de culto
desenvolvido na cidade de Belém, por meio de um estudo de caso do terreiro Ìlé Àsé
Obá Aganju3, casa esta que reclama para si a descendência de um dos mais
tradicionais candomblés baianos o Ìlé Ìyá Omi Àsé Ìyámasé, o terreiro do Gantois.

Assim, a casa pesquisada neste trabalho estrutura-se em Belém há quase


três décadas com um espaço físico e sagrado como na Bahia, interagindo com as
tradições afro-religiosas locais, adequando o culto aos òrìsà trazido de Salvador às
realidades da região.

3
Como forma de preservar a integridade desta pesquisa a partir de agora tanto o nome da casa aqui
estudada, como dos seus lideres e membros, pessoas, grupos e instituições ligadas a ela terão grafia
fictícia.
1. BAIANIDADE, MASCULINIDADE E HOMOAFETIVIDADE: A
ORGANIZAÇÃO DO PODER NO ÌLÉ ÀSÉ OBÁ AGANJÚ

Como todo candomblé tradicionalmente constituído, o Obá Aganjú mantém


toda a sua estrutura alicerçada no àsé e na hierarquia. É uma casa de tradição
patrilinear, mas isso não significa que sua sucessão se dê entre os membros da
família biológica do sacerdote tendo em vista que seus dois filhos são ogan, e sua
ex-esposa é ekedji. Neste caso a sucessão dá-se entre os filhos de santo nascidos e
criados dentro desta roça, homens ou mulheres.

O egbé é socialmente estruturado segundo o maior ou menor grau de àsé


de seus integrantes: àsé transmitido durante os vários graus de iniciação,
reforçado durante os ritos de passagem de uma categoria a outra,
“obrigações” do terreiro e sétimo ano e pelos ritos de confirmação de postos
na hierarquia do “terreiro”. (SANTOS, 1986, p. 44).

No Ìlé abordado neste trabalho, o poder é exercido por um triunvirato


masculino, baiano e homossexual. Todos os papéis desenvolvidos e
desempenhados por mulheres no contexto social e religioso da mesma são
submissos a esta hierarquia masculina. Embora este terreiro seja governado por
homens, é bom frisar a dimensão feminina deste poder masculino, por se tratar de
pessoas homossexuais em seu comando.

Na comunidade negra da Bahia, no Brasil setentrional, circunstâncias


incomuns encorajam certos homossexuais passivos a forjar um novo e
respeitado status para si mesmos. Disso resultaram mudanças individuais e
sociais importantes e fáceis de observar; mas o seu especial interesse para
a psicologia reside no demonstrar o modo pelo qual um grupo proscrito fez
nova adaptação, tirando vantagens das novas circunstâncias. (LANDES,
1967, p.284).

Portanto, mesmo sendo uma religião que ao ser reelaborada no Brasil ganha
um rosto matriarcal, e que em sua origem preservou os homens de exercer o
sacerdócio supremo no culto, destinando esse lugar às mulheres, o Candomblé
agregou em seu seio as pessoas homossexuais, garantindo a elas o direito de
vivenciar sua sexualidade dentro dos seus padrões morais e éticos, se assim posso
dizer, desta religiosidade4.

4
Esse aspecto é característico as primeiras casas de culto fundadas em Salvador, no Pará se
configurou de forma diferente.
Nesse caso, a simbologia da feminilidade ganha um papel bastante amplo,
por tudo que socialmente ela representa, e muito mais ainda no contexto brasileiro.
Por isso, creio que é este aspecto que distingue bastante o papel dos homossexuais
no contexto hierárquico desta religião.

[...] o fato de que as barreiras tenham caído para os homens não derrubam,
porém, o principio fundamental de que somente a feminilidade pode servir
aos deuses. Todos os homens considerados normais na Bahia
continuavam, pois, excluídos. Somente um grupo preenchia os requisitos. O
fato de que constituísse um grupo sujeito à mais rigorosa condenação social
não pesou contra esse princípio básico. Quando se faziam filhos, vinham
eles de entre os homossexuais, que, a despeito do status, eram os únicos
“femininos”. (LANDES, 1967, p. 290).

Em todo esse contexto, a sexualidade age desempenhando dois papéis


elementares na construção da identidade feminina ou masculina das pessoas
homossexuais ligadas às casas de Culto aos Òrìsà: o sexo biológico e o sexo social.
No universo religioso candomblecista, o sexo social assumido por essas pessoas é o
que aproxima os homens homossexuais do sacerdócio feminino, e as mulheres
homossexuais da administração das associações culturais e religiosas das casas de
culto (FRY/MACREA, 1983).

Segue abaixo os cargos dispensados à hierarquia do Ìlé Oba Aganjú, que


neste caso, excepcionalmente, segue o modelo da hierarquia do Gantois, das
demais casas matriciais baianas e da casa do iniciador do bàbálòrìsà de Belém.
Observados aqui a partir do gênero, e importância dos cargos ocupados pelos
sujeitos religiosos, sejam eles homens, mulheres ou homossexuais.

CARGO FUNÇÃO
Bàbálòrìsà Sumo Sacerdote
Bàbálàsé Aquele que zela pelo àsé
BàbáEgbé Pai da Comunidade
Maé A primeira entre as Ìyároba
Ìyá Kekerê Mãe pequena da casa
Ìyá Ajibonã Mãe criadeira, aquela que cuida dos yaô
durante a iniciação.
Ìyá e BàbáEfun Sacerdotes responsáveis pelas pinturas
rituais corporais durante a iniciação e no
período das obrigações anuais dos
iniciados.
Asogun Sacerdote responsável pelo sacrifício ritual
Osupi Substitui o BàbáEfun em sua ausência.
Ìyágbasse Sacerdotisa responsável pela cozinha
ritual.
Ìyá Singé Auxiliar da Ìyágbasse
Ìyá Teny Sacerdotisa responsável pelas vestes
litúrgicas do terreiro.
Ìyá Oci Sacerdotisa que zela pelo Órìsà Òsóòsì.
Ìyálodé Sacerdotisa da casa de Osùn, nobre
senhora da sociedade.
Ìyá Morô A egbome mais velha das três
sacerdotisas responsáveis pelo ritual do
padê de Èsù.
Ìyá Dagã Uma das três sacerdotias responsáveis
pelo ritual do padê de Èsù.
Sidagã A egbome mais nova dentre as três
sacerdotisasresponsáveis pelo ritual do
padê de Èsù.
ÌyáOdé Sacerdotisa responsável pela casa de
Òsóòsì
Ìyárobá Sacerdotisa responsável por cuidar dos
òrìsà manifestádos.
Bàbá Elemoxô Sacerdote responsável pela casa de
Osàlà.
Ogã Aficodé Um dos sacerdotes do culto a Òsóòsì.
Ogã Assogbá Sacerdote do culto a Omolu.
Oci Assogbá Segunda pessoa depois do Assogbá.
Alagbé Sacerdote responsável pela percussão dos
atabaques.
Oci Alagbe Segunda pessoa depois do alagbé.
Oju Obá Um dos sacerdotes do culto a Sàngó.
Oju Odé Um dos sacerdotes do culto a Òsóòsì.
Olossanyn Sacerdote de Osanyn responsável pela
coleta das folhas sagradas para os rituais.
Yawo Recém iniciado, filho mais novo.
Abian Aspirante.
Fonte: Etnografias realizadas durante as pesquisas de campo deste trabalho.

Hierarquia
8%

Cargos ocupados por


13% Homens
41%
Cargos ocupados por
Mulheres

Cargos ocupados por


Homens homossexuais -
Alta Hierarquia
Cargos ocupados por
Mulheres homossexuais-
38%
média e baixa Hierarquia

Fonte: Etnografias realizadas durante as pesquisas de campo deste trabalho.


Os 41% correspondem aos15 homens com cargos dentro da hierarquia.
Os 38% correspondem às14 mulheres com cargos na hierarquia.

Os 13% correspondem aos 5 homens homossexuais que comandam a casa com


cargos na alta hierarquia.

Os 8% correspondem às 3 mulheres homossexuais com cargos na média e baixa


hierarquia.

Comunidade em geral
4% 2% Egbome Mulheres
2%

13% Egbome Homens


31%
Abyan homens e mulheres

Yawo mulheres
4%

Yawo homens

Egbome homens
homossexuais
Egbome mulheres
homossexuais
17%
Yawo (homossexual) -
Mulheres
19% Yawo (homossexual) - Homens
8%

Fonte: dados coletados em campo durante o período das pesquisas deste trabalho,
eles correspondem a frequência dos filhos de santo durante o período da coleta de
dados.

Os 31% correspondem às 16 mulheres.

Os 19% correspondem aos 10 homens.

Os 8% correspondem a 5 abyan, dois homens e três mulheres.

Os 17% correspondem a 11 yawo mulheres.

Os 4% correspondem a 3 yawo homens.

Os 13% correspondem a 7 egbome homens homossexuais.


Os 2% correspondem a 2 egbome mulheres homossexuais.

Os outros 4% correspondem a 2 yawo mulheres homossexuais.

Os 2% correspondem a 3 yawo homens homossexuais.

1.1 CÚPULA BAIANA: IDENTIDADE E MILITÂNCIA.

O Obá Aganjú concentra em seu bojo dois poderes, o tradicional e o


burocrático, ou seja, sua hierarquia administra os ritos sagrados e o contexto político
e social da comunidade através de sua associação. O pai de santo torna-se um líder
religioso e político em potencial, concentrando em suas mãos o poder tradicional e o
poder burocrático (WEBER, 1922). É um líder que dialoga com os afro-religiosos de
Belém não apenas pelos vínculos religiosos, mas de forma bastante expressiva
através de sua militância política.

O poder tradicional, em virtude da fé na santidade dos ordenamentos e dos


poderes senhoriais desde sempre presentes [...] Obedece-se à pessoa por
força da sua dignidade própria, santificada pela tradição: por piedade.
(WEBER, 1922, p. 4).

A burocraciaé o tipo tecnicamente mais puro de poder legal. Mas nenhum


poder é só burocrático, isto é, gerido apenas mediante funcionários
contratualmente recrutados e nomeados. Tal não é possível. As cúpulas
mais altas das associações políticas são ou “monarcas” (governantes
carismáticos por herança) ou “presidentes” eleitos pelo povo (portanto
senhores carismáticos plebiscitários) ou eleitos por uma corporação
parlamentar, onde em seguida, os seus membros ou, melhor, os líderes,
mais carismáticos ou mais notáveis, dos seus partidos predominantes, são
os senhores efectivos. Também quase nenhum lado é, de facto, o corpo
administrativo puramente burocrático, mas nas mais variadas formas, em
que parte os notáveis, em parte os representantes de interesses costumam
participar na administração (sobretudo, na chamada auto-administração).
(WEBER, 1922, p. 4)

É por isso que, concomitantemente ao terreiro, surge a Associação Cultural e


Religiosa Oba Aganjú – ACROA em 1987, entidade de utilidade pública municipal,
que orienta sua atuação através de um estatuto próprio, tendo como objetivos
fortificar a resistência afro-religiosa e lutar contra todas as formas de preconceito e
discriminação com ênfase na religião afro.

Como vimos, a hierarquia religiosa coordena e administra a liturgia e os ritos


sagrados, enquanto a ACROA articula ações de captação de recursos através de
editais públicos de fomento à pesquisa da cultura afro-brasileira e suas
manifestações, visando à capacitação de seus membros dentro do contexto político
do movimento negro local e nacional, e através dos resultados destes projetos busca
custear as despesas da referida associação como também uma parte das despesas
do terreiro.

É sabido que, na hierarquia do candomblé, prevalece a tradição da


precedência, ou seja, é o tempo de “feitura no santo” que pesa mais do que classe
ou posição social. Todavia na casa aqui estudada este elemento pode ser
flexibilizado e usado como instrumento de trocas simbólicas (BOURDIEU, 1983).

2. ENTRE A FÉ E O PROTESTO: O MOVIMENTO NEGRO

As lideranças e os membros do Obá Aganjú exercem socialmente um papel


preponderante dentro do Movimento Negro local, tendo na religião o principal
referencial para as atividades desenvolvidas e as mudanças buscadas quanto ao
respeito e à cidadania do povo negro e sua cultura. A religião, neste contexto, é um
forte elemento de identidade e isso faz este Candomblé ser reconhecido como um
forte representante do Movimento Negro em Belém, não sendo característico aos
outros candomblés da Belém, que embora defendam a africanidade da religião,
preferem cuidar apenas do aspecto religioso desta causa, sem torná-lo uma
bandeira de luta política.

O Bàbá Antonio de Aganjú, negro, baiano e funcionário de uma multinacional


renomada, faz parte da coordenação do Movimento Negro Unificado de Belém –
MNUBE, e junto com ele o Bàbá Egbé Ionillton Oliveira, dividem-se entre a militância
política, a CEPPIR, o GEAP (Grupo de Estudos Afro Paraense, que está ligado a
uma instituição federal de ensino) e o Movimento Quilombos. Todos estes grupos
são braços de extensão do Movimento Negro em Belém, e, sobre esta relação, a
professora Rosalira dos Santos Oliveira chama a atenção para o seguinte:

O discurso da negritude e do resgate das raízes ancestrais tem um impacto


direto sobre o comportamento da militância contribuindo para a produção de
um novo scripit para o negro brasileiro... Principalmente na adesão às
religiões afro-brasileiras... Na verdade, a pertença (ou ao menos a
proximidade) às religiões afro-brasileiras passa a ser vista como um sinal de
maior negritude, o que equivale a dizer uma maior consciência de sua
“diferença” em relação á sociedade nacional. (OLIVEIRA, 2012, p.1)

O pai de santo responsável pela casa me contou que a militância belenense


via com reservas as religiões de matriz africana, afirmando que o negro poderia
estar em qualquer religião sem necessariamente identificar-se com as religiões de
matriz africana. Ele disse que, gradativamente, por meio de espetáculos teatrais que
falavam da realidade religiosa afro-brasileira, e de oficinas de percussão afro que ele
coordenava, conseguiu mostrar mais claramente, ou melhor, abrir mais o horizonte
do Movimento Negro local para o Candomblé e consequentemente para as outras
modalidades de cultos de matriz africana.

Todo esse processo seda no final da década de 1970, no auge da


rearticulação do Movimento Negro no país5, em que o Candomblé passa a ser visto
como um espaço de identificação da ancestralidade africana conservada na
espiritualidade afro-brasileira, “neste contexto, as comunidades religiosas
afrodescendentes são encorpadas nas narrativas políticas dos movimentos negros
pelo país” (OLIVEIRA, 2012, p.1).

A religião afro-brasileira é importante por várias razões: ela contribui para


unificar a “etnia”; desempenha papel revolucionário ao opor seus próprios
valores aos da religião dos brancos; permite ao negro reatar com seu
passado, uma vez que soube preservar seus mitos e seus heróis; é uma
das principais fontes de inspiração para projetos políticos do movimento
negro. (CAPONE, 2004. 314).

2.1 A ASSOCIAÇÃO CULTURAL E RELIGIOSA OBÁ AGANJÚ – ACROA

5
Luta política do povo negro contra o racismo e suas ramificações.
A Associação Cultural e Religiosa Obá Aganjú – ACROA, surge junto com o
terreiro em 1987 com o objetivo de fortificar a resistência religiosa e lutar contra
todas as formas de preconceito e discriminação racial. É um instrumento de
participação social deste terreiro. Desenvolve ações como projetos, oficinas de
dança, música e teatro, voltadas para a arte, cultura e cidadania, socializando
politicamente a comunidade.

Está ligada ao Movimento Negro de Belém, mantendo parcerias com o


Movimento Negro Unificado de Belém – MNUB, e, na esfera nacional, com a
Fundação Palmares através de projetos que visam à cidadania e à independência
de pessoas desassistidas pelo poder público, especialmente a população negra e
afro-religiosa, encaixando-a em projetos financiados pelo Governo Federal que
auxiliam a Associação em favor dos direitos humanos para todos, principalmente
para os negros.

Entre os projetos que a ACROA executa, destaco o “Íyá Omi: Mãe das
Águas”, cujo objetivo é contribuir para a redução da violência doméstica e maior
cidadania das mulheres, especialmente das mulheres negras e afro-religiosas.
Porém há dois anos,esta iniciativa está parada por falta de verba, pois, nos últimos
editais lançados pelo MINC através da Fundação Cultural Palmares, os projetos
propostos pela associação não foram aprovados.

Todos esses cursos estão ligados à proposta política da comunidade de


terreiro que se expande para a associação no intuito de promover a cultura afro-
brasileira, ajudando o povo do terreiro (com ênfase na tradição da casa, o Gantois),
a ocupar seu lugar na sociedade racista. A dança, o teatro e a culinária são projetos
estratégicos de fortalecimento da identidade negra e todo seu universo, ressaltando
nesse aspecto a tradição como forma de poder, pois é através dela que eles criam
uma identidade étnica fundamentada no Candomblé.

Nesse sentido, é bem claro o papel político da identidade, ou seja, a


identidade negra aqui assumida legitima a tradição afro-religiosa dos membros deste
candomblé a partir do Gantois em Salvador, como uma forma de posicionamento
político diante dos outros grupos sociais e afro-religiosos majoritários na cidade.
Essa articulação política é bem destacada através dos projetos desenvolvidos em
parceria com o MINC e a Fundação Cultural Palmares; ela mostra que o Governo
Federal é parceiro desta comunidade, reconhecendo-a como um polo de divulgação
da herança africana no país, patrocinando seu trabalho social e cultural.

A estrutura da ACROA divide-se em cinco núcleos e um Conselho Fiscal, no


núcleo admistrativo estão as pessoas de confiança do sacerdote da casa estudada
neste trabalho, nele concentra-se toda a proposta etnico-religiosa-política do terreiro.
O social funcionalisa a proposta do administrativo, o núcleo de pesquisa estuda as
possibilidades de aplicação dessas propostas, enquanto ao núcleo cultural cabe a
função de divulgação do Obá Aganjú através das atividades culturais da ACROA. O
núcleo financeiro administra os recursos captados pela ACROA através dos editais
de fomento a cultura, e de outras parcerias com a referida associação, tudo sob a
averiguação do conselho fiscal.

2.2 O APÉ ODARA NGUNZOS

O Obá Aganjú possui um afoxé, o Apé Odara Ngunzos, nome construído com
palavras em tupi-guarani, iorubá e bantu, que traduzidas para o português significam
“Grande Caminho de Àsé”. Foi criado em janeiro de 2003 por Pai Antonio de Aganjú
e a Mametu Mucumbi,sacerdotisa de um Candomblé Angola da cidade. O Afoxé tem
como patronos Sàngó e Ògún, divindades a quem estão consagrados
respectivamente os referidos sacerdotes, com os seguintes objetivos:

 Difundir as tradições culturais dos afro-religiosos durante o carnaval e em


outros eventos que promovam a cultura e cidadania.
 Combater o preconceito e a intolerância religiosa.
 Aproximar as religiões de matriz africana, indígena e cabocla para juntas
fortalecerem a luta contra a intolerância religiosa.

No cerne da discussão do movimento negro nos anos 80, os Blocos Afros


retomam sua participação no carnaval baiano, buscando afirmar sua negritude e sua
ancestralidade africana, exaltando o povo negro e sua cultura, denunciando o
preconceito, discriminação, pobreza, violência e esquecimento vividos no dia a dia
dessas pessoas.

Portanto, o Apé Odara Ngunzos surge em Belém como um instrumento de


luta política da comunidade aqui estudada, que inspirada na mítica África, constrói
seu repertório estético e musical, através dos quais reafirma sua identidade afro-
religiosa positivamente:

A representação da África por meio da ludicidde, musicalidade e sobretudo


estética são perceptíveis quando do conjunto de elementos afro-
referenciados (em referência a África) expressas no corpo (movimento,
dança, expressividade e penteados) e nas vestimentas (tecidos, estamparia
e adornos). Esses elementos afro-referenciados segundo Pinho (2004) são
os signos ou imagens positivadas da figura do negro reelaboradas como
identidades étnicas a partir da idéia de África ou de uma Mama África.
(BRITO, 2012, p. 141).

Este Afoxé é criado dentro do bojo das transformações que o governo popular
do Partido dos Trabalhadores trouxe para acidade de Belém durante seu governo
(1997 – 2003). É um instrumento de identidade cultural da comunidade do terreiro
pesquisado, isto é muito explícito na indumentária dos músicos, nos instrumentos
percussivos, atabaques, cabaças, agogôs, xeque-xeque, tímbal, entre outros. O
grupo é constituído em sua maioria por negros, militantes e afro-religiosos membros
do Obá Aganjú:

Por trás de todo o esquema de execução do afoxé que garante toda a


imagem de festividade, lazer e sociabilidade àqueles que participam e/ou
brincam, há toda uma preocupação ideológica quanto à representação da
tradição religiosa de matriz africana na Amazônia; quanto à representação
da África por meio da ludicidade, musicalidade e estética representada nas
imagens simbólicas vislumbradas na concepção do corpo e das vestimentas
dos brincantes e; representação do negro na sociedade brasileira ao
chamar a atenção para o racismo e o preconceito ainda existente, por isso a
militância política subjaz boa parte da sua mensagem. (BRITO, 2012, p.
139)

Em relação aos temas propostos, observamos que eles transitam dentro de


várias temáticas sociais da atualidade, “as cantigas, nem sempre são as dos rituais
do Candomblé, porém elas remetem, quase que invariavelmente, à religião, aos
Orixás, seus simbolos e elementos” (CAMPELO, 2010, p. 7).
Como os blocos de Salvador, o Apé Odara Ngunzos desenvolve um “projeto
estético-político de recuperação e valorização da cultura de origem africana e de
desenvolvimento comunitário” (LOPES, 2005. p. 4).

3. CONCLUSÃO

Como podemos observar até aqui, a identidade negra é um elemento


convergente em todos os trabalhos socioculturais e religiosos deste terreiro, logo a
dinâmica da vida da egbé Obá Aganjú está plenamente ligada ao ser negro, e no
viver a tradição religiosa legada por seus ancestrais, que reconhece o Candomblé,
em particular aqueles vinculados à tradição nagô da Bahia, como um “fiel
depositário” da herança civilizacional africana no Brasil. (OLIVEIRA, 2012, p.3).

Neste contexto, a identidade é uma construção política, uma forma de cooptar


o poder simbólico na disputa por espaço e prestígio no campo religioso e social
(HALL, 1984). Observando sempre que aqui a identidade não pressupõe cultura
objetivamente falando, às vezes elas até se complementam, mas podem ser
antagônicas e até contraditórias dependendo do contexto onde elas são evocadas.

Quando observamos o campo afro-religioso na cidade de Belém, nitidamente


percebemos este Candomblé como o único que mantém um estrito laço com o
movimento negro local, embora as outras casas apóiem esta causa, elas preferem
ficar na retaguarda como reforço fraterno, porém nunca como agentes diretos. E
como já discutimos antes, essa relação faz parte de um projeto político-religioso do
Obá Aganjú que visa sua promoção social ante as demais casas de culto afro-
brasileiro de Belém.

Para muitos pais e mães de santo da cidade, ser afro-religioso é uma coisa,
ser militante político de um movimento social é outra. Uma é missão, outra é
“politicagem”. Alguns defendem que cultuam a ancestralidade africana, mas não são
africanos. Não concordam com a exposição que alguns pais e mães de santo,
principalmente os que estão ligados ao Movimento Negro, fazem da religião.
Lembram que o candomblé é uma religião de segredos e seus fundamentos devem
ser preservados, falam isso em relação ao aparato estético e simbólico (cordões
rituais, joias, abadas, cantos e rezas) que pais e mães de santo ligadas aos
Movimentos Sociais expõem constantemente.

Assim, observo que ser negro não significa ser afro-religioso e vice versa,
pois estas identidades podem ou não funcionar, dependendo de que forma a
situação vivenciada pelo sujeito venha a exigir seu posicionamento (HALL, 1984). Eu
posso ser afro-religioso sem ser negro, ou posso ser militante do Movimento Negro
sem ser afro-religioso, ou ser os dois com ênfase na pertença a estes dois grupos,
ou a um só.

Não existe uma relação fraterna entre Gantois e Obá Aganjú; o que existe é
uma aproximação intencional que garante para os membros deste Candomblé uma
posição privilegiada no contexto afro-paraense, caracterizando um joguete político-
religioso que lhe favorece historicamente ante as demais casas de culto
estabelecidas na cidade.

Essa pretensa pertença é vivenciada em todos os âmbitos da dinâmica sócio


religiosa do terreiro aqui estudado, a qual está focada no modelo Gantois de religião
e organização social que está essencialmente ligado ao que Bastide (2001) chamou
de manutenção da África no Brasil, ou seja, é uma religião étnica, que embora tenha
se tornado universal, mantém suas bases alicerçadas na “legítima” tradição da
cultura africana, preservada nos candomblés nagôs da Bahia.
[...] tem se mostrado sobejamente que a cultura não é simplesmente uma
bagagem que a sociedade carrega consigo e conserva como um todo, não
é algo acabado, mas algo que se recorta de diferentes modos para afirmar
identidade e garantir interesses, sendo constantemente reinventado e
investido de novos significados (Cohen, 1969; Cunha, 1977).

Para os membros deste Candomblé com ênfase na hierarquia, ser negro está
intimamente ligado com esta religião afro-brasileira. As lideranças e membros desse
terreiro compreendem que, identificar-se como negro faz parte de um conjunto de
idéias que, para eles, representam a essência do que são; são construídas a partir
das convenções que fazem do presente, ou seja, a luta e militância como forma de
garantir seus direitos, com ênfase nos que estão ligados ao Candomblé e às outras
matrizes africanas, reconhecendo a religião como guardiã da cultura e valores
africanos e como forma de garantir politicamente uma posição de destaque na
sociedade belenense, paraense e brasileira.

4. REFERÊNCIAS

BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil, 2 a.Edição. São Paulo:


Pioneira, 1985.
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva,
1987.

BRITO, Selma de Sousa. Trajetórias religiosas e projetos de vida: engajamento


político, social e cultural entre sacerdotes de candomblé na cidade de Belém-
PA. 2012 – 106 f. Disertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade
Federal do Pará, 2012...

CAMPELO, Marilu. Os Candomblés de Belém: O Povo-de-Santo Reconta sua


História. Belém: Capes, 2001.

CAPONE, Stefania. A Busca da África no Candomblé: Tradição e Poder. Rio de


Janeiro, 2009.

DANTAS, Beatriz Góes. “Repensando a Pureza Nagô”. In: Religião e Sociedade,


Nº 8. 1992.
_____________________.Vovó Nagô e Papai Branco: Usos e Abusos da África
no Brasil.Rio de Janeiro: Graal editora, 1988.
MACRAE, Edward. O que é homossexualidade. São Paulo: Brasiliense, 1985.

FURUYA, Yoshiaki. Entre “Nagoização” e “Umbandização”. Tókio: Universidade


de Tóquio, 1986.

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LANDES, Ruth. A Cidade das Mulheres. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


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LEACOCK, Seth and Ruth.Spirits of the Deep. A Study of na Afro-Brasilian Cult.


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NINA RODRIGUES, Raimundo. Os Africanos no Brasil. Brasília: Ed. UnB, 2004.


8ª.Ed.

PERDIGÃO, Patrícia Moreira. O Candomblé em Cima do Muro: Reafricanização


ou Ressignificação?. 2011. f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Ciências da Religião – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2011.

OLIVEIRA, Rosalira dos Santos. Em nome da ancestralidade: militantes negros e


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SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a Morte. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

SILVA, Vagner Gonçalves da. O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e


texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre as religiões afro-
brasileiras. São Paulo: EDUSP, 2006.

VERGOLINO E SILVA, Anaíza. O Tambor das Flores. São Paulo: UNICAMP, 1976
(Dissertação de Mestrado)

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.


TITULO DO PROJETO: O Cine-Africanidade: Um Encontro de Saberes

Orientadora: Prof. Drª Taissa Tavernard de Luca

Autores: Manoel Vitor Barbosa Neto

Elton Nascimento Moreira da Silva

Camila Costa Monteiro

RESUMO: O Grupo de Estudos de Religiões de Matriz Africana tem como objetivo conhecer
e promover a aplicação da lei 10 639/03, que trata da obrigatoriedade do estudo e do ensino
da história e da cultura africana nos currículos escolares, oferecendo aos graduandos e pós-
graduandos em ciências da religião conhecimentos suficientes para a discussão e o ensino
dessa matriz religiosa em sala de aula. A partir do tripé: ensino, pesquisa e extensão,
desenvolve quatro ações permanentes, dentre elas o Cine Africanidade. Nascido no ano de
2011 com o objetivo de promover a aproximação entre acadêmicos e afro-religiosos a partir
da linguagem do cinema, seu público alvo é composto por universitários do curso de
graduação e mestrado em Ciências da Religião e demais licenciaturas, bem como a
comunidade afro-religiosa convidada. Este trabalho tem por objetivo apresentar o projeto de
extensão cine africanidade, suas características (metodologia) e sua importância ao
aproximar os saberes da academia e os saberes da comunidade afro-religiosa do Pará,
esclarecendo a comunidade acadêmica quanto suas teologias, práticas rituais, símbolos e ethos
das religiões afro-brasileiras.
O fenômeno religioso na arte a partir da performance Ritos: surgimento do ator-místico
Amanda Barros Melo

Mestranda Ciências da Religião/UEPA

amandacrsearch@hotmail.com

Maria Roseli Sousa Santos

Orientadora, Doutora em Educação/UEPA

mroselisousa@gmail.com

Resumo
A presente pesquisa tem sua base firmada em dois polos a arte (teatro) e a religião, evidencia-
se no campo da cultura e identidade. A problemática centra-se em compreender se há
elementos oriundos das experiências religiosas dos atores em cena (performer e músico) a
partir das ações realizadas na performance Ritos, que tem suas bases no teatro da crueldade do
teatrólogo francês Antonin Artaud. Objetiva-se neste artigo apresentar o objeto de análise e
suas dimensões simbólicas, posteriormente mostrar a existência do ator-místico, tipo ideal
criado a partir da performance analisada. A metodologia fundamenta-se no aporte teórico que
abarque conceitos oriundos do teatro e das ciências da religião com ênfase na mística, no fator
fenomenológico to ator criador. O resultado esperado consiste em criar o quadro explicativo
com os principais elementos que constituem o ator-místico.
Palavras-chaves: Performance, símbolo, mística.

Performance Ritos: surgimento na academia e chegada aos palcos


Entre a academia e os palcos, este tem sido o percurso de toda a caminhada que a
performance Ritos tem realizado desde sua criação em 2008, e desde então esta vem se
renovando, se moldando aos desejos, sensações de sua criadora, sendo então um grande
deposito de experiências.

A performance surge como resultado final de disciplina cursada por sua criadora, a
perfomer Michele Campos1, na Unirio, disciplina que tinha por nome "O teatro da crueldade
de Antonin Artaud", ministrada pela profª Dr. Maria Cristinha Brito. Neste período a
performer/pesquisadora passou acumular conteúdo referente ao teatrólogo frances Antonin
Artaud e seu teatro da crueldade, o que posteriormente se tornou a base para todas as ações
realizadas durante a performance, sendo que todas estas atividades estavam ligadas também a
disciplina "Estudos das Performances Afro-Ameríndias" que foi ministrada pelo Profº Dr.
Zeca Ligiéro, disciplina esta que deu maior suporte ao trabalho de criação da performer,
proporcionando a aproximação desta com diversas linguagens as quais a performance utiliza,
simbologias, dialetos, ligados ao contexto cultural ameríndio e afro-brasileiro, todos estes
dados ligados por meio da crueldade artaudiana. Ao fim da disciplina a performance chamada
de "Ritos uma inspiração artaudiana" realiza sua primeira experimentação, com apenas 15
minutos de giros, plasticidade e poesia.

A base da pesquisa acumulava cada vez mais informações sobre o termo crueldade,
este sendo transportado para o caráter mais atual do gênero performance, através disto a
performer matura cada vez mais sua pesquisa o que proporciona agregação de mais conteúdo
a própria performance. Ocorre então a parceria feita com o musico Marcello Gabbay 2, músico
e sonoplasta que também desenvolvia trabalho autora no contexto musical voltado para as
obras de Artaud.

Em 2009 "Ritos: uma inspiração artaudiana" surge em um evento que ocorreu por
conta do II Encontro de Performance e Política das Américas, organizado pelo Núcleo de
Estudos das Performances Afro-Ameríndias - Nepaa, vinculado a Unirio, ao lado da
performer e antropóloga Regina Pollo Muller e outros importantes artistas. E então as pessoas
comentavam muito, que era Muito interessante, um trabalho de corpo e tal (CAMPOS, 2013).

1
Doutoranda em Artes Cênicas (UNIRIO), mestra em Artes Cênicas (UNIRIO).
2
Doutor em Comunicação Cultural (UFRJ), mestre em comunicação cultural (UFRJ).
Cada momento em que Ritos ainda como uma inspiração artaudiana surgiu, serviu para
maturar a experimentação. Após o ano de 2009, o espetáculo performático fica certo período
sem apresentações, porém em 2011, por conta de uma bolsa de estudos Michele Campos e
Marcello Gabbay seguem para Paris, onde passam a residir na cidade universitária, mais
exatamente na casa do Brasil (Maison du Brésil), isto ocorre por meio do Found pour lês
Initiatives Étudiantes (FIE), pela contemplação de uma bolsa artística dada pela Cité
Internationale Universitaire de Paris, Ritos é recriado, uma nova performance e estudada,
novas informações entram, ganham sentido por estar no país do autor dos escritos malditos, o
trabalho é desenvolvido de forma experimental, uma das mudança mais sensíveis é a duração,
que ganha mais 45 minutos, num total de 1 hora.

A performance se transforma, ganha novos elementos fica mais próxima ao seu cerne
inicial o teatro da crueldade de Antonin Artaud, que é pesquisado pela criadora de Ritos, neste
período ainda denominado como une inspiracione artaudiana, outro elemento forte surge
junto a isto, o encontro da performer com os trabalhos desenvolvidos pelo cineasta, teatrólogo
e místico o chileno Alejandro Jodorowski, o taro surge o caráter esotérico é incorporado na
cena por fazer parte das experiências vividas pela artista. pra cada uma delas bem baixinho e
pra cada uma frente a frente com elas e só repassava para aquela pessoa que ele tirava e aquilo
me deixou LOUCA, ENCANTADA, quem é esse homem?? (CAMPOS, 2013). Além destes
aspectos surgem colaboradores, a musicista mexicana, um musico mexicano ambos residentes
da casa do México, também fazendo parte da cidade universitária, outra contribuição vem de
um filosofo brasileiro ligados a artes visuais que residia na casa do Marrocos.

Tudo isto faz com que a performance além de aumentar, passe a ter um outro corpo,
muito diferente do que foi feito em seus primórdios ainda na Unirio. Ai eu consegui na casa
do Brasil, emprestada a sala do teatro deles, todas as manhãs eu podia usar, até tipo de 8 as 11
da manhã, a sala durante 3 meses e ai eu comecei a fazer o treinamento lá [...] (CAMPOS,
2013). Em novembro de 2011, na semana dos Mortos, a performance ressurge, a primeira
frase dita por Marcello "Esta é a cerimônia da morte", seria então um ritual de vida e morte,
começos e fins, a performance segue em dois dias de ritual, o primeiro na casa do México, em
seguida na casa do Brasil, isto encerra a passagem de Ritos em Paris, mas deixa marcas
fortíssimas no corpo da performance, os elementos permanecem em grande parte.
Em 2012 a criadora da performance e o músico retornam ao Brasil, mais exatamente a
sua terra natal Belém do Pará, e neste ano Ritos é selecionado para fazer parte do grupo de
espetáculos que fizeram parte do projeto pauta mínima 3, em que para cada espetáculo
selecionado, este seria apresentado no Teatro Cuíra 4. E ai o Ritos vem pra cá, pra Belém
depois e já vira uma outra coisa, quando entra toda uma estrutura que em Paris eu não tinha,
uma iluminação pesquisada pra ele, entra o figurino que não tinha (CAMPOS, 2013), o lugar,
o retorno as raízes, a estrutura que surge faz a performance se moldar ao contexto da cidade,
elementos que apenas em Paris foram visto, foram modificados ou retirados, enquanto outros
tornaram-se mais visíveis e fortes do que antes eram. Novos colaboradores surgem, a
iluminadora, o figurinista, a cenógrafa. [...] é isso o trabalho ganha aqui um outro corpo, eu
começo a trabalhar o corpo de uma outra maneira também estando aqui, e entra com essas
pessoas [...] (CAMPOS, 2013). Estes elementos tornaram Ritos, algo diferente de Ritos uma
inspiração artaudiana. Parte da essência permanece, porém o novo surge, o corpo muda, a
energia agora é outra. Ritos se mostra em quatro dias de intensas atividades no teatro,
mostrando ao público sua bagagem, suas mitologias, sua cosmologia.

Após este retorno, a performance faz intervalos menores entre cada ressurgimento,
cada experimentação algo diferente. Em 2013 pisando no palco do teatro universitário
Claudio Barradas, que pertence a Escola de Teatro e Dança da UFPA, como espetáculo
convidado para o conjunto de apresentações do encontro de pesquisa em dança pessoal do
ator Patuanú, tem apenas uma noite de cena, todo o teatro tomado pelo publico enquanto o
ritual ocorria. Seguindo isto no mesmo ano, em Abril Ritos é selecionado ara fazer parte do
Festival de teatro do Maranhão, tendo uma apresentação no teatro Alcione Nazareth em São
Luís. Logo após ressurge no Rio de Janeiro em dois momentos uma versão menor feita na
Unirio e outra completa no morro Santa Marta, a performance segue e retorna a Belém para o
festival de verão, isso fecha as apresentações realizadas em 2013 Atualmente o ritual foi
realizado em São Paulo. Isto marca a trajetória da performance desde sua origem até os dias
atuais, que já somam sete anos de performance Ritos.

3
Financiado pelo Myrian Muniz, Funarte.
4
Teatro localizado no bairro da Campina, na cidade de Belém do Pará.
Em Ritos a expressão do sagrado

Para o ritual começar, o preparo, os ensaios as restaurações 5, o corpo é domado,


domesticado, a energia acumulada que todas as experiências vividas por este corpo são
depositadas em sua cena, em seu mundo além do mundo. No palco o corpo é o centro da
performance Ritos, este é observado pelo público, e em determinados momentos domado por
outro corpo, aquele que atravessa seu espaço, quebra seu circulo sagrado. [...] as imagens da
poesia no teatro são uma força espiritual que começa sua trajetória no sensível e dispensa a
realidade (ARTAUD, 1999 p. 18).

Quando Ritos ressurge em palcos, histórias são contadas, registradas no corpo, no


gesto e na fala daqueles que estão na cena, estas informações são recebidas pelos
espectadores, que tornam-se componentes do ritual, são os que fazem deste algo que sai do
campo individual e se legitima a partir do coletivo, reafirmando tudo que já foi dito por meio
dos mitos, das historias, da relação de vida e morte constantemente mostrada na cena. Mas o
que delimita o espaço entre os gestos feitos e as palavras ditas em Ritos? A relevância destes
em cena faz toda a diferença, seria impossível realizar esta performance sem a palavra sem os
gestos, pois estes evocam o sagrado contido em cada elemento, este sagrado concebido pela
performer, que molda suas vivências em seu espaço ritual. Segundo a idealizadora 6 da
performance:

A idéia era o que, que passa entre um e o outro que eu possa trazer para esse meu
elemento que eu possa fazer O MEU SAGRADO E O MEU PROFANO, a minha
religião misturada com muitas coisas, e ai foi isso eu ponho elementos como o
circular, eu ponho o giro, a roda como elemento de manipulação, de ter água, tem
todos os elementos que são estudados no tarot, são os elementos básicos, ar, fogo,
água, terra que são também ligados aos signos, são ligados também aos planetas
(CAMPOS, 2013).

As experiências depositadas em Ritos estão diretamente ligadas ao(s) contexto(s)


religioso(s) por onde sua criadora e até mesmo seu parceiro em cena passaram, e o jogo
estabelecido entre estas experiências e os símbolos criados para compor o espaço ritual se da
pelo trânsito feito, espécies de saltos que levam o corpo da performer para vários momentos
que são contados e fortalecidos a cada experimentação da performance, são as restaurações
oriundas do gênero performance, comportamentos simbólicos realizados por quem faz seu
5
Movimentos restaurados, conceito utilizado por Schechner (2003) para explicar como os comportamentos
simbólicos são repetidos, são restaurados a cada rito cotidiano ou não.
6
Entrevista realizada em 28/02/2013.
ritual pessoal. . O comportamento do ser humano religioso é o espelho de sua experiência do
sagrado (CROATTO, 2001, p. 57). Experiências estas quando compõe a cena de um
espetáculo performático, tem o poder de potencializar e propiciar desta forma a suspensão que
se faz a partir dos elementos estéticos, e a poética artística que no caso do objeto analisado é a
poética teatral, o espírito, a magia oriunda dos ritos teatrais. O rito portanto, carrega de
sacralidade, ou seja, de vitalidade renovada e de energia, o tempo, o espaço e a causalidade
empírica (BAZÁN, 2002, p. 51), o rito reafirma, é a ação última anunciada pelo mito,
elemento este também utilizado na cosmologia da performance Ritos, este evoca a sabedoria
de vida da cultura ameríndia, é transportada para o espaço da performer, que por meio da
palavra trás os mitos de origens indígenas para seu ritual. Para Bazán (2002):

O mito é o fundamento da palavra religiosa, o relato epifânico e tradicional. Como


narração que se apóia não no discurso racional, mas no relato que conta uma
experiência primordial e está aureolado pelo prestígio que conserva a sucessão dos
relatores qualificados, ilustra sobre a origem, sentido último e a realidade dos fatos
do mundo e da existência (BAZÁN, 2002, p. 55).

Este fator ontológico anunciado na performer é o elemento primeiro para provocar a


suspensão, que toca a matriz familiar e cultural da performer, este fator quando transportado
para o contexto artístico tem sua base atualizada, quem usa a palavra do mito é o ser ator, que
se faz um "relator qualificado" , este anuncia de que forma se faz sua visão de mundo, tem eu
sentido ontológico, trás o contexto primordial, de origem, que por meio do corpo-simbolo é
expresso, algo além da palavra, algo que toca o corpo. Segundo a idealizadora de Ritos:

Então a idéia era, mostrar isso, suspender essas pessoas nesse lugar, com outro,
ritualístico, mágico e que junto com a música e com aquela iluminação, que ela não
formato do espetáculo, mas que ela dá uma ambientação toda de cor te leva pra um
outro lugar né, ESPIRITUAL, que eu acho muito aquela iluminação da Patrícia
(iluminadora) o azul, o vermelho, te provocar estados, então é isso de a pessoa olhar
e de alguma maneira ser afetado por isso [...] (CAMPOS, 2013).

O corpo que se doa e se movimenta, trânsita entre seus símbolos, mergulha em suas
vivências, mostra o tarot, doa cachaça ao santo, brinca com as lendas indígenas, grita as dez
pragas da mitologia judaica, unindo isto em um espetáculo, que visa expor, mostrar ao
público as historias de vida de sua criadora, moldada pelo caráter performático da cena, é
nisto que o ator-mistico se põe em ação. Estes elementos estão ligados ao que a idealizadora
concebe como parte da base de seu ritual, o uso dos três fatores, mito, símbolo e rito, que
seguindo esta ordem proporcionam a composição deste corpo cênico extremamente poético
que é a performance Ritos. A obra de arte exprime concepção do mundo, nova e original
(LOUREIRO, 1988, p. 15), o caminho escolhido pelo artista criador para expor seu mundo,
isto na realidade contemporânea liga este fator ao que a performance tem como base e aqui
evidencia-se exatamente isto, o fator da vida tornando-se linguagem, algo que se alimentou
em uma vanguarda, mas que transporta e atualiza a mesma, dando outro corpo, outro modo de
ser feita, e isto se renova a cada experimento deste ritual. [...] a primeira função da arte é
exatamente a que eu denominei como a primeira função da mitologia: transportar a mente
experimentadora além dos guardiões [...] (CAMPBELL, 2001, p. 164), a função de ir além e
moldar seu espaço de acordo com sua visão de mundo.

O corpo do ator-místico: teoria e ação

O místico cala, tem em suas experiências o ápice de sua força espiritual, algo
extremamente interno. A doação, por meio do desprendimento, ver e sentir aquilo que na
realidade cotidiana é silenciado. O ator com bases místicas, mergulha em si, e partindo disto,
externaliza com gesto, fala e também no silêncio, em seu rito pessoal. Aqueles que transitam
entre os mundos do visível e o que transcende a este. Os místicos são aqueles que conseguem
captar a dimensão de profundidade presente na vida e reconhecer o outro lado das coisas
(TEIXEIRA, 2004, p. 27). Vivências místicas seriam então aquilo que quebra com o que a
realidade cotidiana nos mostra, por meio dos aspectos culturais, sociais que reverberam nas
mais distintas práxis?

Talvez mudar o termo "quebrar", para algo que seja menos aniquilador, experiências
místicas consistem em romper, às fronteiras delimitadas pelas vivências cotidianas,
provocando assim um mergulho em um mundo de significados. Então sendo assim, ir além
destas fronteiras seria o propósito mais latente do ser místico, abandonar a visão míope que o
cotidiano não restaurado possui.

Todo e qualquer experiência de busca, de encontro com si, pode ser considerado algo
místico, mas é perceptível que no âmbito religioso esta busca, fica mais evidente, e se
distribui entre as mais distintas formas de experiências, que transitam entre os meios mais
tradicionais, a outros que podem ser considerados mais alternativos.

A mística se faz na prática, mesmo que seja algo tão interno que fique complicado
tornar mais objetivo ter de fato forma concreta, porém algumas linguagens podem tornar
visível o que a mística faz. A arte? Sim, esta abarca uma teia de linguagens, formas e
subjetividades, que podem ser consideradas místicas, em alguns aspectos, pois o ser artista
quando produz algo, mergulha em si, para tornar real, concreto o que sente, se utilizando
assim de uma série de alegorias, signos, e símbolos.

Há sim distinções entre as experiências místicas religiosas e experiências místicas


com fundamentação artística, porém mesmo havendo estas distinções a busca, o mergulho
interno acaba produzindo algo, com dimensões espetaculares, existem em ambas. Toda
linguagem artística possui estrutura para dar forma a algo, mas aqui o foco será o teatro e seu
braço mais forte na contemporaneidade, a performance, justamente esta que parte do self do
performer para através das linguagens que a performance se utiliza, dar forma, e comunicar
algo, sendo que estes serão fortalecidos pelo teatro ritualístico e místico de Artaud 7 aqui. Que
com a crueldade, a peste, visa transcender ao cotidiano teatral. O que de místico tem o teatro
performático?

Além das características que comumente já interligam arte e religião, é na mística que
ambas podem ser compreendidas da forma mais forte que é possível pensar, pois se trata de
algo que partira do âmbito subjetivo em ambos os contextos, e logo ganha forma, no mito, no
rito, no espetáculo, na performance, é este fator que na mística se faz presente. A magia
produzida por ambos se torna o cerne principal para potencializar o que ocorre no mergulho
interno que tanto o ator/performer, quando o homem da fé fazem. Segundo Teixeira (2004) o
místico é:

O místico é alguém familiarizado com a visão interior, que ultrapassa a consciência


ordinária, ele vive a radicalidade da presença de algo absolutamente novo e gratuito;
vive uma experiência que toca a dimensão profunda e escondida da realidade
(TEIXEIRA, 2004, p. 27-28)

Esta dimensão profunda é a realidade interna que pertence apenas ao místico e/ou
performer/ator. Esta capacidade de a partir de si comunicar algo, fazer seu rito, que esta
presente no ser performer, seria então o que faz este, comunicar-se com o meio místico,
mesmo por que assim como o místico o ser artista precisa ver além das coisas, do cotidiano,
para então criar algo, que só quem realmente conhece e sabe dos objetivos daquela prática é o

7
Teatrólogo frances, nascido em Marselha (1896-1940) que ao longo de sua vida produziu uma serie de ensaios,
que dão forma ao seu teatro da crueldade, o novo teatro ou forma de fazer teatral que visa retornar o teatro a sua
verdadeira essência.
próprio performer, assim como o místico, quando este tem seus mergulhos internos. Esta
comunicação entre teatro e mística, se faz no teatro ritualístico de Artaud (1999), que
compreende a energia e poder do teatro da seguinte forma:

O teatro, como a peste, é uma crise que se resolve pela morte ou pela cura. E a peste
é um mal superior porque é uma crise completa após a qual resta apenas a morte ou
a extrema purificação. Também o teatro é um mal porque é o equilíbrio supremo que
não se adquire sem destruição. Ele convida o espírito a um delírio que exalta suas
energias (...) (ARTAUD, 1999, p. 25).

No teatro ocorre a morte e o ressurgimento, partindo da renovação, do gesto, da fala,


do espírito poético, que para Artaud (1999), é força de suma importância para que o teatro
toque o público, ele anúncia seu novo teatro, como algo arrebatador, que tomará conta, que
causará algo internamente nos espectadores. Esta mudança mesmo que não venha à tona, se
faz. Assim como a peste8 toma conta de um corpo, e este tem dois destinos, se cura e retorna
renovado ou morre no caos, na desordem que a mesma causa. Estes caos, desordem, se
mostram no teatro, este caráter anárquico, que visa mudança, se mostra, pelo espaço e corpo
do ator, que comanda e dialoga com o público ao redor, procura tornar mais ativo, aqueles que
geralmente são passivos, e apenas fazem número, este teatro que invade, é o mesmo que
transcende as bases clássicas e duras do fazer teatral, por isto o caráter anárquico deste.

Este teatro Artaudiano, proporciona o mergulho do ator, e resgate da linguagem por


meio das experiências vividas pelo mesmo, sendo que, estas não se tornam simples elementos
que fazem apenas numero no espaço do rito, mas estes símbolos são efeitos da renovação, do
renascimento que ocorre neste espaço, o desprendimento que visa a criação de algo novo,
estes que podem ser consideradas bases para a experiência mística, este novo que se anuncia
por meio da ação. Nesse fundo está em jogo a disposição de uma liberdade que não é nem só
negativa, nem apenas positiva, mas que é sempre em travessia (SOUZA, 2004, p. 114).
Quando a mística surge em meio cênico, é porque o ser criador do ato, mergulhou em suas
vivências religiosas e as expôs, sob forma de espetáculo/performance, logo a mística do ator
esta presente no momento em que se põe em contato com sua identidade religiosa. Fator este,
que trará ao espaço cênico, suas experiências, porém estas moldadas pela plasticidade do ato,
e cercada por seus símbolos. Enquadrar o ator que se faz místico, a partir de sua criação que é

8
A peste tão citada por Artaud em seus escritos sobre teatro, é a peste bubônica que assolou parte da Europa,
causando grande perca populacional.
exposta para o público, é fazer algo totalmente interno ganhar forma, e assim tornar esta
atmosfera mística mais próxima a todos que partilham deste momento.

Se por em um palco, entrar em um processo de potencialização a partir do corpo, da


palavra, dos símbolos que circundam a cena, é este o território que o ator-místico cria,
delimita, para que se ritual seja realizado, porém ator-místico está munido também, de outras
ferramentas, ele se firma em suas vivências, seu mundo interno, cria seus símbolos, e a partir
disto expõe um mosaico de informações para os espectadores. Entretanto os significados só
podem ser "armazenados" através de símbolos (GEERTZ, 1989, p. 144). Simbologia esta,
carregada de significado para aquele que se mostra no espaço e no tempo do seu rito. Sendo o
símbolo este deposito de significados próprios do ator-místico, é nisto, no jogo feito por meio
da manipulação destes, juntamente com os mitos e o corpo/símbolo, que faz com que a
performance Ritos, ganhe a atmosfera ritualística visual.

É no tempo e nesta outra realidade que o trânsito constante entre os inúmeros


momentos representados que no palco se fazem ver, a não linearidade das ações, mas uma
espécie de espiral, onde o ritual pessoal se inicia em um ponto e se expande com o decorrer
das cenas, dos saltos feitos. Digo que a cena é um lugar físico e concreto que pede para ser
preenchido e que se faça com que ela fale sua linguagem (ARTAUD, 1999, p. 29). É a cena
que toma posse dos elementos, pois o espaço do palco, se faz outro quando esta ocorre. A
cena em Ritos tem sua base na cosmologia criada pela performer, com o auxílio da música
manipulada por aquele que fora do circulo esta, mas que em certos momentos comanda com
seus sons, da o ritmo com o toque de seu curimbó.

O molde de Ritos se faz por meio da visão de mundo de sua criadora, que quando
deposita suas experiências em cena, se mostra, porém sempre circundada por todas as
dimensões espetaculares do rito. O impulso de retirar um sentido da experiência, de dar-lhe
forma e ordem, é evidentemente tão real e tão premente como as necessidades biológicas mais
familiares (GEERTZ, 1989, p. 158).

O caráter místico de Ritos se mostra a partir do mergulho feito antes e durante a cena,
e que acaba por proporcionar a exposição das experiências religiosas o ator-mistico que se faz
no palco, aquele que grita suas vivências, e utiliza a potência teatral de Artaud (crueldade,
peste) para manter isso. Fazer o Ritos me levou para um lugar de encanto, de magia através
dos mitos, pela beleza e simplicidade, pureza da mitologia indígena, tão mística e sabia, pelo
lúdico deles fui arrebatada (CAMPOS, 2013). O ator-mistico se torna místico apos repousar
em si, em suas experiências em seu(s) contexto(s) religioso(s) para então ligar estas vivências
místicas, e moldá-las a sua visão de mundo, para depositar isto em seu espaço, e tornando este
plural, por depositar tantas informações, por conta de sua teia de vivências, em Ritos isto se
mostra de forma forte, pois o trânsito entre cada momento vivido pela criadora, os símbolos
que ela cria, os mitos que conheceu por meio de sua caminhada são o que mantém parte do
teor místico da performance, porém o símbolo chave disto, é o corpo da mesma, pois é por
meio dele que os outros símbolos estão interligados e relacionados. Geertz (1989) diz:

Tais símbolos religiosos, dramatizados em rituais e retratados em mitos, parecem


resumir, de alguma maneira, pelo menos para aqueles que vibram com eles, tudo o
que se conhece sobre a forma como é o mundo, a qualidade de vida emocional que
ele suporta, e a maneira como deve comportar-se quem esta nele (GEERTZ, 1989, p.
144)

O símbolo é o principal responsável por receber as significações que demonstram


como aquele indivíduo ou grupo percebem e compreendem o mundo em que vivem. Em
Ritos, o símbolo tem esta capacidade, são estes que circundam e anunciam parte do ritual,
pois por meio deles é possível perceber o caráter plural da performance, Geertz (1989) por
meio de suas afirmações sobre símbolo, e a influência deste no contexto religioso,deixa claro
que a teia simbólica que cerca o homem e os mundos de cada individuo, é o que faz com que
seja possível mergulhar o contexto de criação de Ritos neste mundo simbólico e então
perceber como isto ocorre nesta performance. Em entrevista 9 Michele Campos, idealizadora
de Ritos diz que:

E através da simbologia compartilhada o público se identifique com aquele


sentimento que vou experimentando ao girar, cair, ao perder o controle, pular, no
improviso, no inesperado, no grito, ele se surpreenda junto comigo, até uma
pulsação única, um encantamento coletivo, este sentido de ser cruel que busco, de
sacudir o pensamento com uma narrativa fragmentada, que me faz compreender
vários caminhos diferentes, várias leituras para uma mesma ação, para um único
sopro (CAMPOS, 2013)

Este mecanismo de comunicação entre os dois meios contidos no rito do ator-mistico,


é o que potencializa a troca de informações entre ator e espectador, sendo que esta troca se da
na quebra da passividade, que nem sempre se faz visível, porém existe, e como uso da
linguagem cênica performance torna-se mais evidente, pois o espectador participa do rito, da

9
Entrevista realizada em 28/02/2013.
feita que o ator-mistico o convida a partilhar da cena. Em Ritos, isto ocorre em dois
momentos mais fortemente, a cena do tarot10 e a cena da pintura corporal11.

O seguinte esquema demonstra como a mística teatral de Artaud funciona, para o


contexto da performance Ritos, possibilitando assim melhor visualização de como ocorre
processo ritual do ator-mistico:

Rito Teatral (bases em Artaud)

Experiência Crueldade (mergulho) Nova Realidade

Vida Renascimento Ritos

Cotidiano Potencialização Extra-cotidiano


(místico)

Em três momentos este processo foi dividido, para cada um destes a transformação, o
mergulho ocorre para então criar um produto, algo com características místicas, na qual se
firma o território do ator-mistico, possibilitando assim a ação ritual. 1) Vida
10
Neste momento a performer, sai de seu espaço central,o circulo menor, se dirige ao lado direito do palco, se
aproxima de um espectador, e o convida para ter sua vida vista por meio da leitura das cartas do tarot de
Marselha. O convite é aceito, ambos se dirigem até o centro do palco, e outro rito se inicia. A performer expõe
seu tarot ao respectivo espectador, acender uma vela, e mantém o contato visual fixo com este que agora esta a
sua frente. As cartas são escolhidas, a leitura é feito. E todos ao redor parecem curiosos, porém cada palavra dita
só é compreendida por aquele que está no circulo menor junto a esta que lê sua vida por meio das cartas, o
passado, presente e o futuro, por meio do simbolismo presente em seu tarot. O máximo que se pode ouvir são
sussurros baixos, que não se fazem entender de tão baixos que são. O mistério é o que toma conta deste
momento. a iluminação muda, os sons emitidos pelo músico que de fora do circulo maior mantém a atmosfera
ritualística da performance com suas músicas.
11
Após a leitura do tarot, o rito termina. A pessoa escolhida se retira do circulo menor. A performer então guarda
o seu tarot, apaga a vela, e tira seu vestido de retalhos, enquanto ela dobra o vestido e o deposita próximo aos
outros elementos, o músico se aproxima, rompe o circulo de guias coloridas, e com uma parte das guias ele toca
a costa da performer que então pega esta sequência de guias vermelhas e com passos duros, que quando tocam o
chão emitem um forte som, esta segue para um pequeno elevado no palco e lá como um fantoche preso as guias,
fica em diversas posições. O músico novamente se aproxima, desta vez com uma paleta de tintas em uma das
mãos e na outra um pincel, este pinta algo no corpo que se faz em movimentos e após isto sede a paleta e o
pincel a algum espectador que esta sentado próximo ao local, e entre idas e vindas de vários espectadores o
corpo da performer esta coberto por linhas, círculos, espirais, aquilo que cada um sentiu vontade de fazer.
(experiência/cotidiano): é o momento que antecede a toda a criação. Onde todas as vivências
religiosas e seculares estão depositadas, por meio desta. A visão de mundo do ator-mistico se
faz. E este como artista, ou seja, aquele que cria a partir do que acumula em sua vida, utiliza o
que acha mais necessário, e aos poucos deposita isto em suas criações, por meio de memórias,
objetos, imagens, músicas, até o silencio. No contexto da performance Ritos, isto se deu a
partir de inúmeros momentos, a descoberta dos escritos de Artaud, a ida a Paris que resultou a
inúmeras visitas ao lugar onde o tarólogo Alejandro Jodorowsky sorteara 22 pessoas todas as
quartas-feiras para terem suas vidas interpretadas no tarot, sendo que em uma destas quartas,
um dia após seu aniversário, o parceiro d Michele Campos, o músico/sonoplasta Marcelo
Gabbay é sorteado, a convivência com os Tembés que proporcionou grande aprendizado
(mitologia, dialetos, costumes etc.), as experiências ligadas a idas a terreiros, observações a
rituais de santo-daime, proximidade com práticas judaicas e inúmeras outras experiências, que
em Ritos foram depositadas e entrelaçadas, dando a impressão que para cada momento
ocorrem saltos, por conta disto a não linearidade entre cada ação. 2) Renascimento
(crueldade/potencialização): este é o momento da preparação física, ordenamento das
sequência de elementos que iram para o rito da idealizadora da atriz. Este mergulho realizado
em suas memórias, o retorno as suas matrizes culturais. A crueldade é o que potencializa estas
ações, trás a estes elementos mais organicidade, proporciona o rompimento com as fronteiras
entre a performer e o público. Por meio disto a torna-se mais ritualística, produzindo ações
que provocam a suspensão de quem realiza a ação para uma nova realidade, ou seja, o
momento que mostra seu mundo de histórias, símbolos, movimentos para os que estão
observando-a. A crueldade artaudiana é o mecanismo que ativa e potencializa o mergulho da
performer em suas vivencias, e possibilidade a sua exposição. 3) Ritos (Nova realidade/
Extra-cotidiano): após as etapas de maturação em que corpo e elementos simbólicos são
ligados, é o momento em que a ação ritual ocorre. Quando o espaço de Ritos está feito e o
público é convidado para partilhar deste momento. Os inúmeros ritos são ligados uns aos
outros, e a performance é feita. O extra-cotidiano se mostra, a partir do momento em que este
mundo de símbolos é feito, esta nova realidade. Que se utiliza da linguagem cênica para
proporcionar este momento de quase suspensão.

A criação do ator-místico se dá por esta serie de etapas, que logo acarretam no ato
representativo. Sobre isto a criadora de Ritos, diz que:
Então como agora eu trabalho muito agora com a linguagem da performance, tudo o
que eu penso, inclusive novos projetos que eu penso, tudo tem muito haver com a
minha relação com as coisas que vem acontecendo, as coisas que eu tenho
conhecido, com a historia dos terreiros que eu tenho ido, então isso pulsa. É a minha
vida, é o meu cotidiano, as coisas que eu faço (CAMPOS, 2013)

O ator-místico se apodera de sua própria história, antes armazenada apenas em sua


memória, mas que quando maturada, e articulada com os outros elementos, como as
expressões artísticas que estão presentes na performance se expande, ganha corpo. São
sempre histórias e vivências, expostas em um momento alheio a rotina da própria criadora e
também dos espectadores. Se por assim em Ritos, é o que faz nascer o ator-místico. Que se
faz místico, a partir de si de suas vivências com os diversos meios religiosos pelo qual passou
se por em cena, criar seu mundo de símbolos, criando assim sua cosmologia própria, este teor
inédito, algo que mesmo se for feita uma mimese, não será igual, pois Ritos, se faz por meio
do corpo e da vida daquela que tanto se expõe nele.
Considerações Finais

Encontrar em um objeto de estudos elementos oriundos de tantos lugares e tempos


distintos é algo que provoca certa ebulição de idéias e formas de análise, para isto a presente
pesquisa tem sua continuidade, pois esta ainda carece de um mergulho mais profundo em sua
dimensão cosmológica. Unir vida e linguagem, expor suas vivências, algo que quando
utilizado em um rito sendo este religioso ou não, sempre causa sensações e uma serie de
interpretações, logo conseguir depositar isto em um ato representativo é um trabalho árduo,
pensado e bem elaborado, exatamente o que ocorre com a performance Ritos, esta que a anos
vem se remodelando, trocando informações com cada público que a recebe. Ritos pode
possuir este potencial numinoso, mesmo que o objetivo deste não seja a religião ou alcançar o
totalmente outro, mas esta numinosidade é simplesmente ressignificada, torna-se algo com
caráter contemplativo, que aciona o mergulho interno de quem realiza o rito e quem o recebe.
As bases ritualísticas da performance são oriundas de práticas sociais já existentes em nosso
meio há anos, só que estas são transportadas e potencializadas em meio cênico, como uma
espécie de restauração do gesto, do movimento, do falar, do ser, tudo isto por meio do ato de
fazer, da ação representativa. Performance é a ritualidade do meio cotidiano, que quando
organizado, maturado através das práticas, torna-se extra-cotidiano, a exemplo disto temos
dois pontos, rituais religiosos, que tem suas práticas realizadas em períodos distintos, e o rito
teatral que por meio dos ensaios, são reproduzidos e articulados pelos atores-performers. O
ser social vive e se transforma de acordo com que vai produzindo seus símbolos, pois é por
meio destes que ele se identifica, em larga proporção, um indivíduo, um grupo, uma nação.
Para todos estes os símbolos estarão sempre perto, dando o caminho ou explicando o mesmo.

É justamente nesse mundo de símbolos, que Ritos foi criado, e fez seus códigos, deu
seus primeiros passos, por meio as vivências de sua criadora, que quando no palco, fala, gira,
se mantém em um bailado constante, se tornando um corpo-simbolo ligado aos outros que
estão distribuídos pela extensão de seu território. É por conta disto que neste mundo, surge o
ator-mistico, este que se faz símbolos, que mergulha em si e mostra suas vivencias religiosas
para os espectadores.
Por meio desta performance é possível perceber o caráter plural do fenômeno religioso
e que os indivíduos estão cercado por inúmeras linguagens que podem ser interpretadas das
mais diversas formas, o rito, o mito, o performático, o lúdico, o estético, todos estes
elementos fazendo parte de um único lugar, o espaço de um ritual múltiplo, que se faz por
meio do corpo-símbolo, do ator-místico, que por meio de expressões artísticas, mostra o
fenômeno religioso, de uma forma menos convencional, que na caixa teatral se faz.

Referências
ARTAUD, Antonin. Vida e Linguagem. São Paulo: Ed. Perspectiva. 1970.
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Martins Fontes. São Paulo, 1999.
BAZÁN, Francisco García. "A religião e o sagrado". In: Aspectos incomuns do sagrado.
São Paulo: Paulus, 2002.
CROATTO, José Severino. "A experiência religiosa: descrição e implicações". In: As
linguagens da experiência religiosa: uma introdução à fenomenologia da religião. São
Paulo: Paulinas, 2001.
CAMPBELL, Joseph. "Temas mitológicos na arte e na literatura criativa". In: CAMPBELL,
Joseph. (Org). Mitos, Sonhos e Religião. Nas artes, na filosofia e na vida contemporânea.
Tradução de Angela Lobo de Andrade e Bali Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Ediouro,
2001.
GEERTZ, Clifford. . A interpretação das culturas. Rio de Janeiro. Editora da Guanabara.
1989.
LOUREIRO, José de Jesus Paes. "Compreensão histórica da Arte". In: Elementos de
Estética. 3 ed. Belém: EDUFPA, 2002.
SOUZA, Adriana Andrade de. O exterior mais que interior que o mais íntimo: Echkart e a
excelência de Marta. In: TEIXEIRA, Faustino (org). Caminhos da mística. São Paulo:
Paulinas, 2012.
TEIXEIRA, Faustino. "O desafio da mística comparada". In. No limiar do mistério: mítica e
religião / Faustino Teixeira (org.) - São Paulo: Paulinas, 2004.
Título do pôster: “O Grupo de Estudos Religiões de Matriz Africana na Amazônia
(GERMAA) e a aplicação da lei 10.639/2003 nas ciências da religião e no ensino religioso”.

Orientadora: Prof. Dra Taissa Tavernard de Luca

Autora: Taissa Tavernard de Luca


Coautores: Anaíza Vergolino
Wanderlan Gonçalves do Amaral

RESUMO
O Grupo de Estudos Religiões de Matriz Africana na Amazônia – GERMAA surge em 2011
com o objetivo de integrar o ensino, pesquisa e extensão na área das Ciências da Religião
dentro do contexto regional, nacional e internacional. Através de atividades sistemáticas são
desenvolvidos estudos e trabalhos que integram a academia e os afro religiosos estabelecendo
um dialogo altero que visa produzir conhecimento e combater a intolerância religiosa,
fomentando uma convivência respeitosa entre as diversas tradições religiosas presentes nas
sociedades. Possibilita aos professores do Ensino Religioso um aporte teórico e pedagógico
no estudo das religiões de matriz africana através da produção e elaboração de subsídios para
discutir intolerância religiosa em sala de aula e dinâmicas sócio educativas para a prática
pedagógica destes professores. Com os projetos de extensão “Cine Africanidade”, “O Cine
vai à escola” e o “Dialogo entre religiões”, expõe documentários e curtas/média metragem
sobre o universo afro brasileiro, além de trabalhos de pesquisadores que estudam o fenômeno
religioso. O GERMAA também promove o dialogo inter religioso através de parcerias com o
Comitê Inter Religioso do Estado do Pará, Federação Espírita e Umbandistas dos Cultos Afro
Brasileiros do Estado do Pará – FEUCABEP, e Associações de Terreiros, assessorando e
dando apoio a eventos de combate a intolerância religiosa e promoção social das religiões de
matriz africana.

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