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Relações de poder na psicologia

e na educação e seus efeitos na


infância
Profª Carolina Terruggi Martinez
O controle na modernidade
A penalidade no século XIX, de maneira cada vez mais insistente, tem em vista
menos a defesa geral da sociedade que o controle e a reforma psicológica e moral
das atitudes e do comportamento dos indivíduos. Toda a penalidade do século XIX
passa a ser um controle, não tanto sobre se o que fIzeram os indivíduos está em
conformidade ou não com a lei, mas ao nível do que podem fazer, do que são
capazes de fazer, do que estão sujeitos a fazer, do que estão na iminência de fazer.

(FOUCAULT, 1973)
Qual o ideal de sujeito por trás das intervenções pedagógicas e
psicológicas prestadas à infância no século XX e no século XXI?

Início/meio Século XX Fim do século XX/ início XXI - Soma-se ao


cenário, a ascensão do neoliberalismo

Limpo Serviço de
Higiene Mental Autônomo
Escolar está aqui
Civilizado Empreendedor
Preparado para ajudar no progresso Apto à vida social e produtiva
do país e na modernização das
cidades Livre (no sentido de uma liberdade
individual…)
Patriota
A infância como lócus de investimento moral

Diante dessa “descoberta” da infância como a principal “redentora das mazelas sociais”, o discurso
médico-higienista irá apropriar-se da defesa da vida das crianças pertencentes à chamada infância
desvalida, buscando coadunar-se com o ideário republicano de cidadão, homem de bem, irá denunciar o
descaso político, frente à situação calamitosa em que se encontrava a infância pobre, salientando que a
criança que o Estado deixava morrer, poderia ser o homem de bem do amanhã. “A nação caminha pelos
pés das criancinhas. Mas é preciso criança sadia e forte, eugenicamente constituída, para que em seus
ombros, venha a descansar firme e respeitada a grandeza do Brasil”.² Salvar a criança era um meio de
salvar o País, portanto, todas as políticas públicas que a elas fossem destinadas representariam um
investimento social necessário.
(LIMA; CARVALHO, 2021, p. 425)

É necessário nos atentarmos para a congruência do discurso higienista de proteção à infância


com visões pautadas em uma moral católica vinculada a uma sociedade patriarcal, racista e classista.

² Trata-se de um excerto do discurso proferido pelo Dr. Moreira de Souza, na inauguração da Maternidade Senhor Juvenal Carvalho. In: LIMA. Abdenago da Rocha.
Instituto de Proteção e Assistência à Infância de Fortaleza, 1913 a 1938: Vince e cinco anos de campanha em favor da infância. Eduece. Fortaleza, 2018.
Uma prática marcadora de um tempo…
● Serviço de Higiene Mental Escolar - 1938 À 1974
● Higiene ligada à ideia de prevenção - prevenção na infância de um
determinado “tipo” de adulto
● Intervenções com os pais e professores para dirimir o risco de “uma potencial
formação psíquica ‘defeituosa’” (LIMA, 2012, p. 84) da criança.
● Causas da falta de aproveitamento escolar: biológicas, sociais (estrutura e
relações do ambiente familiar) e pedagógicas (restritas à mudança de
professora durante o ano).
● Maleabilidade psíquica e desenvolvimento psicológico em estágios do
desenvolvimento como justificativas para intervenções na infância.
● De comportamento castigável ao comportamento “terapeutizável”.
Concepção de infância e seus desdobramentos: “civilizar a
infância”
● Desenvolvimento ontológico seguindo o mesmo funcionamento do
desenvolvimento filogenético - do mais primitivo ao mais civilizado

● Sociedade entendida como um todo natural e harmônico - sem contradições


- “no qual se quer inserir os indivíduos, incutindo-lhes as normas sociais de
conduta que garantam esta suposta harmonia” (LIMA, 2012, p. 90).

“Mais que obediência, busca-se a obediência autorregulada, ‘subjetiva’,


inoculada no próprio processo de desenvolvimento psicológico, o que
garantiria uma subjetividade afeita à ordem social na vida adulta”
(LIMA, 2012, p. 91)
“Face ao desconcerto causado pela infância, é preciso
planejar uma intervenção”

Uma patologia chamada infância:

Concepção evolucionista de desenvolvimento

“A impulsividade e a espontaneidade infantis incomodam a ordem; jogos e


brincadeiras diversos escapam às relações previstas; qualquer indício de
agressividade ou de sexualidade entre as crianças aciona a atenção alarmada dos
adultos; a infância necessita de vigilância e orientação” (LIMA, 2012, p. 96).
Consequências…
“Pode-se supor, a partir daí, a humilhação como possível consequência direta do
constrangimento da palavra social e da desqualificação da experiência do
indivíduo, a culpa e a angústia vividas diante do descompasso entre suas ações e
as expectativas sociais de adaptação e, consequentemente, de ‘sucesso’”.

“Muitos trabalhadores da educação hoje [...] abandonados no enfrentamento da


violência da maioria contra o assalto de seu direito à educação [...], parecem
comungar da lógica dual da escola, esperando das maiorias o esforço individual
para a ascensão nos degraus da hierarquia social. ”

(LIMA, 2012, p.103)


“A patologia chamada infância, concebida por Durval Marcondes, constitui parte
importante de um regime disciplinar que, combinado com outras formas de
domínio, instala profundamente o controle social e o exercício do poder político
desde o início da história individual. Como vimos, tão logo a infância foi inventada
na complexa trama que desembocou em sua percepção, buscou-se sanear a
patologia de seu desprendimento e de sua liberdade. Esse fato nos obriga a
pensar o papel da Psicologia na formação das crianças e no processo de
humanização do homem. Por vezes de forma deliberada, muitas vezes limitada
pelo ângulo político a partir do qual enxerga seu campo de problemas, a
Psicologia exerce uma ação crucial no governo das subjetividades.”
(LIMA, 2012, p. 104)
Como cuidamos dos determinismos e
das normatividades depositadas à
infância pela psicologia e pela
pedagogia para que não matemos sua
dimensão brincante?
Referências
LIMA, A. G. Ascensão e queda da infância. In: PATTO, M. H. Formação de Psicólogos e Relações de Poder. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2012.

AQUINO, J. G. O controverso lugar da Psicologia na Educação: aportes para a crítica da noção de sujeito
psicopedagógico. Psicol. Ensino & Form., Brasília, v. 5, n. 1, p. 05-19, 2014. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-20612014000100002&lng=pt&nrm=iso>.

MORUZZI, A. B. A infância como dispositivo: uma abordagem foucaultiana para pensar a educação. Conjectura: Filos.
Educ., Caxias do Sul, v. 22, n. 2, p. 279-299, maio/ago. 2017. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/
revistas/index.php/conjectura

LIMA, E. C; CARVALHO, T. J. C. M. Os discursos médico-higienistas e a infância desvalida no Ceará na primeira metade


do século xx. Contraponto - Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil
da UFPI. Teresina, v. 10, n. 1, jan./jun. 2021.

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